VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA 5 a 7 de agosto de 2009 Cuiabá - Mato Grosso - Brasil ARTESANATO DE MIRITI: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA ECOLÓGICA EM ABAETETUBA - PARÁ Luiz Wagner da Silva Monteiro (UFPA) - [email protected] Aluno do Curso de Graduação em Turismo do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA Janaina do Nascimento Rocha (UFPA) - [email protected] Aluna do Curso de Graduação em Turismo do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA ARTESANATO DE MIRITI: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA ECOLÓGICA EM ABAETETUBA - PARÁ Resumo Este artigo apresenta uma pesquisa acerca da atividade de produção sustentável dos artesanatos de miriti, derivados de uma palmeira de mesmo nome, tipicamente encontrada na região do baixo Tocantins, município de Abaetetuba-Pará. Sendo assim, foi realizada uma pesquisa de campo objetivando apresentar o artesanato de miriti como uma opção de desenvolvimento comprometido com a utilização racional dos recursos naturais. Utilizou-se a pesquisa documental, bibliográfica e de campo. As entrevistas foram realizadas, com uma artesã, uma pesquisadora da Fundação Cultural de Abaetetuba (FCA), a Gestora do Projeto de Miriti do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), um artesão membro da Associação dos Artesãos de Brinquedos e Artesanatos de Miriti de Abaetetuba (ASAMAB) e a coordenadora do Festival do Miriti, organizado pela Associação Comercial de Abaetetuba (ACA). Foram identificadas diferentes parcerias entre os artesãos, por meio da ASAMAB com o governo municipal e outras organizações. Concluindo-se que a economia do miriti tem crescido bastante com essas parcerias gerando renda, qualidade de vida e possibilitando às novas gerações de artesãos acesso a essa cultura e aos benefícios proporcionados por este mercado. Palavras-Chave: Economia, Miriti, Sustentabilidade Abstract This article shows a research about the sustainable production activity of miriti crafts, derivative of a palm tree with the same name, typically found in the region of the down Tocantins, city of Abaetetuba- Pará. So, a field research was realized in order to show the miriti craft as an option of development engaged with the rational utilization of the natural resources. Were done documental, bibliographic and field researches. The interviews were done with a craftswoman, a researcher of Abaetetuba Cultural Foundation (AFA), the manger of the miriti project from Brazilian Service of Micro and Small Company Support (SEBRAE), a craftsman member of Association of Toy’s Artisans and Miriti Crafts of Abaetetuba 1 (ASAMAB) and the coordinator of the Miriti Festival, organized by the Cultural Association of Abaetetuba (ACA). Were identified different partnerships between the artisans, through ASAMAB with the city government and others organizations. The conclusion is that the miriti economy have grown a lot with those partnerships generating income, quality of life and allowing the news generation of artisans access to this culture and to the benefits provided for this market. Key-words: economy, miriti, sustainability. Introdução A década de 1970 teve como marco das discussões ambientais a Conferência de Estocolmo em 72. Este evento desencadeou uma série de ações que culminaram, entre outras, na formação de Organizações Não Governamentais (ONG’s) e políticas ambientalistas. Além disso, possibilitou à sociedade civil, perceber o preço que seria pago pelo crescimento desenfreado em que o mundo encontrava-se. Nesse contexto surgem as alternativas em prol de um desenvolvimento sócio-econômico sustentável. Dentre as diversas alternativas, destaca-se a economia ecológica por ser entendida como a proposta que desenvolve a economia e respeita as limitações do meio ambiente. Nesse sentido esta pesquisa tem como objetivo apresentar a economia do artesanato de miriti, atividade caracteristicamente desenvolvida em Abaetetuba no estado do Pará, como uma atividade sustentável. Para alcançá-lo, foi realizada uma pesquisa social que para Figueiredo, (2001) “trabalha com sujeitos sociais, com grupos específicos, tanto com a realidade concreta, quanto com as hipóteses e pressupostos teóricos, em um processo amplo de produção de conhecimento” Os dados foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica - que para Chizzotti (1991) é um tipo de pesquisa que investiga idéias, conceitos, que compara as posições de diversos autores em relação a temas específicos - e, in loco, entrevistas semi-estruturadas conforme Pádua (2004) é aquela que o pesquisador organiza um conjunto de questões sobre o tema que esta sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal. As entrevistas foram realizadas com uma artesã, uma pesquisadora da Fundação Cultural de Abaetetuba (FCA), a Gestora do Projeto de Miriti do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), um artesão membro da Associação dos Artesãos de 2 Brinquedos e Artesanatos de Miriti de Abaetetuba (ASAMAB) e a coordenadora do Festival do Miriti organizado pela Associação Comercial de Abaetetuba (ACA). A proposta de promoção da economia ecológica do artesanato de miriti torna-se viável, pois apresenta uma possibilidade de geração de renda para a população envolvida em consonância com o uso racional deste recurso natural e que vem se contrapor a uma crescente exploração do meio ambiente em busca de um sagaz desenvolvimento econômico. Este trabalho dispõe como relevante na pesquisa, a base dos princípios da economia ecológica encontradas nesta atividade artesanal e assim, contribuir para a difusão do conhecimento e da sensibilização desta produção sustentável. 1- Economia ecológica: uma alternativa de sustentabilidade A partir de meados do século XX surgem novas definições que nos permitem repensar o conceito de desenvolvimento, dessa vez como uma possibilidade de equilíbrio entre recursos naturais e sociais e não apenas como sinônimo de crescimento econômico. O termo “desenvolvimento sustentável” foi utilizado pela primeira vez no ano de 1950 pela Internacional Union Conservation of Nature (IUCN), porém só foi amplamente difundido na Reunião de Founeux em 1971 com o nome de ecodesenvolvimento, formulado pela escola francesa, o qual propunha uma possível alternativa de inter-relação entre os sistemas econômicos e ambientais. Com a intenção de se obter este resultado, foi criado um campo de estudo que se fundamentava no princípio de que a atividade econômica deve ser entendida tendo em vista os limites ambientais do mundo, uma vez que é deste ambiente que derivam as fontes da manutenção da economia; assim é apresentada a economia ecológica. Para May (2003), economia, “lar da humanidade” e ecologia, “lar da natureza”, que somente no final da década de 1980 vem se consolidar com a fundação da International Society for Ecological Economics (ISEE). Debates iniciados nas décadas de 60/70, e intensificados no Brasil com a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92), acerca da interação entre economia e ecologia aliado a grande devastação da Amazônia, motivou instituições financeiras a valorizar, inicialmente, de forma parcial os custos e benefícios ambientais na avaliação econômica dos projetos de desenvolvimento. E em consonância, possibilitar a busca por novas ações aplicadas de forma planejada, reconhecendo que os recursos naturais são 3 finitos e priorizando a qualidade em detrimento da quantidade, com a redução da exploração irracional de matérias-primas e produtos e o aumento da reutilização e reciclagem. 2 - Artesanato de miriti em Abaetetuba: da tradição indígena à alternativa econômica Abaetetuba, localizada na região do Baixo Tocantins estado do Pará, foi fundada em 1724, por Francisco de Azevedo Monteiro que saiu de Belém do Pará com sua família, em direção a uma seismaria que ganhou do governador do estado José da Gama Maia. Durante a viagem foram surpreendidos por uma violenta tempestade, que desviou sua rota fazendo com que não conseguissem chegar ao local desejado. Para salvar a sua vida e de sua família, ele apelou a Nossa Senhora da Conceição, prometendo que se conseguisse sobreviver, ergueria uma capela em homenagem a Santa no lugar onde ancorasse e lá se estabeleceria. Ele conseguiu chegar a uma ponta de terra, onde foi socorrido pela população local, e lá construiu uma pequena capela dando origem à cidade de Abaetetuba. Não existe uma data exata que comprove a origem da utilização do miriti, sabe-se apenas que os índios no século XVIII utilizavam para a fabricação de utensílios, mas segundo Freyre (1963) pode estar associada à chegada dos colonizadores e a mistura das raças, o que deu origem ao povo brasileiro. A extração da matéria-prima não é feita de forma predatória. Neuza Rodrigues desenvolve seu trabalho na FCA, órgão da Prefeitura Municipal, possui larga experiência em pesquisas sobre a cultura do miriti e declara firmemente que a produção dos artesanatos de miriti é um investimento sustentável, pois, os “braços” da palmeira, (ver figura 1) de onde se extrai a bucha - fibra vegetal conhecida como isopor da Amazônia - são retirados por meio de cortes precisos para que a palmeira forneça frutos gerando sementes. “Os braços cortados verdes possuem um invólucro que é a tala, parecem verdes, mas estão maduros, estes logo tenderão a cair, então automaticamente a árvore é benevolente em oferecer uma matéria-prima, que ela vai descartar futuramente. Por aí já se percebe que é algo sustentável.” 4 Figura 1. Fonte: http://www.taquarussu.com/images/Plantas Conhecida por apresentar características próprias em suas peças e ser a mais antiga artesã em atividade no município, Dona Nina Abreu revela a preocupação com a questão sustentável da árvore, que para ela, é de fundamental importância fazer um trabalho de conscientização ambiental para que a cultura da produção do artesanato de miriti nunca deixe de existir por falta de matéria-prima e enfatiza ainda as várias utilidades que tem a palmeira do miriti conforme trecho de entrevista abaixo: “O miriti é bom porque tudo serve dele, do miritizeiro. Começa da folha, o grelo da folha que vem nascendo. Eles tiram o grelo, deixam secar e fazem a envira. Essa envira tece as cordas pra rede. De uma tala, eles fazem o rabo do foguete – esses foguetes que soltam e sobem. E também eles tecem rede. O miriti é o braço da folha do miriti, esse miriti que a gente faz os brinquedos. Da tala, tece os peneiros, cestos, essas coisas. Da bucha, a gente faz os brinquedos. Da fruta faz o vinho, faz o suco, faz licor , faz o doce, faz o mingau.” Por este motivo, o miritizeiro é conhecido entre os ribeirinhos como “árvore santa”, pois além das várias utilidades citadas por Dona Nina, destacam-se também a utilização do caule como ponte que vai da porta da casa até o rio, do fruto na produção de sabonetes, perfumes e velas, e das raízes na composição de remédios e da bucha na fabricação dos tradicionais brinquedos e artesanatos. 5 Figura 2. Fonte: http://brsil.files.wordpress.com/2008/01/miriti5.jpg Os brinquedos de miriti são uma forma de expressão da vida e do cotidiano do universo ribeirinho da região Amazônica. Animais, meios de transportes, atividades regionais, objetos domésticos, e novos elementos como símbolos natalinos e peças decorativas, tudo isto está representado na arte do miriti. O início do processo de comercialização dos artesanatos de miriti deu-se no final do século XVIII, precisamente em 1793, por ocasião do primeiro Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém-Pará, quando funcionou o primeiro arraial e nele uma feira de produtos regionais, passando a ser elemento característico do Círio estes artesanatos (principalmente os brinquedos), tornaram-se a principal fonte de renda para muitos artesãos quem saem de Abaetetuba para comercializar seus produtos. Os artesanatos ganharam tão grande importância que atualmente os artesãos contam com um espaço próprio no período da festividade, para comercialização do artesanato - a feira do miriti - e também recebem anualmente do governo municipal de Abaetetuba um festival no qual são comercializados apenas produtos fabricados a partir do miriti – o miritifest. Manoel Miranda, artesão e tesoureiro da ASAMAB, assim como outros artesãos, chama o miritizeiro de “árvore santa” pelo fato de tudo dela ser aproveitado e também por que é de onde se consegue obter renda. Afirma ainda que muitos artesãos já sobrevivem exclusivamente da venda do artesanato de miriti, no Círio de Nazaré em Belém, no festival do miriti em Abaetetuba, e em exposições em outras cidades do Brasil e em países como: França, Alemanha e Estados Unidos. “Aqui a gente sempre faz brinquedos, porque a gente recebe muita encomenda e também porque a gente vende muito em feiras e festivais que têm durante o ano não só aqui, mas como em Belém e em outros lugares”. Na produção de seus brinquedos, Miranda, como é conhecido, especializou-se em confeccionar meios de transporte marítimo (barcos, montarias e navios) por fazer parte do seu 6 cotidiano vivenciado no município de Abaetetuba. A cidade proporciona inspiração não somente ao Miranda como a outros artesãos, pois é uma cidade com características tipicamente ribeirinhas, e vasta fauna e flora amazônica. Abaetetuba além de inspiração proporciona também oportunidades de promoção e comercialização dos artesanatos de miriti, isto é o que acontece no Festival do Miriti que realizará em junho deste ano sua VI edição. Francisca Vieira, a frente da coordenação do Festival do Miriti desde a I edição, afirma que o evento objetiva o desenvolvimento do município através da atividade artesanal de miriti possibilitando a ampliação do mercado consumidor e a promoção comercial das novas tendências de funcionalidades do miriti. “a partir do brinquedo começou a surgir outros produtos derivados da palmeira que se aderiram ao festival, as pessoas começaram a trabalhar a riqueza que o produto tem, como exemplo, nós temos uma culinária a base do fruto e a biojóia a partir da fibra do miriti” Considerando que o Círio em Belém e o miritifest em Abaetetuba atraem grande número de visitantes, se tornam, nos períodos de suas realizações, vitrines dos artesanatos de miriti para o mundo; e oportunidades são oferecidas aos artesãos de expor e comercializar seus produtos em outros estados do Brasil e países do mundo. A partir do aumento da divulgação do artesanato de miriti, os artesãos sentiram a necessidade de se organizar e buscar aperfeiçoamento em sua arte foi então que a ASAMAB procurou o SEBRAE que atualmente dirige três frentes de trabalhos junto à associação, explica Uiara Lima, gestora do Projeto de Miriti. A primeira visa a educação e formação por meio de oficinas que colaboram para maior promoção do artesanato, a segunda propõe a certificação do brinquedo de miriti e a terceira, em fase final, visa implantar o projeto da “Usina de Reciclagem” que tem por objetivo a utilização dos resíduos de miriti para a produção de papel. “A minha vontade é pegar os 30% de resíduos, sobra de toda a fabricação do brinquedo, que era jogado fora e isso vai retornar para eles em forma de embalagens recicladas para pararem de ficar jogando sacolas plásticas no lixo, além da beleza você agrega valor ao produto e deixa de tá jogando na natureza” Nesta fala de Uiara percebe-se que mesmo a extração da matéria-prima e a produção dos artesanatos de miriti sendo sustentáveis, arquitetou-se um projeto que visa o aproveitamento do que era desprezado na confecção dos artesanatos. Como proposta de uma nova alternativa econômica na Amazônia, o miritizeiro, passou a destacar-se como uma das palmeiras de maior importância da região de Abaetetuba. Em meio a tantas possibilidades de uso sustentável dos recursos naturais é a apresentada a 7 produção dos artesanatos de miriti por ser a principal fonte de renda de famílias das zonas urbana, rural e da região das ilhas do município. Conclusão No decorrer deste trabalho, procurou-se apresentar uma alternativa econômica voltada à preocupação ambiental e ao desenvolvimento sustentável, mostrando como o artesanato de miriti é uma maneira não predadora de gerar renda. De acordo com as informações extraídas durante este trabalho pode-se observar o grande investimento que tem sido feito na cadeia produtiva do miriti e que o processo se inicia desde a capacitação dos artesãos passando pelo o incentivo à fabricação até o apoio a divulgação dos produtos. Pode-se considerar que este trabalho contribuirá para um melhor conhecimento do artesanato de miriti como uma forma de aplicação da economia ecológica que a partir deste século acentuou-se como um novo modelo a fim de que se garanta a continuidade da vida no planeta. 8 Referências Bibliográficas Brinquedos de miriti (imagem on line). Disponível em: http://brsil.wordpress.com/2008/01/28/ultimas-belem_pa. Acesso em 25/04/2009 BRÜSEKE, Franz Josef. O Problema do Desenvolvimento Sustentável. Belém, NAEA/UFPA, 1993. CAVALCANTI, Clóvis. Breve introdução à economia da sustentabilidade. In: Desenvolvimento e natureza: Estudos para uma sociedade sustentável. 4ª ed. São Paulo: Cortez; Recife – PE: Fundação Joaquim Nabuco, 2003. CHIZZOTTI. Antônio. Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 1991. COSTA, José Marcelino Monteiro da. Desenvolvimento Sustentável: Uma avaliação de consistência macroeconômica. 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