O MAPA
(Prata, Mário. Minhas Tudo. Rio de
Janeiro, Objetiva, 2001, p. 76-79)
Livro de crônicas
Sobre o autor...
Mario Prata é um escritor, dramaturgo,
jornalista e cronista brasileiro. Nasceu em 11 de
fevereiro de 1946, é natural de Uberaba, Minas
Gerais, mas viveu boa parte da infância e
adolescência em Lins, interior de São Paulo.
Em mais de 50 anos de escrita, tem no
currículo 3 mil crônicas e cerca de 80 títulos,
entre romances, livros de contos, roteiros e
peças teatrais. Na carreira, recebeu 18 prêmios
nacionais
e
estrangeiros,
com
obras
reconhecidas no cinema, literatura, teatro e
televisão
Conquistou reconhecimento como
romancista, autor de telenovelas e de
peças de teatro, sendo seus maiores
sucessos
a
novela
Estúpido
Cupido (1976), as peças de teatro
Fábrica de Chocolate(1979) e
Besame Mucho (1982) e os livros
Diário de um Magro (1997), Minhas
Mulheres e Meus Homens (1998) e
Purgatório (2007).
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Prata
O MAPA
Ganhei um mapa do Mateus. Um mapa-múndi.
Imenso, obra da National Geographic. Grande, como
convém a um mapa-múndi. Abri o distinto em cima da
mesa de jantar. Pousou solene. E olhei para ele.
Claro que eu já tinha olhado para vários mapamúndis (ou seriam mapas múndi?). Olhado. Mas nunca
tinha
parado
para observar mesmo. Pra valer. Pra preencher esse
espaço aqui, é preciso muita água e muita terra.
A primeira coisa que descobri é que o múndi tem
acento. Fui percebendo aquelas coisas óbvias, como
se chegar a América do Sul perto da África, encaixa
direitinho. Talvez venha daí a história da Mama África.
Porque abraça mesmo. Acolhe gostoso.
Viajando, percebe-se que a mesma hora
aqui do Brasil é a mesma hora de um bom
pedaço da branquíssima Antártida. Aqui em São
Paulo, agora, é a mesma hora em Geleira de
Base. Deve ser de lá que vem o nosso frio. Passa
pela Argentina antes, que é só para os me-te-oro-lo-gis-tas (consegui?) afirmarem que "vem aí
uma frente fria da Argentina". Deve ser por isso
que o brasileiro não engole o argentino. Porque
toda vez que faz frio, é coisa da Argentina, de
argentino. É como se eles fizessem de maldade
mesmo.
E essa mesma hora, agora, por exemplo, é
a mesma lá na Groenlândia. Você jamais poderia
imaginar uma coisa dessas, eu sei.
A África, por exemplo, não é mais a mesma.
Mudaram o nome de quase tudo. Tudo bem que aqueles
países tinham que se libertar dos ingleses, dos belgas,
franceses e portugueses. Mas precisava mudar o nome?
Quer nome mais bonito de país do que Congo Belga? É de
uma sonoridade quase musical. E musical africano, claro,
com o congo batendo o ritmo. E belga. Eu não sei bem por
que, mas tudo que é belga eu já acho legal. Você já viu
alguma coisa belga, ruim? Belga não enche o saco de
ninguém. Não dá o mínimo trabalho. Não cria caso. E
aquele canário belga que o seu pai tinha na gaiola?
Olhando assim a uma certa distância, dá para
perceber que não é só a África que se encaixa na América
do Sul, não. Se puxar a Europa toda muito bem puxadinha,
ajusta lá com Nova York. Atravessa o Tejo e está em
Manhattan.
As dez ilhas de Cabo Verde fariam parte de
Cuba. Provavelmente meu amigo, o escritor
Germano Almeida, seria ministro da cultura de Fidel
(ou já o teria derrubado?). E o Alasca, hein? Quer
coisa mais fora do caminho do que o Alaska? Pra ir
a lugar nenhum passa pelo Alaska. Ninguém faz
escala lá. Não deve nem ter hotel. Além de fora de
lugar, fica fora do próprio país. Ou seja, não dá para
sair do Estado de Alaska nem para ir para os
Estados Unidos.
O Trópico de Capricórnio que, quem diria, passa
ali pertinho de Sorocaba, passa também pelo
deserto de Kalahari, no Botsuana, ali mesmo, em
cima da África do Sul. Seguindo em frente, rasga a
Austrália pelo meio. E depois continua por muita
água até chegar a Samoa onde cruza com Tonga.
Cidade que ficou famosa quando o Vinícius e o
Toquinho fizeram a Tonga da Mironga do Kabuletê.
Segundo o Toquinho, Mironga e Kabuletê seriam
duas cidades no sul africano que são tão
pequenas que não tem no mapa-múndi. Mas em
mapas só do sul da África, pode procurar que tem:
Mironga e Kabuletê. Por isso a música não ser
tropical e sim capricorniana.
Fui lá para o cantinho da Rússia ver se achava
Vladvostok. Quem é que nunca quis conquistar Vladvostok
com seus exércitos de plástico em plena WAR? Ali, a gente
estava a um passo de invadir os Estados Unidos pelo Alaska.
Ah, por isso que o Alaska foi comprado pelos americanos.
Agora ficou claro, olhando aqui no mapa. E o War dava a
dica. Jogo de americano, é claro.
Tá lá Uberaba, onde nasci. E não está Lins
(Mateus!!!). Mas também não está Linz, onde nasceu Hitler,
da Áustria.
Aquela Europa tão apertadinha, tão pequena. Aquela
Itália que conquistou o mundo todo.
Fui ver direitinho onde ficava Marrakesh. Tá lá, pra lá
de Casablanca e antes de Agadir, um filme e uma novela.
Achei Bangladesh, do guru, e Liverpool do Paul, do
John e do George. Existe a cidade.
Vontade braba de viajar.
Atenas, a ilha de Creta, Woodstock, Beirute,
Damasco, Alexandria. Tá tudo lá. É só procurar e
achar.
E ver, talvez tardiamente, que o mundo
existe mesmo. Tá na nossa cara e a gente insiste
em não olhar para ele. E olhar, infelizmente olhar,
cada vez mais, pra gente mesmo.
Acho melhor a gente viajar mais...
(Prata, Mário. Minhas Tudo. Rio de Janeiro,
Objetiva, 2001, p. 76-79)
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