LEITURA ORANTE DA BÍBLIA Um encontro com Deus vivo “A quem nós iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6,68) Recordando a história... A leitura orante da Palavra é uma tentativa de responder às constantes exortações que existem na tradição judaico-cristã de ler, conhecer e saborear a Bíblia. Entre as muitas experiências contidas na Bíblia, escolhemos a do Terceiro Isaías: "O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que eu saiba ao enfraquecido, ele faz surgir uma palavra. Manhã após manhã ele me desperta o ouvido, para que eu escute, como os discípulos; O Senhor Deus abriu-me o ouvido" (Is 50,4-5). No evangelho de Lucas lemos: "A minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática" (Lc 8,21). Na carta endereçada aos colossenses encontramos a seguinte recomendação: "Que a palavra de Cristo habite entre vós em toda a sua riqueza" (Cl 3,16a). Ler, meditar, rezar a Palavra e tratá-la como um organismo vivo faz parte da espiritualidade do povo judeu. Desde os primeiros séculos, as primeiras comunidades cristãs adotaram essa prática. A expressão lectio divina surge com Orígenes, no século 3. Na carta que ele escreveu Gregório, por volta do ano 238, encontra-se a seguinte exortação: Dedica-te à lectio das divinas escrituras; ocupa-te disto com perseverança... Empenha-te na lectio com o intuito de acreditar e de agradar a Deus... Dedicando-te, assim, à lectio divina, busca, com lealdade e confiança inabalável em Deus, o sentido das Escrituras divinas, nelas contido com grande amplitude . Cassiano, nos inícios do século V, exorta: "Esforça-te em aplicar-te assiduamente, aliás, constantemente, à lectio divina, e insiste nisto até que esta meditação contínua tenha impregnado a tua alma e, de certa forma, a tenha plasmado à sua imagem" (Conferências, XIV, 10). Por volta da metade do século XII, Ugo de S. Vítor propõe as seguintes etapas: leitura, meditação, oração e ação. Pouco depois, o monge cartuxo Guigo II, em sua carta a Gervásio, sintetiza colocando quatro graus: leitura, meditação, oração e contemplação. É essa classificação que chega até os nossos dias. Retomando a tradição: Concílio Vaticano II Nos anos 40 a 50 renasce novamente o interesse pela prática da lectio. O Concílio Vaticano II confirma a centralidade da Palavra na vida da Igreja. A Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina proclama: "O estudo dos Livros Sagrados deve ser como a alma da Teologia" (DV 24). "É preciso que os fiéis tenham amplo acesso à Sagrada Escritura" (DV 22). O documento ainda exorta a todos os fiéis a leitura assídua acompanhada pela oração e a pregação. Após o Concílio, a prática da leitura orante foi aumentando graças à prática de novas comunidades religiosas, aos movimentos eclesiais, especialmente as CEBs e na pastoral de algumas dioceses. O documento: A interpretação da Bíblia na Igreja, escrito em 1993, confirma a necessidade do estudo da Palavra de Deus usando a mediação das ciências. Na introdução, João Paulo II afirma: "O modo de interpretar os textos bíblicos para os homens e as mulheres de hoje tem conseqüências diretas sobre a relação pessoal e comunitária dos mesmos com Deus, e esta também estreitamente ligado à missão da Igreja". Para pensar.... Quais os meus sentimentos diante dessa tradição da Igreja? Condições para o êxito da leitura orante ESCUTA SILENCIOSA... Criar um clima de silêncio,externo e interno Atitude de fé Acreditar que o texto bíblico é inspirado, assim como o leitor também o é. A leitura de um texto bíblico depende da interação entre a experiência da pessoa que lê com o texto que está sendo lido. Comunhão com a Igreja. A escritura é um texto vivo que transmite a experiência de uma comunidade viva. O texto bíblico deve ser lido em comunidade Abertura de coração. Deus nos chama para "falar ao coração". É preciso pedir um coração que escuta, aberto e dócil, obediente e leal. Simplicidade. Escuta diligente A Palavra deve tornar-se vida. É preciso deixar se questionar pela Palavra e conformar nossa vida às exigências que ela nos apresenta. Invocação do Espírito Santo Em comunhão com a Igreja, pedir ao espírito de Deus que abra nosso ser para nos inserir na compreensão do mistério, da presença constante de Deus em nossa vida. Etapas da Leitura Orante A leitura indaga, enquanto a meditação encontra; a oração pede, ao passo que a contemplação saboreia. A leitura é um exame cuidadoso das Sagradas, que impulsiona, mediante uma moção do Espírito Santo. A meditação é uma atividade mental que se dedica a escavar na verdade mais escondida, sob a guia da própria razão. A prece é uma dedicação amorosa do coração a Deus, visando extirpar o mal e alcançar o bem. A contemplação é como uma elevação da alma acima de si mesma, suspensa em Deus, que degusta as alegrias da vida terrena. O próprio Guido ,ainda ,afirma: "A leitura, sem a meditação, é árida; a meditação sem a leitura, está sujeita a erros; a oração, sem a meditação, é tépida; a meditação sem a oração é infrutífera. A oração, feita com fervor, leva à contemplação, enquanto o dom da contemplação, sem a oração, é raro e miraculoso. Na América Latina, Carlos Mesters apresentou o método da leitura orante e que foi muito difundido em folhetos e painéis com dez cenas. Porém, mantendo a estrutura básica das quatro fases clássicas, às quais se dá uma explicação adaptada e contextualizada. PASSOS... Toda oração deve ser preparada com amor. A oração é a conversa, o diálogo com a pessoa mais importante. Devemos, numa atitude de amor, preparar a terra para receber a semente. Em oração, temos de preparar o ambiente exterior: sala, quarto, altar, canto, etc e também preparar o coração: sentimentos, silêncio interior, transparência, etc ... Preparar o ambiente exterior... Preparar o ambiente interior A oração é diálogo interior com Deus. O Mestre Jesus nos ensinou a rezar com o coração. Ele ia para a montanha e passava horas em diálogo com o Pai. Ele carregava em seu coração as Escrituras e meditava sobre elas com muito amor . Quando silencio o meu coração torno-me transparente diante de Deus, apresento-me como sou verdadeiramente, pois a “mentira é inimiga do silêncio!” Sendo quem sou, as Escrituras encontram no meu silêncio uma verdadeira caixa de ressonância onde ecoará o amor de Deus. O silêncio do Coração é como a caixa do violão, onde o dedilhar das Escrituras faz soar a bela melodia do Amor de Deus. Invocar o Espírito Santo O Espírito Santo é o Mestre da oração. É o Espírito Santo que mantém entre nós a presença de Jesus, caminho que leva ao Pai. Sem o Espírito Santo não há vida. Sem Ele não há oração. Leitura da Palavra Antes de iniciar a Leitura Orante já devemos estar com o texto bíblico escolhido. No início não usaremos um texto muito longo. Agora, devemos ler o texto inteiro com bastante atenção Após a leitura, devemos fechar nossos olhos e tentar recontar o texto para nós mesmos. Caso falte alguma parte do texto, devemos reler o texto e voltar a recontar. Memorizado o texto, devemos reler calmamente, anotando, sublinhando os aspectos principais do texto que é a Palavra de Deus. Prestar atenção para a voz de Deus. Perceber as personagens do texto, o papel de cada uma.. Notar o ambiente, a época, a linguagem, as ações e reações, a poesia, etc. A grande pergunta é: “O que o texto me diz”? Lembre-se: o texto bíblico é a Palavra de Deus na história do povo. A Bíblia nasceu no coração de Deus e no coração do povo. Por isso precisamos respeitar o texto. Preciso ter consciência de minha pobreza e silenciar o meu coração para que a Bíblia fale por si mesma. Devo deixar o texto falar e na humildade e no silêncio lutar para não levar o texto a dizer aquilo que eu quero ouvir. DICAS.... Marque com uma interrogação(?) palavras ou frases difíceis e depois da oração procure o significado. Marque com uma exclamação (!) o que é principal. Marque com (*) os apelos da voz de Deus. Meditação: dialogar com o Texto / dialogar com Deus Devemos perguntar: o que Deus fala para mim? Devemos deixar que o sentido do texto penetre em nossa vida para colocarmos em prática a vontade de Deus. Devemos nos esforçar para anotar os apelos de Deus para, depois, colocá-los em prática. Meditar é dialogar. Deus fala no silêncio e no silêncio escutamos a voz de Deus. Perguntemo-nos: Qual versículo me chamou mais a atenção? Quais apelos Deus me faz? O que devo fazer? O que preciso mudar em minha vida? É isso, meditação de verdade é só pela verdade. É na meditação que muitas pessoas desanimam, pois elas têm medo de mudar de vida Oração: não falar de Deus, mas falar com Deus Agora é hora de perguntar: “O que esta Palavra me faz dizer a Deus”? Sim, agora devemos falar. Nossa prece nasce da Palavra meditada. Chegou a hora de respondermos a Deus. Nossa leitura Orante se transforma numa deliciosa conversa com Deus. Louvarei a Deus por seu infinito amor. A oração que agrada ao Pai é a de Jesus. Contemplação: enxergar com o olhar de Cristo contemplação: ver com os olhos de Deus! É perceber a vida com o jeito de Jesus. Tudo se renova numa profunda atitude de amor. Agora o silêncio atinge sua capacidade máxima. Na contemplação me “imagino” com Deus, sinto que sua Palavra agora está dentro de mim, me renovando, transformando por completo. Na contemplação não se diz nenhuma palavra. É experiência, é sentimento! Apenas quero estar com Deus, ser com Ele. Viver nEle. Sinto que Deus me convida para algo. Aceito o convite: vou com Ele! Minha comunidade precisa de mim: um “Eu” renovado pela experiência da contemplação. Jesus é o novo Homem. Só seremos renovados nEle. “Se alguém está em Cristo é nova criatura; as coisas antigas passaram, eis que uma realidade nova apareceu”. (2Cor 5,17) Compromisso: caminhar com Cristo O método da Leitura orante da Bíblia nos faz escutar a voz de Deus. Agora, precisamos responder o chamado de Deus. Devemos, na liberdade, assumir o compromisso de ser discípulo de Jesus Mestre, isto é, entrar na dinâmica do Reino de Deus. Vou tomar um versículo, uma frase do texto bíblico que meditei e guardar em minha memória. A Leitura Orante da Bíblia só servirá se nos ajudar a mudar de vida. Quero lembra uma coisa: Deus nos fala na Bíblia e na vida dos pobres! Despedida: encerrar a oração e continuar com Deus É preciso encerrar a oração. A oração iluminará nossa vida e “é preciso saber viver”! Devemos dar o nosso abraço em Deus. Nosso beijo será como o de Madalena: o ósculo do Rabbuni Ressuscitado. É preciso se despedir... Não falaremos “adeus”, mas um “até logo”, pois já temos um outro encontro marcado. Devo alimentar minha necessidade de Deus. A cada encontro, uma nova experiência. Mesmo quando não quero o encontro, devo vencer minhas resistências internas e reencontrar Deus em sua Palavra. A cada dia serei transformado num discípulo novo. Podemos rezar um Pai-nosso, cantar um canto. Apaga-se a vela, mas não se apaga o amor. Agora devo avaliar minha oração: O que mais gostei? Quais foram as dificuldades? O que devo melhorar? Olhando a vida com o olhar de Deus, evangelizamos. Esse novo olhar é a conversão. É essa conversão de que tanto precisamos. Que o nosso olhar seja o olhar de Jesus: aquele mesmo olhar que defendeu a adúltera, que expulsou o mal, que semeou o amor, que curou os doentes, que escutou o povo simples, que se encantou com as crianças, que tocou tantos corações... “Tenhamos em nós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus”! (Fl 2,5)