Abertura Boas Vindas Tema do Congresso Comissões Sessões Programação Áreas II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores Títulos Trabalho Completo PROJETOS DE ESTÁGIO: VALORIZAÇÃO DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NO IME/USP Barbara Corominas Valério Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Experiência - Apresentação Oral O presente trabalho é um relato de experiência de três anos, 2009, 2010 e 2013, ministrando uma disciplina obrigatória de graduação aos licenciandos do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto de Matemática e Estatística - IME/USP. A disciplina em questão existe desde 2009 e foi criada com o novo Programa de Estágios Supervisionados do IME/USP. Para contextualizar o relato, faço uma breve descrição do Programa de Estágios Supervisionados, de seus objetivos e das sistemáticas adotadas para o desenvolvimento de suas atividades. O Programa promove uma articulação entre formação inicial e continuada de professores de Matemática, por meio do oferecimento conjunto de uma disciplina obrigatória e de um curso de extensão a professores da rede pública de Educação Básica, no interior de parcerias estabelecidas entre suas escolas e o IME, que as garantem como campo de estágio curricular supervisionado aos alunos. Palavras-chave: formação inicial, estágio supervisionado e projeto de ensino 1085 Ficha Catalográfica PROJETOS DE ESTÁGIO: VALORIZAÇÃO DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NO IME/USP Profa. Dra. Barbara Corominas Valério. Instituto de Matemática e Estatística, USP. Introdução Reconhecendo a importância do movimento desencadeado pela LDB9394/96 no tocante à necessidade de uma revisão e atualização das formações inicial e continuada de professores, a Universidade de São Paulo elaborou e aprovou, em 2004, o Programa de Formação de Professores da USP (PFPUSP). Em resumo, pode-se afirmar que o PFPUSP tem por objetivo maior promover uma formação inicial de modo articulado com as necessidades da escola pública, no sentido de que as atividades de estágio contemplem uma forte articulação com a formação continuada de professores. Nessa perspectiva, o Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME/USP) criou um Programa de Estágios Supervisionados para o curso de Licenciatura. Neste contexto, a partir de 2009, estão sendo estabelecidas anualmente parcerias com escolas públicas visando garantir a realização de estágios curriculares obrigatórios dos alunos em escolas de Educação Básica e apoiar a capacitação contínua dos professores das escolas-campo. Foi criada uma disciplina anual obrigatória de graduação – “Projetos de Estágio”, para a orientação de 100 horas do estágio e anualmente, junto com esta, é oferecida um curso de extensão para os professores regentes de classe em escola parceira. As atividades conjuntas são desenvolvidas por grupos formados por alunos da Licenciatura (estagiários) e professores da rede (seus supervisores na escola) sob a orientação de um docente do Departamento de Matemática e com apoio de educadores do IME, vinculados ao Programa. Estas atividades conjuntas visam promover a elaboração de projetos ou sequências didáticas para serem aplicadas em salas de aula dos Ensinos Fundamental ou Médio e realizar, com base nos projetos elaborados, a supervisão de 100 horas de estágio curricular obrigatório de cada aluno. Sistemática do desenvolvimento das atividades É fundamental que exista no curso de licenciatura uma proposta integradora entre teoria e prática, pois são nas aulas práticas que esta relação fica explicitada. Nesta perspectiva são formados grupos compostos por um professor da rede e estagiários. Cada grupo deve desenvolver um projeto ou sequencia didática para trabalhar um tema previsto no plano de aulas do professor para o segundo semestre. 1 1086 Os estagiários, ao longo do primeiro semestre, devem familiarizar-se com as classes envolvidas. Além disso, devem ser aplicadas atividades diagnósticas, como subsídio ao desenvolvimento do projeto, o que acaba por propiciar um redirecionamento de objetivos, um aprofundamento teórico das dificuldades encontradas com o tema segundo diferentes faixas etárias e a determinação de apoios didáticos mais adequados à classe alvo da aplicação do projeto. No segundo semestre, com os projetos discutidos e finalizados, passa-se às suas aplicações, o que frequentemente exige readequações de cronogramas ou mesmo de atividades. Aplicados os projetos nas escolas, os grupos devem fazer um relatório completo que inclui inclusive a avaliação dos resultados obtidos e expor aos demais grupos todo o trabalho desenvolvido. A fim de viabilizar a elaboração dos projetos ou sequencias didáticas, algumas questões de metodologia do ensino de Matemática e, especificamente, de Didática são colocadas em discussão. Questões envolvendo resolução de problemas, o uso de jogos e materiais didáticos estruturados ou não, bem como conceitos como contrato didático, transposição didática, registros de representação semiótica, obstáculos didáticos, erros e aprendizagem significativa são naturalmente trazidos para a discussão e reflexão dos grupos. Relatos de experiências Os projetos desenvolvidos e aplicados no Programa sob minha supervisão versaram sobre temas diversos, como por exemplo, alfabetização numérica, as quatro operações fundamentais, frações, geometria, medidas e cálculo mental. A seguir, descrevo dois destes projetos, um desenvolvido em 2009 e o outro em 2013. 1º Projeto: Tema: Uma abordagem do ensino de Unidades de Medidas na Educação de Jovens e Adultos. Este projeto ocorreu em 2009 e teve como público alvo alunos da 4ª etapa da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ao desenvolver o projeto, o grupo levou em consideração os estudos que existiam na literatura sobre a EJA. Basicamente, eles se preocuparam em desenvolver um projeto que levasse em consideração as especificidades dos alunos jovens e adultos, no sentido de que a grande maioria possui conhecimentos práticos adquiridos ao longo da vida. Para isso eles precisaram entender em qual contexto social estes alunos estavam inseridos e quais eram as suas necessidades. Dentro deste contexto, o tema escolhido foi Unidades de Medida. 2 1087 O grupo desenvolveu atividades que abordaram os tópicos de comprimento, mudança de unidade de comprimento, massa e capacidade. Todas as atividades foram realizadas em grupos, onde os alunos eram estimulados a realizar as medidas solicitadas. Por exemplo, no caso do comprimento os alunos tinham de preencher uma tabela onde era solicitado o comprimento de alguns itens pré-estabelecidos. Para isso, eles deveriam utilizar um objeto grande ou pequeno, que o grupo escolhia antes de realizar todas as medidas. A seguir mostramos parte da tabela fornecida aos alunos. Unidades de medida escolhidas “’pequena” “grande” Lado do tabuleiro de xadrez do chão Comprimento do banco Altura da porta Distância entre os postes de luz Altura da rede de ping-pong Realizadas as medidas, os grupos voltaram para a classe e neste momento, por meio de questionamentos, os estagiários tiveram a oportunidade de discutir aspectos relevantes sobre a atividade. Em conjunto chegaram à conclusão de que é necessário existir uma medida padrão, visto que os resultados dos grupos eram diferentes para os mesmos objetos, e que deveria existir instrumentos para medir pequenos comprimentos e outro para medir grandes comprimentos. A aplicação desta atividade surpreendeu nossos estagiários e a própria professora da classe, pois houve uma participação e um envolvimento unânime dos alunos durante todo o desenvolvimento da mesma. Esta participação ocorreu em todas as atividades propostas no projeto. É importante ressaltar que o grupo teve a oportunidade de rever, de forma indireta, as operações básicas. 2º Projeto Tema: Frações e Geometria Este projeto ocorreu em 2013 e teve como público alvo alunos do 6º ano do Ensino Fundamental II de uma escola estadual. A princípio eram dois projetos sendo desenvolvidos em uma mesma turma, no entanto, no segundo semestre de 2013, após a aplicação das primeiras atividades de cada grupo eles perceberam que os alunos tinham muito mais dúvidas do que as levantadas nas atividades diagnósticas o que surpreendeu a própria professora da turma. Diante desta realidade, os dois grupos se uniram e passaram a desenvolver um único projeto enfatizando a aprendizagem/reforço das quatro operações e de habilidades geometria, principalmente visuais. 3 1088 A maioria das atividades desenvolvidas envolviam jogos, como por exemplo, dominó de multiplicação, caça divisores, bingos das operações, mico com frações, Tangram por Dobraduras e quebra-cabeça de dobrar. Em geral os alunos gostaram das atividades propostas e se envolveram no trabalho desenvolvido pelos estagiários e o principal motivo deste envolvimento deve-se ao fato da natureza das atividades. A professora da turma adorou todas as atividades propostas, pois não imaginava que um trabalho diferenciado poderia gerar efeitos tão benéficos. Conclusão Após três anos de experiência ministrando a disciplina “Projetos de Estágio” percebo quão valioso é para o aluno do curso de Licenciatura a realização de um estágio de vivência e a existência de uma disciplina onde ele não só tem a oportunidade de discutir a sua prática, mas também é motivado a fazê-la. Durante as aulas da disciplina os relatos dos alunos estagiários e dos professores participantes se transformaram em material de discussão e reflexão coletiva, o que foi muito importante para todos. Ficou claro para os alunos que ensinar conteúdos, considerados a priori simples por eles como, por exemplo, frações ou até mesmo as quatro operações básicas, não era tão trivial como imaginavam. Eles perceberam que é fundamental o professor dominar o conteúdo a ser ensinado para que de fato possa propiciar a aprendizagem significativa por parte dos alunos. Motivada pelo seguinte relato de estágio de um aluno da turma de 2013 “Agora, não me comportei como nas outras visitas, ou seja, ajudava somente no básico, orientando os alunos a reconhecerem sozinhos os padrões solicitados”, questionei os demais alunos da turma se eles também tinham percebido em si alguma mudança de atitude. Obtive algumas respostas bem interessantes: “A maior mudança em mim foi de falar menos e dar mais pausas para os alunos pensarem. Alguns raciocínios que me pareciam óbvios são mais complicados que aparentam.” “Sim, quando percebi que uma explicação completa leva o aluno apenas a reproduzir as palavras que eu disse, passei a tentar levar o aluno a desenvolver o problema por si só.” “Mudei sim de atitude, mas no sentido de não dar as respostas e estimula-los a pensar por si só. Confesso que determinadas vezes me desestimulei também pela bagunça e falta de vontade dos alunos.” Ao longo da disciplina também discutimos sobre a complexa relação entre o ato 4 1089 de ensinar de um professor e a aprendizagem de seus alunos. Com o estágio realizado, os alunos tiveram oportunidade de vivenciar situações reais. Ao questionar o grupo se a disciplina de Projetos de Estágio tinha contribuído para a sua formação como futuro professor um dos alunos relatou “Contribuiu muito. Porque foi uma oportunidade de estar diante de uma sala de aula com voz ativa, vivenciando experiências reias com alunos inseridos na educação pública. A cada visita eu podia descobrir coisas novas sobre o desafio de ser professora e questionar-me sobre essa decisão. É na verdade um exercício de avaliação e auto avaliação constante, e a parte mais difícil é a correção e o lidar com o erro”. A realidade da sala de aula encontrada nas escolas parceiras em 2013 propiciou vários momentos de reflexão, individual em um primeiro momento e depois coletivo. Apesar de todo o esforço em propor atividades diferentes para trabalhar o conteúdo matemático muito alunos das escolas continuaram a se mostrar completamente desinteressados pelo ensino. Diante desta realidade vários alunos reafirmaram o seu desejo de se tornar professor e passaram a efetivamente valorizar muito mais a profissão de professor. Infelizmente, no entanto, outros não estão mais certos sobre o que farão ao terminarem o curso de Licenciatura ou pelo menos expressaram a vontade de não trabalhar em escolas públicas. Em um relato de estágio de 2013 pode-se ler “Foi um dia exaustivo, os alunos não colaboram, não se interessam por nada....cheguei a questionar, muito seriamente se era isso que eu queria para mim”. Ao perguntar para o restante da turma se mais alguém já tinha se feito este tipo de questionamento, um aluno escreveu “Já passou várias vezes, mas é que eu quero e ainda tenho esperança que possa mostrar aos alunos o melhor lado da matemática, utilizando diferentes metodologias e materiais de ensino. Mas a rede pública não está mais entre os meus principais objetivos. Gostaria muito de fazer diferença numa escola pública, mas com o projeto percebi que estava sonhando alto demais e que a realidade era bem pior do que a que eu imaginava e sozinha seria bem difícil mudar muita coisa....A direção deve estar envolvida para que uma mudança significativa ocorra de fato na escola.” É importante registrar ainda que os professores da rede são gratos pela possibilidade de discutir assuntos teóricos que, muitas vezes, nem fizeram parte de sua formação ou que, mesmo sendo um conhecimento prévio, não concretizavam implementação prática. Por exemplo, tiveram a oportunidade de trabalhar com metodologias sugeridas em orientações oficiais, como jogos, dramatizações, materiais concretos. A valorização do trabalho por eles desenvolvido na escola e o fato de ficarem 5 1090 responsáveis por um grupo de alunos da Licenciatura fazem com que a sua auto estima melhore muito. Por vezes, percebemos os professores defendendo os estagiários quando a metodologia de aplicação de alguma atividade era questionada, o que é um indício do envolvimento do professor em todo o processo. É de salientar que, no caso dos professores do Ensino Fundamental I, pude perceber uma mudança positiva de atitude, por tomarem consciência de suas potencialidades e/ou dificuldades frente ao ensino de Matemática. Referências Bibliográficas MACHADO, N. J. Educação: Projeto e Valores. Coleção Ensaios Transversais, São Paulo: Ed. Escrituras, 2004. DURVAL, R. Registros de representações semióticas e funcionamento cognitivo da compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. (Org) Aprendizagem em Matemática: Registros de representação semiótica. Campinas: Papirus, 2003. 6 1091