Ministério da Saúde Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários Interligação e integração entre cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares * Para melhores acesso, adequação, qualidade técnica, continuidade e efetividade de cuidados. Para mais eficiência, garantindo a sustentabilidade económica e financeira do SNS Documento de trabalho -­‐ versão de 2012.09.30 Membros do Grupo Carlos Nunes; Cristina Correia; Cristina Ribeiro; Cristina Santos; Luís Marquês; Maciel Barbosa; Maria da Luz Pereira; Pedro Pardal; Teresa Seixas; Vítor Ramos (coordenador) Setembro de 2012 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Índice
Pág.
1. Introdução ..................................................................................................................................
3
2. Centralidade na pessoa / doente – como garantir ? ..................................................
3
3. Necessidade de uma visão e abordagem sistémicas ...............................................
4
4. Das unidades de saúde iniciais às controversas ULS atuais .................................
5
5. Quadros epidemiológico e sistémico de referência ...................................................
6
6. Papel da governação clínica e de saúde ......................................................................
8
7. Cultura de contratualidade e gestão consequente de interfaces .........................
9
8. Conhecimento mútuo das arquiteturas organizacionais CSP e CSH .................
9
9. Funções e competências generalistas para a integração de cuidados ..............
10
10. Recomendações e linhas de ação .................................................................................
12
10.1. Sistemas de informação partilhados ..........................................................................
12
10.2. Comunicação interprofissionais e entre unidades ...................................................
12
10.3. Sistema de referenciação em “ciclo completo” e Programa CTH “Consulta a
Tempo e Horas ...............................................................................................................
10.4. Entrosamento interinstitucional ...................................................................................
13
10.5. Consultadorias especializadas nos CSP ...................................................................
14
10.6. Papel do internista / “gestor do doente” e ligação ao médico de família .............
15
10.7. Acesso partilhado e seguro aos resultados dos MCD ............................................
15
10.8. Planos de ação conjunta e processos assistenciais integrados ...........................
15
10.9. Vigilância epidemiológica e planeamento conjunto de respostas ........................
16
10.10. Painéis de indicadores de interligação e de integração de cuidados ................
16
10.11. Contratualização inter-institucional de respostas ..................................................
17
10.12. Expandir o conceito e as práticas das UCF saúde materno-infantil ..................
17
10.13. Cultura de avaliação sistemática e de Qualidade .................................................
18
10.14. Formação/desenvolvimento profissional contínuo – projetos comuns ..............
18
10.15. Investigação – projetos comuns ...............................................................................
18
10.16. Afinação geodemográfica de alguns ACES e hospitais de referência ..............
18
10.17. Telemedicina ................................................................................................................
18
10.18. Apoio aos profissionais ..............................................................................................
19
11 – Referências ……................................................................................................…………...
19
14
2
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 1. Introdução Este documento de trabalho traduz a reflexão do Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários (Despacho n.º 13312/2011, de 4 de Outubro) e foi elaborado como contributo e colaboração com o Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (Despacho n.º 10601/2011, de 24 de Agosto, tendo em conta o âmbito das respectivas atribuições. O Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários assume que este desenvolvimento está intimamente ligado com o desenvolvimento da totalidade do sistema de saúde, em especial do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Parte de um diagnóstico repetidamente formulado de excessiva descontinuidade e fragmentação de cuidados, com os riscos e desvantagens que tal pode representar para a segurança do doente, para a duplicação de esforços, para o desperdício de recursos e para uma menor eficiência e qualidade dos cuidados de saúde. Assim, a interligação e a integração entre cuidados de saúde primários (CSP) e cuidados de saúde hospitalares (CSH) são vistas como meios para melhorar o acesso, a adequação, a qualidade técnica, a continuidade e a efetividade dos cuidados de saúde prestados à população. Igualmente importantes são as preocupações de eficiência para garantir a sustentabilidade económica e financeira do SNS Este documento estrutura-­‐se em torno de três ideias-­‐chave: a)
A integração de cuidados não significa nem pressupõe integração organizacional e esta não assegura a primeira, pelo que devem ser claramente distinguidas; b)
Os cuidados de saúde primários (CSP) e os cuidados de saúde hospitalares (CSH) cooperam para a mesma finalidade – a saúde e o bem-­‐estar de cada cidadão e da população – porém, têm culturas organizacionais e missões distintas: os CSP, por exemplo, visam manter as pessoas saudáveis e, em utopia, tornar os CSH desnecessários; c)
Deve haver uma boa combinação de macro e micro-­‐perspectivas – tanto os CSP como os CSH devem guiar-­‐se pelos princípios, valores, objectivos e estratégias do Plano Nacional de Saúde; tanto os CSP como os CSH devem aprofundar e desenvolver, a nível micro, os seus “tecidos e órgãos internos”, as respectivas transformações em curso e conhecer mutuamente estes processos. 2. Centralidade na pessoa / no doente – como garantir? A integração efetiva de cuidados deve centrar-­‐se nos utentes/pacientes. Um órgão de administração único não garante essa integração. Apesar da proliferação nas últimas décadas de declarações e de documentos “corretos” sobre a centralidade do cidadão e do doente no sistema de saúde, a prática vem perpetuando outras centralidades em detrimento daquela. Centralidades que refletem uma diversidade de interesses institucionais, comerciais, industriais, grupais e até individuais a exigir mecanismos regulatórios e de governação suficientemente sofisticados e inteligentes para garantir aquela centralidade primordial. 3
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Pelo menos três instrumentos parecem ser decisivos neste processo: a) Um sistema bem arquitectado para a gestão adequada dos utentes do SNS, incluindo a sua afiliação a uma unidade de CSP e respectiva equipa de saúde da pessoa e da família, bem como a atualização periódica da sua situação perante o SNS e da utilização e cuidados/benefícios recebidos – não se compreende, por exemplo, que se estime existirem cerca de 1,5 milhões de cidadãos sem possibilidade de inscrição em médico de família e, simultaneamente se estime haver cerca de 1 milhão de inscrições desatualizadas, duplicadas, de pessoas “inexistentes”, e de pessoas que não estão interessadas neste serviço, nas listas atuais dos médicos de família. b) Uma arquitetura de informação sistémica que permita a interoperabilidade entre as diversas aplicações em uso e o acesso profissional, com garantia de segurança e confidencialidade, à informação relevante existente sobre cada utente nos diversos serviços do SNS – evitando riscos, erros, duplicação de exames e atrasos no diagnóstico e terapêuticas; c) Capacitação para a autonomia e empoderamento dos cidadãos no controle e na gestão dos assuntos que dizem respeito à sua saúde, bem como para uma maior responsabilidade na utilização correta e participação ativa na gestão dos seus serviços de saúde – num processo sensível e coerente de cidadania em saúde. 3. Necessidade de uma visão e abordagem sistémicas Os cuidados de saúde primários (CSP) protagonizam mais de 85% das interações entre a população e o sistema de saúde, designadamente o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Deveriam por isso ser, desejavelmente, ponto de partida, ponto de coordenação e ponto de retorno de mais de 90% de todos os episódios de prestação de cuidados. 1-­‐5 A designação “gate keeper” foi abandonada, por inadequada, pelos mais prestigiados investigadores e teorizadores dos CSP que têm utilizado expressões como “gate opener” ou coordenação sistémica dos processos assistenciais à população. 1-­‐5 Nesta óptima, interligação e interações entre os serviços de CSP e os serviços hospitalares devem ser vistas numa perspectiva integrada. Assim, o desempenho hospitalar depende em grande medida das suas relações sistémicas contextuais. Foi nesta linha que foram instituídos, no Reino Unido, os “fund holders” na década de 80 e, recentemente, o modelo organizacional dos “primary care trusts”. 6,7 A ideia central é a de que os CSP se entrosam com a própria comunidade organizada, com a missão de garantir a resposta às suas necessidades de saúde. Para isso, têm por vezes de recorrer aos cuidados de saúde hospitalares (CSH) que atuam como seus “fornecedores”. Isto pressupõe processos de contratualização e interdependências financeiras rigorosas e a assunção de riscos de atividade e consequências associadas à qualidade e a eventuais não-­‐
conformidades, de parte a parte. 4
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 4. Das unidades de saúde iniciais às controversas ULS actuais A articulação entre os CSP e os hospitais foi inicialmente prevista, há cerca de 20 anos, através da figura unidades de saúde (artigo 14.º do Decreto-­‐lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro). De acordo com este diploma legal, tanto os hospitais como os CSP teriam personalidade, autonomia e gestão próprias. Estas unidades permitiriam a coordenação inter-­‐pares entre instituições autónomas. Por sua vez, a autonomia administrativa e financeira dos centros de saúde concretizava-­‐se pela figura jurídica de grupos personalizados de centros de saúde, o que nunca foi concretizado. A ausência de cultura e de práticas de gestão e de contratualização adequadas têm sido invocadas como obstáculos ao desenvolvimento de uma complementaridade mais efetiva entre os CSP e os hospitais, numa base de capacidade negocial equitativa.8-­‐11. É controversa a variante formalmente designada em Portugal continental por “unidade local de saúde” (ULS), enquanto entidade com órgão de administração único para organizações com culturas sociotécnicas distintas. A evidência científica para aferir as várias posições e argumentos a favor ou contra esta modalidade é escassa ou mesmo inexistente. Aparentemente, tudo começou com a criação de uma excepção local à ideia dos sistemas locais de saúde lançada nos anos de 1998 e 1999, e que chegou a ter suporte legal. O conceito de sistema local de saúde era o de um sistema aberto complexo adaptativo envolvendo o conjunto das instituições e parceiros no processo de “produção” de saúde de uma comunidade local. Não incluía o figurino de uma “administração única” comum a instituições distintas. Os seus mecanismos integradores e de regulação seriam: sistema de informação e comunicação de saúde; planeamento flexível, continuamente ajustado às necessidades de saúde; mecanismos de garantia de respostas à população abrangida; financiamento de base populacional ajustado por necessidades; dispositivos rigorosos de contratualização e de avaliação de desempenhos; participação e envolvimento da comunidade e dos seus órgãos. 12-­‐
16. O desenvolvimento dos CSP, das tecnologias e a complexificação do sistema de saúde acentuarão a emergência de culturas distintas e a necessidade de desenvolver cooperação e contratualização consequentes inter-­‐institucionais (Quadro I). Num contexto tecnológico e sistémico em permanente evolução, é necessário ensaiar e avaliar arquitecturas organizacionais flexíveis de nível intermédio, onde predominem relações de cooperação e de contratualização com compromissos explícitos entre organizações autónomas e interdependentes, organizadas em rede. Também é natural que haja evolução dos atributos apresentado no Quadro I, especialmente os do lado hospitalar sob a forte influência dos desafios da transformação demográfica e epidemiológica no país, com destaque para a crescente importância, em volume e complexidade, das situações de pessoas com multimorbilidade crónica a requerer uma continuidade, racionalidade e integração de cuidados ao longo da cadeia de prestação de cuidados de saúde. A atual fragmentação e 5
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 compartimentação de cuidados é inadequada, perigosa e gera ineficiências e desperdícios que urge controlar e reduzir. 5. Quadros epidemiológico e sistémico de referência Os atuais agrupamentos de centros de saúde (ACES) permitem trabalhar com um quadro epidemiológico centrado nos problemas e necessidades de saúde de grupos populacionais com escalas de 105. Esta dimensão populacional permite previsões relativamente estáveis, designadamente no que respeita às necessidades em cuidados de saúde secundários, terciários e continuados. Os estudos de referenciação e de interligação entre níveis de cuidados, em Portugal e noutros países, permitem prever um volume de derivação de situações e problemas entre os CSP, os hospitais e os cuidados continuados de cerca de 10 a 15% do total das situações e problemas abordados nos CSP. Estas necessidades podem ser detalhadas tendo em conta 12 áreas nas quais se sistematizam os cerca de “150 processos assistenciais essenciais” identificados no âmbito do “Projeto Dica” (Dinamização dos Conselhos Clínicos dos ACES da ARSLVT), em 2009.17-­‐19 6
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Quadro I
Cuidados de saúde primários e hospitais - interfaces entre culturas distintas
centros de saúde
Objectivo assistencial
crítico
Epidemiologia e tempo
de abordagem
Postura de ação
Atitude predominante
Entrosamento com a
comunidade
Melhorar o potencial
de saúde da
comunidade e de cada
pessoa com o seu
envolvimento na
gestão da sua saúde
Todo o tipo de
problemas em todos
os momentos e graus
de (in)definição,
(in)certeza e
multimorbilidade
Interface
Complementaridade
Seletividade
hospitais
Resolução célere de
cada episódio de
doença
e competências
generalistas
Problemas
habitualmente já
melhor definidos – com
valores preditivos mais
elevados
Antecipação e
proactividade
Contratualidade
Resposta à procura
Mais relacional
Tecnologias
apropriadas
Mais tecnológica
Proximidade
Interligação
Maior distanciamento
Posicionamento
sistémico
Linha da frente
Referenciação
Retaguarda
Modo de atuação
Mais flexível e
personalizada
Comunicação
Mais “padronizada”
Cerne organizativo
Ritmo
Enfoque prioritário
Abordagem
Relação custoefetividade (valor em
saúde)
Pequenas equipas
multiprofissionais com
missões específicas
Cooperação
Pólos tecnológicos e
equipas muito
especializadas
“Medicina lenta” e
cuidados ao longo do
tempo e da vida
Continuidade
Intensidade de
cuidados por períodos
de tempo curtos
Educação – prevenção
capacitação autonomia
Integração de
cuidados
Episódio de cuidados
Pessoa-famíliacomunidade –
população
Contextualização
Resultados finais
elevados para cada
unidade de custoinvestimento
Racionalidade
socioeconómica
Doença(s) – caso
clínico
Resultados finais
modestos para cada
unidade de custoinvestimento
Adaptado de: Relatório do Grupo Técnico para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários – Lisboa, Julho de 2005 e de: Ramos V. A
interface entre cuidados de saúde primários e o hospital. In: Campos L, Borges M, Portugal R (editores). Governação
dos Hospitais. Alfragide: Casa das Letras / Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda., 2009: 333-47. 20
Nota: é previsível uma evolução a médio prazo dos atributos apresentados no Quadro I, especialmente os do lado hospitalar, por influência das transformações demográfica, epidemiológica, socioeconómica e cultural do país.
7
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 6. Papel da governação clínica e de saúde A evolução do sistema de saúde vai evidenciando uma progressiva diversificação da natureza e do posicionamento sistémico de múltiplos pólos de prestação de cuidados. A dicotomia simplista CSP -­‐ hospitais está, cada vez mais, desajustada da realidade e vai dando lugar a uma rede complexa de instituições de vários tipos e com componentes tecnológicos diversos. Esta diversificação gera, por sua vez, novas interfaces e novos tipos de relação inter-­‐institucional cuja regulação e gestão é complexa e deve recorrer a dispositivos de índole variada. Nestes, destaca-­‐se a governação clínica e de saúde. Acresce ainda que esta diversidade abrangerá entidades e organizações dos sectores público, cooperativo, social e privado (Figura 1). Cuidados continuados
integrados
Cuidados de saúde primários
(redes de equipas com missões específicas)
Hospitais
pessoa – família – grupos – settings
comunidade
Unidades e
centros
tecnológicos
Figura 1 – Diversificação e novas relações sistémicas entre prestadores de cuidados de saúde
numa comunidade
A governação clínica e de saúde que agora emerge nos CSP em Portugal tem um dos pontos centrais da sua atenção nas interfaces com os hospitais e com outras instituições prestadoras de cuidados de saúde às comunidades à sua responsabilidade. As interfaces entre CSP, hospitais e cuidados continuados devem ter em conta aspectos como: a) um quadro-­‐guia epidemiológico dos problemas e das necessidades de saúde de grupos populacionais (escala de 105), com previsão das necessidades em cuidados de saúde secundários, terciários e continuados; b) a transformação organizativa actualmente em curso nos CSP; c) a diversificação dos prestadores de cuidados de saúde, para além dos CSP e hospitais; d) a emergência de uma cultura de governação clínica e de saúde no sistema de saúde; 8
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 e) a controvérsia das unidades locais de saúde (ULS); f) o desenvolvimento de novas modalidades de financiamento e de contratualização, seguindo uma lógica de “accountability” e de responsabilidade social. A implementação dos conselhos clínicos nos ACES e a emergência da governação clínica e de saúde nos CSP abrem novas possibilidades e oportunidades de comunicação e de conhecimento nas interfaces entre os CSP, os hospitais, outras instituições prestadoras de cuidados de saúde e a comunidade. Este processo é mais fácil nas zonas geodemográficas onde existe apenas um ou dois hospitais de referência. Fica dificultado nas grandes áreas de Lisboa, Porto e Coimbra com os grandes hospitais centrais. Porém, não parece útil fixarmo-­‐nos em modelos únicos. Um processo de contratualização bem estruturado e preciso, apoiado num bom sistema de informação permite ultrapassar a complexidade de algumas destas situações e lidar com a especificidade de cada situação concreta. 17, 21-­‐24 7. Cultura de contratualidade e gestão de interfaces O desenvolvimento do sistema de saúde português é indissociável do desenvolvimento de novas modalidades de financiamento e de contratualização, seguindo uma lógica de “accountability” e de responsabilidade social. Em relação à governação das interfaces entre as diversas instituições prestadoras de cuidados de saúde, numa óptica de garantir a integração e a continuidade de cuidados, parece oportuno e necessário delinear e realizar estudos que avaliem e comparem desempenhos dos modelos actualmente em funcionamento, designadamente das ULS. Em relação à questão da gestão única de serviços de saúde com naturezas e culturas diversas, deverão ser confirmadas, na prática, as supostas vantagens de melhoria da eficiência, da coordenação de cuidados e da redução de custos. Como já foi dito, a escassa evidência internacional não aponta neste sentido. 25-­‐40 A comparação dos desempenhos das várias modalidades já existentes deve envolver as seguintes dimensões: acessibilidade, efectividade clínica (resultados intermédios), efectividade sobre a saúde populacional (resultados finais ou “outcomes”), equidade, qualidade (processos), eficiência (institucional e macroeficiência sistémica), satisfação dos utentes e dos profissionais. 8. Conhecimento mútuo das arquiteturas organizacionais dos CSP e dos hospitais A aparente complexidade arquitetural “interna” dos ACES com os seus diferentes órgãos e tipos de unidades funcionais com funções e missões específicas deve ser claramente explicada aos líderes das unidades e equipas hospitalares. De igual modo devem ser explicadas aos líderes das unidades e órgãos dos CSP as correspondentes transformações que sejam implementadas nos estabelecimentos hospitalares. 41 Por exemplo, é indispensável que todos saibam quais as transformações em curso nos cuidados de saúde primários e quais os respectivos sentidos e finalidade. Por insuficiente informação, alguns dizem haver demasiadas “designações” e “siglas” na descrição da atual arquitetura organizativa dos ACeS. Poder-­‐se-­‐ia contrapor se é preferível a arquitetura biológica 9
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 de um nemátode à de um primata superior, por este ter demasiados aparelhos, sistemas, órgãos e milhares de dispositivos de regulação interna e social. Porém, para cada cidadão há 3 ideias simples e centrais a reter: a) o seu contacto e ligação ao SNS são feitos através do seu médico e do seu enfermeiro de família; b) estes, estarão progressivamente integrados em equipas coesas e dinâmicas de saúde da pessoa e da família que também o apoiam sempre que o seu médico e/ou enfermeiro de família estejam ausentes (Unidades e Saúde Familiar – USF; ou Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados – UCSP, muitas destas em reorganização para evoluírem para USF); c) através do seu médico e/ou enfermeiro de família poderá usufruir dos restantes cuidados de que necessite, disponíveis nos CSP, nos hospitais e na rede de cuidados continuados integrados. Excetuam-­‐se as situações de emergência e de verdadeira urgência. O conceito essencial da transformação dos CSP é o de trabalho em equipa. O elemento estrutural central é o de equipa. Os objectivos são os de melhorar a eficácia/ efetividade dos profissionais, a capacidade resolutiva das equipas e a obtenção de melhores resultados de saúde com mais eficiência e maior satisfação dos utentes e dos profissionais. Existem vários tipos de equipas/unidades funcionais consoante os problemas e as necessidades de saúde a satisfazer (ver Quadro II). Complementam-­‐se entre si, estão mais próximas dos cidadãos e assumem compromissos explícitos de acessibilidade e de qualidade dos cuidados. Ao mesmo tempo, estão em desenvolvimento órgãos de governação e de gestão, que nunca existiram nos CSP, com envolvimento e participação da comunidade. Para optimizar a gestão de recursos e permitir escala epidemiológica os centros de saúde organizam-­‐se em agrupamentos de centros de saúde (ACES). O objectivo é que a nível local existam poder e responsabilidade para que quem vive e conhece os problemas a resolver possa decidir de modo acertado e célere. As relações de comando burocrático vertical vão sendo substituídas por relações de contratualidade, orientadas para obter resultados de saúde, com avaliação e consequências a todos os níveis. Esta nova arquitetura organizacional assenta nas vertentes resumidas no Quadro II. 9. Funções e competências generalistas para a integração de cuidados Esta nova abordagem organizacional visa reduzir a fragmentação e a descontinuidade de cuidados e revaloriza as funções profissionais generalistas, médico e enfermeiro de família trabalhando em estreita complementaridade, num contexto de equipa multiprofissional com dispositivos de entreajuda e de intersubstituição claramente previstos e avaliáveis. Paralelamente, do lado hospitalar, espera-­‐se a revalorização e reforço da presença de médicos generalistas (medicina interna, cirurgia geral e pediatria geral) que poderão atuar como “gestores de caso” e elementos primordiais do contacto, comunicação e continuidade de cuidados com os CSP e os cuidados continuados. 10
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Quadro II
Vertentes da reforma dos cuidados de saúde primários
Equipas multiprofissionais de tipo estrutural permanente, com missões específicas:
1. Rede
descentralizada
de equipas
•
cuidados à pessoa e à família – unidades de saúde familiar (USF) e
unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP);
•
cuidados seletivos a grupos com necessidades especiais e intervenções
na comunidade – unidades de cuidados na comunidade (UCC);
•
ações de diagnóstico e vigilância (função de observatório local de saúde) e
de proteção e promoção do estado de saúde da populações – unidades
de saúde pública (USP).
2. Concentração
de recursos e
partilha de
serviços
•
Equipa multiprofissional que assegura e rentabiliza serviços específicos,
assistenciais e de consultadoria às unidades funcionais e aos projetos de
saúde comuns a várias unidades e ao ACES - unidade de recursos
assistenciais partilhados (URAP)
3.
Descentralização
da gestão para o
nível local
•
Criação dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) com diretores
executivos e conselhos executivos e desenvolvimento de competências locais
para gestão de recursos - unidades de apoio à gestão (UAG) – obtendo
economias de escala com a agregação de centros de saúde
4. Governação
clínica e de
saúde
•
Desenvolvimento de um sistema de pilotagem técnico-científica envolvendo
todos os profissionais, sob orientação do conselho clínico de cada ACES e dos
conselhos técnicos das suas unidades
5. Participação
da comunidade
•
Ênfase e reforço da participação da comunidade através de órgãos como os
gabinetes do cidadão e os conselhos da comunidade
11
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 10. Recomendações Recomendam-­‐se como linhas de trabalho: 10.1. Sistemas de informação partilhada Os profissionais envolvidos nos cuidados a um dado doente devem poder aceder à informação essencial disponível: avaliação clínica e problemas ativos, resultados de exames, incluindo os de imagem, terapêuticas, riscos e alertas específicos entre outros. Isto, independentemente de existir ou não um órgão de administração comum aos CSP e aos hospitais. Igualmente, na gestão eficiente de “altas”, é o doente que deve estar no centro do processo de continuidade de cuidados com conhecimento claro dos detalhes essenciais de cada caso pelas equipas de um e de outro lado. Os sistemas de informação partilhada devem também ser acessíveis aos profissionais dos observatórios locais de saúde no âmbito das funções de vigilância epidemiológica e monitorização sistémica, abrangente e integrada dos factores determinantes do estado de saúde da população. Medida proposta Instalação progressiva até final de 2014 de plataformas técnicas de interoperabilidade que permitam a partilha de informação pelos profissionais que cuidam de uma dada pessoa, nos CSP ou nos CSH. Notas Esta medida permitirá evitar gastos várias vezes superiores ao seu custo (estimáveis e monitorizáveis) por evitar atos desnecessários, duplicação desnecessária de exames, prescrições redundantes, eventualmente perigosas para o doente, para além dos ganhos na qualidade técnica dos cuidados e nos resultados clínicos e de saúde atingíveis. O GT considera errado e dispendioso pugnar por uma “aplicação única” em vez de desenvolver bons “motores de busca” de informação com os indispensáveis dispositivos de segurança, confidencialidade e controle de acessos à informação, a qual deve ser disponibilizada transversalmente aos CSP e aos CSH. 10.2. Comunicação interprofissionais e entre unidades e serviços Independentemente de existir ou não um órgão de administração comum aos CSP e aos hospitais é indispensável desenvolver canais de comunicação e plataformas colaborativas ágeis e eficazes entre os profissionais. Podem e devem desenvolver-­‐se contatos privilegiados entre cada especialidade ou unidade autónoma de gestão, a nível hospitalar, e a equipa de saúde familiar de cada doente (médico de família e/ou enfermeiro de família). Medidas propostas Reorganizar e reforçar a utilização, até final de 2012, dos meios técnicos facilitadores dos contactos entre os profissionais dos CSP e os dos CSH: telemóvel, telefones fixos e e-­‐mail, 12
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 devidamente divulgados entre todos e periodicamente atualizados. O contacto por e-­‐mail parece ser o mais adequado na maior parte das situações. No processo hospitalar de cada doente deve constar a informação dos respectivos médico de família e unidade de saúde ou a do presidente do conselho clínico do ACES em que esteja inscrito, quando o doente não tenha ainda médico de família atribuído. Esta última informação estará disponível no Portal da Saúde www.portaldasaude.pt ou no site www.csp.min-­‐saude.pt ). Os contactos devem ser o mais possível diretos sem ter de se passar por “central telefónica”. É legítimo saber, se possível conhecer, quem vai atender a chamada ou devolver o pedido de contacto e ter a garantia que esse pedido terá retorno num curto prazo. Isto, nos dois sentidos. Notas Esta medida não exige investimento financeiro adicional, mas essencialmente pequenas mudanças organizacionais e de atitudes. 10.3. Sistema de referenciação em “ciclo completo” e aperfeiçoamento do Programa CHT “Consulta a Tempo e Horas” e da aplicação informática que o suporta O atual sistema de referenciação e informação para os “pedidos de primeira consulta” é limitado nas suas funcionalidades e objectivos. Deve ser rapidamente aperfeiçoado e desenvolvido numa lógica de ciclo completo da referenciação. Isto é, um ciclo de “partida-­‐
avaliação-­‐resposta-­‐chegada-­‐avaliação”, que se conclui com a recepção da informação de retorno e com a validação da conclusão desse episódio pelos CSP. Num ciclo completo da referenciação e retorno todos os profissionais clínicos diretamente interessados nesse processo têm acesso mútuo aos respectivos dados e informação, em ambos os polos. Deverão ser planeadas e executadas auditorias regulares às diferentes fases do processo e ao processo no seu todo. Medidas propostas Aperfeiçoamento da aplicação informática que suporta o Programa CTH, de modo a corrigir insuficiências e deficiências atuais, designadamente para funcionar a partir das diversas aplicações clínicas em uso nos CSP e nos hospitais sem ser necessário abrir, fechar, mudar de aplicação, reescrever informação já escrita, entre outras vicissitudes que desperdiçam muitos milhares de horas de trabalho médico, um gasto totalmente improdutivo. Em todos os gabinetes de consulta externa dos hospitais estará instalada e a funcionar bem integrada com a aplicação clínica em uso a aplicação atrás referida. A arquitetura funcional do ciclo completo de referenciação deve consagrar três momentos de feed-­‐back simples, quase automático: a) na primeira consulta que responde ao pedido, o especialista faz uma avaliação sucinta, utilizando uma escala de Likert e um comentário opcional sobre a qualidade/quantidade/adequação da informação que acompanha o pedido de consulta. Emite também informação sucinta sobre o diagnóstico e orientação 13
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 terapêutica ou plano de estudo da situação e cuidados subsequentes (no caso de a situação ficar ainda a ser acompanhada nesse nível); b) no caso de ter havido mais de uma consulta e cuidados subsequentes deverá haver retorno de um relatório final de alta da consulta especializada. Este, pode e deve migrar diretamente do processo clínico electrónico em uso no respetivo serviço para a aplicação do Programa CTH. c) No final do ciclo, o episódio ficará concluído quando o médico referenciador, na maior parte das vezes o médico de família, emitir também uma apreciação sucinta, utilizando uma escala de Likert idêntica à referida em a) e um comentário opcional sobre a qualidade/adequação da informação de retorno. É este ato final que encerra o ciclo e permite contabilizar o episódio de referenciação (em alguns países, é ele que aciona o pagamento desse serviço ao hospital). Para evitar que, por ausência ou falha do médico referenciador, não se dê o encerramento do ciclo, os conselhos clínicos dos ACES em colaboração com os conselhos técnicos das unidades, ou os correspondentes órgãos a nível hospitalar (quando o referenciador aí se localize) reveem ao fim de 30 dias os ciclos não encerrados e acionam as ações adequadas a cada caso. 10.4. Entrosamento interinstitucional O entrosamento interinstitucional com partilha de recursos e de competências permitirão oferecer um leque mais amplo de serviços ao nível dos CSP e melhorar a eficiência e a celeridade de respostas por parte dos hospitais. Recomenda-­‐se, também, um intercâmbio de internos de especialidade (pediatria, obstetrícia, medicina interna e medicina geral e familiar, entre outros). Práticas já existentes e a desenvolver são a realização em determinados centros de saúde de consultas de algumas especialidades hospitalares relacionadas com problemas muito prevalentes na comunidade e que envolvam número elevado de referenciações. O Programa “Consulta a Tempo e Horas” permite dar informação rigorosa sobre este assunto. Isto permitiria proporcionar maior proximidade de cuidados, corrigir desigualdades no acesso, diminuir custos de transportes e perdas de tempo, reduzir as “enchentes” de doentes nas salas hospitalares, melhorar o conhecimento pessoal entre profissionais dos CSP e dos CSH, o que facilita a discussão conjunta de casos clínicos, a celeridade do seu estudo e do início de tratamentos específicos, proporcionando melhores e mais rápidos resultados com menores custos para o SNS, para os doentes e, no fim, para toda a sociedade. 10.5. Consultadorias especializadas nos CSP Existem já algumas práticas organizadas de consultadorias de especialistas hospitalares em alguns centros de saúde. O problema que geralmente se coloca é o de compatibilizar horários e disponibilidades. Uma possibilidade é a de fixar uma hora semanal, sempre a mesma, rodando as especialidades ao longo de todo o ano e selecionando muito bem ou as situações a discutir em cada uma dessas sessões. 14
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 10.6. Papel do internista / “gestor de caso” e ligação ao médico de família/equipa de saúde da pessoa e da família Recomenda-­‐se a revalorização e reforço da presença de médicos generalistas (medicina interna e pediatria geral) que atuem como “gestores de caso” e elementos primordiais do contacto, comunicação e continuidade de cuidados com os CSP e os cuidados continuados, em especial nas situações mais complexas, quer em termos clínicos quer dadas as circunstâncias psicossociais em presença. Permitiriam também harmonizar e integrar práticas e procedimentos que, para situações e problemas idênticos, podem variar muito no mesmo hospital consoante o serviço ou especialidade. 10.7. Optimização da capacidade instalada no SNS e acesso partilhado e seguro aos resultados dos MCD Como, por exemplo: -­‐
deslocação regular e programada de técnicos dos hospitais aos CSP para aí realizarem alguns MCD, por exemplo, provas funcionais respiratórias que melhorariam o diagnóstico, a terapêutica e a modificação da história natural da DPOC e da asma, com diminuição de custos para o SNS e oferecendo maior proximidade de cuidados; -­‐
realização de exames de patologia clínica necessários nos CSP nos laboratórios do hospitais de referencia dos ACES – criando postos de recolha nas unidades de saúde e inserção automática dos resultados nas aplicações clínicas em uso nos CSP, com poupança de deslocações dos utentes e precocidade de conhecimento de resultados. Este serviço poderia ser feito em outsourcing por equipas/empresas técnicas que poderiam tornar-­‐se excelentes neste processo. 10.8. Planos de acção conjunta e processos assistenciais integrados A constituição dos conselhos clínicos dos ACES abre novas oportunidades de trabalho e acção conjuntos entre os CC dos ACES, as direcções clínicas dos hospitais de referência e as equipas de coordenação local dos cuidados continuados integrados, visando a governação clínica dos processos de interface entre as diversas instituições. Igualmente deve ser garantido em cada área geodemográfica a execução prática de processos assistenciais integrados, por exemplo, para que as pessoas com toxicodependência e tuberculose e/ou SIDA não sejam obrigadas e ir a 3 locais para tratar-­‐se (hospital, CAT e CDP), como tem acontecido. Na comunidade é de aproveitar as potencialidades das novas unidades de cuidados na comunidade (UCC) para assegurar apoio aos idosos no cumprimento/ adesão à medicação e evitar o risco de iatrogenia (pela baixa literacia, défice visual, viver isolado e mudança 15
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 frequente da apresentação comercial dos medicamentos). Também nos cuidados de saúde mental existe uma ampla área de ação conjunta a ter em conta. 10.9. Planeamento conjunto de respostas e Vigilância epidemiológica O processo de construção dos Planos Locais de Saúde (PLS), documento estratégico coordenado tecnicamente pelas USP dos ACES, deve assentar numa metodologia de “coprodução” que envolva, em todas as suas etapas, através de metodologias adequadas de participação, as diferentes partes interessadas, desde os órgãos de governação dos ACeS e Hospitais, aos vários serviços/unidades funcionais, outros serviços/estabelecimentos de saúde da área de influência do ACES, públicos e privados, e a própria comunidade (nomeadamente através dos conselhos da comunidade). Ao resumir as necessidades de saúde1, técnicas e sentidas, das populações, as estratégias potencialmente mais efetivas para as satisfazer, com base na evidência científica disponível, e os objectivos de saúde de base populacional, de médio e longo prazo, o PLS deve ser utilizado como instrumento de gestão pelos ACES e Hospitais. Com base nos PLS, os conselhos clínicos dos ACES e as direções clínicas dos hospitais de referência devem estabelecer práticas formais regulares de identificação conjunta das necessidades de serviços e de recursos, isto é, das necessidades de cuidados de saúde das populações abrangidas, com previsão de necessidades anuais em cuidados secundários, terciários e continuados e plano de optimização das capacidades instaladas nos respectivos serviços para responder atempadamente, com qualidade e efectividade a essas necessidades. Um aspecto prático relacionado com o processo anteriormente referido é o de garantir localmente uma troca/partilha de informação “tripla” CSP/CSH/laboratórios clínicos sobre casos de doenças de declaração obrigatória (DDO) e outras doenças infecciosas, para permitir intervenções em tempo útil. O mesmo se pode referir a propósito de algumas doenças não-­‐
transmissíveis com grande prevalência e/ou impacto social. 10.10. Painel de indicadores de interligação e de integração de cuidados Associado ao planeamento a que se refere a Recomendação 3 está a definição de um painel de indicadores para monitorizar e avaliar a interligação entre os níveis de cuidados, contemplando aspectos de estrutura, de processo e de resultados. 1
[Justificação: Por vezes não é fácil utilizar de forma clara termos muito parecidos. Por exemplo, nem
sempre é fácil explicar que necessidades de saúde não é sinónimo de necessidades de cuidados de
saúde. As primeiras dizem respeito ao desvio entre o estado de saúde desejado e o estado de saúde
existente; enquanto que as necessidades de cuidados de saúde dizem respeito aos desvios existentes entre
os serviços e recursos para prestar os cuidados necessários à satisfação, em parte ou no todo, das
necessidades de saúde (por exemplo, no concelho de Almada, é uma necessidade de saúde reduzir a
incidência da coinfecção tuberculose e SIDA. A existência de serviços e recursos que possibilitem a
execução prática de projetos assistenciais integrados a este nível, por exemplo, cabem no âmbito das
necessidades de cuidados de saúde).
16
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 10.11. Contratualização inter-­‐institucional de respostas As necessidades e respostas de cuidados de saúde devem ser objecto de compromissos sob a forma de “compromissos” ou “contratos” inter-­‐institucionais, com consequências transparentes nos dispositivos de financiamento institucional. Nas experiências de unidades locais de saúde com órgão de gestão único este procedimento deve ocorrer, pelo menos, como modalidade particular de “contratualização interna”. Todas as experiências em curso devem ser comparadas e avaliadas tendo em conta um painel de indicadores de desempenho que contemple as dimensões: acessibilidade, efectividade clínica, efectividade sobre a saúde populacional (resultados finais ou “outcomes”), equidade, qualidade (processos), eficiência (institucional e macroeficiência sistémica), satisfação dos utentes e dos profissionais. Aspectos práticos a ter em conta são, por exemplo, os hospitais realizarem exames complementares de diagnóstico prescritos pelos médicos de família das unidades de CSP e as consultas externas serem estruturadas segundo o conceito de “one day clinic” (faz tudo no mesmo dia), ou seja, no fim da consulta médica o doente pode/deve executar de imediato os MCD que precisa e que possam tecnicamente ser realizados, evitando deslocações desnecessárias e os respectivos custos e desconforto. 10.12. Expandir o conceito e as práticas das UCF em saúde materno-­‐infantil A experiência das unidades coordenadoras funcionais (UCF) de saúde materno-­‐infantil e outros projectos interinstitucionais, designadamente nas áreas da saúde mental, da cardiologia, da telemedicina e outros, são exemplos do que pode ser feito e desenvolvido numa escala mais alargada. Deve fazer-­‐se um recenseamento e a divulgação das melhores práticas neste âmbito. Neste sentido, devem constituir-­‐se em cada área geodemográfica/”unidade local sistémica de saúde” (ULSS, não necessariamente com administração única), UCF para as áreas médicas, cirúrgicas e saúde mental, sob coordenação dos conselhos clínicos (CSP) e das direções clínicas (CSH) que devem articular-­‐se entre si. A estas estruturas caberia: a) Elaborar NOC locais para as boas práticas clínicas e de enfermagem (adaptar à realidade local as NOC da DGS, quando necessário) envolvendo os outros profissionais de saúde, desmedicalizando a excessiva/inadequada intervenção médica; b) Elaborar orientações quanto aos critérios e processos de referenciação entre CSP e CSH, e monitorizar e avaliar as práticas verificadas; c) Monitorizar a aplicação das linhas de orientação e normas de atuação clínica , o grau de cumprimento e os resultados obtidos na saúde da população e no funcionamento dos serviços (em articulação com os Observatórios Locais de Saúde/Unidades de Saúde Pública); d) Promover a implementação de “processos assistenciais integrados”/ “Integrated Care Pathways”/ “percursos do doente” que incorporem o desempenho dos profissionais dos CSP e dos CSH, prioritariamente para as situações de multimorbilidade em doentes crónicos e idosos. 17
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 e) Assegurar que os doentes referenciados pelos CSP à urgência hospitalar tenham atendimento prioritário. O que acontece atualmente (pelo menos em alguns hospitais) é que a “triagem de Manchester” ignora “olimpicamente” se o utente e bem já passou pelo CSP e traz uma referenciação com relatório clínico. Numa próxima ocasião escolherá, logicamente, “encurtar o caminho” e ir direto…ao hospital. 10.13. Cultura de avaliação e de Qualidade Desenvolver, a todos os níveis, sob liderança dos conselhos clínicos dos ACES e das direções clínicas dos Hospitais práticas sistemáticas de avaliação, com destaque para o treino da execução de auditorias clínicas internas e externas. Estas últimas devem ser focalizadas em práticas e procedimentos precisos, conhecidos com a devida antecedência e relacionados com linhas de orientação e normas de atuação clínica. As Unidades a serem auditadas podem ser identificadas por sorteio, dado ser impraticável abranger todo o universo em causa. Paralelamente, recomenda-­‐se a reativação e reforço do sistema de qualidade da saúde. 10.14. Formação / desenvolvimento profissional contínuo – projetos comuns Recomenda-­‐se a elaboração de planos de formação e desenvolvimento profissional contínuo (liderados conjuntamente pelos CC e direcções clínicas) e dirigidos especificamente à melhoria dos “processos de interface”, designadamente referenciação, informação, gestão integrada de situações crónicas e de multimorbilidade, etc. 1.15. Investigação – projetos comuns Recomenda-­‐se o delineamento e execução de projectos de investigação (liderados conjuntamente pelos CC dos ACES e direcções clínicas dos hospitais) incidindo especificamente nos “processos de interface”, designadamente referenciação, estratégias para a implementação de “guidelines”, gestão integrada de situações crónicas e de multimorbilidade, etc. 10.16. Afinação geodemográfica de alguns ACES e hospitais de referência A agregação institucional ao nível dos ACES e a definição dos serviços especializados de referência preferencial devem atender a critérios geodemográficos e aos fluxos habituais de procura e utilização de cuidados de saúde. Em alguns casos pontuais pode ser vantajoso corrigir a constituição de alguns ACES e redefinir as suas relações interinstitucionais preferenciais. Sempre que possível deverá ser designado um estabelecimento hospitalar para articulação preferencial de cada ACES, independentemente da possibilidade de referenciação para outros serviços e unidades, em casos especiais. 10.17. Telemedicina Promover a telemedicina, rentabilizando os equipamentos existentes e providenciar a aquisição dos que faltam. Recordar que telemedicina pode ser muito mais do que apenas videoconferência e que, também nesta área é possível e necessário inovar. 18
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 10.18. Apoio aos profissionais Afinar um processo de articulação ágil entre CSP e CSH para atendimento rápido e efetivo de profissionais que sofram acidentes “com risco biológico”. Referências
1. McWhinney IR. The essence of general practice. In: Lakhani M (Editor). A Celebration of General Practice. Abingdon, Oxon: Radcliffe Medical Press Ltd., 2003: 1-­‐18. 2. Starfield B. The effectiveness of primary health care. In: Lakhani M (Editor). A Celebration of General Practice. Abingdon, Oxon: Radcliffe Medical Press Ltd., 2003: 19-­‐36. 3. Starfield B, Lemke KW, Bernhardt T et al. Co-­‐morbidity: implications for the importance of primary care in ‘case’ management. Annals of Family Medicine 2003; 1:8-­‐14. 4. Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. British Journal of General Practice 2003; 53: 723-­‐729. 5. Saltman R, Rico A, Boerma W. Primary care in the driver’s seat. European Observatory on Health Systems and Policies Series . London: Open University Press McGraw-­‐Hill Education, 2005. 6. Department of Health. The New NHS: modern, dependable. London: The Stationery Office, 1997. 7. Department of Health. Shifting the Balance of Power Within the NHS. London: Depatment of Health, 2001. 8. Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral. Declaração da Madeira Lisboa: APMCG, 1998 9. Portugal. Ministério da Saúde. Saúde: um compromisso. A estratégia de saúde para o virar do século 1998-­‐2002. Lisboa: Ministério da Saúde, 1999. 10. Guichard S. The reform of the health care system in Portugal. Paris: OECD, Economic Department Working Papers no. 405, 2004 (disponível em: http://www.oecd.org/eco). 11. Ministério da Saúde -­‐ Grupo Técnico para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários. Cuidados de saúde primários: contexto e medidas para a sua modernização. Lisboa: Ministério da Saúde, 2005. 12. Ministério da Saúde. Decreto-­‐Lei n.º 156/99, de 10 de Maio. (Criação dos sistemas locais de saúde) 13. Ministério da Saúde. Direcção-­‐geral da Saúde. Breviário dos Sistemas Locais de Saúde. Lisboa: DGS, 1999. 14. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. A Função de “Agência”. Lisboa, ARSLVT, 1996. 15. Ham C. Population-­‐centered and patient-­‐focused purchasing: the UK experience. The Milbank Quarterly 1996; 74(2):191-­‐205. 16. Lipson D, De Sa J. Impact of purchasing strategies on local health care systems. Health Affairs 1996; 15(2): 62-­‐76. 17. Ministério da Saúde – Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Linhas de Acção Prioritárias para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: MCSP, 2006. 18. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo / Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Projecto de Dinamização dos Conselhos Clínicos dos ACES. Governação Clínica e de Saúde em CSP – Como definir? Como fazer?. Lisboa: ARSLVT, 2009 (documentos de trabalho) 19. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo / Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Projecto de Dinamização dos Conselhos Clínicos dos ACES. Áreas e Processos Essenciais na Governação Clínica e de Saúde em CSP. Lisboa: ARSLVT, 2009 (documentos de trabalho) 20. Ramos V. A interface entre cuidados de saúde primários e o hospital. In: Campos L, Borges M, Portugal R (editores). Governação dos Hospitais. Alfragide: Casa das Letras / Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda., 2009: 333-­‐47. 19
Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 21. van Zwanenberg T, Harrison J (eds). Clinical Governance in Primary Care. Oxford: The Radcliffe medical Press, 2004. 22. Kickbusch I. Perspectives in health governance in the 21st century. In: Marinker M, editor. Targets in Europe. Policy, Progress and Promise. London: BMJ Books, 2002: 206-­‐29. 23. Hernández-­‐Aguado I, Parker LA. Inteligence for health governance: innovation in the monitoring of health and well-­‐being. In: Kickbusch I, editor. Policy Innovation for Health. New York: Spinger, 2009: 23-­‐66. 24. Wismar M, Busse R. Outcome related health targets – political strategies for better health outcomes. A conceptual and comparative study. Health Policy 2002 May; 59(3): 223-­‐241. 25. Mills A, Drummond M. Value for money in the health sector: the contribution of primary health care. Health Policy and Planning 1987; 2(2): 107-­‐128. 26. Maynard A, Bloom K. Primary care and health care reform: the need to reflect before reforming. Health Policy 1995; 31: 171-­‐181. 27. Macinko J, Starfield B, Shi L. The contribution of primary care systems to health outcomes within Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) countries, 1970-­‐1998. Health Services Research 2003; 38(3): 831-­‐865. 28. Atun RA. What are the advantages and disadvantages of restructuring a health care system to be more focused on primary care services ? WHO Europe – Health Evidence Network, January 2004. 29. Aymond R, Hariton T. Is disintegration the answer? Family Practice Management 2000; 7(2): 25-­‐29. [traduzido e comentado por Cláudia Brito Marques no Jornal Médico de Família, III Série, n.º 65, de 15 de Maio de 2004: páginas 10 e 11] 30. Aymond R, Hariton T. Regrouping after disintegration? Family Practice Management 2000; 7(3): 37-­‐
40. 31. Pou-­‐Bordoy J, Gené-­‐Badia J, Cámara-­‐Gonzaález C, Berraondo-­‐Zabalegui I, Puig-­‐Barberà J. Gerência única: una ilusión sin evidencia. Atención Primaria 2006; 37(4): 231-­‐4. 32. Vászquez NML, Vargas LI, Farré CJ, Teraza NR. Organizaciones sanitárias integradas: una guia para el análisis. Gaceta Sanitária 2007 33. Stille J, Jerant A, Bell D, Meltzer D, Elmore J. Coordinating care across diseases, settings and clinicians: a key role for the generalist in practice. Ann Intern Med 2005; 142: 700-­‐8. 34. Fundació Avedis Donabedian. Avaliació de la Reforma de l’Atenció Primària i de la diversificació de la provisió de servei. Barcelona, 2003. 35. Figueras J, Robinson R, Jakubowski E (Ed.). Purchasing to improve health systems performance. European Observatory on Health Systems and Policies Series. Berkshire, England: Open University Press, 2005. 36. Calnan M, Halik J Sabbat J. Citizen participation and patient choice in health reform. In : Saltman RB, Figueras J, Sakellarides C. Critical Challenges for Health Care Reform in Europe. Buckingham: Open University Press, 1998: 325-­‐338. 37. Feachem RGA, Sekhri NK, White KL. Getting more for their dollar: a comparison of the NHS with California’s Kaiser Permanente. BMJ 2002; 324: 125-­‐43. 38. Feachem RGA, Sekhri NK. US and UK health care: a special relationship? BMJ 2005; 330: 787-­‐8. 39. Lega F. Organizational design for health integrated delivery systems: theory and practice. Health Policy 2007; 81: 258-­‐79. 40. Maynard A. Hospital mergers : blissful ignorance or high risk taking ? British Journal of Health Care Management 1997; 3(10) : 512. 41. Ministério da Saúde. Grupo Técnico para a Reforma da Organização Interna dos Hospitais. A Organização Interna e a Governação dos Hospitais. Lisboa : Ministério da Saúde – Secretaria-­‐Geral, 2011. 20
Download

Interligação e integração entre cuidados de saúde primários