Súmula n. 381 SÚMULA N. 381 Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas. Referências: CPC, art. 543-C. CDC, art. 51. Resolução n. 8/2008-STJ, art. 2º, § 1º. Precedentes: AgRg no REsp 782.895-SC (3ª T, 19.06.2008 – DJe 1º.07.2008) AgRg no REsp 1.006.105-RS (4ª T, 12.08.2008 – DJe 29.09.2008) AgRg no REsp 1.028.361-RS (4ª T, 15.05.2008 – DJe 16.06.2008) AgRg nos EREsp 801.421-RS (2ª S, 14.03.2007 – DJ 16.04.2007) EREsp 645.902-RS (2ª S, 10.10.2007 – DJ 22.10.2007) REsp 541.153-RS (2ª S, 08.06.2005 – DJ 14.09.2005) REsp 1.042.903-RS (3ª T, 03.06.2008 – DJe 20.06.2008) REsp 1.061.530-RS (2ª S, 22.10.2008 – DJe 10.03.2009) Segunda Seção, em 22.4.2009 DJe 5.5.2009, ed. 355 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 782.895-SC (2005/0156263-9) Relator: Ministro Sidnei Beneti Agravante: Transportes e Distribuição de Gás Farias Ltda. Advogado: Rogério Reis Olsen da Veiga Agravado: Companhia Itauleasing de Arrendamento Mercantil Advogado: Emerson Lodetti e outro(s) EMENTA Recurso especial. Agravo regimental. Contrato bancário. Disposições de ofício. Inadmissibilidade. Cobrança antecipada do VRG. Descaracterização do contrato de arrendamento mercantil. Inocorrência. Juros remuneratórios. Não limitação. Capitalização anual dos juros. Possibilidade. Comissão de permanência possibilidade de cobrança desde que não cumulada com os demais encargos moratórios. Taxa Referencial. Legalidade. I - Embora incidente o Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários, não se admite a revisão, de ofício, das cláusulas contratuais consideradas abusivas. II - A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil III - Os juros pactuados em taxa superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação, hipótese não ocorrida nos autos. IV - É permitida a capitalização anual dos juros nos contratos bancários. V - É admitida a cobrança da comissão de permanência no período da inadimplência, desde que não cumulada com correção monetária, juros moratórios, multa contratual ou juros remuneratórios, calculada à taxa média de mercado, limitada, contudo, à taxa contratada. VI - É legítima é a utilização da Taxa Referencial como índice de atualização, desde que pactuada no contrato. Proíbe-se o seu uso SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA somente como substitutivo de índices já extintos, em ajustes que não a previam. Agravo improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 19 de junho de 2008 (data do julgamento). Ministro Sidnei Beneti, Relator DJe 1º.7.2008 RELATÓRIO O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Cuida-se de agravo regimental interposto por Transportes e Distribuição de Gás Farias Ltda. contra a decisão que, em autos de ação revisional de contrato de contrato bancário, conferiu parcial provimento ao recurso especial do ora agravado excluindo do acórdão recorrido as disposições julgadas de ofício; afastando a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil; afastando a limitação dos juros remuneratórios; admitindo a capitalização anual dos juros; permitindo a cobrança da comissão de permanência, após o vencimento da dívida, à taxa média do mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual do contrato, não se permitindo cumulação com juros remuneratórios ou moratórios, correção monetária ou multa contratual, em consonância com os precedentes desta Corte sobre a matéria; e admitindo a incidência da TR como índice de atualização monetária (fls. 229). 2. - Sustenta a agravante que o recurso especial não poderia ser provido porque: a) não houve prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados, b) as questões foram decididas com base e interpretação de cláusulas 400 SÚMULAS - PRECEDENTES contratuais; e c) o dissídio jurisprudencial não teria sido demonstrado nos moldes exigidos. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 3. - Inicialmente, verifica-se que o ora agravado, em suas razões de recurso especial, insurgiu-se apenas com relação a questões de direito, que tais questões foram prequestionadas pelo acórdão recorrido e que o dissídio jurisprudencial restou comprovado nos moldes exigidos. Ademais, a respeito das questões contra as quais se insurge o agravante, assim dispôs a decisão agravada (fls. 226-229): Assiste razão ao recorrente no que concerne à impossibilidade de o órgão julgador revisar as cláusulas contratuais consideradas abusivas, a despeito de irresignação da parte interessada, tendo em vista a natureza patrimonial dos direitos envolvidos. Consoante pacífico entendimento no âmbito da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento realizado de ofício pelo Tribunal ofende o princípio tantum devolutum quantum appellatum positivado no artigo 515 do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que a Corte revisora exorbita na entrega da prestação jurisdicional, indo além do que foi impugnado nas razões recursais. Ressalvam-se, por óbvio, as restritas hipóteses em que tal atividade é autorizada. Nesse sentido, são os seguintes precedentes desta Corte: REsp n. 541.153RS, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 14.9.2005; REsp n. 258.426-RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 20.8.2001; REsp n. 42.995-MG, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 18.8.1999. Restam prejudicadas, todavia, as questões de mérito inseridas no contexto, também submetidas a exame no recurso especial. A questão da descaracterização dos contratos de leasing pela antecipação do Valor Residual Garantido (VRG) foi sedimentada neste Tribunal, com a aprovação pela Corte Especial da Súmula n. 293, com o seguinte enunciado: “A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil”. Prevaleceu neste Tribunal esse entendimento, porquanto as normas afetas a tais pactos prevêem essa forma de contratação, sem que isto represente o exercício compulsório da compra do bem arrendado. Isso porque, mesmo com a referida antecipação, subsiste para o arrendatário a faculdade pela opção de compra, renovação do contrato (artigo 5º da Lei n. 6.099/1974) ou devolução do bem. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 401 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A Segunda Seção desta Corte decidiu, no julgamento do REsp n. 407.097-RS, Relator para o acórdão Ministro Ari Pargendler, DJ 29.9.2003, que o fato de as taxas de juros excederem o limite de 12% ao ano, por si, não implica abusividade; impõe-se sua redução, tão-somente, quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado após vencida a obrigação. A respeito, entre muitos, os seguintes julgados: REsp n. 537.113-RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 20.9.2004; AGREsp n. 565.262-RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 13.9.2004. A capitalização dos juros é admissível quando pactuada e desde que haja legislação específica que a autorize. Assim, permite-se sua cobrança na periodicidade mensal nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial (DecretoLei n. 167/1967 e Decreto-Lei n. 413/1969), bem como nas demais operações realizadas pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que celebradas a partir da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17 (31.3.2000). Nesse sentido, o REsp n. 602.068-RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21.3.2005, da colenda Segunda Seção. Não é o caso dos autos, tendo em vista que o contrato objeto da revisão foi firmado em 26.10.1994 (fls. 8). Todavia, conforme a jurisprudência dominante desta Corte, nessa hipótese deve ser permitida a sua incidência na periodicidade anual, por incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/1933 e da Súmula n. 121 do STF. Nesse sentido: REsp n. 468.281RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 24.2.2003 e AgRg nos EDcl no REsp n. 774.591-RS, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 5.2.2007. No que se refere à comissão de permanência, já admitiu esta Corte a legalidade de sua cobrança em caso de inadimplemento, desde que não cumulada com a correção monetária ou com os juros remuneratórios (Súmulas STJ n. 30 e n. 296). A egrégia Segunda Seção decidiu, ainda, no julgamento do AgRg no REsp n. 712.801-RS, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, e do AgRg no REsp n. 706.638-RS, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, ser vedada a cobrança cumulada da comissão de permanência com juros moratórios e multa contratual. Por outro lado, esse encargo pode ser calculado à base da taxa média dos juros no mercado, desde que não exceda a taxa do contrato convencionada pelas partes (Súmula n. 294-STJ). É entendimento pacífico neste Superior Tribunal de que legítima é a utilização da Taxa Referencial como índice de atualização, desde que pactuada no contrato. Proíbe-se o seu uso somente como substitutivo de índices já extintos, em ajustes que não a previam. Assim, o Enunciado n. 295 da Súmula deste Sodalício. 4. - O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo. É o voto. 402 SÚMULAS - PRECEDENTES AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.006.105-RS (2007/0269634-1) Relator: Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região) Agravante: Banco Finasa S/A Advogados: Denise Cabreira Golambieski e outro(s) Diogo Stieven Fleck e outro(s) Agravado: Toni Roger de Oliveira Advogado: Tatiane Coimbra Burille EMENTA Agravo regimental em recurso especial. Ação revisional. Julgamento extra petita configuração. Contrato de alienação fiduciária. Nulidade de cláusulas abusivas. Declaração de ofício. Impossibilidade. Limitação dos juros remuneratórios. Inadmissibilidade na espécie. Capitalização mensal de juros. Contrato firmado posteriormente à edição da MP n. 1.963-17/2000. Cobrança. Possibilidade. Comissão de permanência. Licitude na cobrança, desde que não cumulada com juros remuneratórios, correção monetária ou encargos da mora. Mora debendi. Ocorrência. Manutenção do devedor na posse do bem financiado. Impossibilidade. Inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Legalidade. Repetição do indébito. Possibilidade. Prova do erro. Desnecessidade. Agravo regimental não provido. 1. Nos termos do artigo 515 do CPC, excetuando-se as matérias de ordem pública, examináveis de ofício, o recurso de apelação devolve para o Órgão ad quem a matéria impugnada, que se restringe aos limites da impugnação. Impossibilidade do reconhecimento, de ofício, de nulidade de cláusulas contratuais consideradas abusivas, sendo, para tanto, necessário o pedido expresso da parte interessada. 2. Tendo o Órgão prolator da decisão recorrida proferido julgamento extra petita – porquanto enfrentou questões atinentes a direito patrimonial, que não constituíram objeto de insurgência – devem ser afastadas as disposições ex officio relativas à exclusão da taxa de abertura de crédito e da tarifa de emissão de boleto bancário, RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 403 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA à nulidade da cláusula de emissão de título de crédito e à autorização dos depósitos. 3. No tocante aos juros remuneratórios, não incide a limitação a 12% ao ano, prevista no Decreto n. 22.626/1933, salvo hipóteses legais específicas, visto que as instituições financeiras, integrantes do Sistema Financeiro Nacional, são regidas pela Lei n. 4.595/1964. Tal entendimento, ressalte-se, não foi alterado após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas também se aplicam aos contratos firmados por instituições bancárias. Visando à harmonização dos referidos diplomas legais, esta Corte Superior consagrou a manutenção dos juros no percentual avençado pelas partes, desde que não reste sobejamente demonstrada a exorbitância do encargo. 4. No que tange à capitalização mensal de juros, o entendimento prevalecente nesta Corte era no sentido de que esta somente seria admitida em casos específicos, previstos em lei (cédulas de crédito rural, comercial e industrial), conforme a Súmula n. 93-STJ. Com a edição da MP n. 1.963-17, de 30.3.2000 (atualmente reeditada sob o n. 2.170-36/2001), passou-se a admitir a capitalização mensal nos contratos firmados posteriormente à sua entrada em vigor, desde que haja previsão contratual. 5. No concernente à comissão de permanência, é lícita a sua cobrança após o vencimento da dívida, devendo observar a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa de juros contratada para o período da normalidade. Destaca-se que a cobrança da comissão de permanência não pode coligir com os encargos decorrentes da mora, como os juros moratórios e a multa contratual. 6. Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. (Súmula n. 296-STJ). 7. Em relação à manutenção do devedor na posse do bem ela não pode persistir, porque refoge dos limites da ação revisional a discussão possessória. Assim, não há falar-se em manutenção do bem na posse do devedor, sendo facultado que ela seja requerida em ação própria pelo credor, não podendo ser a credora impedida de tomar as medidas 404 SÚMULAS - PRECEDENTES judiciais que entender cabíveis. (c.f. AgRg no REsp n. 831.780-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 14.8.2006). 8. Quanto à legalidade da inclusão do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito, os elementos constantes dos autos não demonstram a presença concomitante dos requisitos autorizadores do cancelamento dos registros, conseqüentemente, em sendo o inadimplemento do recorrido incontroverso, legítima é a inclusão do nome dele em cadastros de inadimplentes. 9. “Para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro.” (Súmula n. 322-STJ). 10. Alegações do agravante nada acrescentaram, no sentido de infirmar os fundamentos do decisum agravado. 11. Agravo regimental não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 12 de agosto de 2008 (data do julgamento). Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região), Relator DJe 29.9.2008 RELATÓRIO O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região): Banco Finasa S/A interpõe agravo regimental de decisão monocrática do eminente Ministro Massami Uyeda, que recebeu a seguinte ementa: Recurso especial. Ação revisional. Contrato de alienação fiduciária. Nulidade de cláusulas abusivas. Declaração de ofício. Impossibilidade. Limitação dos juros RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 405 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA remuneratórios. Inadmissibilidade na espécie. Capitalização mensal de juros. Contrato firmado posteriormente à edição da MP n. 1.963-17/2000. Cobrança. Possibilidade. Comissão de permanência. Licitude na cobrança, desde que não cumulada com juros remuneratórios, correção monetária ou encargos da mora. Mora debendi. Ocorrência. Manutenção do devedor na posse do bem financiado. Impossibilidade. Inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Legalidade. Repetição do indébito. Possibilidade. Prova do erro. Desnecessidade. Recurso especial parcialmente provido. (fls. 444). O aludido decisum foi assim relatado, na ocasião, in verbis: Cuida-se de recurso especial interposto pelo Banco Finasa S/A, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 515 do Código de Processo Civil, 394, 395 e 876 do Código Civil, 20, II, 41, 42 e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, 3º, 4º, VI e IX, 9º e 10 da Lei n. 4.595/1964, 3º do Decreto-Lei n. 911/1969 e 5º da MP n. 2.17036/2001, bem como dissídio jurisprudencial. Verifica-se, da análise dos autos, que a ação revisional proposta por Toni Roger de Oliveira em face do recorrente, tendo por objeto contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, teve o pedido julgado parcialmente procedente pelo r. Juízo de primeiro grau. Interpostas apelações pelas partes, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul conferiu parcial provimento aos recursos, com disposições de ofício, nos termos da ementa a seguir: Ação revisional. Negócios jurídicos bancários. Alienação fiduciária. Aplicação do CDC. Juros remuneratórios. Capitalização. Comissão de permanência. Índice de atualização monetária. Encargos moratórios. Compensação e/ou repetição do indébito. Cláusula de emissão de título de crédito. Tarifa de abertura de crédito. Emissão de boleto bancário. Cadastro de restrição ao crédito. Manutenção na posse do bem. Autorização para depósito. Honorários advocatícios. [...]. No presente apelo nobre, busca o recorrente a reforma do v. acórdão, insurgindo-se no que diz respeito: i) ao julgamento com disposições de ofício; ii) à limitação dos juros remuneratórios; iii) à vedação da capitalização mensal destes; iv) à exclusão da comissão de permanência; v) ao índice de atualização monetária; vi) à descaracterização da mora; vii) à manutenção do devedor na posse do bem; viii) à proibição de inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito; e ix) à repetição do indébito. O recorrido não apresentou contra-razões, conforme certidão à fl. 438. É o relatório. (fls. 444-445). 406 SÚMULAS - PRECEDENTES Alega o agravante, em síntese, estar pacificado o entendimento jurisprudencial de que é possível a cumulação da comissão de permanência com outros encargos (juros moratórios, multa contratual e correção monetária), nos termos contratados. Requer o provimento do recurso, para que seja dado provimento, in totum, ao REsp interposto. É, no essencial, o relatório. VOTO O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região) (Relator): A decisão ora agravada foi assim fundamentada pelo eminente Relator, in verbis: A irresignação merece prosperar em parte. Com efeito. Com relação à alegada ofensa ao art. 515 do CPC, o entendimento mais recente desta egrégia Corte é no sentido da impossibilidade do reconhecimento, de ofício, de nulidade de cláusulas contratuais consideradas abusivas, sendo, para tanto, necessário o pedido expresso da parte interessada (ut REsp n. 612.470-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 30.6.2006. Assinala-se, ainda, que, nos termos do artigo 515 do CPC, excetuando-se as matérias de ordem pública, examináveis de ofício, o recurso de apelação devolve para o Órgão ad quem a matéria impugnada, que se restringe aos limites dessa impugnação. Afere-se, na espécie, ter o Órgão prolator da decisão recorrida proferido julgamento extra petita, porquanto enfrentou questões atinentes a direito patrimonial, que não constituíram objeto de insurgência. Dessa forma, devem ser afastadas as disposições ex officio relativas à exclusão da taxa de abertura de crédito e da tarifa de emissão de boleto bancário, à nulidade da cláusula de emissão de título de crédito e à autorização dos depósitos. No tocante aos juros remuneratórios, a Segunda Seção deste egrégio Superior Tribunal entende que não incide a limitação a 12% ao ano, prevista no Decreto n. 22.626/1933, salvo hipóteses legais específicas, visto que as instituições financeiras, integrantes do Sistema Financeiro Nacional, são regidas pela Lei n. 4.595/1964. Nota-se que cabe ao Conselho Monetário Nacional limitar tais encargos, aplicando-se a Súmula n. 596 do STF. Veja-se, mais, que este entendimento não foi alterado após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas também se aplicam aos contratos firmados por instituições bancárias. E a fim de se harmonizarem os referidos diplomas legais, aquele Órgão Julgador consagrou RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 407 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a manutenção dos juros no percentual avençado pelas partes, desde que não reste sobejamente demonstrada a exorbitância do encargo (v.g. AgRg no REsp n. 590.573-SC, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU 25.5.2004). Ademais, a autorização do Conselho Monetário Nacional para a livre contratação dos juros remuneratórios só se faz necessária em hipóteses específicas, decorrentes de expressa exigência legal, tais como nas cédulas de crédito rural, industrial ou comercial. Assim, resta dispensada a prova de prévia autorização do CMN para fixar a taxa de juros além do patamar legal no caso em concreto (v.g. AgRg nos EDcl no REsp n. 492.936-RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 22.11.2004). No que tange à capitalização mensal de juros, o entendimento prevalecente nesta Corte era no sentido de que esta somente seria admitida em casos específicos, previstos em lei (cédulas de crédito rural, comercial e industrial), conforme a Súmula n. 93-STJ. Com a edição da MP n. 1.963-17, de 30.3.2000 (atualmente reeditada sob o n. 2.170-36/2000), passou-se a admitir a capitalização mensal nos contratos firmados posteriormente à sua entrada em vigor, desde que houvesse previsão contratual. Verificando-se, in casu, o preenchimento dessas condições, há de ser permitida a sua incidência. No concernente à comissão de permanência, o entendimento predominante neste Tribunal é no sentido de ser lícita a sua cobrança após o vencimento da dívida. A comissão deve observar a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa de juros contratada para o período da normalidade. Não pode, entretanto, ser cumulada com a correção monetária nem com os juros remuneratórios, nos termos das Súmulas n. 30, n. 294 e n. 296 do STJ. De acordo com entendimento desta Seção, ainda, a cobrança da comissão de permanência não pode coligir com os encargos decorrentes da mora, como os juros moratórios e a multa contratual (c.f. AgRg no REsp n. 712.801-RS, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 4.5.2005 e AgRg no REsp n. 791.172RS, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 22.8.2006). Presente a incidência de quaisquer desses encargos após a caracterização da mora, devem ser afastados, mantendo-se tão-somente a comissão de permanência (ut AgRg no AgRg no REsp n. 805.874-RS, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 19.6.2006 e AgRg no REsp n. 828.290-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 26.6.2006). Quanto à questão da mora, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de sua descaracterização apenas no caso de cobrança de encargos ilegais no período da normalidade, hipótese não ocorrida nos autos. Confira-se o seguinte precedente: Contrato bancário. Capitalização mensal de juros. - É permitida a capitalização mensal de juros nos contratos bancários celebrados a partir de 31.3.2000 (MP n. 1.963-17, atual MP n. 2.170-36), desde que pactuada. Mora. Caracterização. Encargos legais. - A descaracterização da mora ocorre 408 SÚMULAS - PRECEDENTES com a cobrança de encargos ilegais. não ocorrência. (AgRg no REsp n. 796.541-RS, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 9.10.2006). Desse modo, resta caracterizada a mora debendi pelo inadimplemento da obrigação. Em relação à manutenção do devedor na posse do bem, a Quarta Turma desta a. Corte, por ocasião do julgamento do AgRg no REsp n. 831.780-RS, relatado pelo em. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 14.8.2006, deixou assente o entendimento de que tal discussão refoge, inequivocamente, dos limites da ação revisional, recebendo o julgado, no que interessa, a seguinte ementa: A manutenção do devedor na posse do bem não pode persistir. A uma, porque refoge dos limites da ação revisional discussão possessória. A duas, mesmo considerando que a instituição financeira não logrou demonstrar a legalidade de todos os encargos cobrados, decaiu em menor parte de sua pretensão, cabendo ao devedor efetuar o pagamento do débito remanescente junto à instituição financeira. Assim, não há falar-se em manutenção do bem na posse do devedor, podendo a mesma ser requerida em ação própria pelo credor. [...] Portanto, não pode ser a credora impedida de tomar as medidas judiciais que entender cabíveis. No tocante à legalidade da inclusão do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito, veja-se que o entendimento atual deste colendo Superior Tribunal de Justiça, baseado em recente julgamento efetuado pela Segunda Seção (REsp n. 527.618-RS, relator Ministro Cesar Asfor Rocha), é o de que: o pedido em procedimento judicial que busca o cancelamento ou a abstenção da inscrição do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito (SPC, Cadin, Serasa e outros) deve ser deferido com cautela, ao prudente arbítrio do juiz, sendo indispensável a existência de prova inequívoca ou da verossimilhança do direito alegado, ou ainda, da fumaça do bom direito, consubstanciados na presença concomitante de três elementos: a) a existência de ação proposta pelo devedor, contestando a existência integral ou parcial do débito; b) a efetiva demonstração de que a cobrança indevida se funda em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) o depósito do valor referente à parte incontroversa do débito ou que seja prestada caução idônea. Os elementos constantes dos autos não demonstram a presença concomitante dos mencionados requisitos autorizadores do cancelamento dos registros. Sendo o inadimplemento do recorrido incontroverso, legítima é a inclusão do seu nome em cadastros de inadimplentes. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 409 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por fim, em relação à repetição do indébito, este eg. Tribunal já decidiu pela sua admissão independentemente da prova de que o pagamento tenha sido realizado por erro, com o objetivo de vedar o enriquecimento ilícito do banco em detrimento do contratante, nos termos da Súmula n. 322, in verbis: “Para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro”. Assim sendo, amparado no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dáse parcial provimento ao recurso especial para: i) afastar as disposições de ofício do Tribunal a quo acima elencadas; ii) afastar a limitação dos juros remuneratórios; iii) admitir a capitalização mensal destes; iv) permitir a cobrança de comissão de permanência, à taxa média de mercado, limitada à taxa do contrato, não cumulada com juros remuneratórios, correção monetária, juros moratórios e multa moratória; v) reconhecer a caracterização da mora do recorrido; vi) afastar a disposição do acórdão referente à manutenção do devedor na posse do bem; e vii) permitir a inclusão do nome do recorrido nos cadastros de inadimplentes. Em razão da sucumbência recíproca, condena-se as partes ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, mantido quanto a estes o valor fixado no acórdão, que deverá ser reciprocamente suportado na proporção de 10% pelo recorrente e 90% pelo recorrido, admitindo-se a compensação nos termos da lei. Por ser o recorrido beneficiário da assistência judiciária gratuita (fl. 25), fica suspensa a exigibilidade das custas judiciais e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 12 da Lei n. 1.060/1950. (fls. 445-448). Quanto à irresignação do agravante no referente à comissão de permanência, cabe ressaltar que a 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp n. 271.214, cujo relator para o acórdão foi o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, consignou que, por meio dela, a moeda poderá ser atualizada e remunerada. Nessa seara, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de impossibilitar a cumulação da cobrança daquela comissão com os juros remuneratórios e com a correção monetária, no último caso em harmonia com o Enunciado da Súmula n. 30-STJ, verbis: A Comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis. (Súmula n. 30-STJ). Ainda, no tocante à comissão de permanência, confira-se as Súmulas n. 294-STJ e n. 296-STJ, litteris: - Súmula n. 294: Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato. 410 SÚMULAS - PRECEDENTES - Súmula n. 296: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. Portanto, com todas as vênias, não prosperam as alegação do agravante, as quais nada acrescentaram, no sentido de infirmar os fundamentos do decisum agravado. Em face da ausência de qualquer subsídio trazido pelo ora agravante, capaz de alterar os fundamentos do decisum agravado, subsiste incólume o entendimento nele firmado, não merecendo prosperar o presente recurso. Ante o exposto, nego provimento ao agravo. É como voto. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.028.361-RS (2008/0025524-0) Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior Agravante: Severino Pedro de Borba Advogado: Vanderlei José Bobrowski Agravado: Banco Finasa S/A Advogado: Tanise Schmidt e outro(s) EMENTA Civil e Processual. Agravo regimental. Contrato de mútuo com alienação fiduciária em garantia. Julgamento extra petita. Exclusão dos temas abordados de ofício. Juros. Limitação. Impossibilidade. I. Inexistindo pedido ou recurso, é vedado ao órgão julgador de ofício declarar a nulidade de cláusulas contratuais referentes a direito patrimonial, conforme pacificado pela E. Segunda Seção, quando do julgamento do REsp n. 541.153-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJU de 14.9.2005. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 411 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II. Não se aplica a limitação de juros remuneratórios de 12% a.a., prevista na Lei de Usura, aos contratos bancários não normatizados em leis especiais, sequer considerada excessivamente onerosa a taxa média do mercado. Precedente uniformizador da 2ª Seção do STJ. III. Agravo regimental improvido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 15 de maio de 2008 (data do julgamento). Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator DJe 16.6.2008 RELATÓRIO O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Severino Pedro de Borba interpõe agravo regimental contra decisão que reconheceu a legitimidade da taxa de juros remuneratórios como pactuada em contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária. Alega, inicialmente, que é possível o julgamento de ofício pelo Tribunal de origem. Sustenta que é prática abusiva das instituições financeiras à cobrança dos juros remuneratórios acima da variação da Taxa Selic. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Sem razão a agravante. Ratifico os termos da decisão recorrida (fls. 273-274), que assim tratou da matéria, verbis: 412 SÚMULAS - PRECEDENTES No mérito, incidiu verdadeiramente em julgamento extra petita o enfrentamento de ofício pelo aresto estadual das questões relativas à descaracterização da mora, à instituição do IGP-M como índice de correção monetária, e à possibilidade de compensação/repetição do indébito (REsp n. 42.995-MG e REsp n. 541.153-RS), restando que ficam excluídas do acórdão a quo, motivo pelo qual não serão abordadas a seguir. Contudo, não houve julgamento de ofício da questão referente à comissão de permanência, uma vez que suscitado o pronunciamento pelo recurso de apelação, conforme se verifica à fl. 153. (...) Quanto à limitação dos juros remuneratórios, posicionou-se esta Corte no rumo de que com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais. A propósito, aplicável a Súmula n. 596-STF. Por outro lado, ainda que aplicável a Lei n. 8.078/1990, a Segunda Seção desta Corte (REsp n. 407.097-RS), sedimentou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, desinfluente para tal fim a estabilidade inflacionária no período, e imprestável o patamar de 12% ao ano, já que sequer a taxa média de mercado, que não é potestativa, se considera excessiva, para efeitos de validade da avença. (...) Conforme ressaltado na decisão agravada, incide verdadeiramente em julgamento extra petita o enfrentamento de ofício pelo órgão julgador de questões referentes a direito patrimonial, inexistindo pedido ou recurso nesse sentido, conforme pacificado pela e. Segunda Seção, quando do julgamento do REsp n. 541.153-RS (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, unânime, DJU de 14.9.2005), cuja ementa é a seguinte: Recurso especial. Ação revisional. Contrato de arrendamento mercantil. Descaracterização. Exame de ofício. Juros remuneratórios. Capitalização mensal. - Descaracterização do contrato. Incidência do Verbete n. 293 da Súmula-STJ. - Exame de ofício de cláusulas contratuais pelo Tribunal de origem. Impossibilidade, por ofensa ao art. 515 do CPC. Princípio tantum devolutum quantum appelattum. Precedentes. - Não estando as instituições financeiras sujeitas à limitação da Lei de Usura, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período (REsp’s n. 271.214-RS, n. 407.097-RS e n. 420.111-RS). RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 413 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Capitalização mensal. Inadmissibilidade na hipótese. - Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. Ante o exposto, improvejo o agravo. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. É como voto. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 801.421-RS (2006/0225242-8) Relator: Ministro Ari Pargendler Agravante: Elói dos Santos Leandro Advogado: Omar Lopes de Souza e outros Agravado: Banco Itaú S/A Advogado: Jacqueline Filgueras Nogueira e outros EMENTA Processo Civil. Embargos de divergência. A jurisprudência da Segunda Seção consolidou-se no sentido de que fere o princípio do tantum devolutum quantum appellatum a revisão, de ofício, pelo juiz, de cláusulas contratuais que não foram objeto de recurso (REsp n. 541.153, RS, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 14.9.2005). Agravo regimental não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. 414 SÚMULAS - PRECEDENTES Brasília (DF), 14 de março de 2007 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Relator DJ 16.4.2007 RELATÓRIO O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte decisão: Nego seguimento aos embargos de divergência porque o acórdão de fl. 296-301 está em conformidade com a atual jurisprudência da Segunda Seção no sentido de que a alteração, de ofício, da sentença contraria o artigo 515 do Código de Processo Civil (REsp n. 541.153, RS, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJU de 14.9.2005) – fl. 329. A teor das razões: Em síntese, como acima exposto, é possível a declaração, de oficio, de nulidade de cláusulas que ferem as normas do sistema protetivo do consumidor, a fim de preservar o equilíbrio contratual devido em virtude da necessária igualdade entre os contratantes. Saliente-se que as disposições de ofício foram objeto do pedido inicial do Autor, ora Agravante, e harmonizam com justiça a relação contratual em revisão. Assim, por conclusão lógica, as disposições de oficio indeferidas na decisão ora atacada, estão todas em consonância com o Código de Defesa do Consumidor, com a fundamentação exposta acima e ao longo do acórdão do Tribunal a quo, inclusive existindo sim divergência nessa respeitável Corte, merecendo, dessa forma, apreciação e reconhecimento desse Agravo Regimental (fl. 360). VOTO O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O acórdão indicado como paradigma está superado pela atual jurisprudência da Segunda Seção. Recentemente, no julgamento do REsp n. 541.153, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, a Segunda Seção firmou o entendimento no sentido de que fere o princípio do tantum devolutum quantum appellatum a revisão, de ofício, pelo juiz, de cláusulas contratuais que não foram objeto de recurso, conforme o acórdão assim ementado: RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 415 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso especial. Ação revisional. Contrato de arrendamento mercantil. Descaracterização. Exame de ofício. Juros remuneratórios. Capitalização mensal. - Descaracterização do contrato. Incidência do Verbete n. 293 da Súmula-STJ. Exame de ofício de cláusulas contratuais pelo Tribunal de origem. Impossibilidade, por ofensa ao art. 515 do CPC. Princípio tantum devolutum quantum appellatum. Precedentes. Não estando as instituições financeiras sujeitas à limitação da Lei de Usura, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período (REsp’s n. 271.214-RS, n. 407.097-RS e n. 420.111-RS). Capitalização mensal. Inadmissibilidade na hipótese. - Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido (DJ de 14.9.2005). Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 645.902-RS (2005/0027242-8) Relator: Ministro Fernando Gonçalves Embargante: Banco Santander Meridional S/A Advogado: Fabrício da Mota Alves e outro(s) Embargado: Aline Baistorph da Silva Advogado: Andréa Carla Tonin e outro(s) EMENTA Comercial. Empréstimo bancário. Contrato. Revisão. Abusividade. Reconhecimento de ofício. Apelação. Ausência. Tantum devolutum quantum apellatum. Violação. 1 - Viola o princípio do tantum devolutum quantum apellatum o deferimento de repetição de indébito, em face do reconhecimento de abusividade no contrato de financiamento bancário, sem que a parte interessada tenha manejado o competente recurso de apelação. Entendimento da Segunda Seção (EREsp n. 702.524-RS e REsp n. 541.153-RS). 2 - Embargos de divergência conhecidos e providos. 416 SÚMULAS - PRECEDENTES ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer dos Embargos de Divergência e lhes dar provimento. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda e Ari Pargendler votaram com o Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília (DF), 10 de outubro de 2007 (data do julgamento). Ministro Fernando Gonçalves, Relator DJ 22.10.2007 RELATÓRIO O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Por Aline Baistorph da Silva foi ajuizada uma ação revisional de contrato de financiamento bancário cumulada com repetição de indébito contra o Banco Santander Meridional S/A, julgada parcialmente procedente, em primeiro grau de Jurisdição, determinando o juízo “a revisão do contrato de financiamento firmado entre as partes desde a data de assinatura da aludida avença, nos termos antes definidos, para o fim de que seja observada a cobrança de juros correspondente à variação da Taxa Selic no período, capitalizados mensalmente, admitindo a compensação por valores já cobrados em desatenção ao aqui reconhecido, mantendo os demais critérios estabelecidos, tornando definitiva a tutela anteriormente concedida.” (fls. 122) Inconformado, o Banco maneja apelação, provida parcialmente pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: Apelação cível. Negócios jurídicos bancários. Ação revisional. Juros Remuneratórios: Incontroversa a prática de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano na operação bancária em exame, mas é inaplicável o art. 192, parágrafo 3º da Constituição Federal. Taxa Referencial: Adoção como indexador, desde que livremente pactuada entre as partes. Excluída, no caso. Multa Moratória: A multa ajustada para a impontualidade no cumprimento da obrigação, deverá obedecer ao art. 52, § 1º do Codecon, que a limitou, inicialmente, em 10% (dez por cento) da dívida e após, com a redação da Lei n. 9.298, de 1º.8.1996, em até 2% (dois por cento). RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 417 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Comissão de Permanência: Expurgo. - Repetição do Indébito ou Compensação: Não é obstáculo à revisional a ausência de prova do pagamento indevido por erro quando aquela ação está embasada na alegação de cobrança de verbas ilegais, logo nulas, podendo ser conhecidas até de ofício pelo julgador. Apelação cível provida em parte. (fls. 165). Foram opostos embargos de declaração, suscitando o Banco a impossibilidade de ser deferida a repetição de indébito, sem que tenha havido recurso da parte contrária, ou seja, não se pode concedê-la de ofício. Rejeitados os embargos (fls. 196), ascenderam os autos a esta Corte, via recurso especial, afirmando o Banco, neste particular, violação aos arts. 128, 460 e 515 do CPC. Por decisão singular (fls. 249-250), foi julgado o especial, fixando o Relator, no tópico, a possibilidade de revisão, de ofício, do contrato e suas abusividades. Interposto agravo regimental, não foi provido, por acórdão da Terceira Turma, que guarda a seguinte ementa: Agravo regimental. Contrato de financiamento. Exame de ofício. Art. 51, IV, CDC. Comissão de permanência. Limitação ao pacto. Honorários advocatícios. Fixação do valor em fase de liquidação. Reformatio in pejus. Impossibilidade. - A jurisprudência permite afastar, de ofício, as cláusulas abusivas com base no art. 51, IV, do CDC, questão de ordem pública. - É lícito a cobrança de comissão de permanência no período da inadimplência, desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula n. 30), nem com juros remuneratórios, calculada pela taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato (Súmulas n. 294 e n. 296). - A redistribuição da verba honorária reserva-se à liquidação da sentença, limitada a condenação ao quantum fixado pelo acórdão recorrido, em atenção ao princípio da reformatio in pejus. (AgRg no REsp n. 645.902-RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros) (fls. 271). Daí os presentes embargos de divergência, onde sustenta o Banco Santander Meridional S/A que, a manter a conclusão do julgado, violado estará o princípio do tantum devolutum quantum apellatum, sendo certo o dissenso entre o acórdão recorrido e paradigma da Quarta Turma, assim ementado: Comercial. Revisão. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Citação. Nulidade. Teoria da aparência. Representante de empresa. Certidão oficial. Contraprova desacolhida. Ausência de prejuízo. Reexame. Inadmissibilidade. 418 SÚMULAS - PRECEDENTES Súmula n. 7-STJ. Juros remuneratórios. Termo final. Vencimento. Comissão de permanência. Incidência. Período de inadimplência. Limite. Julgamento extra petita. Reconhecimento. Capitalização mensal dos juros. Vedação. Súmula n. 121STF. Compensação do indébito. Cabimento. I. Efetivada a citação em funcionário que, segundo o oficial de justiça encarregado da diligência, era o representante legal do banco réu, e insuficiente, na dicção do acórdão estadual, a contraprova, a matéria recai no reexame fático, vedado pela Súmula n. 7 do STJ. II. Caso, ademais, em que a revelia em 1º grau não trouxe prejuízo à parte, porquanto a controvérsia é essencialmente de Direito. III. O julgamento da apelação sobre temas não provocados pelo recorrente viola o princípio tantum devolutum quantum appellatum, inerente ao efeito devolutivo do recurso, cujo excesso deve ser decotado com referência à comissão de permanência. IV. Segundo o entendimento pacificado na egrégia Segunda Seção (REsp n. 271.214-RS, Rel. p/ acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, por maioria, DJU de 4.8.2003), os juros remuneratórios serão devidos até o advento da mora, quando poderão ser substituídos pela comissão de permanência, calculada pela variação da taxa média do mercado, segundo as normas do Banco Central, limitada à taxa de juros pactuada, acrescida dos encargos contratuais previstos para a inadimplência e observado o teor da Súmula n. 30-STJ. V. No contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que expressamente pactuada, é vedada a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei, hipótese diversa dos autos. Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/1933 e da Súmula n. 121-STF. VI. Admite-se a repetição do indébito ou a compensação de valores pagos em virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o enriquecimento injustificado do credor. VII. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (REsp n. 528.530-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior) (fls.288) Embargos admitidos (fls. 298). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): A irresignação merece acolhida, dado que o entendimento da Segunda Seção é no mesmo sentido preconizado pelo recorrente: RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 419 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Embargos de divergência. Relação de consumo. Revisão de ofício do contrato, para anular as cláusulas abusivas. Impossibilidade. Orientação da 2ª Seção. - Não é lícito ao STJ rever de ofício o contrato, para anular cláusulas consideradas abusivas com base no art. 51, IV, do CDC. (EREsp n. 702.524-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, DJU de 9.10.2006). Recurso especial. Ação revisional. Contrato de arrendamento mercantil. Descaracterização. Exame de ofício. Juros remuneratórios. Capitalização mensal. - Descaracterização do contrato. Incidência do Verbete n. 293 da Súmula-STJ. - Exame de ofício de cláusulas contratuais pelo Tribunal de origem. Impossibilidade, por ofensa ao art. 515 do CPC. Princípio tantum devolutum quantum appellatum. Precedentes. - Não estando as instituições financeiras sujeitas à limitação da Lei de Usura, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período (REsp’s n. 271.214-RS, n. 407.097-RS e n. 420.111-RS). - Capitalização mensal. Inadmissibilidade na hipótese. - Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (REsp n. 541.153RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Seção, DJU de 14.9.2005) Ante o exposto, conheço dos embargos e lhes dou provimento para afastar da condenação a repetição de indébito. RECURSO ESPECIAL N. 541.153-RS (2003/0073220-8) Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha Recorrente: BCN Leasing Arrendamento Mercantil S/A Advogado: Pedro Castiglia Netto e outros Recorrido: Urgeped Clínica de Atendimento Infantil Advogado: Irapuan Indio da Costa e outros 420 SÚMULAS - PRECEDENTES EMENTA Recurso especial. Ação revisional. Contrato de arrendamento mercantil. Descaracterização. Exame de ofício. Juros remuneratórios. Capitalização mensal. - Descaracterização do contrato. Incidência do Verbete n. 293 da Súmula-STJ. - Exame de ofício de cláusulas contratuais pelo Tribunal de origem. Impossibilidade, por ofensa ao art. 515 do CPC. Princípio tantum devolutum quantum appelattum. Precedentes. - Não estando as instituições financeiras sujeitas à limitação da Lei de Usura, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período (REsp’s n. 271.214-RS, n. 407.097-RS e n. 420.111-RS). - Capitalização mensal. Inadmissibilidade na hipótese. - Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso, e nesta parte lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Nancy Andrighi, Castro Filho, Barros Monteiro e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Brasília (DF), 8 de junho de 2005 (data do julgamento). Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator DJ 14.9.2005 RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 421 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Urgeped Clínica de Atendimento Infantil ajuizou ação revisional contra BCN Leasing Arrendamento Mercantil S/A. Julgado improcedente o pedido, a autora apelou, pleiteando a revisão das cláusulas relativas aos juros e à capitalização. A egrégia Décima Quarta Câmara Cível do TJRS deu provimento ao recurso, com disposições de ofício, em acórdão assim sumariado: Apelação cível. Arrendamento mercantil. Ação de revisão contratual. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, possibilidade de revisão do contrato e declaração ex officio da nulidade de cláusulas abusivas. Nulidade de cláusulas abusivas. O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, que autoriza a revisão contratual e a declaração de nulidade de pleno direito de cláusulas contratuais abusivas, o que pode ser feito até mesmo de ofício pelo Poder Judiciário. Descaracterização do contrato. O pagamento antecipado do VRG descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil para compra e venda a prestações. Disposição de ofício. Limitação dos juros. Sendo inadmissível a excessiva onerosidade do contrato, a cobrança de juros abusivos é nula, especialmente em período de estabilidade econômica. Juros limitados em 12% ao ano. Aplicação do art. 51, IV, do CDC. Capitalização de juros. O anatocismo é vedado em contratos da espécie, por ausência de permissão legal, ainda que expressamente convencionado. Comissão de permanência. É vedada a cumulação de correção monetária com comissão de permanência. Súmula 30, STJ. Também proibida a cobrança de comissão de permanência na exata interpretação dos arts. 115 do CC e 51, IV, do CDC. Disposição de ofício. Correção monetária. O IGP-M é o índice que melhor recompõe as perdas ocasionadas pela inflação. Disposição de ofício. Inexistência de mora debendi. Sendo o contrato abusivo e estando ele eivado de nulidades decorrentes de cláusulas ilegais e abusivas, não se constitui validamente a mora debendi, já que os valores cobrados não são efetivamente devidos. Em decorrência, não há incidência de encargos moratórios. Disposição de ofício. Multa. Limitada em 2%, nos termos da Lei n. 9.298/1996, a partir de 1º.8.1996, e calculada sobre o valor da prestação. Disposição de ofício. Juros de mora. Limitados em 1% ao ano, nos termos do art. 5º do Dec. n. 22.626/1933. Disposição de ofício. Apelação provida, com disposições de ofício. (fl. 126). 422 SÚMULAS - PRECEDENTES Os embargos de declaração não foram conhecidos, com imposição de multa. Daí a interposição desse recurso especial (art. 105, III, a e c, da CF) por BCN Leasing Arrendamento Mercantil. Em síntese, alega violação dos arts. 535, II, do CPC, 145, 146, 151, 955, 960, 965, 1.009 e 1.010 do CCB. Insurge-se contra a descaracterização do contrato, a limitação dos juros remuneratórios e o afastamento da capitalização e da cobrança da comissão de permanência. Sustenta que o julgamento de ofício afronta os arts. 128, 460 e 515 do CPC. Argumenta que é descabida a repetição do indébito/compensação. Sustenta que a mora está caracterizada. As contra-razões foram apresentadas (fls. 205-218). Admitido o recurso, vieram-me os autos. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Eventual violação do art. 535, II, do CPC fica superada tendo em conta o que segue. Acrescento que a recorrente não se insurgiu contra a aplicação da multa. A egrégia Câmara não deferiu a repetição do indébito e a compensação, razão por que, no ponto, não há interesse em recorrer. O recurso prospera no que se refere à não-descaracterização do contrato, ao exame de ofício de cláusulas contratuais e a não-limitação dos juros remuneratórios. Com efeito, nos termos do Verbete n. 293 da Súmula do STJ, “a cobrança antecipada do Valor Residual Garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.” Relativamente ao exame de ofício, conquanto existam decisões favoráveis a que o Julgador examine cláusulas contratuais em relação as quais não tenha havido insurgência, por aplicação do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, tenho que o entendimento que deve prevalecer é o já assentado na egrégia Terceira Turma. Assim, não se tratando de questões relacionadas às condições da ação, as matérias que não foram objeto da apelação não podem ser examinadas pelo Tribunal. Nesse sentido foram julgados os REsp’s n. 258.426-RS (DJ 20.8.2001) e n. 726.517-RS (DJ 31.3.2005), ambos da relatoria do eminente RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 423 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ministro Carlos Alberto Menezes Direito e o REsp n. 726.141-RS, relatado pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 29.3.2005. Cito, ainda, o REsp n. 248.155-SP, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 7.8.2000, cuja judiciosa fundamentação restou assim sumariada: Processual Civil. Apelação. Princípio devolutivo. Inocorrência de impugnação. Multa. Redução a 2%. Contrato anterior à vigência da nova redação do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. Impossibilidade de o Tribunal decidir de ofício. Brocardo tantum devolutum quantum appellatum. Arts. 128, 460 e 515, CPC. Recurso provido. I - A extensão do pedido devolutivo se mede através da impugnação feita pela parte nas razões do recurso, consoante enuncia o brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum. II - A apelação transfere ao conhecimento do Tribunal a matéria impugnada, nos limites dessa impugnação, salvo matérias examináveis de ofício pelo juiz. III - Questão não refutada no recurso, que, pela natureza patrimonial do direito, não pode ser decidida de ofício pelo Tribunal. IV - Conquanto o CDC seja norma de ordem pública, não pode retroagir para alcançar o contrato que foi celebrado e produziu seus efeitos na vigência da lei anterior, sob pena de afronta ao ato jurídico perfeito. No caso, ao julgar de ofício os encargos do contrato, inclusive no que se refere à comissão de permanência, a egrégia Câmara violou o art. 515 do CPC. No que tange aos juros remuneratórios, é de se acolher a irresignação, já que o entendimento do STJ é no sentido de que, embora certa a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período. Assim tem sido repetidamente decidido desde o julgamento dos REsp’s n. 271.214-RS, n. 407.097-RS e n. 420.111-RS, pela egrégia Segunda Seção, entendimento que deu ensejo à edição do Verbete n. 296 da Súmula desta Corte. A capitalização mensal, matéria acerca da qual não houve exame de ofício, é de ser inadmitida na hipótese. Isso porque, embora a orientação firmada na Segunda Seção a partir do julgamento do REsp n. 602.068-RS (relator o eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21.3.2005) seja no sentido de que é possível a pactuação de capitalização mensal, essa contratação só é admitida para contratos firmados posteriormente à edição da MP n. 1.963. O 424 SÚMULAS - PRECEDENTES caso em exame trata de contrato firmado em setembro de 1995, razão por que não se aplica a nossa jurisprudência. Dessarte, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, dou-lhe provimento, para afastar a descaracterização do contrato e as disposições de ofício constantes do acórdão recorrido, bem como admitir a cobrança dos juros remuneratórios à taxa pactuada até o vencimento do contrato. Tendo em conta a sucumbência recíproca, arcará a recorrente com 25% das custas processuais e a recorrida, com 75%, além dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 400,00, já efetuada a devida compensação. RECURSO ESPECIAL N. 1.042.903-RS (2008/0065702-7) Relator: Ministro Massami Uyeda Recorrente: BV Financeira SA Credito Financiamento e Investimento Advogado: Eduardo Borges de Freitas e outro(s) Recorrido: Guaraci Ferreira da Silva Advogado: Oscar L. Campos EMENTA Recurso especial. Ação revisional de contrato de financiamento bancário. Nulidade de cláusulas abusivas. Declaração de ofício. Impossibilidade. Limitação dos juros remuneratórios. Inadmissibilidade. Comissão de permanência. Licitude na cobrança, não cumulada com os demais encargos da mora, correção monetária e juros remuneratórios e limitada à taxa de juros prevista no contrato para o período da normalidade. Inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes. Legalidade. Manutenção na posse do bem. Impossibilidade. Recurso especial parcialmente provido. I - É vedado o reconhecimento, de ofício, da nulidade de cláusulas contratuais consideradas abusivas; II - Não incide a limitação dos juros remuneratórios a 12% ao ano, salvo hipóteses legais específicas; RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 425 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA III - É lícita a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, caso não sejam preenchidos os requisitos autorizadores do cancelamento da inscrição; IV - Admite-se a cobrança da comissão de permanência, após o vencimento da dívida, desde que não acrescida de juros remuneratórios e de encargos decorrentes da mora; V - Afasta-se a mora debendi pela cobrança de encargos ilegais no período da normalidade, hipótese não verificada nos autos, devendo ser revogada a liminar de manutenção na posse do bem; VI - Recurso Especial parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Ari Pargendler e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 3 de junho de 2008 (data do julgamento). Ministro Massami Uyeda, Relator DJe 20.6.2008 RELATÓRIO O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de recurso especial interposto pela BV Financeira SA Credito Financiamento e Investimento (art. 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal) em que se alega ofensa aos artigos 4º, IX, e 9º da Lei n. 4.595/1964; 515 do CPC; 397, 397 e 877 do Código Civil; e 2º do Decreto-Lei n. 911/1969, além de dissídio jurisprudencial. Os elementos dos autos dão conta de que a ação revisional de contrato de alienação fiduciária em garantia ajuizada pelo recorrido em face da recorrente restou julgada procedente, em primeiro grau de Jurisdição, para limitar os juros remuneratórios a 12% ao ano, admitir a capitalização anual dos juros, fixar a correção monetária pelo IGP-M e afastar a cobrança da comissão de 426 SÚMULAS - PRECEDENTES permanência (fls. 106-111). Interposto recurso de apelação pela instituição financeira, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul conferiu-lhe parcial provimento, para admitir a capitalização de juros na forma pactuada. Manteve a antecipação de tutela no sentido de vedar a inscrição do nome do devedor no cadastro de inadimplentes e manter o bem na posse do devedor. E, de ofício, fixou a multa moratória em 2% sobre o valor da parcela inadimplida, afastou a mora debendi e seus encargos consectários, declarou nulas as tarifas de cobrança e de taxa de abertura de crédito e admitiu a repetição do indébito (fls. 156-171). Opostos embargos infringentes em relação às disposições de ofício, foram eles desacolhidos. Busca a recorrente a reforma do decisum, insurgindo-se, em síntese, contra as disposições de ofício do Tribunal a quo acerca das cláusulas do contrato de mútuo em tela, bem como a limitação dos juros remuneratórios, o afastamento da comissão de permanência e a manutenção das tutelas antecipadas (fls. 204224). O recorrido não apresentou contra-razões (fl. 245), recebendo o recurso juízo positivo de admissibilidade do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 246-247). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): O recurso especial merece parcial provimento. Com efeito. Na realidade, o entendimento mais recente desta egrégia Corte é no sentido da impossibilidade do reconhecimento, de ofício, de nulidade de cláusulas contratuais consideradas abusivas, sendo, para tanto, necessário o pedido expresso da parte interessada (ut REsp n. 612.470-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 30.6.2006). Assinala-se, ainda, que, nos termos do artigo 515 do Código de Processo Civil, excetuando-se as matérias de ordem pública, examináveis de ofício, o recurso de apelação devolve para o Órgão ad quem a matéria impugnada, que se restringirá aos limites dessa impugnação. Afere-se, na espécie, ter o Órgão prolator da decisão recorrida proferido julgamento extra petita, porquanto enfrentou questões atinentes a direito patrimonial, que não constituíram objeto de insurgência. Dessa forma, devem RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 427 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ser afastadas as disposições ex officio do v. acórdão recorrido acerca da limitação da multa moratória em 2% sobre o valor da parcela em atraso, do afastamento da mora e seus consectários, da nulidade da cobrança das tarifas e das taxas de abertura de crédito, e da possibilidade de repetição do indébito. Em referência aos juros remuneratórios, a Segunda Seção deste egrégio Superior Tribunal entende que não incide a limitação a 12% ao ano, prevista no Decreto n. 22.626/1933, salvo hipóteses legais específicas, visto que as instituições financeiras, integrantes do Sistema Financeiro Nacional, são regidas pela Lei n. 4.595/1964. Nota-se que cabe ao Conselho Monetário Nacional limitar tais encargos, aplicando-se a Súmula n. 596 do STF. Vejase, mais, que este entendimento não foi alterado após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas também se aplicam aos contratos firmados por instituições bancárias. E a fim de se harmonizarem os referidos diplomas legais, aquele Órgão Julgador consagrou a manutenção dos juros no percentual avençado pelas partes, desde que não reste sobejamente demonstrada a exorbitância do encargo (ut AgRg no REsp n. 987.697-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 12.12.2007). Ademais, a autorização do Conselho Monetário Nacional para a livre contratação dos juros remuneratórios só se faz necessária em hipóteses específicas, decorrentes de expressa exigência legal, tais como nas cédulas de crédito rural, industrial ou comercial. Assim, resta dispensada a prova de prévia autorização do CMN para fixar a taxa de juros além do patamar legal no caso em concreto (v.g. AgRg nos EDcl no REsp n. 492.936-RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 22.11.2004). No tocante à inclusão do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito, veja-se que a compreensão atual deste colendo Superior Tribunal de Justiça, baseado em recente julgamento efetuado pela Segunda Seção (REsp n. 527.618-RS, relator Ministro Cesar Asfor Rocha) é de que: “o pedido em procedimento judicial que busca o cancelamento ou a abstenção da inscrição do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito (SPC, Cadin, Serasa e outros) deve ser deferido com cautela, ao prudente arbítrio do juiz, sendo indispensável a existência de prova inequívoca ou da verossimilhança do direito alegado, ou ainda, da fumaça do bom direito, consubstanciados na presença concomitante de três elementos: a) a existência de ação proposta pelo devedor, contestando a existência integral ou parcial do débito; b) a efetiva demonstração de que a cobrança indevida se funda em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) o depósito do valor referente à parte incontroversa do débito ou que seja prestada caução idônea”. 428 SÚMULAS - PRECEDENTES Os elementos constantes dos autos não demonstram a presença concomitante dos mencionados requisitos autorizadores do cancelamento dos registros, pois não há notícia de que tenha havido o depósito, ou que tenha sido prestada caução idônea da parte incontroversa do débito, o que possibilita a pretendida inclusão (cfr: REsp n. 880.230-RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 6.10.2006; Ag n. 790.510-RS, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 27.9.2006 e REsp n. 825.701-RS, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 5.5.2006). Quanto à questão da mora, o posicionamento perfilhado por esta Corte, em uniformização jurisprudencial, é no sentido de sua descaracterização apenas no caso de cobrança de encargos ilegais no período da normalidade (ut REsp n. 1.044.157-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 16.4.2008), o que, na espécie, não restou consubstanciado. Desse modo, caracterizada a mora debendi, pelo inadimplemento da obrigação, deve, por consectário lógico, ser revogada a liminar deferida no sentido de manter o bem na posse do devedor. Nesse sentido: REsp n. 1.037.719-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 12.5.2008; e REsp n. 799.638-RS, relator Ministro Sidnei Beneti, DJ de 12.5.2008. Relativamente à comissão de permanência, o entendimento predominante nesta Turma é no sentido de ser lícita a sua cobrança após o vencimento da dívida. A comissão deve observar a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa de juros prevista para o período da normalidade, não podendo, entretanto, ser cumulada com a correção monetária nem com os juros remuneratórios, nos termos das Súmulas n. 30, n. 294 e n. 296 do STJ. De acordo com entendimento desta Seção, ainda, a cobrança da comissão de permanência não pode ser acrescida dos encargos decorrentes da mora, como os juros moratórios e a multa contratual (c.f. AgRg no REsp n. 712.801-RS, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 4.5.2005). Presente a incidência de quaisquer desses encargos após a caracterização da mora, devem ser afastados, mantendo-se tão-somente a comissão de permanência (cfr: AgRg no AgRg no REsp n. 805.874-RS, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 19.6.2006 e AgRg no REsp n. 828.290-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 26.6.2006), o que torna, inclusive, prejudicada a análise de quaisquer desses encargos. Assim sendo, dá-se parcial provimento ao recurso especial, para afastar a declaração de ofício da nulidade das cláusulas contratuais, validar os juros remuneratórios contratados, permitir a cobrança da comissão de permanência, RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 429 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA à taxa média de mercado, limitada à taxa do contrato prevista para o período da normalidade, não cumulada com os juros remuneratórios, a multa contratual, os juros de mora e a correção monetária, e revogar os efeitos das tutelas anteriormente deferidas, no sentido de possibilitar a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes e de não manter o devedor na posse do bem. Em razão da sucumbência recíproca, as partes arcarão com as custas e os honorários advocatícios, na proporção de 10% pela recorrente e 90% pelo recorrido, estes últimos nos moldes fixados no v. acórdão recorrido, admitindo-se a compensação, nos termos da lei. Por ser o recorrido beneficiário da assistência judiciária gratuita (fl. 25-verso), fica suspensa a exigibilidade das custas judiciais e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 12 da Lei n. 1.060/1950. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.061.530-RS (2008/0119992-4) Relatora: Ministra Nancy Andrighi Recorrente: Unibanco União de Bancos Brasileiros S/A Advogados: Mariane Cardoso Macarevich e outro(s) Luciano Corrêa Gomes Recorrido: Rosemari dos Santos Sanches Advogado: Mauro Trápaga Teixeira EMENTA Direito Processual Civil e Bancário. Recurso especial. Ação revisional de cláusulas de contrato bancário. Incidente de processo repetitivo. Juros remuneratórios. Configuração da mora. Juros moratórios. Inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes. Disposições de ofício. Delimitação do Julgamento Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo 430 SÚMULAS - PRECEDENTES repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n. 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade. Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. Preliminar O Parecer do MPF opinou pela suspensão do recurso até o julgamento definitivo da ADI n. 2.316-DF. Preliminar rejeitada ante a presunção de constitucionalidade do art. 5º da MP n. 1.963-17/00, reeditada sob o n. 2.170-36/01. I - Julgamento das questões idênticas que caracterizam a multiplicidade. Orientação 1 - Juros remuneratórios a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933), Súmula n. 596-STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c.c. o art. 406 do CC/2002; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 431 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Orientação 2 - Configuração da Mora a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. Orientação 3 - Juros Moratórios Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Orientação 4 - Inscrição/Manutenção em Cadastro de Inadimplentes a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. Orientação 5 - Disposições de Ofício É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de Jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão. II - Julgamento do Recurso Representativo (REsp n. 1.061.530-RS) 432 SÚMULAS - PRECEDENTES A menção a artigo de lei, sem a demonstração das razões de inconformidade, impõe o não-conhecimento do recurso especial, em razão da sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula n. 284STF. O recurso especial não constitui via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF. Devem ser decotadas as disposições de ofício realizadas pelo acórdão recorrido. Os juros remuneratórios contratados encontram-se no limite que esta Corte tem considerado razoável e, sob a ótica do Direito do Consumidor, não merecem ser revistos, porquanto não demonstrada a onerosidade excessiva na hipótese. Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor. Afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida. Não há qualquer vedação legal à efetivação de depósitos parciais, segundo o que a parte entende devido. Não se conhece do recurso quanto à comissão de permanência, pois deficiente o fundamento no tocante à alínea a do permissivo constitucional e também pelo fato de o dissídio jurisprudencial não ter sido comprovado, mediante a realização do cotejo entre os julgados tidos como divergentes. Vencidos quanto ao conhecimento do recurso a Min. Relatora e o Min. Carlos Fernando Mathias. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 433 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, acompanhada pelos Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Luis Felipe Salomão, Carlos Fernando Mathias, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior; salvo em relação às disposições de ofício, vencidos a Ministra Relatora e o Ministro Luis Felipe Salomão, e quanto à comissão de permanência, vencidos no conhecimento a Ministra Relatora e o Ministro Carlos Fernando Mathias. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Massami Uyeda. Brasília (DF), 22 de outubro de 2008 (data do julgamento). Ministra Nancy Andrighi, Relatora DJe 10.3.2009 QUESTÃO DE ORDEM VOTO O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Entendo que a sustentação oral deve se restringir à dos ilustres advogados das partes. QUESTÃO DE ORDEM VOTO O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Sr. Presidente, se há manifestação escrita e por se tratar de um processo em que se vai apenas consolidar teses que já estão, ao longo do tempo, sendo acatadas por todos os Membros da Seção, não vejo razão para que haja sustentação oral, além das duas partes envolvidas. Com a vênia devida da Sra. Ministra Relatora, indefiro, no sentido de admitir somente a sustentação oral das partes. RELATÓRIO A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recurso especial interposto por Unibanco - União Brasileira de Bancos S.A., com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ-RS. 434 SÚMULAS - PRECEDENTES Ação: Rosemari dos Santos Sanches ajuizou ação de revisão contratual em face do Unibanco – União Brasileira de Bancos S.A., alegando, em síntese, que adquiriu uma motocicleta mediante financiamento concedido pela instituição financeira recorrente. Obteve o empréstimo de R$ 4.980,00 (quatro mil, novecentos e oitenta reais) para pagamento em 36 parcelas de R$ 249,48 (duzentos e quarenta e nove reais e quarenta e oito centavos). Com base em precedente desta Corte (REsp n. 213.825-RS, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha), a recorrida sustentou na inicial que “todas as vezes que a contratação dos juros remuneratórios se apresente excessivamente onerosa, em percentual caracterizadamente abusivo, por extrapolar os padrões da conjuntura econômica pátria (...), pode ser aplicada a norma protetora do consumidor, com o fito de coibirem-se intoleráveis abusos por parte das instituições financeiras”. Além de insurgir-se contra os juros remuneratórios, que considerou excessivamente onerosos, pleiteou o afastamento da capitalização de juros, da cobrança da comissão de permanência e da inclusão de seu nome em cadastro de inadimplentes. Aventou a possibilidade de realizar o depósito da quantia que entende devida, qual seja R$ 2.509,15 (dois mil quinhentos e nove reais e quinze centavos), em 23 prestações de R$ 122,66 (cento e vinte e dois reais e sessenta e seis centavos). Ao final, requereu que fosse: (i) mantida na posse da motocicleta; (ii) impedida a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, como Serasa, SPC, Cartório de Protestos e Central de Risco do Banco Central; (iii) autorizada a realizar o depósito da quantia incontroversa; (iv) apresentada pelo banco cópia do contrato celebrado entre as partes; (v) declarada a nulidade das cláusulas que contrariam a lei; (vi) estipulada a aplicação de juros remuneratórios de 12% ao ano e (vii) excluída a capitalização mensal. Sentença: Considerou que a taxa mensal de juros remuneratórios de 2,5654% ao mês era abusiva, razão pela qual a reduziu para 1% ao mês, afastando, ainda, “a cobrança da comissão de permanência, que deverá ser substituída pelo IGPM, e determinando a capitalização anual dos juros” (fls. 63). Acórdão: O Tribunal de origem negou provimento à apelação interposta pela instituição financeira, afastando, de ofício, a cobrança de certos encargos, tal como resumido na seguinte ementa: Ação revisional. Negócios jurídicos bancários. Alienação fiduciária. Aplicação do CDC. Juros remuneratórios. Capitalização. Comissão de permanência. Índice RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 435 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de atualização monetária. Encargos moratórios. Compensação e/ou repetição do indébito. Cláusula de emissão de título de crédito. Tarifa de abertura de crédito. Emissão de boleto bancário. Cadastro de restrição ao crédito. Protesto de título. Manutenção na posse do bem. Autorização para depósito. Honorários advocatícios. 1. Aplicação do CDC. O Código de Defesa do Consumidor implementou uma nova ordem jurídica, viabilizando a revisão contratual e a declaração de nulidade absoluta das cláusulas abusivas, o que pode ser feito inclusive de ofício pelo Poder Judiciário. 2. Juros remuneratórios. É nula a taxa de juros remuneratórios em percentual superior a 12% ao ano porque acarreta excessiva onerosidade ao devedor em desproporção à vantagem obtida pela instituição credora, por aplicação do art. 51, IV, do CDC. 3. Capitalização. A capitalização dos juros é vedada em contratos da espécie, por ausência de permissão legal, ainda que expressamente convencionado. 4. Índice de atualização monetária. Cabimento. Adoção do IGP-M para atualização do valor da moeda. Disposição de ofício. 5. Comissão de permanência. É vedada a comissão de permanência por cumulada com juros remuneratórios e correção monetária. 6. Encargos moratórios 6.1. Juros moratórios. Contemplados no contrato em 1% ao mês e mantidos, vedada a cumulação com juros remuneratórios e multa. 6.2. Multa contratual. Contemplada no contrato à taxa de 2% e mantida. Deve incidir sobre a parcela efetivamente em atraso e não sobre a totalidade do débito. 6.3. Mora do devedor. Por ter sido elidida a mora debendi, não há exigir os encargos moratórios. Esses são exigíveis tão-só quando constituído em mora o devedor. Disposição de ofício. 7. Compensação e/ou repetição do indébito. Após a compensação, e na eventualidade de sobejar saldo em seu favor do devedor, é admitida a repetição simples, afastada a previsão contida no parágrafo único do art. 42 do CDC. Disposição de ofício. 8. Cláusula de emissão de título de crédito. A cláusula que prevê emissão de título de crédito configura nulidade pela abusividade que ostenta ou pela excessiva outorga de poderes conferida ao credor ou pelo excesso de garantia. Disposição de ofício. 9. Tarifa de emissão de boleto bancário. A emissão de qualquer carnê ou boleto para pagamento é obrigação do credor não devendo ensejar ônus algum ao devedor, já que os arts. 319 do Código Civil/2002 e art. 939 do Código Civil/1916, não trazem no seu bojo a condição de pagamento em dinheiro para ele receber o que lhe é de direito. Disposição de ofício. 10. Taxa de abertura de crédito. Além de atender interesse exclusivo do mutuante, essa cláusula contratual contraria o disposto no art. 46, parte final, do Código de Defesa do Consumidor, pois não fornece ao mutuário todas as informações sobre sua finalidade e alcance. Disposição de ofício. 436 SÚMULAS - PRECEDENTES 11. Cadastro de crédito. Inscrição negativa. Discussão da dívida que revela probabilidade, ainda que mínima, de sucesso do devedor. Inveracidade de dados e constrangimento desnecessário vedados no CDC. 12. Protesto do título. Na medida em que o devedor possui argumentos que fragilizam o negócio subjacente, podendo ser excluídos juros e taxas consideradas abusivas, o protesto revela-se ato temerário e que somente virá em prejuízo do devedor, sem qualquer repercussão jurídica de monta para o credor. 13. Manutenção de posse. É de ser mantido o devedor na posse do bem alienado fiduciariamente enquanto pendente pleito revisional. 14. Autorização de depósitos. É possível a autorização para depósito de valores que o autor entende devidos, enquanto pende de julgamento ação revisional de cláusulas contratuais. 1 5. Honorários advocatícios. Redimensionados. Disposição de ofício. Apelo desprovido, com disposições de ofício. Recurso Especial: Sustentou haver violação aos arts. 5º da MP n. 2.170/1936; 4º do Decreto n. 22.626/1933; 6º, V, e 52, § 1o, do CDC; 3o, 4º, VI e IX, da Lei n. 4.595/1964; 2º, 20, 128, 333, I, 460, 515, 890 e 925 do CPC; 188, 397, 406, 422, 478, 876 e 877 do CC/2002; 4º, § 2o, da Lei n. 9.507/1997; 14 da Lei n. 9.492/1997; 161 do CTN e ainda Resolução n. 1.129 do CMN. Apontou, também, a existência de dissídio pretoriano. Afirma, ainda, haver violação aos arts. 5º, XXXV, e 192, CF. Recurso Extraordinário: Interposto pela recorrente com base em suposta violação do art. 62 da CF/1988. Juízo Prévio de Admissibilidade: Transcorrido o prazo legal sem que fossem apresentadas contra-razões, foi o recurso especial admitido na origem e considerado inepto o recurso extraordinário, ante a falta de demonstração da repercussão geral. Aplicação do art. 543-C do CPC: O Min. Ari Pargendler, considerando a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, afetou o julgamento do recurso especial à Segunda Seção desta Corte, conforme o rito do art. 543-C do CPC. Assim, foram suspensos os recursos relacionados a direito bancário e que digam respeito a: a) juros remuneratórios; b) capitalização de juros; c) mora; d) comissão de permanência; e) inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito; f ) disposições de ofício no âmbito do julgamento da apelação acerca de questões não devolvidas ao Tribunal. Em cumprimento ao despacho de fls. 226, no qual o Min. Ari Pargendler determinou a redistribuição deste processo, por prevenção, a um dos Ministros RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 437 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que compõem a Terceira Turma do STJ, recaiu sobre mim a incumbência de relatar o presente recurso. Responderam aos ofícios expedidos com base no art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008 do STJ, as seguintes entidades: (i) a Ordem dos Advogados do Brasil (fls. 286); (ii) o Banco Central do Brasil (fls. 288); (iii) a Febraban – Federação Brasileira de Bancos e (iv) o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, que trouxe pareceres de Cláudia Lima Marques e Cristiano Heineck Schmitt. Manifestaram-se espontaneamente: (i) a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; (ii) a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – ProconSP; (ii) o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor – FNECDC; (iii) a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança – Abecip; (iv) a Serasa S/A, trazendo parecer de Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina; (v) a Defensoria Pública da União, cujas manifestações foram juntadas, por linha, ao processo e (vi) os professores Romualdo Wilson Cançado e Orlei Claro de Lima. Parecer do Ministério Público Federal: Por fim, o Ministério Público Federal opinou às fls. 957-1.024, em parecer da lavra do i. SubprocuradorGeral da República, Dr. Aurélio Rios, sustentando questão de ordem para que se delimitasse a matéria a ser julgada. No mérito, propugnou pela parcial procedência do especial, tão-somente em relação à taxa de indexação dos juros remuneratórios, ressalvada a aplicação das taxas médias de mercado. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO A natureza do procedimento do art. 543-C do CPC visa unificar o entendimento e orientar a solução de recursos repetitivos. No despacho que instaurou o incidente do processo repetitivo, o relator originário, Min. Ari Pargendler, determinou que fossem suspensos os processamentos dos recursos especiais que versassem sobre “as seguintes matérias, quando ativadas em ações que digam respeito a contratos bancários: a) juros remuneratórios; b) capitalização de juros; c) mora; d) comissão de permanência; e) inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito; f ) 438 SÚMULAS - PRECEDENTES disposições de ofício no âmbito do julgamento da apelação acerca de questões não devolvidas ao Tribunal” (fls. 224). Apesar da aparente abrangência do termo “contratos bancários” do despacho supratranscrito, constata-se que a característica da multiplicidade de recursos especiais, exigida pelo art. 543-C do CPC, evidencia-se nos contratos bancários que se submetem à legislação consumerista. Portanto, este julgamento abordará, em quaisquer de suas modalidades, apenas os contratos de mútuo bancário em que a relação de consumo esteja caracterizada, nos termos do alcance da ADI n. 2.591-1, relator para acórdão o Min. Eros Grau. Conforme estabelecido na referida ADI, aos bancos aplica-se o CDC, norma “de ordem pública e interesse social” (art. 1º do CDC). Eis a ementa do julgado em comento: Art. 3º, § 2º, do CDC. Código de Defesa do Consumidor. Art. 5º, XXXII, da CB/1988. Art. 170, V, da CB/1988. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. “Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. Ressalte-se, ainda, que esta 2ª Seção, sem discrepar deste entendimento, tem reiteradamente aplicado este diploma às relações bancárias, conforme a Súmula n. 297-STJ, inclusive à taxa de juros (conf. REsp n. 327.727-SP, 2ª Seção, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha DJ 8.3.2004; REsp n. 402.261-RS, 2ª Seção, Rel. p. Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ 6.12.2004; REsp n. 291.575-RS, 2ª Seção, Rel. p. Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ 6.12.2004; REsp n. 420.111RS, 2ª Seção, Rel. p. Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ 6.10.2003; REsp n. 407.097-RS, 2ª Seção, Rel. p. Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ 29.9.2003). Registre-se que não se encontram abrangidas por esta decisão as Cédulas de Crédito Rural, Industrial, Bancária e Comercial; os contratos celebrados por cooperativas de crédito, os que se incluem sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, bem como os que digam respeito a crédito consignado. Por fim, em decisão colegiada, os Ministros da 2ª Seção consideraram que os efeitos externos trazidos pelo art. 543-C, § 7º, do CPC somente atingiriam os temas que, cumulativamente: i) estivessem previstos no despacho que instaurou o presente incidente de processo repetitivo; ii) tivessem sido discutidos nas razões do recurso especial e iii) conseguissem preencher todos os requisitos de RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 439 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA admissibilidade e fossem alvo de expressa manifestação desta 2ª Seção quanto ao mérito recursal. As demais questões trazidas no especial serão igualmente apreciadas no exame do recurso representativo, mas as razões de decidir aqui declinadas quanto a tais pontos não terão a aptidão de produzir os referidos efeitos externos do art. 543-C, § 7º, do CPC. PRELIMINAR - Do pedido de suspensão do julgamento formulado pelo MPF. Em seu parecer, o i. Subprocurador-Geral da República, Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, afirma que “o Superior Tribunal de Justiça não deve, enquanto não julgada definitivamente a ADIn n. 2.316-DF, manifestar-se sobre o tema capitalização mensal de juros” (fls. 989). Entretanto, até que seja encerrado o julgamento do referido processo, deve prevalecer a presunção de constitucionalidade do art. 5º da MP n. 1.96317/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, que admite a capitalização mensal de juros nas operações realizadas por instituições financeiras. O princípio da imperatividade assegura a auto-executoriedade das normas jurídicas, dispensando prévia declaração de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Ainda que esta presunção seja iuris tantum, a norma só é extirpada do ordenamento com o reconhecimento de sua inconstitucionalidade. E essa questão, na hipótese específica do art. 5º da MP n. 1.963-17/2000, ainda não foi resolvida pelo STF, nem mesmo em sede liminar. Logo, entende-se que não deve ser acolhido este pedido de suspensão do julgamento. JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE - ART. 543-C, § 7º, DO CPC I - PERÍODO DA ADIMPLÊNCIA 1. JUROS REMUNERATÓRIOS Juros remuneratórios são aqueles que representam o preço da disponibilidade monetária, pago pelo mutuário ao mutuante, em decorrência do negócio jurídico celebrado entre eles. 440 SÚMULAS - PRECEDENTES 1.1. Juros Remuneratórios Pactuados O entendimento hoje vigente nesta 2ª Seção indica que a regra, no Sistema Financeiro Nacional, é a liberdade na pactuação dos juros remuneratórios. Isso implica, mais especificamente, reconhecer que: (i) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933), como já dispõe a Súmula n. 596-STF. Inaplicabilidade da Lei de Usura. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves AgRg no REsp n. 1.041.086-RS, j. em 19.8.2008 4ª Turma Aldir Passarinho Junior REsp n. 680.237-RS, j. em 14.12.2005 Nancy Andrighi AgRg no Ag n. 921.983-RJ, j. em 1º.4.2008 2ª Seção 3ª Turma João Otávio de Noronha AgRg no Ag n. 888.492-SP, j. em 18.12.2007 4ª Turma Massami Uyeda REsp n. 1.036.474-RS, j. em 27.5.2008 3ª Turma Sidnei Beneti Ag n. 1.026.104-MG, DJe de 1º.8.2008 Unipessoal Luis Felipe Salomão REsp n. 1.007.071-RS , DJe de 27.8.2008 Unipessoal Carlos Mathias REsp n. 1.038.020-RS, DJe de 26.9.2008 Unipessoal Ari Pargendler REsp n. 402.261-RS, j. em 26.3.2003 2ª Seção (ii) A simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não indica abusividade. Não abusividade pela simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves AgRg no REsp n. 913.609-RS, j. em 20.11.2007 4ª Turma Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp n. 688.627-RS, j. em 17.3.2005 4ª Turma Nancy Andrighi REsp n. 715.894-PR, j. em 26.4.2006 2ª Seção João Otávio de Noronha REsp n. 1.038.242-RS, DJe de 12.9.2008 Unipessoal Massami Uyeda REsp n. 1.042.903-RS, j. em 3.6.2008 3ª Turma Sidnei Beneti AgRg no REsp n. 879.902-RS, j. em 19.6.2008 3ª Turma Luis Felipe Salomão REsp n. 1.007.071-RS, DJe de 27.8.2008 Unipessoal Carlos Mathias REsp n. 1.038.020-RS, DJe de 26.9.2008 Unipessoal Ari Pargendler AgRg nos EDcl no REsp n. 681.411-RS, j. em 3ª Turma 27.9.2005 RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 441 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (iii) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c.c. o art. 406 do CC/2002 (Único voto encontrado: REsp n. 680.237-RS, 2ª Seção, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 15.3.2006). (iv) É inviável a utilização da Selic - taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - como parâmetro de limitação de juros remuneratórios. Vedação da utilização da Taxa Selic para limitação dos juros remuneratórios. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves REsp n. 1.056.274-RS, DJe de 12.9.2008 Unipessoal Aldir Passarinho Junior REsp n. 915.572-RS, j. em 7.2.2008 4ª Turma Nancy Andrighi AgRg nos EDcl no REsp n. 808.324-RS, j. em 3ª Turma 9.5.2006 João Otávio de Noronha REsp n. 1.044.457-RS, DJe de 2.9.2008 Unipessoal Massami Uyeda AgRg no REsp n. 1.023.399-RS, j. em 13.5.2008 3ª Turma Sidnei Beneti REsp n. 1.055.002-RS, DJe de 1º.8.2008 Unipessoal Luis Felipe Salomão REsp n. 986.943-RS, DJe de 5.8.2008 Unipessoal Carlos Mathias REsp n. 919.838-RS, DJe de 26.9.2008 Unipessoal Ari Pargendler REsp n. 901.518-RS, DJe de 13.8.2008 Unipessoal 1.2. A Revisão dos Juros Remuneratórios Pactuados Fixada a premissa de que, salvo situações excepcionais, os juros remuneratórios podem ser livremente pactuados em contratos de empréstimo no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, questiona-se a possibilidade de o Poder Judiciário exercer o controle da liberdade de convenção de taxa de juros naquelas situações que são evidentemente abusivas. A dificuldade do tema, que envolve o controle do preço do dinheiro é enorme. Isso não é, entretanto, suficiente para revogar o art. 39, V, CDC, que veda ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas, “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”, e o art. 51, IV, do mesmo diploma, que torna nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”. 442 SÚMULAS - PRECEDENTES As premissas básicas de solução foram lançadas no julgamento do REsp n. 407.097-RS, DJ de 29.9.2003, quando a 2ª Seção estava diante da cobrança de taxa de juros de 10,90% ao mês em contrato de abertura de crédito em conta corrente. Naquela oportunidade, a maioria dos Ministros manifestou o entendimento de que os juros não deveriam ser limitados, salvo em hipóteses excepcionais. A excepcionalidade pressupunha: (i) aplicação do CDC ao contrato e (ii) taxa que comprovadamente discrepasse, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação (no mesmo sentido, vide REsp n. 420.111-RS, Segunda Seção, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p. Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ de 6.10.2003). Acompanhando tais precedentes, os Ministros que atualmente compõem esta 2ª Seção têm admitido a possibilidade de controle dos juros manifestamente abusivos naqueles contratos que se inserem em uma relação de consumo. O Min. Aldir Passarinho Junior vem considerando “que a pactuação [dos juros] é livre entre as partes, somente se podendo falar em taxa abusiva se constatado oportunamente por prova robusta que outras instituições financeiras, nas mesmas condições, praticariam percentuais muito inferiores” (REsp n. 915.572-RS, Quarta Turma, DJe 10.3.2008). Por isso, o Ministro Aldir defende que essa abusividade seja demonstrada em “perícia que propicie a comparação com as taxas praticadas por outras instituições financeiras, desde que coincidentes o produto, a praça e a época da firmatura do pacto” (AgRg no REsp n. 935.231-RJ, Quarta Turma, DJ de 29.10.2007). No mesmo sentido, o Min. João Otávio de Noronha tem asseverado que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado” (AgRg no REsp n. 939.242RS, Quarta Turma, DJe de 14.4.2008). O Min. Luis Felipe Salomão, por sua vez, afirma que “a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária no período, o que não ocorreu no caso dos autos” (AgRg no REsp n. 881.383, DJ de 27.8.2008). O Min. Fernando Gonçalves sustenta que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal da sua abusividade em relação à taxa média de mercado” (AgRg no REsp n. 1.041.086-RS, Quarta Turma, DJe de 1º.9.2008). RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 443 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O Min. Massami Uyeda entende ser “firme o entendimento desta augusta Corte no sentido de que, não obstante a inequívoca incidência da lei consumerista nos contratos bancários, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos (...)” e, com base nesse argumento e na Súmula n. 7-STJ, já manteve acórdão que reduziu uma taxa de juros de 45,65% ao ano, em contrato de alienação fiduciária, para o patamar da taxa média de 37,42% ao ano (REsp n. 1.036.857-RS, Terceira Turma, DJe de 5.8.2008). O Min. Sidnei Beneti reconheceu que “para o período da inadimplência, permite-se o controle judicial dos juros remuneratórios, com base nas regras do Código de Defesa do Consumidor, quando ficar comprovado que o percentual cobrado destoa da taxa média do mercado para a mesma operação financeira”. Assim, conclui o Min. Beneti que, como “o Acórdão recorrido apurou que a taxa de juros remuneratórios cobrada pela instituição financeira recorrida encontra-se acima do dobro da taxa média do mercado para a modalidade do negócio jurídico efetivado”, na inadimplência, os juros deveriam variar “segundo a taxa média do mercado, para a operação de mútuo, apurada pelo Banco Central do Brasil, na forma da Circular da Diretoria n. 2.957, de 28 de dezembro de 1999 (...)” (REsp n. 977.789-RS, Terceira Turma, DJe de 20.6.2008). Ressaltese, para fins ilustrativos, que nessa hipótese havia dois contratos de mútuo, um com taxa de 9,9% ao mês e outro de 8,8% ao mês. Aponta-se, ainda, precedente de minha lavra, com o qual manifestaram concordância os Min. Ari Pargendler, Massami Uyeda e Sidnei Beneti, no qual, diante de empréstimo pessoal a juros de 249,85% ao ano, superiores ao dobro da taxa média apurada pelo Banco Central, ficou estabelecido que “cabalmente demonstrada pelas instâncias ordinárias a abusividade da taxa de juros remuneratórios cobrada, deve ser feita sua redução ao patamar médio praticado pelo mercado para a respectiva modalidade contratual” (REsp n. 1.036.818, Terceira Turma, DJe de 20.6.2008). Por sua importância, ainda vale mencionar a posição de alguns Ministros que não mais integram esta 2ª Seção: O Ministro Cesar Asfor Rocha, diante de juros remuneratórios pactuados à taxa de 34,87% ao mês contra uma taxa média, apurada por perícia, de 14,19% ao mês, entendeu que, estando “cabalmente comprovada por perícia, nas instâncias ordinárias, que a estipulação da taxa de juros remuneratórios foi aproximadamente 150% maior que a taxa média praticada no mercado, nula é a cláusula do contrato” (REsp n. 327.727-SP, Segunda Seção, DJ de 8.3.2004). 444 SÚMULAS - PRECEDENTES O Min. Pádua Ribeiro, por seu turno, constatando cobrança de taxa superior ao triplo da média (380,78% ao ano contra 67,81% ao ano), reduziu-a para o “patamar médio praticado pelo mercado para a respectiva modalidade contratual” (REsp n. 971.853-RS, Quarta Turma, DJ de 24.9.2007). O Ministro Ari Pargendler consignou que “evidentemente, pode-se, em casos concretos reconhecer a existência de juros abusivos. Por exemplo, no Agravo de Instrumento n. 388.622, MG, tive ocasião de decidir que, ‘se o acórdão, confortado por laudo pericial, dá conta de que os juros praticados na espécie excediam em quase 50% à taxa média de mercado, não há como fugir da conclusão de que são, mesmo, abusivos’ (DJ, 10.8.2001). O tema, com certeza, é complexo, porque o risco de cada operação influi na respectiva taxa de juros. Mas o peso desse componente, e de outros, no custo do empréstimo deve, então, caso a caso, ser justificado pela instituição financeira, o juiz saberá decidir as controvérsias a propósito, se respeitar a racionalidade econômica, representada pelo mercado” (voto proferido no REsp n. 271.214-RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 4.8.2003; no mesmo sentido, vide REsp n. 420.111-RS, Segunda Seção, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p. Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ de 6.10.2003; REsp n. 1.061.512, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 7.8.2008). Logo, diante desse panorama sobre o posicionamento atual da 2ª Seção, conclui-se que é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada. Necessário tecer, ainda, algumas considerações sobre parâmetros que podem ser utilizados pelo julgador para, diante do caso concreto, perquirir a existência ou não de flagrante abusividade. Inicialmente, destaque-se que, para este exame, a meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional para a Selic – taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – é insatisfatória. Ela apenas indica o menor custo, ou um dos menores custos, para a captação de recursos pelas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Sua adoção como parâmetro de abusividade elimina o “spread” e não resolve as intrincadas questões inerentes ao preço do empréstimo. Por essas razões, conforme destacado, o STJ em diversos precedentes tem afastado a Taxa Selic como parâmetro de limitação de juros. Descartados índices ou taxas fixos, é razoável que os instrumentos para aferição da abusividade sejam buscados no próprio mercado financeiro. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 445 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Assim, a análise da abusividade ganhou muito quando o Banco Central do Brasil passou, em outubro de 1999, a divulgar as taxas médias, ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados pelas instituições financeiras nas operações de crédito realizadas com recursos livres (conf. Circular n. 2.957, de 30.12.1999). As informações divulgadas por aquela autarquia, acessíveis a qualquer pessoa através da rede mundial de computadores (conforme http://www.bcb. gov.br/?ecoimpom - no quadro XLVIII da nota anexa; ou http://www.bcb. gov.br/?TXCREDMES, acesso em 6.10.2008), são segregadas de acordo com o tipo de encargo (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (“hot Money”, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, “vendor”, cheque especial, crédito pessoal, entre outros). A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um “spread” médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, prestase como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade. Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros. A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp n. 271.214-RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 4.8.2003), ao dobro (REsp n. 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.6.2008) ou ao triplo (REsp n. 971.853-RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.9.2007) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas 446 SÚMULAS - PRECEDENTES cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos. 1.3. Taxa aplicável quando reconhecida a abusividade na contratação dos juros remuneratórios. A questão final atinente a este tópico procura responder ao seguinte problema: constatada a abusividade, qual taxa deve ser considerada adequada pelo Poder Judiciário? Muitos precedentes indicam que, demonstrado o excesso, deve-se aplicar a taxa média para as operações equivalentes, segundo apurado pelo Banco Central do Brasil (vide, ainda, EDcl no AgRg no REsp n. 480.221-RS, Quarta Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 27.3.2007; e REsp n. 971853-RS, Terceira Turma, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.9.2007). Esta solução deve ser mantida, pois coloca o contrato dentro do que, em média, vem sendo considerado razoável segundo as próprias práticas do mercado. Não se deve afastar, todavia, a possibilidade de que o juiz, de acordo com seu livre convencimento racional, indicar outro patamar mais adequado para os juros, segundo as circunstâncias particulares de risco envolvidas no empréstimo. CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Portanto, no que diz respeito aos juros remuneratórios, a 2ª Seção do STJ consolida o entendimento de que: a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933), como dispõe a Súmula n. 596-STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano por si só não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c.c. o art. 406 do CC/2002; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do caso concreto. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 447 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II - PERÍODO DA INADIMPLÊNCIA 2. CONFIGURAÇÃO DA MORA Quanto à mora em contratos bancários, são vários os entendimentos cristalizados pela jurisprudência do STJ ao longo dos anos. De forma sucinta, a seguir serão expostos tais entendimentos, no sentido do mais geral ao mais particular. É preciso alertar, apenas, que nem sempre foram encontradas decisões que exemplificassem a utilização de cada uma de tais posições. E esse fato não deve ser interpretado como representativo de uma eventual superação ou desprestígio de certo entendimento em face de outro. Trata-se, apenas, de um sinal demonstrativo das relações de continência e de especialidade existentes entre os tópicos, pois, à medida que existe certo diálogo entre eles, é natural que nem todos sejam citados cumulativamente. A partir de tais ressalvas, o entendimento mais genérico é aquele consubstanciado no precedente REsp n. 607.961-RJ, 2ª Seção, de minha Relatoria, julgado em 9.3.2005, segundo o qual “não basta o ajuizamento de ação revisional para descaracterização da mora”. Esse primeiro posicionamento é encontrado, isoladamente, em decisões de alguns Ministros, conforme segue: Insuficiência do mero ajuizamento de ação revisional para descaracterizar a mora. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves Aldir Passarinho Junior Nancy Andrighi REsp n. 607.961-RJ, j. em 9.3.2005 2a Seção REsp n. 1.071.004-RS, DJ de 15.8.2008 Unipessoal João Otávio de Noronha Massami Uyeda Sidnei Beneti Luis Felipe Salomão Carlos Mathias Ari Pargendler AgRg no Ag n. 678.120-SP, j. em 29.11.2005 3a Turma O entendimento mais utilizado, todavia, é aquele derivado do julgamento do EREsp n. 163.884-RS, 2ª Seção, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. p/ Acórdão 448 SÚMULAS - PRECEDENTES Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 23.5.2001, segundo o qual apenas a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação permite o afastamento da configuração da mora. Tal posicionamento é reiteradamente aceito: A exigência de encargos abusivos permite o afastamento da mora. Ministro Relator Fernando Gonçalves Julgado Órgão AgRg no REsp n. 1.060.855-RS, j. em 19.8.2008 4a Turma Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp n. 990.830-RS, j. em 24.6.2008 4a Turma Nancy Andrighi AgRg no Ag n. 710.601-MS, j. em 16.2.2006 3a Turma João Otávio de Noronha REsp n. 1.029.420-RS, DJ de 4.8.2008 Unipessoal Massami Uyeda REsp n. 1.068.353-RS, DJ de 15.8.2008 Unipessoal Sidnei Beneti AgRg no REsp n. 973.646-RS, j. em 25.3.2008 3a Turma Luis Felipe Salomão Carlos Mathias Ed no AgRg no REsp n. 593.205-RS, j. em 3a Turma 23.11.2005 Ari Pargendler De forma correlata, é possível citar diversos precedentes utilizando o mesmo argumento, mas com a inversão da premissa e da conclusão – ou seja, se não existe abusividade, a mora do devedor está configurada: Configuração da mora na ausência de abusividade. Ministro Relator Julgado Órgão 4a Turma Fernando Gonçalves REsp n. 750.022-RS, j. em 15.9.2005 Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp n. 917.459-RS, j. em 13.5.2008 4a Turma Nancy Andrighi AgRg no REsp n. 958.662-RS, j. em 25.9.2007 3a Turma João Otávio de Noronha REsp n. 1.067.303-RS, DJ de 15.8.2008 Unipessoal Massami Uyeda REsp n. 894.916-RS, DJ de 19.12.2006 Unipessoal Sidnei Beneti REsp n. 1.063.818-RS, DJ de 22.8.2008 Unipessoal Luis Felipe Salomão REsp n. 1.015.148-RS, DJ de 4.8.2008 Unipessoal REsp n. 708.633-RS, j. em 26.2.2008 3a Turma Carlos Mathias Ari Pargendler RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 449 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Porém, deve-se deixar claro que é o eventual abuso na exigência dos chamados “encargos da normalidade” – notadamente nos juros remuneratórios e na capitalização de juros – que deve ser levado em conta para tal análise, conforme definido no precedente EDcl no AgRg no REsp n. 842.973-RS, 3ª Turma, Rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 21.8.2008. De outro modo, o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora. Somente o abuso na cobrança de encargo “da normalidade” descaracteriza a mora. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves REsp n. 905.278-RS, DJ de 27.6.2008 Aldir Passarinho Junior Ed no AgRg no REsp n. 533.704-RS, j. em 4a Turma 8.3.2005 Unipessoal Nancy Andrighi Ed no AgRg no REsp n. 842.973-RS, j. em 3a Turma 21.8.2008 João Otávio de Noronha Voto-vista no Ed no AgRg no REsp n. 3a Turma 842.973-RS, j. em 21.8.2008 3a Turma Massami Uyeda REsp n. 1.036.474-RS, j. em 27.5.2008 Sidnei Beneti AgRg no REsp n. 1.017.958-RS, j. em 3a Turma 15.4.2008 Luis Felipe Salomão REsp n. 996.217-RS, DJ de 4.8.2008 Unipessoal Carlos Mathias Ari Pargendler Voto-vista no Ed no AgRg no REsp n. 3a Turma 842.973-RS, j. em 21.8.2008 CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Logo, os seguintes enunciados representam a jurisprudência consolidada na 2ª Seção quanto ao tema: I. Afasta a caracterização da mora: 450 SÚMULAS - PRECEDENTES (i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual. II. Não afasta a caracterização da mora: (i) o simples ajuizamento de ação revisional; (ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação. 3. JUROS MORATÓRIOS Juros moratórios são aqueles pagos pelo mutuário ao mutuante em decorrência da mora no cumprimento da prestação estabelecida no contrato. 3.1. Posicionamento Atual da 2ª Seção A jurisprudência do STJ encontra-se pacificada no sentido de que, nos contratos bancários não alcançados por lei específica, os juros moratórios podem ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Dentre outros, neste sentido, confiram-se os seguintes julgados: Juros moratórios – Limitação de 1% ao mês. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves AgRg no REsp n. 672.168-RS, j. em 5.4.2005 4a Turma Aldir Passarinho Junior AgRg no Ag n. 558.753-RS, j. em 8.6.2004 Nancy Andrighi AgRg no REsp n. 469.538-RS, j. em 20.2.2003 3a Turma João Otávio de Noronha Ag n. 965.353-RS, DJe de 12.2.2008 Unipessoal Massami Uyeda REsp n. 1.038.417-RS, DJe de 25.6.2008 Unipessoal Sidnei Beneti AgRg no REsp n. 879.902-RS, j. em 19.6.2008 3a Turma 4a Turma Luis Felipe Salomão REsp n. 1.007.561-RS, DJe de 5.8.2008 Unipessoal Carlos Mathias - - Antônio de Pádua Ribeiro AgRg no REsp n. 406.841-RS, j. em 10.6.2003 3a Turma Ari Pargendler REsp n. 188.674-MG, j. em 17.6.2003 3a Turma Barros Monteiro REsp n. 400.255-RS, j. em 2.9.2003 4a Turma Carlos A. Menezes Direito AgRg no REsp n. 765.674-RS, j. em 3a Turma 26.10.2006 Castro Filho REsp n. 402.483-RS, j. em 26.3.2003 2ª Seção Cesar Asfor Rocha REsp n. 623.691-RS, j. em 27.9.2005 4a Turma RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 451 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Hélio Quaglia Barbosa AgRg no REsp n. 791.172-RS, j. em 22.8.2006 4a Turma Humberto Gomes de Barros AgRg no Ag n. 830.575-RS, j. em 19.12.2007 3a Turma CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA A 2ª Seção mantém o entendimento de que, nos contratos bancários não alcançados por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. 4. CADASTROS DE INADIMPLÊNCIA Entende-se por cadastros de inadimplência todos os bancos de dados mantidos por quaisquer instituições, financeiras ou não, para controle acerca da reputação do correntista, quanto à solvabilidade das obrigações por ele contraídas. São exemplos os cadastros mantidos por instituições financeiras (Serasa) ou empresas particulares (SPC), sem prejuízo de outros, existentes ou que venham a ser criados. A controvérsia acerca da inscrição do nome do devedor em cadastros de inadimplência apresenta-se sob duas óticas, a saber: (i) a possibilidade de inscrição no curso do processo em que se discute o saldo devedor – e a conseqüente ponderação acerca dos requisitos para o deferimento de tutela antecipada ou medida liminar que a impeça; e (ii) a possibilidade de inscrição depois de discutido o mérito da ação, e os requisitos a serem observados pela sentença para autorizar ou negar tal inscrição. Cada uma dessas questões deve ser analisada à luz da jurisprudência desta Corte, para uniformização dos precedentes sobre a questão. 4.1. Pedido de antecipação de tutela. A jurisprudência da 2ª Seção, consolidada no REsp n. 527.618-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 22.11.2003, firmou o entendimento de que, para que se defira medida liminar ou antecipação de tutela que impeça a inscrição do nome do devedor em cadastros de inadimplência, no curso do processo, devem ser exigidos cumulativamente os seguintes requisitos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que nessa ação esteja efetivamente demonstrado que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do 452 SÚMULAS - PRECEDENTES STF ou STJ; c) contestada apenas parte do débito, ofereça-se o depósito da parcela incontroversa ou a prestação de caução, fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. Cadastros de inadimplência - Pedido de antecipação de tutela. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves REsp n. 871.832-PR, j. em 25.9.2007 4a Turma Aldir Passarinho Junior REsp n. 712.126-RS, j. em 22.3.2005 4a Turma Nancy Andrighi AgRg no REsp n. 991.037-RS, j. em 18.3.2008 3a Turma João Otávio de Noronha REsp n. 1.070.998-MS, DJ de 27.8.2008 Unipessoal Massami Uyeda Ag n. 851.538-RS, DJ de 3.8.2007 Unipessoal Sidnei Beneti Ag n. 821.076-RJ, DJ de 30.6.2008 Unipessoal Luis Felipe Salomão AgRg no Ag n. 970.099-DF, j. em 26.8.2008 4a Turma Carlos Mathias Ag n. 920.214-DF, DJ de 5.9.2008 Unipessoal Ari Pargendler AgRg no Ag n. 651.764-RS, j. em 27.8.2008 3a Turma 4.2. Sentença com resolução do mérito. A remessa do nome do devedor para os referidos cadastros de inadimplentes deve se limitar a acompanhar o que ficar decidido quanto à mora, ou seja, tal inscrição somente será lícita se a mora restar configurada. CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Logo, os seguintes enunciados representam a jurisprudência consolidada na 2ª Seção quanto ao tema: a) A proibição da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) houver ação fundada na existência integral ou parcial do débito; ii) ficar demonstrado que a alegação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) for depositada a parcela incontroversa ou prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, por ocasião da sentença ou do acórdão, seguirá a sorte do que houver sido decidido no mérito do processo quanto à mora. Autoriza-se a inscrição/manutenção apenas se configurada a mora. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 453 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 5. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. REVISÃO DE OFÍCIO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. Considerando a renovação da composição da 2ª Seção, dado que sou a única remanescente do julgamento do EREsp n. 702.524-RS, propus a rediscussão do entendimento consolidado e registrei que o meu posicionamento, sempre ressalvado, foi no sentido de admitir a revisão de ofício, pelos julgadores das instâncias ordinárias, pois estes julgamentos, muitas vezes, limitam-se a reconhecer proteções ao consumidor que já estão pacificadas pela jurisprudência do STJ. No EREsp n. 702.524-RS, consignei que a visão restritiva da análise das disposições de ofício, mediante perspectiva puramente processual, estava empurrando a jurisprudência do STJ para um paradoxo, porque em questão similar – decretação de ofício da nulidade da cláusula de eleição de foro –, a solução adotada foi pelo conhecimento de ofício da questão. Diante da antinomia dos julgamentos, por que assumir postura diversa em relação a todas as demais cláusulas abusivas que possam vir a serem declaradas nulas? Ademais, essa proposição, hoje, reafirma-se pela tomada de posição do legislador, que inseriu um parágrafo único no art. 112 do CPC (pela Lei n. 11.280/2006), segundo o qual “a nulidade da clausula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicilio do réu”. Atenta ao micro-sistema introduzido pelo CDC, vinculado aos demais princípios e normas que orientam o direito pátrio, notadamente do CC/2002, que é sua fonte de complementação normativa, entendo que não é coerente adotar perante hipóteses idênticas soluções diversas. O CDC é categorizado como norma de ordem pública (art. 1º); portanto, todas as suas disposições possuem interesse público que impelem o juiz a atuar de ofício. Além do mais, o CDC adotou a mesma teoria de nulidades que regula os contratos regidos pelo Código Civil, especificando os vícios que são causa de nulidade e que o juiz deve declarar de ofício. A abusividade, por exemplo, é disciplinada como vício de nulidade da cláusula do contrato – art. 51, IV, do CDC. Outro motivo relevante que me levou a fazer esta proposição é o resultado dos julgamentos em favor dos consumidores, na perspectiva da política judiciária. Como explicar ao consumidor, leigo juridicamente, que determinada cláusula, apesar de abusiva, é válida para ele, mas não o é para o seu vizinho, em situação idêntica? 454 SÚMULAS - PRECEDENTES O que ocorre é que na ação revisional proposta pelo vizinho houve pedido expresso de declaração de nulidade, ao passo que no seu processo não foi formulado tal pedido, o que impede o juiz de pronunciá-la. Conseqüências graves são geradas por esse tipo de julgamento: a primeira é a equivocada priorização da norma processual (que exige a formulação de pedido expresso) de molde a inviabilizar o conhecimento e a aplicação do direito material (nulificação da cláusula abusiva), exigindo para tanto uma nova movimentação da máquina judiciária com a propositura de outra ação; a segunda é o manifesto descumprimento de regra que disciplina a sanção decorrente da abusividade/nulidade, prevista expressamente no CDC e no ordenamento jurídico complementar (CDC, art. 51, todos os seus incisos, cumulado com o CC/2002, parágrafo único, do art. 168, que determina ao juiz pronunciar as nulidades provadas, quando conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos); a terceira é o descrédito no Poder Judiciário, que tem a obrigação constitucional de tratar igualmente os consumidores que se encontram em situações idênticas; a quarta é a frustração de toda a operacionalidade do novo instrumento dos processos repetitivos, pois o não reconhecimento de ofício impõe reiteração de ações e recursos, que o art. 543-C visa impedir, prejudicando a almejada celeridade na entrega da prestação jurisdicional. O entendimento da Relatora foi acompanhado, com fundamentos diversos, pelo i. Min. Luis Felipe Salomão. Os demais Ministros que compõem a 2ª Seção do STJ mantiveram a tese de que o juiz não está autorizado a proceder à revisão de ofício de cláusulas contratuais. Os precedentes que cristalizaram essa posição são o REsp n. 541.153-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 8.6.2005, e o EREsp n. 702.524-RS, do qual fui relatora originária, vencida, e Relator para acórdão o Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 8.3.2006. Registro, por oportuno, que todos os Ministros que compõem a 2ª Seção possuem decisões neste sentido, ainda que com ressalvas. Confira-se: Impossibilidade de revisão de ofício de cláusulas contratuais nas instâncias ordinárias. Ministro Relator Julgado Órgão 2a Seção Fernando Gonçalves EREsp n. 645.902-RS, j. em 10.10.2007 Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp n. 1.028.361-RS, j. em 15.5.2008 4a Turma Nancy Andrighi AgRg no REsp n. 824.847-RS, j. em 16.5.2006 3a Turma RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 455 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA João Otávio de Noronha REsp n. 1.064.594-RS, DJ de 4.8.2008 Unipessoal Massami Uyeda REsp n. 1.042.903-RS, j. em 3.6.2008 3a Turma Sidnei Beneti AgRg no REsp n. 782.895-SC, j. em 19.6.2008 3a Turma Luis Felipe Salomão REsp n. 1.007.561-RS, DJ de 5.8.2008 Unipessoal Carlos Mathias - - Ari Pargendler AgRg no EREsp n. 801.421-RS, j. em 14.3.2007 2a Seção CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Assim, resta mantido o posicionamento desta 2ª Seção no sentido de que é vedado aos juízes de primeiro e segundo grau, com fundamento no art. 51 do CDC, julgar, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas contratuais. RESUMO DAS ORIENTAÇÕES - ART. 543-C, § 7º, DO CPC 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933), como dispõe a Súmula n. 596-STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano por si só não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c.c. o art. 406 do CC/2002; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do caso concreto. 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) Afasta a caracterização da mora a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, isto é, durante o período da normalidade contratual; b) O mero ajuizamento de ação revisional ou a constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos não afastam a caracterização da mora. 456 SÚMULAS - PRECEDENTES 3 - JUROS MORATÓRIOS Nos contratos bancários não alcançados por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. 4 - INSCRIÇÃO/MANU TENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES a) A proibição da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) houver ação fundada na existência integral ou parcial do débito; ii) ficar demonstrado que a alegação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) for depositada a parcela incontroversa ou prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, por ocasião da sentença ou do acórdão, seguirá a sorte do que houver sido decidido no mérito do processo quanto à mora. Autoriza-se a inscrição/manutenção apenas se configurada a mora. 5 - JULGAMENTO COM DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO É vedado aos juízes de primeiro e segundo grau, com fundamento no art. 51 do CDC, julgar, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas contratuais. Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão. JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO REsp n. 1.061.530-RS 1. Deficiência na fundamentação. Embora mencione uma suposta violação aos arts. 6o, V, do CDC; 4o, VI, da Lei n. 4.595/1964; 422 e 478 do CC/2002; 2º, 20 e 331, I, do CPC; 14 da Lei n. 9.492/1997 e 161 do CTN, o recorrente não demonstrou, em relação a tais dispositivos legais, no que consistiria a ofensa à legislação federal. A simples menção a artigo de lei, sem a demonstração das razões de inconformidade, não abrem o caminho do Especial (Conf. AgRg no Ag n. 663.548-MS, Terceira Turma, DJ de 10.4.2006). Incide, por isso, a Súmula n. 284-STF. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 457 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. Violação a dispositivos constitucionais. Aponta o recorrente violação aos arts. 5º, XXXV, e 192 da CF/1988. Todavia, a análise de pretensa ofensa a dispositivo constitucional refoge à competência desta Corte, a que a Carta Magna confia a missão de unificação do direito federal, nos exatos termos do art. 105, III, da CF/1988. Em se tratando, portanto, de violação de normas constitucionais, o tema não há de ser analisado nesta sede recursal. 3. Capitalização de Juros O Tribunal de origem afastou a capitalização mensal de juros com base na inconstitucionalidade da MP n. 1.963-17/2000. Quanto a esta questão, usualmente debatida nos recursos especiais que versam sobre a capitalização de juros, encontra-se assente nesta Corte o entendimento de que o recurso especial não constitui via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de caracterizar usurpação da competência do STF. Neste sentido, confiram-se os seguintes julgados: Impossibilidade da apreciação da constitucionalidade da MP n. 1.963-17/2000 em recurso especial. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves AgRg nos EDcl no REsp n. 734.838-RS, j. em 4ª Turma 18.10.2005 Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp n. 900.411-DF, j. em 6.3.2007 Nancy Andrighi AgRg no REsp n. 999.829-RS, j. em 21.2.2008 3ª Turma João Otávio de Noronha AgRg no Ag n. 897.830-RS, j. em 20.11.2007 4ª Turma 4ª Turma Massami Uyeda AgRg no Ag n. 668.746-RS, j. em 4.3.2007 4ª Turma Sidnei Beneti Ag n. 1.049.956-RJ, DJe de 28.8.2008 Unipessoal Luis Felipe Salomão - - Carlos Mathias - - Portanto, não se conhece do recurso especial quanto ao ponto. 4. Disposições de ofício. Nos termos do entendimento ora firmado, é inviável o exame de ofício de cláusulas consideradas abusivas em contratos que regulem relação de consumo. 458 SÚMULAS - PRECEDENTES Portanto, devem ser decotadas as disposições de ofício julgadas pelo acórdão recorrido. 5. Juros remuneratórios. O recurso especial deve ser provido no que diz respeito à limitação dos juros remuneratórios, pois, conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, a taxa de juros não é abusiva apenas porque supera o patamar de 12% ao ano ou o valor da Taxa Selic. Vê-se, ademais, que as partes, em 28.12.2004, celebraram um contrato de empréstimo para financiamento da aquisição de veículo a pessoa física, com taxa de juros pré-fixada em 2,5654% ao mês, ou 35,5222% ao ano. As informações divulgadas pelo Banco Central do Brasil revelam que, à época, a taxa média praticada no mercado, para operações similares, era de 35,63% ao ano. Assim, não se vislumbra discrepância exagerada entre a taxa contratada e aquilo que representava a média de mercado para o período, porquanto aquele é, inclusive, inferior a esta. Logo, os juros remuneratórios contratados encontram-se no limite que esta Corte tem considerado razoável e, sob a ótica do Direito do Consumidor, não merecem ser revistos, porquanto não demonstrada a onerosidade excessiva na hipótese. 6. Configuração da Mora Não tendo sido alterada a conclusão do acórdão recorrido quanto à capitalização dos juros, verifica-se a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual. Por esse motivo, resta descaracterizada a mora do devedor, não havendo que se falar em violação aos arts. 397 e 406 do CC/2002 e 52, §1o, CDC. 7. Inscrição em cadastro de inadimplentes. Afastada, na espécie, a mora do consumidor, é ilegal o envio de seus dados para quaisquer cadastros de inadimplência. 8. Manutenção na posse. A questão relativa à manutenção na posse relaciona-se diretamente com aquilo que restou decidido quanto à configuração da mora. Como consolidado RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 459 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA na Súmula n. 72-STJ, “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”. Confira-se, ainda, nesse sentido: AgRg no REsp n. 400.227-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 28.2.2005; AgRg no REsp n. 1.005.202-RS, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 7.5.2008. Logo, afastada a mora da recorrida, não há como ser acolhido o pleito da instituição financeira de afastar a recorrida da posse do bem alienado fiduciariamente. Assim, não merece provimento o recurso especial também nesse ponto. 9. Protesto de Título. Embora a jurisprudência desta 2a Seção venha reconhecendo que “o protesto do título representativo da dívida é procedimento legítimo e inerente à cobrança executiva, não podendo ser obstado em face de simples ajuizamento, pelo devedor, de ação revisional do contrato de empréstimo, salvo situação excepcional, sequer objeto de discussão no recurso especial” (REsp n. 337.794SC, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 15.4.2002), a hipótese vertente revela que foram cobrados encargos abusivos, durante o período de “normalidade” (capitalização mensal), e que, com isso, afastou-se a mora. Dessa forma, sendo o protesto um procedimento que pressupõe a inadimplência, o acórdão recorrido deve, nesse ponto, ser mantido. 10. Depósitos. Embora a recorrida tenha pleiteado e o Tribunal de origem tenha aceitado a realização de depósitos parciais, o recorrente vem sustentando que, nos termos do art. 890 do CPC, só é possível o depósito integral. Nesse aspecto, cumpre ressaltar que não há qualquer vedação legal à efetivação de depósitos parciais, segundo aquilo que a parte entende devido. Isso, por si só, afasta a pretensão do recorrente. É bem verdade que a existência de depósito integral, ou não, pode ser relevante para a análise de uma série de questões legais. Como demonstrado, a vedação à inscrição do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, em pedido de antecipação dos efeitos da tutela, exige, entre outros requisitos, o depósito apenas parcial. 460 SÚMULAS - PRECEDENTES Veja-se, à guisa de exemplo, as seguintes situações em que esta Corte aceitou o depósito parcial: AgRg no REsp n. 827.035-RS, 4a Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 19.6.2006; REsp n. 448.602-SC, 4a Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar DJ 17.2.2003. Incide, portanto, a Súmula n. 83-STJ. 11. Comissão de Permanência 11.1. Juízo de Admissibilidade. A Segunda Seção, por maioria, deixou de conhecer do recurso especial quanto à comissão de permanência, por considerar o recurso deficientemente fundamentado quanto à alínea a do permissivo constitucional e pelo fato de o dissídio jurisprudencial não ter sido comprovado, mediante a realização do cotejo analítico entre os julgados tidos como divergentes. Quanto a este aspecto, fiquei vencida juntamente com i. Desembargador convocado Carlos Fernando Mathias, pois consideramos que o especial neste ponto poderia ser apreciado em razão da notoriedade do dissídio jurisprudencial, notadamente por se tratar de matéria repetitiva, objeto de questionamento em milhares de recursos que ingressam neste STJ. Apesar de o presente recurso não ter logrado êxito em preencher os requisitos de admissibilidade, deixo aqui consignados os fundamentos que teci quanto à legalidade da cláusula que prevê a cobrança da comissão de permanência: 1. Definição Definir a comissão de permanência talvez seja uma das tarefas mais árduas do Direito Bancário. Este encargo foi instituído pela Resolução n. 15/66 do Conselho Monetário Nacional (CMN) e regulado pelas Circulares n. 77/67 e n. 82/67, ambas do Banco Central. Com efeito, há insegurança até quanto à sua definição, natureza jurídica e, principalmente, quanto aos componentes incorporados em seu cálculo. Trata-se de uma faculdade concedida às instituições financeiras para cobrar uma importância calculada sobre os dias de atraso, nas mesmas bases proporcionais de juros, encargos e comissões cobradas na operação primitiva. Em resumo, é um mecanismo utilizado para o banco compensar-se dos prejuízos decorrentes do inadimplemento. Com o surgimento da Lei n. 6.899/1981, que possibilitou o direito à correção monetária a partir do vencimento do débito e, algum tempo depois, com a RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 461 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA edição da Resolução n. 1.129/86 do CMN, as instituições financeiras ficaram expressamente autorizadas a cobrar a comissão de permanência de seus devedores por dia de atraso, além dos juros de mora. O Banco Central do Brasil, ao responder o convite para se manifestar neste incidente de processo repetitivo, afirmou, expressamente, desconhecer os encargos que compõem a comissão de permanência: Não é possível saber com antecedência os encargos que a instituição financeira deverá arcar para reequilibrar sua situação líquida após o atraso no pagamento, ante a existência de inúmeras variáveis (como a disponibilidade de crédito no mercado, os custos operacionais de cada instituição financeira, sua situação patrimonial, etc.), razão pela qual a permanência no inadimplemento gera diferentes encargos em cada contrato, a depender de suas especificidade e do momento em que o atraso no pagamento ocorre. (grifo no original). A Federação Brasileira de Bancos – Febraban, também em resposta ao ofício de fls. 224, afirmou que os encargos moratórios (juros de mora e multa contratual) devem ser cumulados com a comissão de permanência, pleiteando a modificação da jurisprudência neste ponto. Em seguida, foi novamente oficiado à Febraban a respeito da definição deste encargo, seu modo de cálculo e componentes, bem como sobre as taxas cobradas por alguns dos maiores bancos brasileiros. Contudo, diante das respostas, como se verificará em tópico posterior, constatou-se que cada instituição financeira calcula a comissão de permanência de maneira particular e diferenciada das demais, o que dificulta sobremaneira qualquer categorização definitiva. 2. A evolução jurisprudencial da 2ª Seção. Quatro são as principais controvérsias jurídicas a respeito da cobrança da comissão de permanência, a saber: (i) cumulação da comissão com a correção monetária; (ii) cumulação com os juros remuneratórios; (iii) cálculo da comissão pelas taxas contratuais ou pela taxa média de mercado; (iv) cumulação com os encargos moratórios (multa e juros de mora). As quatro controvérsias foram resolvidas da seguinte forma: (i) Impossibilidade de cumulação com a correção monetária, porque incorporada na própria comissão de permanência (Súmula n. 30-STJ); (ii) Impossibilidade de cumulação com os juros remuneratórios, porque a já citada Resolução n. 1.129/86 proibia a cobrança de “quaisquer outras quantias compensatórias”. Foi reconhecido o caráter múltiplo da comissão de permanência, que se prestava para atualizar, bem como para remunerar a moeda. O leading case é o REsp n. 271.214-RS, julgado pela 2a Seção, Relator o Min. Carlos Alberto Menezes Direito; (iii) O cálculo da taxa, a título de comissão de permanência, pela média de mercado divulgada pelo Banco Central, não caracteriza potestatividade, pois a 462 SÚMULAS - PRECEDENTES taxa média não é calculada pela instituição financeira, mas pelo mercado, sendo que a taxa pactuada pelas partes limita o teto da cobrança (Súmulas n. 294 e n. 296-STJ); (iv) A incidência da comissão de permanência leva necessariamente à exclusão de todos os outros encargos, tenham eles natureza remuneratória ou moratória (AgRg no REsp n. 706.368-RS, também pela 2a Seção, de minha Relatoria, ainda no mesmo sentido o AgRg no REsp n. 712.801-RS, 2a Seção, Relator o Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Esclareceu-se, portanto, que a natureza da cláusula de comissão de permanência é tríplice: índice de remuneração do capital (juros remuneratórios), atualização da moeda (correção monetária) e compensação pelo inadimplemento (encargos moratórios). Assim, esse entendimento, que impede a cobrança cumulativa da comissão com os demais encargos, protege, como valor primordial, a proibição do bis in idem. Mais recentemente, o Ministro Ari Pargendler passou a adotar – em nome da transparência – posicionamento que explicita quais encargos podem ser cobrados sob a denominação “comissão de permanência”. Confira-se: A Segunda Seção, no julgamento do REsp n. 863.887, RS, consolidou o entendimento de que a comissão de permanência abrange três parcelas, a saber, os juros remuneratórios, à taxa média de mercado, nunca superiores àquela contratada para o empréstimo, os juros moratórios e a multa contratual; daí ser impossível a sua cobrança cumulada com juros de mora e multa contratual, sob pena de incorrer em bis in idem. (AgRg no REsp n. 986.508-RS, Terceira Turma, j. em 20.5.2008). Em outro precedente, julgado na mesma data pela Terceira Turma, o Min. Ari Pargendler chegou, inclusive, a classificar de abusiva a comissão calculada em percentual muito acima do cobrado nos juros remuneratórios, não sem antes reforçar a natureza tríplice daquela: Quer dizer, após o vencimento, a comissão de permanência visa manter, por meio dos juros remuneratórios, a base econômica do negócio, desestimular, mediante os juros de mora, a demora no cumprimento da obrigação e reprimir o inadimplemento pela aplicação da multa contratual. (AgRg no REsp 1.016.657-RS, Terceira Turma, j. em 20.5.2008) Neste julgado, a cláusula que estipulava a comissão de permanência em 14,90% ao mês foi considerada manifestamente abusiva, uma vez que, no período da normalidade, os juros remuneratórios eram de 2,451% ao mês. No âmbito da Quarta Turma, também o Min. João Otávio de Noronha já seguiu tal orientação. Confira-se: RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 463 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Processo Civil. Contrato bancário. Revisional. Comissão de permanência. Licitude da cobrança. 1. A partir do vencimento do mútuo bancário, o devedor responderá exclusivamente pela comissão de permanência (assim entendida como os juros remuneratórios, à taxa média de mercado, acrescidos de juros moratórios e multa contratual) sem cumulação com a correção monetária (Súmula n. 30, STJ). 2. Agravo regimental provido. (AgRg no REsp n. 930.807-RS, Quarta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 23.9.2008). Da jurisprudência consolidada, duas orientações surgiram: (i) É possível a cobrança da comissão de permanência, desde que não cumulada com nenhum outro encargo moratório ou remuneratório. Prevista a cobrança da comissão de permanência cumulada com outro encargo, este deve ser afastado, mantendo-se somente aquela. Orientação 1 – Manutenção isolada da comissão de permanência e afastamento de outros encargos. Ministro Relator Julgado Órgão Fernando Gonçalves AgRg no REsp n. 1.020.737-RS, j. em 24.6.2008 4a Turma Nancy Andrighi AgRg no REsp n. 1.057.319-MS, j. em 19.8.2008 3a Turma João Otávio de Noronha AgRg no Ag n. 961.275-SP, j. em 6.3.2008 4a Turma Massami Uyeda AgRg no REsp n. 1.056.827-RS, j. em 7.8.2008 3a Turma Sidnei Beneti EDcl no AgRg no REsp n. 1.014.434-MS, j. em 19.8.2008 3a Turma Ari Pargendler AgRg no REsp n. 1.016.657-RS, j. em 20.5.2008 3a Turma Carlos A. Menezes Direito REsp n. 821.357-RS, j. em 23.8.2007 3a Turma Hélio Quaglia Barbosa AgRg no REsp n. 986.179-RS, j. em 27.11.2007 4a Turma Humberto Gomes de Barros AgRg no REsp n. 896.269-RS, j. em 6.12.2007 3a Turma Carlos Mathias (ii) Se o acórdão recorrido permitiu a cobrança de qualquer outro encargo, afasta-se a cobrança da comissão de permanência, mantendo os demais encargos. Este entendimento é defendido pelos Ministros Aldir Passarinho Junior e Luis Felipe Salomão: Orientação 2 – Afastamento da comissão de permanência e manutenção dos outros encargos. Ministro Relator Julgado Órgão Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp n. 990.830-RS, j. em 24.6.2008 4a Turma Luis Felipe Salomão AgRg no REsp n. 920.180-RS, j. em 26.8.2008 4a Turma 3. Da Ilegalidade da Comissão de Permanência. A jurisprudência atual da 2ª Seção está pacificada no sentido de admitir a cobrança da comissão de permanência, desde que não cumulada com nenhum 464 SÚMULAS - PRECEDENTES outro encargo – moratório ou compensatório – e calculada à taxa média do mercado, limitada às taxas contratuais. A resposta aos ofícios encaminhados à Febraban revelou dados novos que não podem passar despercebidos e que merecem ser considerados na elaboração deste voto. Os bancos, ao responderem às indagações da Febraban acerca da composição da comissão de permanência, solicitaram, por questões comerciais e concorrenciais, que esta julgadora mantivesse sigilo de suas informações, o que será respeitado. Isto não impede, porém, que alguns desses dados sejam utilizados, de forma impessoal e genérica, na elaboração deste voto. As enormes variações constatadas das respostas ao ofício, demonstram que cada banco trata da cláusula de comissão de permanência de maneira particular e diferenciada, o que impossibilita o conhecimento pelo consumidor daquilo que está pagando, além de inviabilizar a comparação dos custos da inadimplência face aos outros bancos. Vejam-se os seguintes dados: (i) Um dos bancos cobrou, para abertura de crédito, em setembro de 2007, acima de 16% ao mês nos dois primeiros meses, e em torno de 5,50% após, em ambos os casos acrescido de 1% ao mês a título de juros de mora; (ii) Em outro banco, a tendência é que a comissão se aproxime muito das taxas de juros, encontrando-se ao redor de 0,5% ao dia; (iii) Outro banco comunicou serem vários os componentes formadores do encargo, como os custos com a captação de recursos, os impostos, o risco de inadimplência e o chamado custo de administração, que envolve gastos com pessoal, operacional, de instalações e equipamentos. Para este banco, a comissão foi de 12% ao mês para as diversas modalidades de operação de crédito; (iv) Outro banco informou que, nos últimos doze meses, a comissão de permanência variou entre, aproximadamente, 4,70% e 6,30% ao mês; (v) Na resposta mais esclarecedora, um banco afirmou que compõem a sua c omissão de permanência, entre outros, os seguintes itens: “custas com despesas jurídicas pela ação de cobrança” e “custo operacional pela ativação da cobrança (...) Escritórios de Cobrança e Escritórios de Advocacia”. Aqui, a comissão variou entre 6,5% até quase 20% ao mês. Acrescente-se, por fim, a palavra da Febraban, entidade representativa dos bancos, que, textualmente, assevera: Em outras palavras, é impossível apontar critérios uniformes de cálculo da comissão de permanência para todas as instituições, dado que esse cálculo se baseia em diferentes peculiaridades. (grifei). Como se depreende de tais informações, a incidência da cláusula de comissão de permanência, tal como ocorre nos dias atuais, viola uma série de princípios e direitos previstos no CDC. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 465 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Numa listagem meramente exemplificativa, são afrontados o princípio da transparência (art. 4º, caput); o princípio da boa-fé e equilíbrio entre os contratantes (art. 4º, III); o direito à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços (art. 6º, III); além das regras específicas para a outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, previstas nos incisos do art. 52 do CDC (informação prévia e adequada sobre o preço do produto, o montante dos juros e os acréscimos legais). Tais princípios são essenciais na sistemática do CDC, como anota a doutrina em diversas oportunidades: (i) Sobre a boa-fé e a transparência: Poderíamos afirmar genericamente que a boa-fé é o princípio máximo orientador do CDC; neste trabalho, porém, estamos destacando igualmente o princípio da transparência (art. 4º, caput), o qual não deixa de ser um reflexo da boa-fé exigida aos agentes contratuais. (Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno Miragem, in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, 2003, p. 124). (ii) Sobre o direito à informação: Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles. (Ada Pellegrini Grinover e outros, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2004, p. 138). Assim, se está diante de uma situação de total indefinição sobre os encargos que integram a comissão de permanência e de suas taxas, situação que se agrava, inclusive, pelo inusitado pedido de sigilo formulado pelos bancos. Exsurge gritante a ausência de informação transparente e precisa ao consumidor, bem como a potestatividade da sua cobrança. Logo, deve ser definitivamente excluída a cláusula de comissão de permanência, mesmo quando expressamente pactuada, permitindo-se aos bancos-credores, para o período de inadimplência, a cobrança especificada dos seguintes encargos, numericamente individualizados: (i) juros remuneratórios, limitados pela taxa pactuada ou calculados à taxa média de mercado; (ii) juros moratórios, de acordo com a lei aplicável; (iii) multa moratória de 2%, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC; e (iv) correção monetária, se for a hipótese. 12. Dispositivo Forte em tais razões, conheço parcialmente do Recurso Especial e, nesta parte, dou-lhe provimento para declarar a legalidade da cobrança dos juros 466 SÚMULAS - PRECEDENTES remuneratórios, na forma como pactuados na espécie, e afastar as disposições de ofício realizadas pelo Tribunal de origem. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, mantendo quanto a estes o valor fixado no acórdão recorrido, que serão reciprocamente distribuídos e suportados na proporção de 80% pelo recorrente e de 20% pela recorrida, e devidamente compensados, conforme a Súmula n. 306-STJ. Suspensa a exigibilidade, em relação à recorrida, enquanto perdurarem os efeitos da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. VOTO (proferido oralmente na sessão) O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: a) Sustentação oral pela Febraban e pelo Idec Senhor Presidente, se não estou enganado, a votação em questão de ordem começa pelo mais antigo, mas já posso proferir meu voto. Indefiro. Com relação a este processo, a lei é taxativa: aqueles que não são partes podem se manifestar; todavia, hão de manifestar-se por escrito. Trata o caso de mais um recurso especial, apenas julgado pela técnica ou metodologia do instituto denominado “recurso repetitivo”. A lei permite ao relator ouvir terceiros interessados, vale dizer, pessoas que, embora não se submetam à eficácia da coisa julgada que derivará do acórdão no caso concreto, têm legítimo interesse na defesa da tese apreciada, tendo em vista a repercussão que dela se extrairá para futuros julgamentos de outros recursos. No caso, os terceiros interessados foram ouvidos e se manifestaram por escrito. Portanto, penso que, para manter a boa ordem, deve-se cumprir o que ficou estabelecido nesta Seção em julgamento anterior: a sustentação oral deverá ficar reservada apenas para as partes. b) Mérito I Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. advogados, inicialmente, parabenizo os advogados que ocuparam a tribuna: Dr. Luciano, pela parte recorrente; Dra. Cláudia Lima, grande especialista em Direito do Consumidor; Dr. Marcos RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 467 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Cavalcante, grande especialista na matéria de Direito Bancário; e Dr. Valter Moura, do Idec. Todos prestaram, da tribuna, proveitosos esclarecimentos. Entendo ser importante elucidar que esta Corte, no presente julgamento, não tem por propósito questionar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações de Direito Bancário. Ao contrário, temos tal questão como resolvida em caráter definitivo, razão por que este Sodalício editou a Súmula n. 297. Tenho que reconhecer, outrossim, que, no caso em espécie, não fomos felizes na escolha do processo tipo, ou seja, aquele afetado a julgamento da Seção nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil. Com efeito, dois temas importantes não poderão ser analisados - quais sejam, capitalização de juros e comissão de permanência –, pois, diante das peculiaridades do caso em concreto, afigura-se impossível transpor a fase do conhecimento para analisar tais questões, que integram o núcleo do mérito recursal. O que restou então para ser analisado? As teses relativas: a) às “disposições de ofício”; b) ao limite dos juros remuneratórios; c) à configuração da mora - e, nesse ponto, parece-me termos um problema de ordem técnica -; e d) à inscrição do nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Manifesto-me, primeiramente, sobre a capitalização de juros. Entendo que a capitalização de juros é matéria que não ultrapassa a fase de conhecimento - e peço vênia à Sra. Ministra Relatora para divergir no que tange aos fundamentos, porquanto, embora o acórdão tenha enfrentado explicitamente a questão, fê-lo sob a vertente constitucional. Confira-se: No que respeita à Medida Provisória n. 2.070, não é aplicável, pelo fato de não atender aos requisitos da relevância e urgência estabelecidas no art. 62 da Constituição Federal; por isso, é inconstitucional, dependendo de processo legislativo ordinário para a sua aplicação. Tanto é assim que a eficácia do art. 5º foi suspensa em 3 de abril de 2002, por decisão do Ministro Sidney Sanches. Observa-se, portanto, com uma leitura mais atenta do acórdão recorrido, que há enfrentamento da questão, mormente porque pressupõe contratada a capitalização de juros. A minha divergência, contudo, está em que o recurso não pode ser conhecido porque o enfrentamento da questão deu-se com base em fundamento constitucional, ou seja, o acórdão está respaldado em norma constitucional; tanto é que o recorrente também aviou recurso extraordinário – inclusive 468 SÚMULAS - PRECEDENTES causou-me perplexidade o fato de esse recurso não ter sido admitido na origem, tendo em vista o prequestionamento explícito da norma constitucional. Portanto, a questão da capitalização dos juros, no caso, ainda está em aberto, pendente de apreciação pelo Colendo Supremo Tribunal Federal. Aqui, vejo algo mais grave, que, aliás, passou desapercebido pelo recorrente e por todos que, no Tribunal de origem, participaram do julgamento –. O Tribunal, na realidade, ao afastar a constitucionalidade da norma, fê-lo em julgamento em sede de órgão fracionário, violando, sem sombra de dúvida, o princípio da reserva de plenário, visto que somente o Órgão Especial do Tribunal do Rio Grande do Sul poderia aferir a inconstitucionalidade da norma, nos termos do art. 97 da Constituição Federal e dos artigos 481 e 482, ambos do CPC. Esta Corte teria condições de conhecer da matéria se, no recurso especial, a questão da violação dos artigos 481 e 482 do CPC tivesse sido agitada no acórdão recorrido. Como não foi, entendo que não temos como enfrentá-la, uma vez que matérias que não foram prequestionadas não podem ser apreciadas por este Tribunal ante a incidência das Sumulas n. 282 e n. 356 do Colendo STF. Entretanto, se a capitalização de juros encontra-se pendente de apreciação – porque aviado recurso extraordinário – surge outra questão: a mora está, então, descaracterizada? No caso em julgamento, ainda não. Com efeito, é certo que a mora só poderá ser considerada descaracterizada caso o Supremo Tribunal acolha a tese de inconstitucionalidade da capitalização mensal dos juros ressalto, matéria ainda submetida à apreciação da excelsa Corte em vista do ajuizamento pelo ora recorrente de recurso extraordinário. Assim, entendo que, enquanto pender a apreciação da tese no Supremo Tribunal, não temos como analisar a abusividade dos encargos contratados de modo a descaracterizar a mora. Isso porque o recurso extraordinário, no caso em espécie, é prejudicial ao julgamento do recurso especial. Essa questão a Sra. Ministra Relatora não enfrentou, até porque S. Exª diz, em seu voto, quando trata da capitalização de juros, à fl. 10, que: Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período de normalidade”, ou seja, aqueles encargos que, naturalmente, incidem, antes mesmo de configurada a mora. Ainda que ultrapassada essa questão, penso que temos um incidente de prejudicialidade, que importaria na suspensão do próprio julgamento do recurso RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 469 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA especial para apreciação primeiro do recurso extraordinário. Só aqui na Seção, lendo o voto da Ministra Nancy Andrighi, é que constatei esse fato. Aliás, tal questão nem sequer foi mencionada nos memoriais que me foram entregues pelas partes ou pelos terceiros interessados. Se suplantada a questão, enfrento os demais argumentos. Quanto à comissão de permanência, também não conheço do recurso, visto que não foi demonstrada analiticamente a divergência, bem como não foi apontado nenhum dispositivo de lei violado. A mera citação de súmula e de paradigmas não dispensa a demonstração analítica da divergência como, reiteradamente, entende a jurisprudência desta Corte. Seguirei a ordem da eminente Relatora. No que tange aos juros de mora, a eminente Relatora manteve a posição já consolidada deste Sodalício, no sentido de ser permitido até o limite da taxa de 1% (um por cento) ao mês, com o que estou de pleno acordo. Quanto ao cadastro de inadimplência, também estou de pleno acordo com a Sra. Ministra Relatora, inclusive no que tange ao pedido de antecipação de tutela, porquanto o seu voto está em consonância com a reiterada jurisprudência da Segunda Seção deste Tribunal. Juros remuneratórios: nesse ponto, peço vênia para divergir. É evidente que, em se tratando de juros remuneratórios, há de ser apreciada a questão da abusividade das taxas; não tenho dúvida quanto a isso. Tal análise, contudo, há de ser feita caso a caso. Data vênia, não vejo como pode esta Corte tarifar ou tabelar tal encargo financeiro como forma de estabelecer um paradigma para o diagnóstico da abusividade da taxa contratada. E por que me posiciono contra o tarifamento ou tabelamento dos juros? A um, porque essa não é uma atribuição que nos é dada pela Constituição Federal. A dois, porque entendo que decisão dessa natureza acaba por penalizar ou prejudicar aquele que a lei quer proteger, ou seja, o consumidor. Os agentes econômicos têm inteligência e instrumentos suficientes para contornarem um eventual (e absurdo) tabelamento judicial dos juros. Em caso tal, a primeira conseqüência seria um aumento radical das taxas cobradas como forma de elevar a “taxa média de mercado”, o que encareceria sobremaneira o custo da moeda para os tomadores, mormente para aqueles com menor potencial negocial, como os consumidores. Por isso, hei de divergir da proposta da eminente relatora de que esta Corte estabeleça um teto correspondente ao dobro da taxa média como sendo os 470 SÚMULAS - PRECEDENTES juros razoáveis. Vale dizer, haveria o Judiciário de reconhecer como abusivos os encargos financeiros quando a taxa pactuada ultrapassasse o dobro da média da taxa de juros praticada pelo mercado financeiro. A meu sentir, melhor será aferir a abusividade diante do caso concreto, tendo em conta a realidade econômica vigente em determinado local e tempo. Confio que, nas instâncias ordinárias, os julgadores saberão, caso a caso, diagnosticar se está ou não configurada a chamada abusividade dos encargos cobrados para daí, então, descaracterizar ou não a mora. Há outro detalhe: Sua excelência Ministra Nancy Andrighi, embora estipule o dobro, sustenta que é permitido à instituição financeira provar que, com relação àquele cliente, os riscos oferecidos são maiores. Tenho como correta tal afirmativa, pois, na estipulação da taxa de juros, segundo a boa técnica bancária, o banco há de levar em conta não apenas os riscos macroeconômico e setorial, mas também o risco do cliente. Todavia, surge outro problema: admitida essa possibilidade, que me parece extremamente razoável, inviabilizada encontra-se a tese que permite ao juiz, de ofício, conhecer da abusividade dos encargos, visto que, ante a falta de alegação do devedor, o que torna a questão incontroversa, nem sequer seria possível oferecer à instituição financeira a oportunidade de desincumbir-se do mister de demonstrar e provar que a elevação da taxa de juros, no caso concreto, decorreria do elevado risco-cliente. No caso em julgamento, pedindo novamente vênia à ilustre Relatora, entendo que não está configurada a abusividade dos juros pactuados, porquanto a taxa estipulada é inferior à taxa média de mercado vigente à época da celebração do contrato. Também, como afirmei, não há de ser estipulada nenhuma tarifação, nenhum limite, visto que a abusividade dos encargos há de ser aferida nas instâncias ordinárias, diante do caso concreto. II Não, Excelência. Mantenho a taxa média de mercado, mas não estipulo o seu dobro como teto ou mesmo estabeleço qualquer outro limite. O parâmetro da razoabilidade dos encargos pactuados deve ser aferido pelo Juiz diante do caso concreto, que poderá concluir pelo dobro, pelo triplo ou por outro critério que seja inclusive inferior ao teto que V. Exª propõe. Até digo que, quando ficar estabelecido o dobro, a instituição financeira penderá por contratar sempre por uma taxa que, embora inferior, seja mais próxima desse teto. Entendo que, às vezes, considerando determinada situação RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 471 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA da economia e do cliente, uma vez e meia a taxa média poderá caracterizar preço excessivo da moeda. Reafirmo: é melhor que o juiz, caso a caso, mediante demonstração cabal da situação, tendo em conta a realidade econômica subjacente ao contrato e às provas dos autos, decida, justificadamente, se há ou não onerosidade da taxa contratada. Lamento que, no Brasil, discuta-se a abusividade das cláusulas contratuais apenas com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Na verdade, o instituto da onerosidade excessiva tem aptidão para se configurar em qualquer tipo de relação contratual, pouco importando a sede legislativa em que as partes estribam seus fundamentos. No Código Civil atual, existe a figura da lesão, que anteriormente achava-se consagrada por força doutrinária e jurisprudencial. Na verdade, quando julgamos o recurso especial pela técnica do procedimento repetitivo de que trata o art. 543-C do Código de Processo Civil, considerando a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, primeiramente sufragamos o entendimento da “tese jurídica” para depois aplicarmos o entendimento ao caso em concreto. Mas no caso, não vejo como assim proceder, visto que o recurso em questão não ultrapassa a fase do conhecimento ante a ausência do prequestionamento da tese ora debatida. III Agora, manifesto meu posicionamento a respeito da revisão de ofício das cláusulas contratuais nas instâncias ordinárias. Aqui, novamente, peço vênia a Exmª Ministra Nancy Andrighi, pois, neste ponto, temos como caracterizada entre nós uma profunda divergência de cunho até ideológico, certamente em razão de nossas origens. Sua Excelência desenvolveu toda a sua vida profissional, de forma brilhante, na magistratura, enquanto eu finco minhas raízes no exercício por mais de duas décadas na advocacia para só depois ingressar, como magistrado, neste Colendo Tribunal, do que, aliás, muito me orgulho. Sempre entendi que não cabe ao juiz distanciar-se de sua neutralidade na condução do processo; não deve ele advogar no sentido de defender interesse algum no processo. Se lhe é dado examinar amplamente as provas e até tomar a iniciativa de inverter o seu ônus de produção, isso não pode nos levar à conclusão de que o juiz protege o hipossuficiente. Não, o juiz não protege ninguém, é a lei que, na forma por ela taxativamente prevista, protege o hipossuficente nas 472 SÚMULAS - PRECEDENTES relações de consumo, mas nunca o juiz. A este cabe a tarefa de, diante do caso concreto, subsumir os fatos a norma e, mediante um juízo de valor, formular a regra jurídica aplicável ao caso. Na atualidade, para a defesa dos hipossuficientes, a Constituição Federal instituiu as defensorias públicas. Aliás, a jurisprudência desta Sessão pacificouse no sentido de não ser admissível a revisão de ofício das cláusulas contratuais para taxá-las de onerosas. Repiso a indagação: Como o juiz poderá saber se há abusividade ou não diante do caso concreto se a própria parte não a alegou? E mais: até para ser coerente com o que sustentei - acerca da impossibilidade de ser estabelecido um teto -, como admitir possa o juiz, de ofício, promover o decote dos encargos financeiros pactuados sem que seja oferecida à outra parte – o banco – a oportunidade de provar que, no caso concreto, a taxa pactuada fora fixada tendo em conta as condições imperantes no mercado e segundo a boa técnica bancária, não caracterizando portanto abusividade? Ademais, é bom que se diga que nem sempre será do agente financeiro o ônus da prova da não-caracterização da abusividade, porquanto existem hipóteses em que a inversão do ônus da prova não deve ser deferida, como, por exemplo, quando a parte litigante for pessoa jurídica que não se enquadra na relação de consumo ou quando não caracterizada a hipossuficiência daquele que litiga com a instituição financeira. Reitero minhas vênias para discordar também de um dos fundamentos invocados pela eminente Relatora, qual seja, o da alteração legislativa, que, a meu ver, diz respeito apenas às regras de competência, não se referindo à possibilidade de conhecimento e decote de ofício das cláusulas contratuais relativas aos encargos financeiros. Oportuno lembrar que, na espécie, estamos tratando de direitos disponíveis e não se pode olvidar que a parte, de regra, sabe o que pode e o que não pode contratar e honrar. Considero estranha à discussão estabelecida no presente caso a questão relativa ao dever de informação da instituição financeira, ora ventilada pela eminente Relatora. Assim, peço vênia a Exma. Ministra Relatora, mas não vejo razão que justifique que esta Corte altere o entendimento jurisprudencial cristalizado ao longo de vários anos de julgamento. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 473 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Rejeito também porque, durante esses seis anos de Tribunal, constatei que o consumidor tem sido muito bem defendido no Judiciário. A meu ver, o micro sistema legislativo que regula as relações de consumo - segundo diz a eminente Dra. Cláudia Lima Marques - vem atingindo alto grau de eficácia, conforme se infere do exame dos acórdãos deste Tribunal. Aliás, a jurisprudência edificada nesta Corte a respeito do tema não se consolidou por obra do acaso. Ao contrário, é fruto direto do hercúleo trabalho desenvolvido pelos advogados contratados por diversos organismos de proteção do consumidor, como por exemplo, o Idec. Assim, afigura-se inegável que a estrutura protetiva das relações de consumo não está exigindo que o juiz perca sua neutralidade no processo; por isso, entendo não deva ele atuar substituindo ou dispensando a manifestação da parte indigitada como hipossuficiente na defesa de seus interesses. Assim, com as ressalvas aqui colocadas quanto a) ao conhecimento de ofício; b) ao fundamento da questão acerca da capitalização mensal dos juros; e c) ao estabelecimento de um teto – que a Sra. Ministra Relatora indicou como sendo o dobro da taxa média de mercado – para aferição da abusividade da taxa de juros contratada, acompanho, no mais, o brilhante, didático e claro voto da Sra. Ministra Fátima Nancy Andrighi. Conheço parcialmente do recurso especial e dou-lhe provimento em maior extensão do que aquele dado pela Relatora. Fica pendente a questão da prejudicialidade relativa à questão da capitalização de juros, tese que tem relação com a descaracterização da mora. c) Correção do resultado após esclarecimentos Sr. Presidente, dou provimento ao recurso especial neste ponto; dou provimento ao recurso especial quanto aos juros remuneratórios, porque a Sra. Ministra Relatora também o proveu; entendo que, quanto à configuração da mora, temos uma questão de prejudicialidade para ser resolvida. Penso que deveríamos primeiro apreciar essa questão. Quanto à inscrição no cadastro de inadimplemento, estou acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora. Conheço parcialmente do recurso especial, porque dele não conheço com relação à comissão de permanência, e dou-lhe provimento em maior extensão que a Sra. Ministra Relatora. d) Esclarecimentos do Ministro João Otávio para a Ministra Nancy Andrighi, no sentido de divergir dos fundamentos de seu voto quanto à estipulação de um teto para aferir sobre a abusividade da taxa de juros 474 SÚMULAS - PRECEDENTES I Quanto aos percentuais, acompanho o voto de V. Exa. Sra. Ministra Nancy Andrighi. Não há abusividade. Mas, como V. Exª avança em seus fundamentos, e o acórdão deste julgamento certamente será considerado como paradigma nas instâncias ordinárias, reafirmo que não concordo com o estabelecimento de um teto ou limite como forma de balizar a aferição da abusividade dos encargos financeiros. Reafirmo: esta aferição deverá ser feita pelo juiz caso a caso. II Acredito até que essa questão não é objeto de discussão, mas V. Exa. sobre ela tece considerações em seu voto. Entendo que, mesmo que inserido no seu voto como obter dictum, algum operador do direito, menos atento, poderá pleitear a aplicação do limite proposto por V. Exª Daí o cuidado que devemos ter para que questão não efetivamente apreciada por esta Corte possa ser tomada como se decidida o fosse por ela. III Minha preocupação reside – Exma. Ministra Nancy Andrighi - no cuidado que devemos ter com o efetivo entendimento do que aqui restou decidido. Suponhamos que V. Exa. seja autora do voto vencedor e, por isso, lavre o acórdão. Se do seu voto constar esse fundamento - com o qual não concordamos -, esse entendimento poderá pautar a conduta dos julgamentos nas instâncias originárias, quando, na realidade, a Corte sobre essa questão jurídica definitivamente ainda não se manifestou. Ademais, não há sequer um precedente desta Seção que fixe qualquer limite ou parâmetro para caracterização da abusividade da taxa de juros. IV Estou apenas mostrando a conseqüência. De modo algum ataquei o posicionamento de V. Exa.; pelo contrário, o debate está no mais alto nível e nossa intenção aqui é estabelecer regras claras que possam orientar os juízes deste país quando do julgamento de causas fundamentadas em tese idêntica a esta que estamos apreciando. e) Esclarecimentos do Ministro João Otávio após o voto do Ministro Sidnei Beneti RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 475 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA I Com relação à prejudicialidade, chamei a atenção para o fato de o Tribunal ter reconhecido a inconstitucionalidade de norma federal por órgão fracionário, isto é, sem observância do princípio da reserva de plenário. A parte interpôs recurso extraordinário, que se encontra pendente de apreciação pelo STF. Esse recurso não foi suspenso pelo Excelso Pretório, em que pese o processamento da ADIn que tem por objeto a mesma matéria. II Não, Sr. Ministro Sidnei Beneti, o art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil dispensa o órgão fracionário de submeter ao órgão pleno a argüição de inconstitucionalidade quando esta já o fora declarada pelo próprio órgão pleno ou pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. No caso, nenhuma das hipóteses ocorreu. f ) Esclarecimentos do Ministro João Otávio à Ministra Nancy Andrighi Afirmei o seguinte: divirjo de V. Exª na aplicação da Súmula n. 7, já que o Tribunal enfrentou expressamente a questão da capitalização, dizendo que a afastava porque a Medida Provisória n. 2.170 é inconstitucional. Vale dizer, afastou a eficácia da norma por inconstitucionalidade sem suscitar o incidente de que tratam os artigos n. 480 a 482 do Código de Processo Civil – incidente de inconstitucionalidade. Por isso, não incide a Súmula n. 5 nem a Súmula n. 7. O Tribunal claramente enfrentou a tese da inconstitucionalidade. A matéria encontra-se explicitamente prequestionada. O proceder do Tribunal de Justiça é que me parece, data venia, equivocado. Concluindo pela inconstitucionalidade, caberia a ele suscitar o incidente de inconstitucionalidade na forma preconizada pela Constituição e pelo CPC. Todavia, não o fez. Nada obstante, a parte não ventilou a nulidade do julgamento no recurso especial nem no recurso extraordinário. A questão, assim, restou preclusa. Destarte, a questão relativa à reserva de plenário, no presente caso, encontra-se sepultada. Avanço: se se quer descaracterizar a mora por causa da capitalização, porque vingou, no Tribunal a quo, a tese de que a capitalização é inconstitucional, e se a questão da capitalização continua aberta porque não transitada em julgado na medida em que tal fundamento do acórdão recorrido restou impugnado por 476 SÚMULAS - PRECEDENTES meio do recurso extraordinário, apesar de o TJ ter-lhe negado seguimento (fato que me parece absurdo, pois é a típica hipótese de prequestionamento explícito), a parte teve o cuidado de interpor recurso de agravo de instrumento, cujo julgamento encontra-se pendente. Portanto, não está transitada em julgado a questão da capitalização. É esse o fundamento. g) Esclarecimentos do Ministro João Otávio após elucidação da Ministra Nancy Andrighi de que não considerou a mora caracterizada I Ora, se a mora não restou descaracterizada, então não ocorrerá a prejudicialidade, uma vez que, na hipótese de provimento do recurso extraordinário interposto, o STF decidirá de modo definitivo a questão da constitucionalidade ou não da capitalização dos juros. II Sra. Ministra Nancy Andrighi, V. Exa. disse, com todas as letras, que a mora, no caso, não está descaracterizada. O erro foi meu. Assim, estou apenas dissentindo no que tange ao fundamento relativo à estipulação do teto dos juros remuneratórios e à disposição de ofício. RETOMADA DO JULGAMENTO a) Sobre o pedido de suspensão formulado pelo Ministério Público em razão da ADIN n. 2.316-DF Sr. Presidente, entendo que esteja prejudicado o pedido, mas voto de acordo com a Sra. Ministra Relatora. b) Comissão de permanência/ manutenção de posse/ cláusula-mandato/ protesto do título/ repetição de indébito, que não fazem parte das teses de uniformização, pois referem-se ao caso concreto I Não conhecemos do recurso quanto à comissão de permanência, porque não havia demonstração analítica no que tange à alínea c. Então, V. Exa. está mudando o voto? RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 477 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II Estou afirmando que V. Exª está mudando o voto e pedirei vista para examinar. O que é comissão de permanência? São os encargos moratórios, isto é, cobrados após o vencimento da obrigação. O que tínhamos de fazer seria fixálos. A jurisprudência evoluiu para entender que a comissão de permanência é composta das seguintes parcelas: a) juros segundo a taxa média de mercado; b) multa moratória de até 2% na forma do CDC: e c) juros de mora fixado em até 1% ao mês. Cabe-nos a missão de deixar claro aos juridicionados qual o entendimento deste Tribunal sobre o conteúdo da denominada cláusula “comissão de permanência”. Aliás, esta Seção já o fez. Aqui estamos apenas precisando e reiterando o seu conceito. Comissão de permanência é, portanto, o somatório dos encargos que incidem no período do inadimplento da obrigação, ou seja, após o vencimento da dívida. Destarte, o devedor que honra pontualmente com suas obrigações a esse encargo não estará submetido. Com base nisso, não há como prosperar, data vênia, o entendimento de que eventual abusividade na estipulação dos encargos que integram a cláusula “comissão de permanência” teria o condão de descaracterizar a mora. Ora, não se pode olvidar que a cláusula “comissão de permanência” só adquire eficácia quando a mora já estiver caracterizada. Reportando-me ao princípio da boa-fé objetiva – que deve ser aplicado à relação contratual de forma a incidir em ambos os lados da relação negocial – na hipótese, especificamente com relação ao deferimento da busca e apreensão do bem em face do inadimplemento contratual, entendo que não se deve permitir que o devedor que contratou e adquiriu o bem com o produto do financiamento permaneça na posse do referido bem quando apenas honrou uma única ou poucas prestações, só pelo fato de ter ele ajuizado ação revisional. Não é esse o comportamento que se espera de um homem probo. Registro que tenho, no meu gabinete, inúmeros processos nos quais se verifica a seguinte situação: paga-se uma ou duas parcelas do financiamento e ajuíza-se a ação revisional sob alegação de que cláusula de comissão de permanência é abusiva. Não se paga mais nada, e, ainda assim, há decisões judiciais determinando que o bem (normalmente um carro) deve ficar na posse do devedor inadimplente. É lógico que tais decisões, longe de aplicarem o princípio da boa-fé objetiva, acabam por violá-lo. 478 SÚMULAS - PRECEDENTES Sr. Presidente, eventual excesso dos encargos financeiros integrantes da cláusula “comissão de permanência” deve levar o juiz simplesmente a decotá-los, ajustando o seu conteúdo àquele admitido pela jurisprudência consolidada deste Sodalício. Destarte, temos que nos pautar por aquele entendimento que respeite e privilegie a conduta dos contratantes em conformidade com o princípio da boafé objetiva, não tolerando abusividade na cobrança dos encargos de mora e não permitindo a proliferação de condutas abusivas do devedor, evitando-se ao mesmo tempo o crescente inadimplemento no tráfico comercial, situação que prejudica a todos, mormente os adimplentes, que sofrem as conseqüências na medida em que a elevação do risco importa no aumento dos encargos financeiros. Cabe-nos zelar pelo prestígio do princípio da segurança jurídica a bem de todos. III Sra. Ministra Nancy Andrighi, um aparte, por favor. É importante. A mora não foi descaracterizada por V. Exª na semana passada. Entendi que estava sendo descaracterizada e errei ao propor o incidente de prejudicialidade. Mas, hoje, V. Exa. está voltando a descaracterizar a mora pela cláusula de comissão de permanência ou não entendi nada do voto de V. Exa.. c) Manifestação do Ministro João Otávio de Noronha após os esclarecimentos da Ministra Nancy Andrighi de que não estava decidindo acerca da mora, mas apenas retirando a eficácia da cláusula que prevê a comissão de permanência I Entendo que essa posição de V. Exa. prejudica o consumidor, porque a jurisprudência evoluiu em benefício dele ao estabelecer que a taxa de juros integrante da comissão de permanência – refiro-me aos juros remuneratórios – será calculada segundo a taxa média de mercado. Qual a grande vantagem para o consumidor? II Sra. Ministra Nancy Andrighi, V. Exa. também não está entendendo o que estou afirmando. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 479 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A comissão de permanência, ou seja, os encargos que incidem após a mora - segundo o entendimento de nossa jurisprudência -, na verdade, beneficia o consumidor quando a taxa de juros que a integra oscila segundo a taxa média de juros de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil. Isso é evidente, pois, na hipótese de queda dessa taxa, o consumidor sai beneficiado sem que isso altere o equilíbrio financeiro do contrato. d) Após a proposta de se votar a preliminar de conhecimento sobre a questão da comissão de permanência I Sr. Presidente, li o voto novamente e verifico que o dissídio efetivamente não restou demonstrado. Tenho que a matéria é relevante, mas, ainda assim, no caso concreto, não vejo como ultrapassar o conhecimento do recurso. Bom seria que o critério reitor do juízo de admissibilidade fosse o da relevância da tese jurídica, o que faria preponderar sempre o interesse geral sobre o particular. Aliás, é a posição que defendo minoritariamente nesta Corte. Mas, infelizmente não é o entendimento da maioria dos Ministros que integram este Tribunal. No caso vertente, como já dito, não tendo o recorrente se desincumbido de demonstrar o dissídio jurisprudencial, não vejo como conhecer do recurso nesse ponto. II Sr. Presidente, não conheço do recurso especial pelas alíneas a e c. e) Esclarecimentos sobre o teto – parâmetro para aferir abusividade da taxa de juros I Sr. Presidente entendo que a fixação de um teto referencial igual a duas vezes a taxa média de juros do mercado para caracterização da abusividade, data vênia, não se mostra conveniente para o próprio consumidor. É sabido que o custo do dinheiro varia segundo o tempo, o espaço geográfico, as condições da macroeconomia e outras variáveis. 480 SÚMULAS - PRECEDENTES Melhor deixar que tal aferição, ou seja, a da abusividade, fique entregue ao juiz que, diante do caso concreto, tendo em conta a realidade do mercado no momento da contratação, saberá decidir se o consumidor estará ou não sendo prejudicado. Aliás, é bom que se diga, que, em determinadas situações, o estabelecimento do dobro da taxa média poderá ser inclusive oneroso para o devedor. Tudo dependerá da realidade econômico-financeira reinante. II Faço um complemento para melhor informar meus Pares, com relação à fixação da taxa de juros. Cito aqui um exemplo: no Banco do Brasil, a taxa de juros do cheque especial é fixada diferentemente para cada cliente tendo em conta sempre o retorno financeiro oferecido, o grau de risco que ele apresenta, a pontualidade e ainda o seu histórico econômico-financeiro. A isso somam-se o risco setorial e o risco legal do produto. Inegável, portanto, que, para fixar a taxa de juros, o banco leva em consideração uma série de variáveis ou fatores. Se assim o é, como poderá ser estabelecido por decisão judicial um critério geral, desprezando conseqüentemente as peculiaridades de cada contratação? Se optarmos por estabelecer um teto, toda essa realidade fática e econômica será desconsiderada e em detrimento de quem? Do consumidor, é evidente. O consumidor que quita seus financiamentos no vencimento, que, com seus negócios, oferta uma razoável retribuição ao banco pode obter uma taxa muito inferior àquela equivalente à média do mercado. Para este consumidor, a fixação de uma taxa de juros igual ou um pouco inferior, inclusive, ao dobro da taxa média de juros vigente poderá caracterizar abusividade. É por isso, Senhores Ministros, que prefiro confiar na prudência do juiz da causa, que, diante da realidade do caso concreto, saberá adotar a decisão que melhor atenda o equilíbrio contratual e, por conseguinte, beneficie, nos exatos termos da lei, o consumidor probo e honesto. f ) Esclarecimentos do Ministro João Otávio ao Ministro Sidnei Benetti sobre a fixação de parâmetro para aferir a abusividade da taxa de juros Sr. Ministro Sidnei Beneti, começarei pelo último ponto, a competição. Penso que, por mais de dez anos, não teremos uma efetiva concorrência no sistema financeiro: os bancos cresceram, grandes instituições incorporaram outras menores, diminuindo, conseqüentemente, a disputa pelo mercado. O que RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 481 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA se tem observado no mundo, nestes últimos tempos, é uma redução do número de instituições financeiras. Bancos maiores incorporando menores ou, quando não, dois grandes conglomerados fundindo-se, resultando numa instituição ainda maior e mais forte, facilitando inclusive a formação de cartéis no sistema. Então, competitividade no sistema financeiro, nesta crise, por um prazo que estimo em dez anos, não haverá. Assim, não acredito, pelo que tenho lido, que o sistema financeiro não se reabilitará nos níveis de competitividade observados nos últimos anos, tamanho o estrago feito no sistema americano, que refletiu diretamente no sistema europeu. De outro lado, o sistema brasileiro está protegido porque os nossos fundos de pensão não puderam comprar títulos emitidos pelas instituições estrangeiras. É sabido que a taxa média de juros de mercado é calculada segundo as taxas praticadas pelas instituições financeiras, das quais algumas conseguem captar a custos baixos e outras não. Conseqüentemente, as taxas por elas praticadas variam segundo o custo de captação. Assim, a cobrança de encargos pelas grandes instituições, que normalmente captam recursos a custos menores, tendo como parâmetro a média da taxa, poderá ser-lhes extremamente vantajosa. Já para os bancos pequenos, a taxa média poderá ser inclusive inferior ao custo de captação. Destarte, tenho que a estipulação de um teto para aferição de abusividade poderá sugerir aos agentes financeiros procederem, preventivamente, ao aumento das taxas praticadas como forma de elevar o cálculo da própria média, procedimento que seria altamente prejudicial aos tomadores. Daí a importância de não ser adotado um critério geral, mas ter sempre em conta a realidade econômica-financeira que subjaz à causa posta à apreciação do Judiciário. É certo que o aumento da oferta de recursos certamente reduziria o preço do dinheiro e conseqüentemente influenciaria na diminuição das taxas cobradas pelas instituições financeiras. Isso seria o desejável neste momento. Entretanto, é sabido que a demanda por crédito, nesses últimos tempos, cresceu em dimensão maior do que a oferta, fato que provocou a interrupção da tão desejada queda das taxas que estava ocorrendo no mercado. Ou seja, a demanda por crédito voltou, neste momento da economia brasileira, a ser bem maior do que a oferta –, basta ver que os pequenos bancos estão passando por dificuldades para manter o giro de suas carteiras, fato observado inclusive no crédito consignado que, pela maior segurança que oferece ao financiador, permite seja cobrada, no financiamento, uma taxa menor que a cobrada nos outros empréstimos em geral. 482 SÚMULAS - PRECEDENTES Está aí a razão de o Governo brasileiro instituir, por meio da edição de medida provisória, a exemplo do que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, um mini proer para permitir que os bancos maiores, inclusive o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, possam adquirir carteiras de crédito de outros bancos menores que enfrentam problema de liquidez em razão do descasamento entre os prazos de captação e o de empréstimo dos recursos. São essas as razões – Exmo. Ministro – que me levam a me posicionar contrariamente à Exma. Sra. Minstra Nancy Andrighi no que tange à estipulação de um parâmetro (judicial) para aferição da abusividade da cláusula dos encargos financeiros. VOTO-PRELIMINAR O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, na verdade, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão tem razão, a Sra. Ministra Relatora não conheceu. Então, estou com a Relatora por duas razões: uma, porque não conheceu da matéria, então, está prejudicada e, segundo, porque também não seria o caso de se aguardar, mas, de qualquer forma, a Relatora não está conhecendo. VOTO O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, rogo vênia a Sra. Ministra Relatora para também não conhecer do recurso especial em função da especificidade da matéria. Apenas pela mera nulidade da cláusula pelo nome que se dá à comissão de permanência, eu não teria como enfrentar pela letra c. Examinei a petição recursal e, de fato, pela letra c fica muito difícil o enfrentamento dessa questão, até porque a própria tese de mérito diz respeito a se se poderia considerar nula ou não a comissão de permanência, considerando que a nossa própria jurisprudência, em relação ao tema, considera válida a cláusula, apenas limitando-a a uma taxa média de mercado, ou seja, independentemente do que se ponha na comissão, sempre limitamos à taxa média de mercado sem agregação de outros encargos, mas sempre validando-a. Portanto, entendo que pela letra c ficaria difícil enfrentar a cláusula específica, muito embora eu entenda a preocupação da eminente Relatora no sentido de se procurar solucionar essa questão, agilizando o julgamento. Devemos ter uma largueza maior nessa interpretação, mas, no caso específico, eu teria essa dificuldade em função de como está sendo colocada a tese. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 483 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Feita essa ressalva, acompanho a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro João Otávio de Noronha, não conhecendo do recurso especial. Sr. Presidente, não conheço da matéria alusiva à capitalização dos juros e também em relação à comissão de permanência, pelos motivos já declinados – inclusive em um deles já antecipamos esse não-conhecimento. Em relação aos juros remuneratórios, acompanho em parte a eminente Ministra Relatora no sentido de entender que não há a limitação de juros. Constitucionalmente, isso foi abolido, e o que se entende é que se considera abusivo aquilo que for demonstrado como ultrapassando, em muito, a taxa média de mercado. Essa consideração, realmente, fica a juízo das instâncias ordinárias e me parece até que, nesse ponto, depois que assim se firmou, vêm os Tribunais Estaduais aplicando, de forma razoável, a orientação do STJ. Entendo a posição da Sra. Ministra Nancy Andrighi quando quis estabelecer um teto objetivo para aferição da abusividade poder, pelo menos, aliviar as instâncias superiores. Muito embora vendo a praticidade da proposta, penso que as instâncias ordinárias é que devem avaliar, mesmo porque – o Sr. Ministro João Otávio de Noronha destacou, e é fato – isso depende de uma série de fatores, inclusive do risco jurídico de cada região e suas peculiaridades. Em relação à mora, estou com a Sra. Ministra Relatora porque, como no caso deu-se uma interpretação de que não havia sido pactuada capitalização, e essa matéria ficou vencida porque não conhecemos do especial nessa parte, não houve a mora, conseqüentemente. Quanto à inscrição do devedor no Cadastro de Proteção ao Crédito, acompanho a Sra. Ministra Nancy Andrighi, que fez um pormenorizado levantamento da nossa jurisprudência. Faço a ressalva quanto às disposições de ofício porque, efetivamente, entendo que não é uma questão de formalismo: a ação segue conforme a prestação jurisdicional que é solicitada; dizer que o contrato é abusivo, data venia, não dá direito a que o juiz saia lendo o contrato e fazendo uma interpretação subjetiva do que ele pensa ser ou não abusivo. E o grau de subjetivismo, hoje, é extraordinário. Esse é um grande problema. Por mais boa-vontade que se possa ter na tese, muitos advogados, conscientes de que aquela pretensão não tem amparo legal, nem a põe na inicial porque sabem que aquilo não irá longe, mas o Tribunal ou, às vezes, o juiz, vão além, em defesa de teses já ultrapassadas no STF e STJ, e aí cria-se um contencioso que nem foi pretensão da parte autora. Então, realmente, penso que a estrita observância ao pedido inicial, nesse ponto, há de preponderar. 484 SÚMULAS - PRECEDENTES Em relação às questões do processo repetitivo, da afetação, estou, em suma, acompanhando a eminente Relatora, salvo na sugestão de se considerar como abusivo apenas a partir do dobro da taxa média de mercado e em relação ao conhecimento, de ofício, de cláusula contratual, que entendo não ser possível. Em relação ao restante, estou de acordo com a eminente Relatora. VOTO O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Sr. Presidente, não conheço do recurso especial. VOTO-VISTA O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Relatório A autora propôs ação revisional em face de Unibanco – União Brasileira de Bancos S/A, pedindo: a) antecipação da tutela, a fim de evitar que seu nome seja inscrito em cadastro de inadimplentes, bem como para ficar em posse do bem objeto do financiamento até o encerramento da discussão judicial; b) depósito em juízo do valor incontroverso; c) apresentação do contrato pela empresa ré; d) fixação de juros em 12%; e) exclusão da capitalização; f ) aplicação do Código de Defesa do Consumidor; e g) declaração de nulidade de encargos contratuais considerados abusivos. Cuida-se de contrato bancário, garantido por alienação fiduciária, no qual a autora, Rosemari dos Santos Sanches, obteve financiamento para a aquisição de motocicleta Honda CG 150, com pagamento de uma entrada e parcelamento do saldo remanescente (R$ 4.980,00) em 36 (trinta e seis) prestações no valor, cada uma, de R$ 249,48 (duzentos e quarenta e nove reais e quarenta e oito centavos). A antecipação de tutela foi deferida à fl. 17, no sentido de manter a posse do veículo, uma vez depositados os valores incontroversos, assim como para impedir a negativação de seu nome nos cadastros de proteção ao crédito. A sentença (fls. 61-63) julgou procedente o pedido, reduzindo os juros remuneratórios para 1% ao mês, substituindo a comissão de permanência pelo IGPM e determinando a capitalização anual de juros. Estabeleceu que RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 485 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA os demais encargos do contrato devem ser mantidos, inexistindo abusividade. Condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais). Por sua vez, o acórdão recorrido negou provimento ao apelo da instituição financeira, afastando, de ofício, disposições contratuais, nos seguintes termos (fls. 114-133): Ação revisional. Negócios jurídicos bancários. Alienação fiduciária. Aplicação do CDC. Juros remuneratórios. Capitalização. Comissão de permanência. Índice de atualização monetária. Encargos moratórios. Compensação e/ou repetição do indébito. Cláusula de emissão de título de crédito. Tarifa de abertura de crédito. Emissão de boleto bancário. Cadastro de restrição ao crédito. Protesto de título. Manutenção na posse do bem. Autorização para depósito. Honorários advocatícios. 1. Aplicação do CDC. O Código de Defesa do Consumidor implementou uma nova ordem jurídica, viabilizando a revisão contratual e a declaração de nulidade absoluta das cláusulas abusivas, o que pode ser feito inclusive de ofício pelo Poder Judiciário. 2. Juros Remuneratórios. É nula a taxa de juros remuneratórios em percentual superior a 12% ao ano porque acarreta excessiva onerosidade ao devedor em desproporção à vantagem obtida pela instituição credora, por aplicação do art. 51, IV, do CDC. 3. Capitalização. A capitalização dos juros é vedada em contratos da espécie, por ausência de permissão legal, ainda que expressamente convencionado. 4. Índice de atualização monetária. Cabimento. Adoção do IGP-M para atualização do valor da moeda. Disposição de ofício. 5. Comissão de Permanência. É vedada a comissão de permanência por cumulada com juros remuneratórios e correção monetária. 6. Encargos Moratórios 6.1. Juros moratórios. Contemplados no contrato em 1% ao mês e mantidos, vedada a cumulação com juros remuneratórios e multa. 6.2. Multa Contratual. Contemplada no contrato à taxa de 2% e mantida. Deve incidir sobre a parcela efetivamente em atraso e não sobre a totalidade do débito. 6.3. Mora do Devedor. Por ter sido elidida a mora debendi, não há exigir os encargos moratórios. Esses são exigíveis tão-só quando constituído em mora o devedor. Disposição de ofício. 7. Compensação e/ou Repetição do Indébito. Após a compensação, e na eventualidade de sobejar saldo em seu favor do devedor, é admitida a repetição simples, afastada a previsão contida no parágrafo único do art. 42 do CDC. Disposição de ofício. 486 SÚMULAS - PRECEDENTES 8. Cláusula de Emissão de Título de Crédito. A cláusula que prevê emissão de título de crédito configura nulidade pela abusividade que ostenta ou pela excessiva outorga de poderes conferida ao credor ou pelo excesso de garantia. Disposição de ofício. 9. Tarifa de Emissão de Boleto Bancário. A emissão de qualquer carnê ou boleto para pagamento é obrigação do credor não devendo ensejar ônus algum ao devedor, já que os arts. 319 do Código Civil/2002 e art. 939 do Código Civil/1916, não trazem no seu bojo a condição de pagamento em dinheiro para ele receber o que lhe é de direito. Disposição de ofício. 10. Taxa de Abertura de Crédito. Além de atender interesse exclusivo do mutuante, essa cláusula contratual contraria o disposto no art. 46, parte final, do Código de Defesa do Consumidor, pois não fornece ao mutuário todas as informações sobre sua finalidade e alcance. Disposição de ofício. 11. Cadastro de Crédito. Inscrição Negativa. Discussão da dívida que revela probabilidade, ainda que mínima, de sucesso do devedor. Inveracidade de dados e constrangimento desnecessário vedados no CDC. 12. Protesto do Título. Na medida em que o devedor possui argumentos que fragilizam o negócio subjacente, podendo ser excluídos juros e taxas consideradas abusivas, o protesto revela-se ato temerário e que somente virá em prejuízo do devedor, sem qualquer repercussão jurídica de monta para o credor. 13. Manutenção de Posse. É de ser mantido o devedor na posse do bem alienado fiduciariamente enquanto pendente pleito revisional. 14. Autorização de Depósitos. É possível a autorização para depósito de valores que o autor entende devidos, enquanto pende de julgamento ação revisional de cláusulas contratuais. 15. Honorários Advocatícios. Redimensionados. Disposição de ofício. Apelo desprovido, com disposições de ofício. Sobreveio recurso especial da ré (fls. 137-151), fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, reclamando, em síntese: a) caracterização da mora da devedora e a conseqüente imposição de encargos moratórios; b) ofensa ao princípio da boa-fé objetiva; c) impossibilidade do julgamento de ofício; d) não limitação dos juros remuneratórios; e) possibilidade da capitalização mensal de juros; f ) validade da cobrança de comissão de permanência; g) descabimento da repetição de indébito; h) seu direito à negativação do nome da devedora; i) equívoco na manutenção da ré na posse do bem; j) validade da cambial emitida (“cláusula mandato”). A instituição financeira interpôs, igualmente, recurso extraordinário, que teve seu seguimento negado na origem ante a ausência da preliminar de repercussão geral (fls. 201-203). RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 487 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Admitido o recurso especial, os autos ascenderam a esta Egrégia Corte Superior, sendo afetado a julgamento à Segunda Seção, segundo a sistemática do art. 543-C do CPC, por despacho do Relator Ministro Ari Pargendler (fls. 224), que identificou, em processos repetidos, as seguintes questões de direito: a) juros remuneratórios; b) capitalização de juros; c) mora; d) comissão de permanência; e) inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito; f ) disposições de ofício. O feito foi redistribuído à Relatoria da Ministra Nancy Andrighi (fl. 565). 2. Voto da Min. Relatora: Em extraordinário e denso trabalho, a culta Ministra Relatora proferiu bem-fundamentado voto, estabelecendo as seguintes teses: a) Afastamento da mora quando constatada a cobrança abusiva de qualquer dos encargos da normalidade; mantida sua caracterização quando verificada a simples propositura de ação revisional ou a cobrança de encargos moratórios abusivos. b) Autorização da cobrança de juros moratórios até o limite de 1% ao mês. c) Concessão de liminar para impedir a inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes quando reunidos os seguintes requisitos: “a) houver ação fundada na existência integral ou parcial do débito; b) ficar efetivamente demonstrado que a alegação de cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF e STJ; c) for depositada a parcela incontroversa, ou prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz”. d) Não reconhecimento da abusividade das taxa de juros que não ultrapassem o dobro da taxa média de mercado, conforme apurada pelo Banco Central; e) Possibilidade de as instâncias ordinárias afastarem de ofício cláusulas abusivas, nos termos do art. 51, do CDC. Até o momento, além da Ministra Nancy Andrighi, votaram os Ministros João Otávio de Noronha e Sidnei Beneti, aquele, divergindo do entendimento da Relatora quanto ao estabelecimento de critérios fixos para a aferição de abusividade da taxa de juros remuneratórios e quanto à possibilidade de análise de ofício dos encargos contratados pelo consumidor; este, apenas quanto ao segundo ponto. 488 SÚMULAS - PRECEDENTES Tendo pedido vista dos autos na sessão do dia 8.10.2008, profiro meu voto. 3. Aspectos processuais – extensão horizontal e vertical do julgamento: 3.1. Por primeiro, cumpre bem delimitar a extensão do julgamento que ora se procede, com a nova sistemática introduzida pelo art. 543-C do CPC (Lei n. 11.672/2008), seja em relação ao processo entre as partes recorrente e recorrida, seja no tocante aos efeitos externos do acórdão, atingindo os inúmeros outros recursos com “fundamento em idêntica questão de direito”, de modo a ser afastada qualquer dúvida quanto aos efeitos do acórdão que ora se constitui, resguardando a segurança jurídica e judicial. É que a inclusão do art. 543-C no Código de Processo Civil, cujo processamento foi regulado pela Resolução n. 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça, permitirá a objetivação no julgamento dos recursos especiais, com a análise, em abstrato, de questões reiteradamente conduzidas à apreciação desta Corte, assentando seu entendimento e orientando a atuação das instâncias ordinárias. Contudo, em decorrência do potencial impacto das decisões proferidas em recurso repetitivo a milhares de relações jurídicas intersubjetivas, faz-se necessário delimitar com exatidão, em cada caso, a extensão da controvérsia sujeita à disciplina do art. 543-C, CPC, afastando as questões não conhecidas no especial e aquelas não afetadas ao exame da Seção. Esse problema foi habilmente suscitado pelo parecer ministerial, que consignou (fls. 982-983): Dito de outro modo, a principal atividade a ser desempenhada no julgamento de recursos que apresentem esses contornos peculiares relaciona-se com o fato de que o Superior Tribunal de Justiça delimite, de maneira estrita, o objeto da questão jurídica a ser debatida, até mesmo para que se procure diferenciar situações fático-jurídicas para ulteriores casos aparentemente semelhantes. Com estas considerações, almeja-se destacar que, para fins de aplicação do art. 543-C do CPC, é de grande importância operacional a definição da estrita delimitação da controvérsia no âmbito do julgamento de recurso especial, até mesmo para, após o julgamento da Corte, ser possível identificar, exatamente, quais recursos especiais “terão seguimento denegado” ou “serão novamente examinados pelo Tribunal de origem”. Como se sabe, a Lei n. 11.672/2008 não criou propriamente um requisito específico de admissibilidade do recurso especial - e nesse ponto se distancia RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 489 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA do instituto da “repercussão geral” para o recurso extraordinário (art. 102, § 3º, da CF e art. 543-A do CPC) -, mas tratou apenas do processamento a ser observado quando interposto determinado recurso especial na situação particular de ser um entre tantas causas repetitivas. Em outras palavras, valendo-me de uma estrutura pouco mais esquemática, ao examinar o recurso especial em que o relator percebe: a) multiplicidade de recursos; b) com fundamento em idêntica questão de direito, procederá: 1º) exame dos requisitos (pressupostos) genéricos do recurso nobre; 2º) exame dos requisitos (pressupostos) específicos; 3º) afetação à Seção das questões de direito que serão julgadas, de modo a se conferir ao acórdão os efeitos do art. 543-C, § 7º, CPC; 4º) expedirá ordem para suspensão de todos os demais recursos repetidos; 5º) procederá, na seqüência, conforme dispõe o art. 543-C, §§ 3º a 6º, CPC. 3.2. Parece interessante, nesse passo, estabelecer corretamente a(s) questão(ões) de direito do caso concreto ora em exame, na medida em que estas é que estão relacionadas à matéria de fundo do recurso especial, ou seja, ao mérito de questão. Esse é o elemento identificador da controvérsia, que irá determinar a existência ou não de multiplicidade de recursos acerca do tema. A ausência de qualquer dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial impõe óbice intransponível à apreciação do mérito, de maneira que, em relação aos temas não conhecidos, não se há falar nos efeitos “externos” do recurso (§ 7º do art. 543-C, CPC). Ademais, a análise dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial não é realizada em abstrato, mas singularmente, no caso concreto, contrariando a lógica de objetivação imposta pelo art. 543-C. Por oportuno, transcrevo lição de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina extraída da Revista de Processo n. 159: Assim, por exemplo, em relação ao sobrestamento de recursos extraordinários, o § 2º do art. 543-C estabelece que, decidindo o STF no sentido da inexistência de repercussão geral, os recursos cuja tramitação ficou suspensa, “considerarse-ão automaticamente não admitidos”. Vê-se que a decisão do STF tem caráter absolutamente vinculante, quanto à inadmissibilidade do recurso em razão da 490 SÚMULAS - PRECEDENTES ausência de repercussão geral. Deverá o órgão a quo, portanto, ater-se ao que tiver deliberado o STF, a respeito. O mesmo, porém, não ocorre em relação aos recursos especiais: o não conhecimento dos recursos especiais selecionados não importará, necessariamente, na inadmissibilidade dos recursos especiais sobrestados. No mesmo ponto, extrai-se das notas de rodapé: 4. A solução prevista no § 7º do art. 543-C refere-se, a nosso ver, apenas e tão-somente ao julgamento do mérito do recurso especial, e não à sua inadmissibilidade. (Wambier, Teresa Arruda Alvim e Medina, José Miguel Garcia. “Sobre o novo art. 543-C do CPC: sobrestamento de recurso especiais ‘com fundamento em idêntica questão de direito’ in “Revista de Processo. ano 33. n. 159. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 216-217). No caso em apreço, não se está conhecendo do recurso especial nos seguintes pontos: a) capitalização de juros, pois o acórdão está amparado somente em fundamento constitucional para afastá-la, escapando da competência desta Corte; b) comissão de permanência, uma vez que o recorrente não especifica qualquer dispositivo legal tido por violado ou realiza o necessário cotejo analítico com o precedente paradigma. c) manutenção de posse do devedor em relação ao bem, pois os dispositivos tidos por violados não foram apreciados pela Corte local. Aplica-se, portanto, a Súmula n. 282-STF. d) “análise da cláusula mandato”, uma vez que a matéria suscitada não foi devidamente prequestionada, esbarrando no óbice da Súmula n. 282STF. Ademais, o recorrente não empreendeu o necessário cotejo analítico dos precedentes transcritos, sendo impossível a constatação da similitude fática perante os acórdãos paradigmas. Dessa forma, essas matérias estão expressamente excluídas dos efeitos determinados pelo § 7º do art. 543-C. Bem por isso, também prejudicadas as questões de ordem suscitada pelo Ministério Público e a prejudicial alteada no voto do eminente Ministro João Otávio Noronha, no que se refere aos aspectos relativos à capitalização de juros. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 491 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3.3 Outro ponto que merece destaque diz respeito à abrangência do acórdão proferido em recursos repetitivos, especificamente, no caso vertente, no que se refere aos juros remuneratórios não pactuados. No caso em análise, houve previsão expressa da incidência de juros remuneratórios ao contrato bancário, por meio de cláusula declarada nula pelo acórdão recorrido. Por sua vez, o recurso especial da instituição bancária versa acerca da impossibilidade de limitação dos juros legalmente pactuados. Assim, para que não haja qualquer dúvida a respeito do ponto, esclareça-se que a discussão não abrange os juros não pactuados. Se, por um lado, é necessário fixar, em abstrato, a tese jurídica que orientará a atuação dos Tribunais locais quanto aos recursos sobrestados; por outro, não se pode olvidar que estamos diante de um caso concreto, que exige, nos termos da Súmula n. 456-STF e do art. 257 do RISTJ, a aplicação do direito à espécie: Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie. Dessa forma, qualquer manifestação desta Corte acerca da taxa de juros aplicável quando inexiste pactuação expressa, conquanto válida para fundamentar a decisão, não poderá integrar a tese jurídica a que se pretende atribuir efeito extensivo, nos termos do § 7º do art. 543-C. 3.4. De outra parte, deve-se tratar ainda das demais matérias constantes do recurso especial de fls. 137-151 e que não foram afetadas ao procedimento dos recursos repetitivo, no caso, a afirmada validade da cláusula mandato e a impossibilidade da manutenção da devedora na posse da motocicleta. Em tese, é competência da Turma a apreciação de pontos que não foram afetados pelo Ministro Relator, ou seja, sobre os quais não repousa multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito. Contudo, vislumbram-se as dificuldades práticas do julgamento fragmentado do recurso, com parte sendo apreciado pela Seção e o restante pela Turma originária. Por todas, acredito que o recurso deva ser julgado em sua totalidade pela Seção, nos termos do art. 34, XII, do RISTJ, porquanto não haverá prejuízo ao recorrente em ver sua controvérsia apreciada pelo colegiado maior. 492 SÚMULAS - PRECEDENTES Art. 34. São atribuições do relator: (...) XII – Propor à Seção ou à Turma seja o processo submetido à Corte Especial ou à Seção, conforme o caso. Entretanto, ainda que esta Segunda Seção decida pelo conhecimento do recurso nesses pontos, tais matérias devem ser destacadas dos efeitos do § 7º do art. 543-C, visto que não foram afetadas a julgamento conforme disciplina dos recursos repetitivos. São as seguintes as matérias que não foram conhecidas, nem afetadas e tampouco analisadas no voto da eminente Relatora: a) manutenção do devedor na posse; b) “análise da cláusula mandato”. 4. Mérito (teses consolidadas, com os efeitos do § 7º do art. 543-C, do CPC) 4.1. Caracterização da mora do devedor e cadastros de inadimplência Quanto à descaracterização da mora do devedor e a possibilidade de sua inscrição em cadastros de inadimplência acompanho o voto da Ministra Relatora, o qual traduz o entendimento precedente desta Segunda Seção (EREsp n. 163.884-RS, 2ª Seção, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. p/ Acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 23.5.2001; REsp n. 607.961-RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado de 9.3.2005; REsp n. 527.618-RS, 2ª Seção, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 22.11.2003). 4.2. Juros moratórios Em conformidade com a jurisprudência da Segunda Seção, que já decidiu que os juros moratórios podem ser pactuados até o limite de 12% ao ano, conforme previsto na Lei de Usura (REsp n. 402.483-RS, 2ª Seção, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 26.3.2003), acompanho o voto da Ministra Relatora. 4.3. Juros remuneratórios A jurisprudência desta Corte está pacificada no sentido de que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto n. 22.626/1933 (Lei de Usura), conforme o disposto na Súmula n. 596-STF. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 493 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Contudo, uma vez demonstrado que a pactuação dos juros remuneratórios é evidentemente abusiva, o Poder Judiciário tem o dever de exercer o controle da taxa contratada, como explicitado no voto da eminente Ministra Relatora. Todavia, ouso divergir em relação aos critérios para a aferição da abusividade da taxa de juros remuneratórios. No julgamento dos Embargos Declaratórios na ADI n. 2.591-1-DF, os Ministros do Supremo Tribunal Federal deram provimento, por unanimidade, aos embargos opostos pelo Procurador Geral da República para reduzir a ementa referente ao julgamento da ADIN. O Relator, Ministro Eros Grau, esclareceu o alcance da decisão prolatada em relação à taxa de juros remuneratórios: A ementa efetivamente é explícita ao afirmar que incumbe ao Conselho Monetário Nacional a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação do dinheiro na economia, providência essencial à formulação das políticas monetária e de crédito do Estado, cuja racional elaboração é essencial à efetividade da soberania nacional. Atribuir a órgãos de defesa do consumidor e/ ou mesmo ao Poder Judiciário essa definição seria insensato, colocaria em risco a continuidade da atividade estatal. Isso não significa, contudo, que o Poder Judiciário não fiscalize, que o Poder Judiciário não controle e opere a revisão, caso a caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual das taxas de juros. Isso diz a ementa. Diz que o Poder Judiciário operará o controle e a revisão, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. Estamos seguramente de acordo quanto a este ponto. Não há, nele, contradição nenhuma a ser superada, nem há omissão qualquer a ser colmatada. De resto, é inadmissível o rejulgamento da matéria nesta sede, que é isso o que se pretende mediante o oferecimento dos presentes embargos. Portanto, em face da decisão do Supremo Tribunal Federal, a qual estamos estritamente vinculados, conforme o art. 102, § 2º, da CF, a abusividade dos juros remuneratórios pactuados deve ser analisada caso a caso, não cabendo estabelecer critérios estritos de aferição. Cumpre ressaltar que o efeito vinculativo decorrente da improcedência da ADI n. 2.591-1-DF não se limita à parte dispositiva, mas se estende aos fundamentos da decisão. Corrobora esse entendimento lição do Ministro Gilmar Mendes: (...) resta evidente que o efeito vinculante da decisão não está restrito à parte dispositiva, mas abrange também os próprios fundamentos determinantes. 494 SÚMULAS - PRECEDENTES Como se vê, com o efeito vinculante pretendeu-se conferir eficácia adicional à decisão do STF, outorgando-lhe amplitude transcendente ao caso concreto. Os órgão estatais abrangidos pelo efeito vinculante devem observar, pois, não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto de pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservada ou eliminada. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.222). Logo, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça tarifar os juros remuneratórios para demonstrar sua excessividade quando o Supremo Tribunal Federal já afirmou que a questão deve ser analisada caso a caso. Acompanho o voto da Ministra Relatora quanto aos demais pontos referentes aos juros remuneratórios pactuados, quais sejam: a) não sujeição das instituições financeiras à limitação dos juros remuneratórios conforme estipulado no Decreto n. 22.626/1933; b) inexistência de abusividade pela simples estipulação de juros remuneratórios superiores à 12% ao ano; c) impossibilidade de utilização da Selic como parâmetro de limitação de juros remuneratórios. 4.4. Disposições de ofício Apesar de a relação jurídica existente entre o contratante e a instituição financeira ser disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça entende que o julgamento realizado de ofício pelo Tribunal de origem ofende o princípio tantum devolutum quantum appellatum, previsto no artigo 515 do CPC, conforme manifestado pelo Min. Cesar Asfor Rocha, em 8.6.2005, no julgamento do REsp n. 541.153-RS: “não se tratando de questões relacionadas às condições da ação, as matérias que não foram objeto da apelação não podem ser examinadas pelo Tribunal”. A questão foi reapreciada por ocasião do EREsp n. 702.524-RS, julgado em 8.3.2006, sendo assentado o entendimento acima referido por maioria de votos. Diante da modificação substancial na composição da Segunda Seção, a Ministra Relatora propõe a rediscussão da matéria para admitir a revisão RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 495 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de ofício, tendo em vista o caráter de norma de ordem pública do CDC e a disciplina do art. 51 do CDC c.c. ao art. 168, parágrafo único, do Código Civil. Embora consciente do fundamental papel do Superior Tribunal de Justiça de guardião da unidade do Direito Federal, assim também o de uniformizar a jurisprudência infraconstitucional, com as inúmeras conseqüências daí decorrentes, mas força é convir que decisões consolidadas da Corte não se constituem jurisprudência imutável do Tribunal. É bem verdade que o STJ, ao longo de sua história, consolidou-se como o Tribunal da Cidadania, com uma jurisprudência sólida que não pertence a um ou alguns Ministros, mas obra coletiva que orgulha o povo brasileiro. Contudo, malgrado a observação de que a jurisprudência firmada deve ser perene em resguardo à segurança jurídica, num ou noutro ponto, com fundamentos diferentes, é possível avançar. De modo a se tentar a evolução da jurisprudência sem o inconvenientes das “guinadas bruscas”, com seguidos avanços e retrocessos, parece que, no tema, a boa medida do equilíbrio apresenta-se, no meu modo de ver, mais acertada. Refiro-me à possibilidade de reconhecimento das disposições de ofício, quando presente a hipossuficiência do consumidor/contratante. É, na verdade, uma interpretação sistêmica e convergente dos artigos 51 e art. 4º, I, 6º, IV, e 39, IV, CDC. Anteriormente à consolidação do atual entendimento desta Segunda Seção, ambas as Turmas decidiam pela possibilidade da análise de ofício de cláusulas abusivas em contratos de consumo, conforme abaixo transcrito: Agravo regimental. Recurso especial. Capitalização mensal dos juros. Inexistência de previsão contratual. Medida Provisória n. 2.170-36/2001. Não incidência. Comissão de permanência. Limite máximo. Taxa de juros do contrato. Cláusulas abusivas. Revisão de ofício. Possibilidade. 1. A Segunda Seção desta Corte entende cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal, para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000 - data da primitiva publicação do art. 5º da MP n. 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o n. 2.170-36/2001 -, desde que pactuada, requisito in casu inexistente, obstando, pois, o seu deferimento. 2. A limitação máxima da comissão de permanência à taxa de juros remuneratórios do próprio contrato não enseja nenhuma ilegalidade ou irregularidade, estando, aliás, em consonância com o leading case sobre o assunto (REsp n. 271.214-RS), em que foi pacificada pela Segunda Seção. 496 SÚMULAS - PRECEDENTES 3. O STJ tem preconizado a possibilidade de rever, de ofício, cláusulas contratuais consideradas abusivas, para anulá-las, com base no art. 51, IV do CDC. Nesse sentido: REsp n. 248.155-SP, in DJ de 7.8.2000 e REsp n. 503.831-RS, in DJ de 5.6.2003. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 655.443-RS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 5.4.2005, DJ 2.5.2005 p. 372). Agravo regimental. Contrato de financiamento. Exame de ofício. Art. 51, IV, CDC. Comissão de permanência. Limitação ao pacto. Honorários advocatícios. Fixação do valor em fase de liquidação. Reformatio in pejus. Impossibilidade. - A jurisprudência permite afastar, de ofício, as cláusulas abusivas com base no Art. 51, IV, do CDC, questão de ordem pública. - É lícito a cobrança de comissão de permanência no período da inadimplência, desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula n. 30), nem com juros remuneratórios, calculada pela taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato (Súmulas n. 294 e n. 296). - A redistribuição da verba honorária reserva-se à liquidação da sentença, limitada a condenação ao quantum fixado pelo acórdão recorrido, em atenção ao princípio da reformatio in pejus. (AgRg no REsp n. 645.902-RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 28.9.2004, DJ 17.12.2004 p. 542, REPDJ 1º.2.2005 p. 556). Embora não se possa generalizar, o fato é que o reconhecimento da abusividade de ofício, em casos extremos, é indispensável, ou seja, quando reconhecida a hipossuficiência do consumidor. O Ministro Antônio Herman Benjamin, em seu Manual de Direito do Consumidor, explica o conceito de hipossuficiência disposto no art. 39, IV do CDC: O consumidor é, reconhecidamente, um ser vulnerável de consumo (art. 4º, I). Só que, entre todos os que são vulneráveis, há outros cuja vulnerabilidade é superior a média. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo. Em resumo: são os consumidores hipossuficientes. Protegese, com esse dispositivo, por meio de tratamento mais rígido que o padrão, o consentimento pleno e adequado do consumidor hipossuficiente. A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 497 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade -, mas nunca a todos os consumidores. A utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitam da hipossuficiência do consumidor caracteriza a abusividade da prática. A vulnerabilidade do consumidor justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno, legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio Código, como, por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII). (BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 220). Logo, em face da grande desigualdade existente entre a instituição financeira e o consumidor hipossuficiente, ou seja, o consumidor que possui uma vulnerabilidade técnica ou econômica ou jurídica, agravada em razão de suas condições pessoais, deve-se protegê-lo de maneira mais rígida e ativa. Portanto, nos casos de existência de cláusulas nulas de pleno direito, como as exemplificadas no art. 51 do CDC, e em virtude da posição de vulnerabilidade extremada do consumidor (art. 4, I; art. 6º, IV e art. 39, IV), entende-se como possível o reconhecimento das nulidades das cláusulas abusivas. Destarte, reconheço a possibilidade do juiz de dispor de ofício, quando diante de cláusulas absolutamente nulas, conforme o Código de Defesa do Consumidor, desde que o consumidor esteja comprovadamente em situação de hipossuficiência. Acompanho o voto da Ministra Relatora para manter o acórdão recorrido, embora por fundamentos diversos. 5. Manutenção de posse do bem e cláusula mandato (sem os efeitos do § 7º, 543-C, CPC) As questões referentes à manutenção da posse do bem objeto da alienação fiduciária (fl. 147) e da cláusula mandato (fl. 148), conforme anteriormente explicitado, carecem dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial, não devendo ser conhecidas. 6. Parte Dispositiva Ante o exposto, acompanho parcialmente o voto da eminente Ministra Relatora, divergindo em relação aos seguintes pontos: 498 SÚMULAS - PRECEDENTES a) em preliminar, não conheço do recurso especial em relação à capitalização de juros e à comissão de permanência, restando as referidas matérias afastadas dos efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC; b) deixo de apreciar a questão relativa aos juros remuneratórios não pactuados, tendo em vista que a matéria não integra os limites da lide, estando excluída igualmente dos efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC; c) não conheço, igualmente, dos pontos relativos à manutenção da posse do devedor em relação ao bem e à alegada validade da cláusula mandato, esclarecendo que, ainda que fossem apreciadas por esta Corte, tais matérias restariam excluídas dos efeitos dos recursos repetitivos, uma vez que não foram afetadas ao procedimento do art. 543-C do CPC. d) reconheço a legalidade da fixação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, mas divirjo quanto aos critérios de fixação da abusividade de tal encargo, que deve ser analisada caso a caso; e) mantenho o acórdão no tocante às disposições de ofício, desde que reconhecida expressamente a hipossuficiência do consumidor/contratante. É como voto. VOTO-PRELIMINAR O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região): Sr. Presidente, peço as mais respeitosas vênias àquilo que designarei de divergência, porque, na realidade, estão surgindo questões novas, como é esse problema do conhecimento pela alínea c. Renovo as respeitosas vênias, desculpem-me a redundância, mas tenho a impressão de que o mais importante é discutir a matéria de fundo. Pelo que ouvi da eminente Ministra Relatora - farei as anotações -, S. Exa. não se retratou, mas trouxe uma nova ótica, uma nova visão sobre o ponto e está conhecendo do recurso também pela alínea c. Não vejo nenhum perigo em avançarmos e discutirmos o que seria, pedindo empréstimo à expressão do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, a matéria de fundo. Conheço do recurso especial pela alínea c, reservando-me, obviamente, quando em tempo oportuno, a discutir o mérito. RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 499 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO-MÉRITO O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região): Sr. Presidente, como a Sra. Ministra Relatora teve o cuidado de mandar farto material, não só cópia dos votos, como uma síntese didática de todo seu estudo neste processo, lembrei-me do poeta Manuel Bandeira, que, diante do verso “Tu pisavas nos astros, distraída”, dizia que se ralava de inveja de não ser o autor daqueles versos. Que magistrado não gostaria de poder proferir o voto que proferiu a eminente Ministra Fátima Nancy Andrighi, borbulhando a magistratura brasileira? É um trabalho de escafandro em matéria com tanta complexidade, em que S. Exa. teve o cuidado, inclusive, de fazer, quando diante de tão claro relato, um resumo das soluções para o caso concreto e um resumo das soluções para as teses repetitivas. Evidentemente que os elogios não ficam só a ela. Eu, particularmente, adoraria ter os conhecimentos de Direito Bancário, entre outros, que tem o Sr. Ministro João Otávio de Noronha, com segurança, com firmeza, com vivência, com saber teórico e com saber de experiência feita. Quem não gostaria de proferir um voto-vista como este que acaba de proferir o eminente Ministro Luís Felipe Salomão? Mas todos nós fomos nos debruçar, porque recebemos esse farto material: memoriais, adendos, aditivos e cópias de votos. Aqui, renovo os elogios desnecessários, que nada acrescentam aos méritos da eminente Relatora, mas o cuidado que ela teve de nos mandar e de discutir muitos pontos. Permito-me pedir respeitosas vênias à eminente Ministra Relatora em um ponto que tenho dificuldade de transpor. S. Exª, com a objetividade de sempre, lembra, com relação à revisão de ofício das chamadas cláusulas abusivas, que é a única remanescente que participou do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 702.524-RS. O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região): Já na sessão anterior, quando a matéria foi aventada, tive o cuidado de colher tudo o que havia a respeito, e, agora, acrescento, inclusive, um outro EREsp da lavra do não menos eminente Ministro Fernando Gonçalves. Louvo, mais uma vez, S. Exª, porque, se o ser humano não ousasse, não teria inventado a roda, domesticado o fogo e conquistado o espaço. É da 500 SÚMULAS - PRECEDENTES essência do ser humano estar em mutação. Aliás, Toynbee dizia que só os desafios constroem a história. A história é feita por desafios. Aqui me permitirei, e o farei com todo o cuidado, inclusive prestando modestíssima homenagem à Professora Cláudia Lima Marques, que tanto admiro e no que não sou original, porque todos a admiramos, e também ao grande Mestre que esteve nesta Seção por muito tempo, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que escreveram, entre outros, sobre cláusulas abusivas. Eu mesmo rabisquei algumas coisas sobre esse assunto, louvando-me em trabalhos de S. Exas. Confesso, no entanto, que tenho enorme dificuldade em transpor esse fato, porque, mesmo sabendo que estamos vivendo uma era de desconstrutivismo, portanto, derrubando cânones, vivendo a era dos direitos de terceira geração, dos direitos de solidariedade, já não podemos afirmar com tanta tranqüilidade, por exemplo, que o contrato faz lei entre as partes. Hoje, é preciso ter coragem de justificar isso com tanta tranqüilidade. A revolução no Direito das Obrigações, que foi a maior revolução desde o Código de Napoleão, que é o Direito do Consumidor. Não gosto da expressão “Direito Consumerista”, desses neologismos, porém, não vamos brigar por palavras, fazer moinhos de ventos particulares para, quixotescamente, brigar mais. Porém, tenho dificuldade. Como fica o problema do pedido? Aquilo que está no Código de Processo Civil? Como fica o princípio do tantum devolutum quantum apellatum? São também outros cânones. E o Direito Pretoriano, que também faz Direito. O Direito Pretoriano, que tanto fascínio imprimiu a Savigny – aliás, ele dizia que as duas grandes construções, todos sabem, não legislativas, eram o Direito Pretoriano, Romano e a Common Law, que não são construções legislativas. O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região): Então, confesso que não vejo por que mudarmos uma posição que está sedimentada na Seção. E, agora, vejo que não só S. Exª participou, mas também o Sr. Ministro Fernando Gonçalves. Tenho cópia das ementas dos acórdãos dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 702.524-RS, que está expressamente citado no voto de S. Exª Tenho aqui cópia do acórdão do Recurso Especial n. 541.153-RS e um outro mais recente - estou enfatizando isso porque o eminente Ministro Luis Felipe Salomão citou um precedente que está aqui e o eminente Ministro Fernando Gonçalves teria votado em outro sentido. Mas esse aqui é recentíssimo: RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 501 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Viola o princípio do tantum devolutum quantum apellatum o deferimento de repetição de indébito, em face do reconhecimento de abusividade no contrato de financiamento bancário, sem que a parte interessada tenha manejado o competente recurso de apelação. O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região): Agradeço a V. Exª pelo esclarecimento e me penitencio, mas isso em nada altera a minha postura; não por teimosia, mas por convicção. Esse é o único ponto. Eu me permitiria, em atenção ao voto do eminente Ministro Luis Felipe Salomão, dizer que a questão da capitalização dos juros com relação às soluções para o caso concreto, do resumo didático que S. Exª, a eminente Ministra Relatora, teve a bondade de nos fazer chegar às mãos, está no item III: Não conhecido; ausência de pactuação; aplicação das Súmulas n. 5 e n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. S. Exª, com relação ao resumo das soluções para as teses repetitivas, também enfrenta, mantendo a jurisprudência atual: Nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional após 31 de março de 2000 admite-se a capitalização mensal de juros, desde que pactuados. Com essas considerações - e meu voto é bem aquém de todos tão brilhantes aqui, proferidos -, não vejo como deixar de acompanhar a eminente Ministra Relatora, que conhece parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dá-lhe provimento, salvo no ponto da revisão, de ofício, pelas instâncias ordinárias, das chamadas cláusulas abusivas, que são essas novas conquistas desses novos bemvindos direitos. Sr. Presidente, V. Exa. não precisa de elogio algum, mas quero, também, me permitir um registro da serenidade oriental, da paciência quase monástica com que V. Exa. está presidindo - nada surpreendente -, tão bem e de forma tão objetiva, separando um processo tão complexo, em que temos questões de ordem geral e questões de ordem específicas. Renovo, mais uma vez, as homenagens à minha Mestra Cláudia de Lima Marques. Enfatizo isso, porque recorro aos seus ensinamentos. Dirá S. Exa. que concordo com ela nos artigos, porém, no momento que seria mais preciso, mais pragmático, não voto com ela. 502 SÚMULAS - PRECEDENTES O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região): Sr. Presidente, permita-me corrigir essa parte em que votei “a vôo de pássaro”. Não estou acompanhando quanto ao dobro das taxas. O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias ( Juiz convocado do TRF 1ª Região): Tenho nota aqui que isso já estaria resolvido, mas se não está – e, vejo que não foi apenas eu que pensei assim, o Sr. Ministro Beneti também –, salvo se a eminente Relatora vier a alterar essa questão do dobro, não haveria divergência alguma. Mas, também com relação ao dobro dos juros remuneratórios. VOTO O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Sr. Presidente, não tenho a verve, a eloqüência, nem a criatividade do Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias. Sou mais objetivo. Gostaria de estabelecer o que se está votando em termos de recurso repetitivo. A meu ver, a mora do devedor e o cadastro de inadimplência seriam os primeiros temas. No caso, estou acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora no que diz respeito à possibilidade de inscrição do devedor remisso no cadastro de inadimplência, naquelas condições já estabelecidas no leading case, que é o Recurso Especial n. 527.618-RS, do qual foi Relator o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. A segunda tese diz respeito aos juros moratórios, que podem ser pactuados até o limite de 1% ao mês. Se eu estiver enganado, corrijam-me, por favor. A questão dos juros remuneratórios, a fixação é de acordo com a taxa média de mercado estabelecida pelo Banco Central, tendo como limite o que foi pactuado, quer dizer, o contrato. VOTO O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Acompanho. E a última é a questão da revisão de ofício das cláusulas chamadas abusivas. Efetivamente - e o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão cita um julgado meu, de 2005 -, na minha anterior investidura na Quarta Turma, em que acompanhei aquele entendimento, mas, agora, recobrando a razão, retifico a posição anterior, RSSTJ, a. 7, (34): 395-504, abril 2013 503 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA não permitindo a revisão de ofício, mesmo porque não entendo o conceito de hipossuficiente; é um conceito fugidio, que, em qualquer figurino, se encaixa. O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias citou um voto que proferi no ano de 2007, no qual afirmo que: Viola o princípio do tantum devolutum quantum apelatum o deferimento de repetição de indébito, em face do reconhecimento de abusividade no contrato de financiamento bancário, sem que a parte interessada tenha manejado o competente recurso de apelação. Esse foi o entendimento tirado da jurisprudência da Segunda Seção. Portanto, meu voto é nesse sentido. 504