A internacionalização da língua
portuguesa: os leitores
enquanto agentes de uma
política cultural e linguística
Luís Baptista
e
Ana Patrícia Pereira
Fórum Sociológico
FCSH/UNL
A política de internacionalização da língua e cultura
portuguesas em universidades estrangeiras
iniciou-se na distante década de 20 do passado
século – com a criação dos primeiros leitorados
em França, na Alemanha, no Reino Unido e em
Itália – podendo ser já considerada uma política
de longa de duração. O primeiro leitorado, em
Rennes, foi criado em 1921, ainda durante a
Primeira República, tendo como leitor o Dr.
Sezinando Raimundo das Chagas Franco,
professor do Colégio Militar. Mas só em 1929 foi
criado o primeiro enquadramento institucional
dos leitorados: a Junta de Educação Nacional.
Instituições responsáveis pelos leitorados e
respectivas tutelas desde 1929
Anos
Instituição
Tutela
1929-1936
Junta de Educação Nacional
Ministério da Instrução Pública
/Ministério dos Negócios Estrangeiros
1936-1952
Instituto para a Alta Cultura
Ministério da Educação Nacional
1952-1976
Instituto de Alta Cultura
Ministério da Educação
1976-1979
Instituto de Cultura Portuguesa
Ministério da Educação
1979
Instituto de Cultura Portuguesa
Secretaria de Estado da Cultura
1980-1992
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (ICALP)
Ministério da Educação
1992-1994
Instituto Camões
Ministério da Educação
1994 -…
Instituto Camões
Ministério dos Negócios Estrangeiros
O Instituto Camões
• Ao Instituto Camões, criado em 1992 e sucessor do Instituto
de Língua e Cultura Portuguesa (ICALP), foram atribuídas
como competências “dar uma resposta integrada e eficaz às
exigências de defesa da língua e valorização da cultura
portuguesas, reunindo funções até então dispersas por várias
estruturas e departamentos governamentais” (Decreto-Lei
135/92 de 15 de Julho).
• A integração sua integração em 1994 no Ministério dos
Negócios Estrangeiros, da tutela do qual depende hoje
(Decreto-Lei n.º 48/94), constituiu a consagração da acção
cultural como parte integrante e inequívoca da política externa
do Estado e designa esta instituição como instrumento
privilegiado dessa política.
Evolução do número de Leitorados, Cátedras e
Universidades Apoiadas desde 1930 até 2006/07
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
20
06
20
05
20
04
19
94
19
92
19
89
19
88
19
87
19
74
19
70
19
65
19
60
19
55
19
50
19
46
19
37
19
30
0
A Evolução do número de leitorados
•
Entre 1931 e 1952, podemos dizer que os leitorados existentes se concentram
exclusivamente na Europa e que, mercê da Segunda Guerra Mundial, o número de
leitorados diminuiu em todos os países – desaparecendo mesmo os que se situavam
na Alemanha – excepto em Espanha, que graças à aproximação dos regimes
autoritários português e espanhol, ganha nesta época um protagonismo assinalável.
•
No final dos anos 80 o numero de leitorados aumentou consideravelmente, oque
supomos dever-se, entre outros factores, à criação de postos nos recém criados
Países de Língua Oficial Portuguesa (a partir de 1987); pela primeira vez, o número
de instituições apoiadas ultrapassa a centena.
•
Em 1994, podemos observar a continuação do aumento do número de leitorados na
Alemanha, em Espanha, em França, na Grã Bretanha e na Itália, a criação de novos
postos, por exemplo no México, no Brasil ou no Congo. Confirma-se assim por um
lado a tendência predominantemente eurocêntrica e o investimento nos PALOP e
por outro a continuação daquilo a que Marques Guedes chamou “trivialização
política” das políticas culturais e linguísticas. Uma das questões a sublinhar neste
ponto é a complexificação da rede de docência neste período.
•
A subida significativa de instituições apoiadas que observamos entre 2005 e 2006
explica-se em grande parte através da presença portuguesa em 6 novos países
(Eslovénia, Etiópia, Grécia, Moldávia, Nigéria e Uruguai) e do reforço desta
presença em países como os Estados Unidos (8 novas instituições), Espanha (8),
Itália (4) e França (3).
Leitorados em 2004/2005 e 2006/2007
Zimbabwe
Viet name
Venezuela
Uruguai
Ucrânia
T urquia
T unísia
T imor Lest e
T ailândia
Suécia
Sérvia e
Senegal
São T omé
Rússia
Roménia
Républica Checa
P olónia
Noruega
Nigéria
Namíbia
Moldávia
Moçambique
México
Marrocos
Malásia
It ália
Israel
Irlanda
Indonésia
Índia
Hungria
Holanda
Guiné-Bissau
Grécia
Grã-Bret anha
França
Finlândia
EUA
Et iópia
Est ónia
Espanha
Eslovénia
Eslováquia
Croácia
Cost a do
Coreia do Sul
Chile
China
Canadá
Cabo-Verde
Bulgária
Brasil
Bélgica
Áust ria
Argent ina
Angola
Alemanha
África do Sul
0
2
4
6
8
10
T ot al em 2004: 152
2004
12
14
16
T ot al em 2006: 205
2006
18
20
22
A actualidade
•
o Instituto Camões é actualmente a instituição responsável pela gestão dos leitorados, assim
como pela divulgação internacional da língua e cultura portuguesas (com excepção dos países
da região Ásia-Pacífico onde esta acção é levada a cabo conjuntamente pelo Instituto Camões
e pelo Instituto Português do Oriente).
•
Esta instituição tem vindo a diversificar o modelo de acção que herdou, nomeadamente no
que diz respeito às formas de apoiar a internacionalização do ensino da língua portuguesa. Os
leitorados deixaram de ser as únicas componentes daquilo que se convencionou designar Rede
de Docência, que congrega ainda cátedras, universidades apoiadas (com professores ou apoios
de outro tipo), aulas de língua portuguesa em instituições de natureza não universitária, tais
como alguns Centros Culturais do Instituto Camões, o Parlamento de Timor Lorosae, ou ainda
os projectos de ensino de língua a professores no activo nos PALOP.
•
No que diz respeito à internacionalização da cultura, os leitorados e os Centros de Língua têm
vindo a assumir oficialmente funções de divulgação cultural, para além de linguística. Os
Centros Culturais, cuja criação se iniciou em 1993, são outro tipo de instrumentos de
divulgação cultural, que implica um maior investimento mas que tem a vantagem de potenciar
a divulgação da língua e da cultura fora do espaço académico, o que nesta fase da história
internacional é crucial. Actualmente existem 20 equipamentos deste tipo em todo o mundo.
•
A Europa é o continente onde existe maior representação portuguesa neste âmbito, seguida da
África (sobretudo nos PALOP), da Ásia (área de actuação do IPOR), e por fim a América.
Notamos também que os países com maior presença de leitorados e instituições apoiadas se
encontram na Europa Ocidental e que é também aí que a diversidade de situações é maior. Em
2004, como nos anos 90, a França, embora diminuindo o número de leitorados, continua a ser
o país onde esta presença é mais sentida, seguida da Itália.
Os leitores de língua e cultura portuguesa
enquanto agentes de internacionalização da
Língua e da Cultura Portuguesas
• Constante substituição
• Itinerância laboral
• Itinerância geográfica
• Multifuncionalidade: docência, mediação e
divulgação cultural
Funções dos leitores
•
•
•
•
Um dos efeitos da diversificação do modelo de internacionalização da língua e da
cultura portuguesas é a variedade de proveniências, situações laborais e estatutos
dos professores que integram esta rede.
Hoje em dia, nem todos os professores que integram a rede se deslocam de Portugal
e a sua contratação, pagamento e acompanhamento pedagógico já não são da
exclusiva responsabilidade do Instituto Camões. Para além disso, os estatutos dos
professores que colaboram com a instituição vão do Bolseiro Fernão Mendes Pinto
ao Professor Catedrático.
As funções dos leitores não se limitam ao ensino da língua portuguesa em
instituições universitárias. Segundo a lei orgânica do Instituto Camões actualmente
em vigor, estes devem ter, “para além das funções docentes, funções de difusão e
promoção cultural em coordenação com os Centros Culturais e as representações
diplomáticas” (Lei Orgânica do Instituto Camões - Decreto-Lei n.º 170/97 de 5 de
Julho, Artigo 20º ).
Há pois dois planos complementares em que temos de situar o papel dos leitores. É
que a actividade docente é sempre uma mediação que envolve domínios de
conhecimentos a transmitir, e nessa medida, o leitor-professor de língua estrangeira
é um mediador cultural transmissor de especificidades culturais, inscritas no meio
de comunicação que exercita: a língua (Moniz, 2002: 30-51). Mas é também um
professor de língua e cultura que vê o peso das suas funções de mediação cultural
exponencialmente aumentado, dada a sua condição de autóctone de uma das
sociedades da língua estudada.
Itinerância
Pelas características que assume o desempenho do papel de leitor, a itinerância é um
dos efeitos principais nas suas trajectórias. Falamos de itinerância numa dupla
dimensão: geográfica e laboral.
•
A ‘itinerância laboral’ prende-se com as funções que podem ser assumidas pelos
leitores, em conjunto com as funções lectivas, e que variam consoante os contextos
de desempenho da actividade.
•
A ‘itinerância geográfica’, os seus aspectos positivos e negativos, tem bastante
relevância nas vidas destes professores. A necessidade de viver no estrangeiro é
apontada por alguns leitores como factor de instabilidade para a vida afectiva, pois
deixam as famílias em Portugal; económica, pois muitos têm de manter duas casas
e fazer inúmeras viagens; e ainda profissional, acontecendo que alguns dos
entrevistados apontam a não permanência nos postos de trabalho como factor
negativo para a realização de um bom trabalho no leitorado em que se encontram.
Mas por outro lado a itinerância é também apontada como motivação para o
investimento na experiência de leitorado, pois permite conhecer países, pessoas,
modos de vida e formas de trabalhar diferentes, permitindo, no fundo, uma maior
realização pessoal.
Algumas dimensões de análise das
trajectórias dos leitores
• Formação
• Motivações
• Experiências Profissionais
• Representações sobre o sentido da função de
leitor
Formação
• Os leitores entrevistados são, na sua maioria,
indivíduos licenciados na área das línguas
(românicas, germânicas, línguas e literaturas
modernas, estudos portugueses, estudos clássicos).
Notamos ainda que existe nesta população uma
tendência para a continuação de estudos e
especialização académica.
• No que diz respeito a outras formações, consideradas
relevantes pelos próprios para o exercício da função
de leitor nas suas diversas vertentes, sabemos que
desde 1986, o ICALP, e posteriormente o Instituto
Camões, têm vindo a organizar anualmente cursos de
preparação – obrigatórios - para os futuros leitores.
Motivações
• No que diz respeito às motivações para
ser leitor, a que se revelou mais forte,
combinando os antigos leitores com os
actuais, é o desejo de viver num país
estrangeiro, de conhecer novas pessoas e
uma nova cultura, ter uma nova vida quer
pessoal, quer profissional.
Experiências Profissionais
A diversidade encontrada nesta dimensão é menor do
que esperado, sendo o ensino de línguas, nos níveis
básico, secundário e menos frequentemente superior,
indiscutivelmente a actividade mais exercida.
A investigação e experiência em organização de eventos
culturais, na maioria das vezes em acumulação com o
ensino foram outra actividades referidas pelos antigos
leitores. No segundo caso, a ligação à área cultural e à
mediação é anterior à missão de leitorado, o que pode
indicar uma predisposição do professor para as
funções que virá mais tarde a desempenhar enquanto
leitor.
Representações sobre o sentido da
função de leitor
Se sintetizarmos as representações que transparecem, nas nossas
entrevistas, relativamente ao sentido que assume a função de
leitor enquanto professor e agente cultural, vemos que estas se
dividem em três categorias distintas, ligadas a três tipos de
práticas no trabalho.
• A primeira categoria está ligada às práticas de sociabilidade do
leitor no exercício das suas funções.
• A segunda categoria está associada a práticas de representação,
neste caso os leitores caracterizam-se como embaixadores,
representantes de Portugal e da cultura portuguesa,
missionários, elos de ligação entre culturas ou defensores da
língua e da cultura
• A terceira categoria decorre de representações que associam as
características pessoais do leitor ao exercício das suas funções,
dando a entender que o leitor deve ter “vocação” e não apenas
competência.
Representações sobre o sentido da
função de leitor
Nos questionários tentámos igualmente esclarecer o que
os nossos interlocutores consideram ser a função do
leitor em universidades estrangeiras. Grande parte das
respostas podem ser agrupadas nas seguintes
categorias:
• Dinamizador cultural
• Agente de divulgação da língua e cultura portuguesas
• Embaixador cultural, representante de Portugal, da
sua língua, cultura e seus interesses
Antigos leitores
Se há algo específico na nossa análise da população de antigos
leitores, é o facto de os relatos das suas experiências nos
permitirem reconstituir trajectórias que englobam o antes, o
durante e o depois, do leitorado.
Três trajectórias-tipo
• Saída
• Transição
• Digressão
Leitores Actuais
• Se há algo específico em relação aos leitores
actuais, podemos dizer que é o facto de serem
cada vez mais agentes multifuncionais.
• Uma outra especificidade é a sua situação face
ao mercado de trabalho actual. Os vínculos
laborais dos leitores podem ser de dois tipos:
para os que fazem parte dos quadros da função
pública – a requisição; para os que não fazem
parte desses quadros – o contrato.
Situação laboral dos leitores entrevistados e
inquiridos
Nº de indivíduos
Intervalos temporais
(ano da primeira missão)
Total
Contratados
Requisitados
1966 - 1975
6
5
1
1976 - 1995
22
-
22
1996 - 2006
31
26
5
O Quadro que vemos no slide foi construído com dados
recolhidos através das entrevistas e dos questionários e mostranos o tipo de vínculo laboral dos nossos informantes segundo
o ano em que realizaram a sua primeira – e para muitos única –
missão de leitorado. Vemos que num primeiro período, que vai
de 1966 a 1975, a maioria dos nossos informantes era
contratada. Sobretudo a partir da década de 80 passou a ser
dada preferência ao segundo tipo de vínculo laboral: a
requisição, sobretudo de professores do ensino preparatório
secundário e superior. O Quadro ilustra justamente essa
situação, todos os informantes que tiveram a sua primeira
missão entre 1975 e 1995 encontravam-se na situação de
requisitados. Já a maioria dos indivíduos cuja primeira missão
foi realizada no terceiro período contemplado (1996-2006) era,
ou é ainda, contratada pelo Instituto Camões.
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