1 UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - FHS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ELIZETE MARIA BARBOSA CARDOZO ERLANE DE JESUS COSTA STEPHANIE PIRES PIMENTA UMA ANÁLISE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE GONZAGA APÓS A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SUAS GOVERNADOR VALADARES – MG DEZEMBRO – 2009 2 ELIZETE MARIA BARBOSA CARDOZO ERLANE DE JESUS COSTA STEPHANIE PIRES PIMENTA UMA ANÁLISE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE GONZAGA APÓS A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SUAS Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Ronan Cezar Godoy da Costa. GOVERNADOR VALADARES – MG DEZEMBRO – 2009 3 ELIZETE MARIA BARBOSA CARDOZO ERLANE DE JESUS COSTA STEPHANIE PIRES PIMENTA UMA ANÁLISE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE GONZAGA APÓS A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SUAS Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social, apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares,______de_________________de________. Banca Examinadora: Prof.: Ana Maria Eler Mariano Prof.: Jakeline Gonçalves Bonifácio 4 “Contra as injustiças contra as desigualdades, contra esta câmara de horrores chamada história, o homem continua a sonhar, a provar que está vivo, a desafiar permanentemente aqueles que tentam cerca-lhe o sonho e a dignidade e a mostrar que há um outro lado. Esta é a nossa missão. A visão de uma sociedade mais justa e igual não pode e deve começar aqui e agora na nossa prática diária. Não apenas na prática política. Isso significa lutar pelo início da utopia concreta em que cada pessoa é artífice do seu destino e revoluciona sua própria vida cotidiana para construir um mundo solidário, fraterno e justo que nós buscaremos. ” Marlava Jovchelovich 5 AGRADECIMENTO “A Deus, pelas muitas bênçãos a mim concedidas, aos meus pais, pelo desprendimento e apoio incondicional, ao meu marido, pelo carinho e companheirismo, à minha família, aos meus amigos e a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para essa conquista: minha eterna gratidão”. Elizete Maria Barbosa Cardozo. 6 AGRADECIMENTO “Quero deixar aqui registrado o meu profundo agradecimento a todos que me deram base de sustentação para enfrentar os desafios, com garra e determinação dando sempre o melhor de mim em todos os momentos. Em primeiro lugar não poderia deixar de colocar a Deus que é a base de minha vida em quem confio todos os meus dias. Muito obrigada Senhor pelo seu imenso amor e seu cuidado para comigo! Agradeço toda minha família, aos meus pais Davino e Edvirges que me deram total apoio em todos os momentos de minha vida e a quem eu dedico essa vitória. A minha irmã Marcilene quem eu amo demais. Principalmente o meu irmão Marcio por ter me proporcionado esse estudo, essa vitória e que mesmo de longe sempre torce por mim, sinto muitas saudades de você. Também não poderia deixar de agradecer aos meus colegas de trabalho que sempre me apoiaram, principalmente, meus amigos Ângela e Jânio, Agradeço também aos meus amigos, em especial, DEYSE, WALERIA, Poli que sempre me ajudou na hora que mais precisei. Agradecimento especial aos meus colegas de transportes, que entre idas e vindas sempre me ouviram e torceram por mim, ao Wilson que sempre segurou nossas barra . Aos meus colegas de sala de aula pelos momentos agradáveis que pude passar ao lado deles, principalmente Alice. E minha profunda gratidão a todos do meu campo de estágio, em especial, a Kátia a qual me ensinou muito. Aos professores que de forma direta ou indireta contribuíram para o andamento da minha formação. No mais, obrigada a todos que torceram por mim”. Erlane de Jesus Costa 7 AGRADECIMENTO “Agradeço a Deus, pela presença constante em minha vida e por jamais ter me permitido desistir. Mesmo quando o desânimo, a dificuldade e a tristeza falavam mais alto, Ele estava ali, me sustentando e de alguma forma me dizendo que esta jornada chegaria ao fim. Agradeço a Ele por ter me concedido em forma de presente a mulher mais guerreira, meu exemplo de vida, meu amor maior. A você minha mãe, dedico esta vitória e espero que esteja ciente de que esta vitória é mais sua do que minha. Meu amor pela senhora é infinito. À Daya pelas renúncias constantes que tivera em meu favor nesta jornada. Minha irmã, a minha gratidão por você é imensa, obrigada por acreditar no meu sonho. A você, palavras são insuficientes, elas não conseguiriam agradecer o seu gesto. A todos os meus familiares pelo apoio, em especial à mãezinha da família Menezes, Tia Célia, pelas orações e dedicação. Às colegas Elizete e Néia pela cumplicidade e ajuda mútua. Ao colegas de Van, “os bestas”, pelos momentos de descontração e, em especial, ao amigo Wilson pela amizade recíproca. Os meus agradecimentos sinceros a todas as amigas de Gonzaga, não podendo jamais deixar de expressar aqui o carinho e gratidão às amigas Mofia e Poli, por terem segurado a minha barra por diversas vezes, entre outras coisas, nos momentos em que a quebradeira era um fato. Amigas, adoro vocês. A minha eterna amiga e cunhada Doka pelos ensinamentos, carinho e diferencial de amizade. A Otaviano pelo carinho, paciência, dedicação e amor incondicional. Enfim, agradeço a todos que em mim acreditaram. E aos que não acreditaram sugiro que passem a crer, pois, este não é um final feliz, mas o começo de uma vida inteira de ações, trabalho e realizações” Stephanie Pires Pimenta. 8 RESUMO O presente trabalho aborda discussões sobre a Política de Assistência Social a partir da Constituição Federal de 1988 e pretende apontar o desenvolvimento da Assistência, levando em consideração seus avanços e seus entraves. Intenta também mostrar como foi construída a Política de Assistência Social no Município de Gonzaga, com seus desdobramentos até a atualidade e como o Neoliberalismo tem rebatimento na mesma. Seu foco principal é analisar a Assistência Social em Gonzaga após a implantação do Sistema Único de Assistência Social, como ocorreu esse processo e quais os seus limites e avanços enquanto sistema de proteção social básica. Palavras-Chave: Política de Assistência Social. Neoliberalismo. Sistema Único de Assistência Social. Centro de Referência da Assistência Social – Gonzaga. 9 ABSTRACT This paper reports discussions on Social Policy from the Constitution of 1988 and is intended to show the development of assistance, taking into account its progress and its obstacles. It also intends to show how it was built Social Assistance Policy in the Municipality of Gonzaga, with its extensions to the present and how Neoliberalism has bounce in it. Its main focus is to analyze the Social Services in Gonzaga after deployment of the Unified Social Welfare, as this process occurs and what are its limitations and advances as a system of basic social protection. Key-words: Social Assistance Policy. Neoliberalism. Single System of Social Assistance. Reference Center for Social Services - Gonzaga. 10 LISTA DE SIGLAS BNH – Banco Nacional de Habitação BPC – Benefício de Prestação Continuada CBIA – Centro Brasileiro para Infância e Adolescência CF/88 – Constituição Federal de 1988 CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CRAS – Centro de Referência da Assistência Social FHC – Fernando Henrique Cardoso FMAS – Fundo Municipal de Assistência Social FNAS – Fundo Nacional de Assistência Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IGD – Índice de Gestão Descentralizada LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social LOS – Lei Orgânica da Saúde MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização NOB – Norma Operacional Básica PAIF – Programa de Atenção Integral à Família PBF – Programa Bolsa Família PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNAS – Política Nacional de Assistência Social SEDESE – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social 11 SMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social SUAS – Sistema Único de Assistência Social UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce 12 SUMÁRIO Introdução...................................................................................................................13 1 - Resgate histórico da Política de Assistência Social..............................................14 1.1 A Assistência Social antes da Constituição Federal de 1988 ......................................................................................................................... .....15 1.2 - A Assistência Social Pós-Constituição Federal 1988 ........................................18 1.3 - Políticade Assistência Social x Neoliberalismo .................................................23 2 - Sistema Único de Assistência Social – SUAS .....................................................30 2.1 - A implantação do Sistema Único de Assistência Social – Aspectos políticos, sociais e avanços obtidos...........................................................................................31 2.2 - A estruturação do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS..........................................................................................................................36 3 - A implementação do Sistema Único de Assistência Social em Gonzaga: avanços e desafios...................................................................................................................38 3.1 - Município de Gonzaga: história e aspectos sócio-econômicos.........................38 3.2 - A estruturação do Sistema Único de Assistência Social no Município de Gonzaga.....................................................................................................................40 4 - Considerações finais.............................................................................................47 Referências ............................................................................................................. 49 Anexos ......................................................................................................................54 13 INTRODUÇÃO O estudo que ora apresentamos, é fruto de nossas vivências nos campos de estágio, a partir da nossa inserção na Assistência Social e dos debates desenvolvidos na academia. Assim, observamos a importância de analisar a política de Assistência a partir da implantação do Sistema Único de Assistência Social SUAS, e, especialmente do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS no Município de Gonzaga. É válido ressaltar que as alunas Erlane de Jesus Costa e Stephanie Pires Pimenta estão inseridas, enquanto estagiárias, na política de Assistência Social do referido Município. Tal fato nos permitiu um acúmulo e aprofundamento de conhecimento crítico e leituras para a escolha do respectivo tema monográfico, com a finalidade de identificar e analisar quais os avanços e os limites da implantação do SUAS e do CRAS em Gonzaga/MG. Para tanto, analisaremos a trajetória histórica da Política de Assistência Social a partir da Constituição Federal de 1988, responsável por inserir a Assistência no campo do direito, passando também pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, e, pelo Neoliberalismo e a forma pela qual este rebate nesta política. Logo após, discutiremos o processo de implantação do Sistema Único de Assistência Social - SUAS e do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS em nível nacional, enquanto articulador da proteção social básica. Por fim, iremos contextualizar o Município de Gonzaga, abrangendo a trajetória da Assistência Social até a implantação do CRAS. Esta pesquisa contribuirá para que os interessados no assunto tenham acesso a este trabalho como ferramenta para posteriores estudos e, quem sabe, implementação de ações interventivas nas problemáticas apontadas. Contudo, cabe destacar que a coleta de informações tornou-se muito difícil, tanto a análise documental quanto a entrevista a partir de questionários semi-estruturados, devido à desinformação que abarca os trabalhadores e gestores da Assistência Social no Município. 14 CAPÍTULO I RESGATE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL A Assistência Social deve ser compreendida em suas várias determinantes, analisando-se toda a sua trajetória. Enfim, deve-se rever tudo o que contribuiu para que a perspectiva do direito se efetivasse no sentido de atender aos cidadãos que dela necessitam provendo os mínimos sociais, conforme especifica normativas pertinentes atuais, tais como a LOAS1 e a Política Nacional de Assistência Social aprovada no ano de 2004. Nesta perspectiva é importante destacar que a Assistência Social anteriormente era vista como benesse, filantropia, enfim, viabilizava-se através de ações de cunho assistencialista. O Estado brasileiro começa a assumir a questão social de forma mais incisiva a partir de 1930, sob o populismo de Getúlio Vargas e a nova proposta de organização econômica, através da industrialização. Todavia, não assumia qualquer responsabilidade, somente amparava aqueles setores chaves para o novo modelo econômico, atendendo categorias de trabalhadores formais, aos demais, cabia a iniciativa das entidades filantrópicas, sobretudo, aquelas ligadas a Igreja Católica. Nos termos da autora Berenice Rojas Couto, neste período de industrialização do Brasil “passaram a ser critérios de inclusão e exclusão nos benefícios sociais a posição ocupacional e o rendimento auferido” (2006: 96). Somente a partir da Constituição Federal, promulgada no ano de 1988, houve nova configuração para política de Assistência Social, pois esta passa a adquirir um caráter de política pública inserida no campo do direito, juntamente a Previdência Social e a Saúde. Posteriormente a este avanço, verificam-se outros nesta área, os quais foram de fundamental importância para que o Estado assumisse de fato este direito. 1 Lei Federal nº. 8.742, de 12 de dezembro de 1993. 15 1.1. A Assistência Social antes da Constituição Federal de 1988 A Assistência Social é uma prática antiga da humanidade, que vinculava ações de ajuda às pessoas mais fragilizadas, tais como aquelas em situação de pobreza, doentes, incapacitados para o trabalho, dentre outros. Já a partir do surgimento do sistema capitalista e a conseqüente pauperização da classe trabalhadora, o Estado passa, paulatinamente, a assumir a questão social2. No caso do Brasil, verifica-se que até 1930, isto era apenas “caso de polícia”, contudo, com a mudança do padrão social-econômico a partir do governo de Getúlio Vargas, esta situação começa a ser modificada. Foi nesse período que se aprofunda o processo de industrialização substituindo o modelo preponderantemente agrário-exportador até então existente. Com o intuito de amenizar os problemas sociais, ou mesmo, de conter conflitos na sociedade e garantir a expansão capitalista sem nenhum entrave, o Estado brasileiro passa a se preocupar com a Assistência Social àqueles que necessitam. Contudo, fica evidente que o governo populista3 de Vargas não assume de fato esta questão, mas cria mecanismos para incentivar as instituições da sociedade ligadas a esta área. Uma grande aliada nesse período foi a Igreja Católica, pois a ideologia cristã convoca a benevolência das almas caridosas como potencial de execução da caridade. O Conselho Nacional de Serviço Social, criado em 1938, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde, foi a primeira ação do Estado com relação à Assistência Social. Este órgão se apresentou como fundamental para articulação entre governo, setores da elite e instituições de caridade, promovendo a política de auxílios e subvenções às instituições que atuavam na área do atendimento aos “pobres” e “necessitados”. A Legião Brasileira de Assistência – LBA, criada em 1942, é o exemplo mais evidente da postura populista do governo Vargas, sobretudo, pelo fato de que a presidência da instituição fica a cargo da primeira dama, senhora Darcy Vargas. Aldaiza Sposati (2004:19) relata que a LBA congregava as “damas de 2 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”. (IAMAMOTO, 1983:77) 3 No termo populista, coerção combina com consenso. 16 caridade”, ou seja, era marcadamente composta por mulheres ligadas à elite brasileira ou a Igreja Católica. Para a autora, a palavra “legião” conotava “um corpo de luta em campo, ação”. Desta forma, o que se pode perceber é que a criação desses modelos de instituições traz a tona o caráter perverso e contraditório que elas possuíam. Num momento procuravam atingir a carência da população, porém e, simultaneamente, atuavam no intuito de proporcionar a reprodução da força de trabalho, com nítida preocupação com o desenvolvimento econômico do país. Seriam estratégias que investiam para que a população não se mobilizasse contra o Estado ditador e tão pouco contra o sistema capitalista. Diante do exposto, o que se pode observar é que as políticas sociais do período ditatorial de Vargas em diante tornam-se uma forte expressão do modelo repressivo, focalizado, autoritário e por demais, desigual. Em 1969, já no período de outra ditadura militar iniciada em 1964, a LBA passa a ser uma fundação e vinculase ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. A partir de então, criam-se diversos programas e projetos sobre a ótica do desenvolvimentismo e da legitimação do Estado. As ações sociais do governo eram fundamentalmente direcionadas para a melhoria da mão-de-obra, com programas de qualificação profissional, combate ao analfabetismo através do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. Fomentam-se incentivos a construção de casas populares, através do Banco Nacional de Habitação, o BNH, ações de complementação alimentar e outros. Percebe-se com esta estruturação que a Assistência começa a deixar o aspecto puramente filantrópico e passa a se constituir, junto com outros serviços, realizado por diversos setores, num rol de iniciativas com vistas ao desenvolvimento da sociedade capitalista. Contudo, percebe-se uma grande fragmentação dos programas e serviços, sendo cada um direcionado por um setor, por faixa etária, ou problema e em determinadas regiões de grande poder econômico, caracterizandose pela descontinuidade dos serviços. Para Mestriner, a criação destes organismos e a configuração dos serviços prestados “segue a lógica do retalhamento social” (2001: 170). Após o Golpe de 1964 e durante o seu tempo no direcionamento do Brasil, o Estado passou por inúmeras mudanças que visavam, sobretudo, a manutenção da ordem estabelecida e, por conseqüência, do sistema capitalista. O cerceamento das liberdades e o aumento da pauperização da classe trabalhadora aceleraram estas 17 adequações por parte do Estado, o qual se via pressionado por meio de questionamentos e debates intermediados pelo descontentamento da população devido a crise econômica. Tal crise desencadeou um forte rebaixamento no salário e também uma notória mudança ocorrida na esfera cultural e política. E é neste momento que começam a se estruturar os grandes movimentos populares, com destaque ao sindicalismo, que vão ganhando visibilidade frente aos acontecimentos decorrentes no país. A formação sócio histórica brasileira foi marcada pelo posicionamento de controle do Estado sobre a sociedade civil, porém, essa vem demonstrando uma atitude de resistência e mobilização como forma de colocar-se contra os desmandos do mesmo. O processo de redemocratização, iniciado a partir do final da década de 70, teve participação marcante dos movimentos populares. Esses lutavam por melhores condições de vida, pelo atendimento de suas necessidades básicas e exerciam grande capacidade mobilizadora enquanto forma de resistência e enfrentamento à repressão do Estado. É a partir destes acontecimentos, mais precisamente na década de 1980, que se gesta a discussão com uma nova concepção de seguridade social, numa dimensão muito mais ampla, que acabará sendo instituída na Constituição Federal de 1988. Cabe lembrar que isto sempre esteve negligenciado nas constituições brasileiras anteriores. Conforme demonstra Pereira (2006: 67), “A Assistência Social, até 1934, era exercida exclusivamente por entidades privadas (como as irmandades religiosas e as sociedades de auxílio mútuo, cujos benefícios eram proporcionais às contribuições de cada membro), e pelas Santas Casas de Misericórdia, essas sendo instituições privadas de caridade direcionadas para os pobres. A Constituição de 1934 dá o primeiro passo para a constitucionalização da Assistência Social, consagrando o amparo à maternidade e à infância como de responsabilidade do Estado, inclusive proibindo o trabalho para crianças. A Constituição de 1946 inclui os adolescentes como detentores deste direito e o amparo a famílias de prole numerosa. Em 1969, institui-se a educação dos excepcionais como obrigação do Estado. No entanto, é a Constituição de 1988 que institui a Assistência Social como uma política pública de amplo espectro e um direito de todo cidadão brasileiro, superando a perspectiva restrita de direitos que estava presente nas outras Constituições”. A classe trabalhadora, nesse momento, se organiza em sindicatos e movimentos sociais a fim de pressionar o Estado na busca de seus direitos. Assim, se configuraram as conquistas sociais, a partir da organização da sociedade. Esse movimento contribuiu substancialmente nas propostas de estruturação e na promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta, por sua vez, representou uma 18 revolução ao trazer garantias sociais ao cidadão brasileiro, pois, diferentemente das outras constituições, ela abarca uma série de direitos e proteção ao cidadão, onde se inclui a Assistência Social, juntamente com a Saúde e a Previdência, formando, dessa forma, o tripé da Seguridade Social brasileira. 1.2. A Assistência Social Pós-Constituição Federal 1988 De acordo com o Art. 6º da nova Carta Constitucional, “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Assim, a Constituição Federal de 1988 se constituiu como marco legal da Assistência Social no campo do direito. “A Assistência afirmada, sobretudo a partir da metade dos anos 80, é a Assistência como um direito social e como uma ampliação da cidadania 4” (Schons.1999:39), visando a efetivação expressa nos espaços institucionais. Desta forma o que se observa é que a política de Seguridade Social, não é mais pensada como uma prática compensatória advinda do modelo capitalista, mas sim como uma grande conquista dos trabalhadores, visando a constituição e expansão dos direitos sociais pertencentes aos mesmos. No que se refere à Seguridade Social no Brasil, vale destacar que esta compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público destinado a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social. De acordo com a Constituição Federal, a Saúde é um direito de todos e dever do Estado, independente de contribuição, devendo ser seu acesso universal e igualitário. O direito à saúde é garantido por políticas sociais e econômicas, sendo 4 Definida como o pleno pertencimento dos indivíduos a uma comunidade política por meio de um status, isto é, situação social, que garante aos indivíduos direitos e deveres, liberdades e restrições, poderes e responsabilidades. MARSHAL (1967), citado por LIMA (2002, p. 22) desenvolve uma cronologia da conquista dos direitos identificando no século XVIII a conquista dos direitos civis — direitos de primeira geração — os direitos políticos no século XIX e os direitos sociais no século XX. Os direitos sociais — direitos de segunda geração — referem-se ao direito mínimo de bem-estar econômico e de segurança, de participar da herança social e de levar a vida de um ser civilizado. Incluem os direitos econômicos ou de crédito, ao trabalho, à saúde, à educação, à aposentadoria, ao lazer, ou seja, o bem-estar social. O foco da abordagem de MARSHALL (1967) é, portanto, claramente o da cidadania como um status fundado no reconhecimento de direitos e deveres (LIMA, 2002). 19 respaldado pela Lei Orgânica da Saúde5. Deve, além disso, ter como intuito a redução de riscos de doenças e outros agravos. No caso da Previdência Social, apresenta-se o caráter contributivo e a filiação obrigatória para o caso das pessoas inseridas no mercado formal de trabalho, ou contribuintes individuais. Esta política visa a preservação do equilíbrio financeiro, tendo por finalidade assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção de suas vidas, nos casos de incapacidade para o trabalho, idade avançada, tempo de serviço prestado, desemprego involuntário, encargos de família, de reclusão ou morte para dependentes. Já a Assistência Social, em conformidade com o artigo 194 da Constituição Federal de 1988, independe de contribuição, se configurando como dever do Estado, devendo ser prestada a quem dela necessitar. A Assistência Social objetiva o desenvolvimento social e o combate à fome, a inclusão e a promoção da cidadania. Deve atender as necessidades básicas de proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, à pessoa com deficiência e ao idoso. Quanto ao financiamento da Seguridade Social, o artigo 195 da Constituição estabelece que aconteça por meio dos orçamentos dos três entes federativos, de contribuições sociais de empregadores e de trabalhadores, e sobre receitas de concursos públicos, apresentando a participação ativa da sociedade como financiadora desta política, por meio das contribuições via tributos. Percebe-se então grandes avanços no que diz respeito à Seguridade Social no Brasil e, principalmente, no que diz respeito à política de Assistência Social, a qual, a partir da regulamentação da Lei Federal nº. 8.742 de 07 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social – apresenta novos conceitos e princípios pautados no seu reconhecimento enquanto política pública, de responsabilidade do Estado e como direito do cidadão. De acordo com Carvalho (2006: 124), o termo proteção social, para esta política “é compreendido como o alcance de mínimos sociais que assegurem sentido de pertença e inclusão social”. “Seu público é constituído pelos cidadãos e grupos que estão fora dos mecanismos e sistemas de segurança social obtidos pela via do trabalho, do usufruto de serviços das políticas públicas (saúde, educação, habitação, saneamento, etc.) e da inserção em sociabilidades sócio familiar” (Carvalho, 2006: 124). 5 LOS – Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. 20 Considerando a fala da autora, compreende-se que a Assistência Social no patamar de direitos, deve possibilitar que os usuários demandantes sejam de fato contemplados com os serviços oferecidos e que, por sua vez, deverão expressar-se não como mero favor e sim como direito social. No que diz respeito aos avanços, portanto, destaca-se por romper com a cultura do favor, benesse ou filantropia que a cercava, como também com a noção de que era destinada para pobres. As ações, a partir de então, primam pela busca do protagonismo do usuário e pela plena expansão e emancipação dos sujeitos. A inscrição da Assistência Social no campo dos direito sociais, no entanto, não significa o fim de um processo, pois se verifica que sua efetivação encontra entraves devido o modelo econômico e político adotado no Brasil durante os anos de 1990. Cabe destacar que com a promulgação da LOAS têm-se uma profunda mudança na forma de organização das ações de Assistência Social, promovendo a descentralização político-administrativa das decisões, garantindo a participação da sociedade civil nos processos de gestão através do Conselhos Nacional de Assistência Social, bem como os estaduais e municipais. Estes, de composição paritária - 50% sociedade civil e 50% sociedade governamental – se configuram como mecanismos de participação da sociedade na gestão e regulação das ações públicas. Suas prerrogativas denotam a possibilidade de deliberar, normatizar, disciplinar, acompanhar, avaliar e fiscalizar, desde os recursos financeiros à qualidade dos serviços prestados. Há a exigência de uma redefinição, aperfeiçoamento e ampliação da política, pois a Constituição, ao colocar a Assistência como direito de todos que dela necessitarem, adquire um aspecto excludente. Nessa perspectiva, faz-se necessário uma busca constante de aperfeiçoamento a fim de combater as expressões da questão social que flagela tantas vidas no cenário mundial e no nacional, especificamente. Com a regulamentação da LOAS, ficou mais evidente o papel do Estado frente à Assistência Social. É sua responsabilidade prover meios para garantir mínimos sociais para todos que vierem a recorrer a tal política. Todavia, o que se deve ter em mente, é a abertura na lei para que a sociedade civil também estabeleça ações efetivas para que a concretude desta política pública. Desta forma, 21 o Artigo 1º da LOAS, vem demonstrando claramente o que acaba de ser citado acima: “Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. Desta forma, cabe ao Estado criar estratégias para efetivar essa política de seguridade social, para que a mesma possa dar conta das demandas que surgem a todo instante em nosso país. Contudo, verifica-se um grande incentivo para que a sociedade assuma os serviços públicos, através de organismos do chamado Terceiro Setor. Porém, é necessário que a participação da sociedade civil ultrapasse a mera execução de serviços e busque também soluções para que mudanças aconteçam, seja por forma de organizações, manifestações ou até mesmo via Conselhos. Em conformidade com o Artigo 3º da LOAS: “Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos”. Mesmo com o avanço que a LOAS representou, a gestão dessa política apresenta contradições e encontra-se por vezes imprecisa, seja pela falta de recursos públicos para seu financiamento, ou pelo grau de critérios estabelecidos que acabam selecionando os “mais pobres” dentre os pobres. A LOAS foi a responsável por estabelecer o sistema descentralizado nas três esferas do Governo, promovendo a possibilidade de estabelecimento das demandas a partir da realidade local, ou mesmo, criando mecanismos para se efetivar a participação da sociedade civil na elaboração e fiscalização da política de assistência social, porém isso não foi suficiente para assegurar a cobertura de toda a demanda. O artigo 2046 da Constituição Federal apresenta com destaque o modo em que a Assistência Social deve ser gerenciada e organizada, assegurando a fonte de financiamento através do orçamento da seguridade social e outras fontes, apresentando como principais diretrizes: 6 “Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes”. (EC n°42/ 2003). 22 I – descentralização político–administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como entidades beneficentes e de assistência social. II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. O artigo 204 da CF/88 tem um imenso significado para a efetivação da democracia em nosso país. Um dos paradigmas estabelecidos pela Constituição Federal e pela LOAS no âmbito da Assistência Social apresenta como ápice os princípios da descentralização e participação como sendo os eixos da implementação e a articulação de medidas, que a partir de então deverão determinar os marcos da gestão e do financiamento desta política. Porém, há que se destacar, que houve uma garantia jurídica no texto constitucional do princípio da descentralização, mas essa ainda carece de uma efetivação por meio de medidas do pacto federativo para se implementar na totalidade, sobretudo no que diz respeito às formas de financiamento. Torna-se pertinente ressaltar que, a legitimação da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS só se tornou possível depois de cinco anos após a Constituição federal de 1988, mais precisamente em dezembro de 1993. Foram várias conquistas a partir de então, tais como a extinção do Ministério do Bem EstarSocial e a Legião Brasileira de Assistência, a criação de uma Secretaria Nacional de Assistência Social e a regulamentação do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). Desta maneira, ao ser sancionada a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, a política passa a ser motivo de inúmeros debates, seja via movimentos sociais, ou até mesmo por algumas categorias que defendem a questão do direito. Esses atores se organizaram por via de conferências e seminários com intuito de garantir os direitos sociais do usuário que necessitar dos serviços propostos pela Assistência Social. Em consonância com Yazbek (2004), a LOAS estabelece uma nova matriz para a Assistência Social brasileira, iniciando um processo que tem como perspectiva torná-la visível como política pública de direito para os que dela necessitar. Inova ao propor a participação da população e o exercício do controle da sociedade na gestão e execução da política de Assistência Social. 23 Desta forma é válido ressaltar, em conformidade com a LOAS, que a Assistência Social é direito de todos e dever do Estado e tem como fundamentos a integração com outras políticas setoriais, a primazia da qualidade, a ratificação do Estado como condutor da política de Assistência, a descentralização e a abertura para a participação popular. Raichellis (1998) nos diz que a LOAS, apresenta um grande desafio na constituição da Assistência Social como espaço da esfera pública de política social baseando-se nos princípios democráticos, os quais devem estar assentados nos seguintes critérios: visibilidade, cultura pública, representação dos interesses coletivos, controle social, democratização das decisões. Enfim, no que se refere à temática que envolve a LOAS verifica-se avanços para a política de Assistência Social, mas também diversos desafios, sobretudo no que diz respeito às formas de financiamento. Cabe ao Estado a condução dessa política, porém, verifica-se que o atual modelo de gestão, baseado no neoliberalismo, implicou em repercussões negativas no que diz respeito a ações de corte social, incluindo aí a política de Assistência Social. Assim, não basta somente existir a lei e o conhecimento sobre ela, para tentar viabilizar novos caminhos para a população em situação de pobreza, a fim de tornar possível que esta realidade seja mudada. É necessário encontrar meios para que a população demandante de tais serviços preconizados pela Assistência Social, via Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS tenha seus direitos realmente efetivados. É por meio de projetos sociais sólidos e eficazes, que a Assistência Social será de fato política social com caráter de direito, pois, se tal propósito não acontecer ela estará condenada a um total fracasso. 1.3. Política de Assistência Social x Neoliberalismo Segundo Borón (1995), a crescente fragmentação do social que potencializou políticas conservadoras, foi reforçada pelo avanço tecnológico e científico e seu impacto sobre o paradigma produtivo contemporâneo. As conseqüências mais visíveis se apresentam no desemprego maciço, na extrema pobreza, no crescimento da criminalidade, dentre outros, contudo, isto, combinado com a idéia do “fim do trabalho” pode conduzir a uma hecatombe social de proporção desconhecida. Esta 24 herança neoliberal é de uma sociedade menos integrada, produto das desigualdades e fendas que se aprofundam na política econômica, acentuando valores individualistas. Constata-se que, com o advento do neoliberalismo houve um retrocesso social dramático no qual o problema revela-se no empobrecimento generalizado da população trabalhadora. Observa-se uma redução dos serviços sociais públicos e dos subsídios do consumo popular e isto contribui para a deteriorizacão da condição de vida da maioria absoluta da população. Muitos analistas consideram tal deteriorizacão social como efeito consubstancial da política neoliberal. O neoliberalismo está posto como um projeto global de organização da sociedade. A preocupação básica da teoria neoliberal é de mostrar o mercado como um mecanismo insuperável para estruturar e coordenar as decisões de produção e investimentos sociais. O neoliberalismo surge como uma reação ao Estado intervencionista e de bem-estar originado no pós-guerra de 1945. O contexto histórico em que nasce o transforma numa teoria de alcance prático universal. Seu programa de ação é fazer do mercado a única instância a partir de onde todos os problemas da humanidade podem ser solucionados. Este se centra na abertura da economia por meio da liberação financeira comercial e na eliminação de barreiras aos investimentos estrangeiros diretos no país. Nesta tendência vemos a sustentabilização da livre comercialização, que expressava a autonomia que o setor privado vem assumindo diante do público. Outra maneira de crescente expressão é a autonomia em que o setor privado vinha assumindo diante do programa de privatização desencadeado pelo Estado, ocasionando assim uma drástica redução desta economia. O projeto neoliberal pode ser visto como uma introdução ao ciclo de concentração de capital sobre o poder internacional que instiga a concentração de riqueza nas mãos de alguns e com isso ocasiona um número exorbitante de desemprego e subemprego, ou seja, promove a pauperização da classe menos favorecida. Na sociedade brasileira, a intervenção estatal foi estruturalmente incapaz de propiciar o mínimo de bem-estar material para a grande maioria da população. A descrença com o Estado interventor é alimentada por campanhas políticas 25 realizadas pela direita populista, que vêem na intervenção do Estado a raiz de todos os problemas sociais: inflação, corrupção, ineficiência, desmando, etc. A teoria neoliberal defende a idéia de que o mercado é o único meio para a obtenção da liberdade política, sendo este espaço o da realização da liberdade dos indivíduos. No cenário da política neoliberal o que está em jogo é a busca constante de produtividade e lucratividade, visando os mercados regionais, nacionais e mundiais. Constata-se o reducionismo do Estado em face da esfera de proteção social justamente num momento de crescente desemprego, ampliando a insegurança do trabalhador no que se refere aos seus direitos. O Estado ao não se responsabilizar por desenvolver programas e políticas sociais que respondam às necessidades da classe trabalhadora, submete-os a um processo de negligência, comprometendo os direitos sociais dessa classe pauperizada que perde a noção de seus reais direitos enquanto trabalhadores e cidadãos. “Esse processo, impulsionado pela tecnologia de base microeletrônica, pela informática e pela robótica, passa a requerer novas formas de estruturação dos serviços financeiros, inovações comerciais, o que vem gerando e aprofundando uma enorme desigualdade do desenvolvimento entre as regiões, setores, etc., além de modificar substancialmente as condições de espaços e tempo”. (Iamamoto 2006:31) Para Draibe (1993), o neoliberalismo tem provocado mudanças profundas na sociedade, dentre as quais se encontra o papel do Estado frente ao campo social. Os direitos sociais que deveriam ser assegurados por este não têm sido priorizados. O ideário neoliberal, ao mesmo tempo em que visa uma ampliação do mercado econômico e o aumento da acumulação de capital, não tem como prioridade reinvestir na mesma proporção na área social, pelo contrário, busca uma precarização e uma diminuição de direitos anteriormente conquistados. Destacamos como exemplos de conseqüências de uma condução política, econômica e social cunhada no neoliberalismo a desarticulação das forças sindicais, o aumento desenfreado da classe trabalhadora atuando na informalidade, o desemprego, políticas de privatização de empresas estatais, livre circulação de capitais internacionais, dentre outros. Conforme as transformações destacadas nesse item, entende-se a necessidade de problematizarmos como o projeto societário vigente direcionado pelo neoliberalismo tem cada vez mais imposto limites para que a Política de Assistência Social se concretize de fato como uma política 26 que garanta, a todos que dela necessitam e sem contribuição prévia, a provisão da proteção social. A Política de Assistência Social se apresenta como avanço com relação a direitos sociais, no entanto e, apesar disso, não têm sido suficiente para que a população usuária receba de fato a respectiva proteção social que tal política tanto enfatiza como priorizado em seus princípios. Pois, leva-se em consideração a contradição existente entre neoliberalismo e política de Assistência Social. Entendemos que a intervenção estatal na Assistência, em momento algum foi totalmente cortada, mas sim, redirecionada para uma lógica contrária a da universalidade, apontando para a estruturação de serviços seletivos e pontuais. Conforme Behring e Boschetti (2007: 157), “A ‘seletividade’ e a ‘distributividade’ na prestação de serviços apontam para a possibilidade de instituir benefícios orientados pela ‘discriminação positiva’. Esse princípio não se refere apenas aos direitos assistenciais, mas também permite tornar seletivos os benefícios das políticas de saúde e de assistência social, numa clara tensão entre o princípio da universalidade”. Conforme o exposto, o neoliberalismo vem provocando mudanças significativas nas ações do Estado no campo social e diante dessas profundas alterações o mesmo se vê obrigado a se reformular, passando a reduzir suas intervenções mediante políticas de privatização, terceirização e parceria públicoprivado, com a justificativa de que o mesmo passaria a ter mais agilidade e menos custos, assumindo assim as Políticas Sociais com características seletivas e compensatórias. Para Schons (1999), o Estado focaliza sua ação na Assistência, limitando-a, fragmentando-a, fazendo com que tal política seja desenvolvida na ótica assistencialista, culpabilizando o indivíduo e responsabilizando o mesmo pela suas dificuldades/necessidades. Ao fazer isso o Estado, através da lógica neoliberal, transfere parte da responsabilidade à sociedade civil, num claro apelo à solidariedade dos grupos filantrópicos não governamentais. Significa dizer que esta forma na qual a Assistência Social se configura no neoliberalismo, vem seguindo um padrão clássico e conservador no que tange à exoneração das responsabilidades sociais por parte do Estado, recaindo tais responsabilidades para as organizações não governamentais e toda a sociedade 27 civil. Isso faz com que a Assistência Social perca o caráter de uma política de direitos, pois acaba por reduzi-la ao voluntarismo e favor. Portanto, com o redirecionamento por parte do Estado frente às Políticas Sociais, sob o receituário neoliberal, o mesmo vem modificando suas ações no que se refere a intervir na questão social, precarizando os serviços. O terceiro setor – constituído por ONG’s, entidades filantrópicas, dentre outros – vem como uma estratégia neoliberal de despolitização da questão social e de repassar ao mercado todos os atendimentos que possam gerar lucro ao capital. O Estado desenvolve a idéia de uma sociedade solidária, incentivando as ações da sociedade civil através de transferência de renda, bolsões de ajuda, subsídios para empresas, dentre outros, chamando cada cidadão a assumir uma responsabilidade através da solidariedade, com a justificativa de que os cofres públicos não possuem recursos suficientes para atender as necessidades sociais. Porém não faz a mesma justificativa quando é solicitado a abrir os cofres públicos para os investimentos nas áreas econômicas e para salvar empresas privadas. Assim, as Políticas Sociais implantadas pelo Estado que deveriam minimizar os impactos causados pela questão social, não se efetivam, visto que têm provocado um constante enfraquecimento dos direitos do cidadão, engrandecendo o mercado e garantindo altas taxas de lucro para o capitalista, contrapondo a isso as expressões da questão social aumentam (cf. Shons, 1995). “Os neoliberais, “abastecendo-se em fontes da tradição liberal clássica” – promoção pelo mérito, enaltecimento das virtudes auto-reguladoras do mercado, desconfiança com relação à intervenção estatal, igualdades de chances para os indivíduos - alimentam sua defesa por um retorno à liberdade contra a igualdade”. (Schons, 1995:08) O modelo neoliberal reconhece a justiça processual e não a justiça social, uma vez que tem como justificativa que a igualdade de chances se traduz em oportunidade de todos concorrerem. Sendo assim, ocorre uma minimização da necessidade de se ter proteção social e que a benevolência que ocorre fora do mercado ficará a cargo da miserabilidade/desigualdade uma vez que para o neoliberalismo a Assistência tem um dever moral e não uma obrigação por ser uma política de direitos. “Dentro dessa concepção a Assistência passa a ser para situações extremas, portanto, com alto grau de seletividade, direcionando-se aos estritamente pobres por meio de uma ação humanitária coletiva, e não 28 como uma política dirigida à justiça social e à igualdade”. (Schons, 1995:08) Laura Tavares Soares (2003: 27) afirma que se trata de um “desajuste social” e, quando este passa a se acentuar o Estado passa a intervir como forma de amenizar a questão social tratando de reinserir as pessoas em situação de pobreza no “mercado”. Isso implica em promover algum tipo de “subsídio à demanda desses pobres”. “as políticas sociais passam a ser substituídas por ‘programas de combate à fome´, que tratam de, segundo seus proponentes, ´minimizar´ os efeitos do ajuste sobre os ‘mais pobres’ ou os ‘mais frágeis’ (“003: 27). A sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que vivenciou um processo de democratização política a partir de 1988 com a Constituição Federal, experimentou conseqüentemente com o neoliberalismo, a exoneração de direitos conquistados, que vem acontecendo lentamente até os dias atuais. “Ganha nova força a ‘ideologia do mercado eficiente’ que ‘sempre afetou o compromisso social representado pelo Estado Providência’, ganhando ‘amplas massas de cidadãos durante a crise contemporânea, enquanto nenhuma alternativa social é proposta’”. (Schons, 1999:178) No que refere às Políticas Públicas sabemos que as políticas sociais no Brasil na perspectiva de acomodação das relações entre Estado e a Sociedade Civil, não se apresentam como prioridade governamental. É notório salientar que as políticas sociais brasileiras compõem-se e recompõe-se conservando o caráter fragmentário, setorial e emergencial, sustentado pela necessidade de legitimidade aos governos que buscam bases sociais para manter-se no poder através da aceitação das reivindicações da sociedade, pelo menos em parte. “As políticas sociais devem garantir, no mínimo, “a ilusão do atendimento”, ainda que o real seja as “filas dos excluídos”. A construção do “sonho” faz parte da estratégia da coesão social mesmo que na prática esta política continue a introduzir ou manter diferenciações entre segmentos da classe subalternizada”. (Covre, 1978) Ou, nos termos de Aldaiza Sposati, tratando-se especificamente da política de assistência social “Constitui-se uma política social seletiva no interior das relações de classe no Brasil. Sua função estrategicamente se dá no processo de inclusão / exclusão das classes populares nos benefícios produzidos pela sociedade para a melhoria da qualidade de vida“ (Sposat, 1995, p.21) 29 Cabe salientar, portanto, que as políticas sociais com o neoliberalismo e, sobretudo, a política de Assistência Social, passaram a ser precarizadas, levando-se em conta tanto as razões de ordem econômica quanto as de ordem política. Os programas sociais se tornam cada vez mais seletivos, prejudicando a garantia dos direitos da população e o atendimento de qualidade aos mesmos, uma vez que os recursos se tornam insuficientes. Essa forma de intervenção do Estaco claro beneficia a política econômica em detrimento da Política de Assistência Social. 30 CAPÍTULO II Sistema Único de Assistência Social – SUAS Tão importante quanto a promulgação da LOAS, foi a elaboração da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, em 1995, a partir da compreensão das demandas existentes em nossa sociedade no que se refere à responsabilidade política do Estado, tendo como objetivo definir seus objetivos, diretrizes, ações e prioridades. Tal política foi revisada e aprimorada em 1998 e em 2004, respectivamente. A PNAS/2004 incorporou aspectos referentes à responsabilidade política do Estado. Nessa perspectiva, a PNAS afirma a centralidade do Estado, dos serviços estatais como articuladores da proteção social básica e da proteção social especial. A consolidação das Diretrizes da Política Nacional de Assistência Social exige a centralidade do Estado na garantia da política pública; a rede socioassistencial como partícipe do atendimento de cada demanda; a família como elemento central em todas as suas necessidades e como compreensão dos reflexos da desigualdade social; e, também, a atenção especial dos gestores. Em conformidade com Afonso, “A PNAS reconhece às famílias o direito de acesso às condições para responder ao dever de sustento, guarda e educação de seus membros, devendo para tal receber o apoio de políticas sociais. O pressuposto é que fortalecer o grupo familiar é uma condição básica para a promoção dos direitos de seus membros. Apoiada, a família poderá desempenhar melhor as suas funções de socializar, cuidar e proteger. A PNAS afirma ainda que a família deve ser vista como parceira do Estado e da sociedade na construção da cidadania”. (2006:169) Ainda, a Política Nacional de Assistência Social objetiva ser realizada de forma integrada às demais políticas sociais setoriais, devendo prover programas, projetos e benefícios, contribuir para inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, assegurarem ações na Assistência Social que tenham centralidade na família e garantam a convivência familiar e comunitária. Além disso, PNAS/2004 estabelece como funções básicas da Assistência Social a proteção social básica e a proteção social especial, como veremos mais adiante. 31 Como resultado de inúmeros debates acerca da construção de um Sistema que organizasse as ações acerca da PNAS, a Resolução de nº. 145, de 15 de outubro de 2004, instituiu um novo modelo de gestão para a política de Assistência Social, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS que tem como função regular e organizar os serviços, programas, projetos e benefícios ou em outras palavras, tem a função de regular e organizar as funções socioassistenciais, planejando a política de Assistência Social de forma articulada entre os entes federativos. E para que este sistema se regulamentasse, foi elaborada a Norma Operacional Básica NOB/SUAS. 2.1. A implantação do Sistema Único de Assistência Social – Aspectos políticos, sociais e avanços obtidos. A aprovação da Política Nacional de Assistência Social em 2004 resultou de uma decisão coletiva do Estado e da sociedade civil no intuito de se fazer avançar na efetivação da Assistência Social enquanto política pública. Dessa forma, a PNAS foi resultante da IV Conferência Nacional ocorrida em Brasília em dezembro de 2003, quando foi deliberado sobre sua construção e implementação. Sua criação configurou-se fruto de várias discussões, debates e negociações. Todo esse processo constituiu um documento normatizador das ações de Assistência Social preconizadas na Lei Orgânica da Assistência Social. “A plenária final da IV Conferência Nacional de Assistência Social aprovou 137 deliberações, sendo 78 correspondentes ao eixo de controle social; 35, ao eixo de financiamento e 24, ao eixo de gestão. Dentre as deliberações mais importantes, aprovou-se a Política Nacional de Assistência Social, que prevê a construção e implantação do SUAS (Sistema Único de Assistência Social)”. (Pereira, 2005:08) Nesse sentido, além de normatizar as ações da Assistência Social, o SUAS surge com o intuito de romper com as idéias discriminatórias acerca dos sujeitos sociais discriminados do reconhecimento de ser de direito. Através da Norma Operacional Básica e a partir da aprovação do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o SUAS surge em julho de 2005 como sistema descentralizado, participativo e não contributivo. Tem como função organizar e regular as 32 responsabilidades de cada ente federativo e da sociedade civil no que se refere à Política de Assistência Social. Partindo desse pressuposto, o SUAS visa a concretude dos preceitos estabelecidos na LOAS e a integração entre as esferas do governo “em uma ação pública comum de garantia de direitos universais”. (SUAS:2005) Ao se constituir, o SUAS configura-se inovador e desafiador haja vista a conjuntura capitalista vigente. Luta pela estruturação e consolidação dos serviços socioassistenciais, tendo como intuito a emancipação dos indivíduos em situação de vulnerabilidade social e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Baseia-se em critérios e procedimentos pactuados nacionalmente, alterando, desse modo, ações referentes ao repasse de recursos Federais para Estados, Municípios e Distrito Federal, à prestação de contas e à organização dos serviços. Portanto, a proposta do SUAS veio concretizar um modelo de gestão, abrindo espaço para a efetivação dos princípios e diretrizes da Política de Assistência Social. O SUAS apresenta os seguintes eixos estruturantes: precedência de gestão pública da política; alcance de direitos socioassistenciais; matricialidade sóciofamiliar; territorialização; descentralização político-administrativa; financiamento partilhado entre os entes federados; fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil; valorização da presença do controle social; participação popular/cidadão usuário; qualificação de recursos humanos; e, informação, monitoramento, avaliação e sistematização de resultados. Tais eixos mostram-se fundamentais no fortalecimento de sua estrutura legal, na superação do assistencialismo e no atendimento das demandas dos usuários dos serviços socioassistenciais a eles destinados. Além desses eixos estruturantes, o SUAS tem os seguintes princípios organizativos: universalização do sistema; descentralização político-administrativa; integração de objetivos, ações, serviços, benefícios, programas e projetos em rede hierarquizada e territorializada; comando único por esfera de gestão, orientado pela PNAS/2004; referenciado por NOB’s que estabeleçam padrões de desempenhos, padrões de qualidade e referencial técnico-operativo; sistema ascendente de planejamento através de planos Municipais, Estaduais e Federal de Assistência Social; presença de espaços institucionais de defesa da manifestação de interesses dos usuários; presença de sistema de regulação social das atividades públicas e privadas de Assistência Social; sistema de gestão orçamentária para sustentação da 33 Política de Assistência Social através do Orçamento Público, constituído de forma participativa, com provisão do custeio da rede socioassistencial para cada esfera de governo; sistema de gestão de relações interinstitucioanais, intersecretariais, intermunicipais; sistema democrático e participativo de gestão e controle social; sistema de gestão de pessoas – capacitação de gestores e executores; articulação intersetorial entre o SUAS e o Sistema Único de Saúde, o Sistema de Previdência Social, Sistema Nacional e Estadual de Justiça e o Sistema Educacional; padronização dos serviços de Assistência Social; regulação da dinâmica do SUAS; garantia de proteção social ativa; substituição do paradigma assistencialista. É válido destacar que com esses princípios houve avanços no tocante ao caráter social emancipatório. Tal caráter refere-se ao atendimento das necessidades coletivas, onde o Estado passa a assumir a responsabilidade pela normantização, regulação, financiamento, monitoramento e avaliação das organizações, tarefas essas desempenhadas pelos diferentes níveis de governo, a saber: Governo Federal, Governo Estadual e Governo Municipal. Outro avanço a se destacar guarda relação com o processo de descentralização. Descentralização aqui entendida como aquela relacionada à ampliação da democracia como mecanismo de participação social e descentralização governamental, onde há o deslocamento do poder do Governo Federal para o Estadual e Municipal. Nesse sentido, abre-se a possibilidade de autonomia aos municípios na forma de gerir a utilização dos recursos financeiros que lhes são repassados. “A implantação do SUAS como sistema único supõe unir para garantir, o que implica em romper com a múltipla fragmentação programática hoje existente, com a fragmentação das esferas de governo e o paralelismo de gestão; com a fragmentação das ações por categorias ou segmentos sociais sem compromisso com a cobertura universal e a qualidade dos resultados”. (Sposati, 2004:01) Assim, em conformidade com a autora, o SUAS colocou à Assistência Social parâmetros, prioridades e bases de regulação da Política da Assistência Social, todavia, tais preceitos por si só não são capazes de superar a noção da ajuda, filantropia, assistencialismo e clientelismo que, desde seus primórdios, envolve a Assistência Social. Assim, o que se pode apreender é que essas mudanças precisam ser compreendidas, debatidas e fazer parte da agenda política de todos os segmentos envolvidos na gestão da Política de Assistência Social no sentido macro. Para que 34 os limites possam ser superados faz-se necessário um amplo movimento a fim de pressionar e negociar rumo à efetivação da Assistência Social. Vale ressaltar que o SUAS deve promover e defender direitos de: informação sobre o funcionamento dos serviços como direito primário do cidadão, sobretudo àqueles com convivência de barreiras culturais, de leitura, limitações físicas, entre outras; acesso à rede de serviços socioassistenciais desde a periferia; direito de personalização de respostas dos serviços, de reconhecimento de ser diferente, de respeito ao projeto pessoal de vida e ao não enquadramento em normas rígidas de categorias e segmentos; direito ao tempo, de modo a acessar a prestação de serviço com reduzida espera e de acordo com a necessidade; direito de escuta e de ter acesso à continuidade do percurso de conclusão social. A partir do SUAS então, há um alargamento da Política de Assistência Social, buscando fortalece-la cada vez mais como uma política repleta de direitos. “A construção do SUAS exerce esse esclarecimento ao se confrontar com o estilo laissez faire pelo qual seria do campo de Assistência Social tudo que é realizado pelas organizações sociais com acesso gratuito e destinado aos pobres, com a proposta do SUAS que estabelece o efetivo campo de serviços socioassistenciais hierarquizados em proteção básica e especial”. (Sposati, 2006:99) O estilo laissez faire refere-se à reversão da lógica da benevolência, da benesse, do favor, do clientelismo e do paternalismo para a lógica do direito universal, procurando qualificar de forma abrangente a prestação do serviço da Assistência Social, ampliando e intensificando suas ações acerca da proteção social. Como citado no início deste capítulo, a proteção social compreende duas modalidades: básica e especial. A primeira diz respeito à redução e prevenção do impacto das fragilidades pessoais e sociais, por meio do desenvolvimento de suas potencialidades, no intuito de fortalecer os vínculos familiares e comunitários. É destinada à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, ausência de renda e fragilização de vínculos efetivos (relacionais e de pertencimento). Segundo a NOB/SUAS, a proteção social básica será ofertada pelo Centro de Referência da Assistência Social, além de rede de serviços socioeducativos, benefícios continuados e eventuais, serviços e projetos de inserção produtiva. Já a proteção social especial, de acordo com Crus e Albuquerque (2006), é constituída por 35 “um conjunto de ações socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de, entre outras causas, abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua e trabalho infantil. Este nível de proteção exige um atendimento mais especializado e individualizado e, para isto, a PNAS/2004 instituiu o Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS, equipamento público estatal, visando à orientação e o convívio sócio-familiar e comunitário, dirigido às situações de violação de direitos”. (2006:87) A proteção social especial refere-se ainda à proteção social de média e alta complexidade, possibilitando o acesso e defesa dos direitos socioassistenciais dos usuários, como também a articulação desta com outras políticas setoriais. Considerando as apreensões feitas por Morgado (2004) e pela NOB/SUAS (2005), podemos dizer que a proteção social especial é dividida em Média Complexidade e Alta Complexidade. A Média Complexidade é operada através do Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS e demais programas e serviços especializados, destinado a atender famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares não foram rompidos. A proteção social de média complexidade se realiza através de programas de orientação, apoio e proteção, buscando fortalecer o vínculo familiar e comunitário. A Alta Complexidade destina-se a famílias e indivíduos sem referência ou sob ameaça, com vínculos familiares rompidos ou em situação de ameaça grave, que necessitam ser retirados do núcleo familiar ou comunitário, e necessitam também da garantia de proteção integral. A proteção integral é entendida como garantia à moradia, alimentação e trabalho protegido, bem como serviços de casa lar, república, casa de passagem, albergue, família substituta ou acolhedora, medidas sócio-educativas restritivas e privadoras de liberdade, e trabalho protegido. Enfim, a proteção social especial deve ser operada através das redes de serviços de atendimento domiciliar, albergues, abrigos, moradias provisórias para adultos e idosos, no intuito de garantir a convivência familiar; redes de serviços de acolhida para crianças e adolescentes como repúblicas, casas de acolhida, abrigos e famílias acolhedoras; serviços especiais de referência para pessoas com deficiência, vítima de negligência, abusos e formas de violência; ações de apoio em situações de calamidade pública. A PNAS leva em consideração três elementos 36 fundamentais na perspectiva da proteção social: as pessoas (usuários), as circunstâncias (contexto) e a família, base da sociedade. 2.2. A estruturação do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS O Sistema Único de Assistência Social não pode perder de vista o seu foco maior que é a família e em cada território deve ter como núcleo a sua organização. Dessa forma, é implementado o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. É um centro de atendimento da Assistência Social, de proteção básica, que deve organizar os serviços em determinado território. Seu principal objetivo é trabalhar o fortalecimento familiar e comunitário, prevenindo situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições. A casa da família deve ser “universalizada”, atendendo a todos no seu território de abrangência. Enfim, os CRAS’s são voltados para o atendimento às famílias em todos os programas, além de inclusão em projetos de geração de renda. Afonso nos coloca que, “O CRAS vai desenvolver a chamada ‘proteção social básica’ que objetiva o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, a superação de vulnerabilidades que decorrem da pobreza, da exclusão e da violência social. Atuam na comunidade, com as famílias onde os vínculos estão preservados. Promovem, articulam e/ou executam o trabalho com famílias da comunidade que estão inseridas em programas diversos, como transferência de renda, socialização de crianças e adolescentes, grupos de convivência para idosos, entre outros”. (2006:172) Como primeira ação no contexto de atendimento à família, o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) é o principal programa de Proteção Social Básica. O PAIF aprimorou a proposta do Plano Nacional de Atendimento Integrado à Família (PNAIF) e tem por objetivo desenvolver ações e serviços básicos continuados para famílias em situação de “vulnerabilidade social” na unidade do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS. Neste sentido, podemos dizer que o CRAS também é responsável pela oferta de serviços continuados de proteção social básica de Assistência Social e tem como meta abranger um total de até 500 famílias/ano. Segundo Morgado, “Os CRAS, de acordo com a PNAS devem compreender as seguintes modalidades de programas: Programa de Atenção Integral à Família; Programa de Inclusão Produtiva e enfrentamento à Pobreza; Centros de Convivência de Idosos; Serviços para crianças de 0 a 6 anos; Serviços 37 Sócio-Educativos para Crianças, Adolescentes e Jovens, na Faixa de 6 a 24 anos; Programas de incentivo ao protagonismo juvenil; Centros de Informação e Educação para o trabalho, para jovens e adultos”. (2007:31) Além disso, os CRAS’s são responsáveis pelo desenvolvimento do Programa de Atenção Integral às Famílias, com referência territorializada, que valorize as heterogeneidades, as particularidades de cada grupo familiar, as diversidades de culturas, provocando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. A equipe do CRAS, de acordo com a NOB/SUAS 2005 e com a NOB/RH, deve ser formada por um Psicólogo, um Assistente Social, um Coordenador, um auxiliar administrativo, e estagiários. Ainda em conformidade com a NOB 2005, o Centro de Referência da Assistência Social - CRAS deve prestar informação e orientação para a população de sua área de abrangência, bem como se articular com a rede de proteção social local no que se refere aos direitos de cidadania, mantendo ativo um serviço de vigilância da exclusão social na produção, sistematização e divulgação de indicadores da área de abrangência do CRAS, em conexão com outros territórios. As famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família - PBF e do Benefício de Prestação Continuada – BPC devem ser prioridades nos serviços e ações do CRAS. O acompanhamento deve ser realizado por meio de registro e controle dos serviços do CRAS, a saber: entrevista familiar, mantendo arquivo com registros evolutivos, visitas domiciliares, palestras, campanhas sócioeducativas, reuniões e ações comunitárias, reuniões de grupo, encaminhamento e acompanhamento das famílias, atividades lúdicas, produção de material, e, controle do processo de inclusão da família. 38 CAPÍTULO III A implementação do Sistema Único de Assistência Social em Gonzaga: avanços e desafios. Neste capítulo será analisado a Assistência Social no Município de Gonzaga após a implementação do Sistema Único de Assistência Social e, especialmente, após a implantação do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. Para tanto, será feita uma contextualização histórica do Município e da Assistência Social, a fim de apresentar as principais características sociais, culturais e econômicas como forma de apresentar a localização do objeto desta pesquisa. Durante a exposição será apresentado a política de Assistência Social, seu processo de estruturação e a estrutura atual, observando os limites e os avanços que a mesma obteve durante o processo. Cabe lembrar que será verificado ao final o que mudou nesta política a partir da implantação do Sistema Único de Assistência Social. 3.1. Município de Gonzaga: história e aspectos sócio-econômicos. O Município de Gonzaga recebeu esse nome em homenagem ao Senhor Joaquim Gonzaga que, ao chegar à região no final do século XIX tornou-se proprietário das terras do Município. O pequeno povoado que se instalou na região passou a se chamar São Sebastião de Gonzaga, passando a pertencer o Município de Guanhães e mais tarde passou a ser distrito de Virginópolis. Devido ao crescimento populacional, sua emancipação política aconteceu em 01 de março de 1963, de acordo com a Lei municipal nº. 2764, desmembrando-se de Virginópolis e passou a se chamar Gonzaga. Atualmente o Município é composto por um distrito, Conceição da Brejaúba e por várias comunidades localizadas na Zona Rural, sendo as principais: Figueirinha, Barra do Palmital, Palmital, Ribeirão do Jorge, Graipu, Taquarussu, Vassourinhas, e outros. As comunidades mais populosas, com exceção da sede do Município, são as comunidades de Conceição da Brejaúba e Palmital. 39 Gonzaga localiza-se no Centro-nordeste de Minas Gerais, no Vale do Rio Doce. Caracteriza-se como uma região montanhosa, com predomínio da Mata Atlântica, integrando a microrregião de Guanhães. Sua população encontra-se estimada em 5.783 habitantes segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo que sua área de abrange 286 Km², limitando-se com os municípios de Guanhães, Divinolândia de Minas, Sardoá, Santa Efigênia de Minas, Açucena e Virginópolis. A base econômica de Gonzaga funda-se na pecuária leiteira, contando com uma pequena cooperativa de leite na Zona Rural. A produção agrícola, embora pequena, é bem diversificada, sendo o milho, o feijão, a cana-de-açúcar e a banana seus principais produtos. Cabe destacar que o comércio também se configura como base da economia de Gonzaga, ainda que o mesmo seja de pequeno porte. Apesar da agropecuária e o comércio serem atividades econômicas que geram renda para o Município é importante salientar que os empregos em órgãos públicos, principalmente da prefeitura, e de rendas extras provenientes de pessoas do Município que migram para outros países, também compõem a economia local. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (2006) em Gonzaga, 630 famílias possuem perfil de beneficiário do Programa Federal Bolsa Família. Em média, significa que cerca de 1.890 pessoas vivem com uma renda per capta 7 de apenas R$140,00 mensais, o que se configura em 32,68% da população de Gonzaga. Ainda de acordo com a PNAD (2006), a estimativa de famílias pobres, com perfil para serem incluídas no Cadastro Único é de 955. Isso significa que existem cerca de 2.865 pessoas sobrevivendo com metade do salário mínimo per capta. Estes dados demonstram que 49,5% da população sobrevivem em situação de vulnerabilidade social em virtude dos aspectos econômicos. Os dados apresentados confirmam o quadro de pobreza do Município de Gonzaga, sendo que as principais oportunidades de trabalho se apresentam no âmbito da informalidade. Ressalta-se, neste sentido, a necessidade de políticas públicas eficazes no sentido de garantir o acesso às necessidades básicas e, conseqüentemente, aos direitos sociais preconizados no âmbito da Seguridade Social, como foi apontado anteriormente. 7 Soma do dinheiro que todas as pessoas ganham por mês, dividida pelo número de pessoas. Nessa conta não entram os benefícios de outros programas, como PETI, mas aposentadorias devem entrar na conta. 40 Cabe destacar também os desafios apresentados à política de Assistência Social, no sentido de promover a proteção social a essas famílias em situação de vulnerabilidade. Diante disso, será demonstrada adiante a estruturação desta política no Município de Gonzaga e suas possibilidades de garantia de direitos a população. 3.2. A estruturação do Sistema Único de Assistência Social no Município de Gonzaga. No decorrer da história de Gonzaga a assistência às famílias em situação de vulnerabilidade social era exercida por um setor da Prefeitura Municipal, todavia, esse não tratava especificamente da Assistência Social, abrangia também a política de saúde. Nesse período os serviços ofertados baseavam-se na concessão de Benefícios Eventuais, “doações” de cestas básicas, pagamento de contas de água e luz, auxílio funeral, custeamento de medicamentos não disponibilizados gratuitamente, e, alguns requerimentos de Benefício de Prestação Continuada. Destaca-se que essas ações não eram estruturadas, conotando um caráter de assistencialismo voltado para uma questão política. Somente mais tarde a Assistência se desvinculou da Saúde para se tornar independente. Devido à necessidade de uma política municipal que amparasse os usuários em questão foi criada a Secretaria Municipal de Assistência Social, a partir da Lei Municipal nº 084/01 de 22 de junho de 2001. Esta mesma lei cria o Conselho Municipal de Assistência Social. A Secretaria passou a ofertar programas que assistiam os seus usuários e, para subsidiar as ações foi necessária a criação de um Fundo Municipal de Assistência Social, com a finalidade de destinar recursos para esta política. Assim a Lei nº 98 de 14 de dezembro de 2001 criou o Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Gonzaga. Com a estruturação da Secretaria Municipal de Assistência Social algumas inovações foram trazidas para a organização da política no que se refere ao planejamento, coordenação, execução e controle das atividades assistenciais no Município. Tais inovações referem-se à possibilidade de elaborar e propor ações para a Política de Assistência Social em âmbito municipal e a de formular, coordenar e executar os programas, os projetos e ações da Assistência direcionados à sua população. 41 Como forma de controle e participação popular na formulação e gestão da Assistência no Município, foram criados diversas instâncias, dentre elas: o Conselho Municipal de Assistência Social, o Conselho Municipal do Idoso e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Estes órgãos, conforme definidos por lei, possuem como atribuições a definição de diretrizes das políticas municipais, aprovar o plano municipal e o orçamento, e também acompanhar, avaliar e fiscalizar a política nas suas respectivas áreas. A implantação do Sistema Único de Assistência Social em Gonzaga ocorreu em 2005, ano em que o Município foi habilitado no nível de Gestão Básica, uma vez que o mesmo é considerado de Pequeno Porte I, conforme a Política Nacional de Assistência Social (2004). Interessante ressaltar que, houve avanços consideráveis com a estruturação da Secretaria, porém, dados os limites com relação a recursos humanos, dentre outros, não havia sistematização e monitoramento das ações, o que as caracterizava como fragmentadas e pontuais. Somente a partir da implantação do SUAS em 2005 é que a Assistência reestruturou os serviços sócioassistenciais, conforme preconiza a NOB/SUAS 2005. Ao aderir o Sistema, o Município de Gonzaga passa a estruturar uma série de serviços voltados para a população e amplia seu quadro de trabalhadores. Houve, portanto, uma reorganização dos serviços, criando novos programas e projetos na perspectiva de atender à proteção social básica. Neste sentido, atualmente, verifica-se os serviços de repasse de Benefícios Eventuais, conforme determinado na LOAS e na requisição e acompanhamento dos Benefícios de Prestação Continuada – BPC. Instalou-se o Programa de Atenção Integral à Família – PAIF, contando com uma equipe multidisciplinar constituída por um psicólogo e um assistente social, além dos serviços de Cadastro Único do Programa Bolsa Família e acompanhamento das famílias, oficinas de socialização de famílias referenciadas, idoso, entre outros. Ressalta-se que, anteriormente à implantação do SUAS, a Assistência Social municipal contava apenas com um profissional Assistente Social e uma Secretária Municipal de Assistência Social, ou seja, praticamente inexistia uma equipe técnica, fato esse que limitava bastante o acesso dos usuários a programas e projetos de qualidade. Partindo desse pressuposto, como fruto dos avanços decorrentes da implantação do SUAS verifica-se a estruturação do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS, o qual objetiva atuar com famílias e indivíduos em 42 situação de vulnerabilidade social no seu contexto social, visando à orientação e o convívio familiar e comunitário, conforme determinado na Política Nacional de Assistência Social de 2004. “O Centro de Referencia da Assistência Social - CRAS tem um papel central na realização do mapeamento e na articulação da rede de serviços sócio-assistenciais. Identifica-se nesta proposta, um veio fecundo para o desempenho do CRAS na construção e consolidação de uma rede de proteção que transcenda o campo da assistência, tendo por referência principal as demandas municipais”. (Morgado, 2007:37) É válido destacar que a implantação do CRAS no município, surge a partir de convênio firmado entre o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS e a Prefeitura Municipal de Gonzaga. O CRAS está sob comando e responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social de Gonzaga, juntamente com o Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, recebendo recursos oriundos do Fundo Nacional de Assistência Social para custeio das atividades socioassistenciais desenvolvidas pela equipe do Programa de Atenção Integral a Família. Dessa maneira, o CRAS, implantado na data de 23 de julho de 2006, se constituiu como um avanço para o Município de Gonzaga uma vez que veio compor os serviços ofertados na Assistência Social. Ampliou-se a equipe de trabalho, passando a ser constituída por um profissional assistente social exclusivo para o CRAS8, uma psicóloga, um auxiliar administrativo e um de serviços gerais e um estagiário do Serviço Social. A primeira iniciativa foi o referenciamento das famílias a serem atendidas, sendo que, atualmente o número atinge 1.600 referenciadas. Os primeiros registros foram realizados pelo CRAS através de cadastros do Programa Bolsa Família – PBF e do Benefício de Prestação Continuada – BPC que serviram como fonte para o começo de um novo trabalho. Inicialmente as famílias são cadastradas e a partir do conhecimento de sua realidade, numa abordagem psicossocial, são realizados os demais encaminhamentos para a rede sócioassistencial, quando necessário. Ressaltamos, que, a identificação das demandas a partir dos registros de programas já estruturados permite a identificação do público com maior risco social. 8 Este profissional também é coordenador do CRAS. 43 A Política Nacional de Assistência Social de 2004 prevê o público do PBF e do BPC como prioridades no planejamento das ações. “(...) ao invés de metas setoriais, a partir de demandas ou necessidades genéricas, trata-se de identificar os problemas concretos, as potencialidades e as soluções, a partir de recortes territoriais que identifiquem conjuntos populacionais em situações similares, e intervir através das políticas públicas, com o objetivo de alcançar resultados integrados e promover o impacto positivo nas condições de vida” (2004: 44). Conforme apresentado no plano de trabalho dos profissionais do CRAS de Gonzaga (2009), os principais trabalhos realizados na perspectiva da Proteção Social Básica, além dos descritos anteriormente, são os grupos de convivência e as oficinas de geração de emprego e renda. Com relação a esse último, são ofertados cursos de artesanato – fibra de bananeira e artes em taboa, artesanato em cera e gesso, artes de bambu, biscuit, confecção de velas aromáticas, bijuterias, pintura em tecido – bem como projetos de teatro e banda de música lírica. Nas atividades em grupo são realizadas palestras com as famílias beneficiárias do PBF, onde são disseminadas informações quanto ao programa e também referentes aos seus direitos sociais e a questões cotidianas, como por exemplo: violência doméstica, trabalho infantil, desemprego, alcoolismo e entorpecentes, entre outros. O planejamento das ações é realizado a partir de um trabalho de escuta, nas reuniões acima citadas e entrevistas onde os usuários expõem suas demandas. A partir de então a equipe técnica do CRAS e a gestora da SMAS planejam ações pertinentes. Contudo, observa-se que, apesar da preocupação com o planejamento das ações, verifica-se que se esbarra na questão de recursos para financiamento dos serviços. Conforme apontou a pesquisa realizada, o Município recebe o Piso Básico Fixo, R$4.500,00 mensais, que é utilizado para pagamento dos técnicos do CRAS e o custeio de algumas ações realizadas e recurso do Índice de Gestão Descentralizada, comumente chamado de IGD, no valor de R$1.702,13 mensais. Ressalta-se que este é proveniente da gestão do programa Bolsa-Família, ou seja, verificam-se o cumprimento das condicionalidades e as informações prestadas no Cadastramento Único para o seu repasse. 44 Apesar de apresentar dotação orçamentária própria, os recursos do Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Gonzaga se restringem a custear a infra-estrutura, os salários de funcionários e alguns serviços, como, os benefícios eventuais – normalmente cestas básicas – e o auxilio funeral. Diante disto, existem limites no planejamento das ações, ou seja, levantam-se as demandas, realiza-se o planejamento, mas esbarra-se na questão do financiamento. Esse limite rebate na forma como as reais necessidades da população demandante de tais serviços são contempladas, haja vista que nem sempre o que foi proposto se efetiva. A redução, ou não investimento na política de Assistência Social é uma prática histórica no Brasil. Conforme apresenta a autora Adriana A. F. Alves (2009: 52), com relação a recursos para financiamento das políticas sociais, “os gastos sociais no país sempre ficaram bem aquém das reais necessidades de reprodução material e social da classe trabalhadora” e esta realidade, como já abordado no primeiro capítulo desta pesquisa, se acentua ainda mais com o projeto neoliberal. Em depoimento, durante as entrevistas realizadas com a equipe técnica do CRAS e a gestora municipal, verificou-se a dificuldade de ampliação destes recursos. Conforme o planejamento são encaminhadas solicitações de financiamento, porém, quase sempre as “solicitações são indeferidas”9. Isso se aplica também, de acordo com os relatos, às questões estruturais, tais como a solicitação de transporte para realização da busca ativa ou visitas domiciliares. Verifica-se uma lacuna quanto à disponibilidade de recursos quando esses se referem às ações do CRAS que requerem investimentos de outras áreas. Essa perspectiva revela a lógica neoliberal difundida no contexto municipal, onde há investimento mínimo para o social, fazendo com que a Assistência tenha serviços, programas e projetos focalizados, fragmentados e seletivos. Como afirma Marilda Iamamoto, “(...) serviços públicos, organizados à base de princípios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal. Daí a proposta de reduzir despesas (e, em especial, os gastos sociais), diminuir atendimentos, restringir meios financeiros, materiais e humanos para implementação dos projetos. Programas focalizados e seletivos substituem as políticas sociais de acesso universal. Eles querem cadastro e comprovação da pobreza, como se ela fosse residual, com todos os constrangimentos burocráticos e morais às vitimas de tais procedimentos” (Iamamoto, 2006: 12). 9 Relato da Assistente Social, coordenadora do CRAS. 45 Diante do exposto, fica claro que o principal desafio no Município de Gonzaga é consolidar meios de financiamento da política de Assistência Social. Defender o protagonismo do usuário, serviços de qualidade e que visem a emancipação dos atendidos, só se efetivará mediante o investimento nas ações. Verifica-se, conforme as questões levantadas até então, uma intensa desmobilização social, principalmente, com relação aos órgãos de controle social supracitados. Apesar de haver reuniões destes mecanismos, pode-se concluir que os mesmos não estão atuando conforme suas determinações legais e acabam se apresentando como meros instrumentos formais. Com relação à gestão da política, a gestora municipal não apresentou de forma clara as respostas durante a entrevista. Verificou-se um despreparo com relação a conceitos básicos, ou pouco aprofundamento teórico sobre a Política de Assistência Social, o SUAS e o CRAS. De acordo com a mesma, o que ela considera como avanço com relação à implantação do SUAS em Gonzaga foi a aceitação do público e a inclusão de mais segmentos da sociedade nos serviços do CRAS. Como limites, ela observou que os recursos já vêm destinados a públicos e com definição de gastos e isso limita o planejamento, ou seja, no caso do Piso Básico Fixo e do IGD, os critérios são estabelecidos de “cima para baixo”. Acreditamos que esse pouco aprofundamento é originado pela falta de qualificação profissional na função que exerce. Nesse sentido, considera-se que houve significativas mudanças no que tange à Política de Assistência Social, bem como na forma como é desenvolvida, principalmente, no que diz respeito à infra-estrutura, definição das atribuições entre a Secretaria de Assistência Social e o CRAS, ampliação da oferta de serviços, se comparado ao período anterior ao Sistema Único de Assistência Social, definição e planejamento direcionado e com participação do público atendido, possibilitando e direcionando as ações no sentido da proteção social, conforme definido na PNAS/2004. Todavia, é importante salientar que embora se tenha avançado, ainda há muito por fazer, uma vez que a implementação do SUAS encontra entraves para que ocorra em sua totalidade. Assim, enfatizamos que apesar do avanço obtido quanto ao processo Constituinte e, em particular, nos últimos anos com a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – que confere à Assistência Social o caráter de política de Estado, bem como reordena a prestação dos serviços e as bases do seu 46 financiamento – ainda há muito a se conquistar no que se refere aos direitos dos usuários desta política. Cabe aos gestores, atores sociais envolvidos, como no caso dos conselhos, entidades sócioassistenciais e usuários, buscarem ampliar as bases de financiamento e organização dos serviços prestados para o melhoramento da qualidade e expansão dos serviços prestados. Como afirma Aldaiza Sposati (2002: 94), a mudança na gestão e concepção da política de Assistência Social requer um “esforço de revisão das práticas institucionais em direção à adequação às diretrizes de reconhecimento do usuário como cidadão, junto com a descentralização e democratização do processo decisório”. Em outros termos, é preciso uma redefinição, uma busca constante da garantia dos direitos socioassistenciais dos usuários. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 47 Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Assistência Social adquiriu caráter de direito social ao ser incorporada como política pública. A Lei Orgânica da Assistência Social veio legitimar o que já estava expresso no Artigo 194 da Constituinte. A Assistência Social passa a ter a incumbência de cumprir, uma vez que estamos falando de uma política de responsabilidade pública e governamental, o papel de minimizar as desigualdades sociais. As influências do capitalismo, do neoliberalismo, por sua vez, vêm provocando transformações na sociedade, o que exige que a Política de Assistência Social se redefina como o fez através do Sistema Único de Assistência Social. Tal reestruturação da Política Pública de Assistência Social tem como objetivo assegurar os direitos socioassistenciais aos cidadãos como forma de oportunizarlhes o acesso aos serviços e benefícios. É válido ressaltar que o aprofundamento da ideologia neoliberal tem rebatimento direto na construção das políticas sociais precarizadas e fragmentadas que assistimos na contemporaneidade. Boschetti (2003) nos alerta que a crítica neoliberal, quando se relaciona aos gastos estatais com as ações de corte social, propõe reduzir despesas, tal sustentação significa restringir a implementação de projetos sociais. Assim, ainda convivemos com programas seletivos, focalizados e fragmentados. Há uma clara retração dos recursos institucionais no que se refere à defesa de direitos e os meios para acessá-los. O SUAS, mesmo surgindo neste contexto neoliberal, veio proporcionar a gestão da Assistência Social numa nova perspectiva, ou seja, sua estrutura oferece um modelo de gestão descentralizada com uma nova lógica de estruturação das ações sócioassistenciais, com base no território e foco prioritário na atenção às famílias. Neste sentido, apresenta-se como uma conquista da sociedade e como avanço no que tange à política de assistência social. Nessa mesma perspectiva, avaliamos a implantação do SUAS no Município de Gonzaga mesmo com todos os problemas apresentados nesta fase inicial de estruturação. Cabe ressaltar que avançou-se do ponto de vista de estruturação da política, mas não podemos perder de vista que a Assistência Social ainda possui seus estigmas, o que faz com que os governos não a assumam de fato. O estudo que ora realizamos tratou de uma análise de pesquisa exploratória e de campo que objetivou identificar os avanços na Política de Assistência Social em Gonzaga após a implantação do SUAS e, particularmente, do CRAS. Cabe aqui 48 destacar que foram levados em consideração as normas, diretrizes e conjunto de leis conforme preconiza o SUAS. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados traduzem-se em entrevistas semi-estruturadas com técnico, gestor do CRAS e da Assistência Social do Município e usuários do referido CRAS, além de análise documental, com o propósito de compreender a Assistência Social como tudo que a envolve. A influência dos ideários neoliberais e a forma como ainda é concebida a Assistência Social por gestores, principalmente em cidades de pequeno porte, fazem com que a Política de Assistência Social se realize de forma precária, seletiva, focalizada e fragmentada, como já nos referimos anteriormente. Esse fato configurase como entrave para que os serviços desenvolvidos pelo CRAS se realizem como o SUAS determina. Mesmo assim, verificamos que houve avanços entre o antes e o depois da implantação do SUAS. Antes da implantação do CRAS em Gonzaga a Assistência tinha um aspecto assistencialista, após a implantação os serviços e benefícios ofertados foram ampliados, de forma a buscar fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Daí, por extensão, a necessidade de um trabalho, de uma abordagem interdisciplinar, fazendo ampliar os direitos socioassistenciais dos usuários em questão. Em síntese, tratando-se especificamente do Município de Gonzaga, isso significa uma redefinição de programas, projetos e serviços para a adequação aos critérios que a PNAS e a NOB/SUAS estabelecem. Os avanços foram muitos, porém, esses avanços não significam uma superação total dos entraves para o desenvolvimento pleno da Assistência no Município e para a efetivação dos direitos sociais de seus usuários, ainda há muito que avançar. REFERÊNCIAS 49 AFONSO, Maria Lúcia M. Cadernos de Assistência Social: trabalhador/ [coordenação:Núcleo de Apoio à Assistência Social, coordenador Leonardo Avritzer]. – Belo Horizonte; NUPASS, 2006. ALVES, Adriana Amaral Ferreira. Assistência Social – história, análise crítica e avaliação. /Adriana Amaral Ferreira Alves. /Curitiba: Juruá, 2009. BOSCHETTI, Ivanete. Assistência social: conceber a política para realizar o direito. In: www.mds.gov.br (Página Inicial → Institucional → Conselhos → Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS → IV Conferência Nacional de Assistência Social) 2003. BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine Rosseti. Política Social: fundamentos e história. – 2. ed. - São Paulo: Cortez, 2007. BRASIL. 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