EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 17ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO. Processo nº 0004601-38.2015.4.03.6100 LUIZ ALBERTO MARQUES VIEIRA FILHO, por seus advogados infraassinados, nos autos da Ação de Indenização por Dano Moral que contra si e contra a União Federal move CARLOS ALBERTO SARDENBERG, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar tempestivamente1 sua CONTESTAÇÃO, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas. 1 Conforme se verifica às fls. 83, foi expedida carta precatória para a citação deste Réu, mas ele não a recebeu até o momento, tanto que aquela precatória não retornou ao processo. Na verdade, o Réu recebeu tão-somente mandado de intimação da decisão que antecipou os efeitos da tutela, juntado aos autos em 29/06/2015, mas esta intimação não veio acompanhada de mandado de citação e tampouco de cópia da inicial, como se vê às fls. 105/107. Assim, o Réu compareceu espontaneamente ao processo em 06/07/2015 (segunda-feira), quando comprovou o cumprimento da decisão antecipatória da tutela, sendo este o termo inicial para a contagem do prazo para a contestação. Ocorre que este prazo é contado em dobro, tendo em vista que a União Federal é Corré nesta ação, nos termos do art. 191, do CPC. Em assim sendo, a contagem do aludido prazo iniciou-se em 07/07/2015 (terça-feira) e findará em 05/08/2015 (quarta-feira). 1 I. Síntese da demanda O Autor, notório jornalista, que afirma que “nunca deixou de manifestar seu pensamento, nem de exercer seu direito de opinião e de crítica” (fls. 05), ajuizou esta ação em 04/03/2015, em razão de trechos incluídos em seu verbete em 13/05/2013, na página da Wikipédia - a “enciclopédia livre que todos podem editar”2. Nesse sentido, aponta que o seu verbete originalmente continha as informações de que “Atualmente, é comentarista e apresentador eventual do Jornal da Globo, além de ser âncora da rádio CBN. Escreve, ainda, um blog no qual comenta e analisa as notícias sobre economia, para apresentar o Jornal Nacional, Bom dia Brasil, Jornal Hoje e Jornal da Globo. É forte crítico da política econômica do presidente Lula e da presidente Dilma Roussef”. E os trechos contra os quais se insurge nesta ação dão seguimento à frase acima, a saber: “(...) Roussef, principalmente em relação aos cortes dos juros promovidos nesses governos. É irmão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, instituição que tem grande interesse na manutenção de juros altos no Brasil, uma medida geralmente defendida também por Carlos Alberto Sardenberg em suas colunas. A relação familiar denota um conflito de interesse em sua posição como colunista econômico. Já cometeu erros notáveis em suas previsões, como afirmar que ‘(...) a economia mundial segue em marcha de sólido crescimento. Sólido porque não é nenhuma bolha financeira (...)’ um ano antes de estourar a crise financeira de 2008.” 2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal 2 Sem adentrar às informações trazidas acima, o Autor interpreta estes trechos como a afirmação de que “os pronunciamentos do Autor seriam pautados por uma suposta ‘falta de isenção’ e um suposto ‘interesse próprio’, o que sabidamente não se coaduna com a sua atividade profissional” (fls. 9). E conclui que se trata de afirmações “enganosas e mentirosas” que “deixam transparecer nítido o intuito de denegrir e difamar a reputação ilibada do Autor” (fls. 9/10). O Autor também alega que os trechos acima foram inseridos em seu verbete sem respeitar os limites e os princípios adotados pela Wikipédia em relação à edição de dados e informes de seu sítio, notadamente a política de “verificabilidade de conteúdo”. Acrescenta que a inserção desses trechos foi feita por meio de computador do Palácio do Planalto, vindo a ser posteriormente “descoberta” a identidade do preposto responsável pela inserção, o aqui Réu, Luiz Alberto Marques Vieira Filho, conforme notícias divulgadas na imprensa e colacionadas à exordial. Aduz ter sofrido danos morais, porque o Réu teria agido com o dolo específico de “despojar” a sua “credibilidade”, levando o Autor a ter que “se explicar perante superiores, colegas e muitos de seus ouvintes e leitores” (fls. 13). Afirma, por fim, que o dano moral seria in re ipsa. Diante disso, requer a condenação dos Réus ao pagamento de indenização por danos morais em valor a ser arbitrado por esse D. Juízo, bem como pleiteia a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para impor a este Réu a obrigação de remover os trechos supramencionados de seu verbete. 3 O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi inicialmente indeferido por esse D. Juízo (fls. 77/78), tendo em vista que os trechos contra os quais o Autor se insurge já haviam sido retirados do seu verbete na Wikipédia. Face a esta decisão, o Autor opôs embargos de declaração, afirmando que os trechos permaneciam acessíveis por meio do arquivo histórico da Wikipédia, o que resultou na reconsideração da decisão anterior, para deferir a tutela 3. O Réu recebeu o mandado de intimação desta decisão, de modo que compareceu espontaneamente ao processo em 06/07/2015 para informar que, apesar de não concordar com os argumentos e pedidos formulados na exordial, o trecho supramencionado foi excluído da Wikipédia, inclusive do arquivo deste sítio. Eis a síntese da demanda, cuja pretensão autoral, contudo, não tem meios de prosperar, conforme será demonstrado adiante. II. Ausência de responsabilização civil do Réu. Artigos 5º, IV, IX e XIV, 220, caput e §2º, da CF/88. Artigos 2º, III e IV, 3º, I, 4º, II, da Lei do Marco Civil. Artigos 186, 188, I e 927, do Código Civil. 3 “(...) Defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o réu Luiz Alberto Marques Vieira Filho promova, pelos meios necessários e suficientes, a exclusão do seguinte trecho acrescentado na página do autor: "É irmão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, instituição que tem grande interesse na manutenção de juros altos no Brasil, uma medida geralmente defendida também por Carlos Alberto Sardenberg em suas colunas. A relação familiar denota um conflito de interesse em sua posição como colunista econômico. Já cometeu erros notáveis em sua previsões, como afirmar que (...) a economia mundial segue em marcha de sólido crescimento. Sólido porque não é nenhuma bolha financeira (...) um ano antes de estourar a crise financeira de 2008.", no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa cominatória a ser arbitrada pelo Juízo em caso de descumprimento”. (fls. 95) 4 A inicial trata o Réu como um suposto “invasor” que teria “atropelado” os limites impostos pela Wikipédia ao fazer inserções “enganosas e mentirosas” a respeito do Autor embasadas em “material não referenciado”. O Autor afirma também que “jamais se intimidou com o inconformismo e reações, não raro agressivas, contrárias a seu posicionamento” (05), mas o ajuizamento desta ação, data venia, é o oposto disso, já que diz ter sofrido dano moral em razão de informações que se limitam a criticá-lo na figura de jornalista e cujo teor não é passível de provocar abalo moral a quem quer que seja, muito menos a um experiente jornalista, incontroversamente, acostumado a críticas. Senão vejamos. II.1. O conceito “wiki” e a plataforma em que foram inseridas informações sobre o Autor Conforme assumido na petição inicial, as informações a respeito do Autor que são objeto desta ação foram inseridas em seu verbete da Wikipédia, que é a “enciclopédia livre que todos podem editar” estabelecida na Internet “sob o princípio wiki”, como descrito em sua página principal (doc. 01). Por sua vez, o princípio/conceito wiki é uma ferramenta democrática e colaborativa da Internet, surgida no início dos anos 90 (doc. 02), para que toda a coletividade possa inserir ou alterar informações variadas em páginas específicas como ocorre, por exemplo, com a Wikipédia, com o Wikileaks, que disponibiliza documentos à sociedade, com o Wikimapia, que disponibiliza mapas de todas as regiões do planeta, dentre outras inúmeras ferramentas que se utilizam deste conceito. 5 Assim, qualquer pessoa, mesmo que não seja especialista em determinado assunto, pode inserir informações e inclusive opinar a respeito de fatos notórios, pessoas públicas, termos científicos, etc. Esta ferramenta, portanto, reflete a pluralidade e a diversidade de opiniões, que são extremamente relevantes dentro de um Estado Democrático de Direito como o Brasil. Ainda, no que diz respeito a pessoas públicas, a Wikipédia adota regras específicas4 (doc. 03) e expõe que esta plataforma pode ser usada para a emissão de críticas, se o editor utilizar-se de “fontes fiáveis”, que configuram o princípio da verificabilidade5, insistentemente repetido pelo Autor na inicial, como se vê: “No caso de figuras públicas significativas, existem provavelmente múltiplas fontes fiáveis publicadas por terceiros das quais é possível obter informação. As biografias na Wikipédia devem apenas refletir o que se encontra nessas fontes. Se uma informação é notável, relevante e bem documentada por fontes reputadas publicadas, pode pertencer ao artigo, mesmo que seja negativa e/ou que desagrade ao biografado.” Pois bem, no caso em pauta, o Réu emitiu a sua opinião a respeito de fatos conhecidos que envolveram o Autor, pessoa pública e notória. 4 https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:Biografias_de_pessoas_vivas “Verificabilidade significa que pessoas lendo e editando a enciclopédia podem checar se a informação 1 provém de uma fonte fidedigna. A Wikipédia não publica pesquisa inédita; todo seu conteúdo é determinado pela informação previamente publicada ao invés de se basear apenas nas opiniões, crenças e experiências de seus editores” . 5 6 Para embasar as suas inserções, o Réu se utilizou de três “fontes fiáveis”, duas delas referentes a artigos elaborados pelo próprio Autor. Não se sabe o porquê, quando o Autor reproduziu na inicial esses trechos, deixou de incluir as três referências de fonte que foram citadas pelo Réu. Mesmo na reprodução da página da Wikipédia feita por ata notarial, o tópico de “referências” está cortado (fls. 24vº), deixando de aparecer, justamente, aquelas inseridas pelo Réu. Ainda assim, é possível verificá-las nas fls. 22 destes autos, enumeradas pelos links 6, 7 e 8, a saber: - http://www.sardenberg.com.br/index.php/component/k2/item/11162 (doc. 04); - http://advivo.com.br/node/882451 (doc. 05); - http://g1.globo.com/platb/sardenberg/2007/04/20/globalizacao-bombando/ (esta página foi retirada do ar, mas é possível acessar o seu conteúdo pelo link http://www.viomundo.com.br/arquivo/buraco-negro/globalizacao-bombando/ (doc. 06). II.2. Das informações inseridas pelo Réu Pois bem, demonstrada a finalidade da enciclopédia colaborativa que é a Wikipédia, cabe ressaltar que a própria inicial não indica exatamente quais informações a respeito do Autor seriam “mentirosas e enganosas”, limitando-se a reproduzir os trechos inseridos pelo Réu e a concluir, de forma genérica, que esta inserção insinuaria: “a) que o posicionamento do Autor, contrário à redução de juros, visaria à satisfação de interesses do setor bancário, representado pela Febraban, que por sua vez teria como economista-chefe um seu irmão; b) conflito de interesses, ao opinar o Autor sobre economia, 7 face aos interesses representados por esse familiar, c) que em suas análises e comentários teria o Autor cometido ‘erros notáveis, em suas previsões ...”. Em suma: d) que os pronunciamentos do Autor seriam pautados por uma suposta ‘falta de isenção’ e um suposto ‘interesse próprio’, o que sabidamente não se coaduna com a sua atividade profissional”. (fls. 9) Ora, nem mesmo o Autor aponta onde estão os erros e as mentiras do trecho inserido pelo Réu, sendo que seus argumentos caem por terra, mediante a leitura do que efetivamente foi informado, dado que tal conteúdo, patentemente, não é capaz de gerar os danos alegados na inicial, senão vejamos: - 1º trecho: o verbete do Autor já continha a frase “É forte crítico da política econômica do presidente Lula e da presidente Dilma Roussef”, à qual o Réu acrescentou a observação “... principalmente em relação aos cortes de juros promovidos nesses governos”. A inicial nem se insurge contra este trecho, o que o torna incontroverso, até porque o próprio Autor afirmou publicamente que: “A política do Banco Central tem sido muito errática e sem uma lógica, tanto é que fizeram uma redução de juros forte e, depois, tiveram que subir, então, é óbvio que está errado. É evidente que minha posição é claramente crítica a esse governo” (trecho da matéria às fls. 37 - g.n.). Mesmo que incontroverso, é pertinente esclarecer que este trecho foi incluído com base em artigo redigido pelo próprio Autor (vide doc. 04), intitulado “POUPANÇA, JUROS E ....INFLAÇÃO - Governo quer dólar caro e juro no chão. E a inflação?”. 8 - 2º trecho: O Réu informou que o Autor é irmão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban (doc. 07)6, que tem interesse na manutenção de juros altos no Brasil, sendo esta uma “medida geralmente defendida também por Carlos Alberto Sardenberg em suas colunas” (como fez, inclusive, no seu artigo referenciado no trecho anterior). E, com base nesses fatos, acrescentou que a relação familiar denota um “conflito de interesse” na posição do Autor como colunista econômico. Fica nítido que o Réu emitiu a sua opinião pessoal sobre a relação familiar do Autor, notificando uma base ideológica na família, sendo que qualquer leitor pode, com base nos mesmos fatos, emitir opinião contrária. Isso não tem o condão e nem a potência de ofender o Autor ou de tirar o seu crédito, muito menos de lhe ocasionar danos morais. A propósito, é pertinente trazer à baila trecho da entrevista concedida pelo renomado jornalista José Roberto de Toledo, no documentário “Mercado de Notícias”, dirigido por Jorge Furtado7, em que próprio jornalista, dentro de sua atuação há praticamente 30 (trinta) anos, esclarece que, quando se tem acesso a uma série de dados objetivos para a elaboração de uma matéria jornalística, o jornalista sempre dará uma interpretação a essa documentação, sendo que “a tendência é pegar o que a gente gosta e esquecer o que a gente não gosta”. Toledo acrescenta que, por consequência, a matéria ou o artigo feito pelo jornalista sempre terá mais de um viés, o que exige um autoconhecimento 6 7 Que é a principal entidade representativa do setor bancário no Brasil. http://www.omercadodenoticias.com.br/entrevistas/ 9 deste profissional. E conclui que “se você disser que não tem viés nenhum, é porque você é cheio de vieses”. Ou seja, qualquer profissional, reconhecido e renomado, pode ter uma tendência. Aliás, na imprensa internacional, grandes veículos de comunicação falam abertamente sobre a sua tendência e sobre o fato de apoiar um determinado posicionamento ou um político, como, por exemplo, o New York Times declarou apoio à reeleição de Obama, nos EUA (doc. 08), os jornais britânicos, The Guardian e The Times, anunciaram que não apoiariam o Partido Trabalhista nas eleições legislativas (doc. 09). No mesmo sentido, Umberto Eco se pronunciou em recentíssima entrevista concedida para a Globonews, em 17/07/2015, afirmando que “Só existe um tipo de jornal que não é contaminado. É o jornal de partido. Porque se sabe que é um jornal de partido, então se sabe como ler e fazer a filtragem das informações. É claro que cada jornal tem pressão política de todos os tipos. Vai depender de como eles declaram isso. Os grandes jornais americanos, quando tem eleição para presidente, dizem: “Nós apoiamos este.” Ok, estamos entendidos. Na Itália, o problema trágico é que não existem jornais independentes. Todos são, de algum modo, ligados a bancos, indústria etc. Isso é muito grave. Não é tanto a política. Um jornal deve fazer política. Se é um jornal honesto, deixa claro qual é a posição política dele”8. O próprio Autor defende abertamente que é contra a política do Banco Central e do governo atual, o que está dentro da sua própria liberdade de expressão. 8 http://www.conjur.com.br/2015-jul-17/umberto-eco-todo-fundamentalismo-baseia-afirmacoes-falsas 10 O Réu apenas entendeu ser importante registrar na Wikipédia o fato verídico de que o irmão do Autor, economista-chefe da Febraban, também defende a mesma política/ideologia, opinando que essa relação pode gerar uma tendência nas colunas do Autor. Aliás, também o Autor já publicou artigo a respeito da tendência da mídia e do que pode ser considerado notícia (doc. 10), intitulado “O povo não é bobo”, em que expressamente critica a postura de veículos de comunicação do governo, afirmando que: “Sim, há veículos nos quais as redações são instruídas a publicar apenas o que os patrões consideram a notícia correta. Exemplo? Todos os veículos cujo patrão é o governo — a conhecida imprensa chapa-branca.”9 Ora, Excelência, seguindo a lógica de raciocínio da inicial, a opinião emitida pelo próprio Autor no artigo supramencionado também teria gerado danos aos veículos de comunicação “cujo patrão é o governo”, por serem chamados de “imprensa chapa-branca”? Certamente não. E esta é a mesma lógica que se deve seguir no presente processo. Vale acrescentar que a opinião emitida pelo Réu no verbete do Autor na Wikipédia veio acompanhada de mais uma referência de fonte. Trata-se de artigo publicado no blog do jornalista Luis Nassif, intitulado “O Lobby na CBN...” (vide doc. 05), assim redigido: “Incrível nesta manhã a dobradinha Febraban, CBN e Globo! 9 http://oglobo.globo.com/opiniao/o-povo-nao-bobo-15054835 11 Primeiro o âncora anuncia que o espaço do Carlos Alberto Sardenberg será substituído por algumas notícias... falam da Selic, da modificação da poupança até chegarem em notícia divulgada ontem em que o economista chefe da Febraban, Rubens SARDENBERG, irmão mais novo do Carlos Alberto Sardenberg (como isso se chama? nepotismo? lobby?), prefere não se pronunciar sobre os "ataques" (sic) da presidenta contra os juros dos bancos. Depois explica-se porque ele prefere não se pronunciar em nome da Febraban... a concessão pública em que o irmão trabalha faz o serviço. A CBN apresenta então uma reportagem em que se escandaliza com a queda de 2% nas ações dos bancos ontem, alarmando que os acionistas estão preocupados com a queda dos lucros nos bancos (não neste tom é claro), mas comete o ato falho de citar que todas as outras ações subiram, de modo que a Bovespa subiu cerca de 1%. Os acionistas estão passando a apostar no setor produtivo novamente, e o PIG fica fazendo o jogo sujo da Febraban. Pelo menos descobri que há laços de sangue entre esses dois dragões...”. Ou seja, o jornalista Luis Nassif também emitiu um questionamento crítico a respeito da relação familiar do Autor com o economista-chefe da Febraban, uma vez que o espaço do Autor na CBN foi usado para prestar esclarecimentos sobre polêmicas decorrentes de pronunciamento de seu irmão, Rubens Sardenberg, criticando mudanças nas regras da poupança10. Assim, feitos os esclarecimentos acima, conclui-se que, independentemente de se concordar ou não com a opinião do Réu a respeito da relação familiar do Autor, tal opinião configura liberdade de expressão permitida 10 A polêmica instalada na ocasião decorreu de pronunciamento feito por Rubens Sardenberg, representando a Febraban, criticando as mudanças nas regras da poupança, para a redução mais acelerada da Selic. Tal pronunciamento criou um enorme mal-estar no governo e gerou críticas da presidente Dilma Roussef, que exigiu uma retratação da Febraban, conforme foi noticiado à época, a exemplo da anexa matéria do site O Globo (doc. 11). A entidade, por sua vez, emitiu uma nota de retratação desdizendo o que havia afirmado o seu economista-chefe, Rubens Sardenberg, irmão do aqui Autor (doc. 12). E então, no dia seguinte a essa polêmica, o espaço destinado ao Autor na CBN, basicamente, serviu para trazer notícias que esclarecessem o pronunciamento feito por seu irmão. 12 dentro deste Estado Democrático de Direito, inclusive e principalmente na plataforma que foi utilizada, sem nenhuma possibilidade de seu conteúdo gerar danos morais, quanto mais ao Autor, pessoa pública que está ainda mais exposta a críticas, como será abordado mais adiante. - 3º trecho: O último trecho inserido pelo Réu foi de que o Autor ”Já cometeu erros notáveis em suas previsões, como afirmar que ‘(...) a economia mundial segue em marcha de sólido crescimento. Sólido porque não é nenhuma bolha financeira (...)’ um ano antes de estourar a crise financeira de 2008.” Ora, Excelência, a mera leitura desse trecho denota não ultrapassar de uma crítica embasada em artigo publicado pelo próprio Autor sobre a economia mundial. Este trecho trouxe mais uma referência, que corresponde justamente ao artigo jornalístico do Autor, então disponibilizado na sua coluna no site g1.com.br, mas que foi retirado daquela página. De todo modo, é possível ter acesso ao seu conteúdo pelo link http://www.viomundo.com.br/arquivo/buraco- negro/globalizacao-bombando (vide doc. 06), conforme reprodução abaixo: “Globalização bombando A semana termina na euforia, com recordes de alta nas bolsas de valores de todo o mundo. Farra dos mercados? Não. A verdade é que, descontada uma turbulência aqui, outra ali, a economia mundial segue em marcha de sólido crescimento. Sólido porque não é nenhuma bolha financeira. Ao contrário, está baseado em aumento da produção e do consumo em todas as regiões do mundo. Nos países emergentes, em geral, na Ásia em particular, a produção cresce. E encontra consumidores nos países mais ricos, especialmente nos Estados Unidos. 13 Há multiplicação de investimentos produtivos, na economia real, por toda parte. Mesmo a África, sempre atrasada, se beneficia, por exemplo, com o desenvolvimento de campos de petróleo e gás. Cresce o consumo de alimentos, coisa, aliás, que beneficia diretamente o Brasil, forte exportador. As companhias multinacionais ganham dinheiro, reinvestem, abrem novos negócios, as ações se valorizam e segue a ciranda. A verdade é que a economia globalizada, capitalista, está bombando. No exato momento em que muitos vizinhos aqui da América Latina voltam aos velhos modelos populistas alegando justamente a morte da globalização. Depois não se sabe por que a América Latina fica cada vez mais pobre em relação aos outros”. Àquela época, havia uma especulação que fez com que se acreditasse que a economia estivesse em “sólido crescimento”, como, por exemplo, a febre das ações do grupo X, do empresário Eike Batista, a proliferação de lançamentos imobiliários nas metrópoles, o Ibovespa que, em abril de 2008, alcançava 72 mil pontos, dentre outros exemplos. Tratava-se, porém, de uma verdadeira bolha financeira11, que culminou na crise financeira de 2008. Assim, mais uma vez, com base nos acontecimentos históricos posteriores à publicação daquele artigo, o Réu limitou-se a fazer uma avaliação subjetiva a respeito de um dos muitos e corriqueiros posicionamentos do Autor em sua coluna jornalística. 11 “A natureza desse desordenamento varia de um boom especulativo a outro. Pode ser a deflagração ou o fim de uma guerra, uma ótima safra ou má colheita, a adoção em larga escala de uma inovação com efeitos difusos – canais, ferrovias, automóvel -, algum efeito político ou sucesso financeiro surpreendente, ou uma conversão de dívida que baixe as taxas de juros, de forma precipitada” (Definição do início de uma bolha feita pelo economista norte-americano Charles P. Kindleberger, no Livro indicado pela revista britânica “The Economist” Manias, Pânicos e Crashes. Nova Fronteira, 2000. P. 16-17.) 14 Vale trazer à baila recentíssimo artigo publicado pelo Autor, em 10/07/2015, intitulado “O triunfo de Dilma: deu tudo errado” (doc. 13), em que ele justamente afirma que a previsão da presidente Dilma Roussef, feita em 2013, que “informou que os investimentos estavam em alta, empregos idem, salários subindo, de modo que o Brasil vivia ‘dos melhores momentos da história’” estava errada. Aliás, o Autor afirma que “Os pessimistas estavam certos, a presidente, errada, muito errada. Como Dilma pode ter se equivocado tanto?”12. Ora, Excelência, novamente, seguindo a mesma lógica da petição inicial, pode-se dizer que a presidente Dilma sofreu danos morais pelo fato de o Autor ter opinado que ela estava “muito errada” e que se equivocou tanto quanto à situação econômica do país? Novamente a conclusão é uma só: Obviamente não, assim como não gera dano moral a opinião do Réu de que seria equivocada a previsão do Autor antes de estourar a crise de 2008. A propósito, no tocante a previsões relacionadas àquela crise, o economista norte-americano Nouriel Roubini, professor da New York University e um dos economistas a alertar sobre a bolha financeira anterior à crise de 2008, assim criticou o papel da imprensa no momento de formação de uma bolha: "Nos anos de bolha todos se tornam cheerleader, inclusive a mídia. É a hora em que os jornalistas deveriam fazer as perguntas duras, e acho que houve um fracasso aqui. Os Masters do Universo estavam sempre na capa, na primeira página — os caras dos hedge-funds, os executivos imperiais. Eu gostaria que tivesse havido mais jornalistas de finanças e de negócios, nos anos bons, que perguntassem: 12 http://www.sardenberg.com.br/index.php/item/11352-o-triunfo-de-dilma-deu-tudo-errado.html 15 “Peraí, esse cara, essa empresa, tem um lucro de 100% por ano, como fazem isso? Será que eles são mais inteligentes que os outros, ou estão assumindo tantos riscos que vão falir em dois anos?”. Um bom jornalista tem que ser o cara que, nos tempos bons, desafia o pensamento convencional. Se você não fizer isso, está fracassando em suas obrigações."13 O mesmo economista concedeu recente entrevista ao “Yahoo Finance” prevendo que o mercado atual está prestes a formar a “mãe de todas as bolhas”, ainda que as bolsas europeias e norte-americanas estejam em níveis elevadíssimos, conforme matéria jornalística publicada no Jornal Observador, de Portugal, em 06/12/2014 (doc. 14), pelo qual se depreende o seguinte: “As bolsas europeias estão perto dos níveis mais elevados dos últimos sete anos e, nos EUA, Wall Street passou quase todo o ano de 2014 a renovar máximos históricos consecutivos. Um dos economistas norte-americanos mais mediáticos, Nouriel Roubini, diz que está a formar-se a “mãe de todas das bolhas” nos mercados e que o colapso – que deverá acontecer, acredita, em 2016 – será tremendo. Nouriel Roubini é conhecido por “Dr. Doom” pelas suas previsões habitualmente cataclísmicas para os mercados. A sua reputação cresceu, contudo, quando o economista alertou numa conferência do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2006, que o mercado imobiliário nos EUA iria colapsar e que o país iria cair numa grave recessão que causaria ondas de choque em todo o mundo. Foi, na altura, ridicularizado por quase todos, mas a crise financeira de 2008 desenrolou-se de forma muito semelhante ao que tinha previsto. Agora, o economista e professor da New York University (NYU) diz numa entrevista à Yahoo Finance que a “mãe de todas as bolhas nos preços dos ativos já começou” e que poderá ser mais grave do que aquela que antecedeu a crise financeira de 2008. E atira uma data para o colapso das bolsas: 2016.” 13 http://joaovillaverde.blogspot.com.br/2011/12/domingo_18.html (doc. 15). 16 Feitos esses esclarecimentos, fica ainda mais evidente a ausência de responsabilização civil do Réu em razão de sua opinião emitida sobre o Autor, seja porque há quem entenda que as previsões anteriores à crise de 2008 estavam equivocadas, seja por conta do próprio comportamento crítico do Autor quanto a previsões que também considerou errôneas a respeito de outras personalidades públicas, como no exemplo do artigo relacionado à presidente da República, ou, ainda mais importante, porque tais críticas são livres manifestações do pensamento que alicerçam a estrutura democrática sob a qual vivemos. II.3. Liberdade de expressão e de emissão de crítica, principalmente quando direcionada a pessoa pública. Julgamento do STF na ADI 4815 e na ADPF nº 130. Demonstrado o conteúdo das informações inseridas pelo Réu, com o devido respeito, é até contraditório o Autor - defensor da liberdade de expressão e da emissão de críticas, como ele próprio expõe na inicial (fls. 5) - se dizer ofendido. E isso, principalmente em razão da plataforma utilizada: uma enciclopédia colaborativa que pode ser alterada por qualquer um, inclusive por quem não é especialista em determinado assunto. Aliás, a Wikipédia nada mais é do que uma ferramenta que se coaduna com este Estado Democrático de Direito, que garante a liberdade de expressão, nos termos dos artigos 5º, IV, IX e XIV, 220, caput e §2º da Constituição Federal14 e dos artigos 2º, III e IV, 3º, I, 4º, II15 da Lei do Marco Civil (nº 12.965/2014). 14 Art. 5 (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; 17 As inserções feitas pelo Réu, portanto, configuram exercício regular de um direito, que é excludente de ilicitude, nos termos do artigo 188, I, do Código Civil. A liberdade de expressão significa, também, a permissão de se emitir publicações críticas, principalmente quando relacionadas a pessoas públicas, exatamente como no caso presente. A respeito desse assunto, a “Declaração Hemisférica sobre Liberdade de Expressão”, divulgada pela Sociedade Interamericana de Imprensa - SIP, em conferência realizada na Cidade do México, estabelece alguns princípios fundamentais sobre a liberdade de expressão: “Não existem pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício desta não é uma concessão das autoridades: é um direito inalienável do povo; Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Nada pode restringir este direito;”16 XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 15 Art. 2o A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; Art. 4o A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: II - do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; 16 “O Estado de São Paulo”, 12 de março de 1994, página A-15 18 Ainda sobre o tema, é relevante lembrar do recentíssimo julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal – STF na chamada “ADI das biografias” (nº 4815), em 10/06/2015, que muito bem abordou a liberdade de expressão, principalmente quando relacionada a pessoas públicas. O acórdão ainda não foi integralmente disponibilizado, mas se extrai do voto do Ministro Luís Roberto Barroso importantíssima lição àqueles que escolheram a vida pública e a necessidade de saberem conviver com opiniões críticas, citando exemplo em que o próprio Ministro precisou conviver com opiniões contrárias a seu voto em julgados relevantes, como se vê: “(...) 1. A liberdade de expressão não é garantia de verdade ou de justiça. Ela é uma garantia da democracia. Defender a liberdade de expressão pode significar ter de conviver com a injustiça e até mesmo com a inverdade. Isso é especialmente válido para as pessoas públicas, como agentes públicos ou artistas. a) Quando eu votei, de acordo com a minha convicção, pela prescrição do crime de quadrilha ou bando na Ação Penal 470, eu tive de amargar notícias diversas, inclusive que: (i) eu assumira o compromisso de votar assim para obter a nomeação (a Presidente, nas duas vezes em que estive com ela, sequer mencionou este assunto, nem ninguém em nome dela. E para ser sincero, nem sei o que ela considerava melhor); (ii) eu votei como votei porque uma antiga sócia minha havia sido contratada para atuar em uma arbitragem da Eletronorte (eu nem soube da contratação, embora soubesse que ela já havia atuado representando esta empresa em outros casos). Portanto, pelo que vi publicado, eu teria deixado de ganhar dinheiro honestamente em um dos principais escritórios de advocacia do país para vir faturar um trocado desonestamente no STF. Porém, no momento eu que eu aceitei ingressar na vida pública, eu, como qualquer pessoa, passei a estar sujeito à crítica pública, justa ou injusta, bem ou mal informada, bem ou mal intencionada. Vem 19 com o cargo. Quem não gosta de crítica, não deve vir para o espaço público.”17 No mesmo sentido, vale reproduzir trecho do voto da Relatora, a Ministra Carmem Lúcia, citando Ingo Sarlet18, para concluir que, quando existe uma crítica voltada a personalidade pública, apenas se houver culpa gravíssima do agente (além de danos morais), devidamente comprovada por quem se disser ofendido, é que se poderá falar em sua responsabilização, em textual: “(...) Importa destacar, dada a relevância do tópico, na esteira do que se sustenta Daniel Sarmento, que a responsabilidade pelo exercício da liberdade de expressão (ainda mais no âmbito da liberdade de comunicação e de informação jornalística) há de ser uma responsabilidade subjetiva, focada na análise sobre a existência de dolo ou culpa na ação do agente causador do dano, o que, por sua vez, implica a consideração de diversos fatores, tais como a posição da vítima, (por exemplo, se é ou não uma personalidade pública, hipótese em que só ensejará responsabilidade a culpa grave), a intenção e a negligência empregadas por quem apurou os fatos, quando o caso envolver a divulgação de notícias inverídicas, a existência de algum interesse social na questão, quando a hipótese resvalar no direito de privacidade, bem como a intensidade da lesão aos direitos fundamentais do ofendido. (...)” 19. Por outro lado, pela análise de todos os trechos inseridos pelo Réu no verbete do Autor, fica nítido que se trata de mera opinião pessoal, que não configura culpa gravíssima, e nem dano moral ao Autor. Também é pertinente trazer à baila julgado proferido pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo em ação indenizatória que também envolveu a emissão de 17 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4815LRB.pdf SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais em espécie. In: SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 466-467 19 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4815relatora.pdf 18 20 críticas a renomado jornalista, as quais foram “extraídas de uma série específica de artigos, publicados pelo co-demandado pessoa física na página eletrônica do provedor co-réu e reunidos sob o título de "Veja: um retrato falado", tendo como objeto uma análise subjetiva e crítica à supostamente recente linha editorial seguida pela revista semanal da qual é o apelado redator chefe.”20 Aquele v. acórdão concluiu que “lidos os artigos no contexto da série crítica à publicação semanal, não se evidencia qualquer intuito ofensivo de caráter pessoal nos comentários, ainda que por vezes contundentes”, sendo tais comentários muito mais ásperos que as meras opiniões emitidas pelo Réu a respeito do Autor. Naquele caso, o então requerido afirmou que o jornalista autor da ação teria feito modificações "amalucadas" em matéria jornalística, chamadas de "samba do crioulo doido”, bem como que a sua forma de agir seria "truculenta" e "sem escrúpulos”. E, mesmo assim, o E. TJSP concluiu pela ausência de ilícito e de danos morais ao jornalista requerente, inclusive em razão de sua posição profissional de destaque - como é o caso do Autor, como se vê: “(...) o fato de situar-se o autor, numa posição de destaque no meio profissional em que exerce suas atividades, o coloca, invariavelmente, como objeto de críticas por parte não apenas da imprensa, como dos demais cidadãos por meio de atitudes lícitas que compõem invariavelmente o próprio sistema democrático de garantias, dentre as quais está a de expressão da opinião”21. 20 TJ/SP - Apelação nº 0117250-70.2008.8.26.0100 - Relator: Vito Guglielmi - Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 27/05/2010). 21 Esta introdução vem acompanhada dos respeitáveis ensinamentos de H. C. FRAGOSO (apud TEIXEIRA GOMES, J. C, Memórias das Trevas, São Paulo, Geração, 2003, pp. 236, no sentido de que: "Como diz o excelente Nuvolone ("Reati di Stampa", 1951, pág. 32), existem manifestações da imprensa que ofendem a susceptibilidade, mas que não podem dizer-se ofensivas da honra, da reputação ou do prestígio. Num sistema de ordenamento jurídico livre, mesmo as supremas autoridades do Estado estão 21 “Destarte, forçosa, como dito, a caracterização da atuação de ambos os co-réus como livre exercício do direito de expressão da crítica, assegurado pelo inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal.“ Este entendimento se coaduna com o também histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal - STF na ADPF nº 130, que concluiu pela não-recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal, a exemplo dos trechos abaixo reproduzidos: “(...) a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do Estado, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.” (Ministro Celso de Mello). “(...) Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania.” (Ministro Carlos Ayres Britto) Portanto, Excelência, a opinião emitida pelo Réu se enquadra, justamente, na crítica admitida e que, inclusive, se espera neste Estado Democrático de Direito, principalmente quando voltada a uma pessoa pública, como é o Autor. II.4 Mais provas da ausência de dano institucionalmente submetidas ao controle, mesmo vivaz e polêmico, dos outros membros da coletividade, pelo que concerne à sua vida de relação. Fala-se assim numa zona de iluminabilità, que é tanto mais vasta quanto mais alta é colocada a pessoa (...)" 22 Não bastassem todas as considerações feitas nos tópicos anteriores, ressalte-se que o Autor sequer comprovou os alegados danos, o que era seu ônus (art. 333, I, CPC), limitando-se a fazer os genéricos argumentos de que, em razão das informações inseridas pelo Réu, teria tido que “se explicar perante superiores, colegas e muitos de seus ouvintes e leitores” (fls. 13), o que, data venia, é totalmente inverossímil! Ora, Excelência, o próprio Autor afirma que conquistou “uma vasta gama de fiéis leitores e ouvintes, tudo isso devido à credibilidade de seus pronunciamentos, atrelada à clareza das suas exposições” (fls. 05). Assim, considerando-se toda a credibilidade alcançada pelo Autor, devido a anos de trabalho e reconhecimento, é óbvio que uma informação a seu respeito na Wikipédia - uma plataforma que pode ser alterada por qualquer pessoa, mesmo por quem não é especialista no assunto - jamais afetaria esta credibilidade. E, de fato, não afetou. Tanto é assim que essas informações foram inseridas no verbete do Autor em maio de 2013, sendo que, até agosto de 2014, permaneceu intacta, sem que o Autor ou qualquer outra pessoa viesse a excluí-la, alterá-la ou complementála, ainda que pudesse fazê-la a qualquer momento, justamente por estarem na Wikipédia, “a enciclopédia que todos podem editar”. Na verdade, a informação no verbete do Autor apenas veio a ser divulgada posteriormente na imprensa, não pelo conteúdo da informação e, sim, em razão de ter partido de computador situado no Planalto. 23 Aliás, basta ver as matérias jornalísticas acostadas na inicial para notar que o seu mote era, principalmente, a discussão sobre o fato de servidores públicos terem se utilizado de computador do Governo Federal para alterar dados na Wikipédia. A origem do embate em torno do tema não tem sequer relação com o aqui Réu e tampouco com o Autor. De fato, a imprensa passou a divulgar recentemente matérias jornalísticas a respeito de alterações feitas por órgãos públicos na Wikipédia. Atualmente, existe inclusive uma página no Twiter chamada “Brasil WikiEdits”, que se define como um “Robô que monitora alterações ao Wikipédia a partir das redes dos 3 poderes.” (doc. 16). A título de exemplo, em julho de 2014, foi publicada matéria voltada às eleições daquele ano (doc. 17), informando que onze computadores do governo federal foram usados para alterar páginas da Wikipédia, com a inclusão ou exclusão de elogios ou críticas a políticos como Alexandre Padilha, José Serra, dentre outros. Pois bem, dentro desse tema voltado a perfis alterados por máquinas situadas em prédios do governo, a imprensa apurou que algumas informações inseridas no verbete do Autor teriam partido de computador situado no Planalto, sendo que esta descoberta, como dito, é que resultou na repercussão do episódio. Ocorre que esse fato não tem relação alguma com o objeto desta ação e, inclusive, já é objeto de investigação por meio de Processo Administrativo Disciplinar - PAD. 24 Esclareça-se, de todo modo, que o nome do Réu apenas veio à tona porque ele próprio assumiu ter inserido parte daquelas informações referentes ao Autor. Aliás, se estivesse agindo de forma dolosa, ou mesmo se quisesse se manter no anonimato, como indevidamente alegado na inicial, o Réu nem teria tido essa atitude, na medida em que o próprio Planalto esclareceu que, com base no número do protocolo da internet de onde originaram as informações, não seria “possível apontar com segurança a identidade de quem alterou os textos citados pela reportagem a partir deste número de IP em maio de 2013” (reportagem juntada à exordial, às fls. 37). Assim, por qualquer ângulo que se analise o caso, conclui-se pela ausência dos requisitos para configuração de responsabilidade civil, resultando na improcedência desta ação, até porque o teor da crítica, em si, ainda que pudesse, remotamente, se entender pela sua ilicitude, não teve o potencial de gerar qualquer dano. III. Conclusão e Pedido Pelo exposto, ficou evidenciado que as informações inseridas pelo Réu a respeito do Autor foram feitas em plataforma destinada a esse fim, feitas em consonância com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV, IX, XIV, e 220 da CF), sem nenhuma ofensa e nem abuso, sendo impossíveis de ocasionar danos morais ao Autor. Adicionalmente, o teor das críticas não é capaz de gerar qualquer abalo reputacional e, muito menos, dano moral ao Autor. Portanto, requer sejam julgados improcedentes os pedidos desta ação, ante a ausência dos requisitos da responsabilidade civil. 25 Requer também a condenação do Autor a arcar com os ônus da sucumbência, fixando honorários advocatícios por equidade, consoante artigo 20, § 4°, do CPC. Outrossim, requer a produção de todas as provas em Direito admitidas. Termos em que, Pede deferimento. São Paulo, 29 de julho de 2015. ROBERTO TIMONER OAB/SP 156.828 CLÁUDIA DE BRITO PINHEIRO DAVID OAB/SP 247.935 26