arquitetura e design: os conteúdos que acercam seus programas de ensino regina celia barbosa da silva 2009 2 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo REGINA CELIA BARBOSA DA SILVA Arquitetura e Design: os conteúdos que acercam seus programas de ensino Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação da Professora Doutora Kátia Azevedo Teixeira. São Paulo 2009 3 Silva, Regina Celia Barbosa da Arquitetura e design : os conteúdos que acercam seus programas de ensino / Regina Celia Barbosa da Silva. - São Paulo, 2009. 193 f. : il. ; 30 cm Orientador: Kátia Azevedo Teixeira Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2009. 1. Arquitetura - Projetos 2. Design - Criação 3. Arquitetura - estudo e ensino I. Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título Ficha catalográfica: Elizangela L. de Almeida - CRB 8/6878 Silva, Regina Célia Barbosa da II.Ribeiro Universidade São CDD – 720.7 4 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo REGINA CELIA BARBOSA DA SILVA Arquitetura e Design: os conteúdos que acercam seus programas de ensino Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Aprovada em dezembro de 2009. Orientara: Professora Doutora Kátia Azevedo Teixeira 5 À minha mãe, pelo seu caráter, pela sua coragem, pelo amor incondicional e pela vida. 6 À Joaquim Fernando Prado Ribeiro, m eu mar ido, pela conf iança, pelo exemplo, por dividir com igo os seus saberes e pelo amor a m im dedicado . Ao Pr of essor Arnaldo de Souza Car doso pela oportunidade que me concedeu de cheg ar até aqui. À Prof essora Doutor a Kát ia Azevedo Teixeira, pela orientação precisa e pelas exper iências docentes compartilhadas. À Prof essora Dout or a Marta Vieira Bogéa pela atenção que a mim dedicou. 7 “Aqueles que usam os textos para entender o mundo, aqueles que o “concebem”, dão significado a um mundo com uma estrutura linear”. Vilém Flusser 8 RESUMO No ensino de Arquitetura e Urbanismo e de Design, áreas cujas práticas têm o projeto - programa, pressupostos e criação como finalidade; é possível admitir a hipótese de que, ainda hoje, haja aproximações, em maior ou menor grau, entre os conteúdos das disciplinas que constituem as grades curriculares destes cursos em questão, mesmo considerando que as produções do aluno de Arquitetura e Urbanismo e as do aluno de Design respeitem no geral, condicionantes e escalas distintas. Assim, pode-se pensar que arquitetos urbanistas e designers apreendem determinados conceitos e desenvolvem habilidades comuns, principalmente nos primeiros anos de suas formações, dado que é esse o período onde se conformam os fundamentos que devem orientar os processos conformadores de suas produções. Situação que, de certo modo, dá condição ao aluno de Arquitetura e Urbanismo e ao aluno de Design de compartilhar as experiências promovidas pelas disciplinas cujos conteúdos tenham afinidade. Para corroborar a hipótese acima apresentada, buscou-se elencar conceitos pertinentes à conformação dos fundamentos orientadores das produções das áreas em questão bem como dos processos de criação integrantes dos conteúdos dos programas de ensino daqueles cursos para, em seguida, proceder-se a investigação da possibilidade de haver entre eles acercamento ou aproximação. O estudo dos programas de ensino elaborados e adotados pela Escola da Bauhaus e pela Escola de Ulm, entre 1919 e 1968, escolas consideradas as mais significativas no que se refere ao ensino de arquitetura e design do século xx, foi o ponto de partida para a identificação e seleção dos principais conceitos e práticas para a formação de arquitetos urbanistas e designers. 9 A verificação da permanência de conteúdos comuns nos cursos atuais foi realizada através da análise de programas de ensino em vigor, em específico dos dois primeiros anos da formação, em três Instituições de Ensino Superior, sediadas na cidade de São Paulo, que mantém cursos de formação nas duas áreas em questão: a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP, a Universidade Presbiteriana Mackenzie - FAU-UPM e a Universidade São Judas Tadeu - USJT. O resultado da análise indica a presença de conteúdos possíveis de acercamento, quanto aos propósitos a que eles se destinam. Além desta constatação, o resultado, confere plausibilidade à ideia de que se possa intercambiar no ensino de Arquitetura e Urbanismo e de Design, com vantagens didáticas, experiências provindas das discussões a respeito de conceitos que formam os fundamentos das ações que orientam e ordenam os processos de suas produções. Palavras-chave: Arquitetura e Design, Criação, Programa de ensino, Projeto. 10 ABSTRACT In the teaching of Architecture and Town Planning and Design - two areas where practices aim at a program project, presuppositions and creation - , it is possible to hold the hypothesis that even nowadays there are encounters - in greater or lesser degree - between the contents of subjects in the curricula of such courses, even if we take into consideration that the production by students of Architecture and Town Planning and those of Design should generally respect different conditionings and scales. Thus, one might figure that architects town planners and designers acquire certain concepts and develop common skills, especially in the early years of their formation, since this is the time in which they acquire the foundations that will lead the conforming processes of their productions. This is a situation that somehow allows the architecture and town planning and design students to share experiences promoted by subjects whose contents have some affinity. In order to confirm the hypotheses above, we tried to list certain concepts concerning the leading foundations of production in these two areas, as well as the creation processes in the contents of their teaching programs in order to investigate the possibility of commonness between them The study of teaching programs proposed and adopted by the Bauhaus School and the Ulm School, between 1919 and 1968 - both schools regarded as the most important ones in the teaching of Architecture and Town Planning and Design in the 20th century - was the starting point for the identification and selection of the main concepts and practices in the formation of architects town planners and designers. 11 Then we proceeded to check the remaining of common contents in present courses through the analysis of teaching programs adopted, specifically in the first two years of undergraduation, by three Universities in the city of São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP; Universidade Prebisteriana Mackenzie - FAU-UPM; and Universidade São Judas Tadeu - USJT. The result of such analysis indicates the presence of contents that might present some closeness in terms of goals. Besides this, the result confirms the idea that there can be a permutation in the teaching of Architecture and Town Planning and Design - with several pedagogical advantages - of experiences acquired from discussions about the concepts providing the foundations of actions leading and ordering the processes of their productions. Keywords: Architecture and Design, Creation, Teaching program, Project. 12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES capa. Centro Stata do Instituto de Tecnologia de Massachussets - M.I.T. - Frank Gehry Disponível em <http://serurbano.files.wordpress.com/2009/01/340.jpg> Acesso em 16 de outubro de 2009 Luminária Super Bossa - Fernando Prado Disponível em <http://abcdesign.com.br/wp-content/uploads/ 2009/06/bossinha.jpg> Acesso em 14 de outubro de 2009 figura 1. Os mestres da Bauhaus. Disponível em <http://tipografos.net/bauhaus/missao-bauhaus.html> Acesso em 18 de março de 2009 33 figura 2. Esquema do programa da Bauhaus. WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.88. 35 figura 3. Estudo com materiais do curso preparatório de Johannes Itten, 1921. Este trabalho de Oskar Schepp se baseia no contraste entre vários materiais considerados não nobres como o papel cartão, a tela, o feltro, o arame e tachas, com que caprichosamente a figura se compõe. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 27. 37 figura 4. Composição com cubos, exercício para a observação das relações estático-dinâmicas. Johanes Itten, 1921. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 151. 37 figura 5. Rudolf Lutz, 1921. Nu artístico buscando a interpretação rítmica da classe de Johannes Itten. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 51 38 figura 6. Ludwig Hirschfeld-Mack, 1922. Exercícios da classe de Wassiliy Kandinsky. Uso de superfícies coloridas para demonstrar os diversos efeitos espaciais das cores: um objeto escuro em um fundo claro parece menor que o objeto claro do mesmo tamanho em um fundo escuro. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. tália: Taschen, 2002. p. 67. 39 figura 7. Monika Bella Broner, 1931. Experimento de cor sobre formas secundárias da classe de Wassily Kandinsky. Através deste exercício os estudantes da Bauhaus tentavam encontrar cores correspondentes às formas intermediárias, de onde surgiu uma espécie de círculo de formas e cores. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 146. 39 13 figura 8. Esquema gráfico de um salto da bailarina Palucca. Wassily Kandinsky, 1926. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. 40 figura 9. Desenho analítico, produzido em uma aula de Kandinsky, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. 40 figura 10. Casa Gropius - Walter Gropius, 1938. Disponível em <http://www.galinsky.com/buildings/gropiushouse/ gropius3.jpghttp://tipografos.net/imagens/bauh5.gif> Acesso em 17 de maio de 2009 43 figura 11. Açucareiro - Walter Gropius, 1969. Disponível em <http://www.writedesignonline.com/ history-culture/walter-gropius-sugar-bowl.jpg> Acesso em 18 de maio de 2009 43 figura 12. Monumento aos Caídos de Março em Weimar. Cimento. Walter Gropius,1921. Esta é a única escultura de Gropius, foi destruida no período hitleriano, e reconstruída após 1945. Fonte: WINGLER, Hans M. La Bauhaus. Weimar, Dessau, Berlin: 1919-1933. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. p. 246. 43 figura 13. A primeira exposição, 1923 - o cartaz marcava a estréia de uma nova identidade da Bauhaus, com uma tipografia e um grafismo moderno, inspirados no construtivismo russo. Fonte: KENNEDY, Andrew. Bauhaus. Prólogo Michael Robinson. Madrid: Edimat Libros, 2006. p. 137. 44 figura 14. Estudo de equilíbrio montado com base no peso específico de diferentes tipos de madeira, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. 45 figura 15. Estudo de equilíbrio utilizando a espiral para sustentar a construção, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. 45 figuras 16/17. Estudos de materiais, feitos no curso preliminar ministrado por Josef Albers, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 246/247. 47 figura 18. Gustav Hassenplflug, 1928. Trabalho em papel realizado no curso preparatório de Josef Albers. Mediante cortes e arcos, o papel se sustenta por si mesmo. Nenhum pedaço da folha de papel é descartado, formas positivas e negativas fazem parte da solução formal válida, concebida também como „ilusão de penetração‟. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 143. 47 14 figura 19. Edifício sede da Bauhaus em Dessau, projetado por Walter Gropius. Disponível em <http://tipografos.net/imagens/bauh5.gif> Acesso em 18 de maio de 2009 49 figura 20. Bauhaus - Dessau. Disponível em <http://verenavogler.wordpress.com/ 2008/07/07/design-conference-bauhaus-dessau-062008/> Acesso em 18 de maio de 2009 49 figura 21. Casa pré-fabricada. Marcel Breuer, 1942. Disponível em <http://referencelibrary.blogspot.com/ 2007/08/marcel-breuer-prefab.html> Acesso em 12 de agosto de 2009 50 figura 22. Cadeira “Wassily”. Marcel Breuer, 1925. Disponível em <http://research.uvu.edu/abbott/blog/ uploaded_images/300pxBauhaus_Chair_Breuer-757844.png> Acesso em 18 de março de 2009 50 figura 23. Casa Farnsworth - Mies van der Rohe, 1950. Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File: Mies_van_der_Roh_photo_Farnsworth_House_PlanoUSA_7.jpg> Acesso em 15 de maio de 2009 53 figura 24. Cadeira Barcelona - Mies van der Rohe, 1929. Disponível em <http://www.fernandorigotti.com/wp-content/ uploads/2007/06/mies_van_der_rohe_barcelona.jpg> Acesso em 15 de maio de 2009 53 figura 25. Escola de Ulm - sessão de plenário, 1968. Foto: Gloria Naubur-Gassmann Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/ the_hfg_ulm/history.html> Acesso em 18 de março de 2009 58 figura 26. Edifício da Escola Superior da Forma, de Ulm, 1955. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y Práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 38. 59 figura 27. Otl Aicher junto a alguns estudantes, 1958. Disponível em <http://www.hfg/archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/history.html> Acesso em 18 de março de 2009 61 figura 28. Aparato compacto de radio e toca discos “Phonosuper SK 4”, Braun, 1956. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 52. 63 figura 29. Televisor “HF 1” Braun, 1958. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 52. 63 15 figura 30. Estrutura didática de ensino da Escola de Ulm. Planejamento da Cidade, Informação, Arquitetura, Design de Produto, Design Visual, Sociologia, Economia, Política, Psicologia e Filosofia. Disponível em <http://www.hfgarchiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/timeline.html> Acesso em 19 de maio de 2009 64 figura 31. Estudo de semelhança de campos mediante brilho e/ou intensidade da cor, 1960-61. Docente: Tomás Maldonado Aluno: Gudrun Haegele Foto: Arquivo HfG Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/ the_collections/hfg_collection/graphic_works_photos.html> Acesso em 17 de maio de 2009 64 figura 32. Estrutura de cúpula capaz de ser empilhada, 1962-63. Docente: Rudolf Doernach Foto: Heinz Dobrinski Alunos: Heinz Dobrinski, Horst Shu e Max Thanner Disponível em <http://www.hfgarchiv.ulm.de/english/ the_collections/hfg_collection/photos_photos_2.html> Acesso em 18 de março de 2009 65 figura 33. Objeto reticulado, 1962-63. Docente: Tomás Maldonado Aluno: Hans-Jürgen Lannoch Foto: Arquivo HfG Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/ the_collections/hfg_collection/graphic_works_photos.html> Acesso em 17 de maio de 2009 65 figura 34. Workshop do Departamento de Design de Produto em conjunto com o Departamento de Comunicação Visual, 1963. Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/history.html> Acesso em 18 de março de 2009 66 figura 35. Composição tridimensional de elementos isométricos, 1966. Docente: Max Bill Aluno: Traudel Hölzmann Fonte: BÜRDECK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili. p. 170. 69 16 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 17 2 MÉTODO DE PESQUISA 25 3 ARQUITETURA E DESIGN NA ERA DA MÁQUINA: 30 A FORMAÇÃO ESPECIALISTA 3.1 a Escola da Bauhaus 33 3.2 a Hochschule für Gestaltung – Ulm 58 4 LÉXICO DA CRIAÇÃO 74 4.1 percepção 76 4.2 forma 92 4.3 função 100 4.4 significado 107 4.5 criatividade 114 5 A FORMAÇÃO DO ARQUITETO URBANISTA E 123 DO DESIGNER: PROPOSTAS DAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE ENSINO SUPERIOR 6 NOÇÃO DE PROJETO 137 6.1 programa de ensino 143 programa de ensino de projeto em arquitetura e urbanismo 6.3 programa de ensino de projeto em design 145 7 ACERCAMENTO DE CONTEÚDOS DOS PROGRAMAS DE ENSINO EM ARQUITETURA E URBANISMO E EM DESIGN 151 8 CONSIDERAÇÕES 158 9 BIBLIOGRAFIA 163 10 ANEXOS 174 6.2 148 17 1 INTRODUÇÃO Os primeiros objetos desenhados1 com a intenção de ser produzidos industrialmente, com base em um planejamento que permitia serem reproduzidos em série, datam do início do século XIX. Ainda não se conseguia, contudo, conceber um objeto destinado a ser produzido com a utilização de uma máquina tendo alguma qualidade estética,2 característica até então presente nos objetos provenientes do artesanato. A mudança do modo produtivo artesanal para o industrial apontou para a necessidade de que os produtos a serem elaborados com a intervenção da indústria tivessem um novo desenho e que, portanto, se viesse a buscar uma linguagem própria que bem se adequasse aos também novos sistemas de produção, com suas especificidades distintas do que até aqui se conhecia. Os artesãos, que até então eram os responsáveis pela produção de objetos, precisaram aprender o novo processo produtivo, bem como buscar soluções para o manuseio e a aplicação de materiais ainda não utilizados. Depois do explosivo crescimento fabril que a partir da Inglaterra foi chamado de Revolução Industrial, fabricantes da Alemanha, França e Itália, países em que, numa segunda onda, as indústrias se disseminaram rapidamente, para renovar os desenhos e torná-los viáveis para a produção industrial, passaram a investir em pesquisas. Passaram também a incentivar os profissionais artesãos a adquirir os 1 Nesta pesquisa usaremos a palavra “desenho” em sua restrita acepção de desígnio ou intenção, excluindo-se, assim qualquer menção à acepção de registro gráfico, reservado para o incomum uso da palavra “debuxo”. 2 “O termo “estética” foi criado por Baumgarten (século XVIII) para designar o estudo da sensação, “a ciência do belo”, referindo-se à empiria do gosto subjetivo, àquilo que agrada aos sentidos, mas elaborando uma ontologia do belo”. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 94-5. 18 conhecimentos necessários e peculiares para viabilizar os serviços nas indústrias e pôr no mercado novos produtos, feitos com base em desenhos elaborados especificamente para a produção em máquinas, utilizando-se de novos materiais e obtendo resultados com qualidade, em que se reconheciam já o atendimento a requisitos estéticos. Ao mesmo tempo em que se acelerava o processo de desenvolvimento da indústria, iniciavam-se os primeiros debates sobre essa nova era - o mundo industrial. Os resultados desse crescimento podiam ser observados já nas primeiras décadas do século XX, quando o setor industrial apresentava-se bem avançado e um número bastante significativo de produtos era fabricado em série, embora estes ainda fossem marcados pela rigidez que este processo impunha. Para melhorar e adequar esses desenhos de modo que atendessem às exigências técnicas e às necessidades do consumidor, as indústrias precisavam incluir em seus quadros profissionais que tivessem competências específicas para implantar métodos de projeto peculiares à nova realidade que se apresentava. Estas circunstâncias favoreceram o surgimento das primeiras escolas que ofereciam a chamada formação especialista em Arquitetura e em Design, ou, como era chamado à época, Desenho Industrial. Em 1919, o arquiteto Walter Gropius3 fundou na Alemanha, que buscava sua reconstrução após a Primeira Guerra 3 Walter Gropius nasceu em 18 de maio de 1883 em Berlim, e faleceu em 05 de julho de 1969. Arquiteto considerado um dos principais nomes da arquitetura do século XX, tendo fundado a Bauhaus, escola que foi um marco no design, arquitetura e arte moderna, e dirigido o curso de Arquitetura da Universidade 19 Mundial e a recuperação de seu parque industrial, a Escola da Bauhaus, que se tornou uma das principais responsáveis pela formação e orientação dos novos profissionais que passaram a atuar com arquitetura e design nas condições da produção fabril que se alastravam pela Europa e América do Norte. Nessa instituição, o currículo adotado inicialmente era generalista e, com as modificações que nele foram sendo introduzidas, deu grande contribuição no sentido de formar profissionais aptos a desenvolver projetos para a indústria que se configurassem pelo modo de produção e por seus desenhos diferenciados. A indústria foi evoluindo e gerando um crescimento acelerado das grandes cidades. A evolução e a renovação constante desse processo, ainda no início do século XX, exigiram cada vez mais investimentos em pesquisas e na formação de profissionais com conhecimentos particulares. Passado o trauma de mais uma Guerra Mundial, na esteira de tantas outras escolas fundadas depois da Bauhaus no entre-guerras, surge em 1952 a Hochschule für Gestaltung [Escola Superior da Forma], na cidade de Ulm, também na Alemanha. Também conhecida como a Escola de Ulm, ela foi responsável pela experiência mais significativa do movimento do design no período posterior à Segunda Guerra Mundial, e sucedeu a Bauhaus em seus programas e métodos de ensino. A ideia dos fundadores e colaboradores da Escola de Ulm era formar profissionais com uma sólida base artística e técnica para que atuassem na concepção de uma grande variedade de objetos produzidos em escala industrial. Harvard. Gropius iniciou sua carreira na Alemanha, seu país natal, mas com a ascensão do nazismo na década de 1930, emigrou para os Estados Unidos da América e lá desenvolveu a maior parte de sua obra. 20 A influência da Escola da Bauhaus e da Escola de Ulm na evolução do ensino e no modo de pensar em arquitetura e em design é inquestionável. A Alemanha foi, sem dúvida, a primeira a colher os benefícios promovidos por essa nova pedagogia de projeto, contudo, estes se espalharam por países como França, Itália, Cuba, Estados Unidos, Brasil, entre tantos outros, quando parte dos mestres que compunham o corpo docente dessas escolas, após o encerramento de suas atividades, buscou novas possibilidades de trabalho em outros países. Deste modo, pulverizaram-se e, consequentemente, ampliaram-se, em outras escolas e em grandes indústrias, os métodos e os processos de produção nelas desenvolvidos. Por outro lado, os avanços tecnológicos que atingiram os processos produtivos e o surgimento de novos materiais e de novas linguagens provocaram inúmeras e frequentes mudanças no que se refere às necessidades e aos desejos da sociedade, que, com as transformações de seus costumes e hábitos, desafiaram e continuam desafiando os profissionais ligados à produção e à criação de formas e de imagens a redefinirem as antigas práticas e referências. Nesse contexto é bem difundida a preocupação dos pesquisadores do design e de áreas correlatas em repensar e reconstruir orientações metodológicas e práticas didáticas. Entre esses profissionais, são vários os exemplos, nas últimas décadas, de novos programas, propostos ou implantados, que contemplem os processos de aprendizagem e as transformações que envolvem a sociedade contemporânea. Paralelamente a essas modificações, também se alterou a percepção do profissional de Design, cujo trabalho consiste, 21 segundo Adélia Borges4, “em imaginar, criar e encontrar meios de construir novos objetos e imagens que sirvam ao ser humano”5 [grifo nosso]. E essa percepção modificou-se principalmente em relação à maneira de conceber o projeto e aos procedimentos que precisam ser adotados durante o processo de criação. Considerando que toda produção, seja da Arquitetura e Urbanismo ou do Design, resguardadas suas diferenças intrínsecas, transformará, ou interferirá nas relações entre o indivíduo e seu entorno, a investigação e a reflexão sobre estas relações também deve ser incluída nos procedimentos de elaboração, ordenação e concepção do projeto. Ainda que hoje a Arquitetura e Urbanismo e o Design tenham suas práticas separadas em categorias profissionais distintas, estas são áreas que compartilham a mesma origem, o que se pode constatar pela conformação inicial dos programas das escolas da Bauhaus e de Ulm. E, além disso, a Arquitetura e o Design têm como objetivo final o projeto, fazendo que suas atenções em determinadas instâncias estejam voltadas para aspectos semelhantes. Levando-se em conta essas aproximações, pode-se pensar que no ensino de Arquitetura e Urbanismo e de Design, no que se refere à experiência oriunda das discussões acerca de conceitos que fundamentam a ação de projetar, esta experiência possa ser compartilhada pelos estudantes, no 4 Adélia Borges nasceu em Minas Gerais, na cidade da Cássia, em 1951. É jornalista e curadora especializada em design, é autora do livro Designer não é personal trainer. Escreveu e dirigiu a revista Design & Interiores, foi editora de design do jornal Gazeta Mercantil. Dirigiu o Museu da Casa Brasileira e foi curadora das mostras “Uma História do Sentar”, no Museu Oscar Niemeyer, e “Kumuro - Bancos Indígenas da Amazônia”, no Carreau du Temple, em Paris. 5 BORGES, Adélia. Designer não é personal trainer: e outros escritos. 2 ed. São Paulo: Rosari, 2003. p. 16. 22 sentido de consolidar as ideias, os valores e os princípios que devem ordenar suas produções. Para a verificação da plausibilidade dessas considerações, procedeu-se a uma análise comparativa entre os programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e Design, buscando verificar até que ponto estes conteúdos se acercam. Acredita-se que somente com base nos conceitos, nas reflexões apresentadas e no resultado destas investigações haverá condições de convalidar a ideia de que essas proposições podem resultar em benefícios didáticos. Assim, as mencionadas investigações configuram-se na presente pesquisa, que está disposta da seguinte maneira: capítulo 3 Nesse capítulo é apresentada a noção de formação especialista, relatando-se a origem e os objetivos desta formação em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Tomase como referência o pensamento de vários historiadores, teóricos e profissionais das áreas envolvidas, entre os quais se destacam Bernhard E. Bürdek, Gillo Dorfles, Giulio Carlo Argan, Gui Bonsiepe e Rainer Wick. Pela importância que representam para o ensino de Arquitetura e Urbanismo e Design, as duas principais escolas - a Bauhaus e a de Ulm -, criadas uma no início e a outra na metade do século XX, são estudadas com o objetivo de identificar e explicitar suas contribuições relativamente aos conceitos que orientaram seus ensinos e aos desdobramentos destes conceitos em termos de programas e metodologias específicas para a aprendizagem. 23 capítulo 4 Nele se apresenta o léxico da criação ou o quadro teóricoconceitual. Esse capítulo identifica bem como apresenta as acepções dos conceitos de percepção, de forma, de função, de significado e de criatividade, identificados pelos mestres da Bauhaus e de Ulm como essenciais ao processo criativo [WICK, 1989; BÜRDEK, 1999]. Esse léxico tem por base as ideias estabelecidas pelos seguintes autores: Amos Rapoport, Edda Augusta Quirino Simões, Edward T. Hall, Elvan Silva, Fayga Ostrower, Jean Baudrillard, Klaus Bruno Tiedmann, Lúcia Santaella, Maurice Merleau-Ponty, R. H. Day, Rudolph Arnheim, Stephen Ullmann e Wucius Wong. capítulo 5 Pelo enfoque da pesquisa na investigação dos conteúdos presentes nos programas de ensino, destinou-se um capítulo à apresentação das recentes proposições feitas por Instituições Brasileiras de Ensino Superior e por pesquisadores e profissionais dedicados ao estudo de currículos e programas. Foi incluído também nesse capítulo o exame das competências e habilidades que os cursos de graduação atualmente se propõem a desenvolver. capítulo 6 Este capítulo destina-se à discussão do conceito de projeto. Conceito que envolve a ideia, as intenções e as ações que envolvem o processo de projeto em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Nele se delineia o perfil dos programas de ensino de projeto com base em pesquisas realizadas com o levantamento de bibliografias específicas e a leitura de artigos, capítulos, teses e livros selecionados no campo de estudo. Entre as publicações consultadas incluem-se as de 24 autoria dos seguintes teóricos e pesquisadores: Alfonso Corona Martínez, Bruno Munari, Carlos Eduardo Comas, Gui Bonsiepe, Helio Piñón, Karl Gerstner e Leonardo Benevolo. capítulo 7 Para a verificação dos acercamentos, promoveu-se a comparação das ementas e dos conteúdos dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo com aqueles dos programas de ensino em Design. Com base na análise dos resultados obtidos, são apresentadas as circunstâncias que comprovam as aproximações. capítulo 8 Aqui se pretende mostrar o a possibilidade de intercambiarse as experiências provindas das discussões a respeito dos conceitos que fundamentam a ação ordenadora e criativa do projeto promovidas pelas disciplinas do programa de ensino em Arquitetura e Urbanismo, com os resultados de discussões dos mesmos conceitos nas disciplinas do programa de ensino em Design. E assim, por estes deslocamentos e pelas novas relações criadas, melhorar a compreensão do aluno de Arquitetura e Urbanismo e do aluno de Design acerca das implicações e compromissos de suas produções - resguardadas as diferenças intrínsecas a cada uma delas. 25 2 MÉTODO DE PESQUISA “Método [lat. tardio methodus, do gr. methodos, de meta: por, através de; de hodos: caminho]. Conjunto de procedimentos racionais, baseados em regras, que 6 visam a atingir um objetivo determinado.” O método pelo qual se pretende ordenar os procedimentos a serem adotados durante o desenvolvimento desta pesquisa é chamado qualitativo: tanto procura investigar, descrever, compreender e analisar as características que determinam a natureza do objeto de estudo, como investigar algumas variáveis, selecionadas, que permitem a gradativa aproximação do problema, com o intuito de conhecê-lo de modo aprofundado. A investigação desenvolve-se através de dois caminhos principais: um de caráter conceitual e o outro de caráter documental. No primeiro procurou-se abarcar o tema, bem como suas mais significativas extensões, de modo que se desse visibilidade a conceitos comuns e essenciais aos processos de criação e de projeto e, por conseguinte, intrínsecos à Arquitetura e Urbanismo apresentaram-se e discussões ao e Design; avaliações para tanto, acadêmicas correntes. Ao passo que no segundo buscou-se, por meio da investigação e da pesquisa bibliográfica e documental, reunir informações acerca dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e em Design, e principalmente sobre seus conteúdos. 2.1 Fundamentos A ideia de formação especialista é apresentada com base no processo de ensino e formação de arquitetos e designers, 6 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 187. 26 tais como oferecidos pela Escola da Bauhaus e pela Escola de Ulm, as duas grandes matrizes do século XX envolvidas na formulação de novas diretrizes e implantação de programas e métodos de ensino em Arquitetura e Urbanismo em Design. Propõe-se a investigação dos conceitos de percepção, forma, função e significado e criatividade, essenciais ao processo de projeto, portanto, pertinentes à pesquisa em Arquitetura e em Design. A exposição dos resultados obtidos sobre cada um dos conceitos foi organizada com base na apresentação de discussões sustentadas pelas opiniões de autores, críticos e teóricos de reconhecida importância nas áreas aqui estudadas. Acrescenta-se também uma apresentação concisa das proposições contemporâneas provenientes das Instituições Brasileiras de Ensino Superior, no que se refere à formação especialista oferecida em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Procurou-se mostrar a composição do ideário de autores cujas publicações acadêmicas são consideradas relevantes no que diz respeito às discussões acerca do conceito de projeto e da ação de projetar, em arquitetura e em design. 2.2 Recortes estabelecidos 2.2.1 Instituições Fonte importante de estudo e de análise para o desenvolvimento da pesquisa, a seleção dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e em Design está baseada na consulta aos documentos oficiais disponibilizados pelas Instituições de Ensino Superior que estejam em conformidade com os critérios que seguem: 27 a] As Instituições de Ensino Superior alvo de interesse deste estudo devem estar sediadas na cidade de São Paulo e oferecer ambos os cursos de graduação - em Arquitetura e Urbanismo e também em Design -, já regulamentados pelos órgãos governamentais de ensino, estando, por conseguinte, aptas para o funcionamento. b] Consideraram-se ainda, como critério de seleção, cursos existentes há pelo menos dez anos, portanto, mais consolidados e com várias turmas formadas, preferencialmente àqueles criados há pouco tempo. c] Optou-se por Instituições de Ensino Superior pertencentes a mantenedoras de naturezas distintas - pública, confessional e privada -, no intuito de permitir ganhos à investigação, pela comparação de programas de ensino dos três tipos de organização. As Instituições que atendem aos critérios estabelecidos e que foram, portanto, as escolhidas: - pública: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo [FAU-USP], única na cidade de São Paulo que contempla esse segmento; - confessional: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie [FAU-UPM], também a única nessa categoria na cidade de São Paulo; - privada: Universidade São Judas Tadeu [USJT], em razão de a pesquisadora nela exercer atividades docentes. O material completo dos programas de ensino em vigor, correspondente aos selecionados, foi obtido: dois anos iniciais dos cursos 28 - através da internet, aqueles que estão disponibilizados: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie - FAUUPM. - diretamente com o coordenador do curso: Universidade São Judas Tadeu - USJT. Algumas observações são necessárias. Embora o curso de graduação em Design da FAU-USP tenha iniciado no ano de 2004 - perfazendo em 2009 cinco anos de existência -, considerou-se o fato de que esse curso era anteriormente integrado [desde 1962] à graduação geral Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. É necessário ainda mencionar que a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie [FAU-UPM] -, cujo curso de Design foi fundado no ano de 1970, promoveu em 1993 uma mudança na configuração da formação originalmente oferecida e passou a contemplar duas habilitações: uma em Projeto de Produto e outra em Programação Visual. Mantida essa configuração, as citadas comparações e análises abarcam os programas propostos por cada uma das habilitações. Ressalta-se não existe um número mínimo, ou ideal, de objetos pesquisados [nesse caso, programas de ensino] para que o resultado da análise tenha validade, justamente porque não faz parte da lógica da pesquisa qualitativa, aqui adotada, a procura de “leis gerais”, condição pertinente ao paradigma das ciências exatas [TRIVIÑOS]. Nesse sentido, portanto, os programas das três instituições selecionadas são suficientes, na medida em que permitem esclarecer o essencial em relação à questão formulada. 29 2.2.2 Séries selecionadas dos cursos Optou-se pelo estudo dos programas relativos às duas séries iniciais dos mencionados cursos, justamente porque nesse período - que, em termos da área de Educação,7 corresponde ao ciclo inicial - concentram-se disciplinas cujas discussões incluem os conceitos de percepção, forma, função e significado, fundamentais para o desenvolvimento conceitual do estudante e para a ampliação de repertórios que sustentem as principais questões da criação em Arquitetura e em Design. Mediante o cotejo dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e os programas de ensino em Design, investigase se as ementas e conteúdos contemplam conceitos que se acerquem. Com base no resultado desse procedimento guardadas as devidas especificidades de cada área -, verifica-se a possibilidade de desenvolver conceitos e práticas didáticas correlatos a ambos os cursos. 7 SACRISTÁN, J. Gimeno; GÓMEZ, A.I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre, 1998. 30 3 ARQUITETURA E DESIGN NA ERA DA MÁQUINA: A FORMAÇÃO ESPECIALISTA A chamada cultura industrial iniciou-se com a Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra. Primeiro, com a mecanização das indústrias têxteis, em seguida, no âmbito de manufaturados como cerâmica, porcelana, metais e vidro. O processo de industrialização começou a disseminar-se por toda a Europa ainda no final do mesmo século. França, Alemanha e Itália receberam grande impulso em suas indústrias com o desenvolvimento das ferrovias e das locomotivas a vapor. Nesse período de grandes modificações, a maior delas foi aquela ocorrida na maneira de “pensar” a produção que até então era artesanal - no sentido de o trabalho ser executado por técnicas manuais. Os artesãos, e os trabalhadores comuns que se incorporaram ao operariado crescente, precisavam aprender novos processos produtivos adequados à máquina, bem como precisavam encontrar soluções para o uso de novos materiais em novos equipamentos. Os primeiros profissionais a enfrentar o desafio de trabalhar com materiais como o ferro foram os engenheiros. O resultado disso, contudo, eram produções com um teor estético bem pobre [DORFLES, 2002]. Esses requisitos de alguma qualidade formal nos novos produtos eram somente sugeridos, pela implantação de ornamentos, próprios do modo artesanal de produção. A exploração de materiais mais adequados - ferro, o bronze e vidro - com o objetivo de favorecer uma produção industrializada mas com qualidade estética efetivamente pôde ocorrer com a eclosão do movimento chamado Art Nouveau. Artistas como Émile Gallé, Hector Guimard, Henry van del Velde, Victor Horta, Mackmurdo, Antoni Gaudi, entre 31 outros, propuseram um estilo novo voltado para a originalidade da forma. Nessa nova explosão de criatividade, a flora e a natureza inspiravam o diferenciado uso da linha curva e das formas orgânicas, possibilitando o surgimento de um estilo que pudesse simbolizar os avanços tecnológicos. O Art Nouveau tentou reverter o modo de pensar que até então predominava, propondo a unificação de todas as artes com o propósito de mudar a estética vigente, firmemente ancorada na simples reprodução dos estilos do passado. Assim, promoveu uma forma de arte industrializada, mas tendo um estilo original, que associou à técnica o trabalho artesanal. Para que se conseguisse melhorar os resultados das produções industriais, um grupo de artistas e críticos de arte, formado por Hermann Muthesius, Peter Behrens, Theodor Fischer, Josef Hoffmann, Wilhelm Kreis, Max Laeuger, Adelbert Niemeyer, Joseph Maria Olbrich, Bruno Paul, Richard Riemerschmid, Jakob Julius Scharvogel, Paul Schultze-Naumburg e Fritz Schumacher, associado a alguns produtores, funda na Alemanha em 1907 a federação Deutscher Werkbund. Para os integrantes da Deutscher Werkbund, por meio da indústria seria possível obter um mundo melhor. O artista e o artesão passariam a buscar, juntos, melhor condição de vida e melhor qualidade de produtos industriais [De MORAES, 2008]. O fato é que a indústria ressentia-se da falta de profissionais com habilidades específicas para solucionar os problemas relacionados à busca de desenhos adequados tanto ao tipo de produção, quanto ao conhecimento dos materiais, à implantação de novos métodos de produção e, naturalmente, aos aspectos finais daquilo que se pretendia produzir. 32 Com o objetivo de atender às propostas, demandas e condições que se apresentavam, a Inglaterra adota posturas de incentivo, no país, visando a aproximação dos artesãos com as belas-artes, iniciativa que logo alcançou o restante da Europa. Essas medidas visam reequilibrar a competição internacional: estas regiões encontravam-se, àquela época, em situação pouco avançada comparativamente à América, no sentido de encontrar soluções práticas que atendessem aos propósitos da indústria. Essas iniciativas tinham o intuito de transformar artesãos em profissionais das artes, com competências técnicas adequadas aos serviços nas indústrias e, em decorrência, pôr no mercado produtos que reunissem o uso dos novos materiais com desenhos elaborados especificamente para a produção industrial, conformando-se, deste modo, objetos com o mencionado caráter estético. Essas circunstâncias favoreceram o surgimento das primeiras escolas que ofereciam a chamada formação especialista em Arquitetura e em Design. Dentre elas destacaram-se a Escola da Bauhaus [1919], e a Escola de Ulm [1952], ambas fundamentais pela estrutura de ensino que criaram, reunindo sistematização de conceitos, desenvolvimento de métodos didáticos e aplicação constante da teoria à prática. As circunstâncias que ensejaram o surgimento dessas escolas acabaram por garantir a elas, durante os primeiros anos de funcionamento, um bom número de alunos e o incentivo de algumas indústrias, que viam, nos estudos e experiências realizados pelos estudantes, a oportunidade de manutenção e crescimento de suas produções. 33 figura 1. Os mestres da Bauhaus. Fonte: http://tipografos.net/bauhaus/missao-bauhaus.html 3.1 A ESCOLA DA BAUHAUS a fundação Os antecedentes históricos da Escola Oficial da Bauhaus remontam à Deutscher Werkbund [federação de artistas e críticos fundada na Alemanha em 1907] e, consequentemente, ao movimento inglês Arts and Crafts e ao Art Nouveau, uma vez que parte de seus integrantes era dissidente desses movimentos. A Bauhaus foi fundada por Walter Gropius em 1919, na Alemanha, com base na fusão da Escola Superior de Artes Plásticas, criada pelo alemão Hermann Muthesius, com a Kunstgewerberschule [Escola de Artes e Ofícios], estabelecida em 1906, na cidade de Weimar, pelo GrãoDuque de Sachsen-Weimar e dirigida pelo designer e teórico belga Henry van de Velde. O progresso dos métodos de produção alcançado no século XIX fez que se rompesse a unidade antes existente entre o projeto e a execução artesanal do produto que a ele estivesse submetido. Walter Gropius acreditava que se deveria criar procedimentos distintos para preparar os novos 34 projetistas, e propunha-se a pôr em prática em sua escola aquilo que defendia como programa e metodologia de ensino adequados aos novos tempos. Para auxiliá-lo na criação e implantação desses novos programa e métodos, Gropius convidou para serem seus estreitos colaboradores, entre outros, os artistas Johannes Itten, Paul Klee, Lyonel Feininger, Wassily Kandinsky, Oskar Schlemmer, Georg Muche e László Moholy-Nagy. Entendia que se poderia criar entre arte e indústria produtiva o necessário vínculo anteriormente existente entre arte e artesanato, desenvolvendo ainda a unidade entre a criação e a técnica artesanal [BÜRDEK, 1999]. Ademais, também contou com a colaboração dos arquitetos Ludwig Mies van der Rohe, Adolf Meyer, Max Bill e Marcel Breuer. os ideais Walter Gropius propunha a integração do artesanato ao ensino, mas como parte de uma metodologia didática que viabilizava um sistema de ensino não acadêmico. O trabalho manual, visto como disciplina, tornava-se um “aprender fazendo”, isto é, em princípio, empírico ou simplesmente prático, sem nenhuma teoria a orientar. De acordo com Rainer Wick, Gropius acreditava que “o artesanato constitui uma categoria pedagógica fundamental, representava a forma básica do trabalho prático e do aprendizado profissional”.8 Embora este método tenha sido modificado por alguns professores em outros momentos da trajetória da escola, ele acabou por transformar-se no método adotado pela Bauhaus, e, ainda, por transformar-se em uma norma, para o aprendizado em arquitetura. 7 WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. Tradução: João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 84. 35 programa da escola o curso preliminar O programa da escola dividia-se em três sequências de matérias [figura 2]. A primeira delas era o curso preliminar intitulado Vorkus, introduzido e dirigido por Johannes Itten.9 Este previa um curso preparatório com duração de seis meses, que promovia o contato - por meio de atividades controladas - com questões envolvendo proporções, escalas, ritmos, luzes, sombras, cores e formas, por serem considerados conteúdos fundamentais para o processo criativo. Este desenvolveria capacitação era as o período bases técnica e para a em suas que o estudante produções, formação artística e a se complementariam. Não se exigiam do estudante que ingressava na Escola da Bauhaus noções teóricas anteriores. Como parte da metodologia aplicada pela escola, os conhecimentos seriam assim extraídos da análise e das discussões a respeito dos experimentos de criação concebidos pelo aluno. Nesse processo, a compreensão e os dados resultantes iriam, gradativamente, configurando-se em teoria. Ao mesmo tempo, a linguagem visual que o curso desenvolvia por meio da observação e da representação também era provedora da base teórica e prática necessária à produção artística. 9 Johannes Itten nasceu em Suderen-Linden, na Suíça, em 11 de novembro de 1888, e faleceu em 27 de maio de 1967 em Zurique. Foi professor de escola primária e teve formação de pintor com Adolf Hoelzel, cujas didáticas de arte e teoria de composição influenciaram seu trabalho. Lecionou arte em uma cidade próxima a Berna, transferindo-se depois para Viena para dirigir uma escola de arte. Nesta época foi apresentado a Gropius, que o convidou para dar uma palestra sobre os "Ensinamentos dos Mestres Antigos" na sessão inaugural da Bauhaus em 21 de março de 1919, no Teatro Nacional de Weimar. Em outubro do mesmo ano, ocupou a cadeira de professor da Bauhaus até março de 1923, quando pediu demissão. Itten foi a figura mais importante durante esta primeira fase da Bauhaus, tendo influência nas oficinas, na organização e na estruturação de cursos de design. figura 2. Esquema do programa de ensino da Bauhaus. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.88. 36 No curso preliminar, o conhecimento de materiais era adquirido em oficinas específicas, tais como as destinadas a cerâmica, metais, encadernação, tipografia e escultura em madeira. Nos primeiros tempos da Bauhaus, as oficinas mantinham à sua frente dois diretores, um artista e um artesão, ou, nos termos empregados na escola, um “mestre da forma” e um “mestre do artesanato”. Esta estratégia manteve-se durante os primeiros anos devido à ausência de profissionais que reunissem em si as duas competências. De acordo com Itten, o curso preliminar - ou o que ele chamava de ensino globalizante, ou, ainda, de uma educação integral - foi concebido no sentido de que fosse uma preparação em que o corpo e o espírito eram sugestionados, estimulados. As aulas ministradas por Itten iniciavam com exercícios de ginástica [movimento e respiração], para que o estudante pudesse relaxar, seguidos de exercícios rítmicos das formas, em que se traçavam no papel desenhos, com acompanhamento de uma marcação de compasso. Para Itten, os estudantes deveriam exercitar forças motoras e, ao mesmo tempo, experimentar o ritmo como princípio básico da existência e da organização plástica. Tais aulas eram pautadas sob três pontos centrais: os estudos acerca da natureza e das matérias-primas, a análise dos trabalhos de antigos mestres e as aulas de nu artístico. Aqueles relacionados à natureza e às matérias-primas tinham o intuito de educar a sensibilidade do estudante para a apreensão das diferenças existentes entre os elementos físicos. O aluno desenvolvia esboços escultóricos, com tamanhos variados, compostos por diversos materiais, e em seguida desenhava estes esboços, explorando os contrastes dos materiais e o movimento que estes sugeriam [WICK, 1989]. 37 O mestre lançava mão de exercícios de coordenação motora e estudos bidimensionais, estendendo-os a composições tridimensionais. Utilizando a teoria geral dos contrastes, levava os alunos a trabalhar com uma infinidade deles - as oposições existentes entre grande e pequeno, comprido e curto, largo e estreito, grosso e delgado, áspero e liso, claro e escuro, leve e pesado. Conforme Itten, esses estudos preparariam os estudantes para o trabalho nos ateliês, quando então os contrastes deveriam ser representados em desenhos ou esculturas, resultantes tanto da compreensão dos pares opostos, como da aplicação dos ensinamentos acerca da forma [figura 3]. Somavam-se a esses exercícios aqueles em que se desenvolvia o estudo da natureza, com o objetivo de fixar as figura 3. Estudo com materiais do curso preparatório de Johannes Itten, 1921. Este trabalho de Oskar Schepp se baseia no contraste entre vários materiais considerados não nobres como o papel cartão, a tela, o feltro, o arame e tachas, com que caprichosamente a figura se compõe. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 27 impressões sensoriais, as atividades com as formas plásticas e suas representações. Incentivavam-se ainda os exercícios de criação geométrica, com a intenção de propor a invenção de formas [figura 4] que, segundo Itten, serviriam de parâmetros ao processo de criação. “[...] toda prática pedagógica de Itten estava orientada no sentido de uma educação para a arte, a se processar através da vivência subjetiva e do conhecimento objetivo” [WICK, 1989, p. 153]. O conceito de forma era introduzido através do reconhecimento de figuras consideradas elementares, como o círculo, o quadrado e o triângulo. Deste reconhecimento partia-se para a apreensão do caráter atribuído a cada uma delas. O círculo era considerado fluido e central, o quadrado, sereno e o triângulo, diagonal. Já o aprendizado das cores sempre foi aliado à compreensão das formas elementares e visto pelos estudantes com enfoque mais abrangente nos anos de estudo que sucediam ao curso preliminar. Quando da análise de obras de antigos mestres, o aluno deveria, durante a observação, concentrar-se bem no ritmo da pintura ou em sua construção, aprofundar-se nos valores figura 4. Composição com cubos. Exercício para a observação das relações estático-dinâmicas. Johannes Itten, 1921. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 151. 38 de claro-escuro ou, ainda, nas cores. Com base no observado, o estudante desenharia a essência da obra, por meio do registro do movimento, das linhas principais e das curvas. Nas aulas de nu artístico - diferentemente das escolas conservadoras de artes e ofícios, em que se adquiriam habilidades por meio da cópia -, o aluno efetuava representações rítmicas do nu, conseguidas mediante a observação e apreensão do movimento [figura 5]. Raras vezes eram feitas representações fiéis à realidade. Para Itten interessava que o estudante alcançasse essas representações por meio da compreensão das leis da cor, da forma, da composição e da configuração, de maneira que encontrasse seu próprio ritmo e desenvolvesse uma personalidade harmônica. O curso preliminar intentava cultivar as capacidades e as aptidões inerentes à expressão individual, e não à imposição de conhecimentos. Gui Bonsiepe [1983, p. 87], em texto escrito para a revista Summa em 1978, atribui ao curso preliminar a função de “compensar a falta de preparação manual para os alunos que optavam pela carreira projetual”. E conclui que: “[...] esses exercícios de cor, de composição, de textura, não podem ser vistos como uma ante-sala para a pintura e a escultura. A finalidade é outra: treinar a sensibilidade na exploração das leis geradoras da forma” [1983, p. 88]. Kandinsky10 também trouxe sua contribuição para o curso preliminar, e esta foi maior no que se refere aos conteúdos ministrados, do que propriamente em relação aos métodos 10 Wassily Kandinsky nasceu em Moscou em 16 de dezembro de 1866, e faleceu em 13 de dezembro de 1944; foi um artista russo, professor da Bauhaus e introdutor da abstração no campo das artes visuais. Apesar da origem russa, adquiriu a nacionalidade francesa. figura 5. Rudolf Lutz, 1921. Nu artístico buscando a interpretação rítmica - da classe de Johannes Itten. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 51 39 educativos. O curso por ele organizado dividia-se em duas partes: na primeira, tratava-se de uma introdução aos elementos formais abstratos11 e aos planos básicos [suporte material das imagens]; a segunda, por sua vez, abordava um programa de desenho analítico.12 Segundo Kandinsky, o objetivo desse método por ele proposto e praticado era desenvolver a competência de pensar, simultaneamente, em duas direções. Reconhecido por Gropius na condição de mestre da forma, Kandinsky era responsável pela oficina de pintura mural, figura 6. Ludwig Hirschfeld-Mack, 1922. Exercícios da classe de Wassiliy Kandinsky. Uso de superfícies coloridas para demonstrar os diversos efeitos espaciais das cores: um objeto escuro em um fundo claro parece menor que o objeto claro do mesmo tamanho em um fundo escuro. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 67 local em que os estudantes poderiam investigar as relações que pudessem ser estabelecidas entre a percepção da forma e sua cor; pois, conforme um dos princípios da criação configurados no ensino da Bauhaus, a cor poderia alterar a percepção de uma forma [figura 6]. Verificava-se ainda que, se a cor fosse harmonizada com a forma, esta teria seus efeitos intensificados, ao passo que, se a cor não estivesse em harmonia com ela, esta se modificaria. Desse modo, é possível compreender, na proposta de Kandinsky, a presença dos princípios sugeridos pela teoria da Gestalt, teoria cujo tema central é a percepção, e, para os gestaltistas, a percepção da forma também está ligada ao estímulo promovido pela cor [figura 7]. Com o foco no desenvolvimento da capacidade de criação, o ensino na oficina de pintura mural era orientado pela teoria, e complementado por exercícios práticos rigidamente formulados, restringindo as possibilidades de soluções, mas, mesmo assim, garantindo a possibilidade de conseguir-se resultados distintos. 11 Onde se trabalhava a teoria das cores (cor isolada), a teoria das formas (forma isolada), a teoria das cores e das formas (relação cor-forma). 12 Consistia na descoberta das forças ou tensões regulares, que se podem descobrir nos objetos existentes, e da construção regular destas – educação para observação e reprodução das relações. figura 7. Monika Bella Broner, 1931. Experimento de cor sobre formas secundárias da classe de Wassily Kandinsky. Através deste exercício os estudantes da Bauhaus tentavam encontrar cores correspondentes às formas intermediárias, de onde surgiu uma espécie de círculo de formas e cores. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 146 40 Para explorar melhor os processos de criação, Kandinsky iniciava seu curso pela teoria das cores, com o intuito “de conscientizar os estudantes de que a cor não é um dado absoluto [...], mas que sua natureza é relativa, e elas são altamente dependentes do contexto” [WICK, 1989, p. 284]. Conforme anteriormente observado, ele prosseguia as aulas com estudos da teoria das formas [Gestalt], da teoria das cores e das formas e encerrando o conteúdo com os planos básicos. O programa de desenho analítico [figuras 8 e 9] era constituído de três etapas ou, como os chamou Kandinsky, três estágios. O primeiro deles envolvia a representação formal sucinta, ou seja, a configuração de um esquema figura 8. Esquema gráfico de um salto da bailarina Palucca. Wassily Kandinsky, 1926. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. gráfico de um objeto complexo. O segundo abordava a explicação das tensões descobertas, de modo que ficasse indicada uma rede construtiva por meio de linhas; e o terceiro, por sua vez, consistia na simplificação de todo o complexo anteriormente visualizado, para que fossem alcançadas efetivamente suas partes constituintes. Kandinsky, assim como Gropius, defendia a ideia de que a uma escola superior de criação, como a Bauhaus, era imprescindível o conhecimento genérico acerca dos fundamentos sobre os quais se assentavam os processos da criação. a aprendizagem na oficina O segundo curso, realizado em oficinas de aprendizagem, consistia no estudo da forma, fundamentado nas questões envolvendo a natureza, a cor, o espaço, as composições, as estruturas e suas representações, os diversos materiais e ferramentas. Ao final dos três anos de sua duração, o aluno bem sucedido obtinha o diploma oficial de artesão. figura 9. Desenho analítico, produzido em uma aula de Kandinsky, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. 41 o estudo da construção O terceiro dos cursos era o de aperfeiçoamento, e tinha duração variável. Baseava-se no trabalho da teoria aplicada em atividades desenvolvidas em construções [no campo de provas da Bauhaus], e na produção em arquitetura. Em seu final, concedia-se ao aluno o diploma de mestre, o que estaria de acordo com a formulação de objetivos estabelecida por Gropius no manifesto de fundação da escola, no qual ele afirmava ser a construção o objetivo de toda atividade artística [WICK, 1989]. as proposições de Gropius Walter Gropius defendia um programa que unisse o ensino do artesanato ao ensino das artes industriais, capaz de formar jovens com um novo perfil, ou seja, que conhecessem e, por conseguinte, dominassem as técnicas de produção então modernas. Acerca desta ideia, Gillo Dorfles escreve: “efectivamente, Gropius [...] acreditava que, conjugando o ensino artesanal com o artístico e industrial, se podia criar o artista completo, capaz de dominar todos os sectores da produção” [2002, p. 26]. Diante da proposição de Gropius, que se definia pelo enfrentamento da experiência de conjugar o conhecimento do artesanato e o dos recursos da indústria, e pela compreensão das especificidades de produção de cada um deles, a Bauhaus assume, por meio de seus professores, uma postura diversa para seu trabalho. Nesse sentido, propõe um método pedagógico que privilegia, valoriza e promove o trabalho em grupo, na crença de que este possa levar o resultado a um grau de eficiência muito maior do que o trabalho feito individualmente. Gropius entende e argumenta em favor de que o indivíduo que participa de todas as etapas de produção certamente se tornará um responsável e, mais que tudo, consciente. trabalhador 42 É oportuno mencionar que todas as experiências propostas pelo programa da Bauhaus foram concretizadas devido à integração e à intensa contribuição de Gropius e de seus colaboradores e, ainda, pela participação, na pesquisa conjunta, de artistas, mestres de oficinas e alunos, levando a efeito as intenções de Gropius para com a Bauhaus desde sua fundação, no sentido de que a escola fosse democrática, e que todo o corpo docente adotasse a colaboração como um princípio gerador de coesão. O que se pôde confirmar com a presença de alunos recém-formados compondo o corpo docente da escola, quando esta já estava em sua segunda fase. Para Walter Gropius, a Escola da Bauhaus tinha, entre seus propósitos, educar os homens para que estes compreendessem o mundo em que viviam e, ademais, para que pudessem estabelecer relações entre conceitos e formas que simbolizassem esse mundo. Para tal, Gropius defendia a ideia de que as áreas de estudo deveriam ser abrangentes e avizinhar-se às demais áreas do conhecimento, com o único intuito de promover experiências interdisciplinares distintas. Gillo Dorfles13 questiona as condições disponíveis para alcançar esses objetivos, valorizando, contudo, a intenção e os resultados atingidos por Gropius: “Sabemos hoje que semelhante ideal „humanista‟ é quase impensável, sabemos que são necessárias outras bases – de caráter científico, linguístico, psicológico, filosófico – para permitir uma visão clara do problema; todavia, não podemos ignorar a eficácia 14 do ensino de Gropius [...]”. 13 Gillo Dorfles nasceu em Trieste, na Itália, em 1910. Não obstante sua formação em Medicina é crítico de arte, pintor, filósofo e autor de numerosos ensaios sobre estética. Em 1948, funda o Movimento Arte Concreta, com Monnet, Soldati e Munari. Em 1954 passou a ser membro da seção italiana do grupo ESPACE, com Munari, Monnini, Reggiani e Veronesi. 14 DORFLES, Gillo. Introdução ao desenho Industrial. Lisboa: Edições 70, 2002, p. 26. 43 Gropius acreditava que as atividades de projeto deveriam definir-se mediante métodos de investigação. Que a combinação do trabalho conjunto com as experiências e os conhecimentos teóricos conformaria os fundamentos de projeto do produto, fosse ele uma mesa, um recipiente ou uma casa [figuras 10,11 e 12]. figura 10. Casa Gropius. Walter Gropius, 1938. figura 11. Açucareiro. Walter Gropius, 1969. Fonte: http://www.writedesignonline.com/ history-culture/walter-gropius-sugarbowl.jpg Fonte: http://www.galinsky.com/buildings/gropiushouse/gropius3.jpg a consolidação e a mudança de objetivos No período compreendido entre 1922 e 1927 a contratação de Kandinsky, de Lázló Moholy-Nagy e de alguns jovens mestres fez que houvesse um fortalecimento das relações internas ao grupo e, portanto, se extinguissem as divisões partidárias comuns nos primeiros anos da escola. Os objetivos e a continuidade dos trabalhos foram assegurados, o que caracterizou esse período como uma fase de consolidação. A chegada do novo corpo de mestres exigiu a reordenação da estrutura organizadora da escola. A dupla formação dos jovens mestres [artística e técnica] levou a produção em série à condição de principal preocupação da escola, que foi aos poucos passando da elaboração de protótipos à produção para a indústria, e transformando-se assim num centro de produtivo, no qual o propósito principal era a criação de objetos altamente funcionais, com atributos estéticos e destinados a todas as figura 12. Monumento aos Caídos de Março em Weimar. Cimento. Walter Gropius,1921. Esta é a única escultura de Gropius, foi destruída no período hitleriano, e reconstruída após 1945. Fonte: WINGLER, Hans M. La Bauhaus. Weimar, Dessau, Berlin: 1919-1933. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. p. 246 44 categorias sociais, ou seja, que tivessem em todos os aspectos um custo reduzido. Para atender aos novos objetivos, a Bauhaus passava a estudar e a investigar com bastante rigor as questões diretamente ligadas à funcionalidade, bem como a possibilidade de aproximação deste conceito aos gêneros artísticos e artesanais. No ano de 1923, Gropius modifica a orientação do programa original, que valorizava principalmente os ofícios, passando a priorizar a produção direcionada para a indústria. Essa reorientação, em desacordo com o pensamento de alguns colaboradores, provoca a saída de parte deles, incluindo Johannes Itten. Ainda no ano de 1923, a escola inaugura sua primeira exposição [figura 13], na qual pôde mostrar ao público os resultados provenientes das atividades desenvolvidas por seus estudantes. Junto à exposição, acontecem conferências, concertos musicais, projeções cinematográficas e espetáculos de balé e teatro, entre muitos outros eventos. Em 1924 a situação econômica na Alemanha começa a melhorar, e a escola também pode avançar em suas atividades, expondo o pensamento e os métodos de ensino adotados, mediante a vasta atividade da Bauhaus no campo editorial, com a publicação de uma série de livros intitulada Bauhausbücher, coeditada por Gropius e Moholy-Nagy. Esse trabalho, uma ideia promocional de Moholy-Nagy, apresenta e divulga, tanto no mercado interno quanto no externo, títulos que explicitavam seus processos pedagógicos e os princípios que norteavam o movimento moderno em geral. No período que abrangeu os anos de 1925 a 1930, 14 livros foram publicados pela escola. figura 13. A primeira exposição, 1923 o cartaz marcava a estréia de uma nova identidade da Bauhaus, com uma tipografia e um grafismo moderno, inspirados no construtivismo russo. Fonte: KENNEDY, Andrew. Madrid: Edimat Libros, 2008. p. 137 45 Moholy-Nagy, sem dúvida, trouxe várias contribuições para a Escola da Bauhaus, sendo um importante pedagogo da arte, que argumentava em favor da suposição de que a educação estética conduziria o homem a uma melhor compreensão de seu papel e de sua posição dentro do mundo moderno. Moholy-Nagy, assim como Itten, defendia a educação integral, acreditava que o primeiro ano de curso na Bauhaus servia para educar e amadurecer os sentidos, os sentimentos e o pensamento dos jovens, afastando-os, desta maneira, dos conhecimentos obtidos nas enciclopédias. figura 14. Estudo de equilíbrio montado com base no peso específico de diferentes tipos de madeira, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. No que diz respeito ao estudo das formas, Moholy-Nagy, afirmava que, antes de exercitar a observação pormenorizada da forma, é preciso adestrar o sentido tátil e óptico para a forma em questão. No início do curso preliminar, previa-se a elaboração de vários exercícios dirigidos a desenvolver o senso do tato e da visão, com base na utilização de materiais previamente selecionados, entre eles, os exercícios de construção tridimensional e de equilíbrio [figuras 14 e 15]. Em conformidade com o exposto, Rainer Wick15 afinal, esclarece que “o verdadeiro esforço pedagógico consistia em transferir para o domínio da percepção óptica esses valores sensitivos estabelecidos de maneira táctil em diferentes e exaustivos exercícios”. As montagens usadas nestes exercícios deveriam ser levadas para o desenho ou para a pintura, de modo que a representação se aproximasse ao máximo da realidade antes experimentada. Assim, o exercício aguçava a percepção sensorial e ao mesmo tempo treinava técnicas de representação. Moholy-Nagy propôs, para os exercícios cuja finalidade fosse a da construção tridimensional ou experimentação do espaço, uma investigação acerca de problemas relacionados à disposição e à aproximação de corpos no espaço mediante o 15 WICK, Rainer. op. cit., p. 203. figura 15. Estudo de equilíbrio utilizando a espiral para sustentar a construção, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. 46 uso de planos e outras superfícies, incentivando a busca de soluções para problemas construtivos e, especificamente, favorecendo a prática da criação. Estreitando esses experimentos, Moholy-Nagy apresentou o que ele denominava os “cinco estágios da evolução da escultura” e também apresentou exercícios a respeito do equilíbrio compositivo. Tais exercícios tinham como objetivo possibilitar aos estudantes o conhecimento de elementos da estética visual, como massa, proporção e tensão - bem como pretendiam auxiliá-los a compreender algumas das características físicas do comportamento de diferentes materiais, como o peso e a resistência. A formação distinta do corpo docente da Bauhaus possibilitou a promoção de atividades com os mais diversos direcionamentos por meio de métodos distintos, já que os princípios e as experiências desses artistas docentes também eram distintas. Este dado foi importante na promoção de mudanças no trabalho de projetar, e para “estimular a imaginação”. Bürdek16 relata uma prática compartilhada por Josef Albers,17 pintor alemão [1888-1976], e Johannes Itten, pintor e escritor suíço [1888-1967]: “Desde el punto de vista metodológico tanto Albers como Itten adoptaron un método inductivo en la enseñanza de la creación, es decir, dejaron a los estudiantes buscar, probar y experimentar. De esta forma se fomentaba indirectamente la capacidad 18 cognoscitiva” [BÜRDEK, 1999, p. 28]. 16 BÜRDEK, Bernhard, E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. 2 ed. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. 17 Josef Albers nasceu em Bottrop, na Alemanha, em 19 de março de 1888. Estudou arte em Berlim, Essen e Munique e morreu em 26 de março de 1976, em New Haven, Estados Unidos. Foi autor de teorias de projeto, pintor abstracionista, designer, tipógrafo e docente na Bauhaus, em que sua mais importante contribuição se deu no curso preliminar. 18 Do ponto de vista metodológico, tanto Albers como Itten adotaram um método indutivo no ensino da criação, isto é, deixaram os estudantes procurar, provar e experimentar. Desta forma se estimulava indiretamente a capacidade cognitiva. Tradução livre da autora. 47 Josef Albers dizia ter por base uma metodologia educativa, e não de fabricação. O contato com o material é, sem dúvida, um dos principais aspectos de seu trabalho artístico na Bauhaus. Albers privilegiava a educação que objetivava a economia de material, reforçando uma atitude racional. Em sua opinião, o não desperdício implicava disciplina e estava ligado ao dispêndio exato do trabalho, que, por sua vez, conduzia à ênfase na beleza. Albers promovia exercícios aos quais definia como atividades de adestramento do pensamento construtivo e da atuação econômica, em que os estudantes deveriam respeitar e utilizar o material por ele indicado de modo sensato, levando em conta as características deste. Os trabalhos, em sua maioria, eram baseados nos princípios do pregueado e da dobradura, e cada figuras 16/17. Estudos de materiais, feitos no curso preliminar ministrado por Josef Albers, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 246/247. elemento da construção deveria atuar, a um só tempo, como ajudante e ajudado [figuras 16 e 17]. Para Albers, a limitação e as restrições externas impostas por ele proporcionavam uma série de possíveis soluções, mas somente, para as “pessoas criativas” [figura 18]. Dessa maneira, o corpo teórico se formava com o auxílio dos conhecimentos que eram extraídos da análise e da discussão dos experimentos criados. Gropius acreditava que os resultados obtidos por meio dessas novas proposições consolidavam, cada vez mais, os métodos de ensino promovidos pela Bauhaus, como também consolidavam mudanças no que diz respeito à concepção de projeto, à concepção da arquitetura e à concepção do design. O projeto passava a ser concebido como uma série contínua e ordenada de ações, e as experiências deste tornavam-se com o tempo um corpo contínuo de vivências que poderiam colaborar entre si, dar suporte e solidificar seus resultados. figura 18. Gustav Hassenplflug, 1928. Trabalho em papel realizado no curso preparatório de Josef Albers. Mediante cortes e arcos, o papel se sustenta por si mesmo. Nenhum pedaço da folha de papel é descartado, formas positivas e negativas fazem parte da solução formal válida, concebida também como „ilusão de penetração‟. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 143 48 Em fevereiro do ano de 1924 a Bauhaus é ameaçada de dissolução pela forte oposição dos conservadores às inovações que a escola propunha. Em decorrência, Walter Gropius decide abandonar a cidade de Weimar. Em 1925 a sede da escola é transferida para Dessau, a convite do prefeito da cidade, Fritz Hesse. Gropius fica com o encargo do projeto da nova sede da escola, além do projeto de uma casa, onde ele residiria, e de três outras moradias destinadas a professores. O arquiteto também foi encarregado de projetar para Dessau um bairro modelo de habitações operárias, no subúrbio, o Siedlung Törten, e a sede do Órgão Municipal do Trabalho, que abrigaria os docentes. Esses novos edifícios foram inaugurados oficialmente em dezembro de 1926. Coube à própria escola projetar os móveis dos ateliês, da cantina e do auditório, além de efetuar os acabamentos, providenciar a pintura e os demais pormenores de término da construção. Sobre o resultado obtido no projeto da nova sede da Bauhaus, e sobre as impressões que eles causaram, Leonardo Benevolo expõe: “A „nova unidade‟ entre a arte e técnica, que Gropius ensina na escola, verifica-se no edifício da Bauhaus até um ponto dificilmente superável; ele realizou uma construção representativa e mesmo monumental, a seu modo, sem de modo algum afastar-se até da escala humana e aderindo rigorosamente às 19 necessidades utilitárias”. Argan refere-se ao método de projeto desenvolvido e adotado por Gropius para o edifício da nova sede da Bauhaus dizendo: “[...] não é um método para encontrar a forma correta, a gute Form: estimulante para os processos psíquicos 19 BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 416. 49 da consciência é a forma que não se apresenta como dada, mas é captada em sua formação, isto é, no 20 dinamismo que a produz”. Nesse sentido ainda, pode-se acrescentar que, assim como nos projetos de objetos de consumo, o projeto do edifício que comporta a nova sede da Bauhaus destaca as relações entre os elementos funcionais que o compõem, em que fachada, estruturas de passagem e balcões mantêm certa proximidade, ou, até, certa continuidade, e também destaca o rigor com o qual foram concebidas as formas que o definem e as suas inter-relações. O edifício foi considerado um marco da arquitetura moderna, um dos que caracterizaram o século XX, e estabeleceram novos princípios relacionados à forma e à estética, marcando o início de uma nova fase, em que a produção era pautada pela simplicidade racional e pela preocupação com a otimização, viabilizando a produção econômica dos projetos. O edifício da Bauhaus foi efetivamente a primeira grande obra nesse gênero, ultrapassou em sutileza e originalidade tanto as obras que lhe eram comparáveis em tamanho como aquelas que, em menor número, em princípio, lhe poderiam ser comparáveis em relação à qualidade estética [figuras 19 e 20]. figura 19. Edifício sede da Bauhaus em Dessau, projetado por Walter Gropius. Fonte: http://tipografos.net/imagens/bauh5.gif 20 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 272. figura 20. Bauhaus - Dessau. Fonte: http://verenavogler.wordpress.com/ 2008/07/07/design-conferencebauhaus-dessau-062008/ 50 A mudança para Dessau favoreceu alguns dos jovens mestres da escola, pois estes assumiram a responsabilidade das oficinas, e de certo modo essa nova situação deu visibilidade e fortaleceu os trabalhos que eles até então lá desenvolviam. Este foi o caso de Marcel Breuer,21 [figura 21] e que assumiu a oficina de móveis. Esta oficina, tendo-se originado da fusão da oficina de metais com a de carpintaria, foi onde Breuer desenvolveu o design de poltronas e cadeiras adequadas à produção industrial. A cadeira denominada “Wassily”, projetada e produzida em 1925 é resultante dessa ação [figura 22]. Outras oficinas, tais como a de acabamento, dirigida por Moholy-Nagy, a têxtil, dirigida por Gunta Stölzl, e a de pintura, dirigida por Hinnerk Scheper, também sofreram diversas mudanças em seus processos de produção, ajustando-se às exigências da fabricação em série. figura 21. Casa pré-fabricada. Marcel Breuer, 1942. Fonte: http://referencelibrary.blogspot.com/ 2007/08/marcel-breuer-prefab.html 21 Marcel Breuer nasceu na Hungria, em 21 de maio de 1902 e faleceu em Nova York, em 1º de julho de 1981. Arquiteto, fez parte da primeira geração de alunos formados pela Bauhaus. É de destacada importância seu trabalho com design de mobiliário, cuja obra é vendida até hoje. Após a Segunda Guerra fixou-se nos Estados Unidos, juntamente com outros alemães famosos, como Gropius e Mies van der Rohe, dedicando-se a arquitetura, tendo lecionado em Harvard e fundado em Nova York a Marcel Breuer and Associates. Seu estúdio de arquitetura foi responsável por uma quantidade apreciável de projetos em solo americano, entre eles, o Whitney Museum of American Art em Nova York. figura 22. Cadeira “Wassily”. Marcel Breuer, 1925. Fonte:http://research.uvu.edu/abbott/ blog/uploaded_images/300pxBauhaus _Chair_Breuer-757844.png 51 Mesmo com a mudança da sede da escola de Weimar para Dessau, a estrutura de ensino foi mantida, embora fosse possível perceber alterações referentes aos objetivos pedagógicos. Conforme opinião de Rainer Wick [1989, p. 90], a partir dessa data [1925] a escola passou a “apresentar a tendência ao ensino formalizado”. Tal fato pode ser comprovado com a modificação do nome, da estrutura e do período de duração do curso preliminar, que passou a chamar-se ensino básico, com duração total de um ano, e foi subdividido em ensino de oficina e ensino de forma. O ensino de oficina implicava o manuseio de diferentes materiais e ferramentas, a criação e construção de objetos de uso comum na oficina, a elaboração de projetos, a discussão, a execução e a avaliação dos planos, das disponibilidades técnicas e econômicas de consolidação dos mencionados projetos e a introdução ao desenho técnico. Já o ensino da forma implicava a aprendizagem teórica e a feitura de exercícios práticos que se configuravam na análise de elementos formais, na assimilação das relações orgânicas e funcionais, na introdução à abstração, na prática do desenho, da pintura e da construção, atestando assim a aplicação de processos criativos. Esse novo conteúdo programático, em comparação com aquele oferecido no curso preliminar, limitava a possibilidade do desenvolvimento criativo do estudante. Era a chamada orientação instrumentalista e utilitarista. Em 1928, desgastado pelas sucessivas reorganizações do quadro de mestres e, ainda, por continuar a ser alvo da crítica dos conservadores, Walter Gropius deixa o cargo de diretor da escola, que ele considerava já consolidada. Juntamente com Gropius, saíram Marcel Breuer, Herbert Bayer e MoholyNagy. Seu sucessor foi o arquiteto suíço Hannes Meyer, que 52 desde 1926 respondia pela diretoria do departamento de arquitetura. Diante da diretoria do departamento, Hannes Meyer defendia a ideia de que as obras deveriam servir ao povo, satisfazendo suas necessidades elementares, melhorando suas condições de vida e lazer. Meyer estabeleceu um ensino de arquitetura sistemático e com bases científicas, por meio da análise da situação social e de estudos de fatores biológicos, psicológicos e de organização da vida, para aprofundar e enriquecer a arquitetura. Sob a direção de Meyer a Escola da Bauhaus abandonava definitivamente a proposta de ser uma escola de arte, dedicando-se ao propósito de desenvolver uma produção voltada a soluções de ordem social, no que se refere às construções. Meyer organizou a Bauhaus em quatro departamentos principais: arquitetura, publicidade, produção em madeira e metal e têxteis. O departamento de arquitetura passava a ser o ponto central da escola, tendo ênfase agora na otimização econômica dos projetos. Com autonomia e seções de desenho anexas, essa nova configuração provocou o enfraquecimento da influência dos pintores e, tempos depois, a eliminação das classes livres de pintura. Quanto ao período de duração do ensino na formação básica, este foi ampliado de três para quatro anos. O curso de arquitetura passava a ser de quatro anos e meio, ou nove semestres divididos em teoria arquitetônica e construção prática. No início de 1930, Hannes Meyer, organizou uma exposição comemorativa pelos dez anos da fundação da Bauhaus, inaugurada em Dessau e posteriormente apresentada em Basiléia, Breslau, Essen, Mannheim e Zurique. Ainda no ano 53 de 1930, Meyer, cuja postura esquerdista não era bem vista pelas autoridades, foi substituído na direção da escola. É importante ressaltar que, no período de sua permanência no cargo, a Escola da Bauhaus trabalhou com enorme eficiência do ponto de vista da produção e da economia. Para substituir Meyer foi chamado o arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe [figuras 23 e 24], que se manteve fiel à trajetória traçada por Meyer, em relação aos valores atribuídos à arquitetura, mas implantando algumas classes de design e retomando as classes de pintura livre e uma de fotografia. figura 23. Casa Farnsworth. Mies van der Rohe, 1950. Fonte:http://commons.wikimwdia.org/wiki/ File:Mies_van_der_Rohe_photo_Farnsworth_House_PlanoUSA_7.jpg Em outubro de 1932, devido à aproximação da chegada dos nazistas ao poder, seguida por fortes pressões políticas, a Escola Oficial da Bauhaus transfere-se para Berlim, com a denominação de Instituto Superior de Ensino e Pesquisa Técnica. O programa de ensino é novamente alterado, e passa a ter a duração de três anos e meio, ou sete semestres. Novas intervenções nazistas acontecem, e estas levam a Escola da Bauhaus a encerrar suas atividades, definitivamente. figura 24. Cadeira Barcelona. Mies van der Rohe, 1929. Fonte: http://www.fernandorigotti.com/ wp-content/uploads/2007/06/ mies_van_der_rohe_barcelona.jpg 54 Foi em julho de 1933, logo após Adolph Hitler assumir o poder, que a Bauhaus foi fechada, por ordem de governo. De acordo com Argan,22 “a Bauhaus foi uma escola democrática no sentido pleno do termo: precisamente por isso, o nazismo, tão logo chegou ao poder, suprimiu-a”. A chegada do nazismo resultou, contudo, na propagação dos ideais da Bauhaus nas décadas seguintes pelo Ocidente europeu, e também nos Estados Unidos e Israel, para onde se encaminharam muitos dos artistas e professores da escola, exilados pelo regime então imposto. Ainda sobre a dissolução da Escola da Bauhaus e os reflexos dessa desagregação, a historiadora Silvia Ferrari23 denomina o ocorrido um “evento traumático na época, mas não definitivo, dado que o espírito da Bauhaus iria influenciar as escolas de design de todo mundo” [2001, p. 170]. Inúmeros artistas, professores e pensadores, perseguidos pelo Terceiro Reich,24 foram obrigados a deixar a Alemanha. Mies van der Rohe foi quem mais tempo permaneceu ainda na Alemanha, emigrando para os Estados Unidos somente em 1938. As repercussões da nova ordem política estenderam-se, também, ao edifício da Bauhaus, que sofreu várias intervenções, sendo, finalmente, descaracterizado. Em 1994 se inicia uma reforma, com o intuito de restabelecer suas condições anteriores. A obra ficou sob 22 ARGAN, Giulio Carlo. op. cit., p. 269 Sílvia Ferrari é licenciada em História de Arte, conjuga a investigação sobre os movimentos e os artistas da primeira metade do século XX com a atividade de crítica e consultora artística de diversas galerias de arte. 24 O nome Terceiro Reich designa o período histórico da existência da Alemanha Nazista. Vem na sequência do Sacro Império Romano-Germânico (dito o I Reich) e do Império Alemão (18711918) como o II Reich. Isto foi feito para sugerir um regresso glorioso da Alemanha anterior à República de Weimar, instaurada em 1919, mas que nunca foi dissolvida oficialmente pelo novo regime. O Partido Nazista procurou combinar símbolos tradicionais da Alemanha com seus próprios símbolos, no intuito de reforçar a idéia de unidade entre os seus ideais e a Alemanha. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanha_Nazi>. 23 55 responsabilidade da Fundação Bauhaus, que concluiu os trabalhos no ano de 2007. Grandes contribuições foram deixadas pela Bauhaus na trajetória de seu fundador Walter Gropius, e de seus sucessores. Estas estão ligadas a um projeto pedagógico inicial, que buscava criar uma estreita fusão entre o trabalho de ateliê e o ensino teórico, e ainda buscava ajustar-se ao ideal de concretização de um programa que prezava a unidade entre arte e técnica. Gillo Dorfles reconhece o valor das intenções e das realizações da Bauhaus, efetivadas no trabalho de artistas, professores e colaboradores: “[...] continua a ser um fato que, sem a Bauhaus, dificilmente se teria desenvolvido tão rapidamente uma clara consciência dos novos requisitos necessários à evolução arquitectónica e do desenho 25 modernos”. Na Bauhaus a proposta para o trabalho de projetar constituiu uma ruptura e uma mudança metodológica expressiva. Esta mudança está intrinsecamente ligada à ação do indivíduo diante de um novo trabalho, de sua capacidade de enfrentamento das questões, pois as respostas ou as soluções se dariam a com base em sua disposição a uma nova compreensão. Argan confirma essa compreensão: “Nos programas e nas manifestações internas da Bauhaus, apesar do propósito racionalista, sempre se deu muita importância às atividades dirigidas a 26 estimular a imaginação”. Gropius adotou como método de trabalho pressupostos mínimos; e, para tanto, aceitou a mencionada doutrina racionalista. Esta doutrina, à qual Argan27 referiu-se no excerto acima, foi também por ele chamada de “racionalismo metodológico didático”, e esta pressupõe a beleza de um objeto ou de um edifício em função de uma justa aplicação 25 DORFLES, Gillo. op. cit., p. 26. ARGAN, Giulio Carlo. op. cit., p. 272. 27 ARGAN, Giulio Carlo. op. cit.,p. 264. 26 56 das formas e materiais ao uso que o objeto ou o edifício venham a ter. Walter Gropius e os colaboradores da Bauhaus deixaram suas marcas no período de formação do movimento moderno, já que esta escola fez parte da constituição dos ideais daquela época. Apesar de todas as críticas e perseguições sofridas, a Bauhaus tornou-se um marco na história da Arquitetura e também do Design: foi a primeira escola a utilizar métodos educacionais específicos para o ensino dessas áreas. Conforme afirma Charles Jenks,28 “[...] a Bauhaus, como instituição criativa e educacional, foi algo que não encontrou paralelo, e muito do crédito deve ser atribuído às convicções nacionalistas e à atuação de Gropius, pois ele encorajou, de uma forma perfeitamente consciente, o desenvolvimento individual, a variedade e a divergência” [JENCKS, 2006, p. 118]. Do mesmo modo, pode-se dizer que Gropius e seus colaboradores criaram condições para que os estudantes dos cursos da Escola da Bauhaus desenvolvessem uma atitude lógica, no sentido de que construíssem os argumentos para a concepção e defesa das decisões que conduziram os partidos de projeto adotados, observado o compromisso com a racionalidade que ele, Gropius, sempre defendeu nas diretrizes da escola e em seus desdobramentos nos programas de ensino implantados. Os métodos de ensino na Bauhaus foram diversos, tanto quanto divergiam seus mestres, relativamente à seleção de conteúdos e às diferenças em torno dos objetivos traçados inicialmente por Gropius. Esta versatilidade, de certa 28 Charles Jencks, nasceu em Baltimore em 1939. Estudou Lliteratura na Universidade Harvard, e concluiu um mestrado em Arquitetura pela Harvard Graduate School of Design em 1965. É doutor em História da Arquitetura pelo University College em Londres. Teórico de arquitetura, paisagista e designer. 57 maneira, foi estratégica para a comunicação entre seus membros, que, mesmo com as mudanças ocorridas, conseguiram conduzir o ensino sob o foco que privilegiaria a pesquisa, a criação e a produção em acordo com as técnicas vigentes. Naturalmente os métodos criados e implantados pela Escola da Bauhaus em algumas ocasiões foram contestados. Mas é inegável que influenciaram, definitivamente, os campos da Arquitetura, do Design e das Artes. Sem a Bauhaus, dificilmente se teria desenvolvido tão rapidamente uma clara consciência dos novos requisitos necessários à evolução da Arquitetura e do Urbanismo e do Design e, certamente, não se teria avançado tanto no ensino das mencionadas áreas, em particular quanto à elaboração de programas e à implantação de novos métodos. A Bauhaus significou - em síntese - o rompimento com os fortes padrões existentes e o anúncio de mudanças significativas e, por vezes, utópicas. 58 figura 25 - Escola de Ulm - sessão de plenário, 1968. Foto: Gloria Naubur-Gassmann Fonte: http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/the_hfg_ulm/history.html 3.2 A Hochschule für Gestaltung – Ulm A ESCOLA SUPERIOR DA FORMA Ao final da Segunda Guerra Mundial, a economia da Alemanha, encontrava-se profundamente desestabilizada, porque o esforço investido na guerra levou-a a converter suas instalações industriais em provedoras de equipamentos bélicos. A fim de reerguer sua economia e, principalmente, com a finalidade de reconquistar e reafirmar sua própria identidade, o país não apenas precisou reconstruir seu parque industrial, como também decidiu retomar as discussões acerca dos ensinamentos promovidos pela Escola da Bauhaus. Escolha significativa, porque, durante todo o período de sua existência, a Bauhaus simbolizou, para a Alemanha, as idéias de qualidade, tecnologia e cultura [ARGAN, 2008]. Desde então, a imprensa alemã passou a publicar diversos artigos acerca da mencionada escola, o que despertou em um de seus ex-alunos, Max Bill,29 o interesse em fundar uma 29 Max Bill nasceu na Suíça em 1908, em Winterthur, e morreu em Berlim em 1994. Foi artista plástico, escultor, arquiteto e designer gráfico. Organizou numerosas exibições de arte concreta entre os anos de 1944 e 1964. Estudou na Bauhaus, em Dessau, e mais tarde foi docente na Hochschule für Gestaltung – Ulm. Em 1951, foi premiado na Primeira Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, com a obra “Unidade Tripartida”. Exerceu grande influência sobre o desenvolvimento do design no Brasil. 59 nova escola ou um centro alemão de ensino e pesquisa em design e criação industrial. Paralelamente, em 1947, Inge Aicher-Scholl30, em memória de seus irmãos Hans e Sophia Scholl, executados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, decidiu criar uma fundação que teria por meta formar e manter uma escola em que a aprendizagem profissional, a criação artística e as atividades culturais praticadas estivessem acordadas à responsabilidade política. Nesse momento, o interesse de Max Bill e a intenção de Inge Aicher-Scholl permitem a aproximação de ambos, dando início a uma ação conjunta em favor de um interesse comum. Assim, mediante a concessão de uma licença, obtida junto ao superintendente americano John McCloy, que controlava as ações alemãs do pós-guerra, a Fundação Irmãos Scholl instituiu-se e, então, passou a dar suporte financeiro, intelectual e ideológico àquilo que posteriormente veio a chamar-se Hochschule für Gestaltung - Ulm [HfG] ou Escola Superior da Forma, de Ulm. figura 26. Edifício da Escola Superior da Forma, de Ulm, 1955. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1999. p. 38. A Escola Superior da Forma - Escola de Ulm - foi então fundada, em 1952, mediante os esforços conjuntos de Inge Aicher-Scholl, Otl Aicher, Max Bense, Hans Gugelot, Tomás 30 Inge Aicher-Scholl nasceu na Alemanha em 11 de agosto de 1917, em Ingersheim-Altenmünster, e faleceu em 4 de setembro de 1998, em Leutkirch im Allgäu. Foi escritora e, em sua juventude, participou ativamente do movimento antinazista Rosa Branca. Em 1952, casou-se com o designer e tipográfo alemão Otl Aicher e juntos fundaram a Escola Superior da Forma. 60 Maldonado e Max Bill, este último o autor do projeto do edifício que sediaria a escola [figura 26], cuja construção teve início no ano de 1953. A partir daí até a finalização da obra, a escola funcionou em instalações provisórias, aguardando a inauguração oficial de sua sede própria, em outubro de 1955. Max Bill assumiu a direção da escola imediatamente após a sua fundação. Em 1954, foi nomeado o primeiro reitor, e permaneceu neste cargo até 1956. De suas muitas iniciativas, pode-se destacar a de ter convidado para a formação do primeiro corpo docente da nova escola antigos alunos, e ex-colaboradores da Bauhaus. Compôs, assim, para a Escola de Ulm, um quadro de experientes professores, entre os quais se destacavam Josef Albers, Johannes Itten, Walter Peterhans e Helene NonnéSchimidt. Em consequência desta formação inicial, a Escola de Ulm orientou-se com base nas metodologias didáticas, estratégias de ensino e experiências promovidas pela Bauhaus, principalmente aquelas praticadas durante o período em que a Bauhaus esteve sediada em Dessau [ainda sob a direção de Gropius]. Assim sendo, em seus primórdios, o ensino na Escola de Ulm caracterizava-se pela continuidade da tradição da Bauhaus quanto à manutenção das relações entre arte, artesanato e indústria [BÜRDECK, 1999]. A retomada das mencionadas relações passou a significar uma grande proximidade com os antigos ideais propostos pela Bauhaus, o que acarretou, em alguns momentos, diversos conflitos entre as opiniões defendidas pelos docentes vindos da Escola da Bauhaus e aqueles mais jovens que lecionavam em Ulm. 61 novo modelo educativo No curto período que se estendeu entre os anos de 1956 e 1958, na Escola de Ulm, os enfoques que caracterizavam os programas das disciplinas que nela eram ministradas passaram por várias modificações. Estas se deram principalmente no sentido de que foram adicionadas, ao currículo que antes era adotado, novas disciplinas, como ergonomia, física, sociologia, psicologia, técnicas matemáticas, semiótica, economia e ciências políticas, cabendo a Aicher [figura 27], Maldonado, Gugelot e a Zeischegg, os encargos de ministrá-las. A esses docentes, relacionados com o afora os necessários desenvolvimento dos aspectos conteúdos previstos para as novas disciplinas, coube, também, a indispensável missão de despertar e promover nos alunos da Escola o interesse pela investigação da possibilidade de instituírem-se relações ou aproximações entre o design, a ciência e a tecnologia. É importante destacar o sucesso da mudança proposta, em princípio, em razão de o corpo docente da Escola de Ulm compartilhar a ideia de imprimir-se uma orientação distinta daquela em que o diálogo com o artesanato era condicional. Acreditava-se agora que fosse importante a apropriação de metodologias científicas pelo design, fazendo que este se beneficiasse não apenas da então tecnologia moderna, como também da produção em série. Assim, como essas novas propostas estavam desalinhadas com os ideais defendidos por Max Bill, este abandona a Escola de Ulm no ano de 1956. Tomás Maldonado31 é quem assume o lugar deixado por Bill na direção da escola, que, 31 Tomás Maldonado nasceu em 1922, em Buenos Aires, na Argentina. É pintor, designer e pensador. É considerado um dos principais teóricos do “modelo legendário de Ulm”, filosofia de design desenvolvida durante o período de 1955 a 1967 na Escola Superior da Forma em Ulm, na Alemanha. figura 27. Otl Aicher junto a alguns estudantes, 1958. Fonte: http://www.hfg/archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/history.html 62 neste período, já anunciava o estabelecimento de um modelo educativo próprio. Mediante o novo direcionamento proposto por Maldonado, a Escola de racionalista de 32 ensino Ulm passa a nortear-se pela tradição alemã e, deste modo, propõe uma estrutura mais rigorosa, com marcante caráter interdisciplinar e principalmente voltada para as inovações tecnológicas, tentando instituir um equilíbrio entre a formação teórica e a teoria aplicada e, ademais, entre a ciência e o design. Em 1962, após seis anos de Maldonado na função de diretor, o equilíbrio desejado e perseguido por ele entre as disciplinas teóricas e as práticas havia se instaurado, e o curso oferecido pela Escola de Ulm passa a manifestar um caráter coerente e unitário. Estes resultados apresentavamse de maneira tão consistente, que não demorou muito para que o novo sistema de ensino implantado passasse a servir de referência para outras escolas de Design. Com a adoção desse novo sistema de ensino por diversos outros institutos de formação em design, a Escola de Ulm, por meio de sua inovadora proposta de ensino para a área em questão, começou a ter maior visibilidade. Neste período alguns empresários alemães que puderam tomar conhecimento desses projetos aventaram a possibilidade de implantar em suas indústrias o sistema de produção racional, que, em conformidade com os princípios usados pela Escola de Ulm, valorizavam e exploravam as possibilidades oferecidas pelas novas investigações no campo da tecnologia. 32 Tradição racionalista é o resultado do avanço do conhecimento científico iniciado no século XVII e do desenvolvimento da industrialização a partir do século XVIII. Na arquitetura e no design, a aspiração ao racionalismo identifica-se com o objetivo de alcançar a máxima funcionalidade. [MONTANER, 2002, p. 82] 63 A partir desse instante, a Escola de Ulm passa a desenvolver vários projetos em parceria com a indústria, algumas de grande porte, como a empresa de eletrodomésticos Braun [figuras 28 e 29]. Esse processo de comercialização vai se tornando cada vez mais intenso, e a escola começa a ter sérias dificuldades quanto à preservação de sua autonomia ideológica e a ter sérios impedimentos na elaboração de projetos que não se adequassem ao racionalismo que a caracterizava. Assim, em meados dos anos 60 se mostrava necessária a figura 28. Aparato compacto de radio e toca discos “Phonosuper SK 4”, Braun, 1956. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1999. p. 52. reavaliação dos métodos e dos programas educativos em Design, mas a resistência da Escola de Ulm em abandonar alguns aspectos de sua essência acabaria por inviabilizar a sua continuidade. Esta postura pouco receptiva a alterações acabou por acentuar as divergências internas na escola e, ainda, reforçar as reivindicações dos estudantes no sentido de cobrar da escola mudanças em favor de um modelo de ensino que contemplasse a “relevância social que devia caracterizar o design” [BÜRDEK, 1999, p. 42], e defender a ideia da manutenção da autonomia da escola. As divergências internas, as críticas externas ao modelo de ensino que vinha sendo adotado pela escola e a crise financeira, acrescida de vários problemas políticos, levaram o Conselho do estado de Baden-Württemberg 33 a optar pelo encerramento de suas atividades no ano de 1968. 33 Baden-Württemberg é o único estado alemão que se formou graças a um plebiscito. Em dezembro de 1951, os habitantes das províncias de Württemberg-Baden, Württemberg-Hohenzollern e Baden decidiram unir-se com maioria de 70% dos votos. Em 25 de abril de 1952, nascia oficialmente o novo estado. Desde então, Baden-Württemberg transformou-se em um polo econômico significativo. Lá estão sediadas firmas de atuação mundial como Daimler, Bosch, Porsche e SAP. figura 29. Televisor “HF 1” Braun, 1958. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1999. p. 52. 64 a estrutura do programa de ensino [figura 30] A Escola Superior da Forma/Escola de Ulm, assim como a Escola da Bauhaus, previa uma formação básica, ou, como Gui Bonsiepe34 denominou, um curso fundamental, com duração de um ano. Nesse curso eram oferecidos aos estudantes princípios gerais do design, pelos quais adquiriam conhecimentos teóricos, entravam em contato com o trabalho de projeto, além de conhecer e exercitar as técnicas de representação e as de construção de modelos e maquetes. Dentro desse repertório incluíam-se as experiências que objetivavam desenvolver a capacidade perceptiva mediante figura 30. Estrutura didática de ensino da Escola de Ulm. Planejamento da Cidade, Informação, Arquitetura, Design de Produto, Design Visual, Sociologia, Economia, Política, Psicologia e Filosofia. Fonte: http://www.hfg-archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/timeline.html o reconhecimento e a compreensão dos meios de representação pertinentes à prática do design, tais como a cor, a forma, as leis da composição, os materiais, as superfícies, etc. [figura 31]. Esta formação fundamental foi mantida até a saída de Max Bill da direção da escola. A intenção do curso da Escola de Ulm era que os estudantes fossem submetidos a atividades cuja finalidade didática era o desenvolvimento da racionalidade, mediante a aplicação de exercícios que buscavam tanto a precisão nas construções manuais como o aprimoramento da coordenação motora e do sentido de ordem, de maneira que estas competências pudessem ser aplicadas na obtenção de estruturas - físicas ou gráficas - em que 34 Gui Bonsiepe nasceu em 23 de março de 1934, em Gluecksburg, no extremo norte da Alemanha. Diplomou-se na High School em Stuttgart e aos 21 anos ingressou na Hochschule für Gestaltung, de Ulm, onde obteve a graduação no Departamento de Informação. De sua formação na HfG/Ulm, cujos aportes consistiam em definir claramente o papel profissional do designer industrial e do programador visual, herdou o rigor metodológico, a precisão obstinada, somada à perfeição do projeto. Quatro anos após ter concluído o curso da HfG/Ulm, Bonsiepe ingressou como docente desta instituição, em que permaneceu até 1968, ano de seu fechamento, quando então optou por trabalhar na América Latina, com experiências expressivas no setor do design no Chile, na Argentina e no Brasil. figura 31. Estudo de semelhança de campos mediante brilho e/ou intensidade da cor, 1960-61. Docente: Tomás Maldonado Aluno: Gudrun Haegele. Foto: Arquivo HfG Fonte: http://www.hfg-archiv.ulm.de/ english/the_collections/hfg_collection/ graphic_works_photos.html 65 houvesse claramente a noção de hierarquia entre as partes componentes [figura 32]. figura 32. Estrutura de cúpula capaz de ser empilhada, 1962-63. Docente: Rudolf Doernach. Alunos: Heinz Dobrinski, Horst Shu e Max Thanner. Foto: Heinz Dobrinski. Fonte: http://www.hfgarchiv.ulm.de/ english/ the_collections/hfg_collection/ photos_photos_2.html As disciplinas com enfoques teóricos, assim como aquelas voltadas para a prática, alinhavam-se à ideia do uso da razão como instrumento para alcançar os resultados pretendidos. Para que essa concepção de curso pudesse ser efetivamente realizada, Maldonado passou a investigar as possibilidades de incorporar-se ao currículo do curso de Design disciplinas cujos conteúdos, dirigidos para as matemáticas, previssem atividades relacionadas à teoria dos conjuntos - estudo da simetria para a construção de malhas geométricas -, à teoria das curvas - estudo e construção de transição e de transformação -, à geometria dos poliedros estudo para a construção de sólidos - e ainda à topologia estudo das propriedades dos sólidos [figura 33]. Maldonado tinha esse ponto de vista por acreditar que, mediante a apropriação do modo de pensamento em vigor naqueles ramos das matemáticas, os estudantes da Escola de Ulm poderiam desenvolver atitudes mais objetivas ou ainda um sistema de trabalho que os habilitasse a enfrentar, com mais comodidade, as dificuldades inerentes à prática do design de produto e do design em comunicação visual, afora as questões provenientes da produção industrial. figura 33. Objeto reticulado, 1962-63. Docente: Tomás Maldonado Aluno: Hans-Jürgen Lannoch Foto: Arquivo HfG Fonte: http://www.hfg-archiv.ulm.de/ english/the_collections/hfg_collection/ graphic_works_photos.html 66 Gillo Dorfles observa que o currículo adotado pela Escola de Ulm sempre intentou a conciliação entre alguns dos aspectos previstos pela teoria e pela prática, e entre a ciência e tecnologia. Nesse sentido, a Escola de Ulm pode ser considerada um centro de referência para o estudo do design e para o estudo das áreas que possam manter com o design alguma espécie de afinidade. “[...] a Escola de Ulm tendia a dar um desenvolvimento particular, não só aos aspectos técnico-científicos do desenho e às suas aplicações práticas, mas também às bases teóricas do mesmo e à pesquisa no campo da comunicação visual e da comunicação escrita, inserindo o estudo do design no sector mais vasto das disciplinas sociais, estatísticas e lingüísticas, que têm e terão cada vez maior peso na nossa civilização” [DORFLES, 2002, p. 103-4]. Após o encerramento da etapa de formação básica, que perfazia um ano, o estudante deveria frequentar os cursos de especialização, os quais tinham a duração de três anos. As aulas destes cursos eram ministradas sob a responsabilidade de departamentos específicos, tais como o Departamento de Construção, o Departamento de Design de Produto [figura 34], o Departamento de Cinematografia, o Departamento de Informação e o Departamento de Comunicação Visual. o ensino especializado As intenções do Departamento de Construção da Escola de Ulm estavam orientadas no sentido da realização de projetos de design que atendessem à construção civil na produção de peças pré-fabricadas. No referido Departamento, os primeiros estudos desenvolvidos com a finalidade de responder às necessidades de pré-fabricação estavam assentados nas investigações acerca dos sistemas construtivos, das técnicas de montagem, da organização de acabamentos e de peças modulares. Segundo Bürdek [1999], com isso pretendia-se cumprir um programa que previa construir inúmeras casas de baixo custo e, por figura 34. Workshop do Departamento de Design de Produto em conjunto com o Departamento de Comunicação Visual, 1963. Fonte: http://www.hfg-archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/history.html 67 conseguinte, criar bairros em condições de abrigar uma grande parcela da população. Quanto a esse aspecto, pode-se inferir que a Escola de Ulm dava continuidade às intenções anteriormente defendidas por Hannes Meyer, quando este dirigia o Departamento de Arquitetura da Bauhaus, que, afinal, eram as de intensificar a identificação da produção do design em ações sociais, ou seja, em ações que contribuíssem com a reorganização da Alemanha. As aulas do curso de especialização, ministradas sob a responsabilidade do Departamento de Design de Produto da Escola de Ulm, tinham por finalidade incentivar os estudantes a prezar a adoção de metodologias de projeto que valorizassem o aspecto de unidade da imagem final daquilo que estivesse sendo projetado. Isto resultaria da conjugação de diversos fatores, entre os quais se destacam os fatores funcionais, os culturais, os econômicos e os tecnológicos. Os estudantes desse Departamento eram formados de modo que entendessem características de que um as configurações determinado formais produto estariam condicionadas às possibilidades inerentes aos sistemas de produção que estivessem à disposição para serem utilizados. Em 1961, foi introduzido na Escola de Ulm o Departamento de Cinematografia, cuja finalidade era promover junto aos estudantes oportunidades para que estes pudessem conhecer e investigar as técnicas e processos capazes de capturar e de projetar imagens estáticas que devido à rapidez com a qual eram mostradas produziam a impressão de movimento. 68 Sob a orientação de Edgar Reitz, Alexander Kluge e Christian Straub, responsáveis pelo Departamento de Cinematografia, os estudantes experimentavam diversas novas maneiras de construção de imagens e avaliavam os resultados obtidos em principalmente, em respeitante exploração à tais relação experimentações, às das inovações linguagens, que, no aquelas pudessem trazer. Em razão da qualidade dos resultados assim conquistados, o Departamento de Cinematografia da Escola de Ulm, converteu-se, em 1967, em um órgão independente, o qual passou a chamar-se Instituto de Realização Cinematográfica. Os mestres Max Bense, Abraham Moles e Gery Kalow foram aqueles que mais se empenharam em ações favoráveis ao bom desempenho do Departamento de Informação. O objetivo traçado por estes professores em relação ao estudante que cursava esta especialização era que fosse possível preparar bons profissionais para atuar em áreas como a imprensa, o rádio, a televisão e a cinematografia. Este enfoque, chamado na Escola de Ulm, de teóricoinformativo teve participação em outras áreas de especialização. O Departamento de Comunicação Visual da Escola de Ulm tinha como objetivo abarcar todas as questões que estivessem relacionadas à comunicação por meio da imagem. Aos estudantes que cursavam especialização neste Departamento eram propostas por seus mestres discussões acerca dos problemas de comunicação em massa. Entre as questões de projeto a serem discutidas e desenvolvidas, estavam a tipografia, a fotografia, a embalagem, o design de publicidade, os sistemas de expositores e o desenvolvimento de sistemas de signos. Em razão da formação de caráter específico e rigoroso que se promovia na Escola de Ulm e, por esta escola ter herdado 69 a tradição de grandes feitos da Escola Bauhaus, os estudantes de Ulm eram frequentemente requisitados pelas indústrias alemãs. Na década de 60 a Escola de Ulm era a única que, por seu método - aquele intitulado “método de Ulm” -, formava estudantes capazes de atender as necessidades de tais indústrias. Esta supremacia conquistada pelos alunos da Ulm, e que perdurou até o final dessa década, também é compartilhada, quanto a seus méritos, pelo grupo de colaboradores da escola, composto por artistas, arquitetos e designers que ensinavam com seriedade e, acima de tudo, com competência. Foi ainda na década de 60 que a Escola de Ulm estabeleceu a aplicação do conceito de gute Form [boa forma], ou uma orientação estético-formal que é a correspondente europeia do conceito de good design, defendido por Max Bill [figura 35]. A escola propunha, mediante a intervenção de seus mestres, a formulação de alguns critérios rígidos para projetar produtos,35 com a evidente preocupação de que estes fossem projetos com qualidade, e que estivessem relacionados, de maneira direta, exemplares, no irrepreensíveis sentido quanto às de à ideia de formas que suas fossem relações formas com o funcionamento do produto. Essa nova filosofia foi aliada à indústria para ser aplicada em grandes empresas e tornou-se o símbolo do design alemão por duas décadas. Ela apresentava uma nova linguagem formal propondo um desenho que foi referido como prático e econômico e enfatizava o caráter objetivo, sistemático, 35 A palavra “produto” originou-se do latim productus, que pode significar “levado adiante; desenvolvido” [HOUAISS, 2002]. Neste texto entende-se produto como aquilo que foi produzido industrialmente para venda no mercado. figura 35. Composição tridimensional de elementos isométricos, 1966. Docente: Max Bill. Aluno: Traudel Hölzmann. Fonte: BÜRDECK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili. p. 170. 70 material e racional.36 Esta concepção do design foi elevada à categoria de funcional, pois nela o que se considerava unicamente era a função prática ou a técnica [BÜRDEK, 1999]. Para que se respeitasse essa nova linguagem, o ensino de projeto em design precisou apoiar-se em critérios específicos que circundassem as possibilidades de atender aos novos objetivos. Assim, foram estabelecidos os seguintes critérios: a elevada utilidade prática, a segurança, a longa durabilidade, a adequação ergonômica, a boa relação com o entorno, a não contaminação do meio ambiente, o alto nível do desenho e o estímulo sensorial e intelectual. Os critérios estabelecidos pelo programa de ensino da Escola de Ulm, e que foram utilizados como métodos para a concepção de projetos, foram sempre suscetíveis a mudanças devido às transformações sociais e econômicas, à evolução da técnica, à evolução da arquitetura e do design, em movimentos contínuos. No período de excessivamente 1967-1968 científico e as críticas planejador ao modelo imposto por Maldonado coincidiram com o agravamento de problemas financeiros. “A Escola, que era uma instituição privada, financiada por meios públicos, tanto do governo estadual, como do governo federal” [BONSIEPE, 1983, p. 43], passou a ser pressionada e sufocada economicamente por seus financiadores, que, ainda, lhe cobravam mudanças de atitude. Contrários a essa ideia, mestres e alunos decidiram, em uma sessão de plenário, pelo encerramento das atividades da escola em dezembro de 1968. Gui Bonsiepe [1983] atribui o fechamento da Escola de Ulm às pressões políticas recebidas devido a seu pensamento 36 Racional será aqui compreendido como equilibrado, sensato, coerente, aquele que está em sua justa medida. 71 crítico, seu racionalismo e sua atitude pouco conformista, condição que não era bem recebida no ambiente profundamente conservador da época na Alemanha, o que atraiu para a escola número considerável de críticas. Para Bonsiepe, a tenacidade desta escola fez que ela fosse vista como: “[...] um fenômeno novo que se distanciou programaticamente, didaticamente e organizacionalmente do resto das instituições terciárias. Não tinha nenhum apoio dessas três instituições existentes, além de ser vista com um certo ciúme, pois ela atendia a uma nova realidade, que as instituições tradicionais não haviam considerado até o momento; experimentava novas formas didáticas e organização de currículo; por isso a escola de Ulm foi uma vítima muito fácil de sufocar, visto que não estava institucionalmente assegurada. Penso que a 37 HfG Ulm foi avançada demais para seu contexto”. a influência sobre outros cursos No tempo de atuação da Escola de Ulm, 15 anos, cerca de 640 estudantes passaram pela escola, mas somente 215 concluíram a formação. Estes estudantes foram parcialmente absorvidos pelas indústrias, outra parcela passou a trabalhar em escritórios de design, assim como outros iniciaram a carreira docente em escolas superiores. Isso, de certo modo, pontua a verdadeira relevância da escola, inicialmente e em maior escala, na Alemanha. Assim como ocorreu no encerramento da Escola da Bauhaus, logo que a Escola de Ulm foi fechada, em 1968, parte de seus mestres e colaboradores saiu do país e, deslocando-se para outros institutos de design, levou para estas instituições e para novos estudantes e novos mestres, os preceitos trazidos da Escola de Ulm. Essas ações podem ser verificadas em institutos de design situados em países como o Brasil, quando nos anos 70 37 BONSIEPE, Gui. A “tecnologia” da tecnologia. Prefácio: Darcy Ribeiro. São Paulo: Edgard Blücher, 1983. p. 43. 72 alguns profissionais que fizeram parte do corpo docente da Escola de Ulm - como Gui Bonsiepe - estiveram presentes no Rio de Janeiro, na Escola Superior de Design [ESDI], fundada em 1962, e lá deixaram anotadas na estrutura da escola o ideário da Ulm. Ainda na década de 70, no Chile, Gui Bonsiepe foi convidado a desenvolver produtos para necessidades básicas, e, para tal, apropriou-se dos conceitos de projeto da Ulm [BONSIEPE, 1978]. É possível também observar traços da Escola de Ulm no National Institute of Design na Índia, na Oficina Nacional de Desenho Industrial [ONDI] em Cuba e na Universidad Autónoma Metropolitana [UAM] na Cidade do México [BÜRDEK, 1999]. A Escola de Ulm deixou para essas e tantas outras escolas e instituições, uma metodologia de ensino e de projeto em design que até hoje está presente - com maior ou menor frequência - nos programas de ensino dos cursos de formação em Design. os fundamentos da Bauhaus e de Ulm Não obstante as convicções ideológicas da Bauhaus serem distintas daquelas da Escola de Ulm, dadas as características e propósitos específicos dos períodos em que estiveram em funcionamento, pode-se constatar que as duas escolas conservaram interesses iguais, no que diz respeito à organização de métodos de ensino de projeto e métodos de produção, que prezaram a adequação às tecnologias vigentes e à produção em série. Pode-se constatar também que a formação básica inicial oferecida aos estudantes dos cursos da Escola da Bauhaus e da Escola de Ulm valorizava uma orientação visual, ou uma cultura visual, configurada em uma série de exercícios de precisão manual com o propósito de habilitar suas capacidades perceptivas por intermédio da experimentação com meios elementares do desenho, como a cor, a forma, os materiais, a composição entre outros. 73 Do mesmo modo é possível verificar que as duas escolas, por meio dessas práticas, visavam o ensino do manuseio e da aplicação prática de algumas variáveis visuais, como também desenvolver bases teóricas para tais práticas. E, por este conjunto coeso de intenções, elas incentivaram seus estudantes em procedimentos cuja finalidade era alcançar formas que resultassem de um processo de compreensão das necessidades de projetar com intenção de atender uma função. 74 4 LÉXICO DA CRIAÇÃO De modo bastante sucinto, é possível afirmar que tanto arquitetos quanto designers vivem imersos num universo de repertórios visuais que lhes exige e também lhes permite aprender - não exclusivamente, mas de modo significativo mediante o exercício da experiência visual instruída [ou educada]. Esta circunstância é com frequência resumida e enunciada pela expressão coloquial “aprender a ver vendo”, que sinaliza uma possibilidade de significação e compreensão do mundo. Com base em tais experiências, os profissionais em questão poderão refletir e elencar elementos para constituir um repertório que possa auxiliá-los a planejar suas ações de projeto, seguramente informadas pelo programa, por condicionantes econômicos, sociais, culturais e tecnológicos. Por outro lado, um conjunto de conceitos esteve na base do ensino da Escola da Bauhaus, em seu Curso Preliminar, e da Escola de Ulm, em seu Curso Fundamental, do início até a metade do século XX. Esses conceitos foram objeto, todo o tempo em que existiram as escolas, de constantes e intensas discussões em torno das práticas e metodologias que melhor poderiam apresentá-los aos estudantes e por eles serem apreendidos, justamente pela sua relevância no desenvolvimento do processo criativo do aluno. Entre as metodologias e práticas aplicadas - quase em sua totalidade nos primeiros anos de formação nas escolas da Bauhaus e de Ulm -, destaca-se o desenvolvimento da capacidade perceptiva do aluno, orientação fundamentada na teoria da Gestalt, que, de modo sucinto, estuda a percepção com o intuito de compreender as respostas de um indivíduo às experiências visuais a que ele venha a ser submetido. Esta conduta metodológica fez que as bases teóricas das duas escolas em questão fossem compostas 75 por conceitos que valorizassem ou melhorassem a percepção de seus estudantes [BONSIEPE, 1983]. Extraído desse ensino de base, o léxico configura-se pelas apreensões dos conceitos de percepção, de forma, de função, de significado e de criatividade. Os citados conceitos são apresentados nesse ordenamento, que, em princípio, representa o encadeamento dessas apreensões pelo indivíduo quando exposto a experiências visuais [ARNHEIM, 2005], o que de modo algum deve ser compreendido como ordem de valor ou importância. Dessa maneira estima-se que, com base na melhor compreensão desses conceitos, estejam postas as condições necessárias para a investigação sobre os possíveis acercamentos entre os conteúdos das disciplinas que compõem os programas de ensino tanto em Arquitetura e Urbanismo como em Design, e sobre a proposição de compartilhar as experiências promovidas pelo ensino e aprendizagem desses conceitos considerados comuns às áreas em questão. 76 4.1 PERCEPÇÃO A percepção é tema de interesse central de diversas áreas, como a psicologia, a estética, a música, as artes, a arquitetura, o design e a filosofia. Sua significação é, contudo, de caráter único. Para compreendermos este sentido de unidade, é importante a acepção do conceito de percepção derivada da linguagem filosófica e exposta por Nicola Abbagnano,38 em Dicionário de filosofia. Percepção – “[...]. Podemos distinguir três significados principais deste termo: 1º um significado generalíssimo, segundo o qual este termo designa qualquer atividade cognitiva em geral; 2º um significado mais restrito, segundo o qual designa o ato ou a função cognitiva à qual se apresenta um objeto real; 3º um significado específico ou técnico, segundo o qual esse termo designa uma operação determinada do homem em suas relações com o ambiente. No primeiro significado P. não se distingue de pensamento. No segundo, é o conhecimento empírico, imediato, certo e exaustivo do objeto real. No terceiro significado é a interpretação dos estímulos. Só no âmbito deste último significado, podemos entender o que a psicologia hoje discute como „problema da percepção‟. [...] As tendências atuais são de definir a P. em termos de intencionalidade (o que tornaria a P. algo mais [e além] que aquisição de informação, incluindo até nossas atitudes afetivas para com aquilo que nos chega do ambiente), e em considerá-la, no sentido antiempirista de Merleau-Ponty, como uma interpenetração de experiência e interpretação, em que a experiência ilumina o mundo com o seu caráter intencional e com a sua objetivação para a ação” [2007, p. 876-9]. Para o filósofo Merleau-Ponty,39 que, em princípio, parece conduzir-nos de maneira adequada às próximas reflexões, a 38 Nicola Abbagnano nasceu em Salerno, Itália, em 15 de julho de 1901, e faleceu em 9 de setembro de 1990. Foi professor de História da Filosofia na Universidade de Turim e cofundador do Centro de Studi di Metodologici. 39 Maurice Merleau-Ponty nasceu em Rochefort, em 14 de março de 1908, e faleceu em Paris em 4 de maio de 1961. Escritor e filósofo, foi líder do pensamento fenomenológico na França. Estudou na École Normale Supérieure, em Paris, graduando-se em Filosofia em 1931. Lecionou em vários liceus antes da Segunda Guerra Mundial, durante a qual serviu como oficial do Exército francês. Em 1945 foi nomeado professor de Filosofia da 77 percepção é definida como um processo que se realiza por meio de múltiplas ações e interpretações das experiências, contudo somente estas experiências, realizadas de modo “intencional”, poderão “iluminar o mundo”, ou dar ao indivíduo a consciência dele [MERLEAU-PONTY, 1999]. O escritor R. H. Day diz que “A percepção, como área de pesquisa psicológica, pode ser adequadamente considerada como o conjunto de processos pelos quais o indivíduo 40 mantém contato com o ambiente”. De certo modo, entre a definição de Merleau-Ponty e a definição dada por R. H. Day, parece haver em comum o fato de a percepção ser compreendida como estimuladora do “contato” do indivíduo com o mundo. Ainda, de acordo com Merleau-Ponty, agora em seu estudo acerca da Fenomenologia da percepção, em princípio, nos parece que ele descreve o mencionado contato do indivíduo com o mundo do seguinte modo, “O corpo próprio está no mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espetáculo visível continuamente em vida, anima-o e alimenta-o 41 interiormente, forma com ele um sistema”. Assim, em conformidade com as compreensões acima apresentadas, diríamos que para o indivíduo sobreviver e preservar-se no mundo, é preciso interagir com ele desde seu nascimento. Se o mundo é, contudo, repleto de energias Universidade de Lyon e em 1949 foi chamado a lecionar na Sorbonne, em Paris. Em 1952 ganhou a cadeira de Filosofia no Collège de France. De 1945 a 1952 foi coeditor (com Jean-Paul Sartre) da revista Les Temps Modernes. 40 DAY, R. H. Psicologia da percepção. Tradução: Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1970, p. 3. 41 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 273. 78 que podem apresentar-se de diversos modos, tais como eventos físicos, químicos, orgânicos e comportamentais, o indivíduo necessitará formar com estas energias e seu corpo um sistema ordenado de apreensão, e assim se manter em contato com o mundo. A compreensão acerca das tais energias é reafirmada pelo psicólogo Henrique Muga,42 ao dizer que, “o ambiente é um mar de energia que nos invade através das várias modalidades sensoriais [...]” [2006, p. 29]. Se, naturalmente as energias ou eventos estão em frequente mudança, é preciso que o indivíduo busque adequar-se a eles para, assim, conseguir a mencionada interação entre seu organismo e o ambiente em que vive. A estas energias ou eventos, dá-se o nome de estímulos. O contato destes com o indivíduo, por sua vez, promoverá reações ou, ainda, respostas do organismo a todos ou a alguns deles apenas. No entanto, as reações ou respostas do organismo somente se darão após o processamento dos tais estímulos pelos sentidos ou pelo sistema sensorial.43 Este processo, bem compreendido pelo geógrafo Yi-Fu Tuan, foi sob seu olhar ampliado quanto às suas competências. Isto se pode observar mediante a definição da percepção que ele nos apresenta: 42 Henrique Muga é mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, professor de Psicologia da Arte na Escola Superior Artística do Porto [Esap] e investigador do Centro de Estudos Arnaldo Araújo da Esap. 43 Os sentidos fundamentais do corpo humano - visão, audição, tato, gustação ou paladar e olfato - constituem as funções que propiciam nosso relacionamento com o ambiente. Por meio dos sentidos, nosso corpo pode perceber muita coisa do que nos rodeia; contribuindo para nossa sobrevivência e integração com o ambiente em que vivemos. Existem determinados receptores, altamente especializados, capazes de captar estímulos diversos. Tais receptores, chamados receptores sensoriais, são formados por células nervosas capazes de traduzir ou converter esses estímulos em impulsos elétricos ou nervosos que serão processados e analisados em centros específicos do sistema nervoso central [SNC], em que será produzida uma resposta [voluntária ou involuntária]. 79 “Percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são 44 bloqueados”. Às mencionadas reações ou respostas promovidas, dá-se o nome de sensação, e esta pode ser visual, tátil, olfativa, de fome, de liberdade, etc. As sensações são rapidamente interpretadas pelos sentidos do tato, do olfato, do paladar, da visão e da audição. Este processo primordial, através do qual o homem interage com o ambiente, ao findar-se, levará à percepção. Essa ideia de certo modo é validada por Yi-Fu Tuan, quando afirma que “um ser humano percebe o mundo através de todos os sentidos”.45 Os órgãos responsáveis pelos sentidos tornam-se, contudo, pouco eficazes quando não são frequentemente usados, assim, quanto maior e melhor for a interação do indivíduo com o ambiente, maior será a variedade de estímulos a que ele se submeterá, assim como também será maior a quantidade de sensações promovidas por estes estímulos. Este processo resultará na qualificação da ação perceptiva do indivíduo em relação ao ambiente. O modo pelo qual percebemos o mundo que nos cerca não é algo dado, tampouco é certo que percebamos tudo, pois a mencionada ação de perceber dá-se por meio de processos particulares em relação a quantos e quais estímulos responderemos. Com base no que foi exposto até aqui, é possível dizer que a percepção é também um processo destinado à obtenção, apreensão e ao armazenamento de informações, dado que “nossa percepção é produto de nossa interação com o mundo, desde o nascimento, ou até mesmo 44 TUAN, Yi-Fu. Topofilia. Um estudo da percepção, atitude e valores do meio ambiente. Tradução: Livia de Oliveira. São Paulo: Difel, 1980, p. 4. 45 TUAN, Yi-Fu. id., p. 12. 80 antes disto”.46 E, por este processo natural e necessário, o indivíduo adquire experiências singulares. A percepção, segundo o filósofo Merleau-Ponty, é “como uma interpenetração de experiência e interpretação”; da mesma forma que, para a psicóloga Linda L. Davidoff, a percepção é “o processo de organização e interpretação dos dados sensoriais [sensações] para desenvolver 47 consciência do meio ambiente e de nós mesmos”. a Conclui- se, assim, que tais considerações são comparáveis, no sentido de que a percepção possa ser compreendida como um processo de aquisição e interpretação das experiências, ou dos novos conhecimentos adquiridos. Os dados sensoriais acima mencionados por Linda L. Davidoff são elementos de enorme relevância no processo perceptivo. Ao serem processados, eles poderão ser reforçados por experiências já armazenadas e pelos aspectos culturais do indivíduo. O resultado deste processamento conformará o sistema perceptual, que se caracterizará de maneira particular, de tal modo que se possa observar o seguinte: “[...] uma pessoa em determinada cultura pode desenvolver um olfato aguçado para perfumes, enquanto os de outra cultura adquirem profunda visão estereoscópica. Ambos os mundos são predominantemente visuais: um será enriquecido por fragrâncias, o outro pela agudeza tridimensional dos 48 objetos e espaços”. Assim, no sentido de amparar as observações do geógrafo Yi-Fu Tuan, expostas acima, acerca do processo perceptivo, apresenta-se a seguinte reflexão que o psicólogo americano 46 SIMÕES, Edda Augusto Quirino; TIEDMANN, Klaus Bruno. Psicologia da percepção. vol. 10-I. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1984, p. 15. 47 DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2001, p. 141. 48 TUAN, Yi-Fu. op. cit., p. 14. 81 James J. Gibson: “[...] las percepciones son secundarias y, como dependen de las peculiaridades y experiencias anteriores de cada cual, pueden variar de observador a observador”.49 O que leva ao entendimento de que é possível a ideia de percepção conformar-se como um sistema particular. Para ampliar as considerações acerca do processo perceptivo, apresentamos a proposição feita por MerleauPonty, encontrada em seu livro A estrutura do comportamento: “A cor vermelha do objeto que eu olho é e sempre permanecerá conhecida apenas por mim mesmo. Não tenho nenhum meio de saber se a impressão colorida que ele dá a outros é idêntica à minha. Nossas confrontações intersubjetivas só se referem à estrutura inteligível do mundo percebido: posso ter certeza de que um outro espectador emprega a mesma palavra que eu para designar a cor desse objeto, e a mesma palavra, por outro lado, para qualificar uma série de outros objetos que eu também chamo de vermelhos. Mas pode acontecer que, conservadas as relações, a gama das cores que ele 50 perceba seja em tudo diferente da minha”. Merleau-Ponty ainda sustenta que “a percepção, como conhecimento das coisas existentes, é uma consciência individual e não a consciência em geral”.51 Para o filósofo, o indivíduo percebe e reconhece algo apenas por alguns dados sensíveis que lhe são oferecidos, e não pela sua completude. Assim, em conformidade com os pensamentos e com as teorias expostas anteriormente, acreditamos poder adotar nesta pesquisa, para o conceito de percepção, o sentido de 49 GIBSON, James J. La percepción del mundo visual. Buenos Aires: Infinito, 1974, p. 31. 50 MERLEAU-PONTY, Maurice. A estrutura do comportamento: precedido de uma filosofia da ambigüidade de Alphonse de Waellhens. Tradução: Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 326-7. 51 MERLEAU-PONTY, Maurice. id., p. 327. 82 que ela seja uma atividade inerente a cada ser humano e, ainda, que seja uma atividade constante, um processo de conhecimento, reconhecimento e apreensão, que se resume em um prolongar-se ou em um estender-se para o mundo. PERCEPÇÃO AMBIENTAL A complexidade deste mundo e do ambiente em que vivemos faz que um indivíduo desprenda energia suficiente para apreender os estímulos e os dados enviados aos sentidos pelo espaço circundante. A percepção do ambiente ou a percepção ambiental é dada como um processo. Para pensar-se em percepção como um processo, é preciso contemplar as três fases que o compõem: a fase perceptiva, a cognitiva e, por fim, a fase avaliativa. Estas dividem a ação de perceber em instantes ordenados, que, por sua vez, perfazem uma sucessão de etapas relativamente constantes em nosso sistema perceptivo. As etapas acontecem entre o contato do indivíduo com o conjunto de informações provenientes de um determinado ambiente e o momento em que estas interagem com o indivíduo. fase perceptiva Esta fase refere-se ao momento em que o indivíduo sente as informações emitidas pelo meio ambiente, sendo, a seguir, subentendidas como estímulos e sensações. O indivíduo recebe os estímulos vindos do ambiente através das mais diversas formas de energia, estas energias estão em constante transformação e interação com o meio circundante. Para manter-se em equilíbrio e conseguir que seu organismo e o ambiente relacionem-se bem, é necessário que o indivíduo ajuste-se continuamente ao processo de recepção e de transmissão das tais energias. É um processo de adaptação frequente. 83 Todas, ou quase todas, as informações que são recebidas do ambiente, as quais estamos aqui chamando de energias, são absorvidas pela visão, pelo olfato, pelo paladar, pela audição e pelo tato, os sentidos comuns do indivíduo. Nesse mesmo contexto, Merleau-Ponty registra: “[...] percebo com meu corpo ou com meus sentidos, sendo justamente esse saber habitual do mundo, essa ciência implícita ou sedimentada”.52 Entre os sentidos, a visão é o que mais tardiamente se desenvolveu, contudo, é o mais especializado, o mais preponderante e ainda o mais explorado. Através da visão podemos reconhecer, identificar e localizar as coisas que estão ao nosso redor, bem como podemos orientar-nos espacialmente. Um volume muito maior de dados é transmitido ao sistema nervoso através dos olhos, que são estimulados a todo instante e, assim, passam a fornecer constantemente imagens a nosso cérebro. Estas informações ou estímulos são levados pelo cristalino, músculos etc. até as células receptoras [OKAMOTO, 2002]. O estímulo que sensibiliza a visão é a luz, e é a retina a célula receptora dos sinais luminosos. A imagem que se forma na retina nem sempre é aquela que o indivíduo percebe, pois os padrões de luz que chegam à retina em movimento e que fazem parte do mundo visual do indivíduo são, posteriormente, corrigidos pelo campo visual, que percebe estes padrões de luz como imóveis e os devolve como imagem percebida. A percepção ambiental deve muito à visão no que diz respeito à identificação e à orientação espacial. O olfato é o sentido que se relaciona com estímulos químicos que atuam nos receptores olfativos situados na parte superior da narina. 52 MERLEAU-PONTY, Maurice. op.cit., p. 319. 84 “A cada inspiração fazemos entrar no organismo partículas microscópicas do mundo externo, que entram em contato com os nervos receptivos de 53 odores situados no nariz”. Os cheiros atraem, repelem, excitam, causam repulsas, fornecem pontos de referência, permitem diferenciar indivíduos e até decifrar seu estado afetivo. Pelo olfato estabelecemos um contato direto com o mundo e com a memória, “os odores são poderosas chaves de memória; todavia remetem muito mais às emoções vividas do que aos fatos que as causaram”,54 o olfato tem grande participação na percepção ambiental, no sentido de orientar, reconhecer, e também localizar o indivíduo no ambiente. O paladar tem uma forte ligação fisiológica com o olfato: é bem conhecido o poder do olfato na estimulação do paladar. Assim como o sentido do olfato, o sentido do tato também age de maneira combinada com o paladar no que diz respeito a identificar texturas peculiares dos alimentos. O paladar é o sentido que tem como receptores sensoriais as células sensíveis dos corpúsculos gustativos que são localizados nas papilas. Estes corpúsculos são sensíveis a estímulos químicos, que se classificam em quatro tipos, a saber, o doce, o azedo, o salgado e o amargo. Apesar de sua grande importância na vida do indivíduo, o paladar pouco se relaciona à percepção espacial ambiental. A audição é responsável por manter o indivíduo em contato com o ambiente e com os outros indivíduos. Os estímulos responsáveis pela maioria das sensações auditivas são as vibrações do ar. O ouvido é o aparelho responsável pela audição e também o responsável por encaminhar para seu interior, em suas regiões mais sensíveis e profundas, as vibrações do ar. As sensações auditivas são caracterizadas 53 MUGA, Henrique. Psicologia da arquitetura. Portugal: Gailivro, 2005, p. 54. 54 SCHMID, Aloísio Leoni. A idéia de conforto: reflexões sobre o ambiente construído. Curitiba: Pacto Ambiental, 2005, p. 168. 85 por três dimensões: a altura ou volume, a intensidade ou o tom e o timbre. O som exige um meio material para poder propagar-se, e a resposta sonora se dará de acordo com este meio. Com relação ao meio ambiente, pode-se dizer que a audição está muito mais relacionada ao espaço do que aos objetos que ela envolve. É um dos principais sentidos e um dos mais habilitados a caracterizar um determinado ambiente. O tato é o sentido que põe o indivíduo em contato físico com o mundo. A pele, o maior órgão sensitivo do corpo, é o veículo condutor dos estímulos químicos, energéticos e térmicos. Este sistema de transmissão é atendido por terminações nervosas que estão distribuídas pela pele e que enviam informações ao sistema nervoso. Empregar o tato é confrontar aquilo que foi visto, é identificar o ambiente ou o objeto por meio da comunicação conseguida nas texturas. É possível, porém, que o indivíduo possa sentir os ambientes e os objetos por outros sensores também localizados na pele; estes registram o frio, o calor, a pressão e, ainda, a vibração. O sentido do tato orienta a existência do indivíduo no ambiente em que vive e trabalha, e ainda permite que seu corpo relacione-se com o meio que o circunda. O sentido cinestésico, ou a cinestesia, é um processo resultante de estímulos provenientes de receptores sensoriais localizados nos músculos, nas articulações, nos tendões e até mesmo no ouvido. Estes estímulos se dão quando o corpo movimenta-se, muda de direção ou de posição. Trata-se da relação do indivíduo com o espaço e com o lugar. O sentido cinestésico leva à consciência dados sobre a situação geral do corpo do indivíduo, bem como de seus movimentos no que se refere basicamente às situações e às experiências espaciais. 86 fase cognitiva A fase cognitiva está diretamente relacionada ao instante de apreensão e estruturação do mundo pelo indivíduo. A ela se relaciona todo o conhecimento que o indivíduo adquire, armazena e usa. Este processo realiza-se articulado em três fatores: o meio ambiente físico, o meio ambiente cultural e o indivíduo. Todo indivíduo usa e participa de ambientes extremamente variados quanto a seus aspectos físicos, culturais e sua formação. Estes ambientes, com frequência, são extremamente ricos em informação, complexos, diversos e inconstantes. Isso, de certo modo, pode levar à conclusão de que a interação entre o ambiente e o indivíduo é bastante intrincada, ainda que lidar com esta realidade não pareça ser nada fácil, dado que a capacidade de captar e armazenar informações sentidas no meio ambiente, à qual nós chamamos de memória, tem suas limitações. Mesmo diante das mencionadas limitações, a memória é, contudo, um instrumento de enorme valor no processo cognitivo, pois, “sem memória seria possível ver e ouvir, mas os conteúdos da visão ou da audição não teriam qualquer significado [...]”,55 já que a aprendizagem é uma das principais funções da memória. Ela é o conhecimento do passado, o arquivo de todas as experiências vivenciadas. Para viabilizar e ordenar o processo de captação e armazenagem de informações, o organismo passa a trabalhar com sintetizações e esquematizações, em que o indivíduo desenvolve a habilidade de extrair e manter em mente apenas a essência dos objetos e ocorrências com os quais depara e que manipula, para depois armazená-los em seu cérebro. Com base nas informações concebidas, o indivíduo passa a conhecer esses elementos e a criar 55 MUGA, Henrique. op. cit., p. 83. 87 generalizações, ideias e conceitos que possam representar estes objetos e ocorrências de maneira conjunta. Essas generalizações são as chamadas representações mentais, que, devido a seu caráter genérico, fazem que o indivíduo apreenda mais e de maneira ordenada a quantidade de informações que lhe chega frequentemente e, ainda, despendendo menor esforço para tal. Deste modo, a cognição mostra sua enorme valia no processo de percepção ambiental, já que auxilia o indivíduo a selecionar informações e a criar imagens que lhe sirvam para reflexões, que lhe promovam a criatividade, como também a imaginação, e, acima de tudo, que possibilitem sua interação com o citado ambiente. fase avaliativa A avaliação faz parte do processo perceptivo, e a ela estão enredados critérios de julgamento e escolha apoiados em códigos estabelecidos, por cada indivíduo, com base em suas experiências, adquiridas graças à vivência cultural e à vivência mediada pela sociedade. A avaliação pode relacionar-se a valores espaciais, a valores visuais do ambiente, a valores morais e éticos e a valores estéticos, entre outros. Esses sistemas de valores podem partir de aspectos genéricos ou de aspectos restritos, particulares e até íntimos. A capacidade de avaliação e escolha do indivíduo é um processo que se desenvolve desde seu nascimento e perdura em todo o seu desenvolvimento. Deste modo o indivíduo vai formando seu sistema particular de valores, ordenados por significados e valores espaciais, por conhecimento e afetividade entre os elementos ambientais, entre os objetos, as imagens e seus significados. A linguagem visual da forma é também um importante veículo da expressão dos valores de um indivíduo. 88 A avaliação implica ação e opção, ela opera como um filtro ordenador da construção de imagens particulares. A avaliação reflete as preferências do indivíduo e suas escolhas, no que diz respeito ao local de sua residência, à pintura desta e aos elementos que a vão compor, entre tantas outras escolhas. A avaliação, em conjunto com a cognição e o perceptivo, entende-se como forte delimitadora da identidade visual dos ambientes e dos objetos que o compõem. a percepção da forma O ser humano é dotado de uma virtuosa habilidade de olhar um objeto imóvel e perceber sua forma e seus mínimos detalhes, pois é certo que é a forma o que mais chama a atenção de um indivíduo diante de um objeto. Esta capacidade, ou, conforme acima chamamos, esta habilidade, têm sido motivo de estudo da psicologia, bem como da fisiologia, estudo que atende ao intuito de responder a questões da seguinte ordem: como um objeto, constituído por inúmeros elementos, tais como ângulos, curvas, contornos e áreas contínuas, entra em nosso campo visual, é projetado pelo sistema óptico sobre a retina e passa a ser visto como um objeto incorporado e dotado de significado? Ou seja, como um sistema tão complexo em sua formação apresenta-se aos olhos de um indivíduo como uma forma única? A psicologia busca respostas a tais questionamentos por meio da teoria da Gestalt, formulada no início do século XX pelos psicólogos alemães Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, como “um princípio psicológico, [...] segundo o qual não percebemos jamais senão conjuntos de elementos”.56 Essa teoria formula regras para esclarecer a questão de a forma ser percebida como um todo, já que, conforme anteriormente considerado, esta é composta de elementos isolados. “Os gestaltistas concebem a percepção 56 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. op. cit., p. 121. 89 como fruto de uma organização mental, num processo de inferência determinista”.57 Para estes estudiosos e pesquisadores, os elementos não são percebidos como a simples soma de suas partes, mas sim como um todo que possui significado próprio. Com o intuito de responder às questões acima relatadas, os psicólogos Wertheimer, Koffka e Köhler formularam as leis da Gestalt. Entre elas, aquela que conduz à percepção da forma: a “Lei da Boa Forma”, ou a “Lei da Pregnância”, segundo a qual todo objeto é condicionado a apresentar uma forma harmoniosa, boa, estável, uma forma que se imponha. As principais regras que podem levar à boa forma são o agrupamento por proximidade, o agrupamento por similaridade, a boa continuidade e o fechamento [SIMÕES; TIEDEMANN, 1985]. Já a fisiologia, ramo de investigação da biologia e da medicina, busca respostas por meio de pesquisas sobre o sistema visual. Os fisiologistas dizem que a percepção da forma pode ser desvinculada da percepção das cores, dado que o próprio sistema visual já o faz. A fisiologia, contudo, considera neste processo os padrões de claro-escuro que estimulam os receptores. Um receptor reage à intensidade de luz que incide sobre ele, bem como reage à luminosidade que incide sobre os receptores vizinhos. Estes dados absorvidos podem determinar o contorno do objeto que esteja diante do indivíduo, mas isto somente no caso de a iluminação incidente ser diferente entre os receptores. No caso, porém, de a iluminação incidente ser igual para todos os receptores, estes dados irão determinar uma área homogênea. O conjunto de receptores que atua neste processo é 57 SANTAELLA, Lúcia. A percepção: uma teoria semiótica. 2 ed. São Paulo: Experimento, 1998, p. 27. 90 denominado campo receptivo, estando ligado a um neurônio do sistema visual [SIMÕES; TIEDEMANN, 1985]. Considerando-se as pesquisas no campo da psicologia e da fisiologia, é possível inferir que a percepção da forma se dá através de um processo, descrito por Edda Simões e Klaus Tiedemann da seguinte maneira: “[...] da simples projeção da imagem ótica (luminosa) sobre os receptores da retina, é extraída a forma como um todo, pelas sucessivas convergências da informação, gerando combinações (padrões) únicas. Sobreposta a esta convergência existe também uma divergência do fluxo de informação visual. [...] o objeto, como um todo, estimula um grande número de neurônios da retina, e, no nível do córtex ínferotemporal, neurônios individuais são responsáveis pela 58 percepção da forma deste objeto”. Outra possibilidade de analisar a percepção da forma é pensar no que acontece quando um indivíduo olha para um objeto. Para que este observador perceba a forma, é preciso que ele apreenda a presença de um contorno, e, para que apreenda este contorno, é preciso que ele apreenda as variações repentinas do fluxo luminoso no campo visual, já que estes fatores são necessários para a percepção de qualquer forma. Pela apreensão do contorno de uma área, encontramos “a figura” em primeiro plano, e logo atrás vemos o fundo. Este processo pode ser definido - conforme a teoria da Gestalt como natural, realizado pelo organismo de todo indivíduo ao olhar ou deparar com um conjunto de estímulos, a exemplo daqueles promovidos por uma forma, podendo também ser considerado um processo de organização das informações sensoriais. 58 SIMÕES, Edda Augusta Quirino; TIEDMANN, Klaus Bruno. Psicologia da percepção. São Paulo: EPU, 1985, p. 107. 91 Portanto, as formas podem ser encaradas como elementos essenciais na condução da percepção, sendo decorrentes da estruturação de partes que se organizam de maneira peculiar em nosso campo visual como um todo. A percepção da forma é, portanto, uma das maneiras de o indivíduo estabelecer contato com o mundo e com as coisas que nele estão, entre as quais os edifícios e os objetos. Também pela forma pode compreender, do mundo, as suas funções e os seus significados. 92 4.2 FORMA No século XIII foi registrado o primeiro uso, ou a primeira inserção do vocábulo “forma” e sua significação na literatura portuguesa. Esse registro pode ser consultado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, no título Índice do vocabulário do português medieval,59 e nele a significação de forma é dada como “modo sob o qual uma coisa existe ou se manifesta, configuração, feitio, feição exterior” [1986, p. 364]. De maneira distinta, o filósofo grego Aristóteles60 [384-322 a.C.], apresenta na Metafísica61 a sua compreensão acerca da forma como essência: “De la técnica se genera todo aquello cuya forma se encuentra en la alma [llamo forma a „lo que es ser cada cosa particular‟ y a la ousía primera]; pues en cierto sentido los contrarios tienen la misma forma” [Aristóteles, M 1032b]. Aristóteles ainda constrói uma significação para o termo “forma” como resultante da matéria: “[...] de modo que la forma es el fin al que tiende la materia [...]” [Met., IX, 8, 1050a 15]. 59 O título Índice do vocabulário do português medieval de autoria de Antonio Geraldo da Cunha é composto por três volumes, assim dados: o volume 1, que foi publicado em 1986; o volume 2, publicado em 1988; e o volume 3, publicado em 1994. 60 Aristóteles nasceu em Estagira, na Calcídica em 384 a.C. e faleceu em 322 a.C. Filósofo grego aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico. Aristóteles figura entre os mais influentes filósofos gregos, ao lado de Sócrates e Platão, que transformaram a filosofia pré-socrática, construindo um dos principais fundamentos da filosofia ocidental. Aristóteles prestou contribuições fundamentais em diversas áreas do conhecimento humano, destacando-se, entre elas, ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. É conhecido também como “O Filósofo”. Aristóteles também foi chamado de O Estagirita, pela terra natal, Estagira. 61 ARISTÓTELES. Metafísica. 1 ed. Tradução: Hernán Zucchi. Buenos Aires: Debolsillo, 2004, 656 p. 93 Prosseguindo nesse mesmo sentido, o filósofo Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de filosofia,62 expõe de maneira mais ampla a compreensão de Aristóteles sobre a forma, como sendo: “Essência necessária ou substância das coisas que têm matéria. Nesse sentido, que está presente em Aristóteles, F. não só se opõe a matéria, mas a pressupõe. [...] Em todos os casos a F. conserva os caracteres que Aristóteles lhe havia atribuído: é causa ou razão de ser da coisa, aquilo em virtude do que uma coisa é o que é [...]” [2007, p. 543]. Para Aristóteles, a essência ou a forma substancial é o que faz com que algo chegue a ser o que é. E ainda, para o filósofo grego, a forma não pode ser apreendida por processos dedutivos ou intuitivos, mas somente pelo estímulo à experimentação. A interpretação de forma como essência foi-se esmaecendo ao longo da história, e, desta maneira, depois de muito tempo passou a apoiar-se na ideia de que a forma pudesse estar relacionada a uma disposição de elementos e estes, por sua vez, pudessem estar relacionados às experiências visuais, no que diz respeito à percepção e apreciação destes. O estímulo à experimentação a que se referiu Aristóteles talvez possa ser comparado às mencionadas experiências visuais às quais um indivíduo é submetido diariamente. Se nos aportarmos aos princípios da gramática visual e ainda aos fundamentos do desenho propostos por Wucius Wong,63 encontraremos a ideia de forma apresentada da seguinte maneira: 62 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5 ed. Tradução: Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 63 WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. Tradução: Alvamar Helena Lamparelli. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 94 “Em sentido amplo, tudo o que é visível tem forma. Forma é tudo o que pode ser visto - tudo o que tenha formato, tamanho, cor e textura, que ocupe espaço, marque posição e indique direção. Uma forma criada pode ser baseada na realidade - reconhecível - ou abstrata - irreconhecível. Uma forma pode ser criada para transmitir um significado ou mensagem, ou pode ser meramente decorativa” [2001, p. 138]. Wucius ainda acrescenta à definição da forma uma maneira de classificá-la por suas características como forma bidimensional e como forma tridimensional. Quanto à forma bidimensional, esse autor diz “ser constituída por pontos, linhas e/ou planos sobre uma superfície plana” [2001, p. 138]. Já a forma tridimensional, Wucius define como: “[...] aquela em direção à qual podemos caminhar, da qual podemos nos afastar ou em torno da qual podemos andar; pode ser vista de diferentes ângulos e distâncias. Está ao nosso alcance, podemos tocá-la ou mesmo manuseá-la” [2001, p. 138]. Para Wucius, o fato de vivermos num mundo em que nossas experiências visuais são tridimensionais fará com que nossa experiência de forma também seja tridimensional, e, assim, este autor defende a possibilidade de que essas experiências tridimensionais cotidianas interfiram em nossa percepção das formas bidimensionais [2001, p. 139]. Rudolf Arnheim64 amplia o significado do termo, vinculando-o também ao meio, à origem.65 Para ele, a forma “é 64 Rudolf Arnheim nasceu na Alemanha, na cidade de Berlim, em 15 de julho de 1904 e faleceu em 9 de junho de 2007. Psicólogo, filósofo e teórico de arte, emigrou em 1940 para os Estados Unidos. De 1946 a 1968 atuou como professor no Sarah Lawrence College e, a partir de 1968, passou a lecionar no curso de Psicologia da Arte em Harvard. Foi professor convidado na Universidade de Michigan, em Ann Arbor. De acordo com as ideias de Rudolf Arnheim, seria impossível pensar sem recorrer a imagens perceptivas, uma vez que o pensamento seria algo eminentemente visual, ligando-se assim à psicologia da forma. 95 determinada não apenas pelas propriedades físicas do material, mas também pelo estilo de representação de uma cultura ou de um artista individual” [2005, p. 130]. Isto significa que percebemos a configuração ou, ainda, que percebemos as qualidades visuais de algo, as quais nós “tomamos para representar” [2005, p. 89] sua forma. Nessa linha de raciocínio, a forma é uma representação de imagens em meios específicos, bidimensionais e tridimensionais, e estas representações nos chegam através do processo perceptivo. A forma então é algo que precisa ser compreensível, e que envolve uma harmonia de sistemas; à forma é intrínseco um sentido de ordem entre as partes que a compõem. Contrapondo-se à idéia de Arnheim, no que diz respeito a ser a forma uma configuração, está a compreensão oferecida pelo arquiteto Louis I. Kahn:66 “Forma não tem configuração, nem dimensão. Forma simplesmente tem um caráter e uma qualidade. Suas partes são inseparáveis. Se você retira alguma parte, a forma se desfaz. Isso é forma” [2002, p. 47]. Kahn, contudo, ainda tangencia a ideia essencial da forma apresentada por Wucius quando a descreve como uma estrutura que possui uma organização, uma disposição e uma ordem entre os elementos essenciais que a compõem. 65 ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. Tradução: Ivonne Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. 66 Louis Isadore Kahn nasceu na ilha de Osel, na Estônia, em 20 de fevereiro de 1901 e faleceu em Nova York em 1974. Aos 5 anos mudou-se com sua família para Filadélfia, nos Estados Unidos. Naturalizou-se americano em 15 de maio de 1914. Estudou na escola de Beaux-Arts da Universidade da Pensilvânia e formou-se arquiteto em 1925. Em 1947 passa a lecionar na Universidade Yale. Louis. I Kahn iniciou sua produção arquitetônica de expressão aos 50 anos de idade. 96 O arquiteto Helio Piñón67 define a forma como produto da ação de um sujeito e corrobora as opiniões de Kahn e Wucius ao expor a ideia de que a forma seja fruto da união de partes elementares, acrescentando: “A forma é inclusiva por definição, o que não significa que proceda por adição: os elementos constitutivos da forma, mesmo quando conservam sua aparência original, perdem seu sentido inicial em favor do que 68 adquirem em sua relação com os demais”. O principal conceito na compreensão, na discussão e na conformação da arte, da arquitetura e do design é a forma. Citar a forma é ao mesmo tempo mencionar a técnica, a função, e os significados, pois estes fatores estão inexoravelmente ligados ou são circundantes à criação e à concepção desta. A uma resposta formal são pertinentes, sempre, as discussões que permeiem as questões relacionadas à sua materialidade, as questões relacionadas ao valor funcional, àquelas relacionadas aos significados que a referida forma adquira ou possa adquirir, como também são pertinentes e importantes as discussões acerca da relação da mencionada forma com o entorno. Em meados do século XIX e início do século XX, os debates e os questionamentos acerca da forma na arquitetura e no design foram muito enfatizados, pois mundialmente se instauravam novas possibilidades para os métodos de produção. Os processos artesanais de produção, utilizados até meados do século XVIII, foram sendo absorvidos pelo processo de 67 Helio Piñón nasceu em Onda [Castellón] em 1942. Formado em Arquitetura [1966] pela Escola Técnica Superior d‟Arquitectura de Barcelona [ETSAB] e doutorado pela mesma escola [1976], na qual iniciou sua atividade docente no início dos anos 70, completou sua formação colaborando com Albert Viaplana, entre os anos 1967 e 1997. Foi membro fundador da revista Arquitectura Bis e, desde 1979, catedrático de Projetos Arquitetônicos na ETSAB. 68 PIÑÓN, Helio. Teoria do projeto. Tradução: Edson Mahfuz. Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2006, p. 52. 97 industrialização, a partir do final do mencionado século. Assim, quando alcançado o século XIX, os sistemas produtivos já estavam quase em sua totalidade adaptados à máquina. Este período, chamado de Era Industrial, foi marcado por muitas transformações, novas interpretações e principalmente novos usos no que diz respeito às respostas formais. Nesse sentido, um exemplo significativo é o conceito defendido pelo arquiteto Louis Sullivan69 de que “a forma segue a função”, incansavelmente discutido e inúmeras vezes aplicado à produção da arquitetura e aos produtos do design realizados nesse período. Este uso consolidou a ideia de que as formas criadas tinham, em princípio, a intenção de atender a uma determinada função, ou, ainda, que tinham, em princípio, a intenção de alcançar um fim específico. A forma passou a ser esboçada considerando-se sua finalidade de modo que seu resultado fosse sempre compatível com a função à qual se destinava e, mais, que seu resultado fosse compatível com os novos sistemas produtivos e de montagem da indústria. Essa maneira de pensar a forma, associada aos avanços das tecnologias de produção, fez com que surgisse uma nova estética para os produtos industrializados, bem como fez com que novos desenhos e novas formas fossem explorados. Configurando causa e efeito que se alimentam mutuamente, a evolução da forma foi e tem sido consequência do surgimento e do domínio de novos materiais, do domínio de novas técnicas de produção, bem como da mudança de usos, de hábitos e de necessidades. 69 Louis Sullivan, arquiteto americano, nasceu em 3 de setembro de 1856 e faleceu em 14 de abril de 1924. Foi o primeiro arquiteto modernista que defendia a máxima de que “a forma segue a função”. Colaborou com Frank Lloyd Wright numa concepção de arquitetura funcionalista orgânica e afirmava que “se a forma segue a função, então o trabalho deve ser orgânico”. Os arranha-céus são monumentos e provas vivas da influência da arquitetura de Sullivan na época modernista. 98 Em decorrência dessas mudanças, e cada vez mais, a forma tem refletido sempre a capacidade de pautar novas posturas, de evidenciar novos materiais, de transmitir valores éticos e culturais, assim como de referir-se a significados. Portanto, por trás de cada forma ou de cada resposta formal, pode haver um universo de posturas, metodologias e sistemas de pensamento distintos que são resultantes destas ocupações e também da personalidade de cada criador. O que pode justificar a enorme diversidade do universo da forma. O arquiteto Josep Maria Montaner,70 que investigou as formas do século XX, cita a diversidade e o dinamismo destas, bem como menciona as competências que as formas têm em comunicar: “[...] o conceito de forma é completamente diferente do de imagem [...] e do de signo. O signo expressa, e a forma, ao contrário, se expressa. Enquanto que os significados se esgotam e desvanecem, as estruturas formais permanecem e renovam seus significados, e 71 podem ser interpretadas de diversas maneiras”. É, portanto, inquestionável esta condição de a forma transmitir informações ao indivíduo. E, em se tratando de edifícios e de objetos, é possível dizer que estes despertam o interesse pelo desempenho de suas formas ao indicarem suas funções, pela capacidade de seus materiais se expressarem e, ainda, por nos influenciar e até nos emocionar [BOTTON, 2006]. Desse modo, conclui-se que, naturalmente, vão nos instigar os edifícios e os objetos cujas formas facilitem o reconhecimento das relações visuais adotadas pelo autor 70 Josep Maria Montaner nasceu em Barcelona em 1954, é arquiteto, escritor e professor da Faculdade de Arquitetura de Barcelona. Foi professor convidado em várias universidades europeias e latino-americanas. É autor de livros traduzidos para diversos idiomas e publica regularmente em revistas de arquitetura e nos jornais El País e La Vanguardia. 71 MONTANER, Josep Maria. As formas do século xx. Tradução: Maria Luiza Tristão de Araújo. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. p. 14. 99 para defini-las, que favoreçam a compreensão de sua função e que, além disso, estimulem nossos sentidos. Considerando o conjunto de conceitos e discussões expostos, adota-se, neste trabalho, a ideia de forma como o resultado de uma ação ordenadora, que se apresenta ao indivíduo com determinado formato, tamanho, cor e textura, que ocupa espaço, que pode ser tocada ou manuseada e que foi criada para adquirir e transmitir significados. 100 4.3 FUNÇÃO Segundo Nicola Abbagnano,72 o termo “função” possui duas acepções, e uma delas está relacionada a conceitos matemáticos - trata-se de “uma regra que une as variações de certo termo ou de um grupo de termos com as variações de outro termo ou grupo de termos” [2007, p. 548-9]. A outra acepção dada ao termo “função” é aquela à qual vamos nos ater deste ponto em diante: “Neste significado o termo corresponde à palavra grega ergon, do modo como é empregada por Platão, quando diz que a F. dos olhos é ver, a F. dos ouvidos é ouvir, que cada virtude é uma F. de determinada parte da alma e que a F. da alma, em seu conjunto é comandar, dirigir [Rep., I, 352 e ss.]. F., nesse sentido, é a operação própria da coisa, no sentido de ser aquilo que a coisa faz melhor do que as outras coisas [ibid., 353a]” [2007, p. 548]. Tomando a essência do significado da palavra “função”, diremos que para todas as coisas existentes há uma razão de ser que lhe corresponda. Ademais, em continuidade a esta explicitação, é razoável supor que as tais coisas mencionadas possuem determinadas formas e que cada uma destas formas, ao atender alguma necessidade, cumprirá um dado destino ou, se quisermos, uma dada função. O filósofo ateniense Sócrates73 formulou a primeira estética arquitetônica, 72 que hoje podemos enquadrar no ABBAGNANO, Nicola. op. cit. Sócrates nasceu em Atenas em 470 a.C. e faleceu em 399 a.C. na mesma cidade. Foi um dos mais importantes filósofos e também um dos fundadores da filosofia ocidental. As fontes mais importantes de informações sobre Sócrates são Platão, Xenofonte e Aristóteles. Os Diálogos de Platão retratam Sócrates como mestre que se recusa a ter discípulos, e um homem piedoso que foi executado por impiedade. Sócrates não valorizava os prazeres dos sentidos, todavia escalava o belo entre as maiores virtudes, junto ao bom e ao justo. 73 101 funcionalismo.74 Nela a forma estaria subordinada à finalidade para a qual foi concebida ou, ainda, subordinada a alguma função. Para Sócrates, um edifício não poderia ser compreendido se fosse ignorada sua finalidade ou seu lado funcional. O filósofo grego Aristóteles atribuiu à forma uma função, e, desde então, esta atribuição tem sido motivo de veementes discussões, não apenas entre historiadores, mas também entre críticos, artistas, arquitetos e desenhistas; mais recentemente, dado o pouco tempo desde que a profissão foi estabelecida, também entre designers. O filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard75 afirma: “forma e função são eternamente irreconciliáveis, porque o são igualmente as duas classes sociais correspondentes” [BAUDRILLARD, citado em NETTO, 2007, p. 109]. Este autor garante que não há como unir forma e função, já que a primeira é apropriada pelo consumidor e a segunda, pelo produtor, e estes dois, no geral, não conseguem conformálas numa unidade, dado que diferem em necessidades e desejos. Entre tantos profissionais que tomaram essa discussão com notável vigor, destacamos o crítico de arte Gillo Dorfles, para quem a relação entre forma e função é factível e está, de maneira intrínseca, ligada ao objeto produzido pela indústria - com a forma sendo determinada pela função. Dorfles afirma que “quase todos os objectos industriais - [...] têm em si algumas qualidades formais que simbolizam as suas funções [...]”, e acrescenta: “a maior parte das vezes 74 Neste caso, “corrente da filosofia da mente [representada por Jerry Fodor], segundo a qual os fenômenos mentais podem ser compreendidos a partir de sua função e de sua significação interna, independentemente de seu suporte material”. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 117. 75 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Tradução: Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Perspectiva, 2000. 102 acontece que a função deve ser sublinhada e exaltada de modo a dar ao fruidor a imediata sensação da finalidade para que o objecto foi criado” [2002, p. 52]. O uso do conceito de função como princípio de projeto tanto na arquitetura como no design resultará, contudo, em uma produção concebida e construída com a preocupação única de ser funcional e, deste modo, completamente destituída de quaisquer outras competências. A arquiteta Maria Lucia Malard76 contrapõe-se à ideia de conceber-se um espaço somente com a intenção de que este seja útil: “A “funcionalidade” de um espaço é, pois, sua capacidade de admitir as espacializações das atividades às quais ele fora edificado para acolher, e 77 não apenas suas regras construtivas e formais”. E continua seu raciocínio: “Uma funcionalidade que se preocupa somente com as relações objetivas e ignora o sujeito dessas relações não poderia ser chamada de dimensão funcional que se revela na interação sujeito/objeto” [2006, p. 126]. Reiterando a condição apontada por Malard, o filósofo e escritor Alain de Botton78 manifesta-se afirmando que, de um 76 Maria Lucia Malard é arquiteta, doutora pela Universidade de Sheffield, Inglaterra, professora titular do Departamento de Projetos da EA-UFMG e pesquisadora do CNPq. Atua no Núcleo de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo [NPGAU]. É coordenadora do Grupo de Pesquisa Estúdio Virtual de Arquitetura [EVA], com financiamentos da Fapemig, Finep e CNPq. 77 MALARD, Maria Lúcia. As aparências em arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 125. 78 Alain de Botton nasceu em Zurique, na Suíça, em 20 de dezembro de 1969 e reside em Londres. Alain é escritor e produtor, foi educado na Dragon School em Oxford e na Harrow School em Londres. Alcançou o double starred first em História e Filosofia em Gonville and Caius College, em Cambridge [19881991], tendo completado seu mestrado em Filosofia no King‟s College London [1991-1992]. 103 objeto construído, espera-se mais do que atender a uma função: “No entanto, a nítida separação entre a discutível importância da funcionalidade sempre girou em torno de uma distinção ilusória. Embora à primeira vista associemos a palavra “função” com a provisão eficiente de abrigo físico, no final das contas é improvável que respeitemos uma estrutura que não faça mais do que nos manter secos e aquecidos” [2007, p. 62]. No universo do design, o entendimento de Baudrillard é que a função “sugere que o objeto se realiza na sua exata relação com o mundo real e com as necessidades do homem” [1993, p. 69]. Considera ainda que os impulsos e as necessidades primárias do homem estão diretamente ligados à função, e que a funcionalidade, por sua vez, diz respeito à capacidade de integrar-se - em um único produto - um conjunto de fatores de diversos aspectos, como cor, forma, necessidade primária, impulso, etc., resultando não apenas em um objeto, mas em um sistema funcional. Esse entendimento da ideia de função, de modo mais ampliado, também é confirmado por Adélia Borges: “[...] é preciso não esquecer que a dimensão funcional de um objeto vai muito além de sua utilidade estrita. Assim, uma cadeira não serve só para sentar, ela pode servir também para olhar, ostentar, intimidar, 79 sinalizar a que tribo pertence etc.” [2003, p. 19]. Portanto, mediante o que anteriormente foi exposto, é possível estabelecer uma relação de analogia entre a extensão da função do espaço e a da função do objeto. Pois, se as experiências perceptivas do indivíduo conduzirem à apreensão do espaço e do objeto, então as respectivas 79 A teoria geral dos signos - a semiótica - desenvolvida Charles Sanders Pierce [1839-1914], constitui uma das bases reflexões contemporâneas acerca das representações que objeto - sonhado ou existente - possa assumir para determinado interpretante. por das um um 104 atribuições de função, conforme Adélia Borges, podem superar ou ainda estender-se a suas utilidades. No pensamento do arquiteto Herman Hertzberger, “um aparato funcionando adequadamente faz o trabalho para o qual está programado, o que é esperado dele - nem mais nem menos”.80 Pode-se notar aí uma compreensão que se assemelha àquela exposta anteriormente por Dorfles, em que a relação entre forma e função parece mais estreita. No que se refere ao edifício e ao objeto - que em suas essências, em princípio, são propostos para atender a uma função e encarregar-se de uma funcionalidade -, em alguns casos eles também acabam expressando-se, e comunicando-se com o indivíduo. Proposição que, de certo modo, seria validada por Hertzberger, quando afirma: “um edifício, mas também parte de um edifício, explica a si mesmo ao mostrar como funciona e para que serve” [2006, p. 242]. O arquiteto faz, contudo, uma ressalva, a de que a arquitetura funcionalista, ou aquela que leva ao extremo o vínculo da funcionalidade com a eficiência, está fadada à falta de eficiência, está sujeita àquilo que ele chamou de “disfuncionalidade” [2006, p. 146]. Baudrillard faz uma observação quanto ao valor extremado da funcionalidade atribuída ao objeto, na mesma linha de raciocínio de Hertzberger. O filósofo entende que toda identificação de individualidade do objeto que foi dessa maneira concebido acaba despida, perdida, e ainda “em face do objeto funcional o homem torna-se disfuncional, irracional e subjetivo [...]”.81 80 HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. Tradução: Carlos Eduardo Silva Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 170. 81 BAUDRILLARD, Jean. op. cit., p. 63. 105 No sentido de apontar a necessidade da existência de uma condição harmônica e equilibrada para as soluções das produções da arquitetura, Hertzberger prossegue: “A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer coisas belas - nem em fazer coisas úteis -, mas em fazer ambas ao mesmo tempo - como um alfaiate que 82 faz roupas bonitas e que servem”. Em continuidade ao raciocínio acima exposto, é plausível pensar na concepção de um edifício “eficiente” - no sentido de que ele consiga atender as necessidades primárias do indivíduo - e que, consequentemente, seja digno de contemplação. O que de certo modo pode-se ver como algumas das competências da produção em arquitetura, sobre as quais Alain de Botton expõe a seguinte formulação: “Nós queremos que quase todas as construções não apenas exerçam uma função específica, mas também tenham uma certa aparência, que contribuam para um determinado estado de espírito: de religiosidade ou erudição, rusticidade ou modernidade, comércio ou domesticidade. Podemos desejar que gerem uma sensação de segurança ou excitação, de harmonia ou contenção. Podemos esperar que nos liguem ao 83 passado ou sejam como um símbolo do futuro [...]”. Portanto, segundo o pensamento de Botton, ratifica-se aqui a ideia de que a função, a forma e o significado devam participar de modo conjunto e equilibrado na conformação das produções não somente da arquitetura, mas também do design, determinando suas compreensões pelo usuário ou espectador e permitindo que elas adquiram uma identidade precisa. José Teixeira Coelho Netto84 lembra, contudo, que as necessidades, os desejos e o interesse do usuário ou do 82 HERTZBERGER, Herman. op. cit., p. 174. BOTTON, Alain. A arquitetura da felicidade. Tradução: Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p. 62. 84 José Teixeira Coelho Netto nasceu em São Paulo em 1944 na cidade de Bauru. Mestre em Ciências da Comunicação pela 83 106 espectador é que devem ser considerados na elaboração do projeto para que se possa alcançar a conjugação perfeita de função e forma. Em conformidade com as formulações acima apresentadas, pode-se supor que na arquitetura e no design tudo o que for construído ou produzido sempre cumprirá alguma finalidade para a vida das pessoas, e essas podem usar ou apreciar tais produções. Assim, aquilo que se projeta deve ser adequado à sua razão de ser, e ademais deve ser confortável e estimulante, sendo passível, conforme antes mencionado, de adquirir e transmitir diversos significados. Deste modo, se edifícios e objetos são construídos e produzidos exclusivamente para atender o indivíduo e suas necessidades, então estes deverão assumir as mais diversas formas e os mais diversos significados. Assim pode-se inferir que em arquitetura e em design o sentido atribuído ao termo “função” corresponda à capacidade de atender de maneira adequada - clara e compreensível - a exigências utilitárias e também de estender-se além delas, atendendo à necessidade de interação. Universidade de São Paulo [1976] e doutor em Letras [Teoria Literária e Literatura Comparada] pela Universidade de São Paulo [1981], pós-doutor na University of Maryland, EUA [2002], é museólogo e professor universitário. 107 4.4 SIGNIFICADO A ciência que se ocupa do estudo da significação e que investiga o próprio significado das coisas é a semântica.85 A semântica é um ramo da linguística, e esta tem por objeto de estudos a língua. A língua é um meio de comunicação e também um meio de despertar emoções ou de fazê-las surgir em outros indivíduos. Deste modo, toda linguagem pretende comunicar alguma coisa, e toda linguagem tem certo valor emotivo. Esse valor emotivo é impresso à palavra quando se quer “exprimir ou excitar sentimentos ou atitudes”.86 Portanto, as palavras têm o poder de trazer ao mundo da linguagem verbal aquilo que vive no mundo das ideias: o significado. A palavra assume um poder sugestivo e evocador no que diz respeito a seu emprego na atribuição de significados, e esta competência pode apresentar-se em maior ou menor grau de intensidade, e normalmente, de acordo com o contexto no qual a palavra é inserida. Portanto, a linguagem apresentase como uma máquina poderosa capaz de dominar conceitos, e, deste modo, é possível afirmar que, onde houver linguagem, haverá significado. O significado de valor emotivo, verbalmente atribuído, poderá ser construído por meio do artifício da comparação, ou ainda pela metáfora87. O uso destes artifícios para a construção e a atribuição de significado é, conforme 85 A semântica [do grego σημαντικός, derivado de sema, sinal] refere-se ao estudo do significado, da significação das palavras e das mudanças da significação através do tempo ou em determinada época. 86 ULLMANN, Stephen. Semântica. Uma introdução à ciência do significado. Tradução: J. A. Osório Mateus. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970, p. 266. 87 Designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança. 108 mencionado anteriormente, aquele que permitirá torná-lo mais intenso, mais forte e, possivelmente, mais explícito. Atribuir significados é uma prática peculiar do ser humano, desde sua mais remota existência, e ele o fez e o faz em relação a quase tudo o que percebe no universo que o circunda e, muitas vezes, sem que se dê conta disso. Deste modo, aferir um significado é uma ação relacionada à noção de entendimento, de compreensão, de conhecimento ou de experiência que o ser humano tem das coisas, ou, ainda, uma ação relacionada a seu processo cognitivo. Quando, por exemplo, para o ser humano, uma caverna deixou de ser uma cavidade rochosa para ser um abrigo, pelo conforto e segurança que esta pôde representar, foi possível ao homem atribuir significado a ela. A caverna passou a “comunicar”-se, ou enviou-lhe uma mensagem que foi apreendida e interpretada. A produção da arquitetura e a produção do design podem também constituir-se em linguagem visual, ou em linguagem verbal, deste modo, podendo até comunicar-se. Partindo-se da ideia de que a produção da arquitetura e do design tem a intenção de atender às necessidades dos indivíduos, tudo o que se constrói e se produz estará sujeito às experiências de aproximação e de contato entre indivíduo, edifício e objeto. A compreensão da mensagem expressa, para o indivíduo, pelo edifício ou pelo objeto se dará pelo resultado das citadas experiências e pela aparência do edifício e do objeto. Sendo assim, ambos poderão adquirir significados. É, somente, pela presença e com a experiência de um indivíduo que os significados podem ser atribuídos. 109 “O nosso corpo - através dos nossos sentidos estabelece as conexões entre as coisas, arranjandoas adequadamente à percepção e, 88 consequentemente, à experiência espacial”. “É, inquestionavelmente, a partir do corpo que se vive um espaço, que se produz um espaço - isto é, que um 89 espaço recebe uma carga semântica qualquer”. As relações, acima mencionadas, do indivíduo com o espaço, ou do indivíduo com a produção da arquitetura, levarão à compreensão da mensagem que está ligada à leitura das formas de seus edifícios, dado que estes compreendem estruturas físicas. De maneira geral, a apreensão da mensagem está ligada a um processo pertinente à percepção, que vai atender aos estímulos enviados pelas citadas formas. Nesse mesmo sentido, o arquiteto Elvan Silva90 expõe sua ideia acerca da leitura das formas arquitetônicas como um “processo de interpretação de um discurso nem sempre explícito, [...]; é um processo que, por isso mesmo, depende muito de quem o realiza, e não somente de quem emitiu a mensagem”.91 Deste modo, a interpretação da leitura de uma produção arquitetônica pode ser um processo complexo, dado que dependerá de quem e de como ele será “lido”. Isto, possivelmente, resultará em um conjunto de significações atribuídas a um único exemplar, seja ele o edifício ou a paisagem urbana. 88 MALARD, Maria Lúcia. op. cit., p. 27. COELHO NETTO, J. Teixeira. A construção do sentido na arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 118. 90 Elvan Silva, arquiteto diplomado pela UFRGS em 1963, universidade em que concluiu mestrado em Arquitetura [1993] e doutorado em Sociologia [1997]. Desde 1969, tornou-se professor da UFRGS, alcançando o status de titular em 1986, lecionando na graduação e na pós-graduação. Durante esse período assumiu inúmeros cargos, entre os quais, o de diretor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, que exerceu no período 1996-2000 e, num segundo mandato, a partir de 2003. 91 SILVA, Elvan. Arquitetura & semiologia: notas sobre a interpretação lingüística do fenômeno arquitetônico. Porto Alegre: Sulina, 1985, p. 142. 89 110 José Teixeira Coelho Netto também se manifesta acerca do mencionado processo de atribuição de significados, conferindo a ele um caráter ainda mais complexo, por considerá-lo indeterminado e amplo, uma vez que é sempre possível atribuir e até acrescentar significados a um mesmo espaço. Netto ainda prossegue: “é possível afirmar que no discurso do espaço não há lugar carente de significado [...]”.92 Dessa maneira, toda produção arquitetônica envia-nos mensagens, e, acerca destas, o sociólogo e jornalista Mauricio Puls, em seu livro Arquitetura e filosofia, expõe algumas proposições - pautadas em pressupostos, defendidos pelo filósofo francês René Descartes93 - acerca do que uma obra arquitetônica pode despertar, por meio de mensagens, no indivíduo. Conforme Puls, ela pode despertar emoção e admiração, e esta admiração pode estar unida à estima ou ao desprezo, como também pode despertar aversão. Então, estes “significados” que a obra pode assumir estão relacionados à sua dimensão ou à sua bondade [o termo “bondade” referindo-se à sua utilidade, conforme atribuição de Descartes]. No que concerne ao design, como visto anteriormente, que tem como princípio atender às necessidades dos indivíduos, a atribuição de significado também vai se apresentar como um processo que contará com as mencionadas experiências, com a apreensão dos aspectos externos, das reações físicas e emocionais, a imaginação, etc. 92 93 COELHO NETTO, J. Teixeira. op. cit., p. 127. René Descartes nasceu em La Haye en Touraine, em 31 de março de 1596, e faleceu em Estocolmo, em 11 de fevereiro de 1650. É conhecido como Renatus Cartesius (forma latinizada). Filósofo, físico e matemático francês, notabilizou-se, sobretudo, por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria – fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva seu nome. Foi uma das figuraschave na Revolução Científica. 111 Em assim sendo, a ação de atribuição de significados concretiza-se de maneira análoga àquela que se dá na arquitetura, ou seja, a partir da leitura de seus desenhos, de suas formas, de suas dimensões, de suas cores, da luz, de seus contornos, dos materiais empregados, etc. Elvan Silva é particularmente claro sobre esta questão: “Para o usuário comum, o significado do objeto se vincula à experiência sensorial derivada do uso do mesmo objeto. Uma poltrona confortável, que atenda aos reclamos da anatomia e da fisiologia, terá um valor comunicacional diferente de uma poltrona 94 desconfortável”. Ainda referindo-se aos significados atribuídos aos objetos, Gillo Dorfles afirma que alguns dos elementos “semânticos” utilizados na conformação de um objeto cumprem o papel de realçar ou tornar mais facilmente identificável sua função. O autor lembra o caso dos objetos produzidos industrialmente, afirmando que: “[...] o conceito de funcionalidade poderia ser substituído pelo de semanticidade: isto é, que um objecto, para ser funcional no verdadeiro sentido da palavra, deverá responder, não só a exigências práticas, utilitárias, de adequação às características do material utilizado e aos custos etc., mas também a exigências semióticas, de correspondência entre a 95 forma do objecto e o seu significado”. É importante ressaltar que um edifício e um objeto não têm apenas um significado formal, um estético e outro funcional; há neles, ainda, significados relativos aos aspectos sociais, comportamentais e culturais, que podem ter sido neles inseridos de modo inconsciente, como também podem fazer parte dos princípios dos projetos que deram origem a cada um deles. 94 95 SILVA, Elvan. op. cit., p. 177. DORFLES, Gillo. op. cit., p. 55. 112 O uso de elementos semânticos - ou da semanticidade no objeto, conforme expôs Dorfles - mostra-se como um recurso aplicado no instante da elaboração do projeto, com o intuito de ampliar as habituais definições técnicas e estéticas para nelas incluir as definições significativas, permitindo que, entre o objeto e o indivíduo, a comunicação estabeleça-se de maneira mais frequente e eficaz. As mensagens que o objeto pretende divulgar devem, contudo, ser sempre decifráveis e não perder seu conteúdo. É preciso que o objeto tenha uma clara correspondência com o significado que pretende exprimir. A forma que se atribui ao objeto é a maneira de alcançar a citada correspondência. Bernhard Bürdeck, como que em defesa do uso dos elementos semânticos com o intuito de alcançar ou reforçar o caráter legível e decifrável do objeto, apresenta o seguinte: “La semántica del producto no se presenta como un nuevo estilo, sino como un sistema en el que se pueden originar y expresar diferentes lenguajes. El diseño semântico visualiza el uso de un producto [...]. 96 Su conformación remite el producto a la función”. Desse modo, é preciso que o arquiteto e o designer entendam essa linguagem e, por outro lado, tenham a capacidade de fazer com que os edifícios e os objetos falem por si mesmos, pois - conforme o que mais acima expusemos, sob as proposições de Maria Lucia Malard, José Teixeira Coelho Netto, Mauricio Puls e Gillo Dorfles - todo edifício e todo objeto são portadores de um significado em suas funções distintas, e levam consigo informações, refletem determinados usos, determinada posição social e um determinado nível cultural. E, ainda, conforme exposto acima, a expressividade ou comunicabilidade dos edifícios e dos objetos pode ser alcançada por meio da conformação das partes de cada um 96 BÜRDEK, Bernhard E. op.cit., p. 238-9. 113 deles, ou seja, através das formas que cada um assumir, e, ainda, acerca destas formas, elas devem ser legíveis, mas sem com isso ser desprovidas de certo dinamismo ou até de certa dose de complexidade. Às formas são atribuídas tais competências porque elas emitem sinais, que influenciam a percepção e o comportamento do indivíduo, portanto, “em se tratando de produzir uma forma que gera um espaço a ser utilizado, a simples contemplação não é suficiente”.97 É preciso, portanto, que se criem formas favoráveis às práticas perceptivas, tais como a já mencionada experiência de aproximação e contato, e até a própria contemplação, pois, só com base nelas o indivíduo poderá atribuir significados às diferentes produções. Desse modo, as ideias que aqui foram expostas envolvem as relações naturais do indivíduo com o universo que o circunda, e estas relações podem confirmar aquelas há pouco relatadas quanto à percepção, nas quais se menciona que, para o indivíduo sobreviver, ele precisa relacionar-se com o mundo e com as coisas que nele estão, desde seu nascimento. E naturalmente o indivíduo assim o faz, como se o mundo fosse uma extensão dele próprio, o que nos leva a concluir que ao mundo e às coisas ele se adapta, se familiariza, com eles cria vínculos, afinidades e, por fim, lhes atribui significados. Assim, mediante as formulações apresentadas, no que diz respeito às produções em arquitetura e em design, o significado pode ser compreendido como resposta às experiências sensoriais ou perceptivas, ensejadas ou promovidas por seus edifícios e por seus objetos. 97 COSTA, Flávia Nacif da. Uma reflexão sobre o design como reativador da experiência espacial. Disponível em <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp220.asp>. 114 4.5 CRIATIVIDADE “Criar é tão difícil ou tão fácil como viver. E é do mesmo modo necessário” [OSTROWER, 1987]. É bastante vasto o repertório de ideias que são postas em conjunto para explicar o que é o fenômeno criativo, possibilitando assim que se encontre um número razoável de definições para o termo “criatividade”. Dentro desse conjunto de significações há acordos e desacordos, mas há alguns denominadores comuns que podem dar-nos a compreender a essência do termo. Segundo a acepção encontrada no Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a criatividade é a “qualidade ou característica de quem ou do que é criativo”, ou, ainda, “é a inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc.”.98 Acredita-se que o potencial criativo humano comece a desenvolver-se na infância. Crianças costumam explorar, experimentar, descobrir coisas, ajustam e reorganizam suas ideias e sua imaginação; neste processo, em alguns instantes, acabam por tomar iniciativas criativas [SILVA FILHO, 2005]. O sistema educacional desempenha um papel incentivador desse processo buscando desenvolver algumas habilidades e aptidões que permitam a cada aluno descobrir, por suas iniciativas, novos recursos, para solucionar questões que possam parecer mais complexas. 98 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 3.0. 115 Para a psicóloga e pesquisadora Eunice M. L. Soriano de Alencar,99 foi somente após o investimento e a insistência em pesquisas acerca dos aspectos relacionados à criatividade e acerca das características do indivíduo criativo que se pôde chegar à seguinte conclusão. “[...] o conceito de que o produto criativo seria fruto de um lampejo de inspiração apenas, que ocorreria em determinados indivíduos considerados privilegiados do ponto de vista intelectual, dotados de um poder especial ou de um dom que o indivíduo traria desde o nascimento, deu lugar à ideia de que todo ser humano apresentaria um certo grau de habilidades criativas e que estas habilidades poderiam ser desenvolvidas e aprimoradas através da prática e do treino. Para tal, seriam necessários tanto condições ambientais favoráveis como o domínio de técnicas adequadas” [1995, p. 16]. Desse modo, a criação deixou de ser vista como resultado apenas de uma súbita manifestação de inspiração. Assim, a disciplina, o preparo, o esforço consciente, a dedicação, o trabalho longo e o conhecimento amplo na área a que o indivíduo se dedica passaram a ser pré-requisitos e condicionantes para a produção criativa. O que se pode compreender é que o indivíduo considerado criativo, em geral, apresenta grande mobilidade de raciocínio, pois provavelmente foi, desde sua infância, estimulado a pensar e a buscar soluções, mesmo para pequenos problemas, por meio de iniciativas e métodos muito particulares e de abordagens pouco comuns, como também deve posteriormente, de modo adequado, ter se preparado, adquirindo amplo conhecimento teórico e técnico da área a que se atém. Desta maneira, os mencionados estímulos tornaram-no apto a redefinir ideias, abordagens e formas de pensar com mais facilidade. 99 ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade. 2 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. 116 Eunice M. L. Soriano de Alencar acrescenta que existem ainda muitas ideias equivocadas acerca de alguns aspectos da criatividade. “Outra ideia errônea que necessita ser desfeita é a consideração da criatividade como dependendo apenas de fatores do próprio indivíduo – como de suas habilidades de pensamento, atributos de personalidade e bagagem de conhecimentos, desqualificando o importante papel da educação, do ambiente de trabalho e da sociedade para o 100 reconhecimento e estímulo da capacidade de criar”. Dessa maneira, estabelece-se uma condição clara segundo a qual há de considerar-se um conjunto de dados, alguns intrínsecos ao indivíduo, outros não, para finalmente se configurar uma ideia acerca de como se desenvolve o processo criativo. A ação de criar muitas vezes ocorre sem que o indivíduo se dê conta dela, permanecendo assim inconsciente do que ocorre. De acordo com o exposto acima, porém, diremos que, além desses impulsos inconscientes, todo o universo de um indivíduo - conhecimentos, pressupostos, proposições, dúvidas, pensamentos, imaginação, desejos - participam da conformação desta ação, levando a inferir que impulsos conscientes e o consciente racional nunca se desligam das atividades criadoras, pelo contrário, configuram-se como fatores fundamentais de elaboração. A imaginação comparece, sempre, como uma das principais impulsionadoras da criatividade. Ela permite ao indivíduo combinar ideias e fatos conhecidos a fim de gerar novas ideias, bem como permite que ele faça conexões entre ideias e conceitos não associados anteriormente, que explore acontecimentos inesperados em busca de soluções criativas. Significa a capacidade de visualizar algo mentalmente em 100 ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Desfazendo os mitos sobre a criatividade. Disponível em <http://www.talentocriativo.com.br/002_desfazendo_mitos.pdf>. 117 uma perspectiva diferente, pois para encontrar novas soluções, o indivíduo precisa ser capaz de estabelecer novas associações e relações entre ideias, fatos, objetos, isto é, desenvolver um pensamento imaginativo. É a imaginação que o liberta de ideias estereotipadas, preceitos e normas, o que a torna intimamente ligada ao processo criativo [POMBO; TSCHIMMEL, 2005]. Além das habilidades de pensamento, dos atributos de personalidade, da bagagem de conhecimentos, da educação, do ambiente de trabalho e do pensamento imaginativo, contudo, o indivíduo criativo precisa manter uma atitude crítica e um pensamento racional para avaliar cada nova solução elaborada, no respeitante à sua plausibilidade e à sua viabilidade. A ação de criar deve, então, ser considerada uma integração entre o consciente e o inconsciente, entre os pensamentos, as emoções e a razão do indivíduo. Portanto, para inventar, inovar, criar é preciso que o cérebro exerça uma série de atividades perceptivas que possam identificar e agrupar novas estruturas e informações, a fim de dar origem ao novo, àquilo que até então era inexistente. O que significa que a criatividade pode ser compreendida como uma atividade essencialmente cognitiva que envolve a sensibilidade, o raciocínio e a ação, reforçando a importância de cultivarmos habilidades perceptuais. As atividades cognitivas dizem respeito aos processos psicológicos envolvidos no conhecer, no compreender, no perceber, no apreender ambos os mundos, externo e interno, e ainda envolve, simultaneamente, um interpretar aquilo que está sendo apreendido. Referem-se, portanto, à maneira pela qual o indivíduo lida com os estímulos do mundo externo, como vê e como percebe esse mundo, considerando aquilo que o homem percebe e o modo pelo qual percebe como apreensões resultantes de ordenações. 118 Tudo se conforma em um único processo ordenador. O que o indivíduo percebe, o que registra como informações, acrescentando as novas informações aos dados anteriormente registrados, é o que permitirá a ele desdobrar, reestruturar e configurar o novo. Além disso, a criatividade é atribuída a indivíduos de percepção interativa, isto é, com capacidade para atualizar conceitos, visando a aplicá-los em seus trabalhos, de modo que possam dar origem a ideias, conhecimentos e produções que tenham como característica principal uma forte distinção em relação àquelas convencionais. No entanto, para Bruno Munari,101, as ideias e a criatividade são etapas distintas do processo de criação: “[...] a ideia é algo que, supostamente, deve fornecer a solução bela e pronta, [enquanto] a criatividade leva em conta, antes de se decidir por uma solução, todas as operações necessárias que se seguem à análise de dados” [2002, p. 45]. Munari lembra ainda que a ideia, em alguns casos, é resultado da intuição, e esta ideia intuitiva antecede a criatividade. “Será precisamente a criatividade que substituirá a ideia intuitiva, a qual está relacionada ao modo artístico-romântico de resolver um problema” [2002, p. 44]. A intuição está na base dos processos criativos, está diretamente ligada às atividades cognitivas e permite ao indivíduo lidar com situações novas e inesperadas. Permitelhe visualizar, incutir, julgar e compreender algo surpreendente de modo espontâneo. Assim, intuição e percepção 101 podem ser consideradas modos de Bruno Munari nasceu em Milão, Itália, em 24 de outubro de 1907 e faleceu em 30 de setembro de 1998. Artista e designer, contribuiu com fundamentos em muitas áreas de artes plásticas [pintura, escultura, cinema, design industrial e gráfico] e artes visuais [literatura, poesia, didática], auxiliando a investigação sobre a criatividade e a estética. 119 conhecimento, de buscar as citadas ordenações e alguns significados, e podem ser consideradas parcialmente responsáveis pelas soluções inovadoras elaboradas pelo indivíduo. Antes, portanto, de comunicar uma solução definitiva, é preciso que o indivíduo organize-se diante daquilo que quer solucionar ou alcançar e que analise todas as alternativas de resposta. Condição que Munari ratifica dizendo que “criatividade não significa improvisação sem método [...]” [2002, p. 11], e acrescenta o seguinte: “[...] a criatividade ocupa o lugar da ideia e processase de acordo com o seu método. Enquanto a ideia, ligada à fantasia, pode chegar a propor soluções irrealizáveis por razões técnicas, materiais ou econômicas, a criatividade mantém-se nos limites do problema” [2002, p. 44]. Assim, é preciso ter em mente o objetivo - mesmo que vago daquilo que se deseja atingir, e, com ele em mente, determinar as ações e esforços a desenvolver para tal, assim como a metodologia de projeto a adotar. Com base nas necessidades de enfrentamento de um desafio, em conjunto com as habilidades perceptuais e o comportamento investigativo do indivíduo, a exploração de soluções criativas, em princípio, torna-se mais propícia. Esse processo exigirá do indivíduo o estímulo, a motivação, a imaginação, a intuição, a confiança, os conhecimentos e o princípio de adequação, para que possa criar relações de maneira precisa, com bom senso e adequadas às delimitações de um conteúdo expressivo, bem como às limitações dos meios utilizados para configurá-lo. O que nos leva a inferir que a ação de criar, que é vista como um procediemento livre, não necessariamente pode ser compreendida como um fazer tudo ou qualquer coisa no instante que se queira e sob quaisquer condições, mas sim uma ação livre que precisa ser estruturada e sempre ser 120 vinculada a fatores intencionais. A liberdade para experimentar é essencial para a criatividade, como também alguma disciplina para assegurar objetividade e consistência. Se mantidas as devidas atenções, a ação criativa vai se dar por um processo que resultará em algo novo, que será aceito como útil, e/ou satisfatório por um número significativo de pessoas durante algum tempo. Este é, portanto, um processo de tornar-se sensível a algum problema ou deficiência, de identificar a dificuldade, buscar soluções formulando hipóteses a respeito das deficiências, experimentar estas hipóteses, e, finalmente, transmitir os resultados. Até aqui foi possível compreender que a criatividade está relacionada ao desenvolvimento de habilidades individuais, e ainda que estas habilidades criativas estão parcialmente ligadas às capacidades perceptivas inatas e adquiridas, à contínua busca de novas apreensões e conhecimentos, que serão posteriormente explorados e transformados em resultados significativos. A ampliação constante dos conhecimentos e da cultura representa estímulo permanente, que dá vida e enriquece a força criadora. Sem esse estímulo, o trabalho de profissionais como arquitetos e designers, ligados à criação, reduz-se à repetição de fórmulas. Vale aqui apresentar como ressalva o exposto por Fayga Ostrower102 acerca das potencialidades e os processos criativos. Para essa artista e pesquisadora, eles não estão restritos às artes, ou seja, não são somente os trabalhos 102 Fayga Perla Ostrower nasceu em Lodz na Polônia em 14 de setembro de 1920, e faleceu no Rio de Janeiro em 13 de setembro de 2001. Foi artista plástica, atuou como gravadora, pintora, desenhista, ilustradora, teórica da arte e professora. Foi presidente da Associação Brasileira de Artes Plásticas entre 1963 e 1966. De 1978 a 1982, presidiu a comissão brasileira da International Society of Education through Art [INSEA], da Unesco. 121 pertencentes a esta área que podem ser qualificados como criativos, já que a criatividade pode ser encontrada em toda e qualquer atividade humana, dado que ela é uma característica intrínseca aos indivíduos, em alguns um pouco mais perceptível, em outros menos. Conforme Fayga, “o criar só pode ser visto num sentido global, como um agir integrado em um viver humano. De fato, criar e viver se interligam”.103 Considerando que a arquitetura e o design têm, contudo, como principal objetivo a criação e a produção, respectivamente, de edifícios e objetos, pode-se dizer que as condições da vida moderna tornam as mencionadas áreas sempre mais complexas, exigindo dos profissionais que a elas estão diretamente ligados sólidos e extensos conhecimentos técnicos, científicos e de cultura geral, muito embora demandem, no exercício de suas atividades, a indispensável colaboração de outros especialistas. Mesmo em sua diversidade e complexidade de aspectos, é, porém, a capacidade criadora que caracteriza suas produções. Para Pombo e Tschimmel,104 “parece incontestável que um alto nível de conhecimento em um designer melhora a qualidade dos seus produtos desenvolvidos” [2005, p. 67]. Consideram, contudo, que “o conhecimento não pode ser interpretado como um fenômeno estático, mas apenas como uma chave que abre possíveis portas” [2005, p. 68]. A afimação de Rino Levi105 completa a ideia: “é errado supor que a bagagem de conhecimentos indispensáveis ao arquiteto possa limitar sua capacidade criadora”. 103 OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 5. 104 POMBO, Fátima; TSCHIMMEL, Katja. O sapiens e o demens no pensamento do design: a percepção como centro. Disponível em <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/html/661/66120206/66120206.html>. 105 LEVI, Rino. Evolução da arquitetura. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/documento/arquitetos/rino01.asp>. 122 Conhecimento teórico, técnico, prático e metodológico, capacidade para perceber relações antes ocultas, ordenar e configurar os resultados obtidos nestas relações, reconhecer uma nova conexão entre fatos e dar nova ordem a um universo de condicionantes: são atributos que não devem estar dissociados, pois é sua integração que favorece a solução adequada, pertinente, criativa. 123 5 A FORMAÇÃO DO ARQUITETO E URBANISTA E DO DESIGNER: PROPOSTAS DAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE ENSINO SUPERIOR a formação em arquitetura e urbanismo Da extensa história do desenvolvimento do ensino formal de Arquitetura no Brasil, alguns momentos devem ser destacados pela importância que tiveram. Em 1808, a corte portuguesa instalou-se no Brasil, e com ela vieram os sinais de desenvolvimento. A implantação de novas instituições de ensino foi uma das tantas mudanças pelas quais o país começava a passar. Em 1816, o Rio de Janeiro, sob a regência do então príncipe Dom João, recebe um grupo de artistas franceses - a “Missão Francesa” - que introduz oficialmente no Brasil o ensino artístico. Em 1826, foi inaugurado por Dom Pedro I, no Rio de Janeiro, o curso de Arquitetura da Academia Imperial de Belas Artes, organizado pelo arquiteto francês Auguste Henri Victor Gradjean de Montigny. Em 1889, a Academia foi transformada na Escola Nacional de Belas Artes [Enba], em 1965, a instituição passou a chamar-se Escola de Belas Artes [EBA], incorporando-se à Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ]. Antes, ainda, de a Enba passar a chamar-se Escola de Belas Artes, nasciam as primeiras instituições brasileiras destinadas à formação de arquitetos. Entre elas a Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais [1944], a Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, separada em 1945 da Escola Nacional de Belas Artes, e em São Paulo, sucessivamente, a Faculdade de Arquitetura Mackenzie [1947] e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo [1948], desmembradas, 124 respectivamente, da Escola de Engenharia Mackenzie e da Escola Politécnica. Outro fato relevante ocorre em 1962, quando o Conselho Federal de Educação aprovou o primeiro Currículo Mínimo de Arquitetura [Parecer CFE 336/1962], que instituiu um conjunto de conteúdos obrigatórios nos Programas de Ensino de todas as escolas do país. As instituições passavam a respeitar as disposições do CFE, e, entre as alterações propostas pelo Parecer, uma delas foi a atribuição de metade do tempo mínimo de formação - 3.600 horas-aula - às atividades de projeto, entendido, àquela época, como o centro da formação do arquiteto. O Currículo Mínimo passou por novas alterações em 1969, com a Reforma Universitária, promovida pelo governo militar. O Parecer CFE 384/1969 promulgava a decisão de reduzir o tempo mínimo de formação para três anos e propunha uma formação voltada para o mercado de trabalho. Já em 1970, com o crescimento da demanda educacional, o surgimento de novas instituições privadas de ensino e o crescimento do mercado de trabalho, novos ajustes no Currículo Mínimo foram propostos, no sentido de ampliar as competências profissionais e, assim, propor uma formação ajustada às exigências da época. A solução encontrada para adequar o Currículo Mínimo foi o aumento do número de disciplinas especializadas e da carga horária total, que passou de 3.600 horas-aula para 4.935 horas-aula totais. O último ordenamento em nível nacional [2006], as Diretrizes Curriculares Nacionais - Resolução CES-CNE 6/2006, reafirmam e reelaboram competências profissionais, que devem estar explicitamente contempladas pelos projetos pedagógicos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo. Acerca 125 das competências gerais desenvolvidas veremos abaixo: e habilidades a serem 106 “Art. 5º O curso de Arquitetura e Urbanismo deverá possibilitar formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades: a) o conhecimento dos aspectos antropológicos, sociológicos e econômicos relevantes ao ambiente construído; b) a compreensão das questões que informam as ações de preservação da paisagem e de avaliação dos impactos no meio ambiente, com vistas ao equilíbrio ecológico e ao desenvolvimento sustentável; c) as habilidades necessárias para conceber projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo e realizar construções, considerando custo, durabilidade, manutenção, especificações, regulamentos legais, e satisfazendo exigências culturais, econômicas, estéticas, técnicas, ambientais e de acessibilidade dos usuários; d) o conhecimento da história das artes e da estética, suscetível de influenciar a qualidade da concepção e da prática de arquitetura, urbanismo e paisagismo; e) os conhecimentos de teoria e de história da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, sua produção no contexto social, cultural, político e econômico e com objetivo à reflexão crítica e à pesquisa; f) o domínio de técnicas e metodologias de pesquisa em planejamento urbano e regional, urbanismo e desenho urbano, compreensão dos sistemas de infraestrutura e de trânsito para estudos, análises e planos de intervenção no espaço urbano, metropolitano e regional; g) os conhecimentos especializados para o emprego adequado e econômico dos materiais de construção e das técnicas e sistemas construtivos; h) a compreensão dos sistemas estruturais e o domínio da concepção e do projeto estrutural, tendo por fundamento os estudos de resistência dos materiais, estabilidade das construções e fundações; i) o entendimento das condições climáticas, acústicas, lumínicas e energéticas e o domínio das técnicas apropriadas a elas associadas; j) práticas de projeto e soluções tecnológicas para a preservação, conservação, restauração, reconstrução, reabilitação e reutilização de edificações, conjuntos e cidades; 106 Optou-se, para maior clareza, em apresentar na íntegra o conteúdo das diretrizes de 2006 para os cursos de Arquitetura e Urbanismo, em vigor, considerando que o objeto desta pesquisa é do interesse de arquitetos e dos profissionais da área de design. 126 k) habilidades de desenho e o domínio da geometria, a aplicação de perspectivas, modelagem, maquetes, modelos e imagens virtuais; l) o conhecimento dos instrumentais de informática para tratamento de informações e representação aplicada à arquitetura, ao urbanismo, ao paisagismo e ao planejamento urbano e regional; m) elaboração e instrumentação dos levantamentos topográficos com a utilização de instrumentos específicos para a realização de projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo e no 107 planejamento urbano e regional”. Por essas determinações pode-se dizer que os cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo devem propiciar uma formação que, entre outras disposições, valorize e respeite os aspectos sociais, culturais, ambientais, éticos e estéticos da sociedade, do indivíduo e do ambiente construído, que envolva a apreensão de sistemas e processos, técnicas e tecnologias de construção e preservação, e compreenda o domínio das diversas etapas do projeto em suas diferentes escalas, o que lhe confere um caráter generalista. Usualmente, como foi exposto anteriormente, cada curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo estabelece, com base nas diretrizes nacionais, um currículo mínimo próprio para a formação do arquiteto e urbanista, constituído, no geral, por disciplinas como desenho, geometria, conforto ambiental, sistemas estruturais, estética, projeto de arquitetura, planejamento urbano, técnicas retrospectivas, paisagismo, história da arquitetura e urbanismo, teoria da arquitetura e do urbanismo, prática profissional, computação para arquitetura. Assim, com uma forte referência comum nacional [as diretrizes curriculares] que deve ser contemplada, não é necessariamente o currículo o elemento desencadeador das 107 Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 6, de 2 de fevereiro de 2006. Disponível em <http://abea-arq.org.br/arquivos/legensino/ResolucaoCNECES%2006-2006-DiretrizesArqUrb.pdf>. 127 dificuldades, mas sim como desenvolver as habilidades e as competências que a formação profissional requer. Em termos educacionais, todo processo de seleção e elaboração é um investimento em determinada direção e em defesa dessa direção almejada. E isso envolve responsabilidade em selecionar tais ou quais conhecimentos que deverão compor determinada formação e em quais âmbitos estes devem aportar - cultural, material, processual, metodológico, filosófico, etc. - para que por meio deles o estudante possa alcançar o domínio da teoria, da técnica e da crítica. A arquiteta Maria Lúcia Malard refere-se à formação em Arquitetura expondo aquilo que ela compreende como intenções para a formação de profissionais competentes, enfatizando a importância do caráter investigativo, com olhos para o futuro. “O ensino de arquitetura deve visar a formação para a prática e, portanto, deve ter um caráter crítico e prospectivo. Esses dois papéis - o da crítica e o da prospecção - são muito bem desempenhados pela academia. Esta, sim, deve aprimorá-los, para propiciar 108 uma prática inovadora”. Ao profissional arquiteto e urbanista, cuja atividade implica responder às necessidades de indivíduos ou grupos, são atribuídas competências no sentido de compreender, analisar e sintetizar soluções que se materializam em um projeto. Para tal atuação, faz-se necessário, como apontado anteriormente, que o curso incentive e exercite a integração dos conhecimentos das várias áreas que compõem a formação. Se o centro da formação do arquiteto e urbanista é o projeto [nas diferentes escalas] e se o projeto é uma atividade na 108 MALARD, Maria Lúcia [Org.]. Cinco textos sobre arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 113. 128 qual aportam conhecimentos de diferentes áreas, ele é, portanto, uma atividade essencialmente de integração. a formação em design No Brasil, na década de 50 [pós-guerra], a política de modernização proposta pelo então presidente Juscelino Kubitschek, visava, entre outros objetivos importantes, o desenvolvimento da indústria nacional e havia, em decorrência, a necessidade de formação de profissionais especializados. Essa condição pretendida fundamentava-se no ingresso de capital estrangeiro e na importação de tecnologias para viabilizar o aumento de produtividade em diversos setores, em termos quantitativos e qualitativos. Como consequência desse quadro, o Estado incentivava o aperfeiçoamento do sistema educacional e dos centros de pesquisa com vistas à formação especializada para atender as necessidades emergentes do mercado. Em 1962, após algumas tentativas frustradas, a ideia de implantação de um curso de formação em Design no Brasil concretiza-se. Cria-se no Rio de Janeiro a Escola Superior de Desenho Industrial [Esdi]. Devido à ausência de referências nacionais e ao fato de ter como membros de seu grupo fundador mestres da Escola de Ulm, o curso da Esdi espelha-se nesta, tanto para a elaboração do currículo quanto em relação à metodologia adotada. O pioneirismo da Esdi incentivou a criação de outros cursos de Design no Brasil, que, por sua vez, também mantiveram, após o início de suas atividades, por algum tempo, currículos e métodos de ensino com características semelhantes àquelas dos currículos e métodos adotados pela Esdi. A partir de 1964, com a implantação do regime militar, a indústria nacional submeteu-se ao capital estrangeiro, o que 129 levou o país a priorizar o ensino tecnológico, dificultando a manutenção e a abertura de novos cursos. Na década de 70, o Brasil encontrava-se sob um processo de industrialização acelerado, passando por profundas transformações econômicas. Essas mudanças provocaram inevitavelmente a expansão do sistema de ensino superior, o que foi viabilizado com o intuito de atender à necessidade de profissionais cada vez mais especializados. Essa situação é um reflexo do que ocorria em todo o mundo. Com a expansão demográfica, o desenvolvimento industrial e a urbanização crescente, ampliavam-se a abertura e o intercâmbio entre os países, e iniciava-se um intenso processo de internacionalização - principalmente econômica. Eram os primeiros passos da atual globalização. A educação formal constituía um trampolim para novos horizontes profissionais e a instrução universitária tornou-se imprescindível, implicando a disseminação de cursos de formação e especialização profissional. Com a denominação de Desenho Industrial - que permaneceu até a década de 90 -, os cursos previam habilitações em Comunicação ou Programação Visual e Projeto de Produto. Atualmente, existem novas denominações para esses cursos, que são Design Gráfico e Design de Produto, ou simplesmente Design. Este último normalmente, por seu currículo, contempla simultaneamente as duas habilitações, ou o que se pode chamar de formação integrada. Hoje se pode dizer que há inúmeras Instituições de Ensino Superior - públicas e privadas - que, grosso modo excedendo uma centena, vêm oferecendo cursos de formação em Design com diversas habilitações específicas. Os currículos adotados pelas Instituições de Ensino em Design sempre foram assunto de discussão entre pesquisadores, professores e órgãos superiores de ensino. 130 Na década de 80 Gui Bonsiepe discutia estas questões e expunha a seguinte opinião: “Creio que uma resposta adequada para o ensino de desenho industrial só pode ser conseguida se criarem uma nova estrutura acadêmica, ou seja, uma universidade de projeto que ofereça uma grande gama de disciplinas, sem estar acoplada ou anexada 109 a estruturas existentes”. De todo modo, é preciso que se considerem as circunstâncias políticas, tecnológicas e os interesses sociais da época. Para tal situação, Bonsiepe sugeria: “Para organizar um currículo de desenho industrial, temos duas opções: primeiro, um „currículo de coleção‟ - como tem sido chamado -, uma acumulação de cursos estruturados segundo disciplinas fechadas, sem inter-relação temática; segundo, um „currículo integrado‟, estruturado segundo temáticas e problemas. Obviamente, a segunda opção é muito mais difícil de realizar-se; por isso, raras vezes é encontrada no sistema universitário atual” [1983, p. 39]. Antes mesmo dessas questões apontadas por Bonsiepe, Munari [1980] afirmava que as escolas de Design são destinadas a preparar indivíduos capazes de enfrentar o mundo e o futuro seguindo as técnicas existentes. Portanto, Munari defendia uma formação cujas diretrizes e currículo levassem em conta a finalidade do curso, seguindo os interesses e os problemas atuais e estivessem em conformidade com as técnicas mais avançadas. As discussões em torno de currículos são frequentes e constantes em muitas áreas do conhecimento, atestadas pelas várias mudanças oficias propostas, em intervalos de tempos relativamente pequenos. Mesmo com um cenário idealmente promissor - no sentido de ampliação do mercado de trabalho, pela constante e cada vez mais rápida introdução de novas técnicas e tecnologias -, pesquisadores, 109 BONSIEPE, Gui. op. cit., p. 38. 131 educadores, indústrias e empresas entendem-se sempre desafiados quanto a definir, em consenso, as reais necessidades de qualificação para os designers da geração atual. Nesse sentido, Chirico aborda justamente essa dificuldade: “A busca de referenciais para apreender as competências, detectar os seus conteúdos, captar sua dinâmica, os mecanismos como se articulam diante da necessidade de resolver problemas e o modo como são postas em ação em uma situação concreta, têm sido o desafio de pesquisadores, formadores e 110 gerentes de recursos humanos das empresas”. Portanto, acredita-se que o conjunto das mencionadas competências postas em ação em uma situação concreta de trabalho, a articulação dos vários saberes oriundos das esferas formais, informais, teóricas e práticas, para resolver problemas e enfrentar situações de imprevisibilidade, a mobilização da inteligência para fazer face aos desafios do trabalho e configurar o produto novo constituem características da qualificação necessária para este século. Partindo dos princípios até então apresentados, a qualificação real do profissional de design parece estar compreendida em um conjunto de competências e habilidades, saberes e conhecimentos, que provêm de várias instâncias, tais como da formação geral - o conhecimento científico -, da formação profissional - o conhecimento técnico - e da experiência de trabalho e social. Conforme apresenta o designer e professor Flávio Anthero Nunes Viana dos Santos,111 em um artigo acerca de métodos de projeto no ensino de design, as Instituições de Ensino Superior hoje configuram os currículos de seus cursos 110 CHIRICO Marise De. O design de livros – Espanha/Brasil. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/drops/drops18_03.asp>. 111 SANTOS, Flávio Anthero Nunes Vianna dos. Método aberto de projeto para uso no ensino de design industrial. Disponível em <http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=66130104>. 132 baseadas nas determinações das Diretrizes Curriculares Nacionais [DCNs]. Essa condição assegura às Instituições seu funcionamento e a manutenção de seus cursos de Design; aos alunos, em princípio, assegura o desenvolvimento das principais competências e habilidades que conformarão os novos profissionais. “As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Design devem ser adotadas para a estruturação, autorização, funcionamento e reconhecimento de cursos de graduação nessa área. Dentre vários aspectos, ela define que os cursos de design industrial devem propiciar uma formação profissional que valorize uma visão sistêmica do projeto e o domínio das diferentes etapas de desenvolvimento do produto. Esse mesmo documento define que o futuro profissional deve apresentar características que envolvem o pensamento reflexivo, o domínio de uma linguagem própria e capacidade criativa para propor soluções inovadoras, com trânsito interdisciplinar”. Para que se possa compreender aquilo que efetivamente é determinado pelas DCNs do curso de graduação em Design, segundo a Resolução nº 5, de 8 de março de 2004, apresentam-se aqui suas disposições: “Art. 4º O curso de graduação em Design deve possibilitar a formação profissional que revele competências e habilidades para: I - capacidade criativa para propor soluções inovadoras, utilizando domínio de técnicas e de processo de criação; II - capacidade para o domínio de linguagem própria, expressando conceitos e soluções, em seus projetos, de acordo com as diversas técnicas de expressão e reprodução visual; III - capacidade de interagir com especialistas de outras áreas de modo a utilizar conhecimentos diversos e atuar em equipes interdisciplinares na elaboração e execução de pesquisas e projetos; IV - visão sistêmica de projeto, manifestando capacidade de conceituá-lo a partir da combinação adequada de diversos componentes materiais e imateriais, processos de fabricação, aspectos econômicos, psicológicos e sociológicos do produto; V - domínio das diferentes etapas do desenvolvimento de um projeto, a saber: definição de objetivos, técnicas de coleta e de tratamento de dados, geração 133 e avaliação de alternativas, configuração de solução e comunicação de resultados; VI - conhecimento do setor produtivo de sua especialização, revelando sólida visão setorial, relacionado ao mercado, materiais, processos produtivos e tecnologias abrangendo mobiliário, confecção, calçados, joias, cerâmicas, embalagens, artefatos de qualquer natureza, traços culturais da sociedade, softwares e outras manifestações regionais; VII - domínio de gerência de produção, incluindo qualidade, produtividade, arranjo físico de fábrica, estoques, custos e investimentos, além da administração de recursos humanos para a produção; VIII - visão histórica e prospectiva, centrada nos aspectos sócio-econômicos e culturais, revelando consciência das implicações econômicas, sociais, antropológicas, ambientais, estéticas e éticas de sua 112 atividade”. Assim sendo, em conformidade com as determinações das DCNs, considera-se de modo geral que, nas Instituições de Ensino Superior, o estudante da área de Design, no período de sua formação, que hoje perfaz quatro anos letivos, desenvolva os conhecimentos descritos por meio de programas cujos conteúdos contemplem a representação gráfica, ou seja, o desenho, durante todo o curso, pois esta é a ferramenta fundamental para sua atividade, o componente básico para expressar suas ideias e concepções. Vale lembrar que, sobre desenho, devemos considerar o desenho à mão livre, o desenho geométrico, a geometria descritiva, o desenho técnico e todas as formas de representação gráfica necessárias para o desenvolvimento do projeto. Os programas hoje adotados preveem que o aluno tenha uma formação abrangente, nas áreas de antropologia, história, sociologia, semiótica, ergonomia, entre outras, uma vez que, ao desenvolver um projeto, inevitavelmente seu objetivo será atender às necessidades do homem. Assim como preveem que as disciplinas de projeto sejam distribuídas por todo o período de duração do curso, com 112 Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara da Educação Superior. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces05_04.pdf>. 134 aumento gradativo de complexidade, de maneira que o aluno adquira competências para resolver problemas usando métodos específicos e possa alcançar um resultado profissional. Por fim, no sentido de acompanhar as determinações anteriormente mencionadas, os programas preveem o ensino da gestão em design, devido a que, diante do avanço da ciência, das tecnologias, dos processos de produção e dos sistemas digitais, da adequação dos novos materiais e dos limites hoje impostos pela sustentabilidade e pelos princípios da ecologia, esse novo profissional tenha de administrar todos esses fatores, pois, além de projetar, é preciso que esse aluno saiba estabelecer um processo coeso entre as mais diferentes áreas do conhecimento e seus limites. Portanto, enquanto as DCNs propõem um currículo mínimo para a formação profissional de designers que, conforme Santos, envolve desenvolvimento desde do o projeto domínio até das a etapas de consolidação do pensamento reflexivo, pode-se observar, de acordo com as opiniões e disposições dos profissionais e pesquisadores em design, que os conhecimentos e as qualificações necessárias para o designer adequar-se às exigências de alguns segmentos de mercado que absorvem os recémgraduados, de modo geral, estão pautadas pela aplicação de conhecimentos técnicos e tecnológicos e, ainda, pelo domínio das ações relacionadas aos processos e procedimentos de projeto. Dessa forma, como a técnica e a tecnologia estão sempre em desenvolvimento, elas modificam as ações dos processos e dos procedimentos de projeto e, portanto, as necessidades do mercado; fatores que dificultam, conforme a abordagem de Chirico, definir um rol de conteúdos e competências para um currículo que, em relação às 135 demandas do mercado, não se altera com a mesma velocidade. Na opinião de Dijon De Moraes113 [2008], o profissional de design, cujo perfil constitui-se de muitos aspectos e diversas características, somente obterá segurança em sua atuação na medida em ela seja cada vez mais constante. A prática do design permitirá que esse profissional acumule conhecimentos tecnológicos e culturais significativos e inerentes a ela; portanto, conhecimentos que não fazem parte de sua formação. Dijon também entende como complexa a definição de um caminho exato para a formação de designers. Isso leva a pensar que esses currículos devem, além de respeitar as determinações das DCNs, manter-se sob estruturas passíveis de receber reavaliações e ajustes no sentido de tentar aproximar suas intenções das exigências profissionais do mercado. Portanto, diante das proposições e das considerações expostas anteriormente, acerca do conjunto de competências e habilidades a serem desenvolvidas nos cursos de graduação em Design, e diante das determinações do Conselho Nacional da Educação, pode-se dizer que às 113 Dijon De Moraes é Ph.D. em Design. Interessa-se tanto pela prática quanto pelos aspectos teóricos do design. Desenvolveu diversos produtos e recebeu prêmios no Brasil e exterior (Itália, Taiwan e Japão). É autor de vários livros, entre os quais, Limites do design (1997) e Análise do design brasileiro (2006), coautor dos Anais do Congresso Internacional Design Plus Research (2002), conferência internacional promovida pela Universidade Politecnico de Milão. É professor efetivo da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), na qual atualmente é vice-reitor. Além de coordenador do Centro de Estudos Teoria, Pesquisa e Cultura em Design, que funciona junto à Escola de Design da UEMG, é também líder do Grupo de Pesquisa Estudos, Teoria e Cultura em Design, membro do Centro USDI do Politecnico di Milano (Itália), do Grupo de Estudos Industrial Design in Periphery Countries, instituído na Istanbul Technical University (ITU, Turquia) e do colegiado de mestrado e doutorado da Redemat (Brasil), consórcio entre as instituições UFOP, UEMG e Cetec. 136 Instituições cabe alinhar, de certo modo, seus currículos às exigências dos órgãos superiores de ensino, do mercado, das empresas e das indústrias, para formar profissionais que, com mestria, criem e projetem de modo responsável produtos inovadores e adequados. 137 6 NOÇÃO DE PROJETO “Projetar é fácil quando se sabe como fazer. Tudo se torna fácil quando se conhece o modo de proceder para alcançar a solução de algum problema, e os problemas com que deparamos na vida são infinitos: problemas simples que parecem difíceis porque não se conhecem e problemas que parecem impossíveis de resolver. Quando se aprende a enfrentar pequenos problemas, pode-se pensar também em resolver 114 problemas maiores”. O termo “projeto” no Dicionário de filosofia é apresentado com o seguinte significado: “Projeto [lat. projectus]. Em geral, a antecipação de possibilidades: qualquer previsão, predição, predisposição, plano, ordenação, predeterminação etc., bem como o modo de ser ou de agir próprio de 115 quem recorre a possibilidades”. Assim, a ideia essencial de projeto pode ser considerada como uma intenção, um propósito, um plano ou ainda como uma prática propriamente dita, podendo-se ainda dizer que por projeto entende-se um esforço temporário empreendido para criar um resultado específico. Um sentido bastante comum de projeto é aquele que se configura entre o desejo e a esperança de realizar algo bom para si, a firme determinação de levar em frente uma iniciativa. O que conduz a considerar que, na busca desta realização, a disposição de enfrentar as circunstâncias que possam inviabilizar o tal projeto pode fazer que o indivíduo se distinga por sua capacidade de decisão e de realização. Deste modo, a ideia de projeto como prática, de modo geral, conserva-se. 114 115 MUNARI, Bruno. op. cit., p. 2. ABBAGNANO, Nicola. op. cit., p. 942. 138 No que concerne à arquitetura, reconhecer projeto como desejo não é algo incomum, afinal, não há projeto se não houver um propósito inicial para tal, uma vontade que possa movê-lo. É preciso, contudo, que se compreenda o projeto na arquitetura como um processo construtivo, compreensão expressa pelo arquiteto Rogério de Castro Oliveira116 do seguinte modo: “o projeto caracteriza-se como um produto definido de modo direto pela composição de dados previamente identificados e codificados, constituindo uma única e 117 ótima solução para um problema isolado”. Portanto, não seria possível, naturalmente, o arquiteto valerse apenas de esperança e determinação para idealizar e concretizar um projeto, tampouco para determinar a solução de um problema que implique algum tipo de conhecimento específico. Ao projeto, em arquitetura, cabe atender a alguma necessidade ou responder a determinadas questões. A busca de soluções ou respostas - que pode envolver múltiplas abordagens - deve estar apoiada na construção de um conjunto de critérios que envolvem desde a consideração do programa de necessidades e das condições do sítio à adoção da técnica construtiva adequada. 116 Rogério de Castro Oliveira é graduado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 1975), fez mestrado em Educação pela UFRGS (1992) e doutorado em Educação também pela UFRGS (2000). É professor titular do Dep. de Arquitetura da UFRGS, docente e orientador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRGS, assessor ad hoc da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, assessor ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas e bolsista de produtividade em pesquisa nível 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase na prática e no ensino do Projeto de Arquitetura e Urbanismo. 117 COMAS, Carlos Eduardo (Org.). Projeto arquitetônico disciplina em crise, disciplina em renovação. São Paulo: Projeto, 1986, p. 73. 139 Helio Piñón,confirmando que os critérios para o projeto não são pré-existentes, no sentido do uso dos modelos, ressalta que esse processo deve conduzir à forma adequada e pertinente: “O projeto não é, portanto, uma aplicação de critérios de ordem prévios - estaríamos em uma situação tipológica, análoga ao classicismo -, mas um processo limitado por decisões, que visa precisamente encontrar a formalidade específica do objeto, isto é, a ordem que vincula seus elementos e - ao dar-lhes consistência - lhes confere identidade” [2006, p. 112]. O mesmo autor também sintetiza: “no caso da arquitetura, o projeto é o instrumento de ação ordenadora, isto é, da construção da forma” [2006, p. 210]. Essa compreensão de Piñón que se refere à “formalidade específica” tem grande afinidade com o conceito de forma de Arnheim, apresentado no item 4.2 do capítulo 4. É possível compreender até este ponto que o projeto no âmbito da arquitetura requer um rol de atividades que antecedem seu desenho. Essas atividades ou ações de projeto envolvem um saber por que e para quem, envolvem conhecimentos teóricos, técnicos e instrumentais do desenho, que viabilizam a concepção de “artefatos” materiais habitáveis pelo homem, dotados de forma, os quais, quando se distinguem da mera construção, ultrapassam as características utilitárias. Para uma compreensão mais ampla, acolhe-se a ideia de que projetar pode ser considerado uma intervenção ordenada em uma nova estrutura - um novo edifício em harmonia com seu entorno -, pois pressupõe-se que quem projeta planeja e, em se tratando do edifício, há de se planejar sua relação com o ambiente. Consideração que o 140 arquiteto Edson da Cunha Mahfuz118 expõe de modo bem claro: 119 “[...] projetar de uma maneira contextualista significa harmonizar com o entorno, responder a ele, servir de transição, completar um traçado urbano existente ou implícito, e mesmo introduzir uma nova ordem em um 120 contexto caótico”. De acordo, ainda, com as discussões e entendimentos apresentados no artigo “Reflexão sobre metodologias de projeto arquitetônico”,121 “o projeto, seja ele uma edificação, cadeira ou parque, não é definido no ato, mas se constrói através da evolução do processo”. Portanto, sobre o processo de conformação do projeto em arquitetura e urbanismo, adota-se a ideia de que ele se compõe de um conjunto de atividades que envolvem procedimentos de análise, síntese, previsão, avaliação e decisão, além das já informadas rotinas técnicas e instrumentais do desenho. Do mesmo modo, essas atividades implicam a compreensão e o entendimento de questões específicas, entre elas, as relações entre aquilo que se projeta e seu entorno e a configuração ou consistência formal da proposta. Em relação ao projeto em design, em sua essência, pode ser considerado como uma intenção, um propósito, um plano ou 118 Edson da Cunha Mahfuz é arquiteto [UFRGS] e doutor em arquitetura [Universidade da Pensilvânia]. Além de desenvolver prática privada, é professor-adjunto da UFRGS, em que se dedica à docência de projeto e pensamento arquitetônico na graduação e na pós-graduação em Arquitetura, bem como à pesquisa sobre teoria, história e crítica do projeto arquitetônico. 119 Contextualizar significa ligar o projeto a situações urbanas definidas, planejá-lo para grupos usuários especificados. 120 COMAS, Carlos Eduardo [Org.]. op. cit., p. 60. 121 Reflexões sobre metodologias de projeto arquitetônico. Disponível em <http://www.antac.org.br/ambienteconstruido/pdf/revista/artigos/Do c124154.pdf>. 141 ainda uma prática propriamente dita. Além disso, pode ser compreendido como um fazer, que resulta em um produto utilitário, em uma informação nova, e na proposição de novos valores [FERRARA, 2002]. O projeto em design exige atenção e observação, para que se possa transformar a competência do saber fazer em desempenho de saber por que se faz. E este fazer deve ser sempre atento aos caminhos inventivos que se podem adotar para dar visibilidade a um produto que se caracterize como inovador. Para o designer Joaquim Redig, o projeto “caracteriza-se como o trabalho que, através de uma sequência de etapas definida, parte de um Objetivo [Necessidade] para chegar a um Objeto [Forma]”.122 Deste modo, pode-se observar que Redig atribui ao projeto um componente de investigação que antecede à invenção ou, de maneira mais adequada, diríamos, que antecede à criação. Um procedimento que de certo modo poderia chamar-se processo de projeto, que consiste em uma série de fases sucessivas na qual a passagem de uma à seguinte apóia-se nas compreensões realizadas sobre a anterior. É preciso, contudo, ressaltar que não há um processo pronto a ser seguido, ele vai se configurar em cada projeto de modo particular - ideia também ressaltada por Piñón e aqui exposta anteriormente. O projeto, desse modo, anuncia-se como um sistema organizado para viabilizar a concretização da ideia. Este sistema confere ao designer a capacidade de dar respostas 122 CAMPOS, Joaquim Redig. Sobre desenho industrial [ou design] e desenho industrial no Brasil. 2. ed. Porto Alegre:: Editora UniRitter, 2005, s/n. 142 materializadas às necessidades do indivíduo. Necessidades estas que, em design, podem estar diretamente relacionadas à funcionalidade, à técnica [ergonomia] e à estética. Assim, é possível perceber que as duas áreas em questão arquitetura e design - guardam determinadas regiões de congruência, no que se refere às ações que antecedem um projeto. Para consolidar a formulação da noção de projeto, apoiou-se em uma ideia que reincidiu algumas vezes nas proposições trazidas, que é a de que o projeto é uma sequência de etapas de trabalho, as quais aqui foram chamadas de processo: uma sequência de procedimentos e investigações que o profissional desenvolve, desde a exposição do problema123 até a elaboração de uma proposta que responda a ele. 123 Neste texto entenderemos problema como um desafio, tarefa ou questão levantada. 143 6.1 PROGRAMA DE ENSINO Para a composição da ideia e da significação que aqui se pretende acerca do programa de ensino, é bastante importante apresentar uma conceituação considerada, em princípio, essencial para a compreensão desta expressão, e que a define como: “lista total das disciplinas que compõem um curso; discriminação dos tópicos sobre os quais versam 124 essas disciplinas”. Por programa de ensino pode-se entender um plano de estudos, que aponta conteúdos a serem aplicados e desenvolvidos, através das disciplinas e em cursos distintos, por e com um público pré-estabelecido. Estas disciplinas podem contemplar estudos teóricos, bem como práticos, e seus conteúdos são definidos de acordo com o objetivo que tem cada uma dentro do contexto do curso. Formular um programa de ensino, portanto, é uma maneira de sistematizar conteúdos - em geral, eleitos antecipadamente -, bem como o ordenamento destes, com o objetivo de que passem a conformar o contexto das discussões, apreensões e práticas a serem promovidas em um determinado período letivo. É, portanto, um instrumento de planejamento para a atividade profissional do docente, que nele explicita teorias, finalidades, experiência prática, bem como a própria metodologia a ser seguida, permitindo, em seu conjunto, que o docente aproxime-se progressivamente dos objetivos pretendidos. Se, ainda, são concebidos com alguma flexibilidade, permitem tanto a continuidade das atividades programadas como as adaptações que se fizerem oportunas. Por isso, para Sacristán [1996, p. 124 HOUAISS, Antônio. op. cit. 144 279], “o plano torna-se um momento privilegiado de potencial comunicação entre o pensamento e a teoria com a ação”. 145 6.2 PROGRAMA DE ENSINO DE PROJETO EM ARQUITETURA E URBANISMO O ensino do projeto pode ser compreendido como a produção, a construção e a aplicação de conhecimentos, caracterizando-se como uma atividade prática, realizada pelo aluno, sob orientação do professor, para onde convergem os conhecimentos adquiridos em outras áreas que integram a formação. Oliveira descreve essa prática, conforme vemos abaixo, explicitando sua abrangência: “O ensino do projeto arquitetônico busca, pela investigação contínua e sistemática de problemas paradigmáticos, promover a transmissão, a transformação e o crescimento do saber. A criação do repertório é uma tarefa coletiva em que os interesses comuns disciplinam e direcionam os esforços e o engenho individual. O professor elabora e põe em execução o projeto didático, e o aluno concretiza-o em projetos de arquitetura; os resultados são compartilhados e reforçam-se mutuamente, levando à evolução e ao aperfeiçoamento da prática de 125 ateliê”. Embora seja uma característica das disciplinas práticas o “aprender fazendo”, o mencionado fazer estará apoiado em conhecimentos teóricos sobre arquitetura e em práticos como o desenho, como esclarece Sobreira: “A disciplina de Projeto, apesar de ser tradicionalmente definida como „disciplina de ateliê‟, portanto conduzida de forma prática e experimental, não pode estar dissociada da apreensão teórica ou da 126 exposição dos conceitos”. 125 OLIVEIRA, Rogério de Castro. A formação de repertório para o projeto arquitetônico: algumas implicações didáticas. Em Projeto arquitetônico disciplina em crise, disciplina em renovação. São Paulo: Projeto, 1986, p. 75-6. 126 SOBREIRA, Fabiano. A desconstrução do princípio. Ensaio sobre o ensino do projeto de arquitetura [1]. Disponível em <www.vituvius.com.br/arquitextos/arq000/esp467.asp>. 146 As disciplinas de projeto são a linha mestra, ou o núcleo do ensino, na maioria dos cursos127 de Arquitetura e Urbanismo, estando aí presentes justamente porque demandam conhecimentos ministrados em outras disciplinas [tais como conhecimentos históricos, tecnológicos, ambientais, sociais e os simbólicos], de interdisciplinaridade modo que tornam-se a integração essenciais e para a o desenvolvimento das soluções de projeto. “É a atividade de projeto que, pela própria natureza, é integradora: a aproximação do processo de projeto implica o manuseio da realidade em muitos aspectos. É do conjunto das relações consideradas – referenciadas aos conhecimentos que o conjunto das disciplinas obrigatórias informa – que procede a concepção e a conformação geral das edificações: da definição conceitual da arquitetura à sua capacidade de existir. Aproximação que deve considerar, desde o início, todas as suas componentes, com as diferenças de conhecimento, de profundidade e de amplitude que a sistemática progressão dos graus e níveis do aprendizado requerem” [TEIXEIRA, 2005, p. 141]. Assim, o programa de ensino de projeto em arquitetura e urbanismo, através de seus conteúdos - e do exercício de projeto proposto que envolve tais conteúdos - alavanca as condições para o estudante desenvolver ações reflexivas sobre o problema que o exercício expressa, de modo que se possa capacitá-lo a escolher critérios apropriados para solução de cada projeto. Certamente a determinação cuidadosa dos conteúdos é que vai possibilitar a condução do estudante a tantos resultados, entre eles, a descoberta, apreensão e/ou aferição de valores formais e compositivos na arquitetura, assim como os meios para sua utilização. Justamente para que contemplem tantas instâncias respeitados os diferentes níveis do curso -, será preciso 127 Essa constatação pode ser veificada em TEIXEIRA, Kátia Azevedo. Ensino de Projeto: integração de conteúdos. Tese de doutorado. FAU-USP, 2005. 147 compreender tais conteúdos como um sistema que comporte a prática, a teoria, a técnica e as demais reflexões pertinentes à arquitetura e ao urbanismo. Desta maneira é possível que seja conformado um programa estimulador e facilitador da reunião de conhecimentos, ultrapassando a condição da boa elaboração técnica de um programa. Os programas de ensino de projeto em arquitetura e urbanismo são tema de muitas pesquisas, e em algumas delas se encontram sugestões de novos métodos de ensino e de novos programas. Estas, contudo, conservam em comum a ideia da manutenção e, em alguns casos, de intensificação das discussões teóricas suportando as práticas de projeto propriamente ditas, condições que remetem àquelas defendidas por Gropius, como foram expostas no item 3.1 do capítulo 3. 148 6.3 PROGRAMA DE ENSINO DE PROJETO EM DESIGN Um programa de ensino de projeto em design é definido como o estabelecimento de conteúdos e, por conseguinte, de etapas que deverão ser realizadas para chegar-se ao desenvolvimento de novas soluções e à invenção de novas realidades. Pode ainda ser compreendido como a concretização de uma relação de temas condutores de discussões, que, por sua vez, encaminhem à investigação, à criação, e a determinadas práticas que encerram nos citados projeto do produto ou projeto da imagem [este último habitualmente conhecido como projeto de programação visual]. As disciplinas de projeto em design são, por sua natureza, promovedoras de vínculos com outras tantas pertencentes ao currículo. Por esta razão, elas tornam-se o principal espaço em que ocorrem contribuições das diversas áreas do conhecimento. Isto faz que seus programas abriguem temas variados e, ao mesmo tempo, comuns a outras disciplinas do curso. São, portanto, características que também definem as disciplinas de projeto de arquitetura e urbanismo, como foi exposto anteriormente. A respeito de ensino, Bruno Munari reforça a importância da flexibilidade - condição já mencionada anteriormente como estratégica na concepção dos programas - de maneira que se incorporem, circunstancialmente, conteúdos ou práticas adequadas a situações específicas: motivados pelos grupos de alunos ou por uma discussão em pauta no noticiário, por exemplo. “Hay dos maneras de preparar un programa de enseñanza: me estoy referiendo en este caso a las escuelas de arte. Hay una manera estática y una manera dinámica. Hay una manera según la cual el individuo se ve obligado a adaptarse a un esquema fijo, casi siempre superado, o en el mejor de los casos en vías de superacíon, en la realidad práctica cotidiana. [...] En el caso de la enseñanza dinámica, 149 los que enseñan estudian un programa de base, lo más avanzado posible y por ello modificable continuamente, de acordo con los intereses que 128 emergen de la misma enseñanza”. Gui Bonsiepe [1978] defende ser impossível formular um programa de ensino de projeto em design que seja válido para todos os cursos, pois os sistemas educativos adotados em cada país, e por vezes, em cada estado, são diferentes. Assim, este autor afirma que pode ocorrer de sugerirem-se programas e conteúdos que acabem somente adquirindo valor indicativo, ou seja, acabem servindo como ordenadores na elaboração de novos programas. Bonsiepe lembra, contudo, que os conteúdos selecionados devem ser organizados de modo que formem uma unidade com as demais disciplinas e contemplem as exigências que o futuro profissional deverá cumprir. Assim, consuma-se a compreensão de que a delimitação dos conteúdos das disciplinas de projeto deve favorecer ou promover o raciocínio, a discussão e a busca de soluções de problemas próximos à realidade. O que, de modo geral, lhe conferirá um caráter dinâmico, conforme apresentado e defendido por Munari. Partilhando dessa compreensão, o designer Dijon De Moraes [2008] afirma não acreditar na existência de uma única fórmula de orientação no ensino de projeto em design, e admite que essa condição que contempla diferenças pode enriquecer cada vez mais a formação e a atuação em design. Assim, conforme o que já foi observado no capítulo 5 quanto à formação em design -, definir as reais necessidades de qualificação para os novos profissionais é sempre uma ação que requer muita cautela, pois a 128 MUNARI, Bruno. Diseño y comunicación visual. Contribución a una metodología didáctica. Barcelona: Gustavo Gili, 1985, p. 18. 150 modernização promove novos costumes e hábitos na sociedade e os avanços tecnológicos exigem novos procedimentos e manuseios, e isto faz que os novos profissionais precisem esporadicamente adquirir novas competências. Sendo assim, educadores e pesquisadores precisam frequentemente redefinir e ordenar programas de ensino de projeto que acolham e contemplem tais mudanças. Para definir, redefinir e ordenar programas de ensino de projeto em design, é preciso que educadores e pesquisadores concluam estar a mencionada qualificação compreendida em um conjunto de competências e habilidades, saberes e apreensões, que provêm de várias instâncias, tais como do conhecimento teórico, técnico, metodológico e das experiências que estes possam promover. Tais aspectos devem ser considerados no ato da elaboração desses conteúdos, pois são decisivos no exercício do projeto em design que intente trabalhar em situações reais. O pronunciamento do professor e designer Francisco Homem de Melo durante a Mostra Prontos para Ler - O Design de Livros na Espanha129 corrobora a linha de raciocínio até aqui exposta e reforça a importância do desenvolvimento de projetos nas linguagens de interface com o design [arquitetura e cinema], como atividade complementar às disciplinas de projeto, nos cursos de graduação em Design. Naturalmente, os conteúdos aplicados em cursos de Design de distintas instituições de ensino superior não são iguais, mas as diretrizes e as condições gerais que ajudam a promover o ensino, focalizadas aqui no desenvolvimento dos programas, são comuns. 129 Mostra Prontos para Ler - O Design de Livros na Espanha. O design de livros - Espanha/Brasil. Impressões sobre o ciclo de debates. Drops 18.03, maio de 2007. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/drops/drops18_03.asp>. 151 7 ACERCAMENTO DE CONTEÚDOS DE PROGRAMAS DE ENSINO EM ARQUITETURA E URBANISMO E EM DESIGN O significado do vocábulo “acercamento” é aproximação ou, ainda, avizinhamento. Nesta etapa da presente pesquisa pretende-se verificar a aproximação ou o avizinhamento dos conteúdos dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e em Design, por meio da comparação entre programas das duas áreas e da identificação de enfoques e conteúdos similares. Até aqui a pesquisa esteve atenta ao estudo e avaliação das compreensões fornecidas pelo quadro histórico e pela discussão de um conjunto de conceitos, que estiveram na base do ensino das escolas da Bauhaus e de Ulm. Os conceitos, suas significações, implicações e aplicações em Arquitetura e Urbanismo e em Design, conformam o capítulo 4 - Léxico da criação - e representam o núcleo das investigações que seguem com a análise dos programas de ensino. Para que se possa, contudo, ratificar a presença ou a manutenção dos acercamentos outrora promovidos pelas escolas da Bauhaus e de Ulm, a atenção volta-se, agora, aos programas de ensino em vigor nas três Instituições de Ensino Superior selecionadas, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP [FAU-USP], a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UPM [FAU-UPM] e a Universidade São Judas Tadeu [USJT]. A pesquisa está concentrada no período que abrange os dois primeiros anos de formação das respectivas áreas. Antes de apresentar os resultados obtidos com a análise dos dados contidos nos programas de ensino das Instituições acima anunciadas é necessário informar que os programas oficialmente disponibilizados pela Faculdade de Arquitetura e 152 Urbanismo da USP [FAU-USP] e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UPM [FAU-UPM] não apresentam os conteúdos das disciplinas que constituem seus cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Design, apenas as ementas e os objetivos. Em um programa de ensino, a ementa “é uma descrição discursiva que resume o conteúdo conceitual/procedimental de uma disciplina”. conceitual 130 ou Os objetivos, “representam as metas visadas através do processo de ensino-aprendizagem”,131 ou ainda, conforme Antonio Carlos Gil, “os objetivos, [...] constituem o ponto de partida para as ações de ensino. Dessa forma, os conteúdos devem derivar dos objetivos”.132 E, os conteúdos, “são o meio de concretização dos objetivos”.133 Assim, entendeu-se que, diante da indisponibilidade de consulta aos conteúdos dos programas de ensino de duas das três Instituições selecionadas, e dada à procedência ou derivação destes, a análise dos programas das três Instituições fosse então realizada pela aproximação ou acercamento dos objetivos definidos para cada uma das disciplinas. Portanto, do conjunto das disciplinas das duas primeiras séries de cada um dos cursos em questão, selecionaram-se aquelas que podem apresentar objetivos comparáveis, reunidos e sintetizados nos quadros de números 1, 2, 3, 4 e 5 que podem ser examinados nos anexos da pesquisa. A seleção feita permitiu a comparação das disciplinas por meio dos seus teores de intenção, ou dos seus objetivos específicos, e nesta comparação foi possível encontrar 130 SCARTON, Gilberto. Guia de produção textual: assim que se escreve... http://www.pucrs.br/gpt/ementa.php. 131 NÉRICI, Imídeo Giuseppe. Didática geral dinâmica. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 160. 132 GIL, Antônio Carlos. Metodologia de ensino superior. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 50. 133 GIL, Antônio Carlos. id., p. 49. 153 analogias significativas. Nos programas analisados também se comparou a carga horária destinada a cada disciplina e a distribuição destas nos semestres compreendidos pelas duas primeiras séries. Os casos mais explícitos, ou onde essa compreensão é imediata, são os das disciplinas de desenho expressivo, onde se constata o desenvolvimento da percepção e da capacidade expressiva, prática da qual Johannes Itten se utilizava no Curso Preliminar da Bauhaus, e que foram expostas no item 3.1. Nas disciplinas de desenho técnico ou normalisado, essa constatação também é bastante clara. Nelas o aluno conhece as normas técnicas utilizadas no desenho do projeto, assim como, os princípios da geometria e das figuras elementares, essenciais à composição e à compreensão da forma - condição destacada por Johannes Itten, e mais recentemente por Helio Piñón e Wucius Wong e aqui antes exposta. Ainda em relação às compreensões acerca da forma, é possível constatar acercamentos nos objetivos de disciplinas como em, Arquitetura e Urbanismo - Construção do edifício, Expressão no espaço, Sistemas estruturais e, em Design Modelos tridimensionais, Modelagem I e Desenvolvimento da forma, que discutem as questões estruturais, os modos e métodos de construção de modelos, onde o aluno desenvolve a análise e a criação de formas tridimensionais. Prática também defendida por Johannes itten e por MoholyNagy na Escola da Bauhaus e por Tomás Maldonado na Escola de Ulm por acreditarem que as construções manuais levariam ao aprimoramento da percepção e da coordenação motora, da noção de equilíbrio melhorando a compreensão da forma. 154 A constatação das práticas até aqui mencionadas corroboram a manutenção de suas apreensões nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Design, posto que, estas também - conforme apresentado - tivessem sido freqüentes nas Escolas da Bauhaus e de Ulm e, por conseguinte, também ratificam a inclusão dos conceitos de percepção e de forma ao corpo do Léxico da criação devido ao fato de que este tenha sido extraído do ensino de base das duas escolas e ainda, por se manter presente no ensino de base das Instituições de Ensino Superior selecionadas. As disciplinas de história das artes, da arquitetura e do design se inserem nesses exemplos em que os acercamentos são bem claros devido ao fato de que seus objetivos sejam o de apresentar e discutir um conjunto de conhecimentos relativos à origem e à evolução destas. Assim, de modo sucinto, como a arquitetura derivou-se das artes e o design da arquitetura, as influências, os desenvolvimentos e as transformações ocorridas em determinados períodos de suas histórias fazem que, naturalmente, os objetivos destas se acerquem. Em outras disciplinas, as analogias entre objetivos não são explícitas logo à primeira leitura - como em algumas relacionadas ao projeto [de arquitetura e urbanismo e de design] ou à linguagem visual. A análise mais minuciosa e atenta dos seus objetivos acompanhados de suas ementas, entretanto, permitiu que se encontrassem questões comuns ou bastante assemelhadas entre eles. Essas questões estão relacionadas, principalmente, à análise da função da produção da arquitetura e urbanismo e do objeto de design, e à compreensão dos objetivos e do alcance de cada um deles. Questões que auxiliam na apreensão das relações e dos significados que cada nova produção pode desenvolver e adquirir, ou conforme exposto no item 4.4, na apreensão da competência que cada uma 155 tem em despertar reações. Ou ainda, questões que dão suporte e fundamentam os resultados dessas criações. Nas disciplinas que tratam de objetivos que de modo específico, estão relacionados ao potencial criativo e ao desenvolvimento para o projeto, preparando o aluno para este, ou tratando diretamente destes fins das produções de arquitetos urbanistas e designers, observamos que: a) Os programas das disciplinas cujos objetivos adotados tenham o propósito comum de ampliarem o potencial criativo - como, por exemplo, em Arquitetura e Urbanismo, Comunicação visual - Linguagem, Expressão no plano, Desenho IV, Projeto visual 1 - Identidade; em Design, Metodologia de projeto II e Iniciação ao projeto - concentramse, na maioria das vezes, no desenvolvimento do processo perceptivo, no desenvolvimento da atenção, da cognição, da expressão e da inventividade, ratificando o que foi apresentado no item 4.5 acerca de que a criatividade pode ser compreendida como uma atividade essencialmente cognitiva que envolve a sensibilidade, o raciocínio e a ação, reforçando a importância de cultivarmos habilidades perceptuais. b) Também de maneira bastante similar, esses objetivos estão desdobrados, principalmente, em atividades de representação gráfica/desenho e na análise e criação de formas bidimensionais e tridimensionais. Ainda no sentido de convergências entre programas, estas disposições estabelecem um conjunto de atenções distribuídas pelo primeiro ano ou pelos dois primeiros semestres, revelando a preocupação comum de introduzir o aluno em conceitos vinculados à linguagem das formas e em instrumentá-los por meio das diferentes práticas de desenho. 156 Essa característica mantém um caráter análogo àquele impresso pela Escola da Bauhaus, em seu Curso Preliminar, e pela Escola de Ulm, no Curso Fundamental, também destinado ao primeiro ano de formação de seus alunos. Conforme Walter Gropius, Johannes Itten, Max Bill e demais mestres das duas escolas, esse era o período em que o estudante desenvolveria as bases para suas produções, e em que ele deveria compreender as questões fundamentais da criação. Estas constatações de acercamentos legitimam a afirmação feita no capítulo 4.0 desta pesquisa de que entre os conteúdos - conforme anteriormente informado, aqui compreendidos pelos objetivos - que fundamentam os princípios e os propósitos das produções em Arquitetura e Urbanismo e em Design estão aqueles de percepção, forma, função, significado e criatividade, que nesta pesquisa representam o Léxico da criação e, que, a partir da análise que se desenvolveu neste capítulo mostra-se bastante coerente às práticas das Escolas da Bauhaus e de Ulm, conforme antes exposto, mas também, às práticas das Instituições de Ensino Superior investigadas. As disciplinas cujos objetivos estão concentrados nas especificidades do desenvolvimento de projeto - o centro da formação - são, em geral, alocadas no decorrer de todos os semestres, e não somente nos limites daqueles analisados nesta pesquisa. Acercam-se nos cursos de graduação das duas áreas por desenvolverem fundamentos conceituais e metodológicos para o projeto, levando ainda em conta o fato de tais disciplinas - e, em decorrência, seus programas estarem estruturadas de maneira sequencial, permeando todas as fases da formação e aumentando seu nível de complexidade à medida que o aluno avança no curso. 157 Como mais um elemento de verificação, apontou-se a carga horária das disciplinas em questão [cujos objetivos podem-se considerar análogos]. Para esse indicador, entretanto, são raros os casos comparáveis, muito provavelmente como consequência do número distinto de anos ou semestres totais que integram a graduação - cinco anos ou dez semestres, para Arquitetura e Urbanismo, e quatro anos ou oito semestres, para Design. A questão pode, também, estar relacionada ao enfoque que cada curso adota para estas formações, o que poderia justificar cargas horárias bem distintas para disciplinas que tratam de objetivos análogos. Nesse sentido, em determinadas Instituições, alguns objetivos estendem-se para além dos dois primeiros anos de formação, e em outras eles são condensados e desenvolvidos em sua completude nestes dois anos iniciais. Assim, no que se refere aos acercamentos dos objetivos ou dos propósitos previamente traçados nos programas de ensino das Instituições de Ensino Superior selecionadas: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP [FAU-USP], Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UPM [FAU-UPM] e Universidade São Judas Tadeu [USJT], foi possível verificar a existência deles e a identificação de enfoques similares - que incidem no desenvolvimento dos conceitos que configuram o Léxico da criação. Esta constatação pode tornar plausível a ideia inicial desta pesquisa - a de que compartilhar experiências, práticas e metodologias entre as áreas em questão possam resultar em benefícios didáticos. 158 “Vimos que nossas perspectivas se ampliam à medida que usamos nosso conhecimento do passado, nossas heranças e a memória para compor, organizar e decidir o que fazer no projeto. No sentido de projetar mais além, numa visão de futuro, projetar os nossos desejos e aspirações a partir do presente” PAULO MENDES DA ROCHA 8 CONSIDERAÇÕES Considerar é refletir sobre algo ou alguma coisa, ou, ainda, fazer uma observação após análise ou investigação [HOUAISS, 2009]. Portanto, define-se este espaço, nesta pesquisa, como um abrigo que vai acolher as apreensões surgidas em consequência dos estudos e pesquisas realizados. No decorrer do processo de desenvolvimento e constituição dos fundamentos desta pesquisa, pôde-se perceber que a investigação para ela prevista, sobre o acercamento dos conteúdos dos programas de ensino, começava a assumir um caráter comprobatório, dado que o estudo da origem dos mais referenciados cursos de formação em Arquitetura e em Design do século xx - respectivamente o da Escola da Bauhaus e o da Escola de Ulm - já permitia deduzir que se mantivessem ainda, na atualidade, algumas similaridades entre os conteúdos dos programas de ensino, realidade impressa por duas condições: a primeira, natural, configurada pelo caráter e pela origem comum das áreas em questão, e a segunda, propositalmente promovida, levandose em conta as intenções de formação integrada propostas pelos diretores e mestres das duas escolas. A primeira dessas condições pode ser ainda compreendida, e até com certa antecipação, pelo fato de ser o Design oriundo do curso de Arquitetura e ainda pelo fato de ambas serem áreas em que a criação e o projeto conformam seus principais objetivos. Mesmo considerando-se as diferentes 159 escalas e os diferentes condicionantes e comprometimentos de suas produções, a finalidade será sempre o projeto, o que garante aos processos de suas produções algumas similaridades e reafirma a condição de acercamento de conteúdo em seus programas de ensino. O quadro conceitual que fundamenta o trabalho permitiu identificar linhas de raciocínio que embasaram a reflexão sobre questões relativas às competências, às habilidades e aos conhecimentos a serem desenvolvidos em alunos de graduação dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e de Design. No âmbito da Arquitetura e Urbanismo e do Design, o desenvolvimento das práticas de projeto deve estar sempre associado aos chamados condicionantes do projeto, no sentido do cumprimento de suas exigências e necessidades, da escolha de técnica e tecnologia adequadas, envolvimento ou da relação que essas do produções estabelecem com o meio em que estão inseridas, com o indivíduo ou usuário, pois, inevitavelmente, essas novas produções modificarão, em maior ou menor escala, essas relações. Arquitetos urbanistas e designers preocupam-se com a criação de um novo objeto - respeitadas as distinções de escala - ou com a transformação de uma situação insatisfatória em outra mais adequada; buscam respostas para melhores condições de vida e para a viabilização dessas soluções. Deparam-se, assim, inevitavelmente, com a invenção de novas realidades para uma sociedade que vive em constante transformação, no que se refere a suas necessidades e a seus anseios. Sempre é bom lembrar, contudo, que o projeto em Arquitetura e Urbanismo e em Design envolve a absorção de conhecimentos e de ideias que possam ser relacionados, 160 isto é, alinhados, articulados e ordenados, e, ainda, que estes procedimentos devem promover o desenvolvimento constante da capacidade criadora, reflexiva e crítica de arquitetos e urbanistas e designers, atributos importantes para o exercício competente da profissão. Por isso, no que se refere à formação de arquitetos e urbanistas e designers, os conteúdos, os modos e os meios de constituição dos fundamentos iniciais de suas formações têm papel importante na constituição da identidade profissional, no sentido de levar esses novos profissionais a uma atuação competente, criadora e responsável. Assim, as competências, as habilidades e os conhecimentos que devem ser promovidos para o desenvolvimento do aluno - e este ser capaz de alcançar - envolvem um conjunto de procedimentos e estratégias que resultam em experiências pertinentes e específicas para o desenrolar do processo criativo, do processo de análise e de síntese, portanto, do processo de elaboração do projeto. As experiências às quais nos referimos, em particular, aquelas que o aluno vivencia nos dois primeiros anos de sua formação, puderam ser inferidas de alguns programas de disciplinas dos cursos selecionados. Estes expressam a intenção de desenvolver a percepção - o olhar, o modo de apreender o mundo e as coisas que nele estão, e a possibilidade de estabelecer outras relações entre elas. Revelam também o propósito de desenvolver conhecimentos sobre a evolução da forma - de sua função e de seu significado -, como definidora dos diversos instantes que constituem o contexto histórico, as técnicas e tecnologias específicas que viabilizarão cada produção, os meios de representação e materialização das formas, o desenvolvimento e a aplicação de métodos de análise e síntese dos dados condicionantes do projeto, bem como a 161 contextualização da produção. E por esse conjunto revelam a intenção de desenvolver conhecimentos técnicos, teóricos, práticos e metodológicos que, integrados, poderão resultar em produções adequadas, pertinentes e criativas. Como uma possibilidade, pode-se promover o intercâmbio de práticas e de metodologias naquelas disciplinas cujos conteúdos - aqui compreendidos pelos objetivos - apresentam convergências, como se verificou, de maneira que se amplie, otimize e aperfeiçoe o desenvolvimento daquelas questões comuns à Arquitetura e Urbanismo ou ao Design, bem como, mediante a exploração de suas interfaces, promover a interação entre os mencionados cursos. E sendo assim, entende-se que para os cursos de graduação na áreas em questão, compartilhar ou incluir práticas ou metodologias, oriundas dos pontos de acercamento dos conteúdos de seus programas de ensino, represente dispor de novas possibilidades no que se refere ao desenvolvimento de conteúdos que tenham propósitos comuns, e por estas novas experiências melhorar e consolidar as idéias, os valores e os princípios que devem ordenar as produções em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Naturalmente, a maior inclusão desses processos nos programas de ensino se efetivará conforme os interesses e estratégias traçados pelos cursos, por meio de seus programas de ensino e, ainda, de acordo com aquilo que tencionem promover mediante os conteúdos destinados a estes. Contudo, acredita-se que toda investigação e todo investimento no sentido de ampliar, otimizar e aperfeiçoar os modos de desenvolver os conhecimentos conformadores das bases ou dos fundamentos da formação de novos profissionais sejam ações do presente que se traduzam em projetos de futuro. 162 E, para concluir, parafraseando Paulo Mendes da Rocha, à medida que o conhecimento que vamos trazendo do passado contribui efetivamente para que possamos resolver as questões do presente, o projeto, em seu sentido mais amplo, pode prosseguir sendo investigado, de modo que o conhecimento das necessidades do presente deve ser considerado o ponto de partida para que sejamos capazes de projetar com visão de futuro. 163 9 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. AICHER, Otl. El mundo como proyecto. 3. ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2001. ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. 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O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, conferidas no art. 9º, § 2º, alínea “c”, da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, tendo em vista as diretrizes e princípios fixados pelos Pareceres CES/CNE nos 776/1997, 583/2001, e 67/2003, e considerando o que consta do Parecer CNE/CES nº 112/2005, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação em 6/6/2005, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Arquitetura e Urbanismo, bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de EducaçãoSuperior. Art. 2º A organização de cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo deverá ser elaborada com claro estabelecimento de componentes curriculares, os quais abrangerão: projeto pedagógico, descrição de competências, habilidades e perfil desejado para o futuro profissional, conteúdos curriculares, estágio curricular supervisionado, acompanhamento e avaliação, atividades complementares e trabalho de curso sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o projeto pedagógico. Art. 3º O projeto pedagógico do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, além da clara concepção do curso, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, deverá contemplar, sem prejuízos de outros, os seguintes aspectos: I - objetivos gerais do curso, contextualizado às suas inserções institucional, política, geográfica e social; II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso; III - formas de realização da interdisciplinaridade; IV - modos de integração entre teoria e prática; 181 V - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem; VI - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver; VII - incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica; VIII - regulamentação das atividades relacionadas com o trabalho de curso, em diferentes modalidades, atendendo às normas da instituição; 1 Publicada no DOU de 03/02/2006, Seção I, pág. 36-37. IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado em diferentes formas e condições de realização, observados seus respectivos regulamentos; e X - concepção e composição das atividades complementares. § 1º A proposta pedagógica para os cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo deverá assegurar a formação de profissionais generalistas, capazes de compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à concepção, à organização e à construção do espaço interior e exterior, abrangendo o urbanismo, a edificação, o paisagismo, bem como a conservação e a valorização do patrimônio construído, a proteção do equilíbrio do ambiente natural e a utilização racional dos recursos disponíveis. § 2º O curso deverá estabelecer ações pedagógicas visando ao desenvolvimento de condutas e atitudes com responsabilidade técnica e social e terá por princípios: a) a qualidade de vida dos habitantes dos assentamentos humanos e a qualidade material do ambiente construído e sua durabilidade; b) o uso da tecnologia em respeito às necessidades sociais, culturais, estéticas e econômicas das comunidades; c) o equilíbrio ecológico e o desenvolvimento sustentável do ambiente natural e construído; d) a valorização e a preservação da arquitetura, do urbanismo e da paisagem como patrimônio e responsabilidade coletiva. § 3º Com base no princípio de educação continuada, as IES poderão incluir, no Projeto 182 Pedagógico do curso, a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, de acordo com as efetivas demandas do desempenho profissional. Art. 4º O curso de Arquitetura e Urbanismo deverá ensejar condições para o que futuro arquiteto e urbanista tenha como perfil: a) sólida formação de profissional generalista; b) aptidão de compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à concepção, organização e construção do espaço interior e exterior, abrangendo o urbanismo, a edificação, e o paisagismo; c) conservação e valorização do patrimônio construído; d) proteção do equilíbrio do ambiente natural e utilização racional dos recursos disponíveis. Art. 5º O curso de Arquitetura e Urbanismo deverá possibilitar formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades: a) o conhecimento dos aspectos antropológicos, sociológicos e econômicos relevantes e de todo o espectro de necessidades, aspirações e expectativas individuais e coletivas quanto ao ambiente construído; b) a compreensão das questões que informam as ações de preservação da paisagem e de avaliação dos impactos no meio ambiente, com vistas ao equilíbrio ecológico e ao desenvolvimento sustentável; c) as habilidades necessárias para conceber projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo e para realizar construções, considerando os fatores de custo, de durabilidade, de manutenção e de especificações, bem como os regulamentos legais, e de modo a satisfazer as exigências culturais, econômicas, estéticas, técnicas, ambientais e de acessibilidade dos usuários; d) o conhecimento da história das artes e da estética, suscetível de influenciar a qualidade da concepção e da prática de arquitetura, urbanismo e paisagismo; e) os conhecimentos de teoria e de história da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, considerando sua produção no contexto social, cultural, político e econômico e tendo como objetivo a reflexão crítica e a pesquisa; 183 f) o domínio de técnicas e metodologias de pesquisa em planejamento urbano e regional, urbanismo e desenho urbano, bem como a compreensão dos sistemas de infra-estrutura e de trânsito, necessários para a concepção de estudos, análises e planos de intervenção no espaço urbano, metropolitano e regional; g) os conhecimentos especializados para o emprego adequado e econômico dos materiais de construção e das técnicas e sistemas construtivos, para a definição de instalações e equipamentos prediais, para a organização de obras e canteiros e para a implantação de infra-estrutura urbana; h) a compreensão dos sistemas estruturais e o domínio da concepção e do projeto estrutural, tendo por fundamento os estudos de resistência dos materiais, estabilidade das construções e fundações; i) o entendimento das condições climáticas, acústicas, lumínicas e energéticas e o domínio das técnicas apropriadas a elas associadas; j) as práticas projetuais e as soluções tecnológicas para a preservação, conservação, restauração, reconstrução, reabilitação e reutilização de edificações, conjuntos e cidades; k) as habilidades de desenho e o domínio da geometria, de suas aplicações e de outros meios de expressão e representação, tais como perspectiva, modelagem, maquetes, modelos e imagens virtuais; l) o conhecimento dos instrumentais de informática para tratamento de informações e representação aplicada à arquitetura, ao urbanismo, ao paisagismo e ao planejamento urbano e regional; m) a habilidade na elaboração e instrumental na feitura e interpretação de levantamentos topográficos, com a utilização de aero-fotogrametria, foto-interpretação e sensoriamento remoto, necessários na realização de projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo e no planejamento urbano e regional. Parágrafo único. O projeto pedagógico deverá demonstrar claramente como o conjunto das atividades previstas garantirá o desenvolvimento das competências e habilidades esperadas, tendo em vista o perfil desejado, e garantindo a coexistência de relações entre teoria e prática, como forma de fortalecer o conjunto dos elementos fundamentais para a aquisição de conhecimentos e 184 habilidades necessários à concepção e à prática do arquiteto e urbanista. Art. 6º Os conteúdos curriculares do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo deverão estar distribuídos em dois núcleos, e um trabalho de curso, recomendando-se sua interpenetrabilidade: I - Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação; II - Núcleo de Conhecimentos Profissionais; III - Trabalho de Curso. § 1º O núcleo de conhecimentos de fundamentação será composto por campos de saber que forneçam o embasamento teórico necessário para que o futuro profissional possa desenvolver seu aprendizado e será integrado por: Estética e História das Artes; Estudos Sociais e Econômicos; Estudos Ambientais; Desenho e Meios de Representação e Expressão. § 2º O núcleo de conhecimentos profissionais será composto por campos de saber destinados à caracterização da identidade profissional do arquiteto e urbanista e será constituído por: Teoria e História da Arquitetura, do Urbanismo e do Paisagismo; Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo; Planejamento Urbano e Regional; Tecnologia da Construção; Sistemas Estruturais; Conforto Ambiental; Técnicas Retrospectivas; Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo; Topografia. § 3º O trabalho de curso será supervisionado por um docente, de modo que envolva todos os procedimentos de uma investigação técnico-científica, a serem desenvolvidos pelo acadêmico ao longo da realização do último ano do curso. § 4º O núcleo de conteúdos profissionais deverá ser inserido no contexto do projeto pedagógico do curso, visando a contribuir para o aperfeiçoamento da qualificação profissional do formando. § 5º Os núcleos de conteúdos poderão ser dispostos, em termos de carga horária e de planos de estudo, em atividades práticas e teóricas, individuais ou em equipe, tais como: a) aulas teóricas, complementadas por conferências e palestras previamente programadas como parte do trabalho didático regular; 185 b) produção em atelier, experimentação em laboratórios, elaboração de modelos, utilização de computadores, consulta a bibliotecas e a bancos de dados; c) viagens de estudos para o conhecimento de obras arquitetônicas, de conjuntos históricos, de cidades e regiões que ofereçam soluções de interesse e de unidades de conservação do patrimônio natural; d) visitas a canteiros de obras, levantamento de campo em edificações e bairros, consultas a arquivos e a instituições, contatos com autoridades de gestão urbana; e) pesquisas temáticas, bibliográficas e iconográficas, documentação de arquitetura, urbanismo e paisagismo e produção de inventários e bancos de dados; projetos de pesquisa e extensão; emprego de fotografia e vídeo; escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo; núcleos de serviços à comunidade; f) participação em atividades extracurriculares, como encontros, exposições, concursos, premiações, seminários internos ou externos à instituição, bem como sua organização. Art. 7º O Estágio Curricular Supervisionado deverá ser concebido como conteúdo curricular obrigatório, cabendo à Instituição de Educação Superior, por seus colegiados acadêmicos, aprovar o correspondente regulamento, contemplando diferentes modalidades de operacionalização. § 1º Os estágios supervisionados são conjuntos de atividades de formação, programados e diretamente supervisionados por membros do corpo docente da instituição formadora e procurar assegurar a consolidação e a articulação das competências estabelecidas. § 2º Os estágios supervisionados visam a assegurar o contato do formando com situações, contextos e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em ações profissionais, sendo recomendável que suas atividades sejam distribuídas ao longo do curso. § 3º A instituição poderá reconhecer e aproveitar atividades realizadas pelo aluno em instituições, desde que contribuam para o desenvolvimento das habilidades e competências previstas no projeto de curso. 186 Art. 8º As atividades complementares são componentes curriculares enriquecedores e implementadores do próprio perfil do formando e deverão possibilitar o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos, competências e atitudes do aluno, inclusive as adquiridas fora do ambiente acadêmico, que serão reconhecidas mediante processo de avaliação. § 1º As atividades complementares podem incluir projetos de pesquisa, monitoria, iniciação científica, projetos de extensão, módulos temáticos, seminários, simpósios, congressos, conferências, até disciplinas oferecidas por outras instituições de educação. § 2º As atividades complementares não poderão ser confundidas com o estágio supervisionado. Art. 9º O Trabalho de Curso é componente curricular obrigatório e realizado ao longo do último ano de estudos, centrado em determinada área teórico-prática ou de formação profissional, como atividade de síntese e integração de conhecimento, e consolidação das técnicas de pesquisa e observará os seguintes preceitos: a) trabalho individual, com tema de livre escolha do aluno, obrigatoriamente relacionado com as atribuições profissionais; b) desenvolvimento sob a supervisão de professores orientadores, escolhidos pelo estudante entre os docentes arquitetos e urbanistas do curso; c) avaliação por uma comissão que inclui, obrigatoriamente, a participação de arquiteto(s) e urbanista(s) não pertencente(s) à própria instituição de ensino, cabendo ao examinando a defesa do mesmo perante essa comissão. Parágrafo único. A instituição deverá emitir regulamentação própria, aprovada pelo seu Conselho Superior Acadêmico, contendo, obrigatoriamente, critérios, procedimentos e mecanismo de avaliação, além das diretrizes e técnicas relacionadas com sua elaboração. Art. 10. A carga horária dos cursos de graduação será estabelecida em Resolução específica da Câmara de Educação Superior. Art. 11. As Diretrizes Curriculares Nacionais desta Resolução deverão ser implantadas pelas Instituições de Educação Superior, 187 obrigatoriamente, no prazo máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da publicação desta. Parágrafo único. As IES poderão optar pela aplicação das DCN, aos demais alunos do período ou ano subseqüente à publicação desta. Art. 12. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Portaria Ministerial nº 1.770, de 21 de dezembro de 1994. EDSON DE OLIVEIRA NUNES Presidente da Câmara de Educação Superior 188 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR RESOLUÇÃO Nº 5, DE 8 DE MARÇO DE 2004. (*) (**) Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Design e dá outras providências. O PRESIDENTE DA CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no Art. 9º, § 2º, alínea “c”, da Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, tendo em vista as diretrizes e os princípios fixados pelos Pareceres CNE/CES 776/97, de 3/12/97 e 583/2001, de 4/4/2001, e as Diretrizes Curriculares Nacionais elaboradas pela Comissão de Especialistas de Ensino de Design, propostas ao CNE pela SESu/MEC, considerando o que consta dos Pareceres CNE/CES 67/2003 de 11/3/2003, e 195/2003, de 5/8/2003, homologados pelo Senhor Ministro de Estado da Educação, respectivamente, em 2 de junho de 2003 e 12 de fevereiro de 2004, resolve: Art. 1º O curso de graduação em Design observará as Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas nos termos desta Resolução. Art. 2º A organização do curso de que trata esta Resolução se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os componentes curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, a monografia, o projeto de iniciação científica ou o projeto de atividade, como trabalho de conclusão de curso – TCC, componente opcional da Instituição, além do regime acadêmico de oferta e de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico. § 1º O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de graduação em Design, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais: I - objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social; 189 II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso; III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso; IV - formas de realização da interdisciplinaridade; V - modos de integração entre teoria e prática; VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem; VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver; VIII - cursos de pós-graduação lato sensu, nas modalidades especialização integrada e/ou subseqüente à graduação, de acordo com o surgimento das diferentes manifestações teóricopráticas e tecnológicas aplicadas à área da graduação, e de aperfeiçoamento, de acordo com as efetivas demandas do desempenho profissional; IX - incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica; X - concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, observado o respectivo regulamento; XI - concepção e composição das atividades complementares; XII – inclusão opcional de trabalho de conclusão de curso sob as modalidades (*) CNE. Resolução CNE/CES 5/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de março de 2004, Seção 1, p. 24 (**) Republicada no Diário Oficial da União, de 1° de abril de 2004, Seção 1, p. 19 monografia, projeto de iniciação científica ou projetos de atividades centrados em área teóricoprática ou de formação profissional, na forma como estabelecer o regulamento próprio. § 2º Os Projetos Pedagógicos do curso de graduação em Design poderão admitir modalidades e linhas de formação específica, para melhor atender às necessidades do perfil profissional gráfico que o mercado ou a região assim exigirem. Art. 3º O curso de graduação em Design deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação para a apropriação do pensamento reflexivo e da sensibilidade artística, para que o designer seja apto a produzir projetos que envolvam sistemas de informações visuais, artísticas, estéticas culturais e tecnólogicas, 190 observados o ajustamento histórico, os traços culturais e de desenvolvimento das comunidades bem como as características dos usuários e de seu contexto sócio-econômico e cultural. Art. 4º O curso de graduação em Design deve possibilitar a formação profissional que revele competências e habilidades para: I - capacidade criativa para propor soluções inovadoras, utilizando domínio de técnicas e de processo de criação; II - capacidade para o domínio de linguagem própria expressando conceitos e soluções, em seus projetos, de acordo com as diversas técnicas de expressão e reprodução visual; III – capacidade de interagir com especialistas de outras áreas de modo a utilizar conhecimentos diversos e atuar em equipes interdisciplinares na elaboração e execução de pesquisas e projetos; IV - visão sistêmica de projeto, manifestando capacidade de conceituá-lo a partir da combinação adequada de diversos componentes materiais e imateriais, processos de fabricação, aspectos econômicos, psicológicos e sociológicos do produto; V - domínio das diferentes etapas do desenvolvimento de um projeto, a saber: definição de objetivos, técnicas de coleta e de tratamento de dados, geração e avaliação de alternativas, configuração de solução e comunicação de resultados; VI - conhecimento do setor produtivo de sua especialização, revelando sólida visão setorial, relacionado ao mercado, materiais, processos produtivos e tecnologias abrangendo mobiliário, confecção, calçados, jóias, cerâmicas, embalagens, artefatos de qualquer natureza, traços culturais da sociedade, softwares e outras manifestações regionais; VII - domínio de gerência de produção, incluindo qualidade, produtividade, arranjo físico de fábrica, estoques, custos e investimentos, além da administração de recursos humanos para a produção; VIII - visão histórica e prospectiva, centrada nos aspectos sócioeconômicos e culturais, revelando consciência das implicações econômicas, sociais, antropológicas, ambientais, estéticas e éticas de sua atividade. Art. 5º O curso de graduação em Design deverá contemplar, em seus projetos pedagógicos e em sua organização curricular 191 conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação: I - conteúdos básicos: estudo da história e das teorias do Design em seus contextos sociológicos, antropológicos, psicológicos e artísticos, abrangendo métodos e técnicas de projetos, meios de representação, comunicação e informação, estudos das relações usuário/objeto/meio ambiente, estudo de materiais, processos, gestão e outras relações com a produção e o mercado; II - conteúdos específicos: estudos que envolvam produções artísticas, produção industrial, comunicação visual, interface, modas, vestuários, interiores, paisagismos, design e outras produções artísticas que revelem adequada utilização de espaços e correspondam a níveis de satisfação pessoal; III - conteúdos teórico-práticos: domínios que integram a abordagem teórica e a prática profissional, além de peculiares desempenhos no estágio curricular supervisionado, inclusive com a execução de atividades complementares específicas, compatíveis com o perfil desejado do formando. Art. 6º A organização curricular do curso de graduação em Design estabelecerá expressamente as condições para a sua efetiva conclusão e integralização curricular, de acordo com os seguintes regimes acadêmicos que as instituições de ensino superior adotarem: regime seriado anual; regime seriado semestral; sistema de créditos com matrícula por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção e pré-requisito, atendido o disposto nesta Resolução. Art. 7º O Estágio Supervisionado é um componente curricular direcionado à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada Instituição, por seus colegiados superiores acadêmicos, aprovar o correspondente regulamento de estágio, com suas diferentes modalidades de operacionalização. § 1º O estágio de que trata este artigo poderá ser realizado na própria Instituição de Ensino Superior, mediante laboratórios que congreguem as diversas ordens correspondentes às diferentes técnicas de produções artísticas, industriais e de comunicação 192 visual, ou outras produções artísticas que revelem adequada utilização de espaços e correspondam a níveis de satisfação pessoal. § 2º As atividades de estágio poderão ser reprogramadas e reorientadas de acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, até que os responsáveis pelo acompanhamento, supervisão e avaliação do estágio curricular possam considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios indispensáveis ao exercício da profissão. § 3º Optando a Instituição por incluir, no currículo do curso de graduação em Design, o estágio supervisionado de que trata este artigo, deverá emitir regulamentação própria, aprovada pelo seu Conselho Superior Acadêmico, contendo, obrigatoriamente, critérios, procedimentos e mecanismos de avaliação, observado o disposto no parágrafo precedente. Art. 8º As Atividades Complementares são componentes curriculares que possibilitam o reconhecimento, por avaliação, de habilidades, conhecimentos e competências do aluno, inclusive adquiridas fora do ambiente escolar, incluindo a prática de estudos e atividades independentes, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mundo do trabalho e com as diferentes manifestações e expressões culturais e artísticas, com as inovações tecnológicas, incluindo ações de extensão junto à comunidade. Parágrafo único. As Atividades Complementares se constituem componentes curriculares enriquecedores e implementadores do próprio perfil do formando, sem que se confundam com estágio curricular supervisionado. Art. 9º O Trabalho de Conclusão de Curso-TCC é um componente curricular opcional da Instituição de Ensino Superior que, se o adotar, poderá ser desenvolvido nas modalidades de monografia, projeto de iniciação científica ou projetos de atividades centradas em áreas teóricopráticas e de formação profissional relacionadas com o curso, na forma disposta em regulamentação específica. Parágrafo único. Optando a Instituição por incluir, no currículo do curso de graduação em Design, Trabalho de Conclusão de CursoTCC, nas modalidades referidas no caput deste artigo, deverá emitir regulamentação própria, aprovado pelo seu Conselho Superior 193 Acadêmico, contendo, obrigatoriamente, critérios, procedimentos e mecanismos de avaliação, além das diretrizes técnicas relacionadas com a sua elaboração. Art. 10. As instituições de ensino superior deverão adotar formas específicas e alternativas de avaliação, internas e externas, sistemáticas, envolvendo todos quantos se contenham no processo do curso, observados em aspectos considerados fundamentais para a identificação do perfil do formando. Parágrafo único. Os planos de ensino, a serem fornecidos aos alunos antes do início do período letivo, deverão conter, além dos conteúdos e das atividades, a metodologia do processo ensinoaprendizagem, os critérios de avaliação a que serão submetidos e bibliografia básica. Art. 11. A duração do curso de graduação em Design será estabelecida em Resolução específica da Câmara de Educação Superior. Art. 12. Os cursos de graduação em Design para formação de docentes, licenciatura plena, deverão observar as normas específicas relacionadas com essa modalidade de oferta. Art. 13. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. ÉFREM DE AGUIAR MARANHÃO Presidente da Câmara de Educação Superior