FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 247 Construções Geométricas Utilizando Somente Régua e Compasso Viviane Carvalho Mendes ∗ Weber Flávio Pereira† Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Outubro de 2008 Resumo Os problemas de construções geométricas tem sido sempre temas favoritos em geometria e tais problemas apareceram já no século V a.C., na época dos pitagóricos e exerceram grande influência no desenvolvimento da matemática grega. Em meados do século III a.C., época de Euclides, novas idéias geométricas surgem, e com elas, uma nova álgebra completamente geométrica, onde o objetivo não era resolver problemas, mas sim construir suas soluções. Nessa época, muitos problemas foram propostos e resolvidos. O surgimento dessa nova álgebra geométrica se deve ao monumental “Os Elementos”de Euclides, consistindo de treze livros, como o são chamados e que lança uma hipótese, de certa forma complicadora, mas que se tornou um desafio muito fértil ao posterior desenvolvimento da matemática. Hipótese essa a de se construir objetos matemáticos com régua (sem marcas) e compasso, apenas. O objetivo principal desse trabalho é apresentar algumas construções geométricas com régua e compasso, dentre elas as etapas da construção de Euclides para o pentágono regular, a construção de Gauss para o polı́gono regular de 17 lados e o problema de Apolônio. Palavras-chave: Construções geométricas, polı́gonos, régua e compasso. 1 Construção de Euclides Para o Pentágono Regular O problema de construir o pentágono regular usando somente régua e compasso é, na visão atual, um problema simples. Para isso, basta construir um decágono regular, ou o . Nesta seção, vamos apresentar a construção seja, basta construir um ângulo de 36o = 360 10 feita por Euclides para o pentágono. Euclides desenvolveu onze resultados iniciais que apresentaremos na seqüência. Teorema 1 Paralelogramos com a mesma base, e com vértices pertencentes a duas retas paralelas dadas, possuem a mesma área. Demonstração. O paralelogramo ABCD e o paralelogramo EBCF estão sobre a mesma base BC e estão entre duas retas paralelas L1 e L2. ∗ † vivi [email protected] [email protected] - Professor orientador. 248 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 A F D E L2 G L1 C B Os triângulos ABE e DCF são congruentes, já que BC é lado comum e EB e F C são congruentes, pois são os lados do paralelogramo, logo a área do paralelogramo ABCD é igual a soma da área do triângulo BCG, com a área do triângulo ABE subtraı́da a área do triângulo DGE e o paralelogramo EBFC é igual a soma da área do triângulo BCG com a área do triângulo DCF subtraı́da a área do triângulo DGE. Teorema 2 Triângulos que tem a mesma base e com vértices pertencentes a retas paralelas possuem mesma área. D A E F L2 L1 B C Demonstração. Decorre do teorema 1, observe que AC é a diagonal do paralelogramo ABCD e a mesma coisa ocorre para a medida F B em relação ao paralelogramo EBCF. Logo a área do triângulo ABC é igual a metade da área do paralelogramo ADBC e o triângulo FBC é igual a metade da área do paralelogramo EFBC e como os paralelogramos possuem mesma área, os triângulos também possuirão áreas iguais. Teorema 3 Se um paralelogramo e um triângulo tem a mesma base e estão situados entre duas retas paralelas dadas, então o paralelogramo tem área duas vezes a área do triângulo. Demonstração. Segue direto do teorema 2. Teorema 4 Em qualquer paralelogramo, os complementos dos paralelogramos construı́dos sobre a diagonal do paralelogramo dado são iguais em área. B E A I A1 I G II D V II F H A2 C FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 249 Demonstração. Considere o retângulo ABCD, sejam EF uma reta paralela ao lado DB e GH uma reta paralela a DC, elas se intersectam em um ponto V. Observe que AD é a diagonal do retângulo ABCD, logo os triângulos I possuem a mesma área, analogamente as áreas dos triângulos II são iguais. Daı́ quando subtraı́mos do retângulo ABCD duas vezes a área do triângulo I e duas vezes a área do triângulo II restará somente a área do retângulo A1 somado com a área do retângulo A2 . Portanto A1 = A2 . Teorema 5 (Teorema de Pitágoras): Em triângulos retângulos, o quadrado construı́do sobre o lado que subentende o ângulo reto é igual a soma dos quadrados que contém o ângulo reto. G C D A E T H B F Demonstração. Sobre os lados dos triângulos são construı́dos quadrados. A altura do triângulo ABC é CH, a qual é prolongada até F. São traçados os segmentos BD e CE. Observe que os triângulos ABD e CAE são congruentes (pois ambos estão sobre os lados dos quadrados). O quadrado sobre AC tem área duas vezes a área do triângulo DAB, pois eles tem a mesma base AD e estão sobre as mesmas retas paralelas, analogamente o retângulo AEFH tem área duas vezes a área do triângulo CAE, pois possuem e vértices sobre duas retas paralelas. Como os dois triângulos são congruentes então o quadrado sobre AC tem área igual a área do retângulo AEFH. Analogamente, o quadrado sobre BC tem área igual a área do retângulo sobre HB e desta maneira a soma das áreas dos quadrados sobre AC e BC é igual a soma das áreas dos triângulos que é exatamente o quadrado sobre AB. Teorema 6 Sejam AB um segmento de reta e C o ponto médio desse segmento. Adicionamos a esse segmento, em linhas retas, o segmento BD e construı́mos as seguintes figuras: A1 = o retângulo com base AD e altura DE igual a BD. A2 = quadrado com medida do lado igual ao segmento CB (correspondendo na figura, o quadrado FGHI) A3 = quadrado de lado CD (correspondendo na figura, ao quadrado CDJG). A soma das áreas das figuras A1 e A2 é igual a área da figura A3 . 250 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 A C D B E I II β2 β α α β F III α2 G I H Demonstração. (2α + β)β + α2 = (α + β)2 E o retângulo I tem a mesma área do retângulo II, logo a área do retângulo mais a área do quadrado é igual a área do quadrado maior, ou seja, (2α + β)β + α2 = (α + β)2 . Teorema 7 Dividir um segmento de reta dado de maneira que a área do retângulo determinado por esse segmento e por uma das partes dessa divisão, seja igual a área do quadrado construı́do sobre a outra parte dessa divisão. F G B A H E C D K Demonstração. O nosso problema é encontrar o ponto H sobre AB de tal maneira que 2 AB.HB seja igual a AH . Para isso, sobre AB construa o quadrado ABCD e, em seguida, divida AC ao meio, no ponto E. Prolonga AC além do ponto A até um ponto F de tal maneira que EF seja igual a EB. Sobre AB marque o ponto H, de tal maneira que AH seja igual a AF . Logo H é o ponto procurado. De fato, primeiramente completamos o quadrado AFGH e prolongamos GH até K. Feito isso, o teorema 6 nos garante que: 2 2 F C.F G + AE = EF . (1) Note que EF é igual a EB, daı́ usando o teorema de Pitágoras no triângulo AEB e a equação (1), temos: 2 2 2 2 2 2 EB = AB + AE ⇒ F C.F G + AE = AB + AE , FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 251 ou seja, 2 F C.F G = AB . (2) A equação (2) nos diz que o retângulo de lados F C e F G tem área igual a área do quadrado de lado AB. Subtraindo dessas duas figuras o retângulo comum de lados AC e AH, obtemos que o quadrado de lado AH tem área igual a do retângulo determinado pelos lados HB e DB, ou seja, 2 AH = HB.AB conforme querı́amos demonstrar. Teorema 8 Se de um ponto P externo a um cı́rculo, traçarmos uma reta tangente ao cı́rculo em T, e uma reta arbitrária que o intersecta em R e S, teremos então sempre a 2 seguinte relação P R · P S = P T . Demonstração. Primeiro caso: Quando a reta passando por P, passa pelo centro do cı́rculo. T P S R C Observe que RS é o diâmetro do cı́rculo e P R é o segmento adicionado a esse diâmetro. Pelo teorema 6, podemos afirmar o seguinte: 2 2 P R · P S + RC = P C . 2 2 Daı́ como T C = RC , temos que: 2 2 2 2 2 PR · PS + TC = PC ⇒ PR · PS = PC − TC ⇒ PR · PS = PT . Segundo caso: A reta que passa por P não passa pelo pelo centro do cı́rculo. T C P R M S Seja M o ponto médio do segmento RS e P R o segmento adicionado a RS, usando o teorema 6, temos: 2 2 P R.P S + RM = P M . 252 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 2 Adicionando CM a ambos os membros temos: 2 2 2 2 2 P R.P S + (RM + M ) = P M + CM ⇒ P R.P S + RC = P C 2 2 2 mas observe que RC = T C , logo 2 2 2 2 2 P R.P S + T C = P C ⇒ P R.P S = P C − T C ⇒ P R.P S = P T . Teorema 9 Se de um ponto A exterior a um cı́rculo, forem traçadas duas retas, uma 2 que intersecta o cı́rulo em B e F e outra o cortando em D, e se AB.AF for igual a AD então AD é tangente ao cı́rculo em D. Demonstração. D F B A C T Do ponto A traçamos uma reta AT tangente ao cı́rculo. Do teorema 8, sabemos que 2 2 2 AT = AB.AF , mas segue-se da hipótese que AD = AB.AF , então AD = AT . Portanto AD também é tangente ao cı́rculo. 2 Teorema 10 O ângulo α entre uma tangente e uma corda de um cı́rculo é igual ao ângulo compreendido pelo arco determinado pela corda, do lado da corda oposto a α. S α O R 2α P α U b P é um ângulo reto pois a reta U P é tangente Demonstração. Temos que o ângulo OU ao cı́rculo no ponto U. Agora b b = 1 ROU RSU 2 (3) FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 253 b = 180o − (OU b + U RO). b contudo, ROU b R = U RO. b Daı́ ROU b = 180o −2OU b R. Como o triângulo URO é isósceles temos que OU Substituindo em (3), temos: b = 1 (180o − 2.OU b R = 90o − OU bR RSU 2 b R, portanto RSU b é igual a α, conforme querı́amos demonmas temos que α = 90o − OU strar. Teorema 11 Construir um triângulo isósceles que tenha cada um dos ângulos da base igual a duas vezes o terceiro ângulo. C A δ ε β B αγ D Demonstração. Seja AB um segmento de reta e C um ponto sobre esse segmento, pelo teorema 7, podemos dividir AB, de tal maneira que AC 2 =AB.CB, em seguida traçamos um cı́rculo em A e raio AB. Marcamos a corda BD de tal modo que que BD= AC. O triângulo procurado é o triângulo ABD, pois β = δ + γ = 2α. Justificativa: 1o ) Construı́mos um cı́rculo circunscrito ao triângulo ACD, como AC é igual a BD, 2 2 podemos substituir AC = AB.CB, por BD = AB.CB, pelo teorema 9, concluı́mos que BD é tangente ao cı́rculo em D, logo α = γ. Agora precisamos provar que α = δ 2o ) α = γ ⇒ α+ = γ + δ (pois como o triângulo ACD é isósceles temos que α = δ ⇒ α + γ = δ + γ). 3o ) ε é um ângulo externo do triângulo ACD, logo ε = α + δ, daı́ como α + δ = γ + δ ⇒ ε = γ + δ ⇒ ε = β e, portanto, o triângulo CBD é isósceles, logo CD = AC, ou seja, o triângulo ACD também é isósceles e α = δ. Portanto β = γ + δ = 2α. 2 Inscrever um pentágono em um cı́rculo dado Nosso objetivo agora é utilizar os teoremas demonstrados na seção anterior para inscrever um pentágono em um cı́rculo dado. Procedemos então da seguinte maneira: 1) Usando o teorema 11, construı́mos um triângulo FGH isósceles com os ângulos da base igual a duas vezes o terceiro ângulo. Em seguida, inscrevemos no cı́rculo um triângulo semelhante ao triângulo FGH da seguinte forma: traçamos uma reta tangente IJ ao cı́rculo, em um ponto A, transportamos sobre essa reta, partindo de A, o ângulo H FbG, 254 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 B F E D O I G H A C J encontrando assim um ponto C sobre o cı́rculo. Sobre o segmento AI, transportamos o b obtendo um ponto B. Por fim, ligamos os pontos A,B e C e encontramos o ângulo GHF triângulo ABC, inscrito no cı́rculo e semelhante ao triângulo FGH. b é igual ao Justificativa: pelo teorema 10, podemos afirmar que os ângulos J AC b e que possuem a mesma medida do ângulo GFbH. Pela mesma razão, o ângulo ABC b é igual ao ângulo GHF b , logo a medida do ângulo B AC b é igual a medida do ângulo ACB b ângulo F GH. b e B CA, b encontrando 2) Agora, traçamos as bissetrizes referentes aos ângulos C AB assim dois pontos E e D respectivamente, ligando os segmentos BD, DA, AC, CE e EB encontramos o pentágono regular. Justificativa: vamos mostrar que dois lados quaisquer do polı́gono obtido possuem a mesma medida, conseqüentemente esse polı́gono é regular, ou seja, temos exatamente o pentágono. Seja O o centro do cı́rculo dado, vamos mostrar que os triângulos BOE e DOA são congruentes. b Como sabemos o ângulo central é duas vezes o ângulo inscrito, então o ângulo E OB b e da mesma forma que o ângulo DOA b é igual a duas é igual a duas vezes o ângulo B AE b vezes o ângulo DCA e como BO = OE = OA = OD = raio, então os triângulo BOE e triângulo DOA são congruentes pelo critério LAL, logo os lados BE e AD possuem a mesma medida. Efetuando o mesmo procedimento para dois lados quaisquer do polı́gono, concluı́mos que todos os seus lados possuem a mesma medida, ou seja, o polı́gono inscrito corresponde exatamente ao pentágono. Com isso, finalizamos o processo de construção e inscrição do pentágono regular em um cı́rculo feita por Euclides. 3 Construção de Gauss para o polı́gono regular de 17 lados Devemos ressaltar que antes de Gauss, L. Euler (1707-1783) ao demonstrar que qualquer número tem n raı́zes enésimas, também provou que elas, quando representadas no plano . Em outras palavras, a extração complexo, formam entre si, sucessivamente, ângulos de 2π n da raı́z enésima da unidade produz n números complexos, cujas representações gráficas formam um polı́gono regular de n lados inscrito em um cı́rculo de raio unitário. Por esse motivo, a equação xn − 1 = 0 recebeu a denominação de equação ciclotônica e foi intensamente estudada no final do século XVIII e no inı́cio do século XIX, principalmente pelo jovem Gauss. FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 255 É interessante observar alguns fatos das diversas raı́zes enésimas entretanto, ocorre algo curioso, tomando R1 como ponto de partida vemos que: R2 = R12 , R3 = R13 , ..., Rn−1 = R1n−1 . Onde no lado direito 2, 3 e n-1 não são mais ı́ndices de contagem mas, sim, potências inteiras da raı́z R1 . Isto ocorre porque, ao se elevar R1 as sucessivas potências inteiras, o ângulo θ vai sendo multiplicado por 2, 3, 4, etc e isto conduz as raı́zes R2 , R3 , ... , Rn−1 . Observe que Rn−1 = R11 , Rn−2 = R12 , ... , Rn−i = R1i . ¡ ¢ 2π + i sin , daı́ De fato, temos que R1 = |R1 | cos 2π n n (cos 2π − i sin 2π ) 1 1 2π 2π n n = . − i sin = Rn−1 . 2π 2π = cos 2π 2π R1 n n (cos n + i sin n ) (cos n − i sin n ) Podemos fazer essa afirmação pois, para se calcular o inverso de um número complexo de módulo 1, basta inverter o ângulo em relação ao eixo real. Agora considere a equação x17 -1=0. Descartando a raı́z x = 1 temos: x16 + x15 + x14 + ... + x + 1 = 0. Observando as relações entre as raı́zes acima temos: 1 1 R116 + R115 + ... + R1 + 1 = 0 ou R16 + R15 + ... + R1 + 1 = 0. Após isso, Gauss ordenou as 16 raı́zes de tal forma que cada raı́z é o cubo da anterior. A ordenação é: R1 , R3 , R9 , R10 , R13 , R5 , R15 , R11 , R16 , R14 , R8 , R7 , R4 , R12 , R2 , R6 . Note por exemplo que (R16 )3 = (R116 )3 = R148 = R117 .R117 .R114 = R114 . Assim, podemos agrupar as raı́zes em dois blocos de elementos: y1 = R1 + R9 + R13 + R15 + R16 + R8 + R4 + R2 e y2 = R3 + R10 + R5 + R11 + R14 + R7 + R12 + R6 . Por meio desse agrupamento, podemos observar algumas equações: y1 + y2 = −1 (4) y1 y2 = −4 (5) e de (4) e (5), temos y 2 + y − 4 = 0. Tomando os termos alternados de y1 , temos: z1 = R1 + R13 + R16 + R4 e z2 = R9 + R15 + R8 + R2 . Analogamente para os termos de y2 temos: w1 = R3 + R5 + R14 + R12 e w2 = R10 + R11 + R7 + R6 . 256 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 Assim: z1 + z2 = y1 e z1 · z2 = −1 =⇒ z 2 − y1 z − 1 = 0 e w1 + w2 = y2 e w1 · w2 = −1 =⇒ w2 − y2 w − 1 = 0. Tomando v1 = R1 + R16 e v2 =R13 + R4 obtemos v1 + v2 = z1 e v1 v2 = w1 , logo v1 e v2 satisfazem v 2 − z1 v + w1 = 0 e R1 + R16 satisfazem r2 − v1 r + 1 = 0. Conseqüentemente, um polı́gono de 17 lados pode ser construı́do através de um processo envolvendo apenas operações racionais e extração de raı́zes quadradas, ou seja, apenas com régua e compasso. Assim resolvendo as equações do segundo grau encontradas conseguimos encontrar R1 . Não podemos esquecer que R1 = cos 2π + isen 2π e que R11 = cos 2π − isen 2π = R16 e 17 17 17 17 1 2π assim v1 = R1 + R1 = 2 cos 17 . Vejamos geometricamente, como se constrói o polı́gono regular de 17 lados. Seja o cı́rculo unitário com diâmetros AB e CD, construı́mos duas perpendiculares a esses diâmetros que tangenciam o cı́rculo em A e D e se cortam em S. B O D F' S C E A H' F H A seguir, dividimos AS em quatro partes iguais e tomamos AE = 14 AS. Com centro em E e raio OE traçamos um cı́rculo que corta a reta AS em F e F 0 . Com centro em F e raio F O traçamos um cı́rculo que corta AS em H (fora de F 0 F ), e com centro em F 0 e raio F 0 O traçamos outro cı́rculo que corta AS em H 0 (entre F 0 e F ). Vamos mostrar agora que AH = z1 e AH 0 = w1 . De fato, já sabemos que y√1 + y2 = −1 e √y1 y2 = −4 e isto implica que y 2 + y − 4 = 0, onde chegamos que y1 = −1+2 17 e y2 = −1−2 17 . Temos também que z 2 − y1 z − 1 q = 0 e w2 − y2 w − 1 = 0, assim podemos afirmar que q z1 = 21 y1 + 1 + 14 y12 e w1 = 12 y2 + 1 + 14 y22 . Da figura acima temos que: √ 2 2 2 2 17 1 17 (1) OE = AE + OA = ( 14 AS)2 + 1√= 16 AS + 1 = OE = =⇒ 16 4 √ = 12 y1 (2) AF = EF − EA = OE − EA = 417 − 14 = 17−1 4√ √ (3) AF 0 = EF 0 + AE = EF + AE = OE + AE = 417 + 14 AS = 17+1 = − 12 y2 4 q 2 2 2 (4) OF = OA + AF = 1 + ( 12 y1 )2 =⇒ OF = 1 + 14 y12 = OF 0 . Daı́ podemos afirmar que : q AH = AF + F H = 21 y1 + OF = 12 y1 + 1 + 14 y12 = z1 e q AH 0 = F 0 H 0 − F 0 A = F 0 O − (− 21 y2 ) = 1 + 14 y22 + 12 y2 = w1 . Agora vamos mostrar que OF = v1 = 2 cos 2π . 17 Considere no plano um cı́rculo de diâmetro BD onde B = (0, 1), D = (z1 , w1 ) e A é o centro e o ponto médio de BD. FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 257 w1 D=(z1,w1) A B=(0,1) G F z1 Logo a equação do circulo é: (x − z1 2 w1 + 1 2 z12 w1 − 1 2 ) + (y − ) = +( ). 2 2 4 2 Para encontrarmos as abscissas dos pontos G e F , fazemos y = 0 na igualdade anterior e obtemos: z1 w1 + 1 2 z12 w1 + 1 2 (x − )2 + ( ) = +( ) 2 2 4 2 Desenvolvendo a equação anterior temos: x2 − z1 x + w1 = 0, onde as abscissas são precisamente v1 e v2 , que satisfazem a equação v 2 − z1 v + w1 = 0, e v1 > v2 . √ z1 + z12 −4w1 Logo OF = v1 = = 2 cos 2π . 2 17 Assim podemos construir o polı́gono de 17 lados da seguinte maneira: sobre o eixo x marcamos OF = v1 e o ponto médio M de OF . Construı́mos M P perpendicular a OF , , então OM = cos 2π e temos que AP é o lado do pentadecágono pois se OF = 2 cos 2π 17 17 2π b assim M OP = 17 . P O 4 M A F O Problema de Apolônio Outro problema de construção geométrica muito discutido do ponto de vista algébrico, é o famoso problema dos cı́rculos tangentes de Apolônio. Considere três cı́rculos dados C1, C2 e C3 no plano, o problema de Apolônio consiste em encontrar um cı́rculo tangente a 258 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 estes três cı́rculos, podendo estes serem degenerados em retas (cı́rculos de raio infinito) ou pontos (cı́rculos de raio zero). O que veremos a seguir é uma breve demonstração desse problema e sua possibilidade de construção por meio de régua e compasso. Dado o cı́rculo C1, com centro P1 e raio r1 e o cı́rculo C, com centro em P e raio r. Sendo esses dois cı́rculos tangentes e externos podemos afirmar que: C1 C P P1 R1 R d(P, P 1) = r + r1 (6) Se são tangentes e C1 e está no interior da região delimitada por C, então: C C1 R1 P1 R-R1 P d(P, P1 ) = r − r1 (7) Finalmente se são tangentes e C está no interior da região delimitada por C1, então: C1 C R P R1-R P1 d(P, P1 ) = r1 − r (8) FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 259 Então generalizando, podemos afirmar que duas circunferências são tangentes, se e somente se: p d(P, P1 ) = (r ± r1 )2 ⇒ d(P, P1 ) = (r ± r1 )2 . Consideremos agora, os centros de C e C1 sendo (a, b) e (a1 , b1 ) respectivamente. Nessas condições nossa equação passa a ser escrita como: (a − a1 )2 + (b − b1 )2 = (r ± r1 ). (9) Voltando ao enunciado do problema de Apolônio onde C é tangente aos três cı́rculos C1, C2 e C3, obtemos, além da equação (9), as duas equações abaixo: (a − a2 )2 + (b − b2 )2 = (r ± r2 )2 (10) (a − a3 )2 + (b − b3 )2 = (r ± r3 )2 . (11) Reescrevendo a equação (9), temos: a2 + b2 − r2 − 2a1 a − 2b1 b ± 2r1 r = r12 − a21 − b21 . Daı́ obtemos: a2 + b2 − r2 + A1 a + B1 b = C1 r + D1 = 0. (12) Repetindo esse processo para as equações (10) e (11), teremos: a2 + b2 − r2 + A2 a + B2 b = C2 r + D2 = 0 (13) a2 + b2 − r2 + A3 a + B3 b = C3 r + D3 = 0. (14) Fazendo a diferença entre as equações (12) e (13) e também entre as equações (12) e (14), obtemos: E2 a + F2 b + G2 r + H2 = 0 (15) E3 a + F3 b + G3 r + H3 = 0 (16) onde Ei , Fi , Gi e Hi para i=1,2 são expressões de aj , bj e rj para j = 1, 2, 3. Resolvendo o sistema de equações (15) e (16), encontramos expressões para a e b em termos de Ei , Fi , Gi e r, expressões estas dadas por: a= F2 (G3 r + H3 ) − F3 (G2 r + H2 ) F3 (G2 r + H2 ) − F2 (G3 r + H3 ) eb= . E2 F3 − E2 F2 E2 F3 − F2 E3 Observe que a e b possuem termos em função de r e termos independentes, logo podemos escrevê-los da forma: a = J1 r + K1 e b = J2 r + K2 onde J1 , J2 , K1 e K2 são expressões nas variáveis ai , bi e ri para i = 1, 2, 3. Logo esses coeficientes são conhecidos e podem ser construı́dos por meio de régua e compasso. Substituindo a e b na equação (12), obtemos: (J1 r + K1 )2 + (J2 r + K2 )2 − r2 + A1 (J1 r + K1 ) + B1 (J2 r + K2 ) + C1 r + D1 r = 0. Daı́ resolvendo essa equação, encontramos r e, em seguida, podemos traçar a e b, resolvendo assim nosso problema. 260 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 Exemplo: Encontraremos, a seguir, as possibilidades de tangência da circunferência C com as seguintes circunferências dadas: λ1 : circunferência de centro (1,2) e raio 1; λ2 : circunferência de centro (-2,1) e raio 2; λ3 : circunferência de centro (3,-2) e raio 2. Então nossas equações serão dados por: (a − 1)2 + (b − 2)2 = (r ± 1)2 (17) (a + 2)2 + (b − 1)2 = (r ± 2)2 (18) (a − 3)2 + (b + 2)2 = (r ± 2)2 (19) Reescrevendo a equação (17), temos: a2 − 2a + 1 + b2 − 4b + 4 = r2 ± 2r + 1 ⇒ a2 + b2 − r2 − 2a − 4b ± 2r + 4 = 0. (20) Do mesmo modo para a equação (18) e (19) a2 + b2 − r2 + 4a − 2b ± 4r + 1 = 0 (21) a2 + b2 − r2 − 6a + 4b ± 4r + 9 = 0 (22) Onde consideraremos C1 = ±2, C2 = ±4 e C3 = ±4. Obtemos com a diferença entre as equações (20) e (21) a seguinte expressão: −6a − 2b + (±2 ± 4)r + 3 = 0. (23) Considere D1 = (±2 ± 4) e fazendo a diferença entre as equações (20) e (22), temos: 4a − 8b + (±2 ± 4)r − 5 = 0. (24) Denotando D2 = (±2r ± 4r) e resolvendo o sistema formado pelas equações (23) e (24), podemos encontrar os seguintes valores para a e b: a= [4(±2r ± 4r) + 17] [4(±2r ± 4r) − 18] e b= . 28 56 Substituindo a e b na equação (20) e resolvendo em função de r, obtemos: √ 184D2 + 174D1 − 392C1 ± 14 δ r= 2(10D12 + 2D1 D2 + 5D22 − 392) (25) onde δ = −9D22 + 254D1 D2 − 736D2 C1 − 209D12 − 696D1 C1 + 784C12 + 14248. Vamos agora verificar a existência ou não da circunferência C, mediante os possı́veis valores que C1 , C2 e C3 podem assumir. 1o caso: C1 = 2, C2 = 4 e C3 = 4. A partir desses valores, encontramos D1 = −2 e D2 = −2, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −9.799 e r = 5.609 Contudo, como somente consideramos valores positivos para o raio, temos que r = 5.609. Logo a circunferência C procurada tem centro (-0.5949,-2.324) e raio r = 5.609. 2o caso: C1 = 2, C2 = 4 e C3 = −4. FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 261 A partir desses valores, encontramos D1 − 2 e D2 = 6, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −2.943 e r = 3.086. Contudo, como somente consideramos valores positivos para o raio, temos que r = 3.086. Logo a circunferência C procurada tem centro (-0.9362, 1.221) e raio r = 3.086. 3o caso: C1 = 2, C2 = −4 e C3 = 4. A partir desses valores, encontramos D1 = 6 e D2 = −2, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −5.6918 e r = 8.6918, novamente como somente consideramos valores positivos para o raio, temos que r = 8.6918. Logo a circunferência C procurada tem centro (8.6781, 1.5411) e raio r = 8.6918. 4o caso: C1 = 2, C2 = −4 e C3 = −4. A partir desses valores, encontramos D1 = 6 e D2 = 6, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber r = 4.3306 e r = 1.8693. Neste caso encontramos duas raı́zes positivas, logo teremos duas circunferências. Para o raio r = 4.3306, temos a circunferência de centro (3.3911, 4.3185) e para o raio r = 1.8693 temos a circunferência de centro (1.8088, 1.6814). 5o caso: C1 = −2, C2 = 4 e C3 = 4. A partir desses valores, encontramos D1 = −6 e D2 = −6, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −1.8693 e r = −4.3306. Contudo, como somente consideramos valores positivos para o raio, neste caso então não existirá a circunferência C tangente a λ1 , λ2 e λ3 . 6o caso: C1 = −2, C2 = 4 e C3 = −4. A partir desses valores, encontramos D1 = −6 e D2 = 2, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −8.6918 e r = 5.6918. Contudo, como somente consideramos valores positivos para o raio, temos que r = 5.6918. Logo a circunferência C procurada tem centro (−4.6781, −1.5411) e raio r = 5.6918. 7o caso: C1 = −2, C2 = −4 e C3 = 4. A partir desses valores, encontramos D1 = 2 e D2 = −6, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −3.0866 e r = 2.9438. Contudo, como somente consideramos valores positivos para o raio, temos que r = 2.9438. Logo a circunferência C procurada tem centro (2.079, −1.7933) e raio r = 2.9438. 8o caso: C1 = −2, C2 = −4 e C3 = −4. A partir desses valores, encontramos D1 = 2 e D2 = 2, que, quando substituı́dos na equação (25) nos dão duas raı́zes, a saber, r = −5.6095 e r = 0.97992. Contudo, como somente consideramos valores positivos para o raio, temos que r = 0.97992. Logo a circunferência C procurada tem centro (0.8171, 0.0285) e raio r = 0.97992. A figura abaixo ilustra o caso 1. Pode-se observar que as três circunferências λ1 , λ2 e λ3 estão no interior da região delimitada po C. 262 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 2 x –6 –4 –2 2 4 0 –2 –4 y –6 –8 Referências [1] Aaboe, A., Episódios da história antiga da matemática, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1984. [2] Baldin, Y.Y., Villagra, G.A.L., Atividade com Cabri-Géomètre II para cursos de Licenciatura em Matemática e professores do ensino fundamental médio, São Carlos: EdUFSCar, 2002. [3] Eves, H., Estudio de las geometrias, vol. 1, México: Uteha, 1969. [4] Eves, H., Introdução a história da matemática, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1995. [5] Moise, E.E., Geometria elemental desde um ponto de vista avanzado, Compañia Editorial Continental, S. A., México, 1968. [6] Rezende, E.Q.F., Queiroz, M.L.B. - Geometria euclidiana plana e construções geométricas, Campinas: Editora da Unicamp, 2000. [7] Wagner, E. Construções geométricas, Coleção IMPA/VITAE 1993.