LINGUÍSTICA CLÍNICA
Trabalho de Investigação
Patologias da Linguagem e Computação
Docente:
Curso e Ano:
Disciplina:
Discente:
Ano Lectivo:
Data:
Prof.(ª) Doutora Ana Monção
Linguística, 4.º
Seminário de Especialização – Linguística Clínica
Jorge Manuel Amaral Ramos (6645)
2004-2005
Junho, 2005
U.N.L. – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Linguística Clínica
RESUMO
Como defensor das abordagens multidisciplinares, inclui neste estudo, conhecimentos de
linguística, informática, neurologia, biologia e filosofia. Assim, este trabalho inicia com uma
viagem desde os primórdios da humanidade para mostrar como, na era das sociedades digitalizadas,
os computadores têm um papel de relevo como extensões do ser humano. Observo depois, como a
informática e a técnica se incorporam no ser humano para o auxiliar na revelação de num dos seus
grandes mistérios – o cérebro – centrando-me no tratamento das patologias da linguagem e dentro
destas, nas afasias. Mostro de seguida alguns resultados de investigações já efectuadas, exemplos de
algumas aplicações informáticas (para auxiliar no tratamento de afasias) e proponho um projecto
para desenvolvimento de uma aplicação para auxiliar a recuperação de afásicos portugueses. São
depois dadas algumas sugestões para melhorar a aplicação, para por fim, fazer algumas reflexões
sobre como a computação e a união de saberes, poderão auxiliar nas questões para as quais a ciência
continua sem resposta: o que é a alma, a consciência, a mente?
ABSTRACT
As a defender of multidiscipline approaches, I have included in this study, knowledge from
linguistics, informatics, neurology, biology and philosophy. Thus, this work begins with a journey
since the primordial of mankind to show how, at the era of digitized societies, computers have a
main role as extensions of the human being. Then I observe how informatics and technique
incorporate with the human being to aid him on the revelation of one of his greatest mysteries – the
brain – focusing on the treatment of pathologies of language, and within these, on aphasias. I show
afterwards some results on research already made, examples of some informatics’ applications (to
assist on the treatment of aphasias) and propose a project to develop an application to facilitate the
recovery of Portuguese aphasics. Then some suggestions are given to improve the application, to in
the end, give insights on how computation and the union of knowledge, can help on questions for
which science still don’t have answers: what is the soul, the conscience, the mind?
Nota: todas as traduções deste trabalho são da minha autoria.
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ÍNDICE
AS EXTENSÕES DO SER HUMANO ................................................................................................5
O COMPUTADOR COMO EXTENSÃO DO CÉREBRO............................................................................... 5
PROGRAMADORES DE COMPUTADORES ............................................................................................................. 7
O COMPUTADOR E AS PATOLOGIAS DA LINGUAGEM..........................................................9
RICHARD C. KATZ ....................................................................................................................................... 10
O PROJECTO DE KATZ & ROSS, 2004.................................................................................................................... 11
OBSERVAÇÕES ......................................................................................................................................................... 14
OS PROGRAMAS DA BUNGALOW SOFTWARE ..................................................................................... 14
PROGRAMAS PARA AUXILIAR NA RECUPERAÇÃO DE PALAVRAS / AFASIA ........................................... 15
PROGRAMAS PARA AUXILIAR NA PRODUÇÃO DA FALA .............................................................................. 15
PROGRAMAS PARA ESTIMULAR A COMPREENSÃO ATRAVÉS DA LEITURA ............................................ 17
PROGRAMAS COM EXERCÍCIOS COGNITIVOS.................................................................................................. 18
OUTRAS SOFTWARE HOUSES .................................................................................................................. 18
O CENÁRIO PORTUGUÊS ........................................................................................................................... 19
O ESTUDO DE KATZ & WERTZ, 1997 ....................................................................................................... 19
OBSERVAÇÕES ............................................................................................................................................ 21
ALGUMAS BASES PARA UM PROJECTO ................................................................................................ 23
O LINGUISTA .....................................................................................................................................25
ÉCRÃ INICIAL ............................................................................................................................................... 26
ÉCRÃ DO TESTE ........................................................................................................................................... 29
RELATÓRIOS ................................................................................................................................................ 32
ALGUMAS ESPECIFICIDADES .................................................................................................................. 33
INSTALAÇÃO ............................................................................................................................................................ 33
CONTROLO DE TECLAS .......................................................................................................................................... 34
ENCERRAMENTO DO LINGUISTA.......................................................................................................................... 35
ALGORITMOS............................................................................................................................................................ 35
MACROS ..................................................................................................................................................................... 36
OS ESTÍMULOS ......................................................................................................................................................... 37
OUTRAS ESPECIFICIDADES ................................................................................................................................... 37
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VERSÕES POSTERIORES DO LINGUISTA................................................................................................. 38
REFLEXÕES........................................................................................................................................40
CÉREBRO E MENTE ..................................................................................................................................... 40
AS TEORIAS DE SHELDRAKE ................................................................................................................................ 42
FRONTEIRAS DO SER HUMANO ........................................................................................................................... 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................................45
REFERÊNCIAS WEBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 46
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AS EXTENSÕES DO SER HUMANO
Se considerarmos que tudo aquilo que não é natural, que tudo aquilo onde foi necessária a
intervenção do ser humano para que existisse, é uma extensão ou uma extensão de uma extensão
do próprio ser humano, facilmente constatamos que, por exemplo, numa cidade como Lisboa,
vivemos rodeados de extensões.
De facto, as extensões do ser humano, assim como as extensões das extensões e as
ramificações extensionais das extensões das extensões, numa imensa rede extensional, são em
cada vez maior número, cada vez mais sofisticadas e mecanizadas.
Para entendermos melhor esta expansão extensional basta remontarmos à pré-história,
altura em que os nossos antepassados mais remotos sentiam já esta necessidade de criar extensões
deles próprios. Assim, para lhes ser mais fácil capturar outros animais, para se alimentarem dos
mesmos, criaram extensões das suas mãos – lascaram pedras e ossos e construíram instrumentos
de caça. Para se protegerem do frio e da chuva, criaram extensões para a sua pele – extraindo e
usando as peles dos animais que caçavam.
Possuidores de cada vez mais extensões de si próprios e com um consequente aumento da
necessidade de comunicar sobre essas extensões, criaram signos que as identificassem e
estabeleceram regras sobre as mesmas, criaram extensões dos seus pensamentos codificando-os
através de sons e da escrita, naquilo que conhecemos hoje como a linguagem humana.
O COMPUTADOR COMO EXTENSÃO DO CÉREBRO
Parece ser evidente que todas as extensões do ser humano têm origem no seu próprio
pensamento, sendo despoletadas de uma forma geral por uma necessidade, que pode ser de
múltipla ordem: comunicar, sobreviver, agradar, ser reconhecido, alcançar um objectivo,
enriquecer, melhorar a qualidade de vida, controlar, dominar, entre muitas outras.
Será todavia a linguagem humana como extensão do seu pensamento a principal linha
isotópica deste trabalho. Na verdade, a partir da linguagem humana, torna-se simples entender o
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conceito de extensão de extensão, uma vez que a partir desta extensão do pensamento (a
linguagem), o ser humano criou extensões da mesma. A necessidade de dar um carácter material
à produção oral terá criado a escrita. Para escrever foram necessários meios (desde o sangue de
animais que terá sido uma das tintas primordiais, até às variedades de meios que conhecemos
hoje, temos uma ramificação de extensões duma extensão). Tendo-se provavelmente começado a
escrever nas paredes das cavernas, ter-se-á tido necessidade de outros suportes para a escrita (a
argila, os ossos, as conchas, as folhas das palmeiras e as cascas de árvores terão sido alguns dos
antepassados do couro, do papiro, do velino, do pergaminho e, finalmente, do papel que usamos
hoje).
Com o desenvolvimento das trocas e do comércio, dos acordos, testamentos, das leis, com a
necessidade de fixar pensamentos, ideias, cálculos, historiais e histórias, mitos e mitologias, com
o surgimento das religiões e dos religiosos, dos professores e dos alunos, das ciências e das
universidades, a necessidade de armazenar levou à criação de arquivos e bibliotecas pessoais,
colectivas e nacionais. Todavia, o ser humano gerou tanta informação (e continua a gerar cada
vez mais), teve tanta necessidade de armazenamento de dados (e continua a ter cada vez mais),
teve (e continua a ter) tanta necessidade de automatizar tarefas relacionadas com a gestão da
informação, que acabou por criar outra extensão: aquilo que conhecemos hoje quase como um
electrodoméstico – o computador.
O computador que, já é uma extensão de várias outras extensões entre ele e o pensamento
humano (como por exemplo, o ábaco, os Ossos de Napier, a calculadora manual e a automática,
entre muitas outras, cada vez mais complexas e rigorosas), desempenha hoje e por si só, diversas
funções. Para além de armazenar as produções escritas do ser humano, armazena também as
orais, serve de instrumento de entretenimento (para jogar, ouvir música, ver filmes, etc.) e de
comunicação (sendo a Internet o maior veículo de informação e de comunicação da actualidade),
serve para facilitar a vida do ser humano de tal forma que não andará longe a época onde quem
não souber usar um computador terá muitas dificuldades em se movimentar nas sociedades cada
vez mais digitais e digitalizadas.
O computador origina, por sua vez, um vasto conjunto de outras extensões de si próprio,
aquilo que na terminologia da informática se designa por periféricos (os diversos tipos de
monitores, os teclados e os ratos (com e sem fios), as impressoras, as drives de leitura e gravação
de CDs e DVDs, os leitores de cartões de fotografias digitais, os discos rígidos externos, os
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volantes e os capacetes de realidade virtual, etc.), o software (os múltiplos programas com as
mais diversas aplicações, desde os dicionários electrónicos aos leitores de e-books (livros
digitais), desde os programas para controlo remoto dos satélites até aos programas para construir
sítios na Internet) e os consumíveis (os já referidos papel, CDs e DVDs, assim como tinteiros para
as impressoras, disquetes, acetatos, etc.), entre diversas outras extensões de extensões.
A utilidade do computador e o rigor que possibilita, estende-se e espalha-se cada vez mais
por todos os tecidos sociais, desde a contabilidade familiar até às grandes bases de dados
governamentais, desde as enciclopédias digitais (que cabem num simples disco compacto) até à
complexidade da educação à distância (note-se o exemplo da Universidade Aberta) ou desde a
consulta de um médico através da Internet, até à realização de cirurgias com a ajuda destas
máquinas cada vez mais poderosas e preciosas.
PROGRAMADORES DE COMPUTADORES
Mas como é que uma simples máquina pode ser tão versátil? Como é que possibilita tantos
acontecimentos? Como é que nos disponibiliza tantos recursos? Como é que nos permite
armazenar tantos dados?
Todas estas questões estão mal formuladas. Quem é versátil, possibilita acontecimentos,
disponibiliza recursos e permite armazenar é o ser humano, o computador é uma extensão e está
ao serviço do ser humano – mais concretamente, do seu cérebro.
De facto, é no cérebro humano que se organizam, constroem e modelam os fluxogramas e
os algoritmos que, por sua vez, dão origem aos programas que controlam os computadores e os
seus periféricos. É no cérebro humano que se idealizam as bases de dados que articulam clientes,
fornecedores, artigos, relatórios de vendas, de existências, contas correntes, etc. É no cérebro
humano que as aplicações informáticas são planeadas, criadas, geridas e melhoradas. A
versatilidade é humana. A materialização dessa versatilidade cerebral é concretizada através das
máquinas.
O computador é assim uma extensão, que possibilita ao homem ser cada vez mais criativo,
mais rigoroso, criando e dilatando, cada vez mais, um complexo sistema extensional de si próprio
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– sistema que, será que poderá levar a um conhecimento mais profundo do próprio homem, no
que diz respeito às suas partes mais misteriosas – nomeadamente, o próprio cérebro?
Estudos recentes apontam para uma resposta claramente afirmativa – basta recordarmo-nos
do rapidíssimo progresso proporcionado pelo auxílio dos computadores no estudo do genoma
humano e, mais concretamente no que diz respeito ao cérebro, basta ficarmos atentos ao
movimento que a aplicação da informática no auxílio ao tratamento de patologias da linguagem
está a gerar no meio científico. Aliás, se observarmos atentamente a evolução da informática no
sentido {fora  dentro}, isto é: {extensão  incorporação}, assistimos a uma autêntica
tecnocolonização do corpo – algo que Dery (1996: 256) ilustra bem quando diz que “os
computadores estão a enfiar-se debaixo da nossa pele. Tudo acerca dos nossos corpos está
gravado nos nossos genes. E um dia, tudo acerca dos nossos genes ficará arquivado em
computadores (…) Desde a nossa maquilhagem cromossómica até ao nosso historial de
créditos… A ver vamos, como iremos lidar com uma tecnologia que não só possui excelentes
corpos de conhecimento, como também, excelente conhecimento dos corpos”.
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O COMPUTADOR E AS PATOLOGIAS DA LINGUAGEM
Uma das novas aplicações das tecnologias computorizadas focaliza-se precisamente na
utilização destas extensões do cérebro humano no auxílio ao tratamento de indivíduos com
problemas patológicos ao nível da linguagem.
Dentro do campo destas patologias, uma das áreas mais em foco é a da afasiologia1.
Segundo Katz & Ross (2004: 1), “Nos E.U.A, aproximadamente um milhão de pessoas por ano
desenvolvem afasia, em consequência de acidente vascular cerebral, trauma craniano, e outras
condições médicas graves”.
Perante este cenário, não se estranha o facto de nos E.U.A., se dar cada vez mais atenção às
ferramentas informáticas orientadas para o auxílio no tratamento das patologias da linguagem.
Segundo Katz & Hallowell (1999: 149), a importância do uso das tecnologias informáticas
expande-se constantemente em diversos aspectos, entre os quais, nos processos de diagnóstico e
tratamento…
“… na elaboração de estudos de caso, selecção de testes, administração
e pontuação de testes, no desempenho acústico, nas análises fisiológica e
linguística, na elaboração de comparações normativas, na composição de
perfis de acordo com os resultados dos diagnósticos, nas decisões sobre os
diagnósticos, na manutenção dos registos e calendarização dos diagnósticos,
na coordenação dos planos de encargos e nas funções contabilísticas, no
rastreamento dos resultados dos tratamentos e no fornecimento de serviços de
diagnóstico aos pacientes, em cenários remotos2.”
1
A Afasiologia, por sua vez, relaciona-se com a Linguística Clínica (uma área da Linguística Aplicada) que
se centra no estudo das perturbações da linguagem (em todas as suas formas), com causa médica identificável ou
não, assim como nas situações em que a intervenção ocorre (educativa ou clínica).
2
A expressão ‘cenários remotos’ resulta da tradução de “remote settings”.
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São necessárias, todavia, bastantes análises e cuidados quando se edifica uma aplicação
informática para o tratamento de sujeitos afásicos. Tendo por base os seus estudos, os mesmos
autores afirmam que “um linguista clínico desempenha um papel central no uso das tecnologias,
tendo em vista o tratamento de pacientes com problemas de comunicação (…) mas se
inadequadamente aplicada, a tecnologia pode reduzir a qualidade do tratamento.” [Katz &
Hallowell, 1999: 251].
Revela-se como evidente, a necessidade de muito estudo, muita sensibilidade e extrema
prudência no uso das tecnologias computorizadas no auxílio ao tratamento das patologias da
linguagem. Os pacientes, devido à sua situação (e ainda que não o deixem transparecer
exteriormente), encontram-se animicamente debilitados, com a auto-estima reduzida e abatidos
emocionalmente porque se vêem limitados na sua capacidade de comunicar correctamente. Se um
tratamento informatizado é construído sem levar em conta o estado psicológico e físico do
paciente, sem levar em conta a sua incapacidade específica (uma vez que, um programa
construído para o auxílio da recuperação da faculdade da linguagem dos sujeitos afásicos de
Broca, deve ter especificidades distintas das de outro, construído para a recuperação de sujeitos
afásicos de Wernicke), sem levar em conta o cenário onde o tratamento vai ter lugar, em vez de
útil, pode tornar-se contraproducente.
E porque no mundo da ciência (e não só) andamos todos aos ombros de um gigante que vai
acumulando conhecimento através da sua experiência e das experiências dos que o antecederam,
nada melhor, para quem pretende começar a trabalhar nesta área, do que aprender com aqueles
que representam hoje em dia esse gigante – uma dessas pessoas é sem dúvida o norteamericano…
RICHARD C. KATZ
Katz é o director do Audiology and Speech Pathology Department do Carl T. Hayden
Veterans Affairs Medical Center em Phoenix, é professor associado no Department of Speech and
Hearing Sciences na Universidade do Estado do Arizona e tem recebido diversos prémios pelo
reconhecimento do seu trabalho na área do tratamento computorizado de adultos afásicos.
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Tem sido um dos grandes impulsionadores dos estudos sobre a computação aplicada às
patologias da linguagem, tendo já publicado (entre 1978 e 2004) 39 trabalhos sobre os mesmos 3.
Em termos de criação de software, isto é, no que diz respeito a programas orientados para o
auxílio ao tratamento de patologias da linguagem, Katz publicou já (entre 1982 e 2001) 27
aplicações, 6 das quais em co-autoria com outros especialistas.
Richard Katz e Katherine Ross (também investigadora no campo da computação aplicada
às patologias da linguagem), iniciaram em 2004 um projecto de desenvolvimento de um
programa informático, com base nos recursos oferecidos pela Internet, para, através de estímulos
auditivos e visuais informatizados, aumentar a capacidade dos adultos afásicos de recorrerem a
terapia e recuperarem dos seus estados patológicos, no seu próprio ambiente familiar, com
intervenções clínicas mínimas.
O PROJECTO DE KATZ & ROSS, 2004
Katz & Ross designaram o seu projecto por “An Internet-Based Automated Auditory
Stimulation Treatment for Aphasic Adults”4; contam trabalhar no mesmo, com 20 sujeitos
afásicos que, entre outros critérios, tenham sido vítimas de acidente vascular cerebral há pelo
menos 6 meses, com a acuidade visual e auditiva intacta (ou corrigida através de óculos e –
retomando a linha isotópica inicial – outras extensões existentes para o efeito), que não
apresentem outros problemas neurológicos, do foro psiquiátrico ou outros problemas médicos
graves.
Conta-se que os pacientes recebam 50 horas de tratamento computorizado, durante 10 a 12
semanas, período durante o qual não receberão qualquer outro tratamento relacionado com a
faculdade da linguagem. A importância do projecto de Katz & Ross ganha relevo pelo facto de:
“Nas duas últimas décadas, a maioria dos estudos efectuados sobre
tratamentos computorizados, tem incidido nos tratamentos assistidos por
computador, nos quais este é usado como auxiliar do clínico durante a terapia
3
Note-se que dos 39 trabalhos referidos, somente 8 foram da autoria exclusiva de Katz; os restantes foram
escritos em co-autoria com outros investigadores.
4
Um tratamento automatizado de estimulação auditiva para adultos afásicos, tendo por base a Internet.
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que efectua ao paciente, por exemplo, para problemas na pronúncia e na
escrita (Seron, Deloche, Moulard & Rouselle, 1980) e problemas na
construção verbal de frases (Loverso, Prescott, Selinger, Wheeler & Smith,
1985)” [Katz & Ross, 2004: 2].
O projecto de Katz & Ross prevê que o facto de os pacientes terem em suas casas, através
da Internet, a possibilidade de estimularem as suas capacidades auditivas e de leitura (com o
auxílio de um programa que conta com 2160 tarefas organizadas hierarquicamente, comportando
10 estímulos por tarefa o que equivale a um total de 21600 estímulos), “com monitorização
ocasional do clínico, deixará mais tempo nas sessões individuais, para trabalhar outros aspectos
da comunicação, como por exemplo, técnicas verbais ou interpessoais” [Katz & Ross, 2004: 3].
O programa conta com 6 parâmetros de base, a partir dos quais se desenvolve o tratamento
orientado automaticamente. Três dos parâmetros dizem respeito às palavras que surgem como
estímulos:
1) A frequência de ocorrência da palavra-estímulo: comum, ocasional e rara;
2) A distância semântica entre a palavra-estímulo e a da resposta (se) errada do paciente:
diferente e relacionada;
3) A classe da palavra-estímulo: nome, verbo ou modificador.
Os restantes 3 parâmetros dizem respeito à apresentação e controlo dos estímulos:
4) O número de escolhas múltiplas – 2 a 6;
5) O número de elementos críticos – 1 a 6;
6) O tempo de espera até que seja dada uma resposta pelo paciente: 0, 2, 5 e 10 segundos.
Os estímulos serão apresentados ao paciente através de palavras gravadas digitalmente,
(pelo que o mesmo, necessita possuir uma placa de som e colunas altifalantes ligadas ao seu
computador), ao mesmo tempo que serão apresentadas no monitor do computador, as escolhas
múltiplas (que são apresentadas por intermédio de imagens), correspondendo uma à palavraestímulo, estando as outras mais ou menos relacionadas. O sujeito afásico terá depois (de acordo
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com o estímulo auditivo e usando o rato do seu computador), de seleccionar no monitor a
imagem correspondente à palavra-estímulo.
Em concordância com o acerto ou falha da resposta do paciente, o programa dá essa mesma
informação ao sujeito. De seguida, se a resposta for correcta, o programa apresenta o estímulo
seguinte, caso contrário é indicada a resposta certa e só depois o estímulo subsequente.
Quando o paciente consegue responder acertadamente a pelo menos 80% dos estímulos de
uma tarefa (ou seja, acerta pelo menos em 8 dos 10 estímulos), pode prosseguir para a tarefa
seguinte, caso contrário, o paciente dispõe de mais 4 tentativas para o fazer:
1. Executa novamente a mesma tarefa, começando do início. Se ainda assim não conseguir
os 80% de eficácia…
2. É dado um sinal de alerta, dois segundos antes da tarefa ser apresentada, do tipo
“Preparado?” Continuando a falhar 2 dos 10 estímulos…
3. A velocidade de produção da palavra-estímulo é reduzida em cerca de 30%. Caso
permaneça a ineficácia…
4. Ao mesmo tempo que a palavra-estímulo é produzida sonoramente, é apresentada também
por escrito no monitor, e cada imagem (das possibilidades de escolha múltipla), é
acompanhada da palavra correspondente.
Se as 5 tentativas para completar a tarefa forem infrutíferas, o programa faz com que o
paciente volte a trabalhar a última tarefa completada eficazmente e alerta o clínico sobre o facto.
Este, remotamente, monitorizará então o desempenho do paciente de forma a verificar se é
necessária a sua intervenção.
Considera-se que o estudo e o tratamento “serão descontinuados quando for necessária a
intervenção do clínico em três tarefas consecutivas, depois do paciente completar 50 horas de
tratamento, quando o paciente conseguir completar a hierarquia ou quando o paciente assim o
solicitar.” [Katz & Ross, 2004: 7-8]
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OBSERVAÇÕES
Parece-me evidente que o projecto de Katz & Ross, embora contemple uma série de
factores importantes no programa que projectaram (como sejam a monitorização clínica remota, a
introdução da inteligência artificial no sentido de saber quando o paciente está com dificuldades
e sugerir-lhe pistas ou no ajuste automático dos graus de dificuldade de acordo com as respostas
do paciente, a gravação das respostas para análise posterior, entre diversos outros aspectos), ainda
não contempla aquilo que seria desejável numa aplicação que visa facilitar o tratamento de
sujeitos afásicos.
Talvez devido à complexidade da programação que envolve ou porque, tal como os
próprios investigadores assumem “a intenção deste estudo será testar o efeito de um programa
de estimulação auditiva” [Katz & Ross 2004: 8], o reconhecimento automático de voz é, na
minha opinião, a peça que falta neste projecto, a qual, estará com certeza prevista no cérebro
destes investigadores e quem sabe, num futuro próximo, será o passo seguinte no aprimoramento
do programa que agora desenvolvem.
De facto, para além da estimulação auditiva e visual, parece-me também ser relevante, a
estimulação e o acompanhamento da produção oral do paciente. Falta ao programa uma
componente que peça (ou sugira) ao afásico para produzir oralmente determinada palavraestímulo (seja ela apresentada de forma audível, no monitor ou de ambas as formas) e que em
simultâneo, consiga captar os sons produzidos pelo paciente, consiga dividi-los em segmentos
fonéticos e consiga comparar esses segmentos com os da palavra-estímulo.
Após uma série de estímulos orientados, segundo as deficiências verificadas, o programa
poderia, por exemplo, identificar os segmentos fonéticos que levantam dificuldades na produção
oral do paciente, as classes gramaticais e os campos semânticos mais problemáticos e orientar
então o tratamento de acordo com as dificuldades específicas de cada paciente.
OS PROGRAMAS DA BUNGALOW SOFTWARE
Os programas para a reeducação de sujeitos afásicos já existem em número considerável. A
Bungalow Software é uma empresa norte-americana que se dedica à produção deste tipo de
extensões do cérebro humano. O objectivo dos fundadores é de “providenciar programas que
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possam ser usados em casa, por pacientes necessitados de terapia da fala (…) programas
económicos e de alta qualidade no auxílio à recuperação da linguagem falada”
[http://www.bungalowsoftware.com/about_us.htm].
Esta empresa, que existe desde 1994, possui uma vasta oferta de produtos informáticos
divididos em várias categorias: programas para auxiliar os sujeitos afásicos na recuperação de
palavras, para auxiliar na produção da fala, para estimular a compreensão através da leitura,
assim como uma série de exercícios cognitivos. Observaremos de seguida alguns destes
programas, não só para termos uma pequena ideia da quantidade de produtos que esta empresa
disponibiliza, como também, para darmos conta da abrangência dos mesmos no campo da
computação aplicada às patologias da linguagem.
PROGRAMAS PARA AUXILIAR NA RECUPERAÇÃO DE PALAVRAS / AFASIA
Aphasia Tutor 1 (Tutor de Afasias 1) – Um programa que visa melhorar o reconhecimento
e a recuperação de letras e palavras. Comporta mais de 700 exercícios em 8 tarefas distintas.
Aphasia Tutor 1+ (Tutor de Afasias 1+) – Programa com as mesmas características do
Aphasia Tutor 1, mas que inclui também pistas e respostas faladas (digitalmente).
Aphasia Tutor 2 (Tutor de Afasias 2) – Um programa que visa melhorar a habilidade de
recuperar palavras integradas em frases. Inclui mais de 700 exercícios em 7 tarefas.
Aphasia Tutor 2+ (Tutor de Afasias 2+) – Com as mesmas características do Aphasia Tutor
2, incluindo também pistas e respostas faladas (digitalmente).
Synonyms, Antonyms, & Homonyms (Sinónimos, Antónimos e Homónimos) – Programa
para acompanhamento do Aphasia Tutor 2, que implica graus de dificuldade mais elevados.
PROGRAMAS PARA AUXILIAR NA PRODUÇÃO DA FALA
Speech Sounds on Cue (Sons da Fala através de Pistas) – Este programa possibilita a
visualização de 520 pequenos vídeos (20 orientados para a produção de fones e 500 dirigidos
para a produção de palavras) onde é mostrada a forma como os fones (ver imagem abaixo), assim
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como palavras completas, devem ser produzidas. É indicado para os pacientes que necessitam
não só de ouvir, mas de ver, como é que os sons são produzidos.
Sights and Sounds (Vistas e Sons) – Este programa faz reconhecimento de voz, embora
esta não seja utilizada com orientações terapêuticas específicas a não ser, dar a possibilidade ao
paciente de ouvir e comparar a forma correcta e a que ele próprio produziu. Comporta 400
palavras distribuídas por 6 níveis de dificuldade.
Numbers and Sounds (Números e Sons) – Com as mesmas características do Sights and
Sounds, porém, orientado para a produção de números. Engloba mais de 5000 exercícios
distribuídos por 9 tarefas com diferentes graus de dificuldade.
Speech Pacer (Regulador do Ritmo da Fala) – Indicado para problemas de disartria, este
programa apresenta pequenos textos para o paciente ler, sendo as palavras ou orações (opções
configuráveis) iluminadas à medida que o sujeito vai avançando e pressionando uma tecla, no seu
teclado.
Vowel Target (Alvo de Vogais) – Trata-se de um género de jogo para auxiliar na
articulação de vogais. Após ser dado um estímulo, é lida digitalmente a produção oral do paciente
e, por intermédio de um alvo e de uma imagem com as zonas de articulação da cavidade oral, é
mostrada ao sujeito a distância a que ficou da produção desejada (no centro do alvo) e de como
deve ajustar a posição da sua língua para produzir correctamente o estímulo sugerido.
SpeechPrism (Prisma da Fala) – Programa que faz reconhecimento de voz, embora
somente apresente elementos de comparação entre os estímulos produzidos e os desejados.
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PROGRAMAS PARA ESTIMULAR A COMPREENSÃO ATRAVÉS DA LEITURA
Aphasia Tutor 3: Story Reading (Tutor de Afasias 3: Leitura de Histórias) – Esta aplicação
apresenta excertos de textos para que o paciente os leia e responda a questões (400 no total) de
interpretação (factuais e inferenciais, conforme imagem abaixo), segundo 4 graus distintos de
dificuldade.
Aphasia Tutor 4: Functional Reading (Tutor de Afasias 4: Leitura Funcional) – Este
programa providencia textos comuns do dia-a-dia (como folhetos de indicações dos
medicamentos, guias televisivos, anúncios, tabelas com horários, entre outros), para que seja
estimulada a compreensão correcta dos mesmos.
Categories and Word Relationships (Categorias e Relações entre as Palavras) – Nesta
aplicação o paciente é orientado no sentido de completar e identificar categorias semânticas,
assim como aprender as suas relações. Engloba 200.000 questões, divididas por 6 tarefas de
diferentes graus de dificuldade.
Understanding Questions (Compreendendo Perguntas) – Neste software, é dada a
oportunidade ao paciente de desenvolver a sua capacidade de compreender e distinguir questões
do tipo quem, o quê, quando, onde, porquê e como, em mais de 5.000 exercícios.
Understanding Questions Out Loud (Compreendendo Perguntas em Voz Alta) – Uma
versão do programa Understanding Questions onde os estímulos são dados através de duas vias,
escrita e auditiva (digitalmente).
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PROGRAMAS COM EXERCÍCIOS COGNITIVOS
Moriarty Mystery Dinner (Jantar Mistério Moriarty) – Esta aplicação funciona com a
apresentação de uma espécie de charadas que visam melhorar as capacidades cognitivas, lógicas e
dedutivas dos pacientes. Contém mais de 350.000 charadas distribuídas por 7 graus de
dificuldade.
Direction Following Out Loud+ (Direcção Seguinte em Voz Alta) – Com 500.000
exercícios repartidos por 200 graus de dificuldade, este programa visa desenvolver a capacidade
de entender, lembrar e executar instruções (escritas e orais), tão simples como a apresentada de
seguida:
Traffic Sign Tutor (Tutor de Sinais de Trânsito) – Este programa auxilia no
reconhecimento e interpretação de sinais de trânsito, assim como na resposta a situações que
surgem no circuito automobilístico real.
OUTRAS SOFTWARE HOUSES
Existem outras empresas que se têm dedicado à produção deste tipo de programas. Por
exemplo, a norte-americana Sunset Software [http://www.sunsetsoft.com], através da qual Katz
publicou 12 das suas aplicações, ou a conterrânea da Sunset, a BrainMetric Software; esta última
desenvolve programas “para avaliação das capacidades cognitivas assim como programas
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educacionais nas áreas da Neuropsicologia Clínica e das Doenças Neurológicas.”
[http://www.brainmetric.com]
O CENÁRIO PORTUGUÊS
Em Portugal (conforme indicação da Professora Doutora Ana Monção), o único programa
desenvolvido neste âmbito é o Lislin, que é utilizado no tratamento de sujeitos afásicos no
Hospital de Santa Maria em Lisboa.
Se compararmos a realidade portuguesa com a norte-americana, onde existem largas
dezenas de programas disponíveis ao público em geral, torna-se bastante evidente o quão
necessário é intervir nesta área, no nosso país.
Para sublinhar um pouco mais a importância que este tipo de aplicações informáticas tem
vindo a adquirir nas últimas décadas, mostrar-se-ão de seguida algumas conclusões de um estudo
elaborado por Katz & Wertz em 1997, onde são revelados níveis de recuperação de pacientes
afásicos verdadeiramente animadores.
Face aos mesmos resultados, torna-se consequentemente desconcertante verificar como em
Portugal (onde tal como se verifica na maioria dos países, existem decerto sujeitos afásicos em
grande número), é tão ínfima a ênfase dada à possibilidade de usar as tecnologias informáticas
como preciosas ferramentas no auxílio à recuperação destes sujeitos.
O ESTUDO DE KATZ & WERTZ, 1997
Katz & Wertz designaram o seu estudo por: ‘The efficacy of computer-provided reading
treatment for chronic aphasic adults5’.
Nesta investigação, foi medido o Quociente de Afasia de 55 sujeitos afásicos, através da
aplicação da WAB – Western Aphasia Battery –, em três momentos: no início do estudo, 13
semanas depois e após 26 semanas, em três grupos de pacientes:
5
Que se poderá traduzir por: A eficácia do tratamento para adultos afásicos crónicos através de leitura
providenciada pelo computador.
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Linguística Clínica
1) O primeiro grupo recebeu tratamento para estimulação da leitura com o auxílio de um
programa informático6, que consistia em provas de combinatória visual e tarefas de
compreensão de leitura, especificamente concebidas para o tratamento de afasias;
2) O segundo grupo esteve submetido a uma estimulação computorizada genérica, que
consistia em jogos não verbais e tarefas de reabilitação cognitiva, não orientadas
especificamente para o tratamento de sujeitos afásicos;
3) O terceiro grupo foi constituído por pacientes que não receberam qualquer tratamento
apoiado informaticamente.
A observação da evolução dos quocientes das afasias dos três grupos de pacientes, nos três
momentos do estudo, possibilitou a seguinte representação gráfica…
Quociente de Afasia
5
4
3
2
1
0
Inicial
13 Semanas
26 Semanas
Leitura Computorizada
Estimulação Genérica Computorizada
Sem Tratamento
Note-se que os sujeitos dos dois grupos, que receberam auxílio das aplicações informáticas,
trabalharam somente durante 3 horas por semana. Ainda assim, os resultados demonstraram
que…
“(a) o tratamento dos sujeitos afásicos, através da estimulação
informatizada da leitura, pode ser administrada com intervenções mínimas dos
6
Para facilitar a interpretação do gráfico que se segue, as diferentes cores usadas na descrição de cada grupo
de pacientes, correspondem às cores usadas no mesmo gráfico.
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clínicos, (b) os progressos verificados, no grupo que obteve mais sucesso,
generalizaram-se para o desempenho fora do contexto da assistência
computorizada, (c) os progressos resultaram a partir do conteúdo da
linguagem do programa e não da estimulação do computador e (d) o
tratamento de leitura computorizada que providenciámos a pacientes afásicos
crónicos, foi eficaz.” [Katz & Wertz, 1997]
OBSERVAÇÕES
Tornando-se eminente a necessidade de desenvolver projectos dentro deste âmbito, que se
ajustem às necessidades dos afásicos falantes da língua portuguesa, passar das teorias às
realizações, das palavras aos actos, é um passo que urge dar.
Sem dúvida que, apontar lacunas e sugerir o que pode ser melhorado é uma tarefa fácil,
todavia, construir um projecto de base, inicialmente simples, mas com alicerces para crescer, não
aparenta ser assim tão simples, dada a complexidade de parâmetros envolvidos; dentro destes,
parece-me que, as características individuais de cada paciente são os elementos que mais
dificultam a edificação de um projecto desta natureza.
Assim, não basta levar em consideração um determinado tipo de afasia, como por exemplo
a de Wernicke, uma das Transcorticais (Sensorial, Motora ou Mista), a Afasia de Condução ou
outra; parece-me ser muito importante levar em conta também, os níveis de motivação do próprio
paciente, que tipo de suporte lhe é disponibilizado pela sua família, a sua idade, o seu nível de
escolarização, a sua classe social, profissão e interesses, isto é, um programa informático para a
recuperação de sujeitos afásicos, deve possuir a possibilidade de ser parametrizado (ou
configurado) de acordo com as características únicas de cada sujeito afásico.
Obviamente que é também importante ter em atenção os quadros de afasia e os diversos
parâmetros envolvidos. Atente-se por exemplo na classificação dos quadros de afasia de acordo
com os critérios de fluência, compreensão, nomeação e repetição [Caldas, 2000: 175 (com alguns
ajustes feitos por mim, para facilitar a leitura do quadro: agrupamento das afasias fluentes e não
fluentes e marcação das perturbações com um fundo sombreado)]:
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FLUÊNCIA
TIPO DE AFASIA
COMPREENSÃO
NOMEAÇÃO
REPETIÇÃO
Broca
Não-fluente
Normal
Perturbada
Perturbada
Transcortical motora
Não-fluente
Normal
Perturbada
Normal
Global
Não-fluente
Perturbada
Perturbada
Perturbada
Transcortical mista
Não-fluente
Perturbada
Perturbada
Normal
Wernicke
Fluente
Perturbada
Perturbada
Perturbada
Surdez verbal pura
Fluente
Perturbada
Perturbada
Perturbada
Transcortical sensorial
Fluente
Perturbada
Perturbada
Normal
Condução
Fluente
Normal
Perturbada
Perturbada
Anómica
Fluente
Normal
Perturbada
Normal
Como facilmente se constata, o parâmetro «fluência», divide as afasias em dois grandes
grupos: fluentes e não fluentes. Para que se fique com uma ideia mais ampliada da quantidade das
variáveis envolvidas nos quadros afásicos, observe-se de seguida o que caracteriza ambos os
grupos, segundo um conjunto de 7 parâmetros [Caldas, 2000: 171]:
CARACTERÍSTICAS
ELEMENTARES
AFASIA NÃO FLUENTE
AFASIA FLUENTE
Débito
Reduzido (menos de 50
palavras por minuto)
Normal (100 a 200 palavras por
minuto)
Esforço produtivo
Aumentado
Normal
Articulação
Disartria
Normal
Comprimento das frases
Curtas (1 a 2 palavras por
frase)
Normal (5 a 8 palavras por frase)
Prosódia
Disprosódico
Normal
Características do léxico
Excesso de substantivos
Redução do número de substantivos
Parafasias
Raras (fonológicas)
Frequentes (todos os tipos)
Adaptado de Benson & Ardilla, 1996
Torna-se assim bastante evidente que a complexidade de parâmetros envolvidos, não só na
personalidade única de cada indivíduo, como também no quadro específico de cada tipo de afasia,
não tornam fácil a criação de um programa para o auxílio na recuperação de sujeitos afásicos.
Todavia, estas dificuldades não devem ser convertidas em bloqueios intransponíveis, mas em
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forças suplementares, para se realizar algo dentro do campo da computação aplicada às
patologias da linguagem, que fique disponível aos pacientes afásicos, de expressão portuguesa.
E é imbuído pela vontade de fazer algo no supra-referido campo, que proponho…
ALGUMAS BASES PARA UM PROJECTO
Com a flexibilidade, fiabilidade, compatibilidade e potencialidade oferecidas pelo
Microsoft Access 2002 – um sistema para gestão de bases de dados relacionais (SGBDR) –
construí alguns alicerces para um projecto específico, inspirado no programa da Bungalow
Software, «Aphasia Tutor 1», o qual, recordo, visa melhorar o reconhecimento e recuperação de
letras e palavras, através de 8 testes distintos.
Dos 8 testes do «Aphasia Tutor 1» centrei-me no teste de «Nomeação de Imagens», onde é
apresentada no ecrã do computador uma imagem-estímulo e o paciente introduz, via teclado, o
nome correspondente, conforme reprodução que se segue:
Não pretendendo colocar uma fasquia inicial demasiado elevada e porque embora este seja
um trabalho individual, desempenhei no mesmo diversos papéis (concebi a ideia, escolhi o campo
semântico inicial, formulei o fluxograma, desenvolvi os algoritmos e criei as bases de dados e os
interfaces para o utilizador), limitei-me a direccionar a aplicação para pacientes com as seguintes
afasias (que revelam problemas na capacidade de nomear):
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Linguística Clínica
 Afásia de Broca;
 Afasia Transcortical Motora;
 Afasia de Condução;
 Afasia Anómica.
Dado que dois (os Afásicos de Broca e de Condução), dos quatro grupos de sujeitos
afásicos, revelam problemas na sua capacidade de repetição (conforme quadro da página 24, de
Caldas, 2000: 175), achei que seria também importante incluir na aplicação uma vertente que
contempla esta incapacidade, para reforçar o potencial do programa.
Saliento ainda que esta aplicação teve a simpática e inspiradora colaboração de dois
médicos virtuais: a Dr.ª Helena e o Dr. Augusto…
A Dr.ª Helena
O Dr. Augusto
E assim nasceu o «Linguista»…
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Linguística Clínica
O LINGUISTA
Em homenagem ao curso de Linguística e ao Departamento de Linguística da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, «Linguista» é o nome que decidi
dar a este programa, para auxiliar na recuperação da capacidade de nomear de sujeitos afásicos
anómicos.
O Linguista tem por alicerce o seguinte fluxograma:
25
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Linguística Clínica
Tendo como suporte o fluxograma da página anterior, vamos observar de seguida todas as
especificidades do Linguista, no que diz respeito à sua programação, interfaces com o utilizador e
critérios linguísticos levados em consideração.
Para entrar na aplicação é necessária uma palavra-passe, que é solicitada pela seguinte
janela e onde as letras minúsculas e maiúsculas devem ser levadas em conta:
ÉCRÃ INICIAL
Após verificação da palavra-passe, o programa é acompanhado logo desde o início, pelos já
referidos médicos virtuais, Dr.ª Helena e Dr. Augusto; penso que seria aliás interessante, numa
versão futura do Linguista, o paciente ter a possibilidade de escolher os médicos virtuais (com
vozes distintas), que o acompanham ao longo dos testes.
E porquê a escolha de médicos virtuais com vozes distintas?
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Linguística Clínica
Não tanto para conferir um carácter de seriedade ao programa, mas para fazer sentir a
presença humana (através das imagem e da voz) e essencialmente, para estimular a memória
associativa de acordo com estímulos iguais e simultaneamente distintos, na sequência do que
Kosslyn & Koenig (1995: 213) advogam:
“Talvez a capacidade mais básica da nossa linguagem, que surge bem
cedo na infância, seja a compreensão dos significados das palavras
individuais. Dar conta desta capacidade é um desafio, uma vez que o input não
é constante; os estímulos acústicos que correspondem a uma palavra variam
consideravelmente e dependem de quem os produz: um homem ou uma mulher,
uma criança ou um adulto, um falante que fala mais rápido ou outro que o
faça mais relaxadamente. Todavia, os diferentes estímulos físicos que chegam
aos nossos ouvidos são todos convertidos a uma forma que destranca a mesma
informação, arquivada na memória associativa”.
Mas regressando ao ecrã introdutório (cujo nome de formulário na base de dados é
«main»), são oferecidas através de três botões, as seguintes possibilidades ao paciente:
1) Acesso à execução de um teste, pressionando o botão «SIM, VAMOS»;
2) Acesso aos resultados de todos os testes efectuados pelo paciente, através do botão
«CONSULTAR HISTÓRICO»;
3) Fechar a aplicação, pressionando o botão «SAIR».
Para consultar o código associado a cada botão é necessário ter a aplicação aberta em modo
de trabalho; para aceder a este modo, é necessário pressionar a tecla  quando se introduz a
palavra-passe, surgindo em vez do ecrã inicial, a seguinte janela de base de dados:
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Depois, é necessário abrir a estrutura do formulário «main», seleccionar o botão cujo
código se pretende consultar e pressionar a tecla . Surge então o seguinte quadro de
propriedades do botão, onde é necessário dar um clique no pequeno quadrado com três pontinhos,
da opção «Ao fazer clique»:
Como já referido, quando o paciente pressiona o botão «SIM, VAMOS», é-lhe dado acesso
à execução de um teste. Este teste tem por base a tabela «estímulos» onde estão armazenadas
todas as imagens, sons e estímulos (para cada teste). Possui um total de 15 registos, dos quais
somente 10 são seleccionados aleatoriamente para cada teste (através da consulta «teste_2cria»).
Note-se que o número de registo só é limitado pelo tamanho da aplicação no disco rígido e
o número de estímulos é configurável na aplicação, sendo talvez interessante numa versão
posterior oferecer a possibilidade ao paciente, de escolher o número de estímulos que pretende
receber.
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ÉCRÃ DO TESTE
Para facilitar a identificação das imagens-estímulo, estas são apresentadas (sempre que
possível) em formatos tridimensionais e a cores. Conforme indicado na reprodução acima, é
sugerido ao paciente para digitar o nome do fruto e pressionar a tecla . É também dada a
indicação para que o nome seja escrito no singular ou plural (uma vez que a maioria das imagens
apresenta somente uma unidade, mas há algumas que podem levantar a questão «singular ou
plural?», como o caso da imagem do estímulo amêndoas – que apresenta três unidades).
Caso o paciente introduza um nome incorrecto, é-lhe mostrado o seguinte ecrã:
Após clicar no botão «OK, AVANCEMOS» é apresentado ao paciente o estímulo seguinte.
Caso introduza um nome correctamente, é-lhe mostrado o seguinte ecrã, acompanhado de texto
oral, idêntico ao que surge escrito (no ecrã):
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É neste ecrã que surge a componente repetição, especialmente útil para os pacientes
afásicos de Broca e de Condução. Ao clicar no botão «Sim, avancemos…» é mostrado ao
paciente o estímulo seguinte. Uma vez mostrados os 10 estímulos do teste, surge um quadro onde
o paciente pode avaliar o seu desempenho através das seguintes informações:
a) A palavra que o programa esperava que o paciente escrevesse;
b) A palavra que o paciente efectivamente escreveu;
c) A indicação do resultado;
d) A percentagem de sucesso.
Conta-se que através da observação dos resultados falhados, o paciente se vá apercebendo
dos seus erros e os corrija nos testes subsequentes.
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Este quadro permite ainda imprimir os resultados, voltar ao início da aplicação, consultar o
histórico dos resultados de todos os testes já efectuados ou sair do programa.
Note-se que cada teste é gravado numa tabela temporária (cujo nome é «teste») e após
conclusão de cada teste são guardados os resultados e a data do teste numa tabela que contém
dados acumulados (a tabela «testes»), de forma a possibilitar estudos comparativos e emissão de
relatórios para o paciente e para o clínico. Dado que se está a trabalhar numa plataforma SGBDR
(Sistema de Gestão de Bases de Dados Relacionais), é possível, tendo um programa para cada
sujeito afásico, construir uma base de dados central onde são armazenados os testes de todos os
pacientes, tendo em vista a elaboração de estudos mais elaborados que possibilitem, por exemplo:
 Identificar zonas deficitárias dos testes, comuns à maioria dos pacientes, para que
possam ser melhoradas;
 Demonstrar a eficácia do programa, através de estudos evolutivos da recuperação das
capacidades de nomear e repetir dos sujeitos afásicos;
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 Verificar qual a correlação entre o número de testes efectuados, as quantidades de
respostas correctas e incorrectas e a percentagem de recuperação da capacidade de
nomear e repetir de cada paciente ou de um grupo de pacientes.
RELATÓRIOS
Nesta fase inicial, o Linguista possibilita a impressão de dois relatórios:
1) O relatório do teste acabado de efectuar onde é apresentada a palavra que o programa
esperava que o paciente escrevesse, a palavra que o paciente efectivamente escreveu, a indicação
do resultado, a percentagem de sucesso e um gráfico de barras que mostra a quantidade de
respostas correctas e incorrectas.
2) O relatório com o histórico dos resultados de todos os testes efectuados, ordenados pela
data de execução do teste (descendente), com as quantidades de respostas correctas e incorrectas,
as percentagens de sucesso de cada teste, assim como, a percentagem média de sucesso de todos
os testes.
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ALGUMAS ESPECIFICIDADES
O Linguista apresenta algumas especificidades que me parece importante deixar bem
claras, para o caso de alguém o querer utilizar, testar, melhorar ou expandir.
INSTALAÇÃO
O utilizador deve possuir um computador com um processador de no mínimo 400 MHz,
placa de som, colunas e gerido por um sistema operativo Windows 98, Millenium ou XP. Toda a
estrutura de pastas do Linguista deve ser copiada do disco compacto para a raiz do disco rígido
em {c:\}, tal como se encontra no primeiro suporte (CD-R):
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Para poder armazenar uma quantidade razoável de testes (cerca de 1000) esta aplicação
requer cerca de 100 megabytes disponíveis no disco rígido, embora, para a sua instalação, sejam
somente necessários cerca de 70 megabytes.
CONTROLO DE TECLAS
Quando o paciente está a realizar o teste, se tentar passar ao estímulo seguinte (através das
teclas , ,  ou ), sem digitar qualquer texto na caixa de digitação, é-lhe apresentado o
seguinte ecrã:
Por sua vez, não é possibilitado ao paciente voltar atrás para realizar uma emenda. Se tal
acontecer (quando o paciente pressiona as teclas ,  ou ), é-lhe apresentado o seguinte ecrã:
Estes dois tipos de verificações estão codificadas nas propriedades da caixa de digitação
(cuja origem do controlo é o campo «resposta») do formulário «estímulo», na pasta
«Acontecimentos», opção «Com a tecla em cima», conforme imagem que se segue:
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ENCERRAMENTO DO LINGUISTA
Quando o programa é fechado, devido ao facto de incluir sons e imagens (o que aumenta
consideravelmente o tamanho do mesmo), é feita uma compactação para poupar espaço no disco
rígido. Não se deve assim esperar um fecho imediato do programa, uma vez que a compactação
demora alguns segundos.
ALGORITMOS
A aplicação possui um algoritmo basilar que controla a introdução dos dados – efectuada
pelo paciente –, quando este realiza um teste, assim como o número de estímulos já percorrido
(para verificar a finalização do teste).
Pode-se aceder ao código deste algoritmo abrindo o formulário «estímulo» em vista de
estrutura (com o mesmo formulário seleccionado, escolher a opção do menu {Ver}: {Vista de
estrutura}), seleccionando as propriedades do formulário (pressionando em simultâneo as teclas
,  e  ou escolhendo a opção do menu {Editar}: {Seleccionar formulário}) e clicando nos
três pontinhos da opção «Depois da actualizar» da pasta «Acontecimentos», conforme imagem
que se segue:
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O Linguista tem também um código específico para permitir a reprodução de ficheiros com
extensão «wav» (ficheiros de som). Pode-se aceder a este pequeno módulo de programação
através da janela da base de dados…
… seleccionando na opção «Módulos» da barra de objectos, o módulo «prepara_som».
MACROS
A aplicação possui também uma série de macros (sequências de comandos), armazenadas
numa única pasta, à qual se pode aceder através da janela da base de dados…
… seleccionando na opção «Macros» da barra de objectos, a macro «Estimulos» e clicando logo
acima, na opção «Estrutura».
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OS ESTÍMULOS
As 15 palavras que são apresentadas como estímulos, não foram escolhidas ao acaso.
Primeiramente foi escolhido um campo semântico unanimemente conhecido (o da fruta) e dentro
deste, foram escolhidos alguns dos frutos mais comuns em Portugal. Foram assim evitados frutos
menos conhecidos como: tâmara, damasco, manga, papaia ou líchia.
As imagens escolhidas para a apresentação dos estímulos foram também escolhidas
cuidadosamente, de forma a minimizar as margens para dúvidas.
OUTRAS ESPECIFICIDADES
Aquando da primeira utilização (e sempre que for necessário), deve ser explicado (ou lembrado)
ao paciente que:
 Deve ligar as colunas de som do seu computador (para ouvir os retornos dos médicos virtuais
e de alguns sons do programa que visam estimular a atenção do paciente);
 Antes de escrever o nome do estímulo, deve verificar se o deve fazer no singular ou no plural
(conforme já explicado na página 31).
Embora este programa esteja concebido para o sujeito afásico usar autonomamente, penso que o
acompanhamento dos testes por um clínico e por um linguista especializado em determinado
módulo da gramática, pode ser um bom auxiliar na refinação do diagnóstico do paciente (visando
um tratamento mais objectivo), se forem observadas e identificadas algumas particularidades
linguísticas, como por exemplo:
 A identificação da produção (na implementação fonética) de segmentos fonéticos deficitários
(oclusivos, fricativos, líquidos, nasais, glides, entre outros), com acompanhamento de um
linguista especializado em fonética e fonologia;
 A identificação de campos semânticos hiperonímicos deficitários (com eventuais ligações a
hipónimos), com acompanhamento de um linguista especializado em semântica;
 A identificação de outras componentes da gramática onde existam falhas, tendo sempre
presente que “só através de uma análise detalhada do desempenho do paciente, baseada numa
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variedade de tarefas que o mesmo leva a cabo (as quais são escolhidas de acordo com aquilo
que se sabe da linguagem normal, do seu processamento e da sua interrupção), é possível
chegar a um diagnóstico plausível e defensável sobre o seu deficit” [Caplan, 1996: 18]
VERSÕES POSTERIORES DO LINGUISTA
Caso seja considerado um projecto interessante para desenvolver, penso ser importante
incluir em futuras versões e actualizações desta aplicação (para além da possibilidade já supramencionada de o paciente poder escolher os seus médicos virtuais), as seguintes características:
a)
Conseguir uma forma de avaliar se os lexemas armazenados nos campos
semânticos estão organizados cerebralmente sob a forma de um mero inventário
ou possuem de facto algum tipo de estruturação – uma questão levantada por
Crystal (1980: 142) que defende “não haver qualquer razão para um teste de
nomeação começar por ‘cadeira’ em vez de por ‘mesa’, ou por ‘maçã’, em de por
‘banana’; e no final de cada teste, onde talvez dez nomes de frutos tenham sido
apresentados, não é transparente o porquê da escolha daqueles dez em particular
(teria o paciente um desempenho diferente com outros dez estímulos, ou com os
mesmos dez, apresentados duma forma distinta?)”;
b)
Alargar os campos semânticos dos estímulos (que inicialmente se confina ao
hipónimo «fruta» do hiperónimo «comida»), para, por exemplo, «roupa», «corpo
humano», «elementos duma casa», ou outros de uso mais comum, tendo em vista
tornar o programa mais rico em estímulos e por consequência menos monótono
para o paciente;
c)
Integrar uma componente que solicite ao sujeito afásico a introdução do seu estado
anímico (com opções fechadas do tipo: {Feliz}, {Nem feliz nem triste} e {Triste})
e físico (do tipo: {Com força}, {Nem com força nem cansado} e {Cansado}) antes
de cada teste, para que se possam avaliar as correlações entre os referidos estados
e os desempenhos dos testes;
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d)
Linguística Clínica
Aquando da introdução de um nome incorrectamente (na realização de um teste),
mostrar as palavras certas e sugerir ao paciente para as repetir (à semelhança do
que o programa já possibilita, quando são introduzidos nomes correctamente);
e)
Converter os ecrãs de retorno das respostas correctas: de imagens para pequenos
vídeos aleatórios, para que o paciente sinta mais a presença humana enquanto
realiza os testes;
f)
Incorporar um módulo onde seja trabalhada a estrutura frásica, para auxiliar na
refinação do diagnóstico do paciente, pelo clínico (visando um tratamento mais
objectivo), com acompanhamento de um linguista especializado em sintaxe (para
identificar eventuais problemas na ordem das palavras) e análise do discurso (para
dar conta de dificuldades na estruturação do discurso);
g)
Possibilitar ao paciente uma versão mais simplificada onde seja possível a
visualização de pistas para os diferentes estímulos; por exemplo, na apresentação
do estímulo «Bananas», apresentar opções do mesmo campo semântico «Uvas»,
«Bananas» e «Cerejas» ou mesmo misturar campos semânticos para identificação
de problemas a este mesmo nível: «Botas», «Bananas» e «Calças»;
h)
Comportar elementos que possibilitem descobrir padrões linguísticos (ou outros)
que contribuam para o estudo do cérebro humano e da mente, na sua acepção
extra-craniana, na sequência e de acordo com algumas das reflexões que se
seguem no próximo capítulo;
i)
Integrar rotinas de programação que auxiliem na investigação de como é que a
linguagem se organiza e distribui no cérebro humano, uma vez que, de acordo com
o raciocínio de Habib (2000: 268), “num domínio onde os conhecimentos tinham
evoluído muito pouco, durante mais de um século, as investigações futuras, com a
ajuda de novos progressos metodológicos que não deixarão de se registar,
deverão continuar a desvendar ainda grandes áreas deste mistério que a
linguagem humana representa.”
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REFLEXÕES
Criar com o nosso cérebro, extensões para nos auxiliar a compreender o funcionamento
desse mesmo cérebro, é algo cada vez mais vulgar. Poderemos chegar um dia a reverter o fluxo
dos dados? Isto é, transferir as informações armazenadas num computador, para o nosso próprio
cérebro? Como seria transferir um Curso de Linguística Geral, com quatro anos lectivos de
matéria, para o cérebro de um indivíduo interessado no tema, em alguns minutos? Hoje, é sem
dúvida assustador, pensar numa tal hipótese, mas quem sabe, realizável um dia? Quem diria, há
somente algumas décadas atrás, que se descodificaria o genoma humano?
Será que à medida que através do cérebro e dos computadores, vamos conhecendo os
nossos próprios mistérios, poderemos encontrar outras respostas? Questões como «o que é a
consciência?», «a que é que dizem respeito as 21 gramas que o corpo perde quando se falece?»
ou «o que é de facto a mente?», poderão ser respondidas a curto ou médio prazo?
CÉREBRO E MENTE
No Dicionário Médico de Manuila et alli (2000), cérebro é definido como: “1) O encéfalo
na sua totalidade. 2) Em sentido mais restrito, designa o prosencéfalo” [p128]; por sua vez,
encéfalo é “a parte do sistema nervoso central alojada na caixa craniana, ou seja, os hemisférios
cerebrais e o diencéfalo (cérebro propriamente dito), o cerebelo e o tronco cerebral (pedúnculos
cerebrais, protuberância anular e bolbo raquidiano)” [p221].
Não deixa de ser curioso que, neste dicionário, não se encontre qualquer definição para o
conceito de mente. Terá sido uma lacuna dos autores? Talvez não, porque eventualmente
consideram mente como um conceito que se refere a algo que não é físico, logo, fora do foro da
medicina convencional.
Todavia, o conceito de mental (no mesmo dicionário) já é definido: “relativo à mente, ao
espírito, à inteligência. Ex.: idade mental, atraso mental” [p388]. Será, então, uma dificuldade
em definir o que é a mente? Ou um princípio de desagregação dos conceitos – normalmente
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considerados como sinónimos – de ‘cérebro’ e ‘mente’ (?), tal como vêm definidos no Dicionário
da Porto Editora (2004: 1092): “mente s.f. 1. cérebro, considerado na sua função intelectual;
inteligência, espírito, razão; 2. intenção; intuito; plano; desígnio; 3. ideia; resolução; 4.
imaginação; 5. concepção; lembrança; 6. tenção; de boa ~ de boa vontade; de má ~ de má
vontade; ter em ~ tencionar; ter na ~ conservar na memória”.
Contrariamente ao expectável (uma vez que se X é sinónimo de Y, logo, Y é sinónimo de
X7), na definição de ‘cérebro’, ‘mente’ já não é referida como sinónimo daquele conceito, mas
como “cérebro s.m. 1. ANATOMIA órgão situado na parte anterior e superior do encéfalo, e que
é a sede das funções psíquicas e nervosas e da actividade intelectual; 2. [fig.] pensamento; 3.
[fig.] juízo; 4. [fig.] inteligência; cabeça; 5. [fig.] órgão central de direcção; centro”.
Dado o enevoamento que envolve o conceito de ‘mente’, eleva-se mais uma questão:
haverá alguma relação entre a mente e as 21 gramas que o corpo perde quando se falece? Será
então o cérebro uma espécie de ponte entre a mente e o resto do corpo?
Estas questões surgiram e aglomeraram-se quando televisionei (no âmbito da disciplina
Linguística Clínica) um vídeo com excertos de sessões de tratamento de sujeitos afásicos, onde se
procedia à aplicação de parte da BDAE (Boston Diagnostic Aphasia Examination, Third Edition).
Nesse vídeo, quando na sequência de ter sido dada uma imagem-estímulo a um paciente afásico
para que ele a nomeasse, o mesmo diz:
“eu sei qual é o nome… eu sei o que é que tenho de dizer… mas não
consigo fazê-lo… não me lembro”
A que é que se refere o ‘eu’ a que este sujeito fez referência? À sua mente? Ao seu corpo?
Ao seu cérebro? À totalidade daquele ser humano? Mas qual é a totalidade daquele ser humano?
Será que poderíamos parafrasear o enunciado produzido pelo afásico por:
“a minha mente sabe o que é que tenho de dizer, mas o meu cérebro
não consegue descodificar, há uma interrupção na comunicação”
7
Embora o conceito de sinónimo seja muito discutível, havendo autores que consideram a inexistência de
sinonímia total.
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Talvez sim, talvez não. Será que os danos cerebrais inviabilizam um fluxo de
descodificação de informações [mente]  [corpo]? Ou melhor:
{mente}  {cérebro}  {aparelho-fonador}
AS TEORIAS DE SHELDRAKE
Rupert Sheldrake, um biólogo inglês, aborda desta forma o conceito de mente:
“No dualismo cartesiano, a mente consciente pensante é distinta do
corpo material; a mente é imaterial. Os materialistas derivam mente da
actividade física do cérebro. Psicólogos reconhecidos, apontam que a mente
consciente está associada a um muito mais largo, ou profundo, sistema mental:
a mente inconsciente. Na perspectiva de Jung, a mente inconsciente, não é
meramente individual, mas colectiva. Nas hipóteses sugeridas pela
causalidade formativa8, a actividade mental, consciente e inconsciente, ocorre
dentro e através de campos mentais, que tal como outros campos mórficos9,
contêm
uma
espécie
de
memória
pré-construída.”
[Sheldrake:
http://www.sheldrake.org/glossary]
Estudos de Sheldrake têm demonstrado que a mente não se confina ao espaço intracraniano,
mas, surpreendentemente, a um espaço vasto e ilimitado extra-físico onde conceitos como
ressonância mórfica10, campo mórfico, unidade mórfica11 e campos morfogenéticos12 ganham
8
A hipótese da causalidade formativa defende que “os organismos, ou unidades mórficas, de todos os níveis
de complexidade, são organizados pelos campos mórficos, que são, eles próprios, influenciados e estabilizados pela
ressonância mórfica de todas as unidades mórficas semelhantes anteriores.” [Sheldrake, 1995: 462-463]
9
O termo campo mórfico faz referência a “um campo dentro e em redor de uma unidade mórfica que
organiza a sua estrutura característica e padrões de actividade. Os campos mórficos estão subjacentes à forma e ao
comportamento dos holons ou unidades mórficas de todos os níveis de complexidade. O termo campo mórfico inclui
campos morfogenéticos, comportamentais, sociais, culturais e mentais. Os campos mórficos são moldados e
estabilizados pela ressonância mórfica de unidades mórficas semelhantes anteriores, que estavam sobre a influência
de campos do mesmo tipo. Consequentemente, contêm um tipo de memória cumulativa e tendem para se tornar cada
vez mais habituais” [Sheldrake, 1995: 462]
10
O termo ressonância mórfica designa “a influência de estruturas anteriores de actividade sobre estruturas
de actividade semelhantes subsequentes, organizadas pelos campos mórficos. Através da ressonância mórfica, as
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cada vez mais consistência e, de certa forma, “assustam e abalam” alguns sectores da comunidade
científica, mais rígidos e conservadores.
FRONTEIRAS DO SER HUMANO
Tentando chegar agora um pouco mais longe, será então a parte visível de nós, uma
extensão da nossa mente ou de um campo mórfico? De facto, estaremos a avançar na descoberta
do cérebro através do nosso cérebro, através da nossa mente ou através da ressonância mórfica?
Quando dizemos “a minha mente” o pronome possessivo faz referência a quê? À alma? Afinal,
quem somos nós de facto? Onde começamos e onde acabamos? Gil (1997: 162) lança as
sementes para a resposta a estas perguntas de uma forma sublime:
“Quando olhamos um rosto, não fixamos nenhum ponto preciso do
espaço objectivo: nem os lábios, nem os olhos, nem os cabelos; mas se neles
nos detemos, é para logo saltarmos para um espaço indefinido, percorrido por
movimentos finíssimos, sem pontos determinados, uma neblina invisível que
envolve o rosto do outro; aí esperamos o surgimento do que buscamos, através
de vibrações mínimas, imperceptíveis, que a anunciam: a alma, disseminada
na atmosfera. Por isso não a vemos nunca, mas a sentimos. Está em parte
nenhuma, ali.”
influências causais formativas passam por, ou através, do espaço e do tempo e estas influências são supostas não
desaparecerem com a distância no espaço e no tempo, mas provêm, apenas, do passado. Quanto maior for o grau de
semelhança, maior a influência da ressonância mórfica. Em geral, as unidades mórficas assemelham-se intimamente
no passado e estão sujeitas à auto-ressonância, dos seus próprios estados passados.” [Sheldrake, 1995: 469]
11
O termo unidade mórfica faz referência a “uma unidade de forma ou organização, tal como um átomo,
molécula, cristal, célula, planta, animal, padrão de comportamento instintivo, grupo social, elemento de cultura,
ecossistema, planeta, sistema planetário, galáxia. As unidades mórficas são organizadas em hierarquias encaixadas
de unidades dentro de unidades: um cristal, por exemplo, contém moléculas, que contêm átomos, que contêm
electrões e núcleos, que contêm partículas nucleares, que contêm quarks.” [Sheldrake, 1995: 470]
12
O termo campos morfogenéticos faz referência a “campos que desempenham um papel causal na
morfogénese. Este termo, proposto pela primeira vez, nos anos 20, é hoje amplamente usado pelos biólogos
comportamentais, mas a natureza dos campos morfogenéticos permanece obscura. Segundo a hipótese da
causalidade formativa, são considerados como campos mórficos estabilizados pela ressonância mórfica.”
[Sheldrake, 1995: 462]
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E como as questões escorreriam abundantemente por esta cascata de mistérios, coloco um
ponto final por aqui. Sem dúvida que, tal como aconteceu com a descodificação de parte do
genoma humano, a descoberta dos mistérios do cérebro já seria, “por si só”, um avanço
descomunal; por isso e para já, dedicar tempo à investigação do cérebro e de formas de recuperar
as suas capacidades, no que diz respeito aos sujeitos afásicos, já irá decerto ocupar bastante
tempo, tempo esse que, espero, ocupar no desenvolvimento do projecto atrás sugerido – o
Linguista.
Não posso porém deixar de expressar que ficam por efectuar, entre muitas outras, reflexões
sobre os vírus e os anti-vírus linguísticos, ou seja, sobre o efeito nocebo e o efeito placebo. Mais
mistérios do cérebro? Da mente? Ou será da consciência? Segundo Damásio (1999: 48), “após
termos resolvido o mistério da consciência e de nos termos aproximado de alguns dos mistérios
da mente que lhe são afins – assumindo que a ciência será bem sucedida –, continuará a existir
mistério suficiente para muitas gerações científicas e suficiente respeito pela natureza para nos
manter humildes durante todo o futuro imaginável.”
Aguardemos então a chegada do futuro, mas entretanto, talvez fosse significativo para
encurtar a chegada desse futuro, os investigadores ocidentais terem a humildade de reconhecer a
sabedoria com que o conhecimento oriental é imbuído; segundo Caldas (2000: 5), “é difícil
conhecer em profundidade e rigor o que nos poderiam ensinar as culturas da Índia Antiga, da
China e do Japão. Os conceitos parecem ser mais cósmicos e transcendentes à própria natureza
material do corpo e, por isso, de mais complexa formulação (…) Quando os exploradores
descobriram os caminhos para estas paragens já havia na Europa uma certa arrogância de tudo
conhecer, resultante, fundamentalmente, do movimento científica da Renascença”.
Alguém disse que a união faz a Força?
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(*) Leituras inspiradoras da linha isotópica do Capítulo 1, «As Extensões do Ser Humano».
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BUNGALOW, Software, http://www.bungalowsoftware.com
SHELDRAKE, Rupert, http://www.sheldrake.org
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