O PORTEFÓLIO: INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DE UMA DISCIPLINA,
NA UNIVERSIDADE – ESTUDO DE CASO
Palmira Alves
Universidade do Minho
[email protected]
Nesta comunicação, apresentamos um estudo de caso, que consistiu na utilização do
portefólio, enquanto instrumento de avaliação de uma disciplina, na Universidade. O corpus da
investigação foi composto pelos alunos do 2º ano da Licenciatura em Educação, da Universidade do
Minho, que frequentam a disciplina de Desenvolvimento Curricular, num total de 55.
A construção do portefólio organizou-se à volta da valorização dos saberes já adquiridos
pelos alunos e dos saberes a adquirir e teve como objectivos primordiais: favorecer uma imagem
positiva da sua identidade; avaliar as aprendizagens; atribuir uma classificação.
A partir da construção individual de um portefólio, foi conduzida uma análise sobre a
natureza dos saberes de acção explicitados pelos alunos, sobre a postura identitária presente em cada
portefolio e, ainda, sobre o grau de reflexividade e responsabilização desenvolvidos.
Palavras – chave: avaliação; portefólio; reflexividade; identidade
Introdução
Oriundo do mundo profissional, o portefólio surge, no contexto escolar, nos Estados
Unidos, na década de 80, como reacção às avaliações estandardizadas, centradas no
desenvolvimento das competências a ser supostamente demonstradas num produto acabado.
Nos países europeus, a sua implementação é mais dominante no domínio do ensino das línguas
estrangeiras.
É um objecto que pertence ao seu autor, que o representa e, por isso, é maleável e
transformável. Bloom e Bacon (1995) afirmam que o portefólio apresenta “ as colecções de
trabalhos reunidas por alunos e professores com o objectivo de examinar, não apenas as
realizações conseguidas, mas também os esforços, a melhoria, os processos, o rendimento [...].
Através da reflexão sobre as colecções sistemáticas de trabalhos, os alunos e os professores
podem trabalhar em conjunto para compreender os pontos fortes do aluno, as suas necessidades
e os seus progressos”. Isto implica a participação activa do aluno na selecção dos conteúdos e na
definição dos critérios de selecção e de avaliação. O objectivo principal é o de conduzir o aluno
a apropriar-se dos seus trabalhos, com vista a construir activamente a sua aprendizagem
(Paulson e Meyer, 1991).
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Sendo este um dos objectivos da disciplina de Teoria e Desenvolvimento Curricular e
atendendo a que o programa da disciplina está organizado no sentido do desenvolvimento de
competências, que classificaríamos, globalmente, de cinco ordens: intelectual, metodológica,
pessoal, social e de comunicação; considerando, ainda, a necessidade de um diálogo éticoepistemológico para o desenvolvimento e a avaliação destas competências que implica um
processo de acompanhamento, em que a avaliação deve ser integrada na aprendizagem,
decidimos propor formas diferenciadas de reconhecimento das aprendizagens e das
competências desenvolvidas pelos alunos. Um dos pressupostos será o de que a avaliação deve
favorecer o papel activo do aluno nas actividades de avaliação, ao longo do ano, aumentando,
assim, a sua responsabilização. Neste sentido, o portefólio poderá constituir-se num instrumento
favorecedor desta perspectiva.
~
1. O portefólio enquanto instrumento de aprendizagem e de avaliação: pressupostos
teóricos
A ideia de experimentar o portefólio, na sala de aula, como instrumento de
aprendizagens e de avaliação, surgiu a partir de um conjunto de investigações e pressupostos
teóricos que sustentam a sua prática e que apresentamos de seguida:
O portefólio, um instrumento reflexivo:
O portefólio, na opinião de Paulson e Meyer (1991), procura responder a um problema
fundamental que se coloca ao professor: como fazer apropriar-se (compreender, reconstruir,
transferir para outras situações, outros contextos, os saberes ensinados, experimentados, as
discussões organizadas)? Como proceder, de forma a que o que se passa na aula, e/ou fora dela,
se transforme em utensílios para pensar a própria formação e não seja considerado pelos alunos
como uma simples passagem obrigatória na disciplina, da qual eles não se sentem os
verdadeiros autores?
Postula-se, então, que a reflexão, através do registo escrito individual, pode
desempenhar um papel de antecipação da experiência ou de compreensão imediata dos
acontecimentos ocorridos e tem como pressupostos:
- ser um registo contínuo do processo de formação, que obriga o aluno a implicar-se, a construir
e a assumir um ponto de vista pessoal;
1114
- desenvolver hábitos de registo escrito do trabalho (um habitus profissional): aprender a
registar as expectativas, os incidentes críticos que se produziram, os comportamentos
específicos, as observações dos colegas, os documentos interessantes, as ideias que surgem para
elaborar novos projectos, etc.
O portefólio, deste ponto de vista, é reflexivo porque cria expectativa, permite o retorno
e, assim, o distanciamento das decisões tomadas durante a intervenção, mas também das
situações e contextos escolares, dos actores e dos objectos trabalhados. A escrita, ao obrigar a
registar o percurso, pode facilitar a objectivação das situações e, na linha de Depover e Noël
(1999), o controlo dos afectos.
- O papel do tempo
O portefólio tem, para Rogiers (2000) o grande objectivo de inscrever a formação no
tempo e dela guardar todos os sinais. O professor deverá ter a percepção de que o tempo é um
instrumento didáctico de extrema importância e que a paciência pedagógica é uma competência
profissional essencial. Dar aos alunos o tempo de se apropriarem dos saberes, dos métodos, das
atitudes intelectuais, para que eles encontrem o espaço no qual e pelo qual eles aprendem, é
fundamental num processo de regulação das aprendizagens. Os alunos terão a possibilidade de
comentar, no fim do ano, o que elaboraram no início, comparar o seu desempenho, fazer o seu
balanço de formação: conhecer os pontos sólidos, os saberes que ainda estão em aquisição, as
questões não resolvidas mas que começam a ser melhor formuladas etc., o que contribuirá para
esta consciencialização do papel do tempo no desenvolvimento das competências e da
identidade.
- O portefólio um modo de socialização e de construção identitária
Com os pares
A construção social dos saberes, acompanha a construção progressiva da identidade do
aluno e acontece, primeiramente, com os seus pares (Jorro, 2000). Na identificação e
confrontação com os pares, o aluno constrói a sua identidade, a sua diferença e o seu próprio
talento. Esta experiência da diferença na percepção e na resolução de um problema, no interior
de uma mesma disciplina, é um dos contributos fundamentais das práticas de grupo (Wiggins,
1993). Postula-se, então, que é pela confrontação com os pares que se pode esperar uma
1115
implicação mais forte do aluno. Esta confrontação é diferente daquela que ele pode ter com um
professor, que constrói outras relações com os saberes e/ou outras relações identitárias.
A escrita permite também esta confrontação, pois obriga alguns alunos que
habitualmente preferem calar-se ou alhear-se do debate a implicar-se e a tomar posição.
Com os professores
A formação, na Universidade, é uma formação de adultos responsáveis pelos seus actos,
pelos seus juízos, que se deseja tornar actores dos seus percursos de aprendizagem. A
confrontação do aluno com uma diversidade de pontos de vista poderá ser um meio de tomar
consciência que não há na instituição uma cultura profissional, mas culturas diferentes, a partir
das quais o aluno deverá situar-se.
Porém, na opinião de Jorro (2000), esta confrontação, para ser eficaz e não
desestabilizar, terá necessidade de ser suportada, discutida, clarificada e, ainda, de propiciar um
debate «democrático», o que significa que no portefólio devem poder estar registadas as
observações feitas pelo professor, que o aluno poderá argumentar.
Estas observações, se discutidas também com os pares, permitirão aos alunos sair das emoções,
reflectir e problematizar certezas, que, como sustenta Hadji (1997), por vezes foram construídas
demasiadamente rápido. Para tal, o professor terá de aceitar «jogar o jogo» da confrontação
aberta com outros pontos de vista, permitindo a construção de uma cultura comum e
heterogénea da aprendizagem.
- O portefólio: instrumento articulador da formação e da avaliação
Não podemos ocultar que esta maneira de pensar a aprendizagem e as suas práticas de
avaliação não vai ao encontro das concepções e práticas institucionalmente em vigor e está
mesmo em ruptura com estas. Geralmente, avalia-se o aluno, não a partir das suas
aprendizagens, mas a partir dos discursos sobre os seus trabalhos, sobre as suas aprendizagens,
sobre as suas atitudes na sala de aula (através de testes, de exames, de trabalhos e relatórios
escritos ou orais). O ponto de vista do aluno sobre o seu percurso, as suas práticas no início e no
fim do ano, os seus êxitos, as suas dificuldades, o procedimento reflexivo que lhe foi possível
implementar na confrontação da sua experiência com as formações teóricas que ele recebeu, não
são muito tidas em conta o que faz com que a opinião do aluno, globalmente, pese muito pouco.
1116
A prática do portefólio, como instrumento de avaliação, permite que esta palavra sobre os
objectos reais da sua formação seja entendida, que a sua competência reflexiva seja objecto de
avaliação (Buschman, 1993). O portefólio, representando o trabalho do aluno e o ponto de vista
sobre o seu trabalho, representa-o e dá-lhe indicações sobre a sua identidade e sobre o caminho
percorrido e aquele que terá de percorrer.
Contudo, não podemos deixar de referir as rupturas necessárias na relação com o saber
dos alunos pois, como sustentam Delamotte, Gippe, Jorro e Penloup (2000) a democracia não se
decreta, aprende-se. Não é pelo facto de darmos a palavra aos alunos que eles a usam ou a
desejam. A prática do portefólio é exigente, pois pede-se-lhes a adopção de comportamentos,
não de consumidores da aprendizagem, mas de construtores dela, trabalhando as diversas
racionalidades e reflectindo com os seus colegas e com o professor.
2. Descrição do estudo
Como já referimos, o corpus da investigação é composto pelos alunos do 2º ano
da Licenciatura em Educação, da Universidade do Minho, que, no ano lectivo 2004/2005,
frequentaram a disciplina anual de Teoria e Desenvolvimento Curricular, num total de 55.
2.1.Celebração de um contrato
Na primeira aula, discutimos com os alunos os critérios de avaliação da disciplina.
Apresentámos a proposta de avaliação por portefólio. Não sendo uma proposta totalmente
inovadora para os alunos, revelou-se necessária uma clarificação conceptual e metodológica.
Distribuímos, aos alunos, três textos sobre as vantagens e as desvantagens do portefólio
enquanto instrumento de avaliação, cuja leitura e análise serviria de base à tomada de decisão.
Na aula seguinte, a partir dos contributos de cada aluno (alguns tinham mesmo recorrido
a leituras complementares), ficou decidido, que cada aluno construiria o seu portefólio.
Os critérios de avaliação do portefólio
Os critérios de avaliação, os indicadores que os operacionalizariam e a sua ponderação,
foram objecto de uma construção conjunta:
1117
%
5%
10%
10%
15%
15%
10%
15%
20%
Critérios de Avaliação
Apresentação
•
Aspecto gráfico (legível, margens,...);
•
Trabalhos limpos e denunciadores da identidade;
•
Utilização das TIC.
Organização
•
índice;
•
separadores;
•
Respeito pela sequência dada;
•
Facilidade de consulta pelos outros.
Reflexividade
•
Originalidade no tratamento dos assuntos;
•
ilustrações diversas;
•
reflexões pessoais articuladas com os conteúdos da
disciplina.
Correcção linguística
•
Organização correcta do discurso;
•
Utilização de vocabulário adequado;
•
Escrita sem erros .
Justificação
•
Justificação adequada da escolha
seleccionados;
•
Indicações de fonte e de datas.
de
documentos
Responsabilidade
•
Realização das tarefas negociadas;
•
Cumprimento de prazos;
•
Aceitação e cumprimento de regras.
Perseverança
•
Revela empenho;
•
Supera dificuldades;
•
Leva as tarefas até ao fim.
Autonomia
•
Proposta de tarefas por sua iniciativa;
•
Problematização de questões;
•
Apresentação de um projecto de formação.
1118
Definição dos objectos que deram lugar aos registos escritos
O espírito do portefólio foi o de construir um equilíbrio entre os objectos de
aprendizagem propostos pelo professor e os objectos escolhidos pelos alunos. Não nos situamos
na pedagogia do texto livre ou do jornal autobiográfico de formação (Quattrevaux, 2002). A
ideia foi, pelo contrário, a de que para identificar os saberes construídos e para os avaliar, é
preciso elementos de comparação. Assim, e após a necessária negociação e do consenso
desejável, encontrámos sete grandes tarefas/actividades: registos de observação dos colegas;
registos de observação do professor (incidentes críticos, desvios entre o previsto e o realizado);
relatório de um seminário sobre avaliação; trabalhos sobre as unidades temáticas estruturantes
do programa; recensão crítica a uma obra do programa; relatório de um projecto e o balanço da
aprendizagem (avaliação do produto). Os alunos podiam, ainda, acrescentar comentários a
textos teóricos seleccionados para complementar e/ou consolidar os conteúdos da disciplina e
outros trabalhos pessoais que considerassem relevantes (por exemplo, comentários a artigos de
imprensa alusivos às temáticas do programa).
Os critérios construídos pareceram-nos adequados para dar visibilidade a estes
objectivos, pois tratava-se de analisar o que nos dizem os textos sobre a identidade dos seus
autores, a implicação e a reflexividade dos alunos.
No final do 1º semestre, os portefólios seriam entregues ao professor, que faria
um balanço tendo em conta os critérios de avaliação e, seguidamente, cada aluno justificaria as
suas opções, reagindo ao comentário do professor. Numa sessão alargada à turma, far-se-ía um
inventário dos aspectos positivos (a consolidar) e dos aspectos menos conseguidos ( a evitar
e/ou alterar). Os alunos poderiam alterar as suas produções, em função dos comentários do
professor e desde que justificassem adequadamente a opção.
O balanço da aprendizagem
Com o objectivo de o aluno fazer o balanço da sua aprendizagem, no final do ano,
elaborámos um conjunto de questões a serem respondidas por escrito. Esta actividade,
distinguiu-se de uma simples interrogação oral pelo seu carácter mais formal, pois visou
compreender o pensamento do aluno relativamente a aspectos precisos do seu trabalho.
Denominámos esta actividade de “ visão de conjunto do portefólio” e tinha as seguintes
questões: i) Qual é a tua melhor “obra”? Justifica; ii)O que achas que és capaz de fazer agora,
1119
enquanto autor, que não eras capaz de fazer antes?; iii)Analisa o teu portefólio. Quais são os
teus pontos fortes enquanto autor? Selecciona dois exemplos que o demonstrem; iv) Quais são
as competências que consideras ter desenvolvido?; v) Qual é a produção do teu portefólio que
constituiu o maior desafio? Porquê? Que estratégias utilizaste para o ultrapassar?; vi) Qual é a
produção que melhor reflecte a tua identidade? Cita partes dela para justificar a tua escolha; vii)
Escreve um parágrafo que revele as competências adquiridas este ano e na disciplina.
3. Resultados e perspectivas de reflexão
A cada portefólio foi atribuído um número. Os portefólios foram avaliados de acordo
com os critérios negociados.
Os questionários finais (Visão de Conjunto do Portefólio) foram submetidos a uma
análise de conteúdo, de acordo com as seguintes dimensões: a natureza das aprendizagens
desenvolvidas através deste procedimento; as contribuições do instrumento para o
desenvolvimento das suas competências de reflexão; o grau de autonomia desenvolvido; o
contributo deste na construção da sua identidade; o investimento pessoal.
Nesta comunicação, destacaremos algumas conquistas, dificuldades ou mesmo alguns
desvios que observámos e sobre os quais é preciso reflectir para que as condições de sucesso do
portefólio vão sendo optimizadas. Assim:
i) uma análise aos portefólios entregues no final do 1º semestre revelou algumas
angústias sentidas pelos alunos, sobretudo por que era necessário justificar as opções. São
frequentes, nos portefólios, as seguintes reflexões: não conheço nada deste tema e não sei o que
é que eu tenho necessidade de saber. Ou: eu não sei se compreendi bem o que acabei de ler ou,
ainda, o que é escrever correctamente, para a professora? Como posso assegurar-me que estou
a caminhar bem para ir até ao fim da tarefa?
Na sua maioria, os textos seleccionados, as observações feitas ao trabalho dos e com os
colegas e às observações do professor, não eram necessariamente os mais pertinentes para
desenvolver a reflexividade desejada. A «colecção de textos» surgiu mais como uma
justaposição, donde se conclui que é difícil para os alunos orientar as complementaridades.
Perante esta constatação e ouvidos os alunos, concluímos que a escolha dos objectos
merecia uma reflexão importante. Talvez os objectos seleccionados não tivessem sido os mais
significativos para passar pelo crivo da escrita reflexiva, ou os alunos necessitassem de mais
tempo para se familiarizar com os conteúdos programáticos.
1120
Tomámos, então, a opção pela diminuição dos objectos a avaliar e por um trabalho mais
persistente sobre cada um deles.
O feedback retroactivo (no final do 1º semestre), terá facilitado a compreensão e
aceitação de uma obrigação institucional, negociada e decidida colectivamente. Isto traduziu-se,
no final do ano, pela alteração desta tendência: os alunos consideraram mesmo ter desenvolvido
a reflexão a um nível que previam pouco provável:
foi muito difícil, no início, aceitar que tinha que construir a minha aprendizagem,
reflectir e não depender das ordens da professora. À medida que o tempo ía passando, o difícil
foi pôr fim ao trabalho, pois cada conteúdo me levava a reflectir sobre outro, a fazer ligações e
a pesquisar (portefólio 5);
o portefólio representa-me como aluna, mas também como pessoa. Foi muito difícil
aceitar os desafios, mas depois sentia que estava sempre a aprender (portefólio 14);
Pensei muitas vezes que a professora estava a pedir-nos que conduzíssemos o carro,
mas o percurso a seguir era muito pouco claro. Só não desisti por que era toda a turma que
tinha o mesmo desafio. Agora acho que não há melhor método para ser responsável, pois
obriga a um trabalho contínuo e a um grande envolvimento pessoal (portefólio 22).
Estas angústias iniciais foram muito difíceis de gerir e foi necessário muito tempo extra
aula para apoiar os alunos. Consideramos que foi necessário experimentar para aprender. Será
necessário mais tempo para dispor de «modelos» que permitam ao aluno compreender melhor o
que se espera dele. Tratando-se da primeira experiência de avaliação por portefólio, talvez não
tenhamos clarificado suficientemente o contrato e, sobretudo, não o tenhamos negociado
suficientemente.
ii) Foi possível identificar os conteúdos que foram mais significativos para os alunos – em todos
os portefólios os alunos identificaram o que mais gostaram de fazer e justificaram-no. Por
exemplo, um aluno produziu, no final do seminário sobre avaliação, uma reflexão sobre a forma
como tinha sido avaliado durante o ensino secundário, que lhe permitiu cruzar a sua experiência
de aluno, com os conhecimentos abordados nas aulas sobre avaliação. Pela maturidade e pela
problematização reveladas, o texto foi lido a toda a turma (após autorização do aluno) e
distribuído por todos. Foi a partir dele que, na turma, trabalhámos as modalidades e as funções
da avaliação. O aluno sentiu reconhecido o seu esforço e os colegas realçaram o facto de estar a
abordar conteúdos a partir da ‘obra’ do anónimo em termos de produção e que agora era ‘autor’.
Foi, também, possível identificar aqueles conteúdos em que sentiram mais dificuldades,
quer através da reflexão dos alunos, quer através da qualidade dos trabalhos produzidos;
iii) foram, ainda, identificados problemas de relações com os colegas:
1121
quando nos foi solicitado um comentário escrito às apresentações dos trabalhos de
grupo, alguns colegas reagiram mal e isso trouxe implicações…por que tudo tinha de figurar
no portefólio. Isto em alguns casos foi ultrapassado e noutros não (portefólio 33);
como no portefólio se valorizava a criatividade, alguns colegas evitavam mostrar
alguns textos que acharam interessantes. Na minha opinião, isso estimula a competição
(portefólio 19).
Face às nossas exigências, decorrentes provavelmente de uma planificação pouco
articulada que nem sempre previu os momentos de maior trabalho dos alunos, houve também
alguns momentos em que a interacção professor-aluno foi menos positiva:
na aula de hoje, a professora não devia ter exposto tanto algumas dificuldades que os
alunos demonstraram na elaboração do trabalho sobre as teorias curriculares. Tínhamos tido
pouco tempo para ler o que nos tinha sugerido. Eu não sei se ela foi mesmo justa na apreciação
que fez à (nome da colega) e a mim. Apesar de me ter dado oportunidade para me pronunciar,
não fui capaz de o fazer pois, ao contrário do habitual, não estavam criadas condições de
interacção (portefólio 8).
Isto permitiu-nos compreender melhor que ensinamos a alunos “reais” e não apenas a
sujeitos epistémicos;
iv) de uma forma geral, constatou-se que os saberes ensinados, raramente são questionados,
nem mesmo problematizados: a maior parte dos alunos não se autoriza a isso, a reflexão sobre
os programas, a sua evolução e/ou a sua transformação não é, ainda, possível;
v) ficou também claro que, para alguns alunos, o exercício de escrita é considerado como um
consumo excessivo de tempo, considerando que podem apreender e construir as suas
competências de outra forma:
eu acho que não era necessário fazer tantas reflexões. O facto de colocar muitas
imagens no portefólio é por considerar que elas podem ser uma alternativa à escrita, pois
também elas implicam muita reflexão (portefólio 3);
enquanto que outros se apropriam da escrita como de um verdadeiro utensílio para
pensar a sua aprendizagem e obter instrumentos de trabalho:
quando escrevo sobre as temáticas, estou a descrever os meus pensamentos, a minha
compreensão sobre os assuntos, estou a ver como eu aprendo, aquilo que afinal consigo pôr no
papel (portefólio 6);
vii) o portefólio constituiu-se num instrumento favorecedor da integração dos saberes,
de construção de identidade e de desenvolvimento da autonomia:
1122
os outros procedimentos de avaliação avaliam o conhecimento específico que
adquirimos directamente. Eu diria que o portefólio avalia a visão alargada que nós temos, a
forma como relacionamos uns temas com os outros (portefólio 11);
o portefólio desenvolveu-me competências superiores de reflexão, que eu nunca pensei
atingir. Hoje, para o trabalho de projecto, consegui fazer uma entrevista à responsável da
associação, que me deu um prazer enorme. Até durante as respostas dela eu consegui perceber
qual era o modelo de desenvolvimento curricular que ela defendia (portefólio 29);
com a realização deste portefólio eu acho que me conheço melhor e também que
consigo perceber melhor as dificuldades dos outros e até mesmo as suas opções. É interessante
olhar para trás e compreender o sentido da frase que a professora utilizou numa aula: diz-me
como avalias e eu dir-te-ei quem tu formas. Não sei…mas se calhar eu posso dizer: deixa-me
ler o que escreves e eu digo-te se tu és autónomo! (portefólio 7).
viii) a
organização
do
portefólio
revelou-se
propícia
para
problematizar
o
reconhecimento da experiência escolar dos actores e foi possível identificar três tipos de
reconhecimentos:
-
o reconhecimento como processo de identificação do saber sobre/para a acção:
eu consigo seleccionar o essencial dos conteúdos do programa (portefólio 3);
a reflexão que foi necessário fazer permitiu-me estabelecer pontes entre os conteúdos
abordados em diferentes disciplinas (portefólio 21);
-
o reconhecimento como processo de transformação dos saberes na acção:
a elaboração do portefólio permitiu-me convocar e problematizar os conhecimentos já
adquiridos (obrigou-me mesmo a reler livros) para os aplicar nos diferentes contextos
(portefólio 14);
- o reconhecimento como processo de implicação do actor:
agora sinto que consigo identificar as minhas próprias representações sobre um tema
ou um fenómeno (portefólio 40);
reconheço melhor os meus erros e, acima de tudo, compreendo as causas, que me
ajudam, pelo menos, a tentar melhorar (portefólio 16).
1123
Conclusão:
A utilização do portefólio permitiu-nos, em síntese:
-
obter informação sobre as capacidades dos alunos que, muitas vezes, são
negligenciadas pelas avaliações tradicionais – por exemplo, no curriculum vitae de um aluno,
observámos que ele escreve, com regularidade, para um jornal da Universidade, quer artigos de
opinião ( ex: implicações do processo de Bolonha), quer notícias sobre actividades
desenvolvidas no campus, no âmbito da Educação. Esses artigos puderam ser incluídos no
portefólio e substituir outras reflexões;
-considerar o trabalho do aluno na sua globalidade;
- fazer com que o aluno se percepcione como avaliador da sua aprendizagem, em vez de
ser objecto dela;
- partilhar, com alguns colegas do projecto Transformar a Pedagogia na Universidade,
o sentido do trabalho desenvolvido, pois o portefólio dos alunos é dele sinal e, através dele,
interpelar as questões pedagógicas;
- aprender sobre cada aluno, sobre a forma como os alunos apreendem o mundo, a sua
capacidade de se auto-q uestionar, de medir o seu progresso;
- favorecer a prática reflexiva, entendida como a capacidade de fazer inferências e de utilizar as
experiências anteriores.
Esta experiência de ensino/aprendizagem/avaliação conduz-nos a sustentar que, no
contexto do ensino superior, o portefólio pode desempenhar um papel importante se as práticas
de avaliação curricular se inscreverem num paradigma de avaliação emancipatória (Buschman,
1993), aberto à comunicação de um agir que ultrapasse a própria formação. Alguns pressupostos
parece importante respeitar:
- o envolvimento activo dos alunos na planificação do processo, que deverá reflectir uma
compreensão unívoca dos fundamentos teóricos do programa, uma visão clara dos objectivos a
atingir e dos meios a implementar para favorecer, entre outros, a mudança das práticas de
avaliação;
- a elaboração de um plano de trabalho integrador, para assegurar a coerência das intervenções,
mas também para sustentar a motivação e favorecer a responsabilização, ou seja, criar as
condições propícias à mudança, requer uma visão de conjunto e um plano de trabalho
estruturado;
- a explicitação regular, pelo professor, das suas estratégias cognitivas e metacognitivas;
- a previsão de momentos de partilha estruturados para favorecer a metacognição.
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