Num condomínio, o morador que viola regras e não observa as previsões compatíveis com a função social da propriedade pode ser judicialmente excluído. Por André Motoharu Yoshino Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito Contratual pela COGEAE -‐ PUC/SP e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professor Assistente em Direito Processual Civil na PUC/SP. O processo de verticalização das metrópoles, somado ao incremento do mercado imobiliário e a busca por um meio de vida mais calmo e seguro em cidades satélites dos grandes centros têm multiplicado o número de condomínios verticais e horizontais, respectivamente. Esse movimento se verifica tanto em bairros nobres como em bairros mais simples, resultando numa convivência social mais próxima com grande potencial para a aparição de conflitos. Nesse cenário, merecem atenção os casos dos denominados moradores antissociais (ou nocivos), que não se adaptam a estas novas realidades, seja porque acreditam que possuem o direito de violar regras do condomínio, seja porque praticam atos que o direito privado não proíbe explicitamente, mas o bom senso requer para um convívio pacífico. Estes moradores acabam se tornando nocivos para o convívio de todos, implicando no desrespeito à função social da propriedade. A Constituição Federal, no seu artigo 5o, inciso XXIII, estabelece que a propriedade deve cumprir com a sua função social. Adiante, no artigo 170, inciso III, dispõe que a ordem econômica observará a função social da propriedade, impondo freios à atividade empresarial. Atendendo ao propósito constitucional, o Código Civil de 2002, no seu artigo 1.228, indica que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.(parágrafo primeiro). Ainda, proclama que são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (parágrafo segundo). Disto podemos observar que o legislador brasileiro tendeu a limitar o direito do proprietário sobre seu próprio imóvel, devendo antes de tudo observar a função social da propriedade. Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves, em seu curso de Direito Civil, apresenta alguns ensinamentos relevantes sobre o direito de propriedade: inúmeras leis impõem restrições ao direito de propriedade, como o Código de Mineração, o Código Florestal, a Lei de Proteção do Meio Ambiente, etc. Algumas contêm restrições administrativas, de natureza militar, eleitoral, etc. A própria Constituição Federal impõe a subordinação da propriedade à sua função social. Há ainda limitações decorrentes do direito de vizinhança e de cláusulas impostas voluntariamente nas liberalidades, como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Todo esse conjunto, no entanto, acaba traçando o perfil atual do direito de propriedade no direito brasileiro, que deixou de apresentar as características de direito absoluto e ilimitado, 1 para se transformar em um direito de finalidade social. O mesmo entendimento é válido para o caso de condomínios, devendo cada morador atentar para a função social da propriedade, tendo em mente que seu direito de proprietário sobre seu imóvel é limitado. Assim estabelece Rubens Carmo Elias Filho: Ademais, não olvidando que a propriedade está diretamente relacionada à sua função social (CF, 5o, XXIII), o condômino pode usufruir livremente de seu bem, como melhor lhe satisfaça, desde que não cause danos a outrem, manifestando-‐se uma restrição ou limitação ao direito de 2 propriedade. Qualquer morador que não observe estas previsões compatíveis com a função social da propriedade, apresenta-‐se como antissocial ou nocivo para o condomínio e, consequentemente, para a sociedade. Importante destacar que antes de entrar em vigor o novo Código Civil, inexistia no ordenamento jurídico qualquer dispositivo que dispunha sobre a possibilidade de exclusão do condômino nocivo. Assim, em 1997, João Batista Lopes afirmava o seguinte: Em decorrência disso, vê-‐se o condomínio, frequentemente, invadido por pessoas de comportamento censurável, quando não insuportável, cuja presença no edifício constitui sério entrave à tranquilidade da coletividade de condôminos. Não dispõe nosso ordenamento jurídico de instrumentos eficazes para banir do edifício pessoas 3 desse jaez. O Código Civil passou a prever penalidades para este morador antissocial, como se pode observar no artigo 1.337, determinando que o proprietário ou possuidor do imóvel que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá ser constrangido a pagar multa correspondente até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, desde que deliberado por três quartos dos condôminos restantes. Ainda, reiterado o comportamento antissocial que gere incompatibilidade de convivência com os demais condôminos (ou possuidores), poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor de contribuição das despesas de condomínio. Portanto, saímos de um momento em que inexistia previsão legal para aplicação de penalidades ao morador antissocial/nocivo para entrar em um momento de previsão de penalização com multa e, segundo alguns doutrinadores, já há que se falar em afastamento deste morador que impõe obstáculos para um pleno convívio social, sendo que não perderia seu direito de propriedade sobre sua unidade autônoma, apenas perderia o direito de usá-‐la e habitá-‐la. Para muitos, a exclusão deste morador antissocial/nocivo seria a única solução para frear os abusos existentes no direito de propriedade, valendo-‐se do ideal previsto constitucionalmente. Há algumas decisões nos tribunais brasileiros favoráveis ao afastamento do morador antissocial/nocivo para o condômino, desde que o tema envolvido seja grave e anteriormente se demonstre insuficiente a aplicação das multas. Vejamos: CONDOMÍNIO EDILÍCIO. Situação criada por morador, sargento da Polícia Militar, que, reincidente no descumprimento das normas regulamentares, renova condutas antissociais, apesar da multa aplicada e que não é paga, construindo, com isso, clima de instabilidade ao grupo e uma insegurança grave, devido ao seu gênio violento e ao fato de andar armado no ambiente, por privilégio profissional. Adequação da tutela antecipada emitida para obrigá-‐lo a não infringir a convenção, sob pena de multa ou outra medida específica do § 5o do art. 461 do CPC, inclusive o seu afastamento. Interpretação do art. 1.337 do CC. Não provimento. (TJSP. Agravo de Instrumento n.o 513.932.4/3. Relator Desembargador Ênio Santarelli Zuliani. Data da publicação: 02/08/2007) Da mesma forma, há recente decisão favorável a exclusão de um condômino do convívio com os demais: APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. DIREITO CIVIL. COISAS, PROPRIEDADE. Exclusão do condômino nocivo. Impossibilidade convivência pacífica ante a conduta antissocial do condômino. APELO NÃO PROVIDO. UNÂNIME. (...) Assim, em que pese não haja previsão expressa a amparar a pretensão de exclusão do réu do condomínio autor, uma vez que o art. 1.337 do CC/2002 não contempla tal possibilidade, pode o magistrado, verificando que o comportamento antissocial extravasa a unidade condominial do “infrator” para as áreas comuns do edifício, levando o condômino à impossibilidade de corrigir tal comportamento mesmo após a imposição do constrangimento legal – multa -‐, decidir pela exclusão do proprietário da unidade autônoma, continuando este com seu patrimônio, podendo ainda dispor do imóvel, perdendo, entretanto, o direito de convivência naquele condomínio. (TJRS. Apelação cível n. 70036235224. 17a Câmara Cível. Desembargador Relator Bernadete Coutinho Friedrich. Julgado em 15/07/2010). Do exposto, a conclusão alcançada é pela possibilidade de exclusão do morador antissocial/nocivo, através de ação judicial, afastando-‐o do convívio dos demais condôminos, restringindo o uso de sua propriedade em condomínio. Ademais, há mesmo quem admita a possibilidade de medidas judiciais que envolvam também a alienação compulsória da propriedade, mediante procedimento de alienação judicial.4 Bibliografia: ELIAS FILHO, Rubens Carmo. A Exclusão do Condômino Nocivo ou Antissocial à Luz dos Atuais Contornos do Direito de Propriedade. Fundamentos do Direito Civil Brasileiro. Organizador: Everaldo Augusto Cambler. Millennium Editora. São Paulo: 2012. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3a edição. Volume V – Direito das Coisas. Editora Saraiva. São Paulo: 2008. LOPES, João Batista. Condomínio. 6a edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 1997. 1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3a edição. Volume V – Direito das Coisas. Editora Saraiva. São Paulo: 2008. Fl. 224. 2 ELIAS FILHO, Rubens Carmo. A Exclusão do Condômino Nocivo ou Antissocial à Luz dos Atuais Contornos do Direito de Propriedade. Fundamentos do Direito Civil Brasileiro. Organizador: Everaldo Augusto Cambler. Millennium Editora. São Paulo: 2012. Fl. 358. 3 LOPES, João Batista. Condomínio. 6a edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 1997. Fl. 143. 4 ELIAS FILHO, Rubens Carmo. A Exclusão do Condômino Nocivo ou Antissocial à Luz dos Atuais Contornos do Direito de Propriedade. Fundamentos do Direito Civil Brasileiro. Organizador: Everaldo Augusto Cambler. Millennium Editora. São Paulo: 2012. Fl. 372.