EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ITAITUBA/PA
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, perante a presença
de Vossa Excelência, através do Procurador da República subscrito, no regular
exercício de suas atribuições institucionais, com base nos artigos 37, § 4º e 129,
III da Constituição Republicana c/c o art. 6º, XIV, f, da Lei Complementar nº
75/93, arts. 9º e 17 da Lei nº 8.429/92 e art. 5º, caput da Lei 7.347/85, ajuizar a
presente
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA
POR
ATOS
DE
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, em face de:
GILBERTO AFONSO SIQUEIRA, brasileiro, casado,
bancário,
nascido
em
26.07.1964,
natural
de
Castilho/SP, filho de ██████████████████ e
██████████████████,
inscrito
no
RG
nº
██████████████████, residente e domiciliado
na
██████████████████,
município
de
Belém/PA;
LIDIANE
REGINA
NOGUEIRA
DAS
NEVES,
brasileira, casada, bancária, nascida em 13/04/1980,
natural
de
Santarém/PA,
filha
de
██████████████████
██████████████████,
██████████████████,
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Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA
e
inscrita
no
residente
RG
na
nº
Av.
██████████████████,
município
de
Itaituba/PA ;
DÁCIO SOUZA DA SILVA, brasileiro, filho de
██████████████████, portador do CPF nº
██████████████████,
residente
na
██████████████████,
município
de
Itaituba/Pará.
com o propósito de responsabilizar o agente em razão de prática
de
ato
de
improbidade
administrativa,
conforme
se
demonstrará
pelos
fundamentos fáticos e jurídicos adiante apresentados:
1
DO OBJETO DA AÇÃO
A presente demanda tem por finalidade a tutela da probidade
administrativa, interesse jurídico titularizado por toda a sociedade, inserindo-se
na órbita dos interesses difusos, com preceito cominatório de perda da função
pública a bem do serviço público.
2
2.1
DOS FATOS
GILBERTO AFONSO SIQUEIRA
O demandado foi gerente do Banco do Brasil, Agência de Itaituba/PA, e,
agindo nesta qualidade, praticando atos de improbidade administrativa, concorreu direta e
voluntariamente para a prática de condutas fraudulentas em face da instituição financeira.
O Banco do Brasil é uma das instituições econômicas responsáveis pela
administração das linhas de crédito do PRONAF – programa do Governo Federal destinado
a fortalecer a agricultura familiar – que somente podem ser liberados para fins de
financiamentos preenchidos determinados requisitos pelo candidato.
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Ocorre que GILBERTO AFONSO SIQUEIRA, valendo-se do cargo que
ocupa, viabilizou a contratação de dezenas de financiamentos sem que os financiados
preenchessem os requisitos necessários para tanto ou mesmo mantendo em erro pessoas de
baixo nível de escolaridade que acreditavam na contratação tão somente de empréstimos
pessoais.
O demandado aliou-se à DÁCIO SOUZA DA SILVA, projetista responsável
pela elaboração de projetos de viabilidade de atividade agropecuária, administrador da
empresa EMPLANOT, que apresentou ao Banco do Brasil dezenas de projetos ardilosos. A
aprovação de tais projetos só era possível porque GILBERTO, como gerente da agência,
garantia tal aprovação propiciando, assim, a liberação de milhões de reais em
financiamentos que jamais tiveram aplicação no fomento da agricultura familiar, em
evidente desvio de finalidade.
Ao se aliar a Dácio, o demandado não admitia projetos de outros
profissionais na agência por ele chefiada, aprovando somente os projetos apresentados por
aquele.
A conduta de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA é objeto de investigação em
diversos inquéritos policiais instaurados, bem como de ações penais propostas por este
órgão, exatamente em razão da fraude contra o sistema financeiro nacional.
Imperioso registrar que a fraude se deu das mais variadas formas, desde o
enquadramento de pessoas alheias a agricultura familiar como aptas a receber o incentivo,
até a falsificação de certidões cartorárias certificando a existência e a propriedade de
imóveis rurais, muitas das vezes inexistentes ou de proprietários diversos.
Forçoso reiterar que tais financiamentos só foram liberados exatamente
porque receberam a aprovação do gerente do Banco do Brasil que, agindo de má-fé e com
intenção direta de causar lesão ao sistema financeiro, aliou-se a extraneus e, ignorou os atos
de segurança para concessão dos financiamentos, viabilizando-os.
Os elevados números apresentados em aplicações de recursos rurais enquanto
esteve à frente da Agência de Itaituba/PA, rendeu à GILBERTO promoção na carreira, como
funcionário público, e, antes que as fraudes fossem descobertas foi transferido para a
Agência de Abaetetuba/PA a título de promoção.
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Os projetos aprovados por GILBERTO AFONSO SIQUEIRA continham
indicativos evidentes de fraude, de fácil percepção, especialmente para funcionários da
carreira, habituados nas análises dos documentos necessários para a concessão de tais
créditos. Tal afirmação se evidencia na medida em que ██████████████████, ao
realizar fiscalização documental, verificou mais de trinta operações com indícios de fraudes,
todos elaborados por Dácio e aprovados por GILBERTO.
Não é demais ressaltar aqui que, além do sistema financeiro nacional, a
conduta do demandado lesionou pessoas determinadas na medida em propiciou a concessão
de financiamento rural a pessoas de baixa instrução escolar, que eram levadas ao Banco do
Brasil por Dácio para assinarem o contrato de crédito rural, quando pensavam estar
contratando empréstimo pessoal – desvinculado de qualquer programa federal.
Além disso, na mesma oportunidade em que tais pessoas assinavam a cédula
de crédito rural, mediante engodo favorecido por GILBERTO, assinavam também como
fiadores de outras cédulas rurais beneficiando pessoas desconhecidas, muitas das vezes
também vítimas da mesma fraude.
E não é só. GILBERTO, de forma totalmente avessa aos procedimentos de
segurança indicados pelo banco, permitiu a assinatura, como fiador, de pessoa diversa
daquela que efetivamente constava como fiador no procedimento, sem outorga de poderes
para tanto, em evidente conluio com Dácio (Inquérito Policial n. 0009/2011-4DPF/SNM/PA).
Finalmente, são inúmeras as condutas ímprobas praticadas, dentre eles: a)
Gilberto utilizava-se de todos os meios possíveis para não admitir projetos de outros
financiados na agência por ele chefiada, aprovando quase que somente os projetos de Dácio,
conforme narrado acima; b) foram identificados vários casos de projetos aprovados sem a
necessária vistoria prévia, providência que certamente inibiria a vinculação de “laranjas”
e/ou de propriedades inexistentes aos financiamentos; c) a comprovação da propriedade do
imóvel financiado normalmente se dava mediante apresentação de certidão cartorária falsa.
Agindo de tal forma, GILBERTO AFONSO SIQUEIRA, transgrediu regras
da lei e da moral que regem os atos e o comportamento do ocupante da função pública,
incidindo, portanto, nas sanções da Lei 8.429/1992, como adiante se verá.
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2.2
LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES
A Demandada é funcionária pública da empresa pública federal
Banco do Brasil S/A, Agência de Itaituba/PA, e junt o com o primeiro
Demandado, foi responsável por concretizar a assinatura dos contratos recebendo
os candidatos ao financiamento custeado pelo Pronaf, verificando a regularidade
das cópias de documentos apresentadas, cotejando-as com os originais que,
obrigatoriamente, deveriam ser apresentados no momento da contratação do
financiamento.
As inúmeras investigações policiais evidenciaram que LIDIANE
teve papel de substancial importância nas contratações fraudulentas. Já com
prévio acordo com Dácio e com GILBERTO, LIDIANE recebia os contratantes
do financiamento, apresentando-lhes todas as condição do empréstimo rural,
afirmando, inclusive, em várias oportunidades, que o empréstimo em tela
tratava-se, em verdade, de empréstimo pessoal, em nada alertando acerca d e sua
natureza e de sua aplicação vinculada às atividade de agricultura familiar.
Do mesmo modo, viabilizava a assinatura dos contratos por
fiadores que sequer estavam presentes no momento da contratação. Em termos de
declaração prestados junto à autoridade policial, algumas vítimas – pessoa s
físicas levadas a erro – afirmaram categoricamente que LIDIANE lhes
informava, juntamente com Dácio, que os documentos assinados na oportunidade
eram apenas para verificar a possibilidade de contratação de empréstimo pessoal,
uma vez aprovados autorizariam a assinatura do contrato.
Ocorre que os documentos assinados e visados pela funcionária
LIDIANE, já se tratava do próprio contrato rural de empréstimo com fundos do
Pronaf, informação que era ocultada pela demandada. Da mesma forma, os
fiadores não assinavam os contratos no momento da contratação, de modo que
ou eram apresentados já com assinatura de fiadores ou eram assinados depois por
outras pessoas que, da mesma forma, eram mantidas em erro, pois funcionavam
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como fiadores quando pensavam estar contratando, também, empréstimo pessoal.
Assim agindo, LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES
possibilitou expressivo prejuízo ao erário ao viabilizar a contratação de
empréstimos rurais, com finalidade vinculada, e que eram obtidos por pessoas
alheias, que não se enquadravam como beneficiários do programa Pronaf. O
prejuízo ao erário ultrapassa 6 (seis) milhões de reais.
Conforme dito alhures, LIDIANE era responsável pela análise dos
documentos
apresentados
na
contratação.
Sua
função
era,
basicamente,
apresentar as condições do contrato e verificar a regularidade das cópias dos
documentos cotejando-os com os originais. Ocorre que, de forma recorrente,
LIDIANE carimbava os documentos, dando-lhe s fé pública, dispensando a
apresentação de originais. É dizer, diversos financiamentos foram obtidos com
base apenas em cópias de documentos cujo originais não eram apresentados para
confrontação e eventual percepção de erros que indicariam a falsificação.
E foi agindo assim que a funcionária pública oportunizou a
contratação mediante uso de documentos fraudulentos, dentre eles, certidões
cartorárias formal e ideologicamente falsas que sequer foram conferidas com
eventual cártula original.
Dessa forma, LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES,
transgrediu regras da lei e da moral que regem os atos e o comportamento do
ocupante da função pública, incidindo, portanto, nas sanções da Lei 8.429/1922.
2.3
DÁCIO SOUZA DA SILVA
A concessão dos financiamentos do Pronaf eram, necessariamente,
precedidos de projeto de viabilidade econômico-financeira da aplicação da linha
de crédito do programa. Tal projeto apresentava informações acerca do
financiado, a propriedade objeto da aplicação do crédito, o possível retorno
econômico do empreendimento subsidiado pela verba concedida, dentre outras.
Estas informações eram comprovadas através de documentos que
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acompanhavam o projeto. Dentre eles constava certidão cartorária comprovando
a existência física do imóvel, bem como sua propriedade, e, ainda, eram
juntados recibos de pagamento e recebimento do gado ou produto adquirido.
Estes últimos necessários para justificar a liberação da totalidade do crédito, que
era feita por etapas.
O
ora
demandado
era
responsável
pela
EMPRESA
DE
PLANEJAMENTO AGROPECUÁRIO NOVO TAPAJÓS – EMPLANOT que
prestava serviços de assessoria e confecção de projetos de viabilidade da
aplicação do crédito nas atividades fins do Programa de Financiamento da
Agricultura Familiar – Pronaf.
Ocorre que tais projetos preparados por DÁCIO eram ardilosos, já
que subsidiados em informações falsas e documentos formais e ideologicamente
falsos. Basicamente, os projetos previam valores para aquisição de exemplares
de gado bovino muito acima do real valor de mercado. Com isso obteve
inúmeros financiamentos que ultrapassavam cem mil reais cada, causando dano
direto ao erário federal.
É de se ressaltar que para obter os financiamentos, DÁCIO
utilizava-se de interpostas pessoas que assumiam o débito rural junto a
instituição financeira, mas era o demandado o real destinatário dos valores. Os
“laranjas” utilizados por DÁCIO por vezes tinham total ciência das fraudes a
que estavam concorrendo. Por outro lado, por vezes aquele se utilizava de
empregados seus, de baixo nível de escolaridade que, mantidos em erro,
acreditavam estar obtendo empréstimo pessoal, desconhecendo a real natureza
do crédito. Mais do que isto, eram avisados posteriormente por DÁCIO acerca
do insucesso na obtenção do empréstimo pessoal quando, na verdade, o crédito
real lhes era concedido ficando integralmente na disponibilidade de DÁCIO.
Utilizando-se de tais pessoas, com o apoio de GILBERTO e
LIDIANE, DÁCIO obtinha facilmente os financiamentos, sem se submeter a
qualquer vistoria prévia, até mesmo de financiamentos acima de R$ 80.000,00,
cujas normas regulamentares da instituição financeira condicionavam sua
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concessão à vistorias prévias.
O demandado se utilizava da imagem e credibilidade da instituição
financeira, imprimindo naqueles que eram mantidos em erro sentimento de
confiança no negócio a que estavam aderindo. Isto porque, diante do
envolvimento dos servidores do Banco do Brasil, DÁCIO conseguia a aparência
de legalidade e legitimidade que precisava para não levantar quaisquer suspeitas
naqueles que eram utilizados como instrumento na obtenção da vantagem
indevida.
A empreitada de DÁCIO se iniciou com o induzimento de
GILBERTO AFONSO SIQUEIRA e LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS
NEVES no contrato criminoso.
Conforme dito outrora, GILBERTO utilizou as aprovações dos
inúmeros projetos como forma de promoção na carreira, obtendo êxito em seu
intento. DÁCIO, por sua vez, concorreu diretamente com a conduta de
GILBERTO, de modo que a aprovação dos projetos fraudados lhe rendeu
expressiva vantagem econômica indevida de aproximadamente sete milhões.
LIDIANE, da mesma forma, com sua conduta ímproba, proporcionou àqueles a
vantagem indevida, tanto econômica quanto funcional.
3
DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 previu expressamente como função precípua
da instituição Ministério Público a instauração de Inquérito Civil Público buscando a defesa
dos direitos e interesses que afetam diretamente a sociedade de forma relevante, sendo-lhe
concedido o exercício de funções compatíveis com o mister que lhe foi dado.
A legitimidade ativa ad causam do Ministério Pública encontra previsão
expressa na inteligência dos artigos 129, III, da Constituição Federal; art. 5º da Lei
Complementar n. 75 nos respectivos termos:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
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III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
Art. 5º. São funções institucionais do Ministério Público da União:
I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses
sociais e dos interesses indisponíveis, considerados, dentre outros, os
seguintes fundamentos e princípios :
(...)
h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade,
relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional,
de qualquer dos poderes da União;
art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:
XV – promover outras ações necessárias ao exercício de suas
funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
especialmente quanto:
f) a probidade administrativa.
Consoante demonstrado na narrativa dos fatos, o demandado praticou atos de
improbidade administrativa que causaram efetivo prejuízo ao erário, consubstanciado em
realizar operações financeiras sem observância das normas legais e regulamentares,
aceitando garantias inidôneas, e, ainda, contra os princípios da administração pública,
notadamente a eficiência. O prejuízo ao erário federal se consubstancia no fato de que os
valores manipulados pelo demandado são oriundos do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.
Trata-se de programa do Governo Federal para financiar projetos individuais
ou coletivos que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária.
Seus recursos tem origem em aporte de recursos da União, bem como do Fundo
Constitucional destinado a cada região. As verbas repassadas pela União à instituição
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financeira para implementação do programa não perdem seu caráter federal, na medida em
que cabe ao Tribunal de Contas da União realizar a fiscalização desses recursos.
No presente caso, o funcionário público do Banco do Brasil, responsável por
gerir os recursos destinados ao Pronaf atuou em desconformidade com os princípios que
regem sua atuação pública quando, com sua conduta reiterada, causou prejuízo ao erário em
desvio de finalidade, buscando promoção na carreira.
Com isso, e transplantando as explicações para a órbita da improbidade
administrativa, resulta cristalino o interesse (jurídico) da União em ver aplicadas as sanções
resultantes da LIA, recuperando a lesão ao erário federal acarretada pelo ato de improbidade
que maculou a finalidade do programa.
Pode-se afirmar, portanto, que, há interesse inequívoco da União, ensejando a
aplicação do disposto no art. 109, I, da Constituição Federal, devendo a ação correr sob as
asas da Justiça Federal, competente para o processo e julgamento, desaguando, pelos
mesmos fundamentos, a atuação deste órgão ministerial.
4
DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Como é cediço, um dos princípios reitores da Administração Pública é a
moralidade, entendido como um conjunto de regras abstraídas da disciplina interior da
Administração e, hoje, confere substrato ético à legalidade, com a qual, todavia, não se
confunde.
Pois bem. O ato de improbidade constitui ilícito pluriofensivo (na essência,
pode ser considerado como um fato jurídico decorrente de conduta humana, positiva ou
negativa, de efeitos jurídicos involuntários), dadas as consequências que, de regra,
produzem no âmbito administrativo, civil e penal, e se configura pelo enriquecimento ilícito
do agente público ou a ele equiparado, pelo dano imposto ao erário ou pela violação de
algum princípio regente da Administração Pública. Em virtude de sua peculiar gravidade,
constitui forma de imoralidade administrativa qualificada e suscita a aplicação de um
esquema sancionatório desenhado, em linhas genéricas, pelo art. 37, § 4º, da Constituição
Federal, e minudenciado pelo art. 12, II e III, da Lei nº 8.429/92.
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Ademais, a moralidade administrativa não interessa prioritariamente a pessoa
do servidor público, mas se apresenta como um direito subjetivo público do cidadão, que
tem direito a ver tratada a res publica com decência. Esse é o posicionamento de Cármen
Lúcia Antunes Rocha quando observa:
(…) a moralidade administrativa não é uma questão que interessa
prioritariamente ao administrador público: mais que a este, interessa
ela prioritariamente ao cidadão, a toda a sociedade. A ruptura ou
afronta
a
este
princípio,
que
transpareça
em
qualquer
comportamento público, agride o sentimento de Justiça de um povo
e coloca sob o brasão da desconfiança não apenas o ato praticado
pelo agente, e que configure um comportamento imoral, mas a
Administração Pública e o próprio Estado, que se vê questionado em
sua própria justificativa.
Ademais, o princípio constitucional da moralidade, no atual sistema, ostenta
a envergadura constitucional e, dessa forma, vincula o agente público. Em razão do diploma
legal em que está topografado, o legislador infraconstitucional instituiu a Ação Civil
Pública, bem como a sanção suspensiva do gozo dos direitos políticos previsto na Lei
8.429/92, criando um valioso mecanismo de resguardo do princípio superior e autônomo da
moralidade administrativa.
É a probidade administrativa, portanto, um direito difuso titularizado por toda
a sociedade e por esta razão é cabível ação civil pública. Este entendimento é albergado
pelos tribunais superiores, notadamente pelo Superior Tribunal de Justiça que já afirmou em
diversos julgados ser “cabível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade
administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado” (REsp 507.142/MA,
2ª. Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15.12.2005).
4.1
Da incidência da Lei 8.429/92 à pessoa estranha ao serviço público
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O grande esquema de fraudes contra o Pronaf foi liderado exatamente por
DÁCIO SOUSA DA SILVA, pessoa alheia ao serviço público, pois não exerce qualquer
cargo ou função pública, mas que concorreu e induziu, diretamente, para a prática de atos de
improbidade por parte de servidores públicos, também aqui demandados.
O fato de não exercer cargo público na Administração Público não exime a
responsabilidade de Dácio. A incidência da Lei de Improbidade Administrativa é ampliado
pela norma de extensão do art. 3º do diploma legal, incluindo-se aqueles que não se
enquadram no conceito de agente público, previsto no art. 2º, mas que direta ou
indiretamente tenham contribuído para prática do ato de improbidade ou tenha se
beneficiado direta ou indiretamente deste.
É o seguinte a redação do dispositivo:
Art. 3°. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber,
àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra
para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob
qualquer forma direta ou indireta.
Deve-se atentar unicamente para a ressalva vislumbrada no artigo, no sentido
de que as disposições devem ser aplicadas “no que couber”, vale dizer, as sanções impostas
devem ser compatíveis com as peculiaridades do beneficiário.
No presente caso, é evidente que DÁCIO SOUSA DA SILVA induziu,
concorreu e logrou proveito com o ato ímprobo praticado pelos servidores devendo incidir,
no que couber, nas sanções da LIA.
4.2
Dos atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito
Tendo em mente o esquema de fraudes praticados pelos demandados, DÁCIO
obteve diretamente expressiva vantagem econômica, enriquecendo-se ilicitamente as custas
de verbas federais destinados a programas de fomento da agricultura familiar, incorrendo na
descrição do inciso I do art. 9º da Lei de Improbidade, a seguir transcrito.
Art. 9°. Constitui ato de improbidade administrativa importando
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
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indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego
ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e
notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel,
ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de
comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha
interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por
ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
(…)
É flagrante a concorrência de DÁCIO com os servidores públicos aqui
demandados, almejando receber vantagem econômicas direta em prejuízo de bens da União.
Tal vantagem econômicas indevida só foi possível com o amparo das ações e
omissões de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA e LIDIANE REGINA NOGUEIRA
DAS NEVES, servidores públicos que, utilizando-se dos cargos que ocupam,
oportunizaram o enriquecimento ilícito de DÁCIO SOUSA DA SILVA. Por essas
razões, incorreram igualmente na conduta legal acima descrita.
4.2
Dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário
Além de comportar-se em desacordo com os princípios que regem a atuação
do agente público, os servidores públicos aqui envolvidos praticaram condutas que
causaram expressiva lesão ao erário federal.
Ao proporcionar a concessão dos financiamentos às pessoas que sequer eram
produtoras rurais e que, portanto, não poderiam aplicá-lo no programa, os demandados
viabilizaram a obtenção de vantagem indevida pelos tomadores do crédito rural e,
consequentemente, prejuízo ao erário federal, notadamente diante dos documentos formal e
ideologicamente falsos que compunham o procedimento de requerimento do crédito.
Há exato enquadramento das condutas de GILBERTO AFONSO
SIQUEIRA e LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES no art. 10 da Lei
8.429/92, que prevê atos que causam prejuízo ao erário. Vejamos:
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Art. 10. constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão
ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa que enseje
perda
patrimonial,
desvio,
apropriação,
malbaratamento
ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º
desta Lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais
e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação
irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente.
É exatamente em relação aos agentes públicos que exercem funções em
instituições financeiras, que se revestem da forma de empresa pública ou sociedade de
economia mista, como é o caso, que o inciso VI se ocupa.
A atuação desses agentes deve estar pautada estritamente na legislação
bancária, financeira e demais regulamentos. A inobservância dolosa ou culposa da regência
legal pertinente às estas operações caracteriza a primeira hipótese de improbidade tratada no
inciso alhures.
Não subsistem dúvidas quanto a atuação dos servidores públicos demandados
de forma alheia a normatividade bancária e financeira, inobservando condutas previstas em
norma cogente da instituição financeira, postas, exatamente, para evitar as fraudes na
obtenção dos recursos financeiros. Ao agir desse modo, promoveram a aplicação irregular
das verbas destinadas ao Pronaf, e agrediram diretamente a moralidade, que interessa não só
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ao funcionário público, mas a toda a Administração e ao próprio Estado, que se vê
questionado quanto aos valores que elegeu como orientadores de sua atuação.
O ato dos demandados, como agente bancária e gerente dos valores oriundos
do Ministério de Desenvolvimento Agrário e destinados ao Pronaf, subsume-se
integralmente à normatividade do art. 10 da Lei 8.429/92, conforme visto acima.
Imperioso ressaltar, ainda, que o prejuízo causado ao erário federal deve ser
atribuído aos agentes a título de dolo, cabendo falar em autêntico ato imoral, aético e
desonesto no exercício das funções públicas.
4.2
Dos atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração
Pública
O direito, como ciência que é, compõe-se de princípios e normas. Princípios
são os alicerces, os fundamentos de uma ciência, proposições básicas, fundamentais, típicas
que condicionam todas as estruturações subsequentes. Além disso, desempenham a
relevante função de interpretação das normas que lhes têm como o fundamento de validade
em sua aplicação no mundo jurídico.
Os agentes públicos sujeitam-se à incidência de princípios, a começar pelos
encartados na Constituição Federal, sede normativa dos princípios básicos da Administração
Pública.
Os atos praticados pelo demandado se configuram em autênticos atos de
improbidade administrativa, atentando contra os princípios administrativos insculpidos no
artigo 37, “caput”, da Carta Magna, notadamente os princípios da moralidade, legalidade e
eficiência, merecendo as sanções do §4º do mesmo dispositivo. Confira-se:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão
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dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade
dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em nível legal, a conduta de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA
demandado se enquadra na Lei 8.429/92, que trata dos atos de improbidade administrativa,
em especial em seu artigo 11, que cuida dos atos de improbidade que atentam contra os
princípios da administração pública, encontrando o caso perfeita sintonia com a conduta
descrita nos incisos I e II do referido dispositivo, in verbis:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou
diverso daquele previsto na regra de competência;
II – retardar ou deixar de praticar ato de ofício.
Em assim sendo, ao autorizar a contratação dos financiamentos mediante
documentos fraudados, e sendo estes de seu conhecimento, e, ainda, sem realizar as
fiscalizações necessárias para a liberação gradativa das parcelas do financiamento, o
demandado incorreu em desvio de finalidade. Isto porque, conforme foi visto alhures, atuou
de tal forma motivado pela consequente promoção na carreira que os resultados de tantos
financiamentos lhe proporcionariam.
Além de praticar ato visando fim proibido em lei – promoção na carreira – o
demandado deixou de praticar atos de ofício. Foi visto que ao receber os documentos de
requerimentos
dos
financiamentos,
não
realizava
as
vistorias
necessárias
nos
empreendimentos agrícolas pretensamente objetos da aplicação dos financiamentos, muitos
deles com valores elevados – em média R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Se outra tivesse
sido a postura do demandado, atuando de acordo com o Princípio da Legalidade stricto
sensu, certamente desmotivaria aqueles que estavam se beneficiando irregularmente do
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programa.
Deste modo, merece o demandado a condenação deste juízo, aplicando-se as
sanções previstas no artigo 12, III, da LIA, que dispõe:
Art. 12.
Independentemente
das
sanções
penais,
civis
e
administrativas previstas na legislação específica, está o responsável
pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem
ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a
gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
(…)
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se
houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de
três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor
da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com
o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos.
Já a servidora LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES, também
incorreu em atos de improbidade que atentam contra os princípios da
Administração Pública, especificamente ao praticar a conduta abstratamente
descrita no inciso I, do art. 11 da LIA que consubstancia o princípio da
legalidade.
As investigações demonstram que a servidora concorreu para que
GILBERTO obtivesse sua promoção na carreira, evidenciando o fim proibido por
lei, haja vista que os ato praticados no exercício da função almejam alcançar os
objetivo propostos pela instituição financeira, e não aqueles de caráter pessoal
de ascendência na carreira, ainda que de outrem.
Imperioso registrar que as condutas descritas no art. 11 da Lei de
Improbidade Administrativa preveem tão somente um rol exemplificativo,
autorizando o intérprete a compreender que importa em atentado aos princípios
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quaisquer “ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições”, ensejando a punição nas sanções do art.
12, inciso III da aludida Lei. As condutas numerada não constituem, pois, rol
taxativo, mas indicam que as condutas ali descritas são as mais reprováveis e
deletérias aos princípios administrativos , a ponto de merecerem específica
tipificação legal.
Já foi exaustivamente descrito alhures que LIDIANE não esclarecia
aos tomadores do financiamento as condições reais da contratação, mantando-os
em erro, mediante engodo.
Sabe-se, igualmente, que a servidora concorreu para a contratação
de empréstimos por pessoas que era de seu conhecimento, não se enquadravam
como beneficiárias do programa federal.
Dessa forma, resta inequívoca a prática de conduta vedada por lei,
atentando diretamente contra os princípios da Administração Pública, violando
notadamente os deveres de legalidade e honestidade às instituições.
5
DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) a notificação prévia dos requeridos para, querendo, apresentarem
defesa prévia – nos termos do procedimento especial instituído pela Lei 8.429/92;
b) o recebimento da inicial, seguido da citação dos réus nos endereços
mencionado no preâmbulo para, querendo, apresentarem contestação, no prazo legal, sob
pena de revelia;
c) a intimação do Banco do Brasil S/A, na pessoa de um de seus
representantes legais, para que tome ciência da propositura da ação, e demonstrando o
interesse jurídico, participe da mesma;
d) a intimação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, para que tome
ciência da presente ação e, da mesma forma, manifeste interesse jurídico para atuar na
causa;
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e) seja a presente ação julgada totalmente procedente para,
reconhecendo a responsabilidade dos requeridos pelas irregularidades acima mencionadas,
condená-los, à luz do art. 12, inciso I, II e III , da Lei 8.429/92, nas seguintes sanções:
e.1) perda das funções públicas, caso ainda estejam exercendo;
e.2) inabilitação para assumir qualquer cargo ou função pública de 5
(cinco) a 8 (oito) anos;
e.3) ressarcimento integral do dano;
e.4) suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) anos a 10 (dez) anos;
e.5) pagamento de multa civil de 3 (três) vezes o valor do dano;
e.6) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
3 (três) anos
f) Sejam os requeridos condenados a arcar com o pagamento das custas
processuais em sua integralidade;
g) o deferimento de todos os meios de prova admitidos em direito, em
especial oitiva de testemunhas, perícias técnicas nos documentos e vistorias in loco, sem
embargo das demais a serem especificadas em fase posterior;
Dá-se o valor da causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 10.000,00 (dez
mil reais).
Santarém (PA), 10 de dezembro de 2014.
JANAINA ANDRADE DE SOUSA
Procuradora da República
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Rol de Testemunhas:
1) ██████████████████
2) ██████████████████
3) ██████████████████
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