EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ITAITUBA/PA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, perante a presença de Vossa Excelência, através do Procurador da República subscrito, no regular exercício de suas atribuições institucionais, com base nos artigos 37, § 4º e 129, III da Constituição Republicana c/c o art. 6º, XIV, f, da Lei Complementar nº 75/93, arts. 9º e 17 da Lei nº 8.429/92 e art. 5º, caput da Lei 7.347/85, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em face de: GILBERTO AFONSO SIQUEIRA, brasileiro, casado, bancário, nascido em 26.07.1964, natural de Castilho/SP, filho de ██████████████████ e ██████████████████, inscrito no RG nº ██████████████████, residente e domiciliado na ██████████████████, município de Belém/PA; LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES, brasileira, casada, bancária, nascida em 13/04/1980, natural de Santarém/PA, filha de ██████████████████ ██████████████████, ██████████████████, 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA e inscrita no residente RG na nº Av. ██████████████████, município de Itaituba/PA ; DÁCIO SOUZA DA SILVA, brasileiro, filho de ██████████████████, portador do CPF nº ██████████████████, residente na ██████████████████, município de Itaituba/Pará. com o propósito de responsabilizar o agente em razão de prática de ato de improbidade administrativa, conforme se demonstrará pelos fundamentos fáticos e jurídicos adiante apresentados: 1 DO OBJETO DA AÇÃO A presente demanda tem por finalidade a tutela da probidade administrativa, interesse jurídico titularizado por toda a sociedade, inserindo-se na órbita dos interesses difusos, com preceito cominatório de perda da função pública a bem do serviço público. 2 2.1 DOS FATOS GILBERTO AFONSO SIQUEIRA O demandado foi gerente do Banco do Brasil, Agência de Itaituba/PA, e, agindo nesta qualidade, praticando atos de improbidade administrativa, concorreu direta e voluntariamente para a prática de condutas fraudulentas em face da instituição financeira. O Banco do Brasil é uma das instituições econômicas responsáveis pela administração das linhas de crédito do PRONAF – programa do Governo Federal destinado a fortalecer a agricultura familiar – que somente podem ser liberados para fins de financiamentos preenchidos determinados requisitos pelo candidato. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Ocorre que GILBERTO AFONSO SIQUEIRA, valendo-se do cargo que ocupa, viabilizou a contratação de dezenas de financiamentos sem que os financiados preenchessem os requisitos necessários para tanto ou mesmo mantendo em erro pessoas de baixo nível de escolaridade que acreditavam na contratação tão somente de empréstimos pessoais. O demandado aliou-se à DÁCIO SOUZA DA SILVA, projetista responsável pela elaboração de projetos de viabilidade de atividade agropecuária, administrador da empresa EMPLANOT, que apresentou ao Banco do Brasil dezenas de projetos ardilosos. A aprovação de tais projetos só era possível porque GILBERTO, como gerente da agência, garantia tal aprovação propiciando, assim, a liberação de milhões de reais em financiamentos que jamais tiveram aplicação no fomento da agricultura familiar, em evidente desvio de finalidade. Ao se aliar a Dácio, o demandado não admitia projetos de outros profissionais na agência por ele chefiada, aprovando somente os projetos apresentados por aquele. A conduta de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA é objeto de investigação em diversos inquéritos policiais instaurados, bem como de ações penais propostas por este órgão, exatamente em razão da fraude contra o sistema financeiro nacional. Imperioso registrar que a fraude se deu das mais variadas formas, desde o enquadramento de pessoas alheias a agricultura familiar como aptas a receber o incentivo, até a falsificação de certidões cartorárias certificando a existência e a propriedade de imóveis rurais, muitas das vezes inexistentes ou de proprietários diversos. Forçoso reiterar que tais financiamentos só foram liberados exatamente porque receberam a aprovação do gerente do Banco do Brasil que, agindo de má-fé e com intenção direta de causar lesão ao sistema financeiro, aliou-se a extraneus e, ignorou os atos de segurança para concessão dos financiamentos, viabilizando-os. Os elevados números apresentados em aplicações de recursos rurais enquanto esteve à frente da Agência de Itaituba/PA, rendeu à GILBERTO promoção na carreira, como funcionário público, e, antes que as fraudes fossem descobertas foi transferido para a Agência de Abaetetuba/PA a título de promoção. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Os projetos aprovados por GILBERTO AFONSO SIQUEIRA continham indicativos evidentes de fraude, de fácil percepção, especialmente para funcionários da carreira, habituados nas análises dos documentos necessários para a concessão de tais créditos. Tal afirmação se evidencia na medida em que ██████████████████, ao realizar fiscalização documental, verificou mais de trinta operações com indícios de fraudes, todos elaborados por Dácio e aprovados por GILBERTO. Não é demais ressaltar aqui que, além do sistema financeiro nacional, a conduta do demandado lesionou pessoas determinadas na medida em propiciou a concessão de financiamento rural a pessoas de baixa instrução escolar, que eram levadas ao Banco do Brasil por Dácio para assinarem o contrato de crédito rural, quando pensavam estar contratando empréstimo pessoal – desvinculado de qualquer programa federal. Além disso, na mesma oportunidade em que tais pessoas assinavam a cédula de crédito rural, mediante engodo favorecido por GILBERTO, assinavam também como fiadores de outras cédulas rurais beneficiando pessoas desconhecidas, muitas das vezes também vítimas da mesma fraude. E não é só. GILBERTO, de forma totalmente avessa aos procedimentos de segurança indicados pelo banco, permitiu a assinatura, como fiador, de pessoa diversa daquela que efetivamente constava como fiador no procedimento, sem outorga de poderes para tanto, em evidente conluio com Dácio (Inquérito Policial n. 0009/2011-4DPF/SNM/PA). Finalmente, são inúmeras as condutas ímprobas praticadas, dentre eles: a) Gilberto utilizava-se de todos os meios possíveis para não admitir projetos de outros financiados na agência por ele chefiada, aprovando quase que somente os projetos de Dácio, conforme narrado acima; b) foram identificados vários casos de projetos aprovados sem a necessária vistoria prévia, providência que certamente inibiria a vinculação de “laranjas” e/ou de propriedades inexistentes aos financiamentos; c) a comprovação da propriedade do imóvel financiado normalmente se dava mediante apresentação de certidão cartorária falsa. Agindo de tal forma, GILBERTO AFONSO SIQUEIRA, transgrediu regras da lei e da moral que regem os atos e o comportamento do ocupante da função pública, incidindo, portanto, nas sanções da Lei 8.429/1992, como adiante se verá. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA 2.2 LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES A Demandada é funcionária pública da empresa pública federal Banco do Brasil S/A, Agência de Itaituba/PA, e junt o com o primeiro Demandado, foi responsável por concretizar a assinatura dos contratos recebendo os candidatos ao financiamento custeado pelo Pronaf, verificando a regularidade das cópias de documentos apresentadas, cotejando-as com os originais que, obrigatoriamente, deveriam ser apresentados no momento da contratação do financiamento. As inúmeras investigações policiais evidenciaram que LIDIANE teve papel de substancial importância nas contratações fraudulentas. Já com prévio acordo com Dácio e com GILBERTO, LIDIANE recebia os contratantes do financiamento, apresentando-lhes todas as condição do empréstimo rural, afirmando, inclusive, em várias oportunidades, que o empréstimo em tela tratava-se, em verdade, de empréstimo pessoal, em nada alertando acerca d e sua natureza e de sua aplicação vinculada às atividade de agricultura familiar. Do mesmo modo, viabilizava a assinatura dos contratos por fiadores que sequer estavam presentes no momento da contratação. Em termos de declaração prestados junto à autoridade policial, algumas vítimas – pessoa s físicas levadas a erro – afirmaram categoricamente que LIDIANE lhes informava, juntamente com Dácio, que os documentos assinados na oportunidade eram apenas para verificar a possibilidade de contratação de empréstimo pessoal, uma vez aprovados autorizariam a assinatura do contrato. Ocorre que os documentos assinados e visados pela funcionária LIDIANE, já se tratava do próprio contrato rural de empréstimo com fundos do Pronaf, informação que era ocultada pela demandada. Da mesma forma, os fiadores não assinavam os contratos no momento da contratação, de modo que ou eram apresentados já com assinatura de fiadores ou eram assinados depois por outras pessoas que, da mesma forma, eram mantidas em erro, pois funcionavam 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA como fiadores quando pensavam estar contratando, também, empréstimo pessoal. Assim agindo, LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES possibilitou expressivo prejuízo ao erário ao viabilizar a contratação de empréstimos rurais, com finalidade vinculada, e que eram obtidos por pessoas alheias, que não se enquadravam como beneficiários do programa Pronaf. O prejuízo ao erário ultrapassa 6 (seis) milhões de reais. Conforme dito alhures, LIDIANE era responsável pela análise dos documentos apresentados na contratação. Sua função era, basicamente, apresentar as condições do contrato e verificar a regularidade das cópias dos documentos cotejando-os com os originais. Ocorre que, de forma recorrente, LIDIANE carimbava os documentos, dando-lhe s fé pública, dispensando a apresentação de originais. É dizer, diversos financiamentos foram obtidos com base apenas em cópias de documentos cujo originais não eram apresentados para confrontação e eventual percepção de erros que indicariam a falsificação. E foi agindo assim que a funcionária pública oportunizou a contratação mediante uso de documentos fraudulentos, dentre eles, certidões cartorárias formal e ideologicamente falsas que sequer foram conferidas com eventual cártula original. Dessa forma, LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES, transgrediu regras da lei e da moral que regem os atos e o comportamento do ocupante da função pública, incidindo, portanto, nas sanções da Lei 8.429/1922. 2.3 DÁCIO SOUZA DA SILVA A concessão dos financiamentos do Pronaf eram, necessariamente, precedidos de projeto de viabilidade econômico-financeira da aplicação da linha de crédito do programa. Tal projeto apresentava informações acerca do financiado, a propriedade objeto da aplicação do crédito, o possível retorno econômico do empreendimento subsidiado pela verba concedida, dentre outras. Estas informações eram comprovadas através de documentos que 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA acompanhavam o projeto. Dentre eles constava certidão cartorária comprovando a existência física do imóvel, bem como sua propriedade, e, ainda, eram juntados recibos de pagamento e recebimento do gado ou produto adquirido. Estes últimos necessários para justificar a liberação da totalidade do crédito, que era feita por etapas. O ora demandado era responsável pela EMPRESA DE PLANEJAMENTO AGROPECUÁRIO NOVO TAPAJÓS – EMPLANOT que prestava serviços de assessoria e confecção de projetos de viabilidade da aplicação do crédito nas atividades fins do Programa de Financiamento da Agricultura Familiar – Pronaf. Ocorre que tais projetos preparados por DÁCIO eram ardilosos, já que subsidiados em informações falsas e documentos formais e ideologicamente falsos. Basicamente, os projetos previam valores para aquisição de exemplares de gado bovino muito acima do real valor de mercado. Com isso obteve inúmeros financiamentos que ultrapassavam cem mil reais cada, causando dano direto ao erário federal. É de se ressaltar que para obter os financiamentos, DÁCIO utilizava-se de interpostas pessoas que assumiam o débito rural junto a instituição financeira, mas era o demandado o real destinatário dos valores. Os “laranjas” utilizados por DÁCIO por vezes tinham total ciência das fraudes a que estavam concorrendo. Por outro lado, por vezes aquele se utilizava de empregados seus, de baixo nível de escolaridade que, mantidos em erro, acreditavam estar obtendo empréstimo pessoal, desconhecendo a real natureza do crédito. Mais do que isto, eram avisados posteriormente por DÁCIO acerca do insucesso na obtenção do empréstimo pessoal quando, na verdade, o crédito real lhes era concedido ficando integralmente na disponibilidade de DÁCIO. Utilizando-se de tais pessoas, com o apoio de GILBERTO e LIDIANE, DÁCIO obtinha facilmente os financiamentos, sem se submeter a qualquer vistoria prévia, até mesmo de financiamentos acima de R$ 80.000,00, cujas normas regulamentares da instituição financeira condicionavam sua 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA concessão à vistorias prévias. O demandado se utilizava da imagem e credibilidade da instituição financeira, imprimindo naqueles que eram mantidos em erro sentimento de confiança no negócio a que estavam aderindo. Isto porque, diante do envolvimento dos servidores do Banco do Brasil, DÁCIO conseguia a aparência de legalidade e legitimidade que precisava para não levantar quaisquer suspeitas naqueles que eram utilizados como instrumento na obtenção da vantagem indevida. A empreitada de DÁCIO se iniciou com o induzimento de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA e LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES no contrato criminoso. Conforme dito outrora, GILBERTO utilizou as aprovações dos inúmeros projetos como forma de promoção na carreira, obtendo êxito em seu intento. DÁCIO, por sua vez, concorreu diretamente com a conduta de GILBERTO, de modo que a aprovação dos projetos fraudados lhe rendeu expressiva vantagem econômica indevida de aproximadamente sete milhões. LIDIANE, da mesma forma, com sua conduta ímproba, proporcionou àqueles a vantagem indevida, tanto econômica quanto funcional. 3 DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A Constituição Federal de 1988 previu expressamente como função precípua da instituição Ministério Público a instauração de Inquérito Civil Público buscando a defesa dos direitos e interesses que afetam diretamente a sociedade de forma relevante, sendo-lhe concedido o exercício de funções compatíveis com o mister que lhe foi dado. A legitimidade ativa ad causam do Ministério Pública encontra previsão expressa na inteligência dos artigos 129, III, da Constituição Federal; art. 5º da Lei Complementar n. 75 nos respectivos termos: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Art. 5º. São funções institucionais do Ministério Público da União: I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios : (...) h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União; art. 6º. Compete ao Ministério Público da União: XV – promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: f) a probidade administrativa. Consoante demonstrado na narrativa dos fatos, o demandado praticou atos de improbidade administrativa que causaram efetivo prejuízo ao erário, consubstanciado em realizar operações financeiras sem observância das normas legais e regulamentares, aceitando garantias inidôneas, e, ainda, contra os princípios da administração pública, notadamente a eficiência. O prejuízo ao erário federal se consubstancia no fato de que os valores manipulados pelo demandado são oriundos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF. Trata-se de programa do Governo Federal para financiar projetos individuais ou coletivos que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Seus recursos tem origem em aporte de recursos da União, bem como do Fundo Constitucional destinado a cada região. As verbas repassadas pela União à instituição 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA financeira para implementação do programa não perdem seu caráter federal, na medida em que cabe ao Tribunal de Contas da União realizar a fiscalização desses recursos. No presente caso, o funcionário público do Banco do Brasil, responsável por gerir os recursos destinados ao Pronaf atuou em desconformidade com os princípios que regem sua atuação pública quando, com sua conduta reiterada, causou prejuízo ao erário em desvio de finalidade, buscando promoção na carreira. Com isso, e transplantando as explicações para a órbita da improbidade administrativa, resulta cristalino o interesse (jurídico) da União em ver aplicadas as sanções resultantes da LIA, recuperando a lesão ao erário federal acarretada pelo ato de improbidade que maculou a finalidade do programa. Pode-se afirmar, portanto, que, há interesse inequívoco da União, ensejando a aplicação do disposto no art. 109, I, da Constituição Federal, devendo a ação correr sob as asas da Justiça Federal, competente para o processo e julgamento, desaguando, pelos mesmos fundamentos, a atuação deste órgão ministerial. 4 DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Como é cediço, um dos princípios reitores da Administração Pública é a moralidade, entendido como um conjunto de regras abstraídas da disciplina interior da Administração e, hoje, confere substrato ético à legalidade, com a qual, todavia, não se confunde. Pois bem. O ato de improbidade constitui ilícito pluriofensivo (na essência, pode ser considerado como um fato jurídico decorrente de conduta humana, positiva ou negativa, de efeitos jurídicos involuntários), dadas as consequências que, de regra, produzem no âmbito administrativo, civil e penal, e se configura pelo enriquecimento ilícito do agente público ou a ele equiparado, pelo dano imposto ao erário ou pela violação de algum princípio regente da Administração Pública. Em virtude de sua peculiar gravidade, constitui forma de imoralidade administrativa qualificada e suscita a aplicação de um esquema sancionatório desenhado, em linhas genéricas, pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e minudenciado pelo art. 12, II e III, da Lei nº 8.429/92. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Ademais, a moralidade administrativa não interessa prioritariamente a pessoa do servidor público, mas se apresenta como um direito subjetivo público do cidadão, que tem direito a ver tratada a res publica com decência. Esse é o posicionamento de Cármen Lúcia Antunes Rocha quando observa: (…) a moralidade administrativa não é uma questão que interessa prioritariamente ao administrador público: mais que a este, interessa ela prioritariamente ao cidadão, a toda a sociedade. A ruptura ou afronta a este princípio, que transpareça em qualquer comportamento público, agride o sentimento de Justiça de um povo e coloca sob o brasão da desconfiança não apenas o ato praticado pelo agente, e que configure um comportamento imoral, mas a Administração Pública e o próprio Estado, que se vê questionado em sua própria justificativa. Ademais, o princípio constitucional da moralidade, no atual sistema, ostenta a envergadura constitucional e, dessa forma, vincula o agente público. Em razão do diploma legal em que está topografado, o legislador infraconstitucional instituiu a Ação Civil Pública, bem como a sanção suspensiva do gozo dos direitos políticos previsto na Lei 8.429/92, criando um valioso mecanismo de resguardo do princípio superior e autônomo da moralidade administrativa. É a probidade administrativa, portanto, um direito difuso titularizado por toda a sociedade e por esta razão é cabível ação civil pública. Este entendimento é albergado pelos tribunais superiores, notadamente pelo Superior Tribunal de Justiça que já afirmou em diversos julgados ser “cabível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado” (REsp 507.142/MA, 2ª. Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15.12.2005). 4.1 Da incidência da Lei 8.429/92 à pessoa estranha ao serviço público 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA O grande esquema de fraudes contra o Pronaf foi liderado exatamente por DÁCIO SOUSA DA SILVA, pessoa alheia ao serviço público, pois não exerce qualquer cargo ou função pública, mas que concorreu e induziu, diretamente, para a prática de atos de improbidade por parte de servidores públicos, também aqui demandados. O fato de não exercer cargo público na Administração Público não exime a responsabilidade de Dácio. A incidência da Lei de Improbidade Administrativa é ampliado pela norma de extensão do art. 3º do diploma legal, incluindo-se aqueles que não se enquadram no conceito de agente público, previsto no art. 2º, mas que direta ou indiretamente tenham contribuído para prática do ato de improbidade ou tenha se beneficiado direta ou indiretamente deste. É o seguinte a redação do dispositivo: Art. 3°. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Deve-se atentar unicamente para a ressalva vislumbrada no artigo, no sentido de que as disposições devem ser aplicadas “no que couber”, vale dizer, as sanções impostas devem ser compatíveis com as peculiaridades do beneficiário. No presente caso, é evidente que DÁCIO SOUSA DA SILVA induziu, concorreu e logrou proveito com o ato ímprobo praticado pelos servidores devendo incidir, no que couber, nas sanções da LIA. 4.2 Dos atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito Tendo em mente o esquema de fraudes praticados pelos demandados, DÁCIO obteve diretamente expressiva vantagem econômica, enriquecendo-se ilicitamente as custas de verbas federais destinados a programas de fomento da agricultura familiar, incorrendo na descrição do inciso I do art. 9º da Lei de Improbidade, a seguir transcrito. Art. 9°. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; (…) É flagrante a concorrência de DÁCIO com os servidores públicos aqui demandados, almejando receber vantagem econômicas direta em prejuízo de bens da União. Tal vantagem econômicas indevida só foi possível com o amparo das ações e omissões de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA e LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES, servidores públicos que, utilizando-se dos cargos que ocupam, oportunizaram o enriquecimento ilícito de DÁCIO SOUSA DA SILVA. Por essas razões, incorreram igualmente na conduta legal acima descrita. 4.2 Dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário Além de comportar-se em desacordo com os princípios que regem a atuação do agente público, os servidores públicos aqui envolvidos praticaram condutas que causaram expressiva lesão ao erário federal. Ao proporcionar a concessão dos financiamentos às pessoas que sequer eram produtoras rurais e que, portanto, não poderiam aplicá-lo no programa, os demandados viabilizaram a obtenção de vantagem indevida pelos tomadores do crédito rural e, consequentemente, prejuízo ao erário federal, notadamente diante dos documentos formal e ideologicamente falsos que compunham o procedimento de requerimento do crédito. Há exato enquadramento das condutas de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA e LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES no art. 10 da Lei 8.429/92, que prevê atos que causam prejuízo ao erário. Vejamos: 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Art. 10. constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente. É exatamente em relação aos agentes públicos que exercem funções em instituições financeiras, que se revestem da forma de empresa pública ou sociedade de economia mista, como é o caso, que o inciso VI se ocupa. A atuação desses agentes deve estar pautada estritamente na legislação bancária, financeira e demais regulamentos. A inobservância dolosa ou culposa da regência legal pertinente às estas operações caracteriza a primeira hipótese de improbidade tratada no inciso alhures. Não subsistem dúvidas quanto a atuação dos servidores públicos demandados de forma alheia a normatividade bancária e financeira, inobservando condutas previstas em norma cogente da instituição financeira, postas, exatamente, para evitar as fraudes na obtenção dos recursos financeiros. Ao agir desse modo, promoveram a aplicação irregular das verbas destinadas ao Pronaf, e agrediram diretamente a moralidade, que interessa não só 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA ao funcionário público, mas a toda a Administração e ao próprio Estado, que se vê questionado quanto aos valores que elegeu como orientadores de sua atuação. O ato dos demandados, como agente bancária e gerente dos valores oriundos do Ministério de Desenvolvimento Agrário e destinados ao Pronaf, subsume-se integralmente à normatividade do art. 10 da Lei 8.429/92, conforme visto acima. Imperioso ressaltar, ainda, que o prejuízo causado ao erário federal deve ser atribuído aos agentes a título de dolo, cabendo falar em autêntico ato imoral, aético e desonesto no exercício das funções públicas. 4.2 Dos atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública O direito, como ciência que é, compõe-se de princípios e normas. Princípios são os alicerces, os fundamentos de uma ciência, proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Além disso, desempenham a relevante função de interpretação das normas que lhes têm como o fundamento de validade em sua aplicação no mundo jurídico. Os agentes públicos sujeitam-se à incidência de princípios, a começar pelos encartados na Constituição Federal, sede normativa dos princípios básicos da Administração Pública. Os atos praticados pelo demandado se configuram em autênticos atos de improbidade administrativa, atentando contra os princípios administrativos insculpidos no artigo 37, “caput”, da Carta Magna, notadamente os princípios da moralidade, legalidade e eficiência, merecendo as sanções do §4º do mesmo dispositivo. Confira-se: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Em nível legal, a conduta de GILBERTO AFONSO SIQUEIRA demandado se enquadra na Lei 8.429/92, que trata dos atos de improbidade administrativa, em especial em seu artigo 11, que cuida dos atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública, encontrando o caso perfeita sintonia com a conduta descrita nos incisos I e II do referido dispositivo, in verbis: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...) I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência; II – retardar ou deixar de praticar ato de ofício. Em assim sendo, ao autorizar a contratação dos financiamentos mediante documentos fraudados, e sendo estes de seu conhecimento, e, ainda, sem realizar as fiscalizações necessárias para a liberação gradativa das parcelas do financiamento, o demandado incorreu em desvio de finalidade. Isto porque, conforme foi visto alhures, atuou de tal forma motivado pela consequente promoção na carreira que os resultados de tantos financiamentos lhe proporcionariam. Além de praticar ato visando fim proibido em lei – promoção na carreira – o demandado deixou de praticar atos de ofício. Foi visto que ao receber os documentos de requerimentos dos financiamentos, não realizava as vistorias necessárias nos empreendimentos agrícolas pretensamente objetos da aplicação dos financiamentos, muitos deles com valores elevados – em média R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Se outra tivesse sido a postura do demandado, atuando de acordo com o Princípio da Legalidade stricto sensu, certamente desmotivaria aqueles que estavam se beneficiando irregularmente do 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA programa. Deste modo, merece o demandado a condenação deste juízo, aplicando-se as sanções previstas no artigo 12, III, da LIA, que dispõe: Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). (…) III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Já a servidora LIDIANE REGINA NOGUEIRA DAS NEVES, também incorreu em atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública, especificamente ao praticar a conduta abstratamente descrita no inciso I, do art. 11 da LIA que consubstancia o princípio da legalidade. As investigações demonstram que a servidora concorreu para que GILBERTO obtivesse sua promoção na carreira, evidenciando o fim proibido por lei, haja vista que os ato praticados no exercício da função almejam alcançar os objetivo propostos pela instituição financeira, e não aqueles de caráter pessoal de ascendência na carreira, ainda que de outrem. Imperioso registrar que as condutas descritas no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa preveem tão somente um rol exemplificativo, autorizando o intérprete a compreender que importa em atentado aos princípios 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA quaisquer “ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”, ensejando a punição nas sanções do art. 12, inciso III da aludida Lei. As condutas numerada não constituem, pois, rol taxativo, mas indicam que as condutas ali descritas são as mais reprováveis e deletérias aos princípios administrativos , a ponto de merecerem específica tipificação legal. Já foi exaustivamente descrito alhures que LIDIANE não esclarecia aos tomadores do financiamento as condições reais da contratação, mantando-os em erro, mediante engodo. Sabe-se, igualmente, que a servidora concorreu para a contratação de empréstimos por pessoas que era de seu conhecimento, não se enquadravam como beneficiárias do programa federal. Dessa forma, resta inequívoca a prática de conduta vedada por lei, atentando diretamente contra os princípios da Administração Pública, violando notadamente os deveres de legalidade e honestidade às instituições. 5 DOS PEDIDOS Diante de todo o exposto requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: a) a notificação prévia dos requeridos para, querendo, apresentarem defesa prévia – nos termos do procedimento especial instituído pela Lei 8.429/92; b) o recebimento da inicial, seguido da citação dos réus nos endereços mencionado no preâmbulo para, querendo, apresentarem contestação, no prazo legal, sob pena de revelia; c) a intimação do Banco do Brasil S/A, na pessoa de um de seus representantes legais, para que tome ciência da propositura da ação, e demonstrando o interesse jurídico, participe da mesma; d) a intimação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, para que tome ciência da presente ação e, da mesma forma, manifeste interesse jurídico para atuar na causa; 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA e) seja a presente ação julgada totalmente procedente para, reconhecendo a responsabilidade dos requeridos pelas irregularidades acima mencionadas, condená-los, à luz do art. 12, inciso I, II e III , da Lei 8.429/92, nas seguintes sanções: e.1) perda das funções públicas, caso ainda estejam exercendo; e.2) inabilitação para assumir qualquer cargo ou função pública de 5 (cinco) a 8 (oito) anos; e.3) ressarcimento integral do dano; e.4) suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) anos a 10 (dez) anos; e.5) pagamento de multa civil de 3 (três) vezes o valor do dano; e.6) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos f) Sejam os requeridos condenados a arcar com o pagamento das custas processuais em sua integralidade; g) o deferimento de todos os meios de prova admitidos em direito, em especial oitiva de testemunhas, perícias técnicas nos documentos e vistorias in loco, sem embargo das demais a serem especificadas em fase posterior; Dá-se o valor da causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Santarém (PA), 10 de dezembro de 2014. JANAINA ANDRADE DE SOUSA Procuradora da República 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Rol de Testemunhas: 1) ██████████████████ 2) ██████████████████ 3) ██████████████████ 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA