EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ITAITUBA/PA PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA “...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”1. Inquérito Civil 1.23.008.000089/2014-98 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem, perante a presença de Vossa Excelência, através do Procurador da República subscrito, no regular exercício de suas atribuições institucionais, com base nos artigos 129, III da Constituição Republicana c/c o art. 5º,III a/e da Lei Complementar nº 75/93 e art. 6º, caput da Lei 7.347/85, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), Autarquia Federal, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ 16.727.230/0001-97, com endereço na Av. VI do Ipasep, s/n, c 9, CEP 68.181-010, Centro, Itaituba/ PA. pelas razões de fato e direito a seguir expostas: 1Santos, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural.Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, 974, salé - CEP 68040-400 – Santarém/PA DO OBJETO DA AÇÃO A presente ação tem por finalidade a tutela de direitos individuais homogêneos indisponíveis (de relevante interesse social) protegendo, imediatamente, o direito fundamental à previdência social, constante no caput do art. 6° da CF/88, de comunidades tradicionais e, indiretamente, o patrimônio cultural brasileiro, uma vez que a Agência da Previdência Social em Itaituba/PA não aceita os documentos constantes da Ação Civil Pública n. 2006.39.02.0005120 (renumeração 512-39.2006.4.01.3902) como início de prova de atividade rural para efeitos de aposentadoria especial e demais benefícios previdenciários dos comunitários do PAE Montanha- Mangabal. DOS FATOS Da histórica existência da população extrativista Montanha-Mangabal O território de Montanha Mangabal se localiza à margem esquerda do Alto Tapajós, ao sul do Parque Nacional da Amazônia, em uma área de 66.391,5523 hectares entre o igarapé Montanha ao norte, o igarapé José Rodrigues ao sul, o rio Tapajós a leste e a rodovia Transamazônica ( BR 230) a oeste. A ocupação ribeirinha remonta remonta a meados do século XIX. Segundo estudos técnicos, o grupo se manteve coeso por diferentes momentos históricos, desde o período da borracha, passando pelo enfrentamento com povos indígenas, a exploração garimpeira na bacia do Tapajós, a expropriação territorial ocorrida com a criação do Parque Nacional da Amazônia, até a apropriação ilegal de terras promovida pela empresa Indussolo, que anunciava ser proprietária de 1.138.000 hectares na região onde se situa o grupo ribeirinho e ameaçava expulsá-los do local. Do reconhecimento antropológico e judicial de Montanha-Mangabal como comunidade tradicional No ano de 2006, visando a proteção da população de montanha mangabal, bem como evitar conflito fundiário e tendo por base estudo técnicos 2 , o 2TORRES, M. & FIGUEIREDO,W. Caracterização da ocupação, por população ribeirinha, da porção da margem esquerda do Rio Tapajós compreendida entre os igarapés Montanha e José Rodrigues , Alto Tapajós, Itaituba, Pará. Relatório de levantamento de dados no interesse do PA 1.23.002.000109/2005-90. Santarém, 2006. Anexo à ACP n.2006.39.000512-0, Vara Única da Subseção Judiciária da Justiça Federal em Santarém, 2006. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA MPF ajuizou ação civil pública 2006.39.02.000512-0, tendo logrado êxito no deferimento liminar da interdição completa da área a qualquer pessoa não pertencente às famílias de Montanha-Mangabal. No mesmo ano, o IBAMA realizou consulta pública para debater a proposta de criação de uma Reserva Extrativista (RESEX), aprovada unanimemente pelos ribeirinhos. Sucede que a proposta não foi atendida integralmente, contudo o caráter de comunidade tradicional da população permaneceu incólume, tanto que foi instituído na localidade um PAE, Projeto de Assentamento Agroextrativista. Veja-se que não paira qualquer dúvida referente ao modo tradicional de viver da comunidade Montanha-Mangabal. Do amparo à previdência social e documentos que configuram inicio de prova da condição de beneficiário O legislador constitucional sob uma perspectiva de cunho social e inspirado no princípio da dignidade da pessoa humana destacou algumas normas de elevada carga fraternal. Neste sentido, no capítulo da Constituição Federal sobre a previdência social, previu o amparo especial ao homem do campo. Neste grupo, inserem-se as comunidades tradicionais, reconhecidos como detentores do direito à aposentadoria como segurado especial pelo Instituto Nacional do Seguro Social INSS. Assim, se o constituinte originário protegeu o trabalhador rural e o infraconstitucional também entendeu que a proteção dos indígenas está assegurada, não se pode excluir de tal proteção as comunidades tradicionais. Daí por que se proteger as famílias da Montanha-Mangabal no deferimento de benefícios previdenciários. Nesta senda, não se pode perder de vista a perspectiva interpretativa pautada na Convenção 169 da OIT, que assegura a igualdade de tratamento e 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA oportunidade aos povos indígenas e tribais, oportunizando a realização de direitos fundamentais da pessoa humana, sem discriminações desarrazoadas. Importante ressaltar que, embora a Autarquia Previdenciária não reconheça a legitimidade das comunidades tradicionais para obtenção de benefício previdenciário, há tal previsão no Decreto n. 6.040/07, regulamentando a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Art. 3°, VIII: garantir no sistema público previdenciário a adequação às especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decorrentes destas atividades; A Convenção n. 169, da OIT, que no Brasil tem status de norma supralegal reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, observa-se que: Art.2° 1. Os governos terão a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática para proteger seus direitos e garantir respeito à sua integridade. 2. Essa ação incluirá medidas para: a) garantir que os membros desses povos se beneficiem, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades previstos na legislação nacional para os demais cidadãos; b) promover a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições; c) ajudar os membros desses povos a eliminar quaisquer disparidades socioeconômicas entre membros indígenas e demais membros da comunidade nacional de uma maneira compatível com suas aspirações e estilos de vida. (grifos nossos) Ademais, a Lei 8.213/91, ao concretizar o direito constitucional, apresenta como segurado da Previdência Social, no seu art. 11, o segurado especial, que define, em seu inciso VII, incluindo o extrativista, da seguinte forma: (omissis); VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) 1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) 2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) § 1º. Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) No mesmo sentido, a INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 45, de 6 de agosto de 2010, em seu Art. 7, inciso I, alínea 'b', no mesmo caminho, reconhece a condição de segurado especial ao extrativista vegetal que exerça, de modo sustentável, a coleta ou extração de recursos naturais renováveis e faça dessa atividade o seu principal meio de vida. Trata-se, exatamente, da situação dos comunitários de Montanha e Mangabal. Atentese ao texto da IN 45: Art. 7º É segurado na categoria de segurado especial, conforme o inciso VII do art. 9º do RPS, a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: I - produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: a) agropecuária em área contínua ou não de até quatro módulos fiscais, observado o disposto no § 17 deste artigo; e b) de seringueiro ou extrativista vegetal na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis, e faça dessas atividades o principal meio de vida; 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA II - pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida, observado o disposto no inciso IX do § 1º deste artigo; e III - cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado do segurado de que tratam os incisos I e II deste artigo que, comprovadamente, tenham participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar. Em relação à comprovação, isto é, do início de prova para atestar a condição efetiva de segurado especial, vale o destaque dos seguintes dispositivo da mesma IN 45, em especial o trecho negritado: Art. 122. Considera-se início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, entre outros, os seguintes documentos, desde que neles conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o disposto no art. 132: I - certidão de casamento civil ou religioso; II - certidão de nascimento ou de batismo dos filhos; III - certidão de tutela ou de curatela; IV - procuração; V - título de eleitor ou ficha de cadastro eleitoral; VI - certificado de alistamento ou de quitação com o serviço militar; VII - comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador ou dos filhos; VIII - ficha de associado em cooperativa; IX - comprovante de participação como beneficiário, em programas governamentais para a área rural nos estados, no Distrito Federal ou nos Municípios; X - comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de empresa de assistência técnica e extensão rural; XI - escritura pública de imóvel; XII - recibo de pagamento de contribuição federativa ou confederativa; XIII - registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como testemunha, autor ou réu; XIV - ficha ou registro em livros de casas de saúde, hospitais, postos de 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA saúde ou do programa dos agentes comunitários de saúde; XV - carteira de vacinação; XVI - título de propriedade de imóvel rural; XVII - recibo de compra de implementos ou de insumos agrícolas; XVIII - comprovante de empréstimo bancário para fins de atividade rural; XIX - ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou outras entidades congêneres; XX - contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, à colônia ou à associação de pescadores, produtores rurais ou a outras entidades congêneres; XXI - publicação na imprensa ou em informativos de circulação pública; XXII - registro em livros de entidades religiosas, quando da participação em batismo, crisma, casamento ou em outros sacramentos; XXIII - registro em documentos de associações de produtores rurais, comunitárias, recreativas, desportivas ou religiosas; XXIV - Declaração Anual de Produtor - DAP, firmada perante o INCRA; XXV - título de aforamento; XXVI - declaração de aptidão fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais para fins de obtenção de financiamento junto ao PRONAF; XXVII - cópia de ficha de atendimento médico ou odontológico; XXVIII - cópia do DIAC/DIAT entregue à Receita Federal; e XXIX - cópia do Documento de Informação e Atualização Cadastral - DIAC do ITR e Documento de Informação e Apuração do ITR - DIAT entregue à Receita Federal. O fato é que, conforme o caput do art. 122 transcrito acima, o rol de documentos que servem de início de prova material é exemplificativo, de modo que tudo o que se colaciona (Tese de Mestrado, Cópia de documentos de Ação Civil Pública, Informação do ICMBio) precisa, por sua riqueza de informações e segurança das fontes, ser considerado. Além disso, o Inciso XIII do art. 122 da IN 45 considera como início de prova o registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA testemunha, autor ou réu. Nesse sentido, a cópia da Inicial da Ação Civil Pública, em anexo, que, como apontado, apresenta o representante de cada uma das 101 famílias da população tradicional de Montanha Mangabal, com esta recomendação, em poder do INSS, deve servir de início de prova material. Assim, não há falar em ausência de norma que constitua óbice ao reconhecimento dos direitos previdenciários aos comunitários de Montanha-Mangabal. Da incongruência do INSS na exigência de documentos incompatíveis com a condição de população tradicional Não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela necessidade de primeiro se buscar o pleito previdenciário na esfera administrativa, diretamente nas agências da previdenciária social e somente depois de negado o benefício, requerer-se o pleito judicial mente. 3 Seguindo esta diretriz, o Parquet Federal no dia 22 de janeiro de 2013, instaurou-se o Inquérito Civil Público- ICP 1.23.002.000063/2013-19 “tendo como objeto apurar o problema relacionado ao indeferimento de pedidos de aposentadoria rural por comunitários de população tradicional Montanha Mangabal”. Nos autos do referido ICP constituiu-se diversos meios de provas, dentre as quais a expedição de diversos ofícios para o INSS e ainda a Recomendação/3° Ofício/ PRM/STM n. 2 de 26 de fevereiro de 2013, para recomendar ao Chefe da Agência da Previdência Social do INSS em Itaituba/PA que orientasse o setor responsável daquela Agência a considerar os documentos referentes ao processo judicial n. 2006.39.02.000512-0 como início de prova da condição de segurado especial. À época, a recomendação do MPF foi atendida, de modo que aquele ICP perdeu objeto e ato contínuo foi arquivado. Ocorre que no ano de 2014, diante das constantes notícias de que a Autarquia Previdenciária vinha estabelecendo como marco inicial o ano de 2006 3 RE 631.240/MG, julgado em 27/08/2014. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA para reconhecimento dos moradores de Montanha Mangabal como população tradicional, o Ministério Público Federal, instaurou o IC 1.23.008.000089/201498, no bojo do qual expediu-se recomendação para que não se considerasse a data da decisão judicial proferida no processo judicial n. 2006.39.02.000512-0, como marco para inicio de prova, contudo, apesar de informar que cumpriria a recomendação, a Autarquia passou a exigir documentos não compatíveis com segurado que ostenta a condição de população tradicional, bem como passou a não reconhecer as declarações emitidas pela associação d os moradores de MontanhaMangabal, indeferindo os pedidos de benefícios previdenciários, em especial o de aposentadoria, conforme faz prova o documento de fls. 02 /05 e 29/30, em anexo. Isto posto, outra solução não restou a este Órgão Ministerial a não ser se socorrer da presente ACP para estancar toda e qualquer dúvida quanto à aceitação da ação judicial 2006.39.02.000512-0 como início de prova material para fins previdenciários da comunidade Montanha-Mangabal. Da interpretação extensiva do art. 106, III, da lei n. 8.213/91 sob pena de violação do princípio da igualdade material Sabe-se que na seara da Administração Pública o princípio da legalidade é lido sob uma perspectiva diferenciada da seara privada, nesta, tudo o que não é proibido por lei é permitido ao particular; naquela, não. Só está a Administração Pública autorizada a fazer o que a lei autorizou. Nesta toada, prevê o art. 106, III, da Lei de Planos de Benefícios quais os meios de provas admitidos à comprovação da atividade rural para fins previdenciários, havendo destaque para o inciso III: Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (...) III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; (grifos nossos) Contudo, não se pode aceitar que a ré mantenha um entendimento meramente formal do 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA diploma legal acima indicado. É preciso que seja feita uma interpretação sistemática das normas postas no ordenamento jurídico, sob pena de negação de direitos. Entrementes, cabe a Autarquia ré, observar o contido no Art. 3o do Decreto n. 6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidade Tradicionais, institui dentre os seus objetivos: VIII - garantir no sistema público previdenciário a adequação às especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decorrentes destas atividades. Se a interpretação sistemática não for observada pelo INSS, com o consequente indeferimento dos pleitos previdenciários dos moradores da comunidade Montanha-Mangabal por não apresentação de documentos incompatíveis de apresentação pela população tradicional que tem modo de viver próprio. Exatamente por essas particularidades dos povos tradicionais, os direitos previdenciários devem ser respeitados e tutelados pela legislação brasileira. Interpretar de modo diverso os dispositivos constitucionais, descaracterizando seu caráter protetivo, seria a negação de sua identidade cultural e uma subversão do sistema de proteção social estabelecido no direito brasileiro. Nesse contexto, o princípio da igualdade perde a noção homogeneizante antes presente para dar espaço, ao lado da igualdade formal e material, ao reconhecimento do direito à diferença. Já é clássica, nesse diapasão, a lição de Boaventura Souza Santos, para quem temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. Por essas razões, pretende-se demonstrar que o entendimento do INSS se mostra incompatível com a Constituição da República e com convenções internacionais firmadas pelo Brasil, além de contrário à legislação infraconstitucional correspondente, pois está dissociado da visão multicultural prevista na lei fundamental, por meio da qual o direito à igualdade não pode ser visto apenas como fonte formal ou material de equiparação de indivíduos, mas também como diretriz para o reconhecimento da diferença. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DA PRIMEIRA REGIÃO O direito brasileiro tem cada vez mais se pautado nos entendimentos jurisprudenciais como fonte do direito, isso por que, muitas vezes, a problemática anteriormente enfrentada pelo magistrado resulta numa síntese que serve como parâmetro para diversos outros casos. Veja-se, por exemplo, o decidido pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região: PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. RELATIVIZAÇÃO DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL DOS TRABALHADORES ATENDIDOS PELOS JUIZADOS ITINERANTES DO AMAZONAS. PRECEDENTE DA TNU. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A TNU, por sua vez, já pacificou o entendimento de que, nas populações ribeirinhas amazônicas, o início de prova material deve ser flexibilizada, em face das peculiaridades do trabalhador da floresta, o qual se encontra muito mais afastado de um centro urbano do que o trabalhador da roça. Nesse sentido, o Pedilef 2009.32.00.704371-9, DJ 710-2011, relatado pelo Sr. Juiz Jorge Gustavo Costa, e Pedilef 2008.32.00.702625-0, DJ 8-2-2011, relatado pelo Sr. Juiz José Eduardo do Nascimento. 3. Não se pode ignorar que, em determinadas situações, a prova documental é quase impossível de ser obtida pelo cidadão humilde e sem acesso a determinados recursos materiais e humanos. É o caso dos presentes autos, em que a autora reside no interior do estado do Amazonas e a possibilidade de materialização de documentos comprovantes da atividade rural é demasiadamente reduzida. (...)." (PEDILEF 00003365620114013200, Juiz Federal Glaucio Ferreira Maciel Gonçalves, DOU 15/03/2013.) 8. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. Assim, não existe óbice ao INSS em flexibilizar os meios de provas exigidos das comunidades ribeirinhas, em especial quando se trata de tradicional comunidade como é a Montanha-Mangabal como forma do Poder Executivo contribuir para a construção de uma sociedade multicultural e pluriétnica. Esse paradigma insere os direitos dessas comunidades no campo dos direitos fundamentais, de modo que a proteção dos diversos grupos que compõem a identidade nacional visa assegurar-lhes, em último grau, a dignidade humana, tendo em vista o ideal emancipatório – de autodeterminação - que subjaz a esta nova concepção. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A Constituição Federal de 1988 previu expressamente como função precípua 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA da instituição Ministério Público a instauração de Inquérito Civil Público buscando a defesa dos direitos e interesses que afetam diretamente a sociedade de forma relevante, sendo-lhe concedido o exercício de funções compatíveis com o mister que lhe foi dado. A legitimidade ativa ad causam do Ministério Pública encontra previsão expressa na inteligência dos artigos 129, III, da Constituição Federal; art. 5º e 6°da Lei Complementar n. 75 nos respectivos termos: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Art. 5º. São funções institucionais do Ministério Público da União: III – a defesa dos seguintes bens e interesses: (...) c) o patrimônio cultural brasileiro; e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso; Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União: XIV – promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: d) ao patrimônio cultural brasileiro; Acresça-se a isso que constitui função institucional do MPU zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social (art. 5º, inciso II, alínea d, da Lei Complementar nº 75/93). Diante desse quadro, resta incontroverso o cabimento da presente ação civil pública, assim como a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para seu ajuizamento. A propósito, cumpre ressaltar que o direito à obtenção de benefícios previdenciários, por materializar o direito social à previdência social previsto no art. 6º da Constituição Federal, é dotado de caráter fundamental, de modo que a indisponibilidade se apresenta como uma característica que lhe é inerente. Tratando-se de direitos individuais homogêneos de caráter indisponível1, incumbe ao MPF promover sua concretização. Ainda que não se analise a questão sob o prisma da indisponibilidade, há de ser reconhecido o caráter socialmente relevante do interesse em questão, conforme já se 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA manifestou o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESTINADA À TUTELA DE DIREITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA (NO CASO, REVISÃO DE BENEFÍCIOS). EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECONHECIMENTO. 1. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, os interesses individuais homogêneos classificam-se como subespécies dos interesses coletivos, previstos no art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, a Lei Complementar n.º 75/93 (art. 6.º, VII, a) e a Lei n.º 8.625/93 (art. 25, IV, a)legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e coletivos. Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do Parquet para a ação civil pública pertinente à tutela de direitos individuais homogêneos, ao argumento de que nem a Lei Maior, no aludido preceito, nem a Lei Complementar 75/93, teriam cogitado dessa categoria de direitos. 1 À guisa de esclarecimento, é a percepção patrimonial das parcelas do benefício que é disponível, mas não o direito fundamental à sua percepção. . 2. A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos individuais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transindividuais 3. Restando caracterizado o relevante interesse social, os direitos individuais homogêneos podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público mediante a ação civil pública. Precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial deste Tribunal. 4. No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da seguridade social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevante interesse social, viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública, ainda que se trate de direito disponível (STF, AgRg no RE AgRg/RE 472.489/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 29/08/2008). 5. Trata-se, como se vê, de entendimento firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal confiou a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, entendimento esse aplicado no âmbito daquela Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária (STF, AgRg no AI 516.419/PR, 2.ª Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 30/11/2010). 6. O reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tanto em face do inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da inegável economia processual, evitando-se a proliferação de demandas individuais idênticas com resultados divergentes, com o consequente acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma prestação jurisdicional eficiente, célere e uniforme. 7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve ser restabelecida a jurisprudência desta Corte, no sentido de se reconhecer a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA civil pública destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária. 8. Recurso especial desprovido.” (STJ, REsp 2009.01.02844-1, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE 01/02/2011) (grifei) No que tange à competência do Poder Judiciário Federal para processar e julgar a presente causa, esta se firma, nos termos do art. 109 da Constituição (incisos I e XI, respectivamente), por se tratar de demanda em que há no polo passivo da relação processual o INSS, autarquia federal Registre-se que o Ministério Público Federal vem construindo um trabalho de reconhecimento histórico das centenas de famílias que compõem a comunidade de Montanha Mangabal, havendo em curso ACP que explicita o modo tradicional de viver de cada uma dessas famílias, não sendo razoável que a Autarquia Federal Previdenciária apresente óbice ao reconhecimento judicial, bem como do próprio poder executivo federal ao instituir o PAE MONTANHA-MANGABAL4. Pode-se afirmar, portanto, que, há interesse inequívoco a ser defendido por este órgão Ministerial Federal, devendo a ação tramitar na Justiça Federal, uma vez que proposta em face de Autarquia Federal, nos termos do disposto no art. 109, I, da Constituição Federal5. DO DANO MORAL COLETIVO Demonstradas as ilegalidades e inconstitucionalidades contidas na postura da autarquia previdenciária, a qual tem deixado de observar as peculiaridades socioculturais do povo tradicional para indeferir os benefícios previdenciários, mostra-se patente a existência de ato ilícito capaz de gerar lesão não patrimonial a toda a comunidade, de modo a ensejar a responsabilidade civil do Estado, sob a forma de dano moral coletivo. A compreensão da ideia de “dano moral coletivo” pressupõe que o abalo não esteja relacionado especificamente aos membros de uma determinada coletividade. Em outras palavras, não se exige que haja perturbação física ou psíquica de algum integrante do grupo, e sim que haja uma ofensa a um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo 4http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/10/31/ribeirinhos-tem-conquista-historica-em-area-de- barragens-do-tapajos/ acesso em 08.04.2015 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. (grifo nosso) 5Art. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA coletivamente considerado, a um sentimento geral daquele grupo determinado ou indeterminado de pessoas. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem evoluído para admitir a sua ocorrência, conforme se depreende dos seguintes precedentes: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DETELEFONIA – PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES – DANO MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE - OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAISMEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL - CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO STADUAL ADEQUADO. 1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. 2.á realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012). 3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade. 4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos. 5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-MIX", pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso; c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas. 6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra).” (STJ, REsp 1291213/SC, Terceira Turma, Rel. Min. Sindei Beneti, DJE 25/09/2012, p. 118) (grifei) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. INTERRUPÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL COLETIVO.DEVER DE INDENIZAR. 1. Cuida-se de Recursos Especiais que debatem, no essencial, a legitimação para agir do Ministério Público na hipótese de interesse individual homogêneo e a caracterização de danos patrimoniais e morais coletivos, decorrentes de frequentes interrupções no fornecimento de energia no Município de Senador Firmino, culminando com a falta de eletricidade nos dias 31 de maio, 1º e 2 de junho de 2002. Esse evento causou, entre outros prejuízos materiais e morais, perecimento de gêneros alimentícios nos estabelecimentos comerciais e nas residências; danificação de equipamentos elétricos; suspensão do atendimento no hospital municipal; cancelamento de festa junina; risco de fuga dos presos da cadeia local; e sentimento de impotência diante de fornecedor que presta com exclusividade serviço considerado essencial. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes do STJ. 4. A apuração da responsabilidade da empresa foi definida com base na prova dos autos. Incide, in casu, o óbice da Súmula 7/STJ. 5. O dano moral coletivo atinge interesse não patrimonial de classe específica ou não de pessoas, uma afronta ao sentimento geral dos titulares da relação jurídica-base. 6. O acórdão estabeleceu, à luz da prova dos autos, que a interrupção no fornecimento de energia elétrica, em virtude da precária qualidade da prestação do serviço, tem o condão de afetar o patrimônio moral da comunidade. Fixado o cabimento do dano moral coletivo, a revisão da prova da sua efetivação no caso concreto e da quantificação esbarra na Súmula 7/STJ. 7. O cotejo do conteúdo do acórdão com as disposições do CDC remete à sistemática padrão de condenação genérica e liquidação dos danos de todos os munícipes que se habilitarem para tanto, sem limitação àqueles que apresentaram elementos de prova nesta demanda (Boletim de Ocorrência). Não há, pois, omissão a sanar. 8. Recursos Especiais não providos.” (STJ, REsp 1197654/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 08/03/2012) (grifei) No caso em exame, o ato ilícito da autarquia previdenciária consiste na flagrante desconsideração das tradições, costumes e modos de vida do povo tradicional sem qualquer reconhecimento do direito à diferença, gerando neste povo um sentimento geral de desrespeito a suas peculiaridades socioculturais. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Como dito acima, a configuração do dano moral coletivo, no caso em exame, independe de prova de dor ou sentimento psíquico de uma ou algumas dos membros da comunidade, pois decorre objetivamente do ato administrativo homogeneizante da autarquia, segundo o qual aqueles modos de vida são tidos simplesmente como “não considerados” ou “inválidos”. Trata-se, pois, de dano moral in re ipsa. No que concerne à quantificação, em que pese o caráter não patrimonial da reparação, entende-se que a fixação do valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) se mostra razoável a fazer valer o caráter compensatório da indenização, sem deixar de observar o seu viés pedagógico e desestimulador de novas práticas similares pelo INSS. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA Inicialmente, cumpre lembrar o conteúdo da Súmula 729 do STF, que veda a concessão de antecipação de tutela em alguns casos, mas exclui as causas de natureza previdenciária: “A DECISÃO NA AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE NÃO SE APLICA À ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM CAUSA DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA”. Isso ocorre para que não se esvazie o princípio da inafastabilidade da jurisdição em matéria de direitos fundamentais. Em outra banda, a concessão de antecipação de tutela, no bojo da ACP, tem respaldo no art. 12, caput, da Lei n.7.347/85, que informa que “poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”, e além disso, deve-se observar os pressupostos contidos no Código de Processo Civil. Nos termos do art. 273 do CPC, presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Veja-se a lição do Ministro Teori Albino Zavascki (Antecipação da Tutela, São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 75-76): Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade. O juízo de verossimilhança reside em um preliminar juízo de probabilidade, resultante da ponderação dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta, cumprindo anotar que, em sede de ação civil pública, a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior, já que com ela quer-se operar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens cuja titularidade não é particularizada em determinados indivíduos, como no caso vertente. Aqui está a se defender o direito coletivo à diversidade cultural, protegendo comunidades tradicionais e lhes garantindo uma vida digna. A verossimilhança da alegação é contundente, diante do material probatório disponível no IC e da argumentação acima traçada, apta a demonstrar os danos causados ao à população tradicional de Montanha-Mangabal. O perigo da demora também desponta com clareza. O indeferimento dos pedidos de concessão de benefícios previdenciários, enquanto não cessada essa injustiça, traz sérios transtornos às famílias do PAE Montanha-Mangabal, principalmente por que quem é busca a autarquia ré geralmente se encontra em estado de necessidade, reclamando proteção estatal como idosos, crianças, gestantes etc. Assim, a não concessão da liminar pode trazer sérios danos de ordem moral, de subsistência e de viés econômica aos comunitários, por consequência, ferindo-lhes direitos fundamentais próprios da pessoa humana. Assim, em sede de antecipação de tutela, vislumbrados em juízo perfunctório, a presença simultânea dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, tendo em vista a urgência no provimento aqui pretendido requer: a) que o INSS se abstenha de exigir documentos não 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA compatíveis com comunitários de as atividades desenvolvidas Montanha-Mangabal, a exemplo por de declaração de sindicato rural e declaração de agentes comunitários de saúde; b) que o INSS, obedecendo ao prazo decadencial de revisão do ato de concessão do benefício previdenciário (art. 347, Decreto 3.048/99), analise os pleitos indeferidos nos últimos 10 anos, não tendo como início de prova material de condição de segurado a data de ajuizamento da ACP 51239.2006.4.01.3902, qual seja 23 de marco de 2006, uma vez que o provimento judicial pleiteado nos referidos autos é meramente declaratório da condição de povos tradicionais dos moradores de Montanha-Mangabal. DOS REQUERIMENTOS FINAIS Diante de todo o exposto requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: a) a confirmação dos provimentos liminares acima explanados, determinando que; a.1) que o INSS se abstenha de exigir documentos não compatíveis com comunitários de as atividades desenvolvidas Montanha-Mangabal, a exemplo por de declaração de sindicato rural e declaração de agentes comunitários de saúde, sob pena de multa diária de 1.000,00 (um mil reais); a.2) que o INSS, obedecendo ao prazo decadencial de revisão do ato de concessão do benefício previdenciário (art. 347, Decreto 3.048/99), analise os pleitos indeferidos nos últimos 10 anos, não tendo como início de prova material de condição de segurado a data de ajuizamento da ACP 51239.2006.4.01.3902, qual seja 23 de marco de 2006, uma vez 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA que o provimento judicial pleiteado nos referidos autos é meramente declaratório da condição de povos tradicionais dos moradores de Montanha-Mangabal. b) condenar o INSS a proceder, quando do requerimento da população tradicional de Montanha-Mangabal, à análise dos pedidos de benefício previdenciários à luz da Recomendação/3°Ofício/PRM/STM n.2 de 26 de fevereiro de 201 ; c) a condenação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ao pagamento de dano moral coletivo, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais); d) a citação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na pessoa do seu representante judicial, qual seja a Procuradoria Federal, podendo ser citada na sede da APS Itaituba, para que tome ciência da propositura da ação, apresente contestação a presente demanda e integre a lide até final procedência, sob pena de revelia e confissão quanto a matéria de fato; e) a produção de provas por todos os meios admitidos em direito, em especial a prova documental. Trata-se de causa de valor inestimável, cujo valor aqui arbitrado para efeitos fiscais é o importe de R$ 1.000.00, 00 (hum milhão de reais). Santarém (PA), 08 de abril de 2015. JANAINA ANDRADE DE SOUSA Procuradora da República Rol de Testemunhas: 1) Ageu Lobo Pereira, Presidente da Associação Comunitária de Montanha-Mangabal, com endereço na Vilinha, dentro da Comunidade Montanha-Magabal, Itaituba/PA.Tel (093) 99181-1271; 2) Maurício Torres, pesquisador do ISA, podendo ser intimado no endereço eletrônico [email protected] 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA Lista de anexos: 1. Cópia da Inicial da Ação Civil Pública que gerou o processo nº 2006.39.02.000512-0; 2. Cópia da Decisão que concedeu a antecipação de tutela requerida na Ação Civil Pública, processo nº 2006.39.000512-0; 3. Cópia dos Embargos de Declaração do MPF à decisão que concedeu a tutela antecipada nos autos da Ação Civil Pública, processo nº 2006.39.02.000512-0; 4. Cópia da Decisão que acolheu os Embargos de Declaração do MPF, concedendo a Tutela Antecipada nos termos pleitados na Ação Civil Pública, processo nº 3. 2006.39.02.000512-0; 5. Cópia da minuta da INFORMAÇÃO Nº 22/2010 – CGFLOR/DIUSP/ICMBIO; 6. CD-ROM com Tese de Mestrado do Dr. Maurício Torres, tese apresentada em 2008, “O beirador e o grilador: ocupação e conflito no oeste do Pará”; 7. IC 1.23.008.000089/20014-98. 93 3522 8373 - www.prpa.mpf.gov.br Avenida Cuiabá, nº 974, Salé - CEP 68040-400 - Santarém/PA