José Pereira da Silva Ensaios de Fraseologia CiFEFiL/DIALOGARTS Rio de Janeiro 1998 FICHA CATALOGRÁFICA ISBN 85-86837-11-3 1 Epígrafes Pela tendência à cristalização, as frases feitas resistem através dos tempos, mas as palavras que as compõem perdem a potencialidade, neutralizam-se diante da imposição rítmica do texto. (FERNANDO SABINO). Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE). E, assim, o diamante bruto vai surgindo da ganga na crista do cômoro, graças a esses incansáveis perquiridores que o lapidam, aproveitando-lhe as mínimas facetas, para deslumbrar-nos com seu brilho e variadas cintilações. (TOMÉ CABRAL). Entre os autores, dos mais desvairados gêneros, figuram com certa freqüência os cronistas, por se mostrarem, em maior ou menor grau, bons espelhos da língua viva. (AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA). A tarefa social dos filólogos refere-se, de fato, aos textos de uso repetido: os filólogos são encarregados de vigiar a tradição litúrgica e também literária da comunidade. (HEINRICH LAUSBERG). A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. (DIÓGENES DA CUNHA LIMA FILHO). É fácil acusar a existência de um lugar-comum, mas nem todos sabem dizer em que consiste a verdade que o inspirou. (FERNANDO SABINO). 2 3 Dedicatórias À memória dos Mestres da Fraseologia: a) Antenor Nascentes: b) João Ribeiro; c) Luís da Câmara Cascudo; d) Leonardo Motta; e) Amadeu Amaral. À Dedicação Filológica e Amizade de que me orgulho e que me incentiva: a) Celso Cunha (de saudosa memória). b) Mário Camarinha (de saudosa memória). c) Leodegário A. de Azevedo Filho d) Evanildo Bechara e) Sílvio Elia 4 5 Agradecimentos Aos Colegas: Sebastião Gonçalves, Cláudio Sobrinho, Alfredo Maceira, Magali, Guaciara, Cristiane, Juvenal e Leonora pelo incentivo, amizade e colaboração; Aos Mestres, Orientadores e Amigos: Camarinha (de saudosa memória), Cafezeiro e Bélkior, pela segurança emanada e pela abnegada disponibilidade. 6 PREFÁCIO Estes trabalhos foram realizados e, alguns deles, publicados em diferentes épocas, com diferentes finalidades. O artigo intitulado A classificação das frases feitas de João Ribeiro foi escrito especialmente para a participação no III Encontro Interdisciplinar de Letras da Faculdade de Letras da UFRJ em 1986 e publicado em 1992, nos Anais do referido encontro, p. 191 a 200. Trata-se de uma tentativa de classificação do "discurso repetido", tomando como corpus as expressões estudadas por João Ribeiro, em seu livro, Frases feitas: estudo conjectural de locuções, ditados e provérbios. 2ª ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1960. 432 p. A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade foi estudada em três trabalhos: o primeiro, que se constitui em subsídios para um dicionário básico, foi orientado pelos professores Belchior Cornélio da Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas disciplinas no curso de mestrado em Filologia Românica. Nosso fichamento atingiu o número de 1889 verbetes, limitados por motivos práticos a uns 700, que nos pareceram mais interessantes. O segundo pretende trazer contribuições para a história e etimologia das expressões em questão e também foi escrita como trabalho do curso de mestrado. Pretendemos esclarecer a origem de algumas dessas construções proverbiais e indicar pistas que possam levar a tal esclarecimento das restantes. Contribuiremos, assim, para compreensão do seu verdadeiro sentido. O terceiro, Estrutura das frases feitas, é um trabalho de lingüística apresentado ao Prof. Edwaldo Cafezeiro, ao final de um curso sobre estruturas frasais, em 1984. Quanto à estrutura morfossintática dessas expressões, e considerando também o seu valor endossêmico (em nosso corpus), 69% delas se constitui de estruturas com valor de verbo, 13% com valor de advérbio, 10% com valor de substantivo, 7% com valor de adjetivo e 2% com valor de interjeição. Quanto à estrutura morfológica, 45 das frases 93 frases feitas estudadas começam com verbos, 14 começam com advérbios, 14 com preposições, 9 com pronomes, 6 com artigos, 3 com conjunções, 1 com substantivo e 1 com adjetivo. O estudo comparativo da fraseologia românica apresenta algumas questões teóricas sobre o assunto, além de uma relação de 108 expressões aproximadamente equivalentes semanticamente em português, galego, espanhol, francês, italiano, romeno e latim. 7 Com este trabalho comparativo, acreditamos que, analisada do ângulo da fraseologia, a unidade lingüística românica será compreendida de um modo bastante globalizante. Talvez maior do que se o for considerada de qualquer outro ponto de vista. Por fim, relacionamos todas as expressões estudadas, numa espécie de índice rememorativo, dando uma idéia geral do corpus utilizado no conjunto desses trabalhos. Agradecemos as sugestões e críticas que porventura os leitores destas páginas se dignarem a nos apresentar. Rio de Janeiro, outubro de 1998. José Pereira da Silva 8 SUMÁRIO 0 – PREFÁCIO 4 1 – A CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS DE JOÃO RIBEIRO 8 1.1 – INTRODUÇÃO 1.2 – O “DISCURSO REPETIDO” E SUA CLASSIFICAÇÃO 1.3 – CONCLUSÃO 1.4 – BIBLIOGRAFIA 9 9 14 15 2 – A FRASEOLOGIA NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Subsídios para um dicionário básico). 16 2.1 – ESTUDO INTRODUTÓRIO 18 2.2 – BIBLIOGRAFIA 22 2.3 – DICIONÁRIO 24 2.4 – APÊNDICES 93 2.4.1 – Antigamente I 94 2.4.2 – Antigamente II 95 2.4.3 – O Homem, Animal Exclamativo 97 2.4.4 – O Homem, Animal que Pergunta 99 2.4.5 – O Homem e suas Negativas 101 2.4.6 – Dizer e suas Conseqüências 103 3 – A FRASEOLOGIA ROMÂNICA (estudo comparativo). 3.1 – INTRODUÇÃO 3.2 – A CONVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA 3.3 – A DIVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA 105 106 108 113 3.4 – FRASES FEITAS SINÔNIMAS EM LÍNGUAS ROMÂNICAS 118 3.5 – CONCLUSÃO 3.6 – BIBLIOGRAFIA 126 128 4 – A ORIGEM DAS FRASES FEITAS USADAS POR DRUMMOND (contribuições para sua história e etimologia). 130 4.1 – INTRODUÇÃO 131 4.2 – UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA E ETIMOLÓGICA DAS FRASES FEITAS 133 4.3 – CONCLUSÃO 180 4.4 – BIBLIOGRAFIA 181 5 – A ESTRUTURA DAS FRASES FEITAS 5.1 – INTRODUÇÃO 184 186 9 5.2 – ANÁLISE SINTÁTICA E MORFOLÓGICA DAS FRASES FEITAS 187 5.3 – CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS 196 5.3.1 – Frases Feitas Classificadas como Verbos 197 5.3.1.1 – Frases feitas Classificadas Endossêmica e Exossemicamente como Verbos. 197 5.3.1.2 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos e Exossemicamente como Substantivos. 199 5.3.1.3 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos e Exossemicamente como Advérbios. 200 5.3.2 – Frases Feitas Classificadas como Advérbios 201 5.3.2.1 – Frases feitas Classificadas Endossêmica e Exossemicamente como Advérbios. 201 5.3.2.2 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como Advérbio e Exossemicamente como Substantivo. 201 5.3.3 – Frases Feitas Classificadas como Adjetivos 201 5.3.4 – Frases Feitas Classificadas como Substantivos 202 5.3.4.1 – Frases feitas Classificadas Endossêmica e Exossemicamente como Substantivos. 202 5.3.4.2 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como Substantivo e Exossemicamente como Adjetivos. 202 5.3.5 – Frases Feitas Classificadas como Interjeições 203 5.4 – CONCLUSÕES 203 5.5 – BIBLIOGRAFIA 204 6 – ÍNDICE DAS EXPRESSÕES ESTUDADAS 206 10 A CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS DE JOÃO RIBEIRO1 O “discurso repetido” como texto literário e como “frases feitas”: em nível de texto e em nível de sintagma. Como texto: provérbio, ditado, apotegma, máxima, etc. Com unidade sintagmática nominal, verbal ou adverbial. O livro de João Ribeiro é o corpus mínimo considerado. 1 Texto resultante do trabalho apresentado III Encontro Interdisciplinar de Letras, em abril de 1986 e publicado nos Anais do III Encontro Interdisciplinar de Letras. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro / Faculdade de Letras, 1992, p. 191-200. 11 1 – INTRODUÇÃO Classificar o “discurso repetido”, até hoje, tem sido uma tarefa sempre adiada pelos especialistas, pelo menos se o considerarmos de uma forma globalizante. Por isto, resolvemos partir de um corpus mínimo, que é a importante obra de João Ribeiro, Frases feitas. Em busca de desafios, verificamos que a classificação das expressões paremiológicas jamais foi tentada de uma forma séria e que as “frases feitas” de João Ribeiro não receberam sequer uma tentativa de sistematização. Estava ali um “prato feito”. Dividiremos tais expressões em dois grupos, segundo o nível lingüístico que apresentam: a) a nível de texto; b) a nível de sintagma. 2 – O “DISCURSO REPETIDO” E SUA CLASSIFICAÇÃO Consideremos “discurso repetido” qualquer tipo de expressão fixa cujos elementos não sejam substituídos ou recambiáveis segundo as regras atuais da língua, importando, principalmente, o seu conceito de “expressões préfabricadas”.2 Todas estas expressões, que constituem a fraseologia de uma língua e a sua paremiologia, ficam alheias à técnica do discurso propriamente dita. Quanto a sua abrangência, o “discurso repetido” abarca tudo que tradicionalmente está fixado como “expressão”, “giro”, “modismo”, “frase” ou “locução”. No entanto, não há precisão no uso dos termos que denominam os diferentes tipos dessas expressões, usando-se, muitas vezes, um pelo outro. São termos para os quais há um problema de identificação, sinonímia ou diferença, para os quais procuraremos estabelecer alguns traços distintivos. Antes disso, procuraremos classificar as unidades do “discurso repetido” quanto ao nível lingüístico de sua expressão nos dois níveis seguintes, claramente distintos: a) o nível lingüístico do texto, em que se incluem os provérbios, os ditados, os refrães, os adágios, as máximas, as sentenças, os aforismos, etc. b) o nível lingüístico do sintagma, que corresponde às “perífrases léxicas” de Coseriu, incluindo as frases feitas, assim como todos os tipos de expressões fixas inferiores à oração: expressões proverbiais, apotegma. As expressões fixas em nível de texto são todas as que correspondem a uma unidade com sentido completo, em qualquer nível de complexidade. Podem corresponder a uma oração e até a uma unidade mais complexa. 2 Cf. COSERIU, E. (1977) p. 113 & SEVILLA; J. M. /S.D./ f. 1 12 Segundo a terminologia de Coseriu, são as “locuções”, “frasemas” ou “textemas” que constituem “certas unidades do ‘discurso repetido’, comutáveis apenas no plano das orações e dos textos, com outras orações e com outros inteiros”.3 As expressões fixas em nível de sintagma são todas as que estão abaixo do nível da oração, unidades combináveis com sintagmas e com simples palavras, cuja interpretação se faz ao nível do léxico.4 Do ponto de vista do significante, são unidades que funcionam como unidades léxicas, pouco importando o número e a complexidade dos elementos constituintes discerníveis. Dada a flutuação por que passa essa terminologia, não é nada fácil definir os diversos tipos dessas “expressões fixas” para se poder apresentar uma tentativa de classificação definitiva. Por isso, no pequeno espaço de que dispomos, tentaremos definir cada uma delas: provérbio, ditado, refrão, máxima, adágio, aforismo, apotegma e frases feitas com valor de sintagma nominal, verbal e adverbial ou como interjeição. a) O provérbio se liga a diferentes formas de expressão tradicional, com as quais nem sempre é fácil traçar linhas divisórias exatas. Mas Amadeu Amaral nos ensina que eles (...) encerram um fundo condensado de experiência refletidas, são amostras de um “saber de experiências feito”, experiências da alma humana, das relações sociais, dos fenômenos da natureza, etc. Não há que discutir a legitimidade teórica ou lógica desse saber, um conjunto de verdades gerais adequadas à mentalidade média dos povos e expresso com a segurança da convicção. Outras feições características dos provérbios aludidos são a concisão e a elegância. Não há palavras inúteis. Freqüentemente dispensam-se mesmo palavras que poderiam ser úteis, como se se quisesse dar ao conjunto mais o atrativo de uma tal ou qual obscuridade. A frase é cadenciada: o provérbio, quando não é puro verso, é parente próximo deste, pelo ritmo e, muitas vezes, também pela rima. O todo, firme, enérgico, definitivo, brilha de uma certa originalidade de invenção e de expressão e grava-se facilmente na memória.5 Além desses traços, é importante ressaltar os “traços arcaicos” ou arcaizantes dos provérbios, que constituem uma de suas características distintivas intrínsecas. Exemplos: 3 COSERIU, E. (1977) p. 115. Cf. COSERIU, E. (1977) p. 116-7. 5 AMARAL, A. (1948) p. 219. 4 13 No açougue, quem mal fala, mal ouve. O alcaide e o sol por onde quer entram. Melhor ama quem mais sente. Com teu amo não jogues as pêras. É maior o arruído que as nozes. Mais vale um asno vivo que um doutor morto. Ave por ave, o carneiro se voasse. Cada casa favas lavam. Cré com cré, lé com lé. Quem canta más fadas espanta. b) O ditado é muito parecido com o provérbio. Por isto, muito paremiologistas os tomam um pelo outro. A diferença básica entre o ditado e o provérbio é que os elementos constituintes do provérbio são tomados sempre em sentido metafórico, enquanto o ditado prima pelo sentido denotativo e diz respeito a setores precisos de atividades e grupos específicos. Aliás, para que um ditado se transforme em provérbio, o que acontece com muita freqüência, basta ele seja usado em sentido figurado, aplicando-se a outra coisa diferente da que se refere diretamente o ditado. Há três diferenças determináveis entre eles: o provérbio é uma construção metafórica ou conotativa, diz respeito a verdades gerais e faz um julgamento de valor, enquanto que o ditado é uma construção direta ou denotativa, diz respeito a setores precisos da atividade e a grupos específicos e fica na simples observação e constatação dos fatos, sem julgá-los. Exemplos: Quem tem abelha, ovelhas e moinho, entrará com El-Rei em desafio. Quem o alheio veste, na praça o despe. Mais vale amigo na praça que dinheiro na arca. Amigos, amigos, negócios à parte. Quem comeu a carne que roa os ossos. Céu pedrento, chuva ou vento. Comadres e vizinhas, a revezes hão farinha. Pelejam as comadres, descobrem-se as verdades. Lá vão as leis para onde querem os reis. c) O refrão se apresenta como popular, familiar, festivo, gracioso e não necessariamente metafórico, enquanto que o provérbio se apresenta como culto, remoto no tempo e no espaço (logo, não familiar), contencioso, grave, sério e necessariamente metafórico. Como só nesses particulares se 14 difere o refrão do provérbio, na maioria das vezes, eles são confundidos uns com os outros. Em nossos corpus não encontramos exemplos de refrão que se ajustasse rigorosamente a essas características. d) A máxima se distingue do provérbio por obedecer à gramática, não permitindo a omissão do artigo necessário nem transgredindo o modelo gramatical, como o faz este. E tanto é assim que, formalmente, basta que se acrescentem determinantes adequados ao enunciado de um provérbio que ele se transforma numa máxima.6 A máxima não admite a construção em forma de frase nominal, tem uma freqüência muito elevada do infinitivo e não costuma ter nem rima nem ritmo. Exemplos: É melhor coisa ter um amigo na corte que um vintém na bolsa. Todos vêem o argueiro no olho do vizinho e ninguém vê a trave no seu. Se queres que teu filho cresça, lava-lhe os pés, raspa-lhe a cabeça. O hábito não faz o monge. e) Adágio é o termo mais genérico e de sentido mais amplo, equivalendo às noções de provérbio, ditado e refrão. Sendo assim, os exemplos apresentados para ditados e provérbios são válidos também para o adágio. f) Aforismo é uma sentença breve e doutrinal, que em poucas palavras explica e compreende a essência das coisas. Tanto o aforismo como o apotegma são peças literárias ou poéticas.7 g) O apotegma ou apólogo proverbial é uma fórmula coletiva e tradicional, pertinente a um personagem ilustre, que se aplicam às mais variadas situações da vida. Exemplos: Não aumentar a aflição do aflito. Entrou bispo. Nunca mais bodas ao céu! Aqui há caveira de burro. Não passe além das chinelas. Quem cura é a fé e não o pau da barca. Mateus, primeiro os teus. Aí morreu o Neves! 6 7 Cf. MELEUC,S. (1969) p.84. Cf. SEVILLA, J.M. /s.d./ f. 17. 15 A ocasião é calva. h) As frases feitas não constituem textos, mas estão ao nível do léxico e do sintagma. Tais expressões fixas, além de terem sentido incompleto, funcionando como um sintagma e não como uma frase, na maior parte das vezes possuem formas variáveis. Frase feita é uma locução fossilizada em sua forma e em seu sentido, que perde um pouco de sua autonomia ou independência para se tornar parte integrante da cadeia da fala. Em seu sentido amplo, que é o que usou João Ribeiro no título de seu livro, abrange todos os tipos de expressões fixas ou de “discurso repetido”. Como as frases feitas, stricto sensu, se constituem de locuções em nível sintagmático, resolvemos classificá-las de acordo com o tipo de sintagma a que correspondem: sintagmas nominais, sintagmas verbais e sintagmas adverbiais. Além dessas, há expressões equivalentes a interjeições, que estão numa situação intermediária de palavra-frase, carregadas de emoção. Eis um mostruário exemplificativo dessas frases feitas neste nível sintagmático: Frases feitas com valor de sintagma nominais: Alhos e bugalhos. Alma de cântaro. Alqueires de razão. Besta de carga. Caldo requentado. Camisa de onze varas. Conta de mentiroso. Fulano dos Anzóis Carapuça. Pobre como Jó. A morte da bezerra. Frases feitas com valor de sintagmas verbais: Não se dar por achado. Dar acordo de si. Fazer de gato sapato. Botar as manguinhas de fora. Não meter a mão em cumbuca. Custar os olhos da cara. Não saber patavina. Meter os pés pelas mãos. Tirar sardinhas com a mão do gato. 16 Dar às de Vila Diogo. Frases feitas com valor de sintagmas adverbiais: Entre a bigorna e o martelo. Por que cargas d’água? Nem chus nem bus. Enquanto o Diabo esfrega um olho. Com todos os ff e rr. Onde Judas perdeu as botas. Entre a quarta e a meia partida. Por um triz. Frases feitas com valor de interjeição: Santa Bárbara! Vá bugiar! Que maganão! A grifa parideira! Ora cebo! 3 – CONCLUSÃO: A execução dessa tarefa nos mostrou a intensidade das limitações existentes neste campo de pesquisa, praticamente toda ainda por ser feita. Acreditávamos chegar a uma classificação segura de todas as expressões estudadas por João Ribeiro, apesar da advertência de Amadeu Amaral de sua quase-impossibilidade. A terminologia demasiado flutuante, ora demasiado restrita, ora extremamente ampla, confunde mais que esclarece, e torna difícil uma fundamentação convincente de uma classificação objetiva. Nossa classificação não pôde seguir um critério unificado para todos os casos. Primeiramente, dividimos todo o nosso corpus em dois tipos de expressões: as que se encontravam em nível de texto e as que se encontravam em nível de sintagmas. Em segundo lugar, levando em consideração aspectos múltiplos de natureza interna e externa, procuramos estabelecer as diferenças fundamentais entre os seus diversos tipos. Por último, para classificar as “frases feitas”, strito sensu, o critério gramatical e o valor exossêmico das expressões é suficientemente seguro. Apesar de não termos conseguido um nível de grau “ótimo” para o estabelecimento de alguns dos itens aqui desenvolvidos, vangloriamo-nos por ter- 17 mos avançado alguns passos em relação ao que até hoje existe pesquisado sobre o assunto. Como a perfeição é sonho que precisa ser sonhado, esperamos a contribuição dos leitores para o aperfeiçoamento desta pesquisa. 4 – BIBLIOGRAFIA: AMARAL, Amadeu. Tradições populares. Com um estudo de Paulo Duarte. São Paulo, Progresso: 1948. 418 p. CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso. Dicionário de filologia e gramática: referente à língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: J. Ozon [s.d.]. 409 p. COSERIU, Eugenio. Principios de semántica estructural. Versión española de Marcos Martínez Hernández. Madrid: Gredos, 1977. 247 p. MELEUC, Serge. Structure de la maxime. Languages. Paris, (13):69-99, 1969. Número dedicado à “analyse du discours”. RIBEIRO, João. Frases feitas: estudo conjectural de locuções, ditados e provérbios. 2ª ed. Com introdução de Joaquim Ribeiro. Rio de Janeiro: F. Alves, 1960. 432 p. SEVILLA, Julio Hernández. Estructura y contexto de las expresiones fijas. Fotocópia de apontamentos feitos pela Profa. Maria de Lourdes Martini, na Universidade de Granada. (33 folhas manuscritas). 18 A FRASEOLOGIA NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (Subsídios para um dicionário básico) 8 A fraseologia na Literatura e na Lexicologia. Importância e escassez de estudos especializados da Fraseologia no Brasil. A prosa drummondiana e a fraseologia brasileira. 8 Trabalho final apresentado aos Professores Mário Camarinha da Silva, no curso de Teoria e Técnica da Pesquisa, e Belchior Cornélio da Silva, no curso de Etimologia e Lexicologia, na Faculdade de Letras da UFRJ, no primeiro semestre de 1984. 19 ABREVIAÇÕES BL – Boca de Luar CB – Cadeira de Balanço DL – Os Dias Lindos DN – Da Notícia & Não Notícia Faz-se a Crônica OC – Obra Completa PP – Poesia e Prosa Obs. O livro Poesia e Prosa, nas abonações, é citado centenas de vezes. Por isso, só aparece ali a indicação da página entre parênteses, sem outra informação. 20 ESTUDO INTRODUTÓRIO Fraseologia é o “conjunto ou compilação de frases ou locuções de uma língua ou de um escritor”, afirma Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.9Joaquim Mattoso Câmara Jr. ensina que a Fraseologia se restringe ao estudo das frases feitas, frases “fossilizadas em sua forma e seu sentido e usadas no discurso à maneira de uma locução.”10 Enfim, a Fraseologia como ramo da Lexicologia tem como matéria e objeto de estudo apenas a frase feita, que é uma “locução fixa consagrada pelo uso”, segundo Aurélio.11 Não nos interessa a Fraseologia em seu sentido mais amplo, o estudo da construção da frase, sua estrutura mórfica ou a sua geração. Também não faremos um estudo histórico-comparativo, à João Ribeiro. 12 O primeiro destes aspectos será desenvolvido durante o curso de Estruturas Frasais, que faremos com o Prof. Edwaldo Machado Cafezeiro no próximo semestre, mas o estudo histórico-comparativo só será possível no próximo ano, quando estudaremos comparativamente as línguas românicas, segundo os planos do Prof. Bélkior. Como a palavra fraseologia nos chegou através do francês phraseologie, segundo A. G. Cunha13 e J. P. Machado,14 sendo documentada pela primeira vez em 1813, por Antônio Morais Silva,15 concluímos que a Fraseologia tenha se desenvolvido na França durante o século XVIII, embora seja muito mais antiga. Em Portugal, já no século XVII, mais precisamente em 1651, Antônio Delicado publicava o livro Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares-comuns. No Brasil, segundo nos parece, o mais antigo trabalho sobre o assunto é o livro de Perestrelo da Câmara: Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentença Morais e Idiotismo da Língua Portuguesa, publicado no Rio de Janeiro em 1848, conforme indicação bibliográfica de R. Magalhães Jr.16 São poucos os trabalhos científicos sobre a Fraseologia Brasileira, embora haja alguns considerados pela crítica especializada como muito bons. Este trabalho consiste em relacionar as frases feitas encontradas nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade publicadas em livros,17 em forma de 9 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), s.v. CÂMARA JR., J. M. (s.d.) s.v. 11 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), s.v. 12 RIBEIRO, J. (1933) e (1963) . 13 CUNHA, A. G. (1982) s. v. 14 MACHADO, J. P. (1977) s. v. 15 SILVA, A. M. (1813) s.v. 16 MAGALHÃES JÚNIOR, R. /s.d./ p. 6 afirma ser de 1879 o mais antigo trabalho de fraseologia conhecido entre nós, contraditoriamente, pois indica Perestrelo da Câmara na bibliografia, à p. 364. 17 Verifique na bibliografia quais foram as edições consultadas. 10 21 dicionário, com o significado ou explicação, abonação do cronista e indicação da fonte. Quando julgamos conveniente ou necessário, dentro das limitações do trabalho, acrescentamos algumas observações. Com isso pretendemos facilitar o trabalho de quem for estudar melhor o tratamento literário que Drummond dá às frases feitas, alertar os escritores para o aproveitamento de nossa fraseologia em seus trabalhos e contribuir para a elaboração de um dicionário básico da língua portuguesa. Quanto à organização dos verbetes, verificamos que tanto Antenor Nascentes18 quando Aurélio Buarque de Holanda Ferreira19 seguiram os critérios da Real Academia Espanhola.20 Seguimos a mesma trilha, pois deve ser a mais segura. Este critério consiste em dar entrada pelo substantivo ou pela palavra substantivada, desde que a frase o contenha. A seguir, pela ordem: o verbo, o adjetivo, o pronome e o advérbio. Havendo mais de um vocábulo da mesma classe, opta-se pelo primeiro. Entretanto, as palavras pessoa, coisa e alguém e os verbos de ligação e auxiliares, a menos que constituam parte essencial da locução, não são usadas.21 Em relação à organização do texto na lauda, como não existe um modelo indiscutível, decidimos pela seguinte forma, que descrevemos detalhadamente, apesar da advertência do Prof. Bélkior de que seria desnecessária. A entrada é feita em maiúsculas tiladas, começando na margem e em linha isolada. O verbete só tem a primeira letra maiúscula. É sublinhado, seguido de ponto e começa também na margem. Depois do ponto final, ponto de exclamação ou de interrogação há um espaço em branco de dois toques, não só no verbete, mas em todo o trabalho. O significado, ou explicação, ou sinônimo, ou definição da frase fica entre o verbete e sua abonação, separado por igual espaço em branco de um lado e de outro. termina sempre em ponto, mas, havendo mais de um significado, separam-se por ponto e vírgula. Continuando na linha seguinte o texto não volta à margem, mas continua a partir do quarto toque. O mesmo acontece com as abonação. A abonação está sempre entre aspas duplas. As aspas já existentes no texto são transcritas com aspas simples ou apóstrofos. Para indicar um corte no texto do autor, utilizamos quatro pontos (...), conforme orientação do Prof. 18 NASCENTES, A. (1945) . FERREIRA, A. B. H. (s. d.) . Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que usou a 19. ed. do Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Española, publicado em Madrid no ano de 1970. 21 Conf. FERREIRA, A. B. H. (s. d.), p. VII, item 5. 19 20 22 Camarinha e do Aurélio Buarque de Holanda, para que se evite confusão com as reticências do texto. A indicação bibliográfica, entre parênteses, logo depois de cada abonação, é constituída da abreviação convencionada do livro, seguida do número da página, separados por vírgula. A indicação bibliográfica também se separa das abonações por um espaço de dois toques, como os demais elementos do verbete. Em alguns casos, outros exemplos citados, apenas indicada a fonte bibliográfica acrescida à da última abonação. As observações são precedidas da abreviatura (obs.) entrada para o sétimo toque e precedidas de um espaço de dois toques em branco. Apenas em três casos usamos mais de uma abonação: quando o autor usou formas variantes da frase em questão, quando a frase tem significados diferentes da frase em questão, quando a frase tem significados diferentes em cada exemplo ou quando o exemplo nos pareceu insuficiente para esclarecer o significado do verbete. Neste último caso, nem sempre dispúnhamos de exemplos para uma abonação mais farta. Muito dos significados foram deduzidos pelo contexto, já que não foram encontrados na bibliografia de que dispomos.22 Além de nossa limitação pessoal, o espaço e o tempo específicos de um trabalho de final de curso têm algumas exigências limitadoras. Nosso fichamento atingiu o número de 1889 verbetes, limitados por motivos práticos a uns 700, que nos pareceram mais interessantes. Esse fichamento resultou da leitura dos dez livros de crônicas de Carlos Drummond de Andrade, em que colaboraram os Professores Juvenal Leitão Alves e Leonora Lamoglia de Souza: Confissões de Minas;23 Passeios na Ilha;24 Fala, Amendoeira;25 A Bolsa & a Vida;26 Cadeira de Balanço;27 Caminhos de João Brandão;28 O Poder Ultrajovem;29 De Notícias & Não Notícias Faz-se a Crônica: Histórias, Diálogos, Divagações;30 Os Dias Lindos31 e Boca de Luar.32 O cronista Carlos Drummond de Andrade tem um especial carinho pelas frases feitas de nossa língua. Basta notar a freqüência com que elas aparecem em sua obra e a importância implícita que lhes atribui, escrevendo be22 Verifique a Bibliografia, p. 13-15. ANDRADE, C.D. (1964) p. 505-607 e (1979) p. 899-961. 24 Idem, p. 609-725 e 963-1971. 25 Idem, p. 727-820 e 1073-1147. 26 Idem, p. 821-906 e 1149-1224. 27 ANDRADE, C.D. (1979) p. 1225-1293 e (1978-A) . 28 ANDRADE, C.D. (1979) p. 1295-1353. 29 Idem, p. 1355-1394. 30 ANDRADE, C.D. (1979) p. 1395-1470 e (1978-C) . 31 ANDRADE, C.D. (1978-B) 32 ANDRADE, C.D. /1984/. 23 23 los estudos fraseológicos em forma de arte literária, como os que apresentamos no final deste trabalho, como apêndices. Detivemo-nos neste trabalho para mostrar aos que ainda não observaram a obra do grande cronista sob esta ótica, que ele é um dos melhores “espelhos da língua viva”,33 falada no Brasil; e que ele se esforça no aproveitamento deste “diamante bruto”34 “em estado de dicionário”,35 ao qual dedica nada menos que 13 crônicas.36 Ficaremos felizes se este trabalhinho vier a servir de auxílio a alguém para uma pesquisa mais profunda sobre a obra de Drummond e de nossa fraseologia. Aos estudiosos pedimos a colaboração, apresentando-nos sugestões para o aperfeiçoamento deste trabalho. 33 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) p. VII, ITEM 1. CABRAL, T. (1982) p. 7. 35 ANDRADE, C.D. (1979) p. 160. 36 Além de outras, citemos: Excelências (DN, 46-48); O Outro (DN, 52-54); O Verbo Matar (D, 54-56); A Eterna Imprecisão da Linguagem (PP, 1317-1318); Antigamente (PP, 13181321); O Homem, Animal Exclamativo (DL, 63-64); O Homem, Animal que Pergunta (DL, 64-66); O Homem no Condicional (Dl, 66-67); O Homem e suas Negativas (DL, 69-70); Prazer em Conhecê-lo (DL, 75-77); Cao de Seqüestro (DL, 79-82); A Moça Disse: Alto Lá! (BL, 175-177) . 34 24 BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Carlos Drummond de. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record [1984]. 217 p. ______. Cadeira de balanço: crônicas. 11ª ed. Com um estudo da Profa. Ângela Vaz Leão. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978 a. XXX+157 p. (Coleção Sagarana, vol. 25). ______. Os dias lindos. 2ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978 b. X+145 p. ______. De notícias & não notícias faz-se crônica: histórias, diálogos, divagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+182 p. ______. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Com estudo crítico de Emanuel de Moraes. Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964. 959 p. ______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nota editorial, de Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Moraes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra Completa]. CABRAL, Tomé. Novo dicionário de termos e expressões populares. Fortaleza: UFC, 1982. 786 p. CÂMARA JR., J.[oaquim] Mattoso. Dicionário de filologia e gramática: referente à língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: J. Ozon [s.d.]. 409 p. CAMPOS, Aluízio Mendes. Dicionário francês-português de locuções. Com apresentação de Ângela Vaz Leão e assessoria de Albert Audubert e Rodolfo Ilari. [São Paulo]: Ática [1980]. 301 p. [Com bibliografia.] COSTA, Agenor. Dicionário de sinônimos e locuções da língua portuguesa: suplemento. Rio de Janeiro: [Jornal do Commercio] 1952. 253 p. CUNHA, Antônio Geraldo; Assistentes: MELO SOBRINHO, Cláudio et alii. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. [Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982]. XXIII+839 p. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; Assistentes: ANJOS, Margarida dos et alii. Novo dicionário da língua portuguesa. [Rio de Janeiro]: Nova Fronteira [s.d.]. X+1499 p. MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa; com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos vocábulos estudados. 3ª ed. [Lisboa]: Livros Horizonte [s.d.]. 5 v. 25 MAGALHÃES JÚNIOR, R.[aimundo].Dicionário de provérbios, locuções, curiosidades verbais, frases feitas, etimologias pitorescas, citações. [Rio de Janeiro] EDIOURO [s.d.]. 366 p. MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; [Rio de Janeiro]: J. Olympio, 1982. 433 p. NASCENTES, Antenor. Tesouro da fraseologia brasileira. Rio de Janeiro: F. Bastos, 1945. 448 p. PUGLIESI, Márcio. Dicionário de expressões idiomáticas: locuções usuais da língua portuguesa. [São Paulo]: Parma [s.d.]. 390 p. RIBEIRO, João. Curiosidade verbais: estudos aplicáveis à língua nacional. 2ª ed. Rio de Janeiro: S. José, 1963. 244 p. ______. Frases feitas: estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios. Com introdução de Joaquim Ribeiro. 2ª ed. corrigida pelo autor, trazendo numerosos acréscimos e comentários da crítica. Rio de Janeiro: F. Alves, 1960. 432 p. ______. A língua nacional: notas aproveitáveis. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. 263 p. SERPA, Oswaldo. Dicionário de expressões idiomática: inglês-português / português-inglês. 2ª ed. revista e atualizada. [Rio de Janeiro]: FENAME, 1976. 305p. SILVA, Antônio de Morais. Dicionário da língua portuguesa. 2ª ed. Lisboa, [s.d.]. 1813. 2 vols. TRIGUEIROS, Edilberto. A língua e o folclore da bacia do São Francisco. Com notação musical do autor e ilustração de J. Paulino e do autor. [Rio de Janeiro]: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro [1977]. 191 p. 26 ACERTO Acerto de contas. Ajuste de contas; solução de uma pendência. “Foi até lá e houve um complicado acerto de contas, à base de álcool, ironia e ódio.” (DL, 41). ACHADO Não se dar por achado. Não se sentir denunciado, acusado ou achacado (cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 201-203) . “Ele não se deu por achado: ‘Ora, minha tia, então não vê que é de meu padrinho Sr. São José?’” (1179). ADIANTADO O adiantado da hora. O atraso quanto à realização de alguma coisa. “...o Adiantado da Hora encerrou os debates, com aplausos...” (DL, 80). Obs. Neste texto, as locuções são personalizadas. ÁGUA Claro como água. Óbvio; evidente; muito claro. “Antes disso, porém, já havia produzido muito, e é claro como água que suas obras mais perfeitas são anteriores...” (955). Com água no barco. Em situação extremamente perigosa e desesperadora. “...pode contar comigo em qualquer situação, qualquer emergência, até mesmo com água no barco.” (BL, 136). Sem dizer água vai. Sem avisar; traiçoeiramente; inesperadamente. “Sem dizer água vai.” (DL, 68) “Mas sucede que o outro pode ter feito isso ou aquilo, sem dizer água-vai, e brota-nos a exclamação estupefata: ‘Quem diria, hem?’ (DL, 70). Obs. Veja que são duas formas: “água vai” e “água-vai”. AINDA Ainda por cima. Além disso; além do mais. “E ainda por cima, usando o meu binóculo, que tirou da gaveta da cômoda sem pedir licença.” (1259). ALÇA Alça de mira. Perspectiva ou expectativa de ataque iminente. “...que se estabelecesse frente única diante da alça de mira.” (1269). Na alça de mira. Observação para ser punido; em observação rigorosa. “Me disse o Capitão Lobo que tem o Sebastião na alça de mira.” (1268) “Perdão. O senhor disse que ele estava na alça de mira...” (1268). ALÉM Além do mais. Além disso; ainda por cima; também. “E além do mais, já estou na idade de descansar.” (1242) Vide também: (1261 e BL, 111). 27 ALFINETE Cheio de alfinete e navalhas. Violento e ameaçador; irritadíssimo. “Dessem-lhe carinho, e o homem cheio de alfinetes e navalhas se aveludava.” (1131). ALGUM Ter sempre algum na bolsa. Não andar sem dinheiro. “...mas os fregueses dão boas gorjetas, de maneira que tenho sempre algum na bolsa.” (1192). ALMA De alma embandeirada. Festivamente; muito alegre. “Levou-o rápido para José, que o recebeu de alma embandeirada.” (1119). Pôr a alma pela boca. Cansar-se exageradamente. “Com o aperto do laço, o infeliz punha a alma pela boca.” (1118). ALTO Alto lá. Pare por aí! Não prossiga! “A moça disse: Alto lá!” (BL, 175) “– Alto lá! Dobre a língua antes de pronunciar o nome de Madame Elzevir.” (BL, 176). ALTURA À altura do pescoço. Em situação crítica; quase insuportável. “Quando me deitei, à meia noite, os preços estavam à altura do pescoço.” (OC, 829). A essa altura. Nesse exato momento; nesse ponto; nessa altura da situação ou da narrativa. “A essa altura, porém, tornava-se mais fácil provar de diferentes maneiras o intermezzo belo-horizontino do que invalidá-lo.” (1078) “A essa altura, espantou-se com a mobilidade de suas reações.” (BL, 10). AMIGO Amigo é pras ocasiões. Nas horas difíceis é que se conhece o amigo. “...o senhor não entende isso, não compreende que amigo é pras ocasiões?” (BL, 169). AMOR Seja tudo pelo amor de. Expressão usada para indicar que o que se fará será exclusivamente em atenção a ou por causa de algo ou alguém que se nomeia a seguir. “– Não gosto de conversar na hora da refeição – mas seja tudo pelo amor da Feira de Providência...” (DN, 115). 28 ÂNCORA Levantar âncora. Sair do lugar em que está; arredar-se. “...que nunca levantariam âncora, como na frase de Gide, para a descoberta do mundo.” (950). ANGU Debaixo desse angu tem carne. Há intenções ocultas; há trapaça; há alguma coisa escondida ou sob disfarce. “Minha sogra acha que debaixo desse angu tem carne, e que o senhor pretende exprimir em símbolos uma realidade sutil.” (DL, 13) “Debaixo de todo angu tem carne, ou só no da classe A?” (DL, 66). APELIDO Ser apelido. Não ser a inteira expressão da verdade, estando a pessoa ou coisa referida muito além do que foi dito. “Pobreza é apelido.” (1337). AR Ar de cegonha tímida. Expressão de timidez, de insegurança. “Sobre o homem, há a notar ainda sua magreza e altura, seu ar de cegonha tímida, seu silêncio quase completo...” (926). Com ar de procissão de enterro. Tristonho; com expressão de profundo abatimento emocional. “Se a gente encontra na rua um homem e uma mulher caminhando juntos com ar de procissão de enterro ou de indiferença total...” (OC, 873). Ar de quem comeu e não gostou. Aborrecido; desiludido. “...e o mestre me sai com esse ar de quem comeu e não gostou?” (DN, 90). ARCO Abrir o arco. Fugir; retirar-se em demandada. “...depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.” (1320). ASA Arrastar a asa. Insinuar-se junto a alguém com intenções amorosas; procurar namorar. “...faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do laio.” (1318). ASSIM Assim assim. Modo de explicar como se fez a descrição de certa pessoa ou coisa. “Disse mais que morava em Senador Camará, num sobradão assim 29 assim, e lá se foi com o presente.” (1235) “...para restituir-lhe uma bolsa, não para isso assim assim.” (1152). Obs. Está locução é usada mais freqüentemente para indicar uma circunstância indefinida de modo. Ex.: – Como vai, amigo? – Assim assim; meia pedra, mei tijolo. Assim como assado. De qualquer modo; desta ou daquela maneira. “O altão, calvo e corcunda, era antes uma fotografia xeroquisada (sic), em que os traços tanto podem ser assim como assado.” (DL, 8). Assim e assado. De vários modos. “Depois de mil peripécias, assim e assado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca...” (1321). ATAR Não atar nem desatar. Não decidir; ficar sem solução. “Não ata nem desata.” (DL, 68). AULA Matar a aula. Faltar à aula; fazer gazeta. “O estudante que falta à aula confessa que matou a aula, o que implica matança do professor, da matéria e...” (1415). AVISAR Eu bem que avisei. Expressão com que se reprova um ato contra o qual a vítima fora prevenida. “Eu bem que avisei! Não apoiado!” (DL, 64). AVISO De bom aviso. Melhor; de bom senso. “...as mulheres acharam de bom aviso defender pelo menos suas pernas do ataque de agentes maléficos...” (DN, 102). AVÓ Como dizia minha vó. Expressão que precede a citação de um provérbio ou expressão antiga. “...me tratando de Violeta e não de Violante, e pondo os pingos nos is, como dizia minha vó...” (DL, 23). AZEITONA Botar azeitona na empada de (alguém) . Ser um estraga-prazeres. “Não estou aqui para botar azeitona na empada de ninguém.” (DL, 68). BALACOBACO Do balacobaco. Excelente. “Devia mexer com as fibras da elogiada o hino na expressão, que também a fait son temps: 30 – É do balacobaco!” (1411). BALAIO Ficar debaixo do balaio. Sofrer muito com a separação, como a galinha choca, que é forçada a ficar longe de seus ovos até esquecê-los ou sair do choco. “...faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio.” (1318). BANANEIRA Plantar bananeira. Ficar de cabeça para baixo, com o peso do corpo apoiado nas mãos, e as pernas para cima. “Nem todas as pessoas gostam de plantar bananeira para contemplar normalmente uma obra de arte.” (1407). Ser bananeira que já deu cacho. Estar em fase de improdutividade, por velhice; ser velho ou ultrapassado. “O Sr. Olavo Bilac... é bananeira que já deu cacho.” (1006). BANCA Botar banca. Fazer-se de rogado; exibir-se. “Tenho medo que ele fique rico, daí a pouco começa a botar banca.” (1399) “Pode parecer que estou botando banca, mas não é à toa que me chamo Teopompo.” (DN, 174). BANDIDO Trabalhar de bandido. Enganar; tramar contra alguém. “...e pediam a hora a quem passava, sentindo que o tempo trabalhava de bandido, em sua lentidão.” (1194). BARBA Botar as barbas de molho. Ficar de pé atrás; prevenir-se. “Se falta o boi propriamente dito, peixe-boi deve botar as barbas de molho.” (DN, 116). Pôr as barbas de molho. O mesmo que botar as barbas de molho. “O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete...” (1320). BARCA Tomar a barca de Caronte. Morrer. Segundo a Mitologia, Caronte é o barqueiro que transporta os mortos para o outro lado do rio Estige. “Já imaginaram se todos nós houvéssemos tomado a barca de Caronte antes desta noite amena...?” (DN, 66). BARRA 31 Agüentar a barra. Suportar uma situação difícil. “As empresas se queixam de que o Governo cortou o subsídio que ajudava os empresários agüentar a barra.” (BL, 187). Forçar a barra. Insistir demasiadamente. “...fiquei calado, esperando a dica... Não quis forçar a barra, desculpe.” (DN, 138) Veja também (DL, 28). Sondar a barra. Observar atentamente o ambiente. “Peço? Perguntou a si mesmo. Ou é melhor sondar a barra?” (DN, 149) “– Então não custa sondar a barra.” (DN, 170). BEM Por bem ou por mal. De qualquer maneira. “E agora, José? Por bem ou por mal, vai me dizer que horas são?” (DL, 66). BICHO Matar o bicho. Tomar um gole de aguardente; ingerir bebida alcoólica. “...muita gente embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto.” (1320). Matar o bicho do ouvido. Aborrecer com uma conversa desagradável e prolongada. “O sujeito vulgarmente conhecido como chato, ao repetir a mesma cantilena, ‘mata o bicho do ouvido’.” (1416). Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Situação inevitável; situação de quem está num beco sem saída. “O problema é que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.” (DL, 66). Tornar-se um bicho do mato. Passar a viver solitariamente, afastado do convívio social. “...Varela se tornou um bicho do mato e aparecia, como um fantasma, nas fazendas da província do Rio...” (906). BICO Não abrir o bico. Calar-se; fechar-se em copas. “E quando Augusto fez nova sujeira com outro da turma, você não abriu o bico para censurá-lo...” (DL, 31). BOCA Botar a boca no mundo. Denunciar; gritar; botar a boca no trombone. “Se mandam tomar o que é meu e me obrigam a receber uns cobres pra não botar a boca no mundo...” (BL, 169). O que vem na boca. Forma de declarar insubmissão quanto ao que diz. “Eu digo o que me vem na boca.” (1388). Pegar com a boca na botija. Flagrar no delito. “Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija...” (1319). 32 BOCA-DE-SIRI Fazer boca-de-siri. Guardar segredos sobre determinado assunto. “Fez boca-de-siri e guardou a hora ‘da meia-noite que apavora’.” (1299). BODE Bode expiatório. Pessoa escolhida para pagar pela culpa dos outros. “Por favor, não vá dizer que eu tenho complexo de bode expiatório...” (1436). Dar bode. Azarar; dar errado. “A mulher tinha o mesmo pensamento negro. Ia dar bode.” (1135). BOFE De maus bofes. Genioso; temperamental; de mau caráter. “Lugar por onde esse homenzinho pardo e de maus bofes andou é lugar encantado.” (955). BOI Almoçar um boi e jantar outro. Ter muito bom apetite. “Acordar cedo, vai à praia, almoça um boi, janta outro, pula feito macaco...” (1124). BOLA Dar bola. Demonstrar interesse por alguém ou por alguma coisa; insinuarse. “– Por quê? Ele não dá bola pra gente! (DN, 62) “Mas os dois não lhe deram bola.” (1293). BOLACHA Dar bolacha. Dar tapa no rosto. “Não, isso não, espere lá, não precisa me dar bolacha, eu saio imediatamente...” (1499). BOLOLÔ Um bololô dos diabos. Uma grande confusão. “Negócio mexendo com gente importante daquela época, os descendentes estão aí, coisas de política internacional, grupos econômicos, um bololô dos diabos.” (1461). BOMBA Levar bomba. Ser reprovado na escola; não passar numa prova. “Mamãe, eu levei bomba, mamãe, eu quero mamar!” (DL, 93). Ser uma bomba. Não valer nada; ser muito ruim. “– É uma bomba.” (1317). BONDADE 33 Ter a bondade de. Forma que precede um infinitivo para indicar uma ordem ou um pedido. “– A senhorita quer ter a bondade de sair para fora da areia?” (DN, 24) “Tenha a bondade de contar o dinheiro – pedi-lhe, constrangido.” (1155). BOTAR Botar pra jambrar. Tomar a frente de um empreendimento com pulso firme, fazendo que as coisas se decidam rápido. “O material sobe de preço, enquanto o Ministro da Fazenda bota pra jambrar.” (1176). BOTÃO Dizer com os seus botões. Dizer consigo mesmo. “O gosto de dizer costuma chegar ao excesso de dizê-lo com os seus botões, como se os botões dialogassem conosco.” (DL, 70). BRAÇO Cair nos braços de Morfeu. Dormir. Morfeu é o deus do sono. “...e se um esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro.” (1320). Cruzar os braços. Nada fazer; omitir-se. “Enquanto isso, cruza os braços, em lugar de estendê-los. Deixa que o desfile prossiga...” (DL, 143). Não dar o braço a torcer. Não admitir um erro ou fraqueza; não mudar de opinião ante a evidência do erro, ou fingir que não mudou. “Mas para não dar o braço a torcer, nem me declarar vencido pela competição das cervejas, concluí: Leovigil, traga a de sempre.” (DN, 138). BRASA Mandar brasa. Prosseguir; agir com disposição firme. “Querem que eu acabe com a Frente Ampla e mande brasa na administração.” (1347) “...e saí por aí, sem lenço e sem documento, mandando brasa.” (1352). BRINCADEIRA Não estar para brincadeira. Estar muito ocupado; estar mal-humorado. “Hoje não estou para brincadeiras, e retrucou-lhe nada menos que...” (BL, 199) Vide também (BL, 201). BUBUBU Diz-que em bububu no bobobó, mas ninguém balançou. Falta fundamentação a respeito de algo que se declara. “Diz-que tem bububu no bobobó, mas ninguém balançou, ninguém mandou jenipapo maduro cair no galho.” (DL, 94). 34 BULHUFAS Não entender bulhufas. Não entender nada; não entender patavina. “– Cê não entendeu lhufas. Gravador faz parte do equipamento escolar moderno.” (DL, 95). BURRO Burro velhote não acerta o trote. Cavalo velho não apanha andar; é de pequenino que se torce o pepino. “...a sabedoria de Itabira do Mato Dentro, em um provérbio inventado neste momento, ensina que burro velhote não acerta o trote.” (OC, 885). Dar com os burros n’água. Sair-se mal numa empresa qualquer; fracassar; falir “...se metiam em camisas de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.” (1319). Pra burro. Muito. “...sofro pra burro, sofro sério, sofro sofrendo e não espetacularmente, é lógico.” (935). CABEÇA Botar na cabeça. Convencer-se. “Olhe, quando você botou na cabeça que eu, para me afastar do Ernesto, devia contar a ele...” (DL, 29). Com a cabeça mal atarraxada. Com um parafuso a menos; confuso; pouco lúcido. “– Depois do carnaval eu dou. Agora você está com a cabeça mal atarraxada.” (1365). Guardar na cabeça. Memorizar. “– E por que você guardou na cabeça que ele é de Áries?” (1406). Matar na cabeça. Resolver completa e definitivamente um problema. “Não admira que, nas discussões, o argumento mais poderoso se torne arma de fogo de grande eficácia letal: mata na cabeça.” (1415). Passar pela cabeça. Imaginar; planejar. “Não lhe passaria pela cabeça receber qualquer coisa pelo correio sem a ler inteirinha.” (1172). Perder a cabeça. Enlouquecer; perder o controle emocional. “Sai, azar! Vá-se embora, antes que eu perca a cabeça e...” (1322). Ter cabeça fria. Ser ou estar calmo. “O Brasil lutando com a Bulgária, o senhor quer que o nosso pessoal tenha cabeça fria para informar papéis?” (1321). CABRITO Bom cabrito não berra. O comparsa ideal não denuncia os demais, qualquer que seja a situação. “Não foi aproveitado agora? Mais tarde será. Bom cabrito não berra.” (BL, 135). 35 CAÇAMBA Pisar a caçamba de altas cavalarias. Estar em situação privilegiada. “Juca não entrava no miúdo, falava em honras, feitos e bens, sem particularizálos, mas sentia-se que pisara a caçamba de altas cavalarias.” (1178). CACHIMBO Fumar o cachimbo da paz. Desfazer uma inimizade. “Não precisamos fumar o cachimbo da paz, porque nunca houve nem poderia haver guerra entre nós.” (DL, 39). CACHORRO Amarrar cachorro com lingüiça. Estar em situação de grande fartura. “Uns raros amarravam cachorro com lingüiça.” (1319). CADA Cada um na sua. Liberdade de ação e opinião. “Assim, Touro, Virgem, Áries e Sagitário ficam inteiramente harmonizados, cada um na sua, um por todos, todos por um.” (1406) “– Eu na minha, a senhora na sua, cada um na dele, entende?” (1364). CAIR Cair duro. Ter um grande susto; morrer. “O filho quase cai duro.” (1304). Cair em cima de. Agredir ou tentar agredir. “Caíram em cima do garoto, que soverteu na multidão.” (1378). Cair em si. Convencer-se. “...o topônimo já foi restabelecido – caíram em si e aplaudiram o restabelecimento...” (OC, 622). Cair fora. sair; ir embora; sair rápido. “ – Cai fora, coisinha.” (1203). CAJU Despedir-se para o Caju. Morrer; despedir-se para São João Batista. “Os ‘sebos’ foram rareando, freqüentadores assíduos se despediram para o Caju e o São João Batista...” (OC, 736). Obs. Caju e São João Batista são nomes de cemitérios da cidade do Rio de Janeiro. CALA-A-BOCA Cala-a-boca já morreu, quem matou fui eu. Réplica à expressão cala a boca! proferida por outra pessoa. “– Cala-a-boca já morreu, quem matou fui eu – era a resposta única a essa terrível ofensa. Seguida de tiro.” (BL, 176). Obs. Há uma variante muito freqüente: Cala-a-boca já morreu, quem te manda sou eu. 36 CALÇAS Meter-se em calças pardas. Ficar em apuros; colocar-se em situação difícil. “...se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.” (1319). CALO Pisar nos calos. Prejudicar; causar algum mal. “Por que estará de implicância comigo, que nunca lhe pisei nos calos?” (DL, 78). CAMISA Dar a camisa do corpo. Esgotar todos os recursos disponíveis: sujeitar-se a qualquer coisa. “Dei 200 contos, daria 500, doutor, daria 5 mil, daria a camisa do corpo para usar bem a minha vista...” (1341). Meter-se em camisa de onze varas. Correr e afrontar um grande perigo e risco. “...se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.” (1319). Obs. Confira o que diz a respeito J. Ribeiro, em Frases Feitas, p. 76-77. CANELA Espichar a canela. Morrer “...isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido.” (1320). CANIVETE Doer como canivete na carne. Doer muito. “Em uns, o objetivismo sensualista, voltado para o cheiro e o colorido das coisas; noutros, a auto-sátira cruel, doendo como canivete na carne...” (927). CANO Entrar pelo cano. Ser ludibriado; fazer um mau negócio; decepcionar-se. “Premiados, entram pelo cano, se me permite a expressão.” (DL, 6). CANOA Embarcar em canoa furada. Ser imprudente ou desprevenido; admitir ou aceitar proposta de resultados duvidosos. “O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada.” (1318). CARA Com a cara e a coragem. Com determinação. “...sem auxílio de homem algum, só com a cara e a coragem, atingiram...” (1440). 37 Dar as caras. Aparecer; ir ou vir a algum lugar. “– Vai ter e não vai. Pessoal que saiu não pode dar as caras outra vez, pega mal.” (BL, 216). Dar de cara com. Encontrar-se frente a frente com; deparar com. “Entretanto, basta você sair por aí, na Gávea, e dá de cara com pencas de diadelfos.” (DL, 71). De cara aberta. Bem humorado. “Junto ao guichê, o desconhecido de cara aberta cutucou-o...” (DN, 173). Estar na cara. Ser evidente. “É nota de propaganda comercial, o senhor não vê que está na cara?” (1181) Vide também: (1108; DN, 32; BL, 122). Fazer cara feia. Não gostar; demonstrar desgosto ou insatisfação. “No começo a gente faria cara feia, depois se acostumava...” (DN, 136). Jogar na cara. Incriminar, cara-a-cara; relembrar. “...descobriu até aquelas fotografias meio marotas que nós tiramos em Itacuruçá, e está me jogando na cara como se eu fosse a última das traidoras.” (DL, 29). Não ir com a cara de. Antipatizar-se com; ter aversão por. “Não li nem gostei. Não vou com a cara dele.” (DL, 68). Quebrar a cara (de alguém) . Espancar; dar sopapo. “Não sei onde estou que não lhe quebro a cara.” (DL, 68). Ter cara de. Parecer. “Mas tão manso e engraçado que não tinha cara de mandão.” (DL, 51). CARECA É dos carecas que elas gostam mais. Frase maliciosa com que os carecas revidam a qualquer insinuação a sua escassez de pêlos. “É dos carecas que elas gostam mais?” (DL, 94). CARNAVAL Desde o carnaval do ano passado. Há bastante tempo; desde o outro carnaval. “...mas eu te conheço desde o carnaval do ano passado e sei que sua loucura é postiça...” (DL, 22). CARNE Nem carne nem peixe. Imparcial; sem preferências; sem opinião expressa. “Nem carne nem peixe.” (DL, 68). Sentir na carne. Ter experiência direta com algo doloroso ou indesejável. “Agora, como você está sentindo na própria carne o que os seus colegas já sentiram...” (DL, 31). CARRAPATO Ser carrapato nas costas. Coisas incômoda e difícil de ser corrigida ou eliminada. “Jorge dizia que casamento sete dias por semana é carrapato nas 38 costas, não tem jeito de tirar.” (BL, 57) “...o casamento a semana inteira é carrapato grudado nas costas.” (BL, 59). CARRO Empurrar o carro (de alguém) . Paparicar; bajular. “– Você se lembra como ele era vidrado em cantoras líricas? – Andou até empurrando o carro de uma...” (1388). CARTA Botar as cartas na mesa. Dizer francamente toda a verdade. “Vamos jogar o jogo da verdade, vamos botar as cartas na mesa e...” (DL, 23). Dar as cartas. Ter o comando de uma ação; dirigir soberanamente. “Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão...” (1320). CASA Casa da mãe Joana. Coisa desgovernada, em que todos mandam. “Isso aqui não é casa da mãe Joana!” (DL, 64). Obs. Segundo J. Ribeiro, em Frases Feitas, p. 143, esta expressão é usada para evitar a verdadeira e nua, que é a mais conhecida: Cu da mãe Joana. Casa de orates. Casa de loucos. “Nessa teia de enganos, não faltou quem achasse a seqüestrada, tanto nos Pinhais de Azambuja como na Casa de Orates, e ainda no Asilo Inviolável do Cidadão.” (DL, 81). Obs. As locuções são personificadas, neste texto, e tornadas substantivos próprios. CASO Em todo caso. Apesar de tudo; enfim. “E em todo caso, de mim não desespere nunca.” (931) “Em todo caso, me arranje uma lata de talco.’ (1210) Vide também: (951; 1095). Em último caso. Não havendo outra solução. “E depois, em último caso, não coma nada, mas venha!” (BL, 164). CAVACO Dar o cavaco. Dar mostra de aborrecimento ou zanga, por ser objeto de troça, de pirraça ou de ridículo. “Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco.” (1320). CAVALO Cair de cavalo magro. Mostra-se inábil em coisa de fácil execução. “As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro.” (1318). 39 Obs. Segundo Tomé Cabral, esta expressão é hoje quase desconhecida. CABRAL, T. (1982) s. v. Cavalo dado não se olha a idade. Não se examina o objeto que se ganha com o fim de encontrar defeitos; a cavalo dado não se olham os dentes; a cavalo dado não se abre a boca. “Cavalo dado não se olha a idade, presente não se recusa nem se joga fora.” (1298). Tirar o cavalo da chuva. Reduzir as pretensões; desistir de um propósito. “E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.” (1318). CECA Andar por Ceca e Meca. Ir para um lado e para outro à procura de alguma coisa; andar por várias terras. “Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por Ceca e Meca, trazia novidade de baixo...” (1319). CÉSAR A César o que é de César. A cada um o que é seu, por direito. “...aprecio os grandes sendo um dos pequenos, porém a César o que é de César, e meu humilde repertório dá para o gasto.” (1340). Obs. Este provérbio corresponde ao versículo 21 do capítulo 22 do Evangelho segundo São Mateus: “Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” CÉU Caído do céu. Conseguido sem esforço. “Os homens não têm estrutura para fruir prêmios caídos do céu ou do acaso.” (DL, 6). CHÁ Chá de casca de vaca. Surra de chicote ou de relho. “– Bem que este merecia um chá de casca de vaca!” (1334). Tomar chá em criança. Ter uma educação fina. “Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família de maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira.” (1319). CHACRINHA Fazer chacrinha. Fazer palhaçada; bagunçar. “Na repartição... tanto se faz chacrinha com o Plano como sobre a corrente da sorte.” (DL, 14) “Somos capazes de identificar o macaco-prego fazendo chacrinha no alto das árvores...” (1440). CHÃO 40 Até cair no chão. Muito. “Vou sambar até cair no chão, e se ninguém se animar, quebro o meu tamborim!” (DL, 93). CHAVE A sete chaves. Muito bem fechado. “Falta só dizer que o Dr. Kissinger me transmitiu apelo do Presidente Nixon para eu guardar a sete chaves os papéis e queimá-los em emergência grave, pois não?” (1397). Sob sete chaves e sete selos. Muitíssimo bem fechado; mais bem fechado do que a sete chaves. “É um poeta raro, que se encerra sob sete chaves e sete selos.” (OC, 703). CHINA Nem aqui nem na China. Em parte alguma; em nenhuma lugar do mundo. “Nem aqui nem na China.” (DL, 68). Obs. O cronista usa variantes, não só desta, mas de várias expressões. Veja os exemplos seguintes: “Isso nunca foi chá, nem aqui nem na Índia.” (1304) “Isto não é bacalhau à Gomes da Sá aqui nem em Macau.” (1329). CHUS Sem chus nem bus. Sem nada; nem chus nem mus. “Sem chus nem bus.” (DL, 68). Obs. Como esta expressão se usa mais freqüentemente precedida do verbo dizer, não dizer chus nem bus, pode ser sinônima de não tugir nem mugir ou ficar calado. CINTO Apertar o cinto. Reduzir as despesas; economizar. “ – O jeito é apertar o cinto.” (BL, 101) “- Certo. Mas apertar o cinto, na recomendação oficial, quer dizer: renunciar ao supérfluo, pechinchar, gastar o menos possível.” (BL, 103) Vide também: (BL, 102; BL, 102). COBAIA Quem não tem cobaia caça com preá. Quem não tem cão caça com gato; quem não tem os meios necessários improvisa com os de que dispõe. “– Quem não tem cobaia caça com preá – concordaram, abusando da proposição.” (1373). Obs. Drummond usa e abusa das alterações de frase feitas, dando-lhes, muitas vezes conotações muito especiais. Foi este ocaso que vimos no verbete Nem aqui nem na China. COBRA 41 Dizer cobras e lagartos. Esbravejar, dizendo palavrões. “Pode ser que você tenha razão quando diz cobras e lagartos de Augusto.” (DL, 31) “Por que se dizem cobras e lagartos, e não se dizem rouxinóis e açucenas?” (DL, 70). COISA A coisa está preta. A situação está muito difícil. “– Eu é que sei? Só posso dizer que a coisa está preta.” (BL, 101) Vide também (BL, 103). A coisa está ruça. A coisa está preta; a maré não está para peixe. “As coisas estão, quem sabe, mais para ruça, tirando a pardo... É o que lhe digo: a coisa está ruça.” (BL, 103). A coisa está ficando preta. A situação está de mal a pior. “– Então a coisa está ficando preta.” (DN, 81). Não dar outra coisa. Exatamente; isto mesmo. “Não deu outra coisa.” (DL, 68). Não fazer outra coisa. Exatamente; não dar outra coisa. “– Quem dizer que ele dá nó até em pingo d’água? – Não faz outra coisa.” (BL, 75). Não ser mais lá essas coisas. Ter menos valor atualmente do que já teve anteriormente. “Nem dólar, que aliás hoje não é mais lá essas coisas.” (DN, 83). Perceber alguma coisa no ar. Prever um acontecimento iminente. “– Percebe-se alguma coisa no ar. – Não. – Não dá para perceber, mas há.” (DN, 81). Sabe de uma coisa? Pergunta que se costuma fazer para prender a atenção do interlocutor antes de se afirmar alguma pretensa novidade. “– Sabe de uma coisa? Você envenena tudo.” (DL, 76). Saber das coisas. Ser entendido em determinado assuntos; ser sábio. “Eles sabem das coisas.” (BL, 173). Ser outra coisa. Ser muito melhor; ser superior. “É pena ter vindo este ano, com a Semana Santa feita em Antônio Dias. A do Pilar é outra coisa...” (986). Ter coisa. Haver trapaça; haver armadilha. “Quer dizer, certeza mesmo não, mas estou quase jurando que ali tem coisa.” (1135). Uma coisa louca. Um amor; um encanto; lindíssimo. “Dizem que no Recife foi uma coisa louca, o núcleo espalhando lágrimas fosforescentes, um troço feito fogo-de-artifício que vou te contar.” (1259). COLHER Colher de chá. Oportunidade. “– Tou contratada. Vamos não negue uma colher de chá.” (BL, 43). Meter a colher. Intrometer-se em assunto alheio; meter a colher de pau. “– Então, permite que eu também meta a colher no assunto, embora não seja do meu feitio – aparteou Euclides.” (DL, 45). 42 COLUNA Dar coluna do meio. Dar empate; não haver vencedor nem vencido. “Atirei na cara do Lopes a teoria do Katicic. – Deu coluna do meio? – Um a zero.” (1430). Obs. Esta frase é um neologismo que nasceu com a loteria esportiva, no início dos anos 70. COMEÇO Para começo de conversa. Antes de mais nada; pra começar. “...para começo de conversa, Virgínia e Sinhá não eram Virgínia e Sinhá...” (1461). CONSELHEIRO Ser Conselheiro Acácio. Ser um idiota com ares de ponderado e grave; ser um repetidor de lugares-comuns. “A noite é conselheira acácia.” (1379). Obs. A deteriorização dos provérbios, segundo Drummond, em Poesia e Prosa, p. 1379, cria os antiprovérbios, quase todos muito espirituosos. O exemplo acima é um antiprovérbio, como diversos no corpo deste trabalho, pois o personagem que deu origem à frase não poderia ser feminizado. CONTA Afinal de contas. Enfim; pensando bem; em último caso. “Parece, afinal de contas, que os moços têm alguma coisa a ensinar aos mais velhos.” (DN, 17) “Presto compromisso, mas discretamente, porque afinal de contas sou um funcionário público...” (1045) Vide também (967). Ajustar contas com. Haver-se com; tirar satisfação com. “...para caçar felinos por aí, ou se estes mergulhassem com a intenção de ajustar contas com ele.” (1416). Dar conta do recado. Executar bem uma tarefa; dar conta de. “Providência de muito alcance do nosso homem-em-Ipanema (pois julgou inútil voar até Brasília para dar conta do recado) foi...” (1349) Vide também (BL, 31). Dar-se conta de. Entender; perceber. “Muitas pessoas ainda não se deram conta do que aconteceu, senão superficialmente.” (BL, 114) “Assim, vai do individual ao universal, sem que nos demos conta de sua longa viagem.” (OC, 705). Fazer a conta no lápis. Calcular com rigor. “Como você vem de comadre e quatro filhos, faça a conta no lápis.” (DL, 124). Fazer de conta. Fingir; supor; imaginar. “...faz de conta que você, assim de botas e short, caminhou pra trás no tempo...” (1419) “Faça de conta que eu sou o padre.” (1206). 43 Ficar por conta. Enfurecer-se; irritar-se muito. “Mas fico por conta vendo você tão ignorantezinha em poesia, que para mim é o máximo.” (1365). Ser a conta de. Ser o bastante; bastar. “– Viu? Foi a conta de fundir o Estado do Rio com o Rio, e os carros da Barra do Piraí vêm atochar nossas calçadas.” (BL, 39). Ter em conta. Considerar; levar em conta. “Tendo em conta que só à última hora, quando o calor se torna insuportável, os casais se lembram de...” (BL, 140). CONTAR Que vou te contar. Fora do comum; admirável. “...o núcleo espalhando lágrimas fosforescentes, um troço feito fogo-de-artifício que vou te contar.” (1259) Vide Vou-te-contar. CONTRA Ser do contra. Discordar por princípio; ser espírito-de-porco. “– Puxa, mas o senhor é mesmo do contra, hem?” (1259). CONVERSA Conversa vai, sorvete vem. Conversa vai, conversa vem; ao fim de muita conversa e de muito sorvete. “Conversa vai, sorvete vem, o herói tranqüilo, de mais de quarenta anos...” (1195). Obs. O antiprovérbio acima acrescenta ao sentido normal do provérbio original, conversa vai, conversa vem, a circunstância de que se fazia propaganda de sorvete durante a entrevista com o ator. Ir na conversa. Deixar-se enganar. “Não vá na conversa daquele senhor que o trouxe no carro.” (DN, 13) “Você foi na conversa dele, me iludindo, pois...” (DL, 27) Vide também (1202). Levar na conversa. Enganar com mentiras ou meias verdades. “Ninguém consegue. Leva a gente na conversa, no aveludado.” (DN, 92). Passar uma conversa em. Enganar com falsas promessas; engambelar; levar na conversa. “Antes que isto aconteça, ele passa uma conversa manhosa na gatona...” (BL, 74). Puxar conversa. Tirar um assunto; provocar alguém ao diálogo. “E então parar e puxar conversa com gente chamada baixa e ignorante!” (933) “Puxe conversa com ela.” (BL, 173). CONVERSAR Conversando é que a gente se entende. É através do diálogo franco que as pessoas podem chegar a um acordo. “Talvez nos entendamos de alguma forma, sei lá; pois conversando é que a gente se entende.” (DL, 32). 44 Estar conversado. Ter-se chegado a uma conclusão; estar decidido. “ – Já avisei. Estamos conversado – voou.” (DL, 6) COPAS Fechar-se em copas. Fazer-se em copas; ficar calado. “– Eu sei, eu percebo. Faz bem em fechar-se em copas.” (DN, 12) “Quem é capaz de sabê-lo e transmiti-lo, se o Outro se fechou em copas e desmentirá tudo quanto se disser que ele disse?” (1414) Vide também (1075). COR Conhecer de cor e salteado. Saber de cor e salteado; saber ou conhecer muito bem. “Conheço de cor e salteado, sou capaz de distingui-lo entre mil pointers iguaizinhos uns aos outros.” (BL, 46). CORAÇÃO Duro de coração. Insensível; não sentimental. “Talvez você seja apenas mais duro de coração.” (1185). CORNO Elevar aos cornos da Lua. Pôr nos cornos da Lua; pôr ou colocar nas nuvens; elogiar; exaltar. “Portanto, não pense que desmereço os colegas para me elevar aos cornos da Lua.” (1367). CORPO De corpo e alma. Sem reservas. “Onde que você está com a cuca, Violeta? Se entregar de corpo e alma a um indivíduo...” (DL, 27). Tirar o corpo fora. não assumir; negar. “Interpelei Augusto, ele tirou o corpo fora, alegando que namorada ou...” (DL, 27). COSTAS Cair nas costas de. Ser atribuído a; ficar na responsabilidade de. “Não fora autor da gaiatice e um medo maior o invadiu: tudo iria cair nas suas costas...” (1164). Ter costas quentes. Ter as costas largas; ter santo forte; estar sob a proteção de alguém. “Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão...” (1320). Voltar as costas (a alguém) . Desprezar. “O irmão voltou-lhe as costas, com desprezo: – Palhaço!” (1227). COURO 45 Entrar no couro. Levar um a surra; apanhar. “...e se um esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro.” (1320). CRESCER Cresça e apareça. Votos de sucesso que se fazem aos iniciantes; ironicamente, é usada para recriminar alguém que age como se fosse muito mais importante do que realmente o é. “Cresça como puder, mas apareça.” (DN, 135) “Comida, José, você terá que esperar que as roças plantadas pelo Ministro Delfim cresçam e apareçam.” (BL, 86) “...e filho da gente, por mais que cresça e apareça, é sempre uma plantinha mimosa, sabe como é?” (DL, 50). CRIANÇA Há criança e criança. Há vários tipos de criança. “Depende. Há criança e criança.” (DN, 134). Obs. Esse tipo de frase feita, com o verbo haver ou sinônimo, seguido de dois substantivos ligados pela conjunção e, traz a idéia geral de que há duas espécies de coisas: uma é autêntica e a outra é falsa e desvalorizada. CRUZ Cruz credo! Expressão de asco ou de esconjuro. “– Mas sem levar o cachorro dos mortos. – Cruz credo.” (DL, 87). CUCA Fundir a cuca. Confundir; esquentar a cabeça. “Assim o senhor me funde a cuca.” (DN, 99) Vide também (DN, 155). CUCUIA Ir pras cucuias. Ir para os quintos do inferno; desaparecer. “Boa bisca! Foi pras cucuias!” (DL, 64). CUTILIQUÊ De cutiliquê. De pouca monta; sem importância. “...quando na verdade usa apenas jóias de cutiliquê, adquiridas na Rua da Alfândega.” (BL, 22). Obs. É interesse a explicação que J. Ribeiro dá para a origem desta e de outras expressões, que ele reúne sob o signo da soletração. Entre outras, estuda: cutiliquê; gregotins; ramerrão, ff e rr (ou efes e erres); legalhé; p-a-pa, santa Justa; e pé por pé. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 52-57. DANÇA 46 Estranhar a dança. Não entender uma explicação. “– Agradeci, sim senhor, mas estranhei a dança.” (1380). DAR Dar a entender. Insinuar. “Dá a entender que sim, ao pé do ouvido, sem se comprometer publicamente.” (BL, 135). Dar-se bem. Ser amigo. “...e o caso é que todas se dão muito bem, e são madrinhas dos filhos umas das outras.” (1006) Vide também (BL, 123). Dar-se mal. Ser mal sucedido; ter um insucesso. “Este cronista se deu mal ao excursionar pelo jet set para contar o que foi o jantar dos...” (BL, 21) Vide também (DL, 103). Dar uma de. Imitar; agir como se fosse o imitado. “Sem essa, vê lá se vamos dar uma de turista.” (1440). Deu o que tinha de dar. Produziu tudo que pôde, ou o máximo que pôde. “O Sr. Olavo Bilac... também deu o que tinha de dar; é bananeira que já deu cacho.” (1006). Não dar para entender. Estar confuso. “Não dá para entender.” (DL, 69). Para dar e vender. De sobra; com muita fartura. “Há Joões Brandões para dar e vender, do lado de lá e do lado de lá e do lado de cá do Atlântico.” (DL, 16). Para o que der e vier. Disposto e em condições de enfrentar a situação; sem reservas. “...compreendeu que devia obedecer, abrindo uma segunda porta, esta invisível, para o que desse e viesse.” (DL, 8) Vide também (DL, 118). Pouco se me dá. Pouco me importa; indiferentemente. “Quando a ele me imortalizar, mesmo discretamente, isto é, por 150 ou 500 anos, pouco se me dá.” (1439). DECLARAR Nada ter a declarar. Não estar disposto a dar informações, nem interessado. “Nada tenho a declarar. Não há verba.” (DL, 68). DEDO Ficar cheio de dedos. Com medo; com muita cerimônia ou burocracia. “E o banco, associado à companhia, fica cheio de dedos para falar com ela.” (DL, 127). DESAFORO Não levar desaforo pra casa. Revidar imediatamente a ofensa ou agressão. “Não levo desaforo para casa.” (DL, 68). 47 DEUS Deus me livre. Forma de esconjuro que corresponde a cruz credo. “ – Como? Quer dizer que ele morreu? – Deus me livre.” (BL, 47). Deus sabe. Só Deus sabe; ninguém sabe. “...mas a idéia de subir ao cocuruto do Pico (ou Bico) do Papagaio se implantara nelas, Deus sabe por quê.” (1439). Quando Deus é servido. Na hora certa. “Chega-se quando Deus é servido, quando possível – e nem sempre é possível.” (982) “...pagaria quando Deus fosse servido – e Deus foi servido um ano depois.” (OC, 921). Que Deus tenha. Expressão de reverência usada ao se nomear um falecido de saudosa memória. “...por sinal que meu pai, que Deus tenha, era tratado de Paquerinha pelos íntimos.” (1325) Vide também (BL, 98). Se Deus ajudar. Provavelmente; se Deus quiser. “Se tudo der certo, né, e se Deus me ajudar.” (DL, 67). Se Deus quiser. Certamente; se Deus ajudar. “Acaba daqui a pouco, se Deus quiser.” (DL, 14) Vide também (DL, 66). Vá com Deus! Vai com Deus! Forma de despedida piedosa de quem fica para quem fica para quem sai, à qual se responde, normalmente: fica com Deus também! “- Vá com Deus!” (1318). DEUS-ME-LIVRE Morar no deus-me-livre. Morar em lugar de difícil acesso. “Afinal o caso não se passa comigo, que não tenho quintal nem moro no deus-me-livre.” (DL, 137). DIA Dia de São Nunca de tarde. Nunca; jamais; dia 30 de fevereiro. “Mas até aí morreu o Neves, e não foi no Dia de São Nunca de tarde: foi vítima de pertinaz enfermidade...” (1321). Estragar o dia (alguém) . Causar grande aborrecimento ou preocupação. “– Agora não adianta, você estragou o meu dia.” (DL, 77). Lá um belo dia. Num certo dia. “...pois há afetos que lá um belo dia, aliás um péssimo dia, explodem em tragédia, pelo menos em vergonha pública.” (1457). Lá um dia. Lá um belo dia. “...lá um dia assinou um gordo cheque e declarou fundada a academia gonçalvina.” (1107). Mais dia menos dia. Não tardará muito; está perto o dia em que. “...e a influência que, mais dia menos dia, o fato há de produzir em benefício da cultura...” (1004). 48 Não há nada como um dia depois do outro. A melhor coisa que existe é segurança sobre o futuro. “...‘não há nada como um verão depois do outro, para refrescar este agora...” (BL, 141). Obs. O cronista não usou o provérbio do verbete, mas criou um antiprovérbio correspondente a ele. Um dia a casa cai. Não há bem que sempre dure nem mal que nunca se cure. “Fraqueza de mulher, doutor. Um dia a casa cai.” (BL, 58). Um dia é da caça e outro é do caçador. Frase com que se tenta consolar alguém que não se deu bem no seu negócio. “Um dia é do caçador e outro também.” (1379). Obs. Note-se que Drummond, ao criar um antiprovérbio, faz uma crítica sócio-política ao regime capitalista. DIABO O diabo que o carregue. Qualquer coisa que não se deseja nomear; coisa desagradável e que se odeia. “Dia do Poeta é um só, o resto do ano é todo dos milicos, das multi, do imposto de renda e do diabo que o carregue!” (BL, 166). Pobre diabo. Pessoa sem prestígio social; João Ninguém; infeliz; miserável. “Picasso assina falsos Picassos por blague ou para ajudar pobres diabos.” (1342) “Perceberam que somos uns pobres-diabos.” (BL, 197). Vá para o diabo. Vá para o inferno. “...pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.” (BL, 79). Vá para o diabo que o carregue! Vá para o inferno; suma-se. “Te arrenego! Vá para o diabo que o carregue.” (DL, 63) “Mas se a gente não fizer isso, baseado no meu sistema universal do avessismo dinâmico, iremos todos pro diabo que carregue, e então...” (BL, 67). DITO Dar o dito por não dito. Não levar em consideração o que foi falado ou combinado anteriormente. “Dá o dito por não dito. Darei então o não dito por dito.” (1424). Ficar o dito por não dito. Ignorar-se o combinado ou acertado verbalmente; passar uma esponja em tudo. “E na variação, fica o dito por não dito.” (DL, 69). DIZER Até dizer chega. Até atingir o limite máximo; ao máximo. “Agora, a 15 minutos de lancha de Salvaterra, dê uma olhada em Soure, isto sim, nominho portuga até dizer chega...” (BL, 171) “Dirá 2 milhões, dirá até dizer: chega.” (DL, 70). 49 Digo e repito. Insisto; mantenho o que disse. “A menos que o convicto (ou teimoso) diga: ‘Digo e repito’.” (DL, 69). Dize-tu direi-eu. Bate-boca; discussão. “...lance uma contradita, passando os dois a renhir em dize-tu direi-eu.” (DL, 70). Dizer bem com. Ficar bem para; combinar com; estar de acordo ou em conformidade com. “O azul diz bem com a tua pele, minha querida: observação tranqüilizadora para a mulher que está pensando em encomendar um vestido azul.” (DL, 70). Dizer coisa com coisa. Ser coerente no que diz.”...deve assumir não só em lirismo como também na vida social, dizendo coisa com coisa e adotando o lema pão-pão queijo-queijo.” (DL, 29). Eu não disse? Expressão com que se assinala o acontecimento de algo previsto. “Eu não disse? Repete.” (1379). Não dizer coisa com coisa. Fazer declarações desencontradas, criando confusões; se incoerente quanto ao que diz. “...o Inconsciente Coletivo, que, visivelmente alcoolizado, não disse coisa com coisa...” Não me diga. Expressão de encantamento ou surpresa, freqüentemente usado em sentido irônico. “– Tou vendo. Mas olha aí. Mesmo com gravador, o material ainda está faltando. – Não me diga.” (DL, 96). Não ser lá que digamos. Não merecer destaque; não merecer elogios. “Muito do que se diz em louvor disso ou daquilo, em confronto com a realidade, pode suscitar o bocejo em forma de frase: Não é lá para que digamos.” (DL, 70). Não ter nada a dizer. Não há novidade que deva ou possa ser dita. “Em verdade, em verdade vos digo que hoje não tenho nada a dizer.” (DL, 70). Não vá dizer que. Já se pode adivinhar que vai dizer que. “Não vá me dizer que ela é sua cunhada.” (DL, 68). Nem me diga. Nem precisa dizer, pois estou farto de saber. “Nem me digam que o rol está errado, pois as pessoas anunciam...” (DL, 92). O que é mesmo que eu estava dizendo? Expressão que se usa ao retomar um assunto interrompido, para que interlocutor abandone a digressão e volte ao tema em questão. “...apelando para fórmulas: ‘como eu ia dizendo...’ ‘O que é mesmo que eu estava dizendo?...’” (DL, 69). Por assim dizer. Pouco mais ou menos; quase; digamos. “Os traços subsistiram, mas a espécie nasceu, por assim dizer, errada, e tende a acabar.” (1113) “A câmara esboça aqui uma compatibilização, por assim dizer, do elemento vegetal com o humano.” (970) Vide também (1131). Por isso que eu digo. Estou certo em dizer; insisto em dizer. “Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum.” (DN, 102). 50 Por que não dizer? Diga-se; é melhor que se diga; por que negar? “Pouco importa que alguns crítico menos inclinados à justiça, e mesmo – por que não dizê-lo?...” (1004). Quem diria? É uma surpresa; ninguém imaginava. “Augusto, quem diria?’ (DL, 25) “...a Virgínia, hem? quem diria, aquela santinha nunca me enganou, pois há afetos...” (1457). Quem disse que? Expressão de realce, numa pergunta que pretende sugerir uma resposta negativa. “...para pegar docemente no queixo da moça, quem disse que o queixo cedeu?” DOCE Acabou-se o que era doce. Acabou a sopa; expressão com que se indica o fim de uma situação cômoda e agradável. “...três feriados! E daí, mais nada, acabou-se o quer era doce.” (1103). DOIDO Ser doido por. Gostar muito de; ter grande atração por. “– Pois eu sou doido por chá.” (1303). DÓLAR Dólar furado. Coisa sem valor ou de valor insignificante. “Se as malhas do processo chegarem até a nós, não dou um dólar furado pelo segundo mandato do Mr. Nixon.” (1397) Vide também (DN, 22). DOR Dar dor de cabeça. Aborrecer. “Há também uns casos de corrupção que começam a me dar dor de cabeça.” (1347) “Ele só nos tem dado dor de cabeça...” (DL, 27). DOSE Dose para leão. Exagero; que passa dos limites. “...essa eu acho dose para todos os leões do Simba Safári de São Paulo.” (DL, 27). DOUTOR Doutor de mula ruça. Charlatão. “...ia-se ver, debaixo de tanta farofa era um doutor de mula ruça, um pé rapado, que espiga!” (1320). DURO Dar duro. Trabalhar muito, em serviço prolongado ou fatigante. “Na sua idade eu já dava duro e ajudava em casa.” (1202) Vide também (1447; 1259). 51 EIRA Sem eira nem beira. Muito pobre. “Sem eira nem beira.” (DL, 68). EIXO Entrar nos eixos. Ajustar-se; voltar ao bom funcionamento. “Em todo caso, não lhe parece que respondida a grande pergunta... tudo entrará nos eixos?” (1272) Vide também (DL, 117). EMBIRA Na embira. Sem dinheiro; em dificuldades financeiras. “...acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto.” (1320). ENCARAMUJADO Encaramujado em si mesmo. Fechado em si mesmo. “O indivíduo encaramujado em si mesmo lutava com o escritor socializante...” (931). ENGANAR Se não me engano. Acredito que; penso. “– Perdi a conta. Quatro ou cinco, se não me engano.” (BL, 74). ENXERGAR Você não se enxerga? Repreensão a alguém que ousa algo que está além de sua posição. “Você não se enxerga?” (DL, 66). ESCANTEIO Botar pra escanteio. Desprezar; não dar a devida atenção. “Quando a gente é modesta demais, botam pra escanteio.” (BL, 41). ESCARRADEIRA Saber cuspir dentro da escarradeira. Disfemismo que exprime a idéia de uma educação apurada; saber portar-se com elegância refinada. “Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira.” (1319). ESPERAR Espere e verá. Você não perde por esperar; mais cedo ou mais tarde receberá o que merece. “Da próxima espere e verá.” (DL, 22). 52 Quando menos se espera. Exatamente quando não parecia ser o momento adequado; inesperadamente. “Quando menos se espera... Você pega um táxi, manda tocar para...” (BL, 69). Ser de se esperar. Ser previsível. “Era de se esperar.” (DL, 72). ESPINHA Curvar a espinha. Humilhar-se; reconhecer a superioridade de alguém. “Perdemos o sono e o sentimento da nossa orgulhosa integração na cidade, pois toda a cidade curva a espinha sob essa visita errante...” (1145). ESPONJA Passar uma esponja. Esquecer o que se passou; não se falar mais em. “Ele prometeu passar uma esponja no acontecido, propôs que se estabelecesse frente única diante da alça de mira.” (1269). ESQUINA Ali na esquina. Em toda parte. “Hoje estão ali na esquina para consumo geral.” (1409). ESSA Essa é boa. Expressão pejorativa que indica insatisfação. “...essa é muito boa, então a gente tem que provar que nasceu, eu que estou viva...” (1447) Vide também (1449). Ora essa. Ora sebo; ora bolas. “Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.” (1222) “...disca de novo, mas quer falar é com o Nosso Bar, ora essa.” (1170). Por essas e outras. É por isso; por coisas semelhantes. “– Por essas e outras é que só moro em casa, e casa térrea, sem escada, pra não dar grilo.” (1402). Sem essa. Discordo; jamais. “Sem essa, vê lá se vamos dar uma de turista.” (1440) “Eu descer porque estou suado? Sem essa.” (DN, 33) Vide também (1339; DN, 62). ESTRIBEIRA Perder as estribeiras. Desnortear-se; descomedir-se; praticar despropósitos. “Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que caixeiro nos impingia...” (1320). EVA Como Eva é servida. Nua. “...é porque uma onda mais velhaca pode deixar a gente como Eva é servida...” (DN, 25). 53 EXPRESSÃO Se me permite a expressão. Com licença da má palavra. “Premiados, entram pelo cano, se me permite a expressão.” (DL, 6). FACA Com a faca e o queijo na mão. Com amplo poderes; com todos os recursos necessários para a realização de uma tarefa. “Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão...” (1320) “Eu não era governador, não estava com a faca e o queijo na mão?” (CB, 106). FALTAR Não faltava mais nada. Expressão de descontentamento ao se constatar um fato lamentável. “Não faltava mais nada!” (DL, 64). FAMÍLIA Acontece nas melhores famílias. É muito natural; não é motivo para se amofinar. “Um dia, seus queridos bisnetos farão o mesmo. Acontece nas melhores famílias.” (1384). FAVOR Nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário. Desejo de não opinar; abstenção. “Nem contra nem a favor do divórcio, muito antes pelo contrário.” (DL, 68) “Mônica, você fica encarregado de tomar nota dos votos iguais aos de Peter: nem contra nem a favor, antes pelo contrário.” (1364). FAZER Não fazer por menos. Não ceder; não diminuir o preço. “É da lei não escrita, homem ficar emburrado e não fazer por menos.” (BL, 54) “...e as convidadas não faziam por menos em toaletes que atestavam o talento de costureiras...” (BL, 20). Não se fazer de rogado. Sem cerimônias; aceitar imediatamente um convite. “Curió não se fez de rogado, e o vizinho adotou o figurino.” (1190). Não se fazer num dia. Ser muito demorado. “A famosa Reforma de Lutero não se fez num dia, ele levou tempo para...” (BL, 203). Que se há de fazer? Expressão de resignação. “ – Que se há de fazer? São os ossos do barão.” (1429). Ter mais que fazer. Estar ocupado; não estar disponível. “Tenho mais que fazer.” (1191) “E se o atacante tiver categoria, não ataca, pois tem mais que fazer.” (1184). 54 FÉ Dar fé de si. Perceber; notar; ver. “Quando dei fé de mim, estava dentro do Opala 73 e recebia o cumprimento respeitoso do chofer...” (DN, 12). FEDER Não feder nem cheirar. Ser ou ficar indiferente; não interessar. “Não fede nem cheira.” (DL, 68). FEIO Fazer feio. Errar num cerimonial; fazer fiasco; dar uma mancada. “Passou a noite, infeliz, pensando nos paulistas, ele mineiro fazendo feio ao lado dos paulistas, sempre os paulistas.” (1252). FEITIO Não ser do feitio (de alguém) . Não ser hábito; não estar afeiçoado a. “Não é do meu feitio e, mesmo, Deus me livre de fazer uma coisa dessas.” (1219). FEITO Bem feito! Expressão de satisfação por um mal ocorrido a outrem. “Não disse: bem feito, porque não sou de gozar a tristeza dos outros.” (DL, 83). FESTA Em festa de jacaré, inhambu não entra. Galinha não faz negócio com raposa; os pequenos ou fracos devem ficar longe dos negócios dos grandes, fortes ou poderosos. “ – Em festa de jacaré... – Não entendi. – Inhambu não entra, o senhor não sabia?” (1400). FICAR Fiquemos por aqui. Basta. “Fiquemos por aqui, você e eu habitando em pensamento as ilhas que afloram em Minas...” (BL, 51). Não ficar bem. Ficar mal; ter repercussão negativa. “Essas coisas não lhe ficam bem, meu filho.” (1180). Não ficar mal. Ficar bem; ter boa acolhida; agradar. “Cadeira de balanço é móvel de tradição brasileira, que não fica mal em apartamento moderno.” (1225) Vide também (1010). FIGA Fazer figa. Esconjurar; fazer cruzes a. “Não ligue. Faça figa. – Eu faço, mas adianta?” (DN, 91). FILHO 55 Os filhos da Candinha. Boateiros; fuxiqueiros; candongueiros. “O Diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava na rua da amargura...” (1320). FIM Ser o fim da picada. Ser inacreditável, horrível, impossível. “Que vergonha, meu Deus do céu! É o fim da picada!” (DL, 64). FLOR Não ser flor que se cheire. Ser desaconselhável; ser indesejável ou cheio de defeitos. “É uma flor... que se cheire?” (1317). FOGO Com fogo não se brinca. Evitem-se as coisas perigosas; não ponha a mão em boca de lobo. “ – Eu? Absolutamente. Apenas prevenindo que com fogo não se brinca.” (DL, 127). Obs. Brincar com fogo é deliciar-se em aventuras perigosas. FORA Dar o fora. ir-se embora; raspar-se; sair. “Dê o fora depressa antes que eu chame meu marido!” (1229) Vide também (1240). FREGUESIA Ir pregar em outra freguesia. Ir pentear macacos; ir procurar o que fazer. “E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.” (1318). FRENTE Nada de novo na frente ocidental. Sem novidades; tudo como dantes no quartel de Abrantes. “Nada de novo na frente ocidental.” (DL, 68). FRIA Entrar numa fria. Fazer um mau negócio; ser enganado; meter-se em encrencas. “Sabia de experiência própria que passageiro nenhum quer entrar numa fria.” (DN, 32). FRITO Estar frito. Estar em apuros. “Se eu sou mesmo, estou frito.” (1267). FUMAÇA 56 E lá vai fumaça. E tarará; e tantos; um bom número. “Aos sessent’anos – sessenta e lá vai fumaça – nada, corre, entra em pelada, monta, joga vôlei...” (BL, 74). Tirar uma fumaça. Fumar um pouco; tirar um trago. “Sei o que é um fumante inveterado, impedido de tirar uma fumaça.” (BL, 32). Virar fumaça. Desaparecer; evaporar-se. “Sumo! Viro fumaça!” (DL, 46). FUTURO O futuro a Deus pertence. Ninguém deve comprometer o futuro; só o presente é certo. “– Já sei. O futuro a Deus pertence.” (1267). GABAR Não é por me gabar. Embora eu não queira me exibir. “Mas fala a seu modo, desde que eu saiba interrogá-lo, e eu, não é por me gabar, tenho meus macetes.” (DN, 133) Vide também (DN, 170). Não é pra me gabar. Sem exibicionismo. “Meu filho, não é pra me gabar, mas é uma lindeza...” (1446) Vide também (BL, 43; DL, 125). GALHO Quebrar o galho. Dar um jeitinho. “Eles vão me quebrar esse galho.” (1226) “...quem sabe se esse banqueiro não quebraria o galho da firma?” (CB, 75) Vide também (DN, 140; 1190). GALO Ouvir cantar o galo, mas não saber onde. Interpretar mal uma informação; não ouvir direito ou não entender bem. “Alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde.” (1319). GAMBÁ Comer gambá errado. Equivocar-se; tomar uma coisa por outra; comer gato lebre. “Que sarro! Comeu gambá errado!” (DL, 64). GATA Não poder com uma gata pelo rabo. Ser ou estar muito fraco; estar sem recursos. “ Não pode com uma gata pelo rabo.” (DL, 68). GATO O gato comeu. Desculpa de quem deu fim a alguma coisa e não quer se confessar; maneira de dizer que sabe quem deu fim a algo, mas não deseja delatar. “Não há mais nada? Havia; mas o gato comeu (e ninguém viu o gato) .” (OC, 591). 57 Fazer de gato-sapato. Fazer gato e sapato de alguém; menosprezar; maltratar; aproveitar de. “Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegava a urtiga ao nariz, ou se faziam de gato-sapato.” (1320). GENTE Desde que me entendo por gente. Há muito tempo; desde que tomei consciência deste mundo. “Nunca a vi desde que me entendo por gente, e do tempo de garoto não guardo a menor lembrança dela.” (1188). GERAÇÃO Gerações e gerações. Muitas gerações. “Nos parques municipais, gerações e gerações de namorados gravam no lenho indiferente...” (969). Obs. Neste caso, a repetição é um recurso para indicar quantidade. Em nossa língua, a repetição tem inúmeras funções, podendo indicar também intensidade, modo e várias modificações de sentido da palavra repetida. GIBI Não estar no gibi. Ser inédito; ser inesperado; ser incrível ou maravilhoso. “Não está no gibi.” (DL, 68). GRAÇA Com a graça de Deus. Graças a Deus. “Detesto isso, minha formação é cristã, com a graça de Deus.” (BL, 211). GREGOS Gregos e goianos. Todos; amigos e inimigos. “O chofer de V. Exa. passou a ser assediado por gregos e goianos...” (1096). Obs. O espirituoso antiprovérbio drummondiano é uma sátira bem sutil aos bajuladores em geral. GRILO Dar grilo. Criar confusão; azarar. “Por essas e outras é que só moro em casa, e casa térrea, sem escada, pra não dar grilo.” (1402) “Mas se o senhor fizer isso não bota o meu nome no meio, porque vai dar grilo.” (DN, 98). Ouvir grilo. Sem dormir; com insônia. “Eu tinha tomado pervitim para varar a noite guiando, e agora ia passar toda essa madrugada de olho aberto, ouvindo grilo.” (1178). GUERRA Guerra é guerra. Na guerra, o feio é perder; na guerra, os fins justificam os meios. “Guerra é guerra, greve é outra coisa, e a minha é outríssima.” (BL, 58 149) “...daqui a pouco você inventa carregar banheirinho plástico, torradeira, essas coisas. Guerra é guerra.” (1440). HAVER Haver por bem. Decidir; achar melhor. “...e cujo proprietário houvera por bem confiar à guarda deste amador das artes acima de qualquer suspeita?” (DN, 21) Vide também (1407). Não haver nada a tirar nem pôr. Estar ou ser perfeito. “Na realidade, travamos conhecimento com Edival quando o seu destino está consumado e perfeito, e não há nada a tirar nem pôr na sua vida.” (OC, 586). HORA Cheio de nove horas. Metido a besta; vaidoso; cerimonioso. “Às vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de nove horas...” (1320). De hora em hora Deus melhora. As coisas estão melhorando. “De hora em hora Deus vai simbora.” (1379). Obs. Neste antiprovérbio, Drummond parece indicar o que está causando tantos males em nosso tempo. Horas e horas. Durante muitas horas; horas a fio. “– Se prolonga por horas e horas e não se esgota...” (OC, 873). Na hora de acertar os ponteiros. Na hora do acerto; no momento de pôr tudo em pratos limpos. “...se na hora de acertar os ponteiros você me vem com essa história de que amor não deve ser objeto de contrato...” (DL, 36). Quando soar a hora. Na hora agá; na hora da verdade. “Quando soar a hora de oficializar a composição do Governo, aí você chama os que tiver de chamar.” (BL, 135). Soar a hora da verdade. Estar na hora agá. “Soou a hora da verdade? E que mais?” (DL, 65). Vinte e quatro horas por dia. Todo o tempo. “...dor de não ocupar o seu pensamento 24 horas por dia, e...” (DL, 90). IDA Nas idas e venidas. Nas andanças; nas idas e vindas. “Nas idas e venidas em busca da moça carregava comigo o objeto embrulhado.” (1154). IMPORTAR Que bem me importa. Não tem importância. “...o moço não disse mas falou consigo mesmo, que bem me importa se ela não quer mais me beijar, eu beijo outras...” (BL, 54). 59 INÊS Se Inês é morta. Se o momento oportuno não foi aproveitado; se não adianta mais nada; se o prejuízo é irreversível. “...aliás extinta, do Rio de Janeiro, para implicar com a indústria imobiliária nem seria mais tempo de fazêlo, se Inês é morta.” (DN, 23). Obs. Esta frase é alusiva à revolta ou insatisfação popular causada pela morte de Inês de Castro, assassinada pelo crime de ter amado seu Rei. INFERNO Vá para o inferno. Suma-se; vá para o diabo que o carregue. “ – Quero que o senhor vá para o inferno, sim?” (1334) “E seu marido? Vá tudo para o inferno.” (1363) Vide ainda (1250). IR Ou vai ou racha. Não haverá mais paliativos; é o último recurso. “Pra frente, Brasil! Ou vai ou racha!” (DL, 63). Vá lá. Pode ser; admita-se. “Vá lá, pode derrubar ainda umas três ou quatro, de pinga.” (DN, 114) Vide também (BL, 196). Vamos e venhamos. Convite à reflexão, ao raciocínio. “...que o rótulo pertence a Gonçalo Fernandes Trancoso, e daí, vamos e venhamos, por que essa mania de...” (DL, 19). ISSO É isso aí. Tudo bem; certo. “É isso aí. Te telefono amanhã, tá?” (1430) “É isso aí: ninguém aprende mais nada na escola...” (DL, 71) Vide também (DL, 94). Lá isso é. Isso é verdade. “A gente tá em 1980, pô. – Lá isso é.” (BL, 42). Não seja por isso. Não há por quê; tudo certo; tudo bem. “ – Não seja por isso, meu poeta.” (BL, 164). Não ser bem isso. Rigorosamente, não; apenas em parte. “Não é bem isso, Inácio. Você não entendeu o meu ponto de vista.” (DL, 76). ISTO Lá isto é. Isto é verdade. “Lá isto é, ou se calça a luva e não se põe o anel, ou...” (DL, 67). Lá isto é verdade. Sem dúvida; é verdade; isto é verdade. “Se cogitarmos... já se sabe: nada feito. – Lá isto é verdade.” (1454). JÁ Já não se... como antigamente. As coisas modernas estão falsificadas; falta autenticidade nas coisas de hoje. “Já não se comem broas de fubá como an60 tigamente!” (DL, 64) “Já não se pode mais andar como antigamente.” (BL, 151). JABUTICABA Não vale a pena chupar a jabuticaba dos outros. O alheio procura o seu dono; o que é do homem o bicho não come. “Não vale a pena chupar a jabuticaba dos outros.” (1316). JEITINHO Dar um jeitinho. Improvisar uma solução de última hora. “Espere um momento, que dou um jeitinho.” (BL, 195). JEITO Dar-se um jeito. Dar um jeitinho. “O estatuto não permite, mas dá-se um jeito.” (1110) Vide também (1156; 1450). Do jeito que vão as coisas. Assim; desta maneira. “ – É mesmo. Do jeito que vão as coisas temos de voltar ao suspensório.” (BL, 101). JOGADA Entrar na jogada. Aceitar uma situação; participar de um negócio; entender. “Olhe, poeta, um conselho: não entre nessa jogada das cartas de Virgínia.” (1461) “Desculpe ter custado um pouco a entrar na jogada.” (1450) “Melhor você não dar uma de contestadora, e entrar na jogada.” (DN, 133) Vide ainda (1431). JOSÉ E agora, José? Já decidiu? Qual é a tua, bicho? “E agora, José? Por bem ou por mal, vai dizer que horas são?” (DL, 66) “...botou as mãos na cabeça: – E agora, José?” (1314) Vide também (1167). JUDAS Onde Judas perdeu as botas. Onde o vento faz a curva; cafundós do Judas; calcanhar do Judas; lugar pouco habitado e de difícil acesso. “...contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas.” (1319). JUIZ Não haver mais juízes em Berlim. Só há justiça para alguns privilegiados; a justiça já não é garantida para todos. “Não há mais juízes em Berlim.” (DL, 68). 61 LASCAR Ser de lascar. Ser profundamente desagradável, ou irritante, ou decepcionante; ser dos diabos. “É de lascar. Essa não!” (1379) Vide também (DL, 63). LATA Levar a lata. Receber resposta negativa a um pedido de casamento. “...pois isso evitava levar lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido.” (1320). LATIM Perder o seu latim. Explicar para quem não irá entender; sacrificar-se inutilmente. “Mas quem escreveu, coitado! Esse perdeu o seu latim, como se diz.” (1172). LEITE Defender o leite das crianças. Trabalhar; ganhar dinheiro; procurar garantir lucro. “Então continuo nesta de defender o leite das crianças...” (BL, 63) Vide ainda (BL, 61; BL, 61). Esconder o leite. Ocultar alguma coisa; fingir que não sabe. “– Escondendo o leite, hem? Sabidão!” (DN, 14). LELÉ Lelé da cuca. Gira; doido; maluco. “Podia continuar toda vida neste papo, mas desconfio que o leitor já está me achando lelé da cuca.” (1384). LENÇO Sem lenço e sem documento. Totalmente desprevenido; sem o mínimo conforto. “...e sai por aí, sem lenço e sem documento, mandando brasa.” (1352) “Sem destino. Sem lenço nem documento.” (DL, 68). LETRA Tirar de letra. Resolver com muita facilidade um problema. “Os caras que têm ensino tiram de letra nas provas.” (1400) “Se me contratarem eu tiro de letra.” (BL, 42) Vide também (BL, 74). LEVAR O que é que eu levo nisso? Qual seria a minha recompensa? “O que é que eu levo nisso, me diga?” (DL, 66). LIGAR 62 Nem te ligo. Demonstração de total desinteresse pelos acontecimentos. “Alguém braceja entre as ondas, desesperadamente. O salva-vidas, de costas para o mar, nem te ligo.” (DN, 23) “O moço (pois ostentava barba e cabeleira amazônica, sinais indiscutíveis de mocidade, nem-te-ligo.” (DN, 31). LÍNGUA Dobrar a língua. Ter mais respeito ou reverência. “Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um esquecia...” (1320) “Dobre a língua antes de pronunciar o nome de Madame Elzevir.” (BL, 216). LINHA Tirar uma linha. Chegar a alguma conclusão; reparar em uma pessoa. “Falecido não manda. – Pelos discursos a gente tira uma linha.” (BL, 216). LIRÓ Todo liró ao copo d’água. Todo emperiquitado; todo enfeitado. “O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo d’água, se bem que...” (1320). LOCA Por locas e bibocas. Por toda parte. “Que a alma do padrinho Padre Cícero te acompanhe por locais e bibocas do mundaréu...” (DL, 89). LONA Na última lona. Sem nenhum dinheiro; em petição de miséria. “É, esse está mesmo na última lona, e dói ver a lenta agonia de um ser tão gracioso, que viveu para cantar.” (1234). LUGAR Ter seu lugar ao sol. Ter sua posição garantida. “Só? Não. Têm seu lugar ao sol a metalinguagem, o servomecanismo, as algias...” (1409). LUZ À luz da razão. Logicamente; racionalmente. “Além do mais, os conceitos estabelecidos lucrariam em ser revistos à luz da razão.” (1407). À luz do dia. Às claras; sem subterfúgios. “O fato de não produzir não é o mais grave, e tolera-se no asfalto e na praia, à luz do dia...” (BL, 86). MACACO Macacos me mordam. Espécie de juramento. “Macacos me mordam se estou pregando peta.” (1320). 63 MAL Não há mal que sempre dure. Todos os sofrimentos terão um fim. “Não há mal que sempre dure.” (DL, 68). MANDAR Mandar e não pedir. Ser autoritário. “Puxa, mas você é mesmo o Imperador Augusto em pessoa. Manda e não pede.” (DL, 36). MANTA Passar manta. Lesar em negócios. “Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo.” (1318). MÃO Abrir mão de. Desistir; não dar importância; abandonar. “Pode-se abrir mão da analogia ou da sugestão...” (1312) “Abro mão de direitos autorais, não da co-autoria.” (1461) Vide também (1052). Agüentar a mão. Ter paciência; ser tolerante. “...enfim, que agüentasse a mão, mesmo que isso fosse uma tremenda mão-de-obra...” (DL, 139). Botar a mão na consciência. Pensar bem antes de agir. “...não desejava meter a mão em cumbuca, e exortou-me a botar a mão na consciência...” (DL, 139). Botar a mão no fogo (por alguém) . Defender os atos de determinada pessoa, responsabilizando-se por sua lisura; ter confiança cega em alguém. “Se porventura cair (não boto a mão no fogo por ele), a causa que os senhores peritos deverão pesquisar...” (1157). Botar as mãos na cabeça. Achar-se se situação embaraçosa. “...botou as mãos na cabeça: – E agora, José?” (1314). Com uma mão atrás e outra adiante. Em estado de penúria; muito pobre. “...para que os velhinhos não ficassem de mãos abanando, ou com uma mão atrás e outra adiante...” (DL, 139). Dar as mãos à palmatória. Confessar-se vencido; convencer-se de erro. “Dei as mãos à palmatória. De fato, era eu quem iria cintilar na assembléia...” (DL, 139). Ficar de mãos abanando. Ficar sem nada; ficar com as mãos vazias. “...para que os velhinhos convidadores não ficassem de mãos abanando, ou com uma mão atrás e outra adiante...” (DL, 139). Ficar na mão. Não conseguir o que esperava como certo; decepcionar com o resultado de um negócio; ficar sem nada. “...não ficassem de mãos abanando, ou com uma mão atrás e outra adiante, ou ainda, para falar mais claramente, na mão.” (DL, 139). 64 Meter a mão em cumbuca. Ser cauteloso; ser prudente; não arriscar; não se entregar a aventuras perigosas. “Alegou que para esse tipo de coisas tinha mão-de-pilão; além disso, não desejava meter a mão em cumbuca.” (1319). Pôr a mão em cumbuca. Meter a mão em cumbuca. “...os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca.” (1319) Sujar as mãos em alguém. Esbofetear; dar uns tapas; sentar a mão. “Não vou sujar minhas mãos em você.” (DL, 68). MÃO-BEIJADA De mão-beijada. Sem receber pagamento. “...que tivesse paciência e desse uma mãozinha, mesmo de mão-beijada, pois...” (DL, 139). MÃO-DE-OBRA Ser uma mão-de-obra. Ser muito trabalhoso. “...enfim, que agüentasse a mão, mesmo que isso fosse uma tremenda mão-de-obra...” (DL, 139) MÃO-DE-PILÃO Ter mão-de-pilão. Ter mão pesada; ser rigoroso. “Alegou que para esse tipo de coisas tinha mão-de-pilão...” (DL, 139). MÃO-NA-RODA Ser uma mão-na-roda. Ser rápido; ser veloz. “...que ela constituiria elemento essencial; que seu concurso seria verdadeira mão-na-roda...” (DL, 139). MÃOZINHA Dar uma mãozinha. Auxiliar; prestar um pequeno serviço; dar uma mão. “...que tivesse paciência e desse uma mãozinha, mesmo de mão-beijada, pois...” (DL, 139). MAPA Sumir do mapa. Desaparecer; viajar para lugar ignorado. “Sumiu do mapa. Esses óculos!” (1341). MARÉ Espiar maré. Estar desocupado, sem o que fazer. “ – É verdade que tem muito carioca,... espiando maré.” (DN, 172). MARINHEIRO 65 Marinheiro de primeira viagem. Pessoa inexperiente. “Mas logo se verificava que as pessoas assim descobertas eram, na realidade, a Cláusula Rebus Sic Stantibus, o Marinheiro de Primeira Viagem e o Cidadão Quase Acima de Qualquer Suspeita.” (DL, 81). MATO Estar no mato sem cachorro. Ficar inteiramente desorientado, em face dos negócios fracassados ou dos planos frustados; fracassar; sofrer grandes prejuízos. “Então ele está no mato sem cachorro – comentou um terceiro.” (1268) “É, não tem saída, não. Estamos no mato sem cachorro.” (1307) Vide também (1443). MEIO No meio está a virtude. Nem oito nem oitenta; evitem-se os extremos. “Eu acho que no meio está a virtude, como gostava de falar o vovô.” (BL, 41). MEMÓRIA Se não me falha a memória. Salvo maior engano; parece-me que. “Parar é regra de ouro (se não me falha a memória) .” (DL, 67). MINHOCA Tirar minhocas da cabeça. Esquecer certas idéias malucas ou certos planos perigosos; criar juízo. “ – Vai tirar essas minhocas da cabeça dele?” (1399). MISSA Não saber da missa a metade. Desconhecer um assunto; estar mal informado. “Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário...” (1319) “Não sabe da missa a metade.” (DL, 68). MOLE Não ser mole. Ser difícil, ruim, desagradável ou complicado. “Eu vou de travesseiro, dormir no chão de pedra não é mole, hem?” (1440) Vide também (1436; 1302). MONTANHA Já que a montanha não vai até Maomé, Maomé vai à montanha. Se não for possível a realização de um milagre, façamos o que estiver ao nosso alcance, dentro de nossa limitação. “Já que a montanha não vai até Maomé (e quem sou eu para me comparar a Maomé), vou até a montanha.” (DL, 38). Obs. Cf. MAGALHÃES JÚNIOR, R. (s.d.) p. 198. 66 MULHER Mulher feia não bebe mas paga. É uma dessas frases com que os camelôs se anunciam e anunciam suas mercadorias. “...é de toda colidade, mulher feia não bebe mas paga.” (1352). Obs. A forma norma da frase é: Mulher (ou moça) bonita não paga mas também não leva. A paródia pretende castigar as mulheres feias, como se toda mulher tivesse que ser bonita, ou se feiúra fosse crime. MUNDO Virar o mundo abaixo. Ocorrer uma catástrofe, um mal irremediável, ou uma ventania, ou chuva forte, etc. “Tinham-se rompido umas telhas, e o mundo parecia vir abaixo, derretido em chuva.” (1244). MÚSICA Dançar conforme a música. Adaptar-se à situação; mudar de comportamento ou até de objetivos. “Não mudo de alvo? Não danço conforme a música ou até sem ela e contra ela?” (DN, 99). NADA Antes de mais nada. Principalmente; em primeiro lugar. “A nova instituição se recomenda, antes de mais nada, pelo culto à memória de Gonçalves, hoje tão esquecido...” (1107) Vide também (DN, 119; DN, 115; 1157). De nada. Mínimo ou insignificante. “ – Um objeto de nada.” (BL, 159). De nada. Não há de quê; forma de responder a um agradecimento. “Mas agradecer de coração, isso eu poso. – De nada, ora essa.” (BL, 98). Não ser de nada. Não ter influência; ser uma nulidade; não ter mais força. “Não é de nada.” (DL, 68) “...pois o Guto não é de nada em matéria de religião, ele é de outra coisa muito diferente, você sabe qual é.” (DL, 27). NÃO Por que não? Sim; é uma boa; é isso mesmo; exatamente. “Apelar para o Presidente Figueiredo, por que não?” (BL, 16). NARIZ Diante do nariz. Debaixo do nariz; diante de si; óbvio. “O homem guarda esta desconfiança a respeito de fatos ocorridos diante do seu nariz...” (1078). Meter o nariz no que não é da conta (de alguém) . Intrometer-se em assuntos alheios. “ – Sem querer meter o nariz no que não é da minha conta, gostaria que também...” (1450). 67 NASCER Nascer de novo. Escapar de um grande perigo; recuperar-se de um acidente. “No que eu nasci de novo e nunca mais vi o tipo.” (DN, 7). NAVIO A ver navios. Não conseguir o que desejava; dar-se mal. “Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios...” (1319). NEGÓCIO Negócio de mãe. Coisa que não dá lucro; trabalho sem importância. “A velha trate de arranjá-los é negócio de mãe.” (DN, 70). Que negócio é esse? O que é isso? “Mas que negócio é esse de irmãozinho fotografados na praia...?” (DL, 27) Vide também (1419). Se o negócio é esse. Se é assim; sendo desta maneira. “Se o negócio é esse, então tira o absinto e bota caninha.” (DN, 51). NINGUÉM Pra ninguém botar defeito. De primeiríssima qualidade; perfeito. “Eu acho muito positivo esse nosso casamento, foi uma experiência pra ninguém botar defeito.” (BL, 123). NÍQUEL Não compreender níquel. Não compreender patavinas; não compreender bulhufas; não compreender nada. “Ia retirar-se, sem que o Silva compreendesse níquel, mas voltou-se, e rapidamente desfolhou esta confidência...” (1111). NÓ Dar nó até em pingo d’água. Ludibriar a todos; ser muito velhaco. “ – Quer dizer que ele dá nó até em pingo d’água?” (BL, 75). NOITE À noite todos os gatos são pardos. À noite, as pequenas diferenças não se distinguem; é fácil ser enganado à noite. “Quem foi que verificou que à noite todos os gatos são pardos?” (DL, 65). Cair a noite. Anoitecer. “Caíra a noite, e, descendo a Rua do Ouvidor, tínhamos em redor de nós...” (990). NÓS 68 Aqui entre nós. Confidencialmente; discretamente. “– E depois, doutor, aqui entre nós: a senhora que vai conosco é esposa do...” (1178) “Aqui entre nós: ela dá pelota?” (DL, 65). NOSSO SENHOR Até Nosso Senhor me fechar os olhos. Enquanto eu estiver vivo; até à morte. “Deixa pra lá, sem carteira vivi até hoje, sem ela vou viver até Nosso Senhor me fechar os olhos.” (1447). NOTA Uma nota firme. Muito dinheiro. “ – Mas você descolou uma nota firme naquela concorrência da ponte de São Luís Rei.” (1429) Vide também (1438). NUVEM Cair das nuvens. Sofrer uma grande decepção. “Caí das nuvens lendo vosso relato do jantar chez Sempervírens.” (BL, 23) Vide também (1320). Passar em branca nuvem. Não ser lembrado; ficar despercebido. “Certos papais não apreciavam festa de aniversário, a data passava em brancas nuvens.” (1312) Vide também (BL, 163). Pôr nas nuvens. Elogiar; gabar; elevar aos cornos da Lua. “O Inácio também põe você nas nuvens.” (DL, 75). Ter lá suas nuvens. Duvidar; não estar seguro de. “Deus te ouça, meu filho. Mas tenho cá as minhas nuvens.” (DN, 90). OBRA Por obra e graça de. Graças à ação ou à participação de. “Não podia deixar de reconhecer, entretanto, que se estabelecera o diálogo entre duas gerações, por obra e graça do ensino.” (1248). OLHO Aos olhos de (alguém) . Diante de; perante; na opinião de. “Santos doía-se de ser um objeto aos olhos de D. Laurinha.” (1165) “...e o que se chama vitória aparece aos olhos de todos com uma evidência corporal que dispensa a imolação física.” (1091). Aos olhos de hoje. Na opinião geral de hoje. “Esse Rei Congo e essa Rainha Ginga, decorativos, burlescos aos olhos de hoje, mas revestidos de profunda dignidade...” (977). Bons olhos o vejam. Saudação a pessoa estimada que regressa. “Olalá! Bons olhos o vejam!” (DL, 64). 69 Botar no olho da rua. Despedir; expulsar; pôr no olho da rua. “E se o senhor me fizer mais uma, já sabe: boto-o no olho da rua.” (DL, 67). Entrar pelos olhos da cara. Saltar aos olhos; ser evidente. “A lei entra pelos olhos da cara do transeunte.” (DL, 113). Ficar de olho. Não descuidar; estar ou ficar atento. “...onde quer que estejas nascendo, fica de olho no futuro, presta atenção nas coisas...” (DN, 5). Olhar com outros olhos. Observar com espírito desarmado; ver sem malícias. “...eu diria que os moços convidam os pais e, por extensão, os homens e mulheres de gerações anteriores, a olhar com outros olhos a vida.” (DN, 18). Olho vivo! Cuidado! Atenção! “Olho vivo! Cavalo não desce escada!” (DL, 64). Não pregar olho. Não dormir; ter insônia. “Hoje, não. Nem preguei olho.” (DL, 68). Que meus olhos já viram. Conhecido; existente. “...onde hoje funciona o mais lindo museu que meus olhos já viram.” (992). ONÇA Virar onça. Ficar furioso ou violento. “Embora sentido pena, e querendo ajudar, virava onça.” (1308). ONDA Fazer onda. Criar problema. “ – Meu bem, é melhor a gente não fazer onda.” (1266). Ir na onda. Enganar-se; deixar-se enganar; aderir sem pesar bem as conseqüências. “Mulher não vai na onda, só tem pena de aleijado e de velhinho.” (1202) “Que fazer senão ir na onda?” (1379). ORELHA Abanar as orelhas. Discordar; não entender. “A todas essas interrogações, eu continuo abanando as orelhas e...” (OC, 585) “Se ele abanou orelhas diante da primeira advertência da nossa folha...” (996). Coçar a orelha. Demonstrar má vontade; interpor dificuldade. “...um gerente simpático, desses que não coçam a orelha quando a gente propõe uma reforma de títulos. “ (BL, 73). OSSO São os ossos do barão. São os ossos do ofício; são problemas atinentes a uma atividade ou profissão. “ – Que se há de fazer? São os ossos do barão.” (1429). 70 OUTRA Partir para outra. Dar por terminada uma tarefa ou uma etapa de uma atividade. “Por que, em vez disso, não parte para outra?” (BL, 47). OUTRO Como diria o outro. Como se supõe ou diz supor que alguém diria, se estivesse na mesma ou idêntica situação. “Não creia ainda em quem lhe diz alguma coisa, precedida de: ‘Como diria o outro.’ O outro não diria aquilo.” (DL, 70). Como diz o outro. Maneira de não assumir totalmente o que diz: “Tudo indica que o Outro é cúmplice de quem diz: Como diz o outro.” Como nenhum outro. Melhor que todos os outros. “No seio de uma gente... como nenhuma outra, com as dores do mundo, no desejo de interpretá-las e leni-las?” (981). Que é que os outros vão dizer? Frase denunciadora de inibição quanto à realização de uma tarefa; preocupação com a opinião pública. “Que é que os outros vão dizer? Mas os outros nunca dizem nada, apenas se receia que eles digam...” (1413). PÁ Uma pá de. Uma grande quantidade. “Posso contar ao senhor uma pá de infâncias que eu tive, uma pá de vidas que eu vou levando.” (1436). PADRE-NOSSO Desfiar padre-nossos. Rezar. “Ao pé do fogo quase extinto, siá Mariana desfia padre-nossos pelos defuntos...” (1062). Ensinar padre-nosso ao vigário. Tentar explicar um assunto a quem já é perito nele. “Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca.” (1319). PAGAR Pagar e não bufar. Pagar sem reclamação; sujeitar-se a uma situação.” Estou sim! Pague e não bufe!” (DL, 63). PÁGINA Fazer página virada. Esquecer; não dar importância mais. “Bastou que uma espevitada rebolasse na sua frente para você fazer de mim página virada.” (DL, 26). 71 Revelar uma página de. Tornar pública uma parte de um segredo. “...revelarei uma página – meia página, se tanto – da vida particular de Greta Garbo.” (1075). PAI Tirar o pai da forca. Fazer alguma coisa de extremíssima urgência. “As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro.” (1318). PALAVRA Dar a palavra (a alguém) . Permitir que fale. “Ou damos a palavra à Razão das Coisas, ou a assembléia será dominada pelo Caos Telúrico.” (DL, 79). Dizer duas palavras. Dizer umas palavrinhas; usar brevemente do direito de falar. “Fuja do cara que lhe pede licença para dizer só uma palavrinha ou, no máximo, duas palavras.” (DL, 70). Em duas palavras. Laconicamente; com brevidade na exposição. “O senhor recomendava ao menino: o essencial em duas palavras.” (1282). Em poucas palavras. Em duas palavras. “Elementar, caríssimo. Explico em poucas palavras.” (DL, 12). Palavra de honra. Dou minha palavra; empenho minha palavra. “Ele me faz falta, palavra de honra.” (DL, 55). Pedir a palavra. Pedir um tempo para falar, durante uma outra falação; pedir uma parte. “...um convidado pediu a palavra, e tal foi a surpresa que ninguém se mexeu para recusá-la.” (DN, 66). PALETÓ Abotoar o paletó. Morrer; ir visitar o Caju. “Perdeu 20 quilos com as obras. Quase abotoa o paletó.” (1316). PALHA Não mover uma palha. Não fazer esforço nenhum; não fazer nada. “Você é íntimo do Daniel Filho e não quer mover uma palha em favor de uma pobre artista em potencial!” (BL, 43). PALMATÓRIA Ser palmatória do mundo. Pretender corrigir todos os erros da humanidade; ter a função de castigar os erros alheios. “Não sou a palmatória do mundo.” (DL, 69). PANO 72 Pano de fundo. Conjunto de acontecimentos sobre os quais se desenvolve uma ação. “...uma chusma vaga de bandeirantes, emboabas e liberais revolucionários agitando-se sobre o pano de fundo...” (951). PÃO Comer o pão que o diabo amassou. Comer o que o diabo ajuntou; sofrer com dificuldades, trabalhos forçados, perseguições ou apertos financeiros. “...contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas.” (1319). Tirar o pão da boca de alguém. Apoderar-se do ganha-pão de outrem. “ – Eu ia tirar o pão da boca de uma professora, se foi outra professora que em ensinou a ler?” (1400). PÃO-PÃO Pão-pão queijo-queijo. Sim-sim, não-não; tudo certo e definido; nada de subterfúgio. “...na vida social, dizendo coisa com coisa e adotando o lema pão-pão queijo-queijo.” (DL, 29). PAPA Não ter papas na língua. Ser muito franco ou desabusado; dizer sempre e claramente o que pensa. “Não ter papas na língua.” (DL, 68). PAPAI O papai aqui. Eu (referindo-se a homem), “ – E não venham dizer que o papai aqui é zureta, só porque...” (DL, 86). Obs. Se for mulher, o sinônimo é a mamãe aqui. Tanto num caso como no outro, a expressão pretende se auto-valorizar, colocando em destaque, muitas vezes, a função sexual. PAPEL Fazer papel pança. Fazer feio; fazer papel ridículo. “Quem queria lá fazer papel pança?” (1320). PAPO Bater papo. Conversar ou falar despreocupadamente. “Eu tinha tristeza quando as colegas de minhas garotas iam estudar ou bater papo.” (1337) Vide também (OC, 872). Bater um papo. Conversar um pouco, despreocupadamente. “– Diga ao Vai-por-Mim que apareça aqui no São Sebastião para batermos um papo.” (1339) Vide também (1450). 73 Levar um papo. Bater um papo. “...lá na Escola Técnica, ela simpatizou comigo, a gente levou um papo, fiquei sabendo...” (1400) Vide também (1437). Com o papo cheio de vento. Passando fome; desanimado. “Éramos bons poetas na circunstância tal, mas, já agora estamos com o papo cheio de vento...” (1013). Papo fino. Assunto encerrado; basta de conversa. “Portaria nenhuma diz que o passageiro suado tem que viajar de pé. Papo findo, tá bom?” (DN, 33) Vide também (DN, 99). PARADA Ser uma parada. Ser um empreendimento difícil; ser uma situação embaraçosa. “...o colega de escritório lhe garantiu que Palito Bol é uma parada.” (DN, 155). PARAFUSO Não estar com os parafusos ajustados. Estar com a cabeça desatarrachada; estar com um parafuso a menos; estar louco. “ – Vamos embora, frei Panta, que esse aí não está com os parafusos ajustados.” (DL, 7). PARTE Deixar de partes. Deixar da aparentar inocência; abrir o jogo. “ – Deixe de partes, vamos!” (1198). Mandar praquela parte. Mandar para o inferno; mandar à puta que o pariu. “Quer dizer que a senhora está mandando meu presente praquela parte.” (DL, 100). PARTIDA As sete partidas do mundo. Todo mundo. “Salvaterra, salvação de muita gente das sete partidas do mundo. (São sete?) .” (BL, 173). Obs. O número de sete se refere às sete massas continentais: África, América do Norte, América do Sul, Antártida, Ásia, Europa e Oceânia. PARTIDO Tirar partido de. Aproveitar de uma oportunidade ou posição vantajosa. “ – Sem essa! Eu a querer salvar o Vai-por-Mim, e o colega pensando em tirar partido da loucura dele!” (1339) Vide também (1143). PASSAGEM Diga-se de passagem. É bom que se diga. “O que me parece muito cortês de sua parte, diga-se de passagem.” (DL, 15). 74 PASSAR Passar para trás. Enganar. “Para me ver passada para trás sem a menor explicação...” (DL, 25). PASSARINHO Ver passarinho voar. Não ter o que fazer. “O moço de coração simples estava à beira da estrada vendo passarinho voar.” (1254). PASSO A dois passos. Perto. “...chegamos a dois passos da Igreja; o que nos falta é o sentimento de Deus.” (1013) Vide também (1073; 985). PATAVINA Não entender patavina. Não entender nada. “Não entendi patavina.” (DL, 68) Vide também (1320). PATATI-PATATÁ Ficar em patati-patatá. Ficar em conversa mole; não atingir nenhum objetivo prático. “Pensei que ele fosse dizer alguma novidade, e ficou nesse patati-patatá!” (1301). PAU Cair de pau em. Espancar. “A gente está acostumada com ele, sabe lidar com o bichinho, e cai de pau no lombo dele antes que ele ferre a gente...” (DL, 48) “A Selminha contou ao pessoal, o pessoal caiu de pau em cima do Bob, e exigiu dele a restituição de...” (BL, 145). Dar por paus e por pedras. Ter vida muito acidentada; andar sofrendo pelo mundo afora. “Não pensem vocês aí de Minas, que sou um qualquer leviano e estou dando por paus e por pedras sem saber bem o que estou fazendo.” (936). Levar pau. Ser reprovado nos exames. “Porque vestibular enche, sobretudo quando a gente leva pau e começa a pensar, chateado, no vestibular ano que vem.” (BL, 184). Com quantos paus se faz uma canoa. O que alguém precisa de saber. “Com quantos paus se faz uma canoa?” (DL, 64) “Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa.” (1318). PAZ Se queres a paz, prepara a guerra. Segurança é a melhor garantia de paz. “Se queres a paz, prepara a guerra.” (DL, 66). 75 PÉ Ao pé do ouvido. Confidencialmente. “Dá a entender que sim, ao pé do ouvido...” (BL, 135) “Eu não sou jurista, dou meus palpites ao pé do ouvido.” (1270) Vide também (1234). Não arredar pé. Não se afastar. “Aí o meu eu tijucano, ele é de morte, não arreda pé da Rua General Roca, meu domicílio global...” (1436). Botar o pé na estrada. Pôr-se a caminho. “ – Mas antes de botar o pé na estrada, passe na casa de...” (DL, 89). Dar no pé. Fugir. “ – Acho bom dar no pé – sussurrou um membro da comissão a outro.” (1268) Vide também (1378; 1453; DN, 7). De pé atrás. Cauteloso; prevenido. “O certo é que inspiravam confiança, ao contrário do que imagina o leitor, habituado a receber de pé atrás a visita de um desconhecido...” (1286). Ficar nesse pé. Ficar desse modo; ficar assim. “Ficou tudo nesse pé, até dois dias depois, quando recebi o documento que...” (1098). Não dar pé. Ser difícil. “No papel, em imagem, não dá pé.” (1439) “Não dá pé. Lembra defunto.” (DN, 74) Vide também (DN, 63; 1422). Pegar pelo pé. Pegar de surpresa; enganar; ludibriar. “...como fazem os políticos da situação (de qualquer situação) quando o repórter os pega pelo pé com uma provocada...” (BL, 180). Pé rapado. Indivíduo de baixa classe ou sem recursos. “...era um doutor de mula ruça, um pé rapado, que espiga!” (1320). Sem pé nem cabeça. Coisa ilógica ou sem nexo. “Sem pé nem cabeça.” (DL, 68). PEÇA Pregar peças. Armar uma peça; lograr; enganar. “Diverte-se em pregar peças ao dono e ao próximo...” (DN, 104). PECADO Dos meus pecados. Referência à pessoa por quem se preocupa. “Nunca mais pensei com raiva na tal crioula dos meus pecados.” (1388). Por mal de pecados. Por azar. “...se pudesse deli-lo dos refolhos d’alma, onde, por mal de pecados, se tatuou inapagavelmente.” (1062). PEDRA Atirar a primeira pedra. Acusar em primeiro lugar. “Quem tiver a mesma idade que eu tinha, e alimentar idênticas ambições, me atire a primeira pedra.” (1459). 76 Não ficar pedra sobre pedra. Destruir; arrasar completamente. “Não ficará pedra sobre pedra.” (DL, 68). PEGAR Pegar mal. Ser mal aceita uma atitude ou ação; ser mal recebida uma ação ou atitude. “Pessoal que saiu não pode dar as caras outra vez, pega mal.” (BL, 216) Vide também (DL, 60). PEITO Meter os peitos. Atirar-se com coragem a uma empresa. “ – Eu sei, e por isso meti os peitos.” (DN, 25). PEIXE Não ter nada com o peixe. Não ter nenhuma ligação com o caso. “E eu não tenho nada com o peixe, eu cumpro determinações do alto...” (DN, 80). Vender o peixe. Cuidar de assunto do interesse pessoal; contar o que ouviu, sem nada alterar. “Não digo isto para vender o meu peixe.” (DN, 175). PELE Salvar a pele. Evitar ser atingido por um perigo. “...(me perdoe, mamãe, se desprezei os seus ensinamentos, mas era preciso salvar a pele de seu filhinho) .” (DL, 119). PELOTA Dar pelota. Dar bola; demonstrar interesse; insinuar-se. “Não dá pelota para a hipótese da terra virar poeira, se um cometa como este que não...” (1260). PENA A duras penas. Com muito trabalho, cansaço ou sacrifício. “Reconhecer que muitos livros comprados a duras penas...” (1159) Vide também (1171). Vale a pena. Compensar um sacrifício. “...mandaram a gente para uma casa de saúde em Botafogo, negócio alinhado, valeu a pena.” (1156) Vide também (949; 999; 1011; 1183). PENSAR Não ser o que está pensando. Estar havendo um mal-entendido. “Não sou o que o senhor está pensando, cavalheiro.” (DL, 68). Obs. Esta é uma frase de situação. Referindo-se ao contexto ou à situação em que se dá um diálogo, esta frase pretende evitar que o interlocutor tenha o falante como uma outra categoria de pessoa, mais ou menos favorável. 77 PERDER Não perder por esperar. Frase que pode dar uma esperança ou significar uma ameaça, conforme a situação do destinatário. “Você não perde por esperar. “ (DL, 68). PÉROLA Ser excelente. “Ela diz que sou uma pérola – mas barroca, isto é, imperfeita.” (1309). PERU Sentir-se peru de natal. Verificar que seu destino certo é cruel. “É como a gente sentir-se peru de Natal. Engordado para... Não!” (1267/8). PESTANA Tirar uma pestana. Dormir; tirar um cochilo. “Numa terra em que há uma noite cada sete dias, em que ninguém consegue tirar uma pestana...” (OC, 874). PETA Pregar peta. Mentir. “Macacos me mordam se estou pregando peta.” (1320). PEZINHO Dar no pezinho. Dar no pé rapidamente; fugir depressa. “...mas se a chama de cobaia, vê nesse nome conotações ingratas, e dá no pezinho.” (1373). PINDAÍBA Estar na pindaíba. Estar na embira; estar em dificuldades financeiras. “...(ouço ainda a voz dos mais velhos: Estou numa pindaíba danada!) ...” (BL, 51). Ficar na pindaíba. Ter apertos financeiros; ficar sem dinheiro. “...pois isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido.” (1320). PINGA Dar de pinga. Dar de quebra ou como agrado. “Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada.” (1320) “Vá lá, pode derrubar ainda umas três ou quatro, de pinga.” (DN, 114). 78 PINGO Pôr os pingos nos is. Deixar tudo esclarecido. “Não vou a encontro nenhum enquanto você não me responder esta carta, me tratando de Violeta e não de Violante, e pondo os pingos nos is, como dizia minha vó...” (DL, 23). PINHAL Nos pinhais da Azambuja. Lugar, casa ou repartição onde se perpetram muitas ladroeiras. “Nessa teia de enganos, não faltou quem achasse a seqüestrada, tanto nos Pinhais de Azambuja como na Casa de Orates, e ainda no Asilo Inviolável do Cidadão.” (DL, 81). PIRA Dar pira. Sair; afastar-se. “ – Rápido, pessoal, vamos dar o pira que isto aqui...” (DN, 113). PÓ Pó de perlimpimpim. Pó dotado de propriedades ou virtudes mágicas; mezinha miraculosa. “...melhor ainda, ter uma caixinha de pós de perlimpimpim, pois isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou...” (1320). Virar pó. Decompor-se; desaparecer. “E o que era poder no tempo virou pó. O que era riqueza nos abismos virou pó.” (1274). POMAR Avançar em pomar alheio. Roubar ou usar indevidamente qualquer coisa ou propriedade alheia. “Que estava lá sabe que só executei umas coisinhas de minha lavra, pois não sou de avançar em pomar alheio...” (1340). PONTA Andar na ponta dos pés. Andar com muito cuidado, para não fazer barulho. “Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro, não tinha importância.” (1258). Com a ponta do pé. Grosseiramente; sem esmero de técnicas. “Porque a primeira Itabira, a Itabira do ouro, essa não tinha outra forma senão a que lhe traçaram, com a ponta do pé, os desbravadores...” (948). De ponta a ponta. Do princípio ao fim; de cabo a rabo. “Esclareço a Teodorico que não leio de ponta a ponta, mas sempre abro ao acaso, leio uma página ou umas linhas...” (1172) Vide também (991). Na ponta da língua. Bem decorado; bem sabido; sem vacilar. “Mas ele tem resposta na ponta da língua...” (1334) Vide também (BL, 184). 79 PONTA-CABEÇA De ponta cabeça. De cabeça para baixo. “...foi lançado na água, de pontacabeça, e até hoje não deu notícia.” (OC, 831) Vide também (1239). PONTEIRO Acertar os ponteiros. Colocar os pontos nos is; chegar a um acordo ou a um entendimento. “...se na hora de acertar os ponteiros você me vem com essa história de que amor não deve ser objeto de contrato...” (DL, 36). PONTINHA De pontinha (da orelha) . Muito bom; de boa qualidade. “...levar o polegar e o indicador da mão direita (salvo se for canhoto) ao lóbulo da orelha e exclamar: – É da pontinha!” (1410). PONTO Em ponto de bala. Em excelentes condições; bem treinado; pronto para entrar em atividade ou para ser utilizado. “...o Orador Nato, que se preparava para incendiar o auditório com meia dúzia de Tropos de Retórica em ponto de bala.” (DL, 80). Entregar os pontos. Render-se; dar-se por vencido. “Isto é, podia. Eu é que entreguei os pontos.” (1245). Não dar ponto sem nó. Não meter prego sem estopa; ser interesseiro. “Não dá ponto sem nó.” (DL, 68). Ponto de vista. Opinião. “Do ponto de vista nacional, apraz-me colocar a poesia...” (1050) Vide também (BL, 110). Ponto facultativo. Dia em que é facultativo o trabalho nas repartições públicas. “Estabelecido legalmente o feriado, sob a forma veludosa de ponto facultativo nas repartições...” (DL, 102). Pôr ponto final em. Encerrar; dar por encerrado. “ – Acho melhor pôr ponto final nesta discussão – disse Lucrécia.” (DL, 46). PONTO-E-VÍRGULA Não entender ponto-e-vírgula. Não entender vírgula, patavinas, bulhufas, nada. “A fila chegou ao guichê, o papo acabou, e eu não entendi ponto-evírgula do que os dois disseram.” (DL, 73). Obs. Esta forma da frase é uma modificação estilística da frase não entender vírgula, correspondente a um antiprovérbio. PORTA 80 Bater à porta errada. Pedir alguma coisa a alguém que não tem condições de atender, por não ter competência para tal. “ – E o namorado? – perguntei, desistindo de esclarecer que ela batera à porta errada.” (BL, 42). POSTO Entregar os postas. Desistir. “ Mais sem força, mais entregando os postos. O meu ordenado...” (1381). POTE Chover a potes. Chover torrencialmente. “Chovia, não direi que a potes, mas a bules de chá, e a moça disse que ia dar uma circulada por aí.” (DN, 42) “Em janeiro choveu a potes na cidade, mas...” (1336). POUCO Dizer poucas e boas. Dizer malcriações ou desaforos. “Pois me dá depressa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!” (1219). PRATO Cuspir no prato em que comera. Não prezar os favores recebidos, tornando-se ingrato. “Não sou daqueles que cospem no prato em que comeram.” (DL, 68) Vide também (1320). Por em pratos limpos. Esclarecer. “...depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.” (1320). PRAZER O prazer é todo meu. Resposta cortês a alguém que diz ter prazer em conhecer pessoalmente uma pessoa, ou em qualquer situação que se faz semelhante afirmação. “O senhor vai querer saber mais alguma coisa? Foi um prazer. – O prazer é todo meu.” (BL, 213) “Oh, o prazer é todo meu.” (DL, 75). PRECISÃO Não guasqueies sem precisão nem grites sem ocasião. Seja comedido, não se apressando nem criando confusão desnecessária; provérbio gaúcho que desaconselha precipitações ou pressa. “ – Não guasqueies sem precisão nem grites sem ocasião, homem!” (1333). Obs. Guasquear é fustigar com guasca ou outro açoite. PREÇO 81 A preço de banana. Muito barato; a preço de galinha morta. “Prefigurei o leilão, as ilusórias cadeiras, o motor ilusionante, arrematados a preço de banana...” (DL, 83) “Um corretor ofereceu-me um apartamento supersensacional na Praça Saens Peña e outro, piramidal, na Estrada do Tumba, tudo a preço de banana-prata...” (DN, 14) Vide também (BL, 181). O preço da liberdade é a eterna vigilância. Se deseja a paz, prepare-se para a guerra. “Não mate a árvore, pai, para que eu viva! O preço da liberdade é a eterna vigilância!” (DL, 63). PREGO Não meter prego em estopa. Ser prevenido; não fazer nada antes de verificar se o resultado será certo. “Não mete prego sem estopa.” (DL, 68). Obs. Segundo CABRAL, T. (1982) s.v., não meter prego em estopa é menos usada, mas é mais lógica e mais ajustada ao seu sentido. PRIMAVERA Completar primaveras. Fazer aniversário. “Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito.” (1318). PROVA Até prova em contrário. Provisoriamente. “ – Cale-se. Até prova em contrário, o senhor pode ser um criminoso.” (DL, 110) Vide também (DL, 116). QUALQUER Não ser para qualquer um. Ser difícil. “A técnica de chorar, que não é para qualquer um?” (DL, 125). QUANDO De quando em quando. Uma vez ou outra. “De quando em quando, a mesa interrompia os trabalhos, para jogar peteca ou dar um mergulho.” (1081). QUÊ Sem quê nem praquê. Sem motivo plausível; sem razão justa; por motivo fútil. “Sem quê nem praquê.” (DL, 68). QUERER Quem quer que seja. Qualquer pessoa; nenhuma pessoa. “Não dá bola a cartões-postais. Ou a quem quer que seja.” (DL, 91). Quero ver, mas quero ver. Quero ver urgente e perfeitamente. “...e quero ver, mas quero ver quem derruba minha casinha!” (1088). 82 QUESTÃO Questão de ordem. Em assembléias deliberativas, aquela que versa sobre o encaminhamento dos trabalhos. “...o Equilíbrio Orçamentário e a Instrução Moral e Cívica levantavam questões de ordem e eram aparteados...” (DL, 79). QUINHENTOS Ser outros quinhentos. Coisa muito melhor ou muito diferente. “Mas o gc do Primeiro Ministro Chamberlain, da Grã-Bretanha, são outros quinhentos...” (DN, 105) “Talvez não pudesse, mas isso eram outros quinhentos.” (1266). QUINTOS Nos quintos dos infernos. Bem longe; em lugar bem ruim. “ – Vá ser bonita assim nos quintos dos infernos, puxa!” (1079) ‘...’vá fazer calor assim nos quintos dos infernos’ e outras que tais...” (BL, 141). RABICHO Estar de rabicho. Estar apaixonado. “E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava de rabicho, caía das nuvens.” (1320). RABO Bater com o rabo na cerca. Morrer. “...todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca, ou simplesmente a bota, sem saber como descalçála.” (1321). Olhar com o rabo do olho. Olhar disfarçadamente; olhar de esguelha. “Embaraçado, limitei-me a olhá-la com o rabo do olho, pois íamos no mesmo frescão...” (BL, 34). Com o rabo entre as pernas. Acovardado; retraído; amedrontado; humilhado. “Saí de lá com o rabo entre as pernas e nunca mais entro em concurso nenhum neste Rio de Janeiro.” (1401). Pregar rabo em nambu. Fazer algo inútil; perder tempo com uma empreitada. “Não responda a ataques de quem não tem categoria literária: seria pregar rabo em nambu.” (1184). RAIMUNDO Se eu me chamasse Raimundo. Se as coisas fossem diferentes; se a situação fosse outra. “...se eu me chamasse Raimundo, seria talvez a solução.” (DL, 60). RAPA 83 Rapa do tacho. O filho mais novo; o caçula. “A filha mais nova, nascida depois de longo intervalo, encantava-o: um dia, brincando com ela, esqueceu-se e chamou-a de netinha; era a ‘rapa do tacho’.” (1212). RARO De raro em raro. Muito raramente; lá uma vez ou outra. “Brotam-lhe de raro em raro pensamentos lúbricos...” (910) Vide também (1198; 1199). RECADO Dar seu recado. Dar conta do recado; cumprir a contento sua obrigação; dizer o que devia ser dito ou fazer o que devia ser feito. “’O máximo’, ‘o maior’ deram seus recados.” (1411). REMÉDIO Não ter outro remédio. Ser a única solução possível. “João não teve outro remédio senão declinar sua extinta importância...” (BL, 197). RESTO Aprender para o resto da vida. Aprender bem ou definitivamente. “...eu ainda não tinha muita experiência de jacaré, facilitei, pronto: gurugutu, mas aprendi pro resto da vida...” (DL, 49) Vide também (DL, 23). RETIRADA Bater em retirada. Ir embora; desistir; fugir. “Espantado com a reação, o pseudofumante bate em retirada, a menos que...” (DL, 119). RITMO Em ritmo de tartaruga. Muito lento; sem a menor pressa. “Ultimamente, as coisas vêm mudando, umas em ritmo de tartaruga, outras em ritmo de cápsula espacial.” (1422). RUA Na rua da amargura. Em difícil situação; em prolongada situação aflitiva. “O Diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava na rua da amargura...” (1320). Botar na rua. Expulsar; pôr no olho da rua. “Pra me botar na rua no dia seguinte e me procurar outra vez...” (DL, 23). SABER Eu é que sei? Não sei. “ – Eu é que sei? Só posso dizer que a coisa está preta.” (BL, 101). 84 Não sei onde estou que não. Ameaça de agressão, seguida da descrição da forma de agressão pretendida. “Não sei onde estou que não lhe quebro a cara.” (DL, 68). Não sei o quê. Forma de descartar a descrição ou nomeação de alguma coisa, principalmente ao final de uma série. “Mulher carioca exige coisas demais, desde geladeira a TV a cores, é um tal de cabeleireiro, de festas, de não sei o quê...” (DL, 60) Vide também (DN, 33). Não saber o que dizer. Não estar seguro quanto à conveniência de se dizer ou ao que dizer. “Não sei o que diga.” (DL, 68). Obs. Há inúmeras formas variantes, em que se acrescenta uma palavra ou expressão à forma básica não sei o que, como os exemplos que se seguem: “Fica aí com essas milongas de Caetano, Gil e não sei que mais...” (1365) “Inculpam-no de vacilação, timidez, frustração e não sei que outros pecados...” (998) “Se o banco falir, o carro enguiçar, a canoa virar, a vaca for pro brejo, nem sei o que será de nós, Madalena.” (DL, 67). O que sabe das coisas. Referência à pessoa entendida do assunto em questão. “ – Tonerre de Dieu é assim – explicou o que sabia das coisas.” (DN, 50) “ – Ué, o senhor é o entrevistado, o que sabe das coisas.” (DN, 98) Vide também (1382/3; 1461). Quem sabe? Não sei; duvido; pode ser. “Quem sabe se mesmo à noite eu poderia tranqüilizá-la?” (1152) Vide também (951; 955; 1461). Sabe como é? Entende? Sacumé? “...e filho da gente, por mais que cresça e apareça, é sempre uma plantinha mimosa, sabe como é?” (DL, 50 “Padre mesmo, desses de batina, sacumé?” (1401) Vide também (1436; BL, 54). Sabe com quem está falando? Forma de ameaça feita por pessoa que se julga uma autoridade. “Mas quem é você? Sabe com quem está falando?” (DL, 64). Saber de experiência feito. A verdadeira sabedoria, que tem por fundamento a prática e não a teoria. “Durante o não, andou por Manguinhos e Butantã, trabalhou em laboratórios, adquiriu saber de experiências feito.” (1372) Vide também (1232). Sei lá. Não sei; duvido. “Essa gente é meio maluca, sei lá se elas levam mesmo o garoto para casa?” (1129) “Sabe lá que espécie de viúva é essa?” (DN, 172) Vide também (1209; 1437; DN, 15; DN, 33). SABUGO Até o sabugo da alma. Profundamente; muito bem. “...pula feito macaco, está exausto até o sabugo da alma; entretanto, quando o sol se recolhe, ele não faz o mesmo.” (1124). SAGRADO 85 Por tudo quanto é sagrado. Por amor de Deus. “...arregalando os olhos, suplicou-me, por tudo quanto fosse sagrado para mim, que não contasse a ninguém.” (1076). SAIR Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Ser intransigente numa posição; expressão do desejo de continuar numa posição vantajosa. “...que o conduziu a uma pedreira, e lá faz greve de fome. De lá não sai, de lá ninguém o tira.” (DL, 59). SALAMALEQUE Cheio de salamaleques. Cheio de mesuras exageradas ao cumprimentar as pessoas; cortesia exagerada. “Luva-de-Pelica, um todo cheio de salamaleques, perdera 15 e teve de voltar para Miracema.” (1316). SARDINHA Tirar sardinha com mão de gato. Servir-se de terceiros para proveito próprio. “...exortou-me a botar a mão na consciência: não estaria eu querendo tirar sardinha com mão de gato?” (DL, 139). SEDE Não vá com tanta sede ao pote. Calma; não deixe para a última hora o que pode ser evitado. “Não vá com tanta sede ao pote.” (DL, 68). SEGURO O seguro morreu de velho. Segurança não se excede; é melhor prevenir do que curar. “Apenas a Marcha da História, em companhia da Pausa Para Meditação e do Seguro Morreu de Velho, se recolhera...” (DL, 82). SER Era só o que faltava. Só faltava essa. “Esqueci a pílula! Era só o que faltava!” (DL, 64). Quem sou eu. Não tenho competência. “ – Quem sou eu para decretar feriado, Zefa.” (DL, 101). Se eu fosse você. Em sua posição. “O problema é que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Bom, se eu fosse você...” (DL, 66). Ser e acontecer. Fazer vantagem; conseguir sucesso. “Há por aí uma planta chamada amor-por-um-dia, que não carece muito esforço para ser e acontecer, como doidivanas.” (DL, 85). 86 Ser e não ser. Mais ou menos; não estar muito bem definido. “ – É uma invenção nacionalista? – É e não é.” (DN, 51) “V. Exa. vai ser e não ser, qual novo Hamleto.” (1097). Ser ou não ser. Situação duvidosa, de indecisão. “Afinal de contas, a calçada é ou não é do povo?” (BL, 38). SERAPIÃO Comigo não, Serapião. Não me meta nesse negócio. “Caubi passava a mão na testa, alisava-a, determinado: ‘Comigo não, Serapião’.” (DL, 60). SÉRIE Fora de série. Extraordinário; incomparável. “...essas manhãs fora de série, que maio-junho dão de graça ao carioca, para compensá-lo dos vinagres da vida-cão.” (DN, 153) Vide também (1411; DN, 153). SÉRIO Levar a sério. Dar crédito; acreditar em. “Como posso levar a sério um homem doidamente apaixonado por mim que...” (DL, 28) Vide também (DL, 25). SERVIÇO Não brincar em serviço. Levar a sério o que faz; considerar o objeto em questão em si mesmo. “Desça a serra e não brinque em serviço.” (1347). SEXO Apurar o sexo dos anjos. Discutir sobre coisas óbvias; pesquisar a respeito de algo sobre que já se sabe tudo; tratar de problema inexistentes. “E o sexo dos anjos, já se apurou se tem?” (DL, 66). SILVA Da silva. É muito freqüente o emprego a expressão constituída de um adjetivo na forma diminutiva seguido de da silva, significando: inteiramente; totalmente; de todo. “Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?” (1234) “Já sei, quer me botar maluquinha da silva por você, com essa jogada...” (DL, 23) Vide também (1437). SIM Sim e não. Situação ambígua ou intermediária; nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário. “ – Sim e não. – Sim e não, como?” (BL, 42). 87 Pelo sim pelo não. Por não haver decisão ainda; em qualquer caso. “Pelo sim pelo não, estou tirando meu passaporte.” (1397). SINAL Avançar o sinal. Desrespeitar o regulamento; atrever-se. “Só não trouxe Lucinéia consigo porque ele não é de avançar o sinal.” (DL, 60). Dar sinal de vida. Aparecer. “Você prometeu conversar comigo sobre nossos problemas e até agora não deu sinal de vida.” (DL, 38). SOCO Ser um soco na cara. Ser decepcionante; ser extremamente desagradável. “Foi um soco na cara aquela foto. Roubei, não nego, essa prova terrível...” (DL, 27). SOMBRA De boa sombra. Simpaticamente; amavelmente. “A Paulo Bittencourt, que, no Correio da Manhã, recebeu de boa sombra estes escritos.” (1073) Vide também (1014). SOPA Não deixar a sopa esfriar. Iniciar imediatamente; começar logo. “Vamos, governe já, governe logo, não deixe a sopa esfriar.” (BL, 136). SUSPIRO Exalar o último suspiro. Morrer; entregar a alma ao Criador. “Foi aliás o que me recomendou meu pai, ao exalar o último suspiro...” (1325). TÁBUA Levar tábua. Ser rejeitado; receber resposta negativa a um pedido de casamento. “E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.” (1318). TAL E tal e coisa. E outras coisas; etc.; e coisa e tal; e mais alguma coisa, que não se precisa enumerar. “...racionalizar todos os atos de nossa vida (e a do próximo) sob o critério exclusivo da eficiência, produtividade, rentabilidade e tal e coisa.” (BL, 199) Vide também (DL, 10). Que tal. Semelhante; idêntico. “Na impossibilidade de elucidar definitivamente dúvidas que tais, mas também...” (1010). Que tal? Qual a sua opinião a respeito deste assunto? “Que tal a Liza Minelli, em Cabaret?” (1410). 88 Tal qual. Muito parecido; do mesmo modo; exatamente o mesmo, em sua essência. “A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram...” (CB, 53). TAMANHO Tamanho família. Muito grande; exagerado. vergonha tamanho família.” (DL, 15). “ – O Neco é um sem- TEMPO Cada coisa em seu tempo. Frase com que as pessoas são lembradas sobre as vantagens e conveniências de que haja ordem na execução das tarefas. “Cada coisa em seu tempo, e todo assunto, para ser bem considerado, deve ser decomposto em partes, ordenadamente.” (BL, 30). Cada coisa no seu tempo e lugar. Frase com que se exortam as pessoas a usarem o lugar adequado e o momento mais conveniente para executar suas tarefas. “ – Cada coisa no seu tempo e lugar. Reforma não é revolução.” (BL, 203). Levar tempo. Demorar. “A página passou a interessar tão acentuadamente o Sr. Borges que ele levou tempo para dizer...” (1407) Vide também (BL, 204). Matar o tempo. Provocar perda de tempo; passar o tempo. “...citam Juvenal e Cícero e acabam discutindo para matar o tempo.” (OC, 624) “...à falta de atentados sangüinolentos a cometer, ele mata calmamente o tempo.” (1415). No tempo da vó da vó da nossa vó. Em tempo remotíssimo. “Isso nas ilhas do Pacífico, no tempo da vó da vó da nossa vó, mas aqui na Zona Sul, diante de...” (BL, 184). Os tempos mudaram. Os tempos são outros; em novos tempos, são necessários novos métodos, novas técnicas. “É verdade que os tempos mudaram, do século III para cá.” (DL, 105). Obs. Camões, no século XVI, já escolhera este tema para um lindo soneto, que transcrevemos da edição de Joaquim Ferreira: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades. 89 O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.” (FERREIRA, J. Sonetos de Camões, 3ª ed. Porto, Domingos Barreira [s.d.] p. 97). Rolaram os tempos. Depois de muito tempo. “Rolaram os tempos, e a muita insônia cívica devem ter assistido os pesados móveis...” (1092). Sem tempo a perder. Sem se esforçar inutilmente; visando a aproveitar o tempo. “Sem tempo a perder, procurou o essencial; dosagem, e como preparar a isca.” (BL, 15). Tudo a eu tempo. Cada coisa no seu tempo; há tempo para tudo. “ – Calma, tudo a seu tempo.” (DN, 23). TER Não ter de quê. Não há de quê; de nada; forma cortês de responder a alguém que agradece alguma coisa. “ – Falarei também a meu marido. Obrigada pela colaboração. – Não tem de quê.” (BL, 30) Vide também (BL, 70). Ter mais que fazer. Ter que fazer; ter mais o que fazer; ter o quer fazer; ser uma pessoa ocupada. “– Ah, mas agora sou eu que não penso em casamento. Tenho mais que fazer.” (1191) Vide também (DL, 4). Tenho para mim que. Suponho que; acho que; é minha opinião que. “Tenho para mim que a luzinha vermelha de Exu brilhava no farolete do carro...” (1071) Vide também (BL, 91). TINTIM Tintim por tintim. Detalhadamente; minuciosamente. “...contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas.” (1319). TINTURA Ter uma tintura rala de. Conhecer superficialmente; saber um pouco de. “Se você tivesse uma tintura rala de latim e grego, em vez de passar pelas humanidades como motorista de ônibus pelo sinal vermelho...” (DL, 74). TIRO 90 Ser tiro e queda. Ser eficiente; não falhar; ser como água no fogo. “Eu não experimentei, mas um amigo meu afiançou que é tiro e queda.” (BL, 15). TIRTE Sem tirte nem guarte. Sem cerimônia; sem prévio aviso. “Às vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de nove horas...” (1320) Vide também (DL, 68). TITIO Não se esqueça aqui do titio. Lembre-se de mim. “Vá lá, pode derrubar ainda umas três ou quatro, de pinga. Mas não se esqueça aqui do titio, hem.” (DN, 114). Obs. Com a palavra papai e a palavra mamãe lembrariam o aspecto machista e feminista, respectivamente, titio ou titia lembra a idade madura e a relação afetiva. Em todos estes casos, os substantivos correspondem à primeira pessoa, ao falante. TOCAR Não me toques. Expressão de asco ou de melindres. “Não me toques.” (DL, 67). Tocar pra frente. Esquecer o passado; prosseguir. ‘assim, em plena floresta de exclamações, vai-se tocando pra frente.” (1379). TODAS Estar em todas. Estar em evidência; ser o centro de atrações. “...riram de mim, e agora, pelo que vejo, estou em todas.” (DN, 134). TONA Voltar à tona. Reaparecer. “Insinuava o mesquinho desejo de voltar à tona, impelido pela lei geral.” (1247) “Pois não é que o ex-marido voltava à toda, com seus sinais particulares, seu modo de falar, seu jeito de ser e viver?” (DL, 57). TOQUE A toque de caixa. Festivamente; apressadamente. “As eleições vêm aí a toque de caixa, e, depois delas, novas eleições.”(1097). TRAMONTANA Perder-se a tramontana. Desorientar-se; desgovernar-se; descontrolar-se; atarantar-se. “Era natural que com eles se perdesse a tramontana.” (1319). 91 Obs. João Ribeiro afirma que “o norte para antigüidade era uma noção de pequena importância... Como ficava para além dos montes, chamou-se em certo tempo tramontana, na língua dos pilotos genoveses e venezianos... Daí a frase ‘perder a tramontana’, perder o norte, o rumo certo.” Vide RIBEIRO, J. (1963) p. 62/3. TRAPINHO Separar os trapinhos. Largar-se, o casal; desquitar-se; divorciar-se. “Depois separamos nossos trapinhos e a vida continua.” (BL, 123). Obs. Juntar os trapinhos é a forma normal, que significa casar-se, ajuntarse, viver maritalmente com alguém. TRIPA Fazer das tripas coração. Fazer todo o possível; fazer um grande esforço; dispor-se a enfrentar perigos e adversidades, desprezando situações humilhantes ou repugnantes. “Faça das tripas (há quem prefira das entranhas) coração, e, garanto, lá um dia será feliz.” (1383). TUDO Ou tudo ou nada. Situação ou posição extremista; situação de extremo risco. “...só para deixar passar o Chevrolet 54, mas Cyro foi irredutível: ou tudo ou nada.” (1178). Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. Nada foi alterado. “A reforma não deve reformular a forma. Deve confirmá-la. – Tudo como dantes, no quartel-de-abrantes?” (BL, 204). Tudo virá a seu tempo. Tudo a seu tempo; cada coisa em seu tempo; não há motivos que justifiquem o atropelamento do tempo. “Mas para que tanta pressa? Tudo virá a seu tempo, e se não for agora, como foi em 1898...” (946). TUGIR Não tugir nem mugir. Não reclamar; calar. “Não tugiu nem mugiu.” (DL, 68) “Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir.” (1320). TUTAMÉIA Por uma tutaméia. Por uma tuta-e-meia; por uma ninharia; por quase nada. “Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada.” (1320). Obs. Compare o que diz João Ribeiro: RIBEIRO, J. (1960) p. 170 e FERREIRA, A.B.H. [s.d.] s.v. 92 UM Se um não quer dois não brigam. Numa briga, ninguém tem toda a razão. “Pois é, se um não quer, dois não brigam.” (DL, 66). Um por todos, todos por um. União perfeita; completa integração de forças. “Assim, Touro, Virgem, Áries e Sagitário ficam inteiramente harmonizados, cada um na sua, por todos por um.” (1406). Dar uma de. Fingir-se; querer ser. “Marquinhos roubou a margarida, quis dar uma de poeta.” (DN, 63) “Melhor você não dar uma de contestadora, e entrar na jogada.” (DN, 133) Vide também (DN, 69). Umas e outras. Algumas doses de bebida alcoólica. “Todas as noites, depois de ingerir uma e outras, sente necessidade de dizer-me pelo telefone palavras amáveis...” (1170). USAR Usar e abusar. Fazer uso excessivo; usar indevidamente. “Porém seu mauhumor nunca foi maior que o meu, que usei e abusei de seus serviços com impaciência...” (1244). VACA Aí é que a vaca foi pro brejo. Neste ponto é que vai tudo a perder. “No fim, está aí o neologismo, e aí o neologismo é que – desculpe a expressão, que não costumo usar, mas me deu vontade – aí é que a vaca vai pro brejo.” (DN, 99) “Se o banco falir, o carro enguiçar, a canoa virar, a vaca for pro brejo, nem sei o que será de nós, Madalena.” (DL, 67) “E se a vaca for pro brejo? (DL, 66). VACA-FRIA Voltar à vaca-fria. Retornar ao assunto principal duma conversa. “Mas voltando à vaca-fria: nenhuma esperança para as próximas vagas?” (1109). VALER Ser para valer. Não ser de brincadeiras; não temer as conseqüências. “O anúncio é pra valer ou não é?” (1243). VER A meu ver. Em minha opinião. “A meu ver, a insubmissão dos filhos aos pais é fenômeno que envolve...” (DN, 17) Vide também (1053; 1057). Não ter nada a ver. Não interessar; não ser da conta de. “Bem, este assunto é particular, os senhores e senhoras aqui presentes não têm nada a ver com isso.” (BL, 61). 93 Não ter nada que ver. Não ter nada a ver; é outro assunto. “...é uma imagem poética e daí isso não tem nada que ver com mineiro...” (BL, 53). Quem te viu e quem te vê! Como estás diferente! Expressão usada ao se rever uma pessoa depois de muito tempo, já com idéias ou aspecto físico muito diferente. “Quem te viu e quem te vê! Átila, você é bárbaro!” (DL, 64). VERDE Jogar verde para colher maduro. Insinuar ou afirmar algo, conduzindo a conversa para determinado assunto, a fim de apurar o que tenciona saber; obter informações indiretamente. “Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa.” (1318). VÉSPERA Ninguém morre na véspera. Nada acontece fora de seu tempo próprio; tudo tem seu tempo. “ – Não é bem com a morte dele, afinal ninguém morre na véspera, a hora é a hora.” (BL, 216). VEZ Até outra vez. Despedida de quem pretende retornar; resposta a esta expedida. “Bom, tudo legal. Até outra vez.” (DL, 56) Cada vez mais. Progressivamente mais. “– Eu disse isso? Você esta cada vez mais por fora.” (DL, 131) Vide também (DL, 73). De uma vez por todas. Definitivamente. “Exijo que fique e resolva de uma vez por todas esta situação.” (DL, 46) De vez em quando. Freqüentemente. “De vez em quando eu tiro e contemplo esse casal embolado na areia da praia.” (DL, 27) Era uma vez. Terminava; tinha fim. “...13 de maio, e era uma vez o cativeiro; 14 de julho, viva a queda da Bastilha!...” (1103) Lá de vez em quando. Uma vez ou outra; periodicamete. “Os que... nos impacientavam lá de vez em quando...” (1105) Vide também (1155). VIDA Cuidar da vida que a morte é certa. Não é necessário cuidar da morte. “Todos têm que cuidar da vida que a morte é certa.” (DL, 50) E a vida continua. Nem por isso a vida se extingue. “Depois separamos nossos trapinhos e a vida continua.” (BL, 123) Ser da vida. Ser normal, natural ou comum. “Amigos me informam que o serviço costuma levar seis meses, e não por moleza dos oficiais. É da vida.” (1175) VILA-DIOGO 94 Dar às de Vila-Diogo. Fugir rapidamente. “Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo.” (1318) VIOLÃO Comigo não, violão! Afaste-se, satanás! Comigo não, Serapião! “Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam! Comigo não, violão”. VIR Isso não vem ao caso. Isso não interessa, neste caso. “...fica com pena da gente gastar o dinheiro com os livros de sua livraria. Mas isso não vem ao caso.” (1430) Não vem que não tem. Não se meta comigo. “Não tenho que lhe dar satisfação! Não vem que não tem!” (DL, 64) VÍRGULA Não entender vírgula. Não entender nada. “Em segundo lugar, não entendi nem uma vírgula de sua carta...” (DL. 22) Não falar vírgula. Não falar nada. “Estas é que são as melhores figuras do elenco; não falam vírgula...” (1466) VISITA Não pagar nem visita. Ser péssimo pagador. “Ele não paga nem visita.” (DL, 68) VISTA Perder de vista. Ficar muito distante; deixar de ser visto. “...que SaintHilaire observou, com as montanhas a se perderem de vista...” VIVER Vivendo e aprendendo. Quanto mais se vive mais se aprende. “Vivendo e aprendendo – concluiu Andréia, voltando à paz e à ventura de morar sozinha.” (BL, 17) “Ilmo. colunista. Vivendo e aprendendo. Caí das nuvens lendo vosso relato...” (BL, 23) VOLTA Dar a volta por cima. Contornar um problema, superando-o. “Não costumo bancar o infeliz em amor. Sei perder e dar a volta por cima.” (DL, 30) Dar uma volta. Dar um passeio. “Vamos dar uma volta geral?” (DL, 72) VOU-TE-CONTAR Que vou-te-contar. Expressão enfática que se usa no meio de uma narrativa. “É uma taxa de desemprego que vou-te-contar.” (BL, 103) “...que vou 95 te contar.” (1259) (Vide CONTAR) XODÓ Nutrir xodó (por alguém). Estar apaixonado; estar enamorado; ser amante de. “E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de rabicho, caía das nuvens.” (1320) X.P.T.O. X.P.T.O. London. Excelente; de ótima qualidade; XPTO. “...a casimira tinha que ser superior e mesmo X.P.T.O. London...” (1319) “Em tempos mais remotos, batizava-se deste modo o objeto da melhor qualidade: – É X.P.T.O. London.” (1410)37 ZERO Estar a zero. Estar arruinado; estar a nenhum. “– Então estamos a zero. – Zerinho quilômetro.” (DL, 86) ZORRA Ser uma zorra global. Ser uma grande confusão; ser uma confusão generalizada; ser uma zorra total. “...senão de repente ele solta uma faixa de Billy Cohbam, e aí é uma zorra global, entende?” (DL, 95). Ser uma zorra total. Ser uma zorra global. “Vocês sabem? Era uma zorra total.” (DL, 86). 37 XPTO Cartacho é o seu antônimo, segundo ensina João Ribeiro: RIBEIRO, J. (1960) p. 142. 96 APÊNDICES: 1 – Antigamente I (PP, 1318-1319). 2 – Antigamente II (PP, 1320-1321). 3 – O Homem, Animal Exclamativo (DL, 63-64). 4 – O Homem, Animal que Pergunta (DL, 64-66). 5 – O Homem e suas negativas (DL, 67-69). 6 – Dizer e suas Conseqüências (DL, 69-70). 97 ANTIGAMENTE Carlos Drummond de Andrade I ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes péde-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caiam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila Diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas, não admira que dessem com os burros n’água. Havia os que tomavam chá em criança, e, ao visitarem família de maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”; ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava – sinal de defluxo – eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que sem filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias. Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios: outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um “cabrito”, não tivesse catinga. 98 Acolhiam com satisfação a visita do cometa que, andando por Ceca e Meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram gradessíssimos tratantes. Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos; os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam. Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora. II Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arcar os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete; depois de findar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. O diacho eram os filhos da Candinha: a quem somava a candongas acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto. Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão; melhor ainda, ter uma caixinha de pós de perlimpimpim, por isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido. Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegavam a urtiga ao nariz, ou se o faziam de gato-sapato. Mas que regalo, receber de graça, no dia-dereis, um capado. Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco. As vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor 99 pomada, todo cheio de nove horas; ia-se ver, debaixo da tanta farofa era um doutor de mula ruça, um pé rapado, que espiga! E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de rabicho, caía das nuvens. Quem queria lá fazer papel de pança? Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada. Em compensação, viver não era sangria desatada, e até Chico vir de baixo vosmecê podia provar uma abrideira que era o suco, ficando na chuva mesmo com tempo bom. Não sendo pexote, e soltando arame, que vida supimpa a do degas! Macacos me mordam se estou pregando peta. E os tipos que havia: o pau-para-toda-obra, o vira-casaca (este cuspia no prato em que comera), o testa-de-ferro, o sabe-com-quem-está-falando, o sangue-de-barata, o Dr. Fiado que morreu ontem, o zé povinho, o biltre, o peralvilho, o saltapocinhas, o alferes, a polaca, o passador de nota falsa, o mequetrefe, o safardana, o maria-vai-com-as-outras... Depois de mil peripécias, assim ou assado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca, ou simplesmente a bota, sem saber como descalça-la. Mas até aí morreu Neves, e não foi no Dia de São Nunca de tarde: foi vítima de pertinaz enfermidade que zombou de todos os recursos da ciência, e acreditam que a família nem sequer botou fumo no chapéu? 100 O HOMEM, ANIMAL EXCLAMATIVO Carlos Drummond de Andrade AVE! SALVE! Viva! Sursum corda! Alvíssaras, meu capitão! Essa, não! Antes a morte! E eu que pensei que você fosse meu amigo! Nunca! Jamais! Credo! Te arrenego! Vá para o diabo que o carregue! Raio que te parta! Deus é grande! Ô diabo, esqueci! Salvo seja! Mas que beleza! Que tetéia! Que pancadão! Que pão! Que uva! Que coisa mais boba! Que gracinha! Ah, você está querendo briga! Você não se emenda! Casaca! casaca! casaca! Está na hora! Protesto! Agora é tarde! Tarde piaste! Que dor! Ai! Ui! Irra! Bofé! Minha santa Maria eterna! Este garoto é de morte! Nunca morrer assim! Num dia assim, de sol assim! Corta! Desliga! Mas que calor! Que friu, meu tiu, na beira do riu! É demais! Socorro! Este país está à beira do abismo! É a vovozinha! Fora! Fiau! Argh! Catrapus! Alto lá! Repita se é capaz! Rua! Volta, meu amorzinho, volta! Feiosa! Tem gente! Socorro! Assim é demais! Grandessíssimo canalha! O senhor está me ofendendo! Estou sim! Pague e não bufe! Atenção, muita atenção! Vae victis! Pega ladrão! Não mate a árvore, pai, para que eu viva! O preço da liberdade é a eterna vigilância! Pra frente, Brasil! Ou vai, ou racha! Tome que o filho é seu! O passarinho do relógio está maluco! Não quero saber de nada! Cuidado! Puxa vida! Boa piada! Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam! Comigo não, violão! Mea culpa! É de lascar! Da pontinha! Sossega, leão! Putzgrila! Eia! Tá! Olá! Tá doido! Exijo mais respeito! Chi! Ora bolas! Papagaio! Não pode! Pipocas! Olha o rapa! Não diga! Shazam! Michou os carburetos! Hélas! Lotado! Não chateia! Te mato! Te adoro! Não admito! Até a próxima! Bom fim de semana, boas festas, bom tudo! Não faltava mais nada! Eu bem que avisei! Não apoiado! Podia ser pior! Assim não vai! Desenvolvimento e segurança! Cala a boca, Etelvina! Você é que é culpado! Eu nunca disse isso! Pois agora, tome! Filhinha, nunca vi essa mulher na minha vida! Sou uma besta! Comigo ninguém pode! Uma esmolinha, pelo amor de Deus! Presente! Os que forem brasileiros me sigam! Ame-o ou deixe-o! Eu estava brincando! 101 Noutra não caio! Olho vivo! Cavalo não desce escada! Sou pequenino mas não sou burro! Que é isso, rapaz! Genial! Mamãe, papai deixou! Esqueci a pílula! Era só o que faltava! Cretino é você! Olalá! Bons olhos o vejam! Nem me fale! O filme é uma droga! Que sarro! Comeu gambá errado! Bravo! Assim é que é! Vou-me embora pra Pasárgada! Não quero saber mais de você! É baixo! Guerra é guerra! Joga a chave! É mentira! Juro por alma de minha mãe! Vamos acabar com isso! Amanhã é outro dia! Que vergonha, meu Deus do céu! É o fim da picada! Sou filho do carbono e do amoníaco! Caramba! Per la Madonna! Quem te viu e quem te vê! Átila, você é bárbaro! Peço a palavra! Paz e amor! A guerra acabou, eu devolvo o órfão a Saigon! Ama com fé e orgulho a favela em que nasceste! Isto não está no script! Babau! Oxalá! Braço é braço! Boa bisca! Foi pras cucuias! É o cúmulo! Isso aqui não é a casa da mãe da Joana! Dobre a língua! Vossa excelência é quem sabe! Já ganhou! Independência ou morte! Essa é boa! Coitado! Você é que é feliz! Acabou! Foi ele! Não tenho que lhe dar satisfação! Não vem que não tem! Que tempos, meu caro senhor, que tempos! Já não se comem broas de fubá como antigamente! 102 O HOMEM, ANIMAL QUE PERGUNTA Carlos Drummond de Andrade QUE HORAS SÃO? Mas quem é você? Sabe com quem está falando? E daí? Por quem os sinos dobram? Que é a verdade? Há sinceridade nisso? Com quantos paus se faz uma canoa? Mas você se emenda? Está pensando o quê? Aceita mais uma xícara? Por que não me disse antes? Sabe da última? Quem ganhou? Qual o seu desodorante predileto? E a CIA, hem? Esses camarões são frescos? O senhor é parente do falecido? Soou a hora da verdade? E que mais? Fez sua declaração dentro do prazo? Dói muito? Afinal, quando é que vocês se casam? A que hora é o batizado? Passou na Alfândega sem bololô? Qual nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? De que cor era o cavalo russo de Napoleão? Até quando abusarás da nossa paciência? O senhor é que é o Epaminondas? És cristão? Que é ser cristão? Quando é que sai o pagamento? Você é mais Brossard ou mais Portela? Será que via chover? Ia esquecendo o meu aniversário, né? Aqui que nós; ela dá pelota? Seu signo é Leão, e você não aproveita hoje? Tem certeza que ele mora no Beco das Garrafas? Em que posso servi-lo? Por que ela vai sempre ao dentista a essa hora, mesmo nos feriados? Me dá uma cópia da sua dieta, para eu experimentar? Como você faz, quando é assaltado? Quem tem medo do Imposto de Renda? Quem matou e quem mentiu nos crimes da Barra? Who’s who? Desde quando eu tenho que lhe prestar contas da minha vida? Quando foi que o senhor percebeu que era andrógino? Se vier o divórcio, como é que você vai fazer pra casar de novo? Você é surdo de nascença ou de rock? A reclassificação ainda vai demorar 50 anos, ou apenas mais 10? Que há de novo? To be or not to be? Por que você não pareceu mais lá em casa? Esta briga é pública ou particular? Você jura que não está me traindo, jura? Chi lo sa? Que é que eu vou fazer com tanto dinheiro? Qual o maior: César ou Alexandre, Gonçalves Dias ou Castro Alves? A senhorita está sentindo alguma coisa? E a moral da história, pode me dizer qual é, se não for imoral? É seu este cachorrinho que acabou de fazer pipi na minha calça nova? Sabe que vai se arrepender de não ter comprado este apartamento a preço de banana-prata? Você sonha em preto e branco, ou tevê a cores? 103 O senhor se julga realizado, semi-realizado ou não-realizado? Kissinger vem ao Brasil antes ou depois de Frank Sinatra? O cavalheiro está namorando pra casar ou pra que é? Na sua opinião, o terceiro partido resolve, ou é melhor nenhum? À quoi bon? Por que as coisas só melhoram amanhã ou depois de amanhã, e hoje é sempre hoje? Por que ninguém ri quando está com dor de barriga, por melhor que seja a piada? Quem foi que verificou que à noite todos os gatos são pardos? Você me ama, diz, você me ama de verdade ou é de mentirinha? Por que ninguém mais se lembra de ir à Lua: preguiça? Afinal, quem é que descobriu o Brasil: Cabral ou as multinacionais? Debaixo de todo angu tem carne, ou só na classe A? Quem, se eu gritasse, me escutaria, entre as cortes angélicas? E o sexo dos anjos, já se apurou se tem? Você não se enxerga? Você sabe se o Xavier já pediu demissão? Você está louco? O que é que levo nisso, me diga? E quando ele souberem? E se a vaca for pro brejo? Quem desconstantinoplorizará o arcebispo de Constantinopla, se?... Verdade que o Prefeito desistiu de alugar sede para a Prefeitura porque não agüenta pagar predial e taxas? E agora, José? Por bem ou por mal, vai me dizer que horas são? 104 O HOMEM E SUAS NEGATIVAS Carlos Drummond de Andrade NÃO PODE. Não me diga. Não dá. Essa, não. Não me toques. Não me deixes. Não te esqueças de mim. Não tem de quê. Não vá com tanta sede ao pote. Não admito. Não estou aqui pra botar azeitona em empada de ninguém. Hoje, não. Nem preguei olho. Não sei de que se trata. Não li e não gostei. Não vou com a cara dele. Nada tenho a declarar. Não há verba. Não ficará pedra sobre pedra. Não entendi patavinas. Não sei onde estou que não lhe quebro a cara. Nem aqui nem na China. Não fede nem cheira. Não dá ponto sem nó. Não pode com a uma gata pelo rabo. Não sabe da missa a metade. Não tem papas na língua. Não mete prego sem estopa. Não é de nada. Não sou o que o senhor está pensando, cavalheiro. Não me amole. Nem te ligo. Não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Não dá para a saída. Nem me fale. Não atire. Não tugiu nem mugiu. Não ata nem desata. Não quero saber de namoro na Barra da Tijuca. Não e não, já disse. Homem, nem sei o que diga. Nada, não. Não vá me dizer que ela é sua cunhada. Nunca mais. Não sou daqueles que cospem no prato em que comeram. Não adianta você chorar. Não repita. Não penso noutra coisa. Não insista, por favor, seu Januário. Não há mal que sempre dure. Não há pressa. Você não perde por esperar. Não há mais juízes em Berlim. Não matarás. Não cobiçarás a mulher do próximo. Não buzine. Não tenho que lhe pedir desculpas. Não comi nada até esta hora. Não estou gostando dessa história. Não queria aborrecê-lo, mas... Não sei de que se trata. Não goste de ser incomodado. Nem contra nem a favor do divórcio, muito antes pelo contrário. Não vou sujar minhas mãos em você. Não bebe mais não, meu anjo. Não abuse do crediário, meu filho. Tenho lá alguma coisa com isso. Não levo desaforo pra casa. Não bato em mulher. Nada de novo na frente ocidental. Nesse andar você não emplaca. Ele não nem visita. Sem chus nem bus. Sem tirte nem guarte. Sem eira nem beira. Nem um pio. Nem carne nem peixe. Nem por pensamento, doutor. Nadinha, querido. Sem pé nem cabeça. Sem dizer água vai. Sem quê nem praquê. Não me provoque que eu digo tudo. Sem destino. Sem lenço nem documento. Não deu outra coisa. Não é normal. Não está no gibi. Não é mole não. Nada pior do que um elefante não hora do jantar. Garçom, isso nunca foi sopa à la Sainte Meunière. 105 Não estou te reconhecendo hoje. Não dói na hora. Não estou lembrado. Já disse que não pago e não pago. Não há país no mundo igual a esse. Nem se compara. Nem tanto. Nunca me senti tão perto de Deus como naquela tarde no Corcovado. Não há exemplo de tamanha bandalheira. Nesta casa eu não mando nada. Não posso contar por enquanto. Nunca se sabe o que elas estão tratando. Não me chamo Antônio, não sou casado e não moro em Niterói. Não dá pra entender. Nem assim. Ali não boto mais os pés. Você não sabe quanto me custa. Santa não sou. Até que nem. Hoje não estou para brincadeiras. Não pedi nem pedirei demissão; não peço nada a ninguém. Não pense que isso fica assim, não. Ringo não perdoa. Hoje não tem carta para a senhora. Proibido estacionar. Mas não espalha. Não sou palmatória do mundo. Proibido pisar no gramado. Proibido proibir. Eu não tinha esse rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro. Não te fies do tempo nem da eternidade. Hippocrate dit oui, mais Galien dit non. Os não alinhados, a não-valia, a não-violência – esta última, valendo como sim à vida, ou nem isso. 106 DIZER E SUAS CONSEQÜÊNCIAS Carlos Drummond de Andrade MUITAS COISAS SE DIZEM, que não deviam ser ditas; muitas outras se calam, que não mereciam calar-se. As palavras são as mesmas, em um e outro caso; só a conveniência delas, na circunstância delas, na circunstância, é que varia. E na variação, fica o dito por não dito. A menos que o convicto (ou o teimoso) diga: “Digo e repito.” Também cabe referir aquelas coisas manifestadas com a ressalva: “Diga-se de passagem.” Em geral, são as que não passam, as mais relevantes no discurso, e a matéria que parecia principal descolore em função do que parecia acessório. Dizer, bendizer, maldizer, confundem-se na massa de sons. Tudo escapando da mesma boca, mas vozes diferentes atropelam-se nesse anunciar de juízos, interesses, paixões e estados de espírito que se desmentem uns aos outros. Contradizer-se é ainda uma solução para o conflito que nossos impulsos sucessivos travam por meio e à custa de palavras. É tão incoerente essa trama verbal a desenvolver-se no tempo, que se procura dar-lhe nexo, apelando para fórmulas: “Como eu ia dizendo...” “O que é mesmo que eu estava dizendo?” O dizer de um precisa ser acionado pelo dizer do outro, e do acoplamento (linguagem espacial em curso) dos dizeres surge novo dizer, que é o anterior e é outro. De modo que ninguém diz propriamente o que diz, mas só o que lhe ocorre (se ocorre) dizer, ou lhe é soprado na ocasião. E pode acontecer que o companheiro, em vez de soprar uma dica, lance uma contradita, passando os dois a renhir em dize-tu direieu. O gosto de dizer costuma chegar ao excesso de dizê-lo com os seus botões, como se os botões dialogassem conosco. Mas há quem diga que botão não só escuta, como também fala a quem tem ouvido capaz de ouvir e de entender botões. Por que se dizem cobras e lagartos, e não se dizem rouxinóis e açucenas? Dizer maravilhas de alguém ou de alguma coisa não é o mesmo que dizer chocolates ou estrelas ou sonatas. O repertório da língua presta-se mais ao dizer contra que ao dizer a favor. O Zico disse horrores de você. O Zico não disse arco-íris de você. Disse as últimas, e você não reagiu? O azul diz bem com a tua pele, minha querida: observação tranqüilizadora para a mulher que está pensando em encomendar um vestido azul. Mais um vestido, amor? Bem, eu não queria dizer isto. Muito do que se diz em louvor disso ou daquilo, em confronto com a realidade, pode suscitar o bocejo em forma de frase: Não é lá para que digamos. 107 Fuja do cara que lhe pede licença para dizer só uma palavrinha ou, no máximo, duas palavras. Dirá 2 milhões, dirá até dizer: chega. Não creia ainda que quem lhe diz alguma coisa, precedida de: “Como diria o outro.” O outro não diria aquilo. Mas sucede que o outro pode ter feito isso ou aquilo, sem dizer água-vai, e brota-nos a exclamação estupefata: “Quem diria, hem? O Astolfo!” Do diz-que-diz cumpre fugir às léguas, embora seja tão capitoso o “ouvi dizer que”, pois nos permite ser indiscretos e nos exime de responsabilidade. Como seria imprudente, em outras eras, “dizer a alguma dama com alguém”, pois seria o mesmo que culpá-la de mancebia com esse alguém, que podia ser, digamos, o comandante da praça: “Dir-se-ia que...” não teria a mesma origem montanhesa? Entre o dizível e o indizível balança a criação do poeta, flutua o êxtase dos namorados. Dizer o que jamais soube ser dito, aspiração de manipulador de vocábulos, que talvez nem saiba dizer o sabido. Haverá algo a dizer, absolutamente inefável, que nem os anjos conseguissem exprimir nem os homens entender? Em verdade, em verdade vos digo que hoje noa tenho nada a dizer. Dizendo esse nada, encerro aqui. Dictum, factum. 108 A FRASEOLOGIA ROMÂNICA (estudo comparativo) 38 A necessidade de um estudo comparativo da fraseologia das línguas românicas. A convergência e a divergência na comparação das frases feitas de sete línguas românicas, semântica, fonética e morfossintaticamente. A utilidade do estudo comparativo das frases feitas das línguas românicas. 38 Trabalho final apresentado ao Professor Belchior Cornélio da Silva, ao final do curso de Estudo Comparativo das Línguas Românicas, na Faculdade de Letras da UFRJ, primeiro semestre de 1985 109 INTRODUÇÃO Estudaremos algumas das frases feitas da língua portuguesa documentadas literariamente por Carlos Drummond de Andrade em suas crônicas.39 Tal estudo consistirá, basicamente, na comparação de nossas frases feitas com as frases feitas correspondentes semanticamente em outras línguas românicas. Não tivemos a ousadia de atingir um grande número de expressões nem de compará-las com as existentes em todas as línguas românicas. Aliás, nem mesmo as línguas que elegemos para fazermos nossa comparação, puderam ser exaustivamente examinadas, visto a escassez de bibliografia disponível. Partindo do português, examinamos a fraseologia galega, a espanhola, a italiana, a francesa, a romena e a latina. Para os fins deste trabalho, consideraremos como frase feita toda locução cristalizada e todo tipo de expressão fixa, tais como provérbios, adágios, anexins, etc., utilizados na linguagem oral e documentados literariamente. Como língua românica também, ousamos incluir o latim literário, fugindo ao tradicional conceito universalmente aceito pelos romanistas. Justificarnos-emos disto pelo fato de serem, as frases feitas, expressões cristalizadas numa língua, que refletem o espírito de seus falantes e não de seus artífices. Assim sendo, acreditamos que as frases feitas encontradas no latim literário sejam as mesmas do latim oral e vulgar, como são as que se encontram nas literaturas de línguas neolatinas. Portanto, do latim vulgar também. Além disso, a comparação se torna mais abrangente, se levarmos em conta uma fase das línguas românicas bastante mais antiga. Com isto, além de observarmos os diferentes usos de uma locução ou provérbio nas diversas línguas românicas comparadas, notaremos também a antigüidade de algumas delas, que já se usavam em latim. Na realidade, o latim é um estágio anterior das nossas línguas. As nossas limitações pessoais, mais as limitações impostas pelo tema, cuja bibliografia não é das melhores, mais as limitações relativas à natureza do trabalho, que tem um cronograma apertado, tudo isto junto é responsável por não ampliarmos um pouco mais as nossas pesquisas agora. Além de ficarmos apenas no português, galego, espanhol, italiano, francês, romeno e latim, como dissemos, não utilizaremos frases feitas de todas estas línguas nas diversas comparações realizadas. Aliás, isto acontece raríssimas vezes. Além de não existirem formas correspondentes, como frases feitas, em todas as línguas comparadas, nem todas as existentes tivemos acesso. Noutros casos, as expressões que traziam semelhança semântica eram tão dife- 39 Confira, na Bibliografia, os livros de crônicas consultados para este trabalho. 110 rentes da nossa ou têm aplicações tão diversas, que nos desanimaram a incluí-las no trabalho. Algumas frases feitas são tão semelhantes que mais parecem traduções literais. Isto não é de estranhar, pois têm origem comum todas as línguas em que elas se encontram. O número de frases feitas estudadas pouco passa de uma centena em português, ficando bastante aquém em todas as demais línguas. Confessamos que nossa bibliografia sobre o assunto é muito deficiente. O único dicionário bilíngüe romeno-português, editado em 1977, é uma raridade. Mesmo assim, ainda agradecemos a Deus por termos este, pois o fato é muito mais lamentável quando tratamos das outras línguas românicas que não se tornaram línguas nacionais, como é o caso do galego. É urgente que se levantem questões sobre estas entre-palavras-e-frases, tão ricas de expressividade, e que se amplie a bibliografia comparativa da fraseologia entre as diversas línguas românicas, ou mesmos, simples dicionários bilíngües de locuções, que seriam as bases destes estudos. Quanto ao galego, por exemplo, nada encontramos a respeito. Nossa fonte de consulta foi o Prof. Alfredo Maceira Rodríguez, galego, poliglota, e estudioso apaixonado das fatos referentes às línguas românicas. Filólogo, professor de Português, Espanhol, Inglês e Esperanto, é autor de uma gramática espanhola para falantes de português40, e pretende publicar, em breve, um opúsculo de divulgação do galego. Sua tese de doutorado, cujo curso ainda não começou, já está definida: será sobre o galego41. Eis os passos que seguimos para realização deste trabalho. Inicialmente, levantamos a fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade, que foi o nosso corpus básico para diversos outros trabalhos. Das 700 frases feitas constantes no trabalho A Fraseologia nas Crônicas de Carlos Drummond de Andrade: subsídios para um dicionário básico,42 após verificação da fraseologia nas línguas românicas selecionadas, escolhemos 108 frases feitas entre as 175 que tiveram pelo menos em três línguas uma forma proverbial ou locucional correspondente. Antes de começar este estudo comparativo, estudamos o seu significado e fizemos sua abonação com exemplos extraídos das crônicas drummondianas,43 conjeturamos sobre a sua origem e a sua história,44 apoiado na me- 40 Foi publicada em 1996, com o título Estudiemos Español: gramática, ejercicioos, lecturas, para estudiantes brasileños. 41 Intitulada Interferência do léxico galego no português falado pelos imigrantes galegos no Rio de Janeiro, foi defendida em abril de 1995. 42 SILVA, J.P. (1984-B) . 43 SILVA, J.P. (1984-B) . 44 SILVA, J.P. (1984-B) . 111 lhor bibliografia existente sobre o assunto, e procuramos demonstrar a sua estrutura morfossintática,45 ou seja, a sua constituição interna. Estabelecido assim o nosso corpus para este trabalho, analisaremos comparativamente algumas dessas expressões, levando em conta a sua estrutura semântica, a sua estrutura morfossintática e a sua estrutura morfossintática e a sua estrutura métrico-rímica. Quanto aos dois últimos aspectos, faremos considerações nos dois primeiros capítulos seguintes, levando em conta a convergência e a divergência nessas formas. Quanto ao aspecto semântico, sem discussões mais personalizadas, apresentamos as frases feitas em ordem alfabética da palavra-chave da forma portuguesa, de acordo com os critérios adotados por Antenor Nascentes46 e por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,47 e adotados também por nós em nossos trabalhos anteriores. V. capítulo 4. No capítulo 2, trataremos da convergência na fraseologia das línguas românicas, observando que quase sempre esta convergência é parcial, pois as cores locais sempre ficam evidentes na fraseologia do falantes de cada língua, e apresentando hipóteses para explicar alguns casos. Observamos, inclusive, que a convergência pode se dar em relação a duas línguas, em relação a um fato, ou em relação a uma estruturação qualquer. Também, que pode haver convergência só em relação a duas ou três línguas e não em relação às demais. O mesmo que dissemos em relação à convergência é válido para os fatos divergentes, que trataremos no capítulo 3. O nosso objetivo principal, com elaboração deste trabalho, é mostrar aos estudiosos da Filologia e da Lingüística Românicas que existe uma área de estudos comparativos da mais alta importância para o desenvolvimento das ciências da linguagem, das ciências humanas, de diversas áreas do conhecimento, que está quase totalmente intocado. Lembramos, inclusive, que o estudo comparativo das diversas fraseologias (portuguesa, galega, espanhola, italiana, francesa, romena, latina, etc.) será muito importante para a compreensão de fatos relativos a cada uma destas línguas e de todas, no conjunto da romanidade lingüística. 2 – A CONVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA 45 SILVA, J.P. (1984-B) . NASCENTES, A. (1945) . 47 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) . 46 112 Embora saibamos que as frases feitas sinônimas em línguas diferentes e com a mesma estrutura morfossintática são muito raras, podemos afirmar que elas não são tão raras assim, quando se trata das línguas românicas. Basta que admitamos que os sinônimos sejam imperfeitos ou que formem séries sinonímicas. Além do mias, podemos encontrar pontos de convergência até em construções locucionais bastante diferenciadas. A final de contas, estamos lidando com línguas que têm um ponto de partida comum, ao latim vulgar. Muitas vezes, o que é uma locução ou uma frase feita em uma língua, em outra é uma palavra composta simplesmente. Isto acontece com muita freqüência quando a frase feita se constitui de apenas dois ou três elementos vocabulares. Como escolhemos a fraseologia como elemento de comparação, neste trabalho, não consideraremos tais casos, mesmo quando as formas correspondentes contiverem os mesmos elementos mórficos constituintes. Mesmo sabendo também que isto é muito mais um problema convencional de ortografia do que um problema de natureza semântica ou morfossintática. É claro que existem muitas frases-feitas que não têm forma locucional em outras línguas ou em algumas outras línguas. Existem até semas que não possuem correspondentes em tais outras línguas. Aliás, dentro de uma mesma língua, é possível encontrar formas locucionais paralelas a palavras compostas. Vejamos os seguintes casos, em português: “cabeça fria” e “cabeça-chata”; “água mineral” e “água-comum” ou “aguarrás”; “em cima” e “embaixo”; etc. Não achamos fácil explicar por que umas dessas palavras constituem “palavras compostas” e outras palavras, da mesma natureza e classe morfosemântica, constituem “locuções”. Entre línguas diferentes também ocorre o mesmo fato. Eis alguns exemplos: o português “talvez” corresponde à locução galega e espanhola “tal vez”; a nossa locução “por isto” corresponde ao vocábulo italiano “perciò”; o português “mestre-cuca” corresponde à locução francesa “maître coq”. Dados os graus de afinidades geopolíticas e culturais, o português é mais parecido com o galego, com a qual se confundiu durante a sua fase protohistórica, e com o espanhol. A seguir, com o italiano e com o francês, com que teve relações histórico-culturais que não se podem desprezar. O latim, por estar no tempo, e o romeno, por se ter isolado no espaço, estão igualmente muito distantes da estrutura atual da língua portuguesa, considerando-se que são todas de uma mesma família, numa relação de irmãs e de filha-mãe. Analisemos, comparativamente, algumas frases feitas, considerando os seus diferentes níveis e natureza de convergência. 113 A nossa frase-feita “uma andorinha só não faz verão”, por exemplo, converge com a correspondente espanhola em relação à partícula de restrição. É claro que, mesmo nesta convergência, a forma espanhola diverge sutilmente da nossa por ser claramente adjetivante, enquanto a nossa partícula mantenha a ambigüidade, podendo ser analisada também como adverbial, modificando o determinante de andorinha. Portanto, em português, podemos analisar a frase como “uma andorinha sozinha...”ou “uma andorinha somente...”. A expressão espanhola “uma golondrina sola no hace verano” e a portuguesa “uma andorinha só não faz verão” ainda têm em comum a referência ao verão, enquanto que nas demais a estação do ano em que as andorinhas devem aparecer é a primavera. Ei-las, todas juntas: Português: Uma andorinha só não faz verão. Espanhol: Una golondrina sola no hace verano. Italiano: Una rondine no fa primavera. Francês: Une hirondelle ne fait pas le printemps. Latim: Una hirundo no facit ver. Como as frases-feitas refletem o meio ambiente em que surgiram e prosperaram, os costumes e a história do povo que as cultivaram, etc., podemos concluir, provisoriamente, que as andorinhas costumavam estacionar-se no território da Península Ibérica durante a primavera. Mais ainda. Podemos concluir que estas aves migratórias mantém o seu hábito de revoar sobre as cabeças dos romanos, desde a época em que sua língua era o latim, durante a estação da primavera. Aí está, portanto, uma frase em que é importante a inclusão da língua latina junto às línguas românicas neste trabalho comparativo. Com isto documentamos um fato relativamente interessante em relação ao hábito migratório das andorinha no território europeu desde priscas eras. Podemos ainda observar, em relação à estrutura destes provérbios românicos, que todos têm a forma de um negação que diz respeito ao que uma andorinha não pode fazer sozinha. Em todas se entrevê, portanto, a crença popular de que as andorinhas é que trazem o verão ou, para os outros, a primavera. Um outro exemplo é a locução portuguesa “por acaso”, que tem correspondente em espanhol, “por acaso”, em italiano, “per caso”, em francês, “par hasard”, em romeno, “po brodite”, em latim, “per accidens”, e em galego, “por suposto”. Em todos os casos, as locuções se constituem de preposição mais nome. Nos três primeiros casos, os nomes têm os mesmos traços semânticos, enquanto nos demais casos eles têm constituição morfo-semântica apenas semelhante. 114 O português “levantar âncora” corresponde ao espanhol “levar anclas, ao italiano “salpere ancora” e ao latim “ancoras vellere”ou “ancoras moliri”. Todos os casos documentados acima se constituem dos mesmos elementos mórficos. A diferença está apenas na colocação inversa, no latim, em relação às demais línguas, e no plural da palavra âncora em espanhol e latim. Acreditamos que isto está relacionado ao tipo mais comum de barcos ou embarcações em cada uma dessas regiões. As embarcações em cada uma dessas regiões. As embarcações menores podiam fixar-se com uma âncora apenas, ao passo que as maiores precisavam de mais de uma. Por outro lado, registramos o fato de que existe a variante “levantar âncoras” também em português, com a ressalva de que tal expressão só se usa quando o sujeito da ação está no plural, podendo-se supor que cada um esteja em embarcação diferente. A frase-feita “sem dizer água vai” tem correspondente literal em espanhol, que é “sin decir agua va”. Em francês também a frase tem forma muito parecida com a nossa. Principalmente se considerarmos a história da frase, 48 em que a situação já é suficiente para esclarecer que também os franceses queriam dizer “água vai”. Se considerarmos que gritar é uma forma especial de dizer, a frase francesa “sans crier gare” considera a situação, em que, realmente, não se dizia, mas se gritava para os transeuntes: água vai! Como aviso de que iria lançar alguma coisa à rua. Como na realidade não se jogava apenas água, parece mais lógica a expressão francesa do que as outras duas. Sendo “gare” uma palavra de situação real de seu uso, sem trazer expressa a informação que trazem as formas ibéricas, sem dizer o que é que se pretende jogar à rua. “Quem não arrisca não petisca.” Provérbio português de sentido prático evidente, cuja intenção é persuadir o seu decodificador a ousar, a tentar ultrapassar os eus próprios limites. Pode ser interpretado também de maneira passiva, como justificação de alguém, que fracassou numa aventura arriscada, mas com objetivos práticos. Nos cinco casos documentados, em português, espanhol, italiano, francês e latim, a estrutura morfossintática é idêntica. É uma frase com sujeito oracional e oração principal negativa, que tem significado afirmativo, visto se negar a respeito de uma outra negação. Além disso, em todas elas, existe uma preocupação com a rima grande. A tal ponto de ser quase totalmente desprovida de valor semântico a última palavra de cada uma dessas frases. A última palavra da primeira oração rima com a última palavra da frase. Confira: Português: Quem não arrisca não petisca. Espanhol: Quien no arriesca no pesca. 48 Cf. SILVA, J.P. (1984-B) p.14. 115 Italiano: Chi no risica, non rosica. Francês: Qui ne risque rien, n’a rien. Latim: Nihil lucri cepit que nulla pericla subivit. A frase-feita que significa tomar um gole de bebida alcoólica em jejum, tem origem numa história de que duvidamos um pouco. Conta-se que uma senhora sentiu um a forte dor e morreu dentro de pouco tempo, sem se poder saber a causa de sua morte. Como era gente de bem, uma equipe médica abriu-lhe o cadáver para examinar as suas entranhas, encontrando um pequeno verme atravessado em seu coração, violentamente encravado. Extraindo-o, aplicaram sobre ele os mais diferentes remédios sem lhe causar o menor mal. Esgotados todos os recursos, colocaram-no sobre um pedaço de pão embebido em vinho e ele morreu imediatamente. Sabendo disso, passou-se a tomar uma dose de bebida alcoólica pela manhã, com o pretexto de “matar o verme”. Como correr dos anos, mata-se o bicho a qualquer hora. Pois bem. Esta frase tem esta mesma origem nas três línguas em que a encontrei: português, espanhol e francês. Curiosamente, a palavra que traduz a palavra copo, em italiano, é “bicchiere”. Por isto, tomar um copinho ou tomar uma dose de bebida, traduz-se como “tracannare un bicchierino”, que forma uma expressão aparentemente semelhante. Nessas quatro línguas, as expressões referidas são: “matar o bicho” (português), “matar el gusanillo” (espanhol), “tuer le ver” (francês) e “tracannare un bicchierino” (italiano, com devida ressalva). Outra expressão também interessante é “bode expiatório”. Em português, espanhol, italiano e romeno, a locução tem a mesma estrutura morfo-semântica: “bode expiatório”, “chivo expiatorio”, “capro espiatorio” e “tap ispasitor”, respectivamente. Em espanhol e em francês existe aproximada, também convergente nestas duas línguas: “chivo emisario” e “bouc emissaire”. Embora esteja ligada à mesma origem, provavelmente, a expressão romena “cal de bataie”, que quer dizer cavalo de pancada, lembra muito mais de perto a cena das tragédias gregas em que se espancava um bode no palco. As demais frases acima, inclusive as variantes, lembram o costume dos judeus de abandonarem um bode no deserto para expiar os pecados do povo. Por fim, consideremos a frase, ”quem canta, seus males espanta”, que é uma daquelas inúmeras frases feitas românicas que refletem o veio poético do povo. 116 Como na frase “quem não arrisca não petisca”, também nesta a rima e o ritmo são importantes. A pausa entre o sujeito oracional e o seu predicado marca o fim de um verso que rima com o seu par, formando um dueto. A forma espanhola constitui um par sem nenhuma divergência com o português. No entanto, a forma francesa tem o objeto da segunda oração no singular, em oposição à nossa e em convergência com a italiana. Esta, por sua vez diverge com todas as demais eliminando a idéia de posse no objeto da segunda oração. Fora esses detalhes, em tudo mais são convergentes entre si, como se pode ver: Português: Quem canta, seus males espanta. Espanhol: Quien canta, sus males espanta. Italiano: Chi canta, il soffrir incanta. Francês: Qui chante, son mal enchante. Seria cansativo enumerar todos os casos convergentes na fraseologia mostrada neste trabalho. Esta pode ser até mesmo gratificante, se for feita ao sabor do leitor, que poderá ir descobrindo detalhes interessantíssimos nesta comparação. Por isto mesmo é que deixaremos inúmeros casos, apenas arrumados, em ordem alfabética, para que possam ser cotejados por quem quiser fazer disso um lazer. Muitas vezes a convergência está entre duas línguas estrangeiras, e não, entre uma estrangeira e a nossa. Nuns casos a convergência é mais abrangente, noutros envolve apenas alguns aspectos. Enfim, é difícil encontrarmos frases sinônimas em diferentes línguas românicas em que não haja algum tipo de convergência, mesmo que sutil. Quando isto acontece, o caso é de um frase feita que reflete uma situação exclusiva de uma população ou de um período histórico de um povo, totalmente desligado da história e da evolução dos demais. Por outro lado, também existem divergências na maioria das frases-feitas de línguas diferentes. É que, embora sejam todas estas línguas descendentes diretas do latim vulgar, cada um se desenvolveu num meio ambiente particular, com características que não se confundem com as dos demais. É isto que veremos no capítulo seguinte. 3 – A DIVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA Como a fraseologia constitui o que de mais característico existe no léxico de qualquer língua, é natural que aí apareçam as divergências e as convergências que caracterizam cada uma dessas línguas em relação a todas as outras 117 do grupo a que pertencem. Através da fraseologia afloram os fatos sociais, o aspecto geopolítico, a cultura e a história dos falantes de cada região e de cada povo. Os fatos convergentes são a prova da unidade na diversidade, enquanto os fatos divergentes são a prova da diversidade na unidade. A “unidade na diversidade e a diversidade na unidade” a que se refere Serafim da Silva Neto49 talvez seja mais válida em relação às línguas românicas em conjunto do que a cada uma delas em particular. Basta verificar que a extensão territorial ocupada por falantes de línguas românicas é bastante maior do que a metade de toda porção ocupada de nosso planeta, sendo espantosas as diferenças de costumes entre todos esses homens, que vivem em ambientes das mais extremadas diferenças, a ponto de se tornar difícil qualquer tipo de comparação entre alguns deles com outros. É exíguo o número de frases feitas totalmente convergentes entre línguas diferentes. Alias, tal exigüidade se estende aos povos diferentes que falam uma mesma língua, embora em menor extensão. Tanto assim é que poderíamos partir das mesmas frases feitas estudadas sob o ponto de vista da convergência, no capítulo anterior, e chegaríamos a resultados interessantes, como é fácil entrever das poucas observações que ali fizemos a tal respeito. Vamos considerar a divergência, portanto, em expressões que estão muito próximas das portuguesas. Comecemos pela locução “num átimo”, que corresponde à espanhola “en un santiamén” e à romena “cît sa zici miau”. As duas primeiras locuções, embora sejam as mais semelhantes, têm diferenças essenciais em seus núcleos constituintes. A forma portuguesa provém da linguagem erudita, através da palavra átomo, que é a menor parte da matéria e tomou o significado de menor parte do tempo.50 A expressão espanhola provém diretamente do latim dos cristãos, através do sinal-da-cruz,51 que termina com as palavras “sancti, amem”. A oração, que já é pequena: “In nomine Patris, et Fili et Spiritus Sancti. Amen.”, ao ser reduzida às suas duas últimas palavras demonstra uma grande pressa, ou a exigüidade de tempo disponível. Quanto à frase romena, que mais parece com a nossa frase “enquanto o Diabo esfrega um olho”, traduz-se literalmente como enquanto o gato diz miau E o seu sentido é facilmente compreensível. 49 SILVA NETO, S. (1979) p. 161, MACHADO, J. P. (s.v.) s.v. 51 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) . Vocábulo “santia men” 50 118 A frase feita “casa da Mãe Joana”, que já foi por nós explicada noutro lugar,52 tem forma correspondente em francês e em romeno. A expressão francesa, “la cour du roi Pétaud”, tem estrutura idêntica à nossa. Analisadas em sua estrutura profunda, para utilizarmos uma expressão do gerativismo, as duas frases são semanticamente igualmente estruturadas. Mas a sua estrutura superficial, digamos, é uma para cada uma das línguas. Certamente, aquele “roi Pétaud” dos franceses tenha admitido livremente quaisquer pessoas em sua corte, como fizera a rainha Joana, conhecida como Mãe Joana, em seu palácio.53 A expressão romena correspondente é “sat fara cîini”, que se traduz literalmente como casa sem cachorros. Isto significa que nessa casa também entram todos os que quiserem, pois não já o que impeça a alguém de fazê-lo. A expressão latina correspondente à portuguesa “fechado a sete chaves” ou à espanhola “bajo siete llaves” diverge no numeral, principalmente, cem e não sete. No entanto, a expressão latina “servatus centum clavibus” significa exatamente o mesmo que a nossa, pois, tanto o numeral sete quanto o numeral cem são palavras que indicam quantidade indefinida. Nada mais indicam do que uma grande quantidade ou um número exagerado de chaves. Também neste caso, a divergência é apenas superficial. De outro lado, os franceses têm a expressão “tirer son épingle du jeu”, que se traduz literalmente como tirar seu alfinete do jogo, que corresponde à nossa “tirar o corpo fora” e à espanhola “echar el cuerpo fuera”. Tanto as frases ibéricas quanto a francesa, sem dúvida se referem a algum jogo, ao menos na sua origem. A frase portuguesa lembra o jogo de futebol, como tivemos oportunidade de mostrar em outro trabalho. A frase espanhola pode ser uma adaptação da nossa (ou vice-versa), aplicada à tourada, que é seu esporte favorito. No caso dos franceses, não é o corpo que está em jogo. É um alfinete. E o jogo, certamente, é um jogo de azar. Se o alfinete a que se refere a frase é o que se usa para prender coisas, a origem da frase se torna obscura. No entanto, é bem mais provável que alfinete seja uma jóia que os homens usam presas à gravata, em forma de alfinete, ou a jóia em forma de broche que as mulheres costumam usar na roupa. Com este último sentido, é muito fácil o entendimento da frase feita acima. São muito mais divergentes entre si as frases feitas correspondentes à nossa “dia de São Nunca, de tarde”. A maioria tem em comum a característica de indicara data através de um fato estranho ao calendário. E entre essas está a nossa. 52 53 Cf. SILVA, J.P. (1984-B) p.29. Cf. CASCUDO, L.C. (1970) p.102. 119 Os espanhóis costumam dizer: “cuando febrero tenga treinta días”,. Os franceses dizem: “la semaine des quatre jeudis” ou “trois jours après jamais”. Diziam os romanos: “ad kalendas graecas”. Ora, como não existem fevereiro de trinta dias, nem semana de quatro quintas-feiras, também não é possível chegar ao terceiro dia após jamais. Quanto às calendas, elas não existiram no calendário dos gregos, mas no latino. Deste modo, quem fizer quais compromissos para essas datas, não tem a menor intenção de executá-los. Além dessas formas, os franceses costumam marcar para “à Pâques ou à la Trinité”, deixando imprecisa a data. Os romenos usam expressões que correspondem também à nossa “quando a galinha nascer dente”. Dizem eles “cînd s-o face agurida miere”, ou seja, quando a uva verde fica doce. Dizem também “de joi pîna mai apoi”, que se traduz literalmente como de quinta-feira até mais depois ou de quintafeira em diante. Em ambos os casos, a interpretação fácil dispensa esclarecimentos. Nossa frase feita “ensinar padre-nosso ao vigário” tem correspondentes em galego, espanhol e latim. Em galego se diz “ensinar a seu pai a fazer fillos”; em espanhol se diz “enseñar al cura a decir misa” e em latim se diz “piscem natare doces”. Embora todos se refiram ao fato de alguém pretender ensinar alguma coisa a alguém que já sabe com perfeição esta coisa, cada um considera ações diferentes para serem ensinadas e pessoas diferentes para receberem os ensinamentos. Os espanhóis são os que mais se aproximam dos portugueses, embora ensinem a rezar missa e não o padre-nosso apenas. Os galegos descem um pouco o nível, embora permaneçam na mesma idéia básica. Mas os latinos esquecem o ser humano para considerarem o peixe como sendo quem já sabe nadar muito bem. De qualquer modo, perde-se o tempo de ensinar a quem já sabe. Para a expressão “pão, pão; queijo, queijo”, os italianos e os espanhóis mudaram o queijo pelo vinho, construindo frases feitas parecidas com a nossa. Os primeiros dizem “pane al pane, vino al vino”, enquanto os espanhóis dizem “al pan pan, y al vino vino”. Os franceses e os romenos têm bastante mais divergentes em relação à nossa. Dizem os franceses: “appeler un chat un chat”. Os romenos dizem: “ori alba, ori neagra”, que se traduz literalmente: ou branco, ou negro. Há frases feitas curiosas, ou cômicas, como as francesas correspondentes à nossa “comer o pão que o Diabo amassou”. Dizem eles: “tirer le Diable par la queue” (puxar o Diabo pelo rabo) ou ainda “manger de la vache enragée” (comer carne de vaca zangada). 120 Como não poderíamos mostrar todos os casos, vamos concluindo esta amostragem com a conhecida expressão com que se iniciam os contos infantis: “era uma vez”. Com uma estrutura mais ou menos semelhante, só descobrimos a forma italiana “c’era una volta”. Os espanhóis dizem: “erase que se era”. Os galegos dizem: “foi no tempo de María Castaña”. Os romenos dizem: “a fost odata”, que se traduz literariamente como em antiga vez. Era de se supor que forma como esta, de um certo modo literária, tivesse constituição mais semelhante entre as diversas línguas românicas. No entanto, é o que se vê, são totalmente diferentes. Para que o leitor possa analisar outros casos ou fazer a sua análise pessoal dessas mesmas expressões já apresentadas, apresentemo-las em ordem alfabética. 121 4 – FRASES FEITAS SINÔNIMAS EM LÍNGUAS ROMÂNICAS P.54 POR ACASO G.55 Por suposto E.56 Por acaso. I.57 Per caso. F.58 Par hasard; Des fois. R.59 Pe brodite. L.60 Per accidens, Forte quandam. P. NÃO SE DAR POR ACHADO G. Non se inteirar. E. No darse por enterado. I. Fare l’indiano. P. F. R. L. ESTAR DE ACORDO. Tomber d’accord; Vouloir bien. A gasi cu cale. Consentire cum aliquo. P. SEM DIZER ÁGUA VAI E. Sin decir agua va. F. Sans crier gare. P. LEVANTAR ÂNCORA E. Levar anclas; Irse com la música a otra parte. I. Salpere ancora. 54 P. será a abreviação de Português, neste capítulo. 55 G. será a abreviação de Galego, neste capítulo. 56 E. será a abreviação de Espanhol, neste capítulo. 57 I. será a abreviação de Italiano, neste capítulo. 58 F. será a abreviação de Francês, neste capítulo. 59 R. será a abreviação de Romeno, neste capítulo. 60 L. será a abreviação de Latim, neste capítulo. L. Ancoras vellere; Ancoras moliri. P. UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ VERÃO. E. Ni una flor hace ramo, ni una golondrina sola hace verano. I. Una rondine no fa primavera. F. Une hirondelle ne fait pas le printemps. L. Una hirundo non facit ver; Una hirundo non efficit ver. P. QUEM NÃO ARRISCA NÃO PETISCA. E. Quien no arriesca no pesca. I. Chi no risica, non rosica. F. Qui ne risque rien, n’a rien. L. Nihil lucri cepit qui nulla pericla subivit P. ASSIM ASSIM E. Así, así. I. Cosí, cosí. F. Cousi-cousi R. Si bino si rau. P. NUM ÁTIMO E. En un santiamén. R Cît sazici miau; cît ai da. P. MATAR O BICHO. E Matar el gusanillo. F. Tuer le ver. P. BODE EXPIATÓRIO E. Chivo expiatorio; chivo emisario. I. Capro espiatorio. F. Bouc emissaire. 122 R. Tap ispasitor; cal de bataie. P. (FALAR) COM SEUS BOTÕES. E. Hablar para sus adentros. I. Parlare fra sé e sé. F. À part soi. R. A-si sopti în barba. P. NÃO DAR O BRAÇO A TORCER. E. No dar el brazo a torcer. I. No dar filo da torcere. P. NÃO ENTENDER PATAVINA (BULHUFAS, VÍRGULA, ETC.). E. No entender ni torta. F. Ný voir qui du feu; N’entendre goutte à; N’y comprendre que dalle. P. PERDER A CABEÇA. E. Irsele a uno la cabeza. R. A iesi din minti; A-si pierde mintile. L. Animo ceficer; Exire de consilio. P. E. F. R. DAR CABO DE. Dar buena cuenta de. Venir à bout de. A mînca fript (pe cineva). P. CAIR EM SI. E. Volver en sí. I. Tornare in sé. P. (DAR ou VENDER) A CAMISA DO CORPO. E. (Vender) uno hasta la camisa. F. (Y laisser) as dernière chemise. P. QUEM CANTA, SEUS MALES ESPANTA. E. Quien canta, sus males espanta. I. Chi canta, il soffir incanta. F. Qui chante, son mal enchante. P. FAZER CARA FEIA. E. Poner cara de pocos amigos. R. Ase face cîrlig. L. Oculis infestis conspire; Excipere malo vultu. P. NEM CARNE NEM PEIXE. E. Ni carne ni pescado; Ni chicha ni limonada (ou limoná). I. Nè carne, nè pesce. F. N’être ni chair ni poisson. P. BOTAR AS CARTAS NA MESA. F. Jouer cartes sur table; Jouer ses cartes sur la table. R. A da în carti. L. Astuto nihil esse acturus. P. DAR AS CARTAS. I. Avere il mestolo in mano. F. Tenir le dé; Tenir la queue de la poêle. R. A da cu cartile. P. CASA DA MÃE JOANA. F. La cour du roi Pétaud. R. Sat fara cîini. P. E. I. F. R. EM TODO CASO. En todo caso. In tutti i modi. En tout cas; À tout hasard. În tot cazul. 123 L. Quidquid est; Utcumque erit; Utcumque casura res est. P. CAVALO DADO NÃO SE OLHA A IDADE. E. A caballo de presente no se le mira el diente. I. A caval donato non si guarda in bocca. F. À cheval donné on ne regarde pas la bouche. L. Equi donati dentes non insipicuntur. P. FAZER CENA. E. Hacer escenas. I. Far scenate. F. Faire une scène à quelqu’un; Faire du chichi; Faire des chichis. P. A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR. E. Lo de Cesar dalo a Cesar. I. A Cesare quello che é di Cesare. F. À César ce qui appartient à César. L. Quæ sunto Cæsaris, Cæsari. P. CAÍDO DO CÉU. F. Tombé du ciel. L. Missus caelo. P. A SETE CHAVES. E. Bajo siete llaves. L. Servatus centus clavibus. P. AFINAL DE CONTAS G. Ao fin e ao cabo. I. Alla fine dei conti. F. Au bout du compte; Après tout; Tout compte fait; À tout prendre. P. FAZER DE CONTA I. Far conto. F. Faire semblant. P. TER EM CONTA DE G. Ter en conta. E. Llevar en cuenta. I. Tenere in conto di. F. Tenir compte; Faire la part de quelque chose. R. A face caz. P. DE COR E. De coro; De memoria. I. A memória. F. Par couer. R. Pe de rost; Din gînd; Pe dinafara; Pe din afara. P. TIRAR O CORPO FORA. E. Echar el cuerpo fuera. F. Tiere son épingle du jeu; Se tirer d’affaire; Tirer au flanc; Tirer au cul. P. TER COSTAS QUENTES. E. Tener las espaldas cubiertas. F. Avoir bon dos. P. VOLTAR AS COSTAS A ALGUÉM. E. Dar la espalda alguien. L. Tergum vertere. P. ENTRAR NO COURO. F. Prendre une piquette. R. A mînca bataie; A lua la depanat. P. DAR-SE MAL 124 E. Llevarse mal. R. A ajunge rau. F. Pour ainsi dire; Autant vaut dire. R. Ca sa zic asa. P. POUCO SE ME DÁ E. Me importa muy poco. F. Je m’en fiche. P. PASSAR UMA ESPONJA F. Passer l’éponge. R. A da cu buretele. L. Spongia delere. P. DIA DE SÃO NUNCA DE TARDE. E. Cuando febrero tenga treinta días. F. Trois jours après jamais; La semaine des quatre jeudis; À Pâques ou à la Trinité. R. Cînd s-o face agurida miere; De joi pîna mai apoi. L. As kalendas græcas. P. HOJE EM DIA. E. Hoy en día; Hoy poer hoy; Hoy día. I. Al giorno d’oggi. F. Des nos jours. P. O DIABO QUE O CARREGUE. F. Que le Diable l’emporte. R. Bata-te sa te bata! P. E. F. L. POBRE DIABO. Pobre diablo. Un pauvre diable. Homo nihili. P. VÁ PARA O DIABO. F. Va te faire fiche. R. La dracu cu; Du-te la naiba! L. Abi ad Acherontem; Abi in malam pestem. P. POR ASSIM DIZER. P. PERDER AS ESTRIBEIRAS. E. Perder los estribos. R. A scoate din pepeni. P. COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO E. Estar con la sartén por el mango; Ser el que corta el bacalao. I. Avere il coltello per il manico. F. voir beau jeu. P. E. F. R. POR FAVOR. Por favor. S’il vous plaît. Prin hatir. P. ESTAR FRITO I. Esser fritto; Star fresco. F. Être frit; Être fichu; Être fait. P. O FUTURO A DEUS PERTENCE. E. El futuro es de Dios. I. L’avenire è nelle mani di Dio. P. FAZER ALGUÉM DE GATOSAPATO. E. Tomar el pelo a alguien. I. Fare qualcuno de mosca cieca. P. GRAÇAS A DEUS! E. ¡Gracias a Dios! F. Dieu merci! 125 R. Slava Domnului! L. Deo Gratias! P. DE HORA EM HORA DEUS MELHORA. I. Di ora in ora, Iddio migliora. F. En peau d’heures, Dieu labeure. L. Utile quid nobis novit Deus omnibus horis P. IDAS E VENIDAS. E. Idas y venidas. F. Allées et venues. P. IR PARA O INFERNO. I. Andare al diavolo. L. Sub terras ire. P. ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS. E. Donde el diablo perdió el poncho; Por las lomas de Zamora. F. Au diable vauvert; Au diable vert. P. G. F. L. PERDER O SEU LATIM. Gastar o seu latín. Y perdre son latin. Non habeo quo me vertam. P. LEVAR A MAL E. Llevar a mal. I. Aversela a male. F. Prendre en mauvaise part. P. MAIS OU MENOS. E. Mas o menos. I. Più o meno. F. À peu-près; À peu de chose près; Pas mal. L. Plus minus. P. BOTAR A MÃO NO FOGO. E. Poner las manos en el fuego. I. Metter la mano sul fuoco. F. En metre la main au feu. P. DAR AS MÃOS À PALMATÓRIA F. Faire amende honorable; Batre as coulpe. L. Manus dare. P. FICAR DE MÃOS ABANANDO E. Quedar com las manos vacías. I. Tornarsene a mani voute. F. Revenir bredouille; Rentrer bredouille. P. À MEDIDA QUE. E. A medida que. F. À mesure que; Au fur et à mesure. R. Cu cît. L. Ut quieque. P. DANÇAR CONFORME A MÚSICA G. En terra de lobos ai que ouvear como todos. F. Hurler avec les loups. P. DE NADA. E. Por nada. F. Il n’y a pas de quoi. P. POR QUE NÃO? E. ¿Por qué no? F. Porquoi pas? R. D-apoi cum nu? 126 P. METER O NARIZ EM. E. Meter las narinas en; Meter la nariz. I. Mettere il naso. F. Fourrer le nez dans; Fourrer son nez partout. R. A-si baga nasul în toate; A se anesteca unde nu-i fierbe oala. L.Immiscere se alicuius negotiis. P. FICAR A VER NAVIOS. E. Quadarse a la luna de Valencia; Quedase con un palmo de narices. I. Restare con un pugno de mosche; Restare con un palmo di naso. F. Être de la revue. P. À NOITE TODOS OS GATOS SÃO PARDOS. E. De noche todos los gatos son pardos. I. Al buio tutte le gatte son bigie; Di notte tutti i gatti son bigi. F. La nuit, tous les chats son gris. L. Nocte latent mendæ; Lucerna sublata nihil discriminis inter mulieres. P. CAIR DAS NUVENS E. Caer de las nubes. I. Cader dalle nuvole. F. Tomber des nues. L. Attonitis animis haerere. P. PÔR ALGUÉM NAS NUVENS. E. Poner alguien en las nubes. L. Ad cælum ferre aliquem. P. NÃO PREGAR OLHO. G. Non cerrar ollo. E. No pegar ojo. F. Ne pas fermer l’oeil. L. Somnum non vidit. P. SER DURO DE OUVIDO. I. Duro d’orecchio; Duro d’orecchi. F. Être dur d’oreille; Avoir l’oreille dure; Être dur de la feuille. L. Aures habetiores. P. ENSINAR PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO. G. Ensinar a seu pai a fazer fillos. E. Enseñar al cura a decir misa. L. Piscem natare doces. P. E. F. R. L. PALAVRA DE HONRA. Palabra de honor. Parole d’honneur. Pe crucea mea. Medius fidius. P. PEDIR A PALAVRA. E. Pedir la palabra. I. Chiedere la parola. L. Ius dicendi petere. P. NÃO MOVER UMA PALHA. E. No mover una paja. F. Ne pas en ficher une secousse. P. PANO DE FUNDO. E. Telón de fondo. I. Scena di fondo. P. PÃO-PÃO, QUEIJO-QUEIJO. E. Al pan pan, y al vino vino. I. Pane al pane, vino al vino. F. Appeler un chat un chat. R. Ori alba, ori neagra. 127 P. COMER O PÃO QUE O DIABO AMASSOU. I. Vivere fra gli stenti. F. Tirer le Diable par la queue; Manger de la vache enragée. P. NÃO TER PAPAS NA LÍNGUA. E. No tener pelos en la lengua. F. Ne pas avoir la langue dans as poche. P. E. I. R. TIRAR PARTIDO DE. Sacar partido de. Prender partito di. A lua partea cuiva; A tine cu. P. SE QUERES A PAZ, PREPARA A GUERRA. F. Si tu veux la paix, prépare la guerre. L. Si vis pacem, para bellum. P. PÉ ANTE PÉ. G. Andar pe ante pe. E. De puntillas; A la chita callando; Paso a paso. I. In punta di piedi. F. À pas de loup; À pas de velours. P. SEM PÉ NEM CABEÇA. E. No tener ni pies ni cabeza. I. Senza capo né coda. F. Sans queue ni tête. L. Nec caput nec pedes habere. P. VALER A PENA. E. Merecer la pena. I. Valere la pena. F. Ca vaut le coup. R. A merita osteneala. P. TIRAR UMA PESTANA. I. Fare un sonnellino. F. Piquer un roupillon. P. PÔR OS PINGOS NOS IS. E. Poner los puntos sobre las íes. F. Mettre les points sur les i. P. E. I. F. QUEM PLANTA COLHE. Quien siembra, coger espera. Chi semina, racconglie. Il faut semer pour récolter. P. ANDAR NA PONTA DOS PÉS E. Andar de puntillas. I. Sulla punta dei piedi. L. Ire gradu suspenso; Summis digitis ambulare. P. DE PONTA A PONTA. G. De riba a baixo. E. De punta a punta; De cabo a rabo. I. De cima al fondo. R. Din cap in cap; Din fir pîna in ata. P. SABER NA PONTA DA LÍNGUA. E. En la punta de la lengua. I. Sapere a fil di campanello. F. Savoir sur le bout de la langue. R. A sti pe degete. P. DE QUANDO EM QUANDO. E. De cuando en cuando. I. Di tanto in tanto. R. Din cînd în cînd; Cînd si cînd; Pe alocuri. 128 P. OLHAR COM O RABO DO OLHO. G. Ollar de reollo. E. Mirar com el rabillo de ojo. R. A se uita acru la cinova. L. Limis oculis adspicere; Limis oculis intueri. P. COM O RABO ENTRE AS PERNAS. E. Com el rabo entre las peirnas. R. Cu coada între picicare. L. Remulcere caudam. P. BATER EM RETIRADA. I. Battere in ritirata. F. Batre en retraite. R. A da îndarat (înapoi). P. E. I. R. NÃO SEI O QUÊ. No sé qué. No so che. Nu stiu ce. P. TIRAR SARDINHA COM MÃO DE GATO. I. Cavar la castagna del fucco con la zampa altrui; Togliere le castagen dal fuoco com lo zampino del gatto. F. Faire commo le singe; Tirer les marrons du feu avec la patte du chat. P. O SEGURO MORREU DE VELHO. G. Quen dunha escapa cen aos vive. E. Dona Prudencia murió de vieja. F. La prudence est la mère de la sureté. P. TAL QUAL. G. Tal cal. E. Tal cual. I. Tale e quale. R. Iac-asa. L. Talis qualis. P. MATAR O TEMPO. E. Matar el tiempo. I. Ammazzare il tempo. F. Tuer le temps. R. A-si împlini timpul. P. (CONTAR) TINTIM POR TINTIM. E. Con pelos y señales; Punto por punto; C’por bé. Punto per punto. F. Conter par le menu; Raconter par le menu. P. PERDER A TRAMONTANA. E. Perder la tramontana; Perder el rumbo. I. Perdere la tramontana. F. Perdre la tramontane; Battre la campagne. R. A iesi din balamale. L. Mantem amittere. P. DE VEZ EM QUANDO. G. De vez en cando. E. De vez en cuando. F. De temps en temps; De temps à autre; Par moments. P. G. E. I. R. ERA UMA VEZ. Foi no tempo de María Castaña. Erase que se era. C’era una volta. A fost odata. 129 P. DAR ÀS DE VILA-DIOGO. E. Tomar las de Villadiego; Coger las de Villadiego. F. Prendre le chemin de Saint Jacques. R. A-si lua cîmpii. 5 – CONCLUSÃO: As frases feitas, nas línguas românicas, são elementos de vital importância para o conhecimento da história externa de cada uma delas, isoladamente, e de todas elas, no conjunto da romanidade lingüística. Sua análise pode entremostrar as mais diversas naturezas de fatos com os quais esteve relacionada uma língua durante a sua história. Desde os fatos históricos, propriamente ditos, aos que seus falantes, e mesmo com os que dizem respeito ao meio ambiente em que ela se desenvolve ou se desenvolveu, em determinado período. Analisada do ângulo da fraseologia, a unidade lingüística românica será compreendida de um modo bastante globalizante. Talvez maior do que se o for de qualquer outro ponto de vista. Além disso, através de provérbios, rifões, anexins, adágios, etc., a diversidade subjacente nesta unidade maior poderá ser vista com grande naturalidade, tornando, certamente, mais simples, interessante e curioso estudo comparativo das línguas que constituem esta família lingüística. Analisando a convergência e a divergência da fraseologia românica, pretendemos ter mostrado a viabilidade de um importante estudo de tal natureza. Não o concretizamos aqui e agora porque nos faltam meios para conseguir uma amostragem suficientemente confiável e porque não dispomos de tempo. Mesmo assim, estamos convictos de termos contribuído para o desenvolvimento da Lingüística e da Filologia Românica, alertando os estudiosos para este interessante ramo dos estudos lingüísticos e filológicos. Com as limitações a que nos submetemos, já descritas na introdução, deixamos ainda uma amostragem de 108 frases feitas para que os interessados possam experimentar a nossa sugestão, antes de se embrenharem numa pesquisa mais demorada. Voltamos a lembrar que a nossa bibliografia de línguas estrangeiras é insuficiente. Daí o número e a qualidade de expressões nestas línguas, que pode ser melhorado muito, com alguma pesquisa. Inclusive com maior proximidade e semântica a morfossintática. 130 Enfim, agradecemos a paciência e a gentileza do leitor, por ter chegado até aqui. Esperamos que tenha valido a pena. 131 6 – BIBLIOGRAFIA: ALMOYNA, Julio Martínez. Dicionário de espanhol-português. Porto: Porto Editora. [1983]. 1058 p. AMENDOLA, João. Dicionário italiano-português. São Paulo: Fulgor, 1961. 998 p. ANDRADE, Carlos Drummond. Os dias lindos. 2ª ed. /Com dados biográficos do autor/. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+145 p. ______. De notícias & não notícias faz-se a crônica: histórias, diálogos, divagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+182 p. ______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nora editorial, de Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Moraes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra Completa]. ______. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record, [1984]. 217 p. BECKER, Idel. Grande dicionário latino-americano português-espanhol. São Paulo: Nobel, 1983. 499 p. BUESCU, Victor. (Coord.) . Dicionário de romeno-português. Porto: Porto Editora, [1977]. 475 p. CAMPOS, Aluízio Mendes. Dicionário francês-português de locuções. Apresentação de Ângela Vaz Leão. Com assessoria de Albert Audubert e Rodolfo Ilari. São Paulo: Ática, [1980]. 301 p. CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções tradicionais Do Brasil. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1970. 327 p. CAVERO, David Ortega. Dicionário portugués-español/españolportugués. Revisado y puesto al día por Júlio da Conceição Fernandes. Barcelona: Ramon Sopena. [1975]. 1856 p. CORRÊA, Roberto Alvim & Steinberg, Sary Hauser. Dicionário escolar francês-português, português-francês. 6ª ed. revista e atualizada. [Rio de janeiro]: Fename, 1980. 940 p. ______. Gramática da língua francesa. [Rio de Janeiro]: Fename, [1968]. 351 p. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; Assistentes: Margarida dos Anjos et alii. Novo dicionário da língua portuguesa. [Rio de Janeiro]: Nova Fronteira [s.d.]. X+1499 p. LAUSBERG, Heinrich. Lingüística românica. Tradução de Marion Ehrhardt e Maria Luísa Schemann. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian [1981]. 458 p. 132 MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa; com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos vocábulos estudados. 3ª ed. Lisboa: Livros Horizonte [s.d.]. 5 v. MAGALHÃES JÚNIOR, R.[aimundo]. Dicionário de provérbios, locuções, curiosidades verbais, frases feitas, etimologias pitorescas, citações. [Rio de Janeiro]: EDIOURO [s.d.]. 366 p. MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; [Rio de Janeiro]: J. Olympio, 1982. 433 p. RÓNAI, Paulo. Guia prático da tradução francesa. 2ª ed. revista e ampliada. [Rio de Janeiro]: Educom [1975]. XVI + 120 p. ______. Não perca o seu latim. /Rio de Janeiro/ Nova Fronteira, /1984/. SILVA, José Pereira da. A estrutura das frases feita. Trabalho final apresentado ao Prof. Edwaldo Cafezeiro, no curso de Estruturas Frasais, em 1984. Tem 45 laudas. ______. A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade: subsídios para um dicionário básico. Trabalho final apresentado aos Professores Mário Camarinha da Silva, no curso de Técnica da Pesquisa, e Belchior Cornélio da Silva, no curso de Etimologia e Lexicologia, em 1984. Tem 125 p. ______. A origem das frases feitas usadas por Drummond: contribuições para sua história e etimologia. Trabalho final apresentado ao Professor Belchior Cornélio da Silva, no curso Do Latim ao Português, em 1984. Tem 111 p. SPINELLI, Vincenzo & CASANTA, Mário. Dizionário completo italianoportoghese (brasiliano) e portoghese (brasiliano)–italiano. Con l’etimologia delle voci italiane e portoghesi (brasiliane), la lor esatta traduzione, frasi e modi di dire. Milano: Editor Ulrico Hoelpi, 1957 e 1962. 2v. TORRINHA, Francisco. Dicionário latino-português. 3ª ed. [Porto]: Maranus, 194561. 957 p. ______. Dicionário português-latino. 2ª ed. Porto: Domingos Barrera Editor & Livraria Simões Lopes [s.d.]. 1129 p. VICTORIA, Luiz A. P. Dicionário de frases, citações e aforismos latinos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Científica, 1966. 212 p. 61 Uma nota na última página informa que o volume acabou de imprimir-se em 1959. 133 A ORIGEM DAS FRASES FEITAS USADAS POR DRUMMOND (contribuições para sua história e etimologia) 62 Estudo conjetural sobre a origem histórico-lingüística de frases feitas utilizadas por Carlos Drummond de Andrade em suas Crônicas. Análise comparativa de algumas variantes vernáculas. 62 Trabalho final apresentado ao Professor Belchior Cornélio da Silva, no curso Do Latim ao Português, na Faculdade de Letras da UFRJ, no segundo semestre de 1984. 134 1 – INTRODUÇÃO: Embora a Paremiologia não tenha definido ainda com perfeição os diversos tipos de manifestações lingüísticas que constituem o objeto de suas investigações, sentimos a necessidade de estabelecer o que entendemos por frase feita, para que possamos estabelecer os limites de nossa pesquisa. Esclarecemos, em primeiro lugar, que as frases feitas, no sentido que pretendemos estudar não levam em conta o fato de serem ou não usadas na linguagem corrente atual e geral, embora o sejam quase sempre. É que nosso trabalho pretende ser filológico e não folclórico. Dando uma definição mais precisa de frases feitas do que o fizemos no trabalho A Fraseologia nas Crônicas de Carlos Drummond de Andrade: Subsídios para um Dicionário Básico63, como começamos por observar que elas constituem abreviações ou paráfrases do provérbios, adágios, rifões, etc., ou meras alusões a tais expressões proverbiais. As frases feitas se caracterizam por sua subordinação e adaptação à construção da frase corrente, na qual se integram. Diferentemente dos provérbios, não constituem necessariamente, unidades completas e independentes, como ensina Amadeu Amaral.64 Os provérbios, além de constituírem unidades completas e independentes, são construídos em forma concisa e pitoresca, revelando uma sabedoria feita de experiência.65 Voltando às frases feitas, lembramos que todas as frases “fossilizadas em sua forma e seu sentido e usadas no discurso à maneira de uma locução”66 são objeto de estudo da Fraseologia, mesmo se usadas apenas na linguagem literária e erudita. Como as pesquisas em Ciências Humanas não podem ter um nível de comprovação de suas hipóteses semelhantes ao que têm as Ciências Físicas e Biológicas, os etimologias, e os filólogos em geral, satisfazem-se em analisar a sua “mostra”, compará-la com variantes documentadas, analisar conjeturas já formuladas por outros especialistas e estabelecer novas hipóteses. Raramente se estabelecem verdades consideradas definitivas durante muito tempo. É lamentável, mas não é outra coisa o que fizeram Antenor Nascentes, José Pedro Machado, Antônio Geraldo Cunha, João Ribeiro, Luís da Câmara Cascudo e todos os outros que se embrenharam por este caminho. Neste caso, só se pode falar em prováveis exceções em relação a alguns verbetes. Jamais para toda a obra de um autor. 63 Trabalho final apresentado na Faculdade de Letras da UFRJ. Cf. AMARAL, A. (1948) p. 220. 65 Cf. AMARAL, A. (1948) p. 219-220 66 CÂMARA JR., J. M. (s.d.) s.v. 64 135 As frases feitas estudadas aqui foram extraídas das crônicas de Carlos Drummond de Andrade. Pretendemos esclarecer a origem de algumas dessas construções proverbiais e indicar pistas que possam levar a tal esclarecimento das restantes. Contribuiremos, assim, para compreensão do seu verdadeiro sentido. Evitaremos repetir as abonações drummondianas e os seus significados, visto que isto já foi feito no trabalho que citamos acima.67 Quanto aos estudos sobre este mesmo tema, registramos sua escassez e sua infância. Embora tenham surgido trabalhos de real valor, como os de J. Ribeiro68 e os de L. da Câmara Cascudo69, por exemplo, poucos foram os trabalhos desta natureza que tenham merecido a referência da crítica especializada. Além disso, não conseguimos registrar trabalhos merecedor de crítica sobre o nosso tema anterior ao badaladíssimo Origens de Anexins, etc., de A. de Castro Lopes70, que ainda não comemorou seu centenário. Indicamos na Bibliografia71, além das obras por nós consultadas, os trabalhos de Antônio de Castro Lopes, Lindolfo Gomes, Monsenhor Vicente Lustosa e Tomás Antônio Pires, que são peças importantes no desenvolvimento desta pesquisa, mas não puderam ser manuseadas. Seguimos, grosso modo, a orientação metodológica de João Ribeiro, em suas Frases Feitas72, e Luís da Câmara Cascudo, em suas Locuções Tradicionais no Brasil,73 redigindo todo o trabalho em forma de artiguetes. Quanto à disposição dos artiguetes ou verbetes, seguimos a ordem alfabética das palavras chaves, orientando-nos por Antenor Nascentes 74 e por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.75 Quanto às normas de redação e datilografia, seguimos o que ensina o nosso Mestre, Mário Camarinha da Silva.76 Registramos todas as variantes encontradas, seja quanto à forma, seja quanto ao sentido, mesmo quando nada pudéssemos concluir a respeito. As variantes em língua estrangeira só foram anotadas quando parecia muito provável uma filiação ou qualquer forma de parentesco próximo. 67 SILVA, J. P. (1984) p. 18-118. RIBEIRO, J. (1933), (1960) e (1963) . 69 CASCUDO, L. C. (1968), (1970) e (1984) . 70 LOPES, A. C. (1886) / (1909) . 71 Talvez não seja o lugar mais adequado, por fazer crescer a Bibliografia com simples indicações de obras não consultadas. 72 RIBEIRO, J. (1960) . 73 CASCUDO, L. C. (1970) . 74 NASCENTES, A. (1945) . 75 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) p. VIII, § 5. 76 SILVA, M. C. (s. n. t.) 68 136 2 – UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA E ETIMOLÓGICA DAS FRASES FEITAS. 2.1. – Não se Dar por Achado João Ribeiro afirma que “ACHAR é voz arábica que não tinha o sentido, corrente hoje, de descobrir ou encontrar,”77 de onde imagina derivar as palavras achaque, enxaqueca, etc., que equivalem a doenças, mal-estar, defeito ou moléstia. Enfim, “achar está por achacar e restou penas na locução proposta, tornando-se voz obsoleta nos demais casos. Dar-se por achado é dar-se por achacado e ofendido.”78 A forma e o sentido da frase já era o mesmo no Cancioneiro Geral, já sendo freqüente nos quinhentistas. A explicação de João Ribeiro não satisfaz, pois é muito pequena a probabilidade de ter havido o processo fonético que resultaria achar a partir do árabe /as-saka/ ou achaque. Inclusive, João Ribeiro não persistiu na defesa de sua conjetura nem tentou rebater as críticas de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, como recorda Luís da Câmara Cascudo.79 O correspondente etimológico de achar, em castelhano, é ajar e não hallar, opina ainda João Ribeiro, visto que “ajar /é/ maltratar de palabra a alguno para humillarle”80, segundo os léxicos castelhanos. Seria achar um derivado de achanar=achaar=achar? Esta hipótese, sugerida por Carolina Michaëlis de Vasconcelos 81, não é de todo improvável. Afinal de contas, esta palavra é um arcaísmo que se revitalizou no Brasil, principalmente no Nordeste e que significa “reduzir ou aniquilar moralmente; abater, humilhar, achatar;” e ainda “dominar, subjugar: Apesar de sua força o adversário terminou achanando-o”.82 Sendo assim, não se dar por achado pode ser não se dar por achanado, o que parece até mais lógico. O que é certo é que o verbo achar, em seu significado atual em português, nada tem a ver com a frase em questão. 2.2. Sem Dizer Água Vai 77 RIBEIRO, J. (1960) p. 201. RIBEIRO, J. (1960) p. 201. 79 CASCUDO, L. C. (1970) p. 275. 80 RIBEIRO, J. (1960) p. 202, notas. 81 Apud J. Ribeiro. Frases Feitas, 1960, p. 203. 82 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), verbete “Achanar”. 78 137 Esta locução é antiga e sua explicação é conhecida. Ela provém dos tempos em que ainda havia esgotos nas cidades. Os moradores lançavam normalmente a água usada pelas janelas, usando sempre o indispensável grito de alerta aos transeuntes: Água vai!... É compreensível a intolerância às pessoas que costumavam lançar seus dejetos à rua sem o costumeiro grito. Com o sistema de esgotos, o velho costume desapareceu, mas a expressão sobreviveu com um significado bastante próximo do original.83 2.3. Pôr a Alma pela Boca As idéias de alma e sopro ou corrente de ar expelida dos pulmões, desde os tempos bíblicos, estão em estreita relação. Foi com um sopro que Deus infundiu a vida ao primeiro homem, conforme a versão de Gênesis 2:7. Pôr a alma pela boca, a partir desta interpretação, passa a sugerir a idéia de perder a vida ou parte da vida, o que normalmente acontece com o cansaço ou sofrimento excessivo. Raimundo Magalhães Júnior registra a variante deitar a alma pela boca, já documentado na Feira de Anexins, de D. Francisco Manuel de Melo.84 2.4. Debaixo desse Angu tem Carne Angu é uma alimentação barata, cujo elemento básico é o fubá de milho ou farinha de mandioca. Foi largamente utilizado na alimentação dos escravos negros no Brasil. Como as cozinheiras também eram escravas, freqüentemente se encontravam pedaços de carne que deveriam ser reservados aos feitores escondidos debaixo do angu de determinados escravos protegidos pela cozinheira ou por outra pessoa, geralmente o transportador dos alimentos ou seu distribuidor. Por isso, se fosse observado que determinado escravo estava muito cuidadoso com sua porção de angu ou se houvesse preferência por uma outra, desconfiava-se sempre dessa diferença de tratamento. E todos pensavam que debaixo daquele angu devia haver carne. Até bem pouco tempo ainda se costumava fazer dessas trapaças com os “companheiros” de trabalho, reservando-se uma marmita ou caldeirão especial para o dono do serviço. Este se afastava um pouco de seu grupo para saborear sua refeição de maneira escondida dos outros. Debaixo do angu, a cozinheira botava a carne ou torresmo, que não existia nas marmitas dos outros. 83 84 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 308 e CASCUDO, L. C. (1970) p. 116-117. Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 101. 138 Leonardo Mota registra uma variante: “Debaixo desse angu tem torresmo”, que tem o mesmo valor semântico e origem semelhante. A pequena diferença está no grau ou intensidade da discriminação entre os tratamentos dispensados, lembrando-se a decadência dos todo-poderosos senhores de escravos e de outras elites. A extensão do significado fez esquecer o antigo costume e aplicar a expressão a qualquer tipo de disfarce para transportar qualquer tipo de coisa de maior valor que o aparente. 2.5. Arrastar a Asa. Arrastar a asa é a forma de um galo cortejar a galinha. É da observação deste fato que surgiu a frase feita que indica o seu correspondente entre os humanos, ou seja, o cortejo do homem a uma mulher. Como o galo é o símbolo do macho dominador, subentende-se que arrastar asa inclui a demonstração de habilidades de macho ou mesmo de machista. Muitas outras expressões proverbiais em trono do galo ressaltam esta sua característica, comparando-o ao homem machista e dominador. Vejamos: Cada galo canta no seu poleiro, e o bom no seu e no alheio; Folgai, galinhas, que é morto o galo; Galo que fora de horas canta, faca na garganta; Na casa de Gonçalo, canta a galinha e o galo; Onde canta galo não canta galinha; Onde há galo não canta galinha; Triste é a casa onde a galinha canta e o galo cala;85 Onde o galo canta, aí janta;86 Galo, antes de cantar, bate as asas três vezes; Galo cantando, à boca da noite, é sinal de que estão furtando moça; Como canta o galo velho, assim cantará o novo; Todo galo é valentão para galinha e capão; A pinta que o galo tem o pinto nasce com ela; Cantiga que o pinto canta o galo já cantou; Galo no seu poleiro briga com o mundo inteiro; Franga que canta chama galo: Galo velho; Galo de um terreiro só; O galo daqui sou eu; Cantar de galo; Quando o galo canta fora de hora é moça roubada que vai dando o fora; Baixar a crista; Cada galo em seu terreiro; Depressa que só trepada de galo. 2.6. Ficar Debaixo do Balaio A expressão lembra o processo caseiro, ainda usado no interior de Minas Gerais, de fazerem que as galinhas percam o choco. O processo consiste em prender a galinha choca sob um balaio e sobre uma poça d’água, de modo que ela não possa deitar-se, na posição normal de chocar. (Galinha não Este adágio é uma versão literal do italiano: “Trist’é quella casa dove la gallina canta e il gallo tace”. Os quatro os antecedem sãos suas variantes. 86 Depara-se aqui um caso curioso, observa Amadeu Amaral, em seu livro Tradições Populares, (1948), p. 262: “por influência, naturalmente, do verbo ‘cantar’, que em outros dizeres consagrados aparece como predicado do sujeito ‘galo”, alterou-se desse modo o velho provérbio português, que é: ‘Abade, d’onde canta, daí janta’.” 85 139 se deita sobre água.) Desta maneira aparentemente cruel, a galinha se esquece plenamente do seu instinto de chocadeira, voltando naturalmente aos eu período de postura. Aplicada aos namorados, ficar debaixo do balaio é uma situação idêntica, em que eles têm de esquecer o parceiro ou a parceira desejada e procurar outra, recomeçando, forçadamente, todo o ciclo que já iniciaram. 2.7. Plantar Bananeira O que é característico e marca o ridículo de tal ato é aspecto visual, a partir do qual se criaram várias metáforas. Tais metáforas, sugeridas pelas naturais substituições dos nomes das partes pudendas do corpo humano por nomes relacionados com animais, plantas ou objetos, são conseqüências dos tabus lingüísticos que cercam, principalmente, órgãos sexuais. Quem planta bananeira, ficando de pernas para cima e de cabeça em direção ao solo (senão posta ao solo) cria a imagem de uma bananeira, com um cacho, com banana, com umbigo, com as folhas representadas pelas pernas, tudo isto muito exposto e aumentado o aspecto ridículo com o fato de ser a posição oposta à que normalmente o ser humano posa. A idéia de ridículo deste ato, portanto, está relacionado com um aspecto psíquico da linguagem, que se estabelece por comparação ou associação de imagens. 2.8 Matar o bicho Este é um processo usado pelos beberrões há mais de quatro séculos para tomar de vez em quando o seu gole de bebida forte. Inicialmente, e até bem pouco tempo, o pretexto medicinal rezava que um gole de bebida alcoólica de alto teor, ingerida pela manhã em jejum, surpreende o bicho que deve existir dentro do beberrão, combatendo-o. A história de Madame La Vernade, filha de um general francês, que morreu em 1519 e que tinha um verme atravessado no coração, resistindo a todos os tóxicos, parece ter dado início a esta crença, que mais parece uma desculpa. Conta-se que Madame La Vernade, falecendo subitamente, foi autopsiada, tendo-se encontrado tal verme atravessado em seu coração. Não morrendo com aplicação de todos os tóxicos disponíveis, os médicos embeberam um pedaço de pão em vinho forte, colocando sobre o pão umedecido o resistente verme. Foi o suficiente para que ele morresse imediatamente. A partir de então, os médicos passaram a aconselhar que se quebrasse o jejum com pão e vinho. Os beberrões, no entanto, não se contentaram com o pão e o vinho. Começaram a tomar bebida mais forte e, depois, aboliram o pão. Atualmente, 140 mata-se o bicho a qualquer hora, e o vinho foi substituído pela cachaça, de preferência. A fraseologia brasileira relacionada com a cachaça é das mais ricas que temos. Com o significado idêntico ao de matar o bicho temos as seguintes, além de outra: Morder a batata; Dobrar o cotovelo; Quebrar a munheca; Acender a lamparina; Alertar as idéias; Molhar a palavra; Molhar o bico; Mudar a camisa; Tomar um oito; Mudar o colarinho; Salgar o galo.87 2.9. Matar o Bicho do Ouvido É tradicional a crença de que a cera do ouvido é retirada por um bicho, que é o responsável pela audição, pois do contrário o ouvido seria entupido de cerúmen. Como o excesso de ruído causa a surdez, acredita-se que o bicho do ouvido morre ou adoece toda vez que houver mais ruído do que o suportável, seja quanto à intensidade, seja quanto à continuidade. Falar demais ou muito alto com alguém é uma forma de matar o bicho do ouvido de quem for obrigado a ouvir tal falador exagerado. 2.10. Fazer Boca-de-siri Como diversas frases feitas por nós estudadas, esta também é resultado da observação da natureza. O siri, ao prender alguma coisa com a “boca”, que é uma de suas garras, não a solta nem mesmo depois de morto. Ora, como fechar a boca implica ficar calado, fazer boca-de-siri passou a substituir uma explicação muito mais extensa que pudesse indicar o ato de calar-se ou fazer segredo rigoroso. Há diversas outras formas de sugerir idéia de segredo através da palavra “boca”, que se pode fechar de vários modos: Em boca fechada não entra mosquito; Boca calada é remédio; Boca cheia não conversa; Boca que fala não mastiga; Minha boca é um túmulo; Minha boca é um botão; A boca pequena; De boca em boca. O provérbio: Em bica fechada não entra mosquito, que é uma forma ameaçadora de prevenir os delatores contra prováveis conseqüências de sua indiscrição, tem versões em latim, espanhol, francês, italiano e inglês. Destas formas, destacam-se pela semelhança com a nossa, a francesa: En bouche serée n’entrent des mouches e a espanhola: En boca cerrada non entra mosca.88 2.11. Dar Bode É evidente o significado de dar, que corresponde a resultar ou ter por resultado. Mas o que vem a ser bode? 87 88 MOTA, L. (1982) verbete “Matar o bicho”. MOTA, L. (1982) s. v. 141 Lembramos que bode sempre esteve ligado às forças diabólicas, como lembra Câmara Cascudo, em seu Coisas que o Povo Diz: “Qualquer velha bruxa de outrora, sabedora de orações e remédios fortes, informava do poder do Bode, sinônimo diabólico, temido e respeitado na ambivalência natural.”89 Aliás, segundo a tradição judaica, o bode era o animal escolhido para carregar todos os pecados de seu povo e, por isso, ser abandonado num deserto. Representando todo o mal, o bode expiatório era ao mesmo tempo vítima e réu. Dar bode é resultar numa situação infernal, indesejável, confusa. Embora o bode esteja quase sempre relacionado com a atividade sexual masculina, em diversos provérbios e expressões populares, não há probalidade de haver conotações desta natureza na frase feita em questão. Relacionada com a idéia de vítima, conheço o seguinte anexim com a palavra bode: Quem menos pode é quem paga o bode. Vide também: Bode preto; Bode amarrado; Bode expiatório. 2.12. De Maus Bofes Segundo a crença popular, os bofes, entranhas ou vísceras, são responsáveis pelo bom ou mau humor das pessoas. Até se costuma dizer que quem sofre do fígado está sempre de mau humor. Daí expressões com antipatia visceral ou inimigo fidagal ou de bofe inchado, que é o mesmo que excessivamente irado. 2.13. Dar Bola Surgiu certamente com o jogo de futebol. Neste esporte, os atletas devem dar a bola aos companheiros de equipe em situações estratégicas mais vantajosas para que se atinja o objetivo, que é o gol, o mais rápido possível. É claro que não se dá bola para quem estiver em situações menos favoráveis, como por exemplo, marcado por adversário muito forte. Também existe a expressão dar pelota, que tem a mesma origem e significado. 2.14 Dar com os Burros n’Água Antônio José da Silva, o Judeu, tem o seguinte passo, na voz do Escudeiro: “- Ah burro do meu coração! Bem te entendo o que queres dizer nesse zurro; mas não te posso ser bom; tem paciência, que bem sei, que deixar-te, dei com os burros na água!” 90 89 CASCUDO, L. C. (1968) p. 80. Antônio José da Silva. Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança, 2,1, Lisboa, 1733. Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 112-113 90 142 A outra abonação antiga que possuímos é de Gregório de Matos: “– Que de tudo o que tem vítima faz, / E dá com os burros n’Água desta vez.”91 Acreditamos que a frase provém de um conto popular vulgarizado oralmente no interior do Brasil. Lembro-me de tê-lo ouvido há uns 25 ou 30 anos em Minas Gerais. Conta-se que dois tropeiros foram incumbidos de realizar a façanha de transportar com suas respectivas tropas uma carga qualquer até um determinado lugar, onde estaria a pessoa que pagaria com um prêmio o que primeiro chegasse com a sua carga. Acontece que o caminho era desconhecido, e ambos tiveram o direito de escolher a mercadora que desejavam para que a viagem se tornasse mais fácil. O primeiro escolheu uma carga de algodão, porque era mais leve. O segundo escolheu uma carga de sal, por que era mais volumosa. Seguindo caminhos diferentes, no entanto, ambos tiveram que passar a vau por um rio, que surgiu inesperado. O primeiro, ao tentar passar, umedeceu sua carga e os quase morreram afogados, saindo a custo do rio, onde a carga ficou perdida, com um peso insuportável. Ao tentar passar, o segundo tropeiro teve toda a sua carga de sal derretida, chegando na outra margem apenas com a sua tropa descarregada. Deste modo, ao dar com os burros n’água, os dois tropeiros tiveram fracassadas as suas empresas, não logrando o desejado prêmio. Existem outras variantes, em que apenas um dos tropeiros dá com os burros n’água, enquanto o outro consegue passar com a carga e receber o prêmio, conforme relato do Prof. Edwaldo Cafezeiro, da Profa. Guaciara e outros colegas a quem consultei sobre tal conto popular. 2.15. Bom Cabrito Não Berra Segundo Tomé Cabral,92 cabrito é o mesmo que garoto atrevido. Sendo a forma de diminutivo masculino de cabra, é natural que tenha herdado a base semântica da forma primitiva, que corresponde a capanga, criminoso, pistoleiro ou membro subalterno de grupo de cangaceiros. É nesse sentido que se usa a palavra cabra nas expressões seguintes: Cabra do Cariri mata pra ‘istruir’; Cabra e cobra...; Não há doce ruim nem cabra bom; Cabra valente não deixa semente; Para o primeiro cabra bom falta um; O cabra bom nasceu morto. Embora seja também usado como gíria de marginais, esta frase feita não deve ter-se originado entre os marginais do Rio de Janeiro, nem tão recentemente. Se muito recente, deve ter sido da época em que o cangaço consti91 92 Apud. CASCUDO, L. C. (1970) p. 113. CABRAL, T. (1982) s. v. 143 tuiu uma frente política no Nordeste, onde houve muito cabra de respeito e até hoje se fala de cabra macho, como sendo um título com que todos os homens simples pretendem ser distinguidos. Raimundo Magalhães Jr. explica que “a ética dos criminosos lhes impõe a solução dos seus problemas, mas sem delações à polícia, ficando tudo entre eles mesmos. Berrar é sinônimo de delatar e bom cabrito é o criminoso que adere rigorosamente àquela norma de conduta.”93 Ora a expressão em questão deve ter considerado que o bom cabrito é aquele garoto atrevido que se submete a uma norma de vida, embora não seja a norma da lei oficial. E esta norma consiste em não berrar ou não delatar os companheiros. 2.16. Amarrar Cachorro com Lingüiça É provável que esta frase venha do texto do Decameron, de Boccacio, que descreve uma terra maravilhosa de gargantões, onde as montanhas todas de queijo parmezão grattugiato e macheroni e pavioli faziam água na boca. Nesta terra, Bengodi, é que se via o costume extraordinário que ainda hoje a frase relembra, pois lá se amarravam os cães com lingüiça.94 A terra de cucanha ou reino de cucanha, de que existem referências na literatura popular de todos os países do ocidente, é a origem mais remota dessa frase feita. Vejamos o que diz João Ribeiro a respeito: Desta circunstância de serem na terra da Cucanha amarrados os cães com lingüiça e de haver um deles, por menos tolo, devorado os grilhões, é que no anedotário picaresco e popular se formou a história de um edito do rei dos cães ordenando que farejassem todos os adventícios em certos lugar, a fim de verificar se tinham comido a lingüiça, a lei que não tendo sido revogada ainda hoje dos cães se cumpre. A anedota poderia passar por um mito verbal sugerido pelas palavras terra ou reino de Cucanha (Cucanis)...95 Relacionado com este fato, que resulta da observação da natureza, existem outros provérbios e dizeres tais como: Costume de cachorro é cheirar toco e lamber o traseiro; Cachorro não cheira flor mas cheira o cu do outro. 2.17. Meter-se em Calças Pardas Embora o significado atual desta expressão seja idêntico ao de meter-se em camisa de onze varas, sua origem é seguramente diferente. Certamente a forma de uma dessas expressões influenciou na outra, fazendo o seu sentido também tornar-se idêntico. 93 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 231. RIBEIRO, J. (1960) p. 84. 95 RIBEIRO, J. (1960) p. 85, notas. 94 144 João Ribeiro acha que esta expressão se aplica principalmente “à ousadia donjuanesca dos sedutores de mulheres”.96 Neste caso, calças conservou o sentido arcaico de meias; e pardo é uma palavra que indica ou sugere a idéia de que os nobres faziam questão de serem os primeiros a romper as barreiras da virgindade de suas vassalas. Se houvesse algum documento que comprovasse que as calças de tal cor fossem insígnias da virgindade, facilmente se resolveria o caso. Mas isto não passa de probalidade remota. O registro mais antigo da expressão, lembrado por João Ribeiro, é do século XVIII, o que mostra probabilidade de haver influência quanto à forma e quanto ao sentido de... 2.18. Meter-se em Camisa de Onze Varas Duas explicações me parecem interessantes e prováveis. O que ensinou João Ribeiro97 e o que ensinou Luís da Câmara Cascudo. 98 No entanto, prevalece a dúvida. João Ribeiro pretende analisar a origem de camisa e varas a partir de dois parônimos árabes: /al-kándara/ e /alkandur/. Alcândara ou alcândora era o poleiro, o pau ou a vara em que descansava o falcão ou descansa o papagaio moderno, ou poleiro para ave de rapina.99 A forma /al-kandur/ não se registrou em português, tendo dado “alcandora” em espanhol, que significa camisa longa e talar, a camisa de dormir. Com as duas idéias reunidas em alcândor ou alcândora, fundiu-se a noção de roupa longa ou camisa longa e o de vara longa. Talvez isto seja uma boa explicação da subsistência das palavras camisa e varas na mesma frase feita. Quanto ao numeral onze, deve ser um número indefinido com o que aparece em locuções como: língua de onze palmos, onze mil virgens, etc. Afinal de contas, nunca houve uma camisa de onze varas, ou seja, de mais de doze metros. A relação entre a camisa de onze varas e a túnica dos enforcados foi lembrada por Gonçalves Viana e retomada freqüentemente, inclusive com a hipótese de que tais varas podem ser uma alusão ao antigo feixe de varas dos juizes.100 A explicação de Câmara Cascudo tem como base ou argumento mais forte os Estatutos da Confraria de Santa Maria do Castelo de Thomar, de 1388. 96 RIBEIRO, J. (1960) p. 404. RIBEIRO, J. (1960) p. 76-77. CASCUDO, L. C. (1970) p. 23. 99 Cf. CUNHA, A. G. (1982) s. v. e MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. 100 Vide também CABRAL, T. (1982) s. v. 97 98 145 Diz, a certa altura, este estatuto: “Se algum Confrade ferir outro Confrade com espada ou com coytello, entre em camisa em XXX tagantes. Aquele que a seu Confrade der punhada, ou lhe messar a barba, entre em camisa a sinco tagantes.” Sabendo-se que tagante é o choque do açoite, meter-se em camisas de onze varas é o mesmo que entrar em camisa a onze tagantes. Como lembra Cascudo, “a pena seria rápida e pouco dolorosa”, mas se tornava humilhante por ser apregoada e pública. Daí ser tão temida. As chicotadas por cima da camisa, além disso, lembravam que o sentenciado ou condenado era um fraco, que não resistiria os açoites sobre a pele, comparado a uma mulher torpe.101 2.19. Entrar pelo Cano Magalhães Jr. acredita que o “o cano”, nesta expressão, é o cano do esgoto,102 o que parece ser a verdade. Além disso, ele nos lembra que entrar bem é uma variante de entrar pelo cano, com o sentido de entrar profundamente pelo cano, ou seja, acrescentando-lhe a idéia de intensidade, com a elipse de cano.103 Acrescentamos mais uma variante muito comum, que é entrar mal. Entrar mal é entrar pelo cano de uma maneira desastrosa. Mal, nesta expressão, é advérbio de modo redundante, visto que entrar pelo cano jamais poderia ser entrar de maneira agradável. A hipótese de origem inglesa da expressão, com adaptação em português, não me parece ter fundamentos sólidos. Entrar pelo cano, em inglês, é To go down the drain, que se traduz melhor como Ir por água abaixo ou Dar em nada, segundo o Professor Oswaldo Serpa.104 Aliás, o mesmo lexicógrafo registrou Entrar pelo cano igual a come a cropper, fail, be an unsuccessful flop, get in hot water.105 2.20 Embarcar em Canoa Furada Embarcar, que deveria ser o ato de entrar ou colocar alguma mercadoria num barco ou numa barca, pode indicar tal ato em relação a qualquer meio de transporte aquático, terrestre ou aéreo. Um outro fato muito interessante no uso e na evolução da linguagem é o de que uma característica ou um determinante muito forte pode obscurecer o determinado, tomando o seu lugar. 101 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 23. Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 122. Idem ibidem. 104 SERPA, Oswaldo (1976) s. v. 105 Idem s.v. 102 103 146 Foi, por exemplo, o que aconteceu com burro (asinus burrus) e com maçã (mala matiana), além de muitos outros. Não há nada de tão marcante em embarcar numa canoa que possa tornar a expressão uma frase feita. Mas embarcar em canoa furada constitui prenúncio quase certo de uma tragédia. Portanto, é o furo, ou a característica de estar furada essa canoa, que chama a atenção. Daí as naturais derivações: Entrar numa fria e Entrar numa furada ou entrar numa fria. É fácil perceber que o parentesco entre Entrar numa fria e Entrar ou Embarcar em canoa furada. Se a canoa está furada, estará molhada e, obviamente, fria. Outro fato que nos leva a esta origem das expressões elípticas acima é a concordância feminina de furada e fria. A troca de embarcar por entrar dispensa explicações, vista a origem metafórica de embarcar. Veja que ninguém diz embarcar numa bicicleta, ou num cavalo, ou num pára-quedas, ou numa asa delta. Embarcar é o mesmo que entrar, em se tratando de meios de transporte. 2.21. Dar as Caras Assim como a flexão facilita a interpretação nas variantes acima, suponho ter descoberto a origem desta frase feita a partir do plural, que parece estranho ao significado normal ou à associação que fazemos com a idéia de rosto da pessoa que dá as caras. Como as pessoas não têm mais de uma cara, a expressão deveria ser dar a cara, se estivesse relacionada com rosto ou cara da pessoa que aparece, dando as caras. Só por associação vem-nos a idéia de caras, correspondentes às cartas de baralho de maior valor em vários jogos. Dar as caras, que não é expressão dos jogos de cartas, associa-se a dar as cartas quanto à forma morfossintática e fonética, e a mostrar o jogo quanto ao significado. Como as caras das pessoas não podem aparecer sem que as próprias pessoas apareçam, dar as caras passou a significar “aparecer, fazer uma visita”. O cruzamento semântico proveio da semelhança dos elementos componentes das expressões dar as cartas e dar as caras. 2.22. Botar as Cartas na Mesa A expressão tem origem no jogo de baralho. Dar as cartas ou botar as cartas na mesa são expressões que indicam o ato de comando que inicia o jogo. 147 Quem dá as cartas ou bota as cartas na mesa é responsável pela sorte dos demais jogadores. No jogo-de-cartas com a pretensão de adivinhar o futuro (cartomancia), a superioridade de quem bota ou põe as cartas na mesa não acaba com este ato, continuando durante o desenrolar da ação que aí começa. É mesmo provável que esteja especificamente neste tipo de jogo-de-cartas a origem da expressão. 2.23 Casa da Mãe Joana João Ribeiro pensa que a expressão, em sua forma crua e nua, é Cu da mãe Joana.106 E acrescenta: Esta pobre da Mãe Joana é o simples vocábulo árabe damchan que significa garrafão, e como verbo, meter uma coisa em outra: e é dedução perfeita porque os garrafões servem para que neles se lance alguma coisa e sempre são por sua vez metidos em palhas ou gigos abertos e protetores. De damchan o espanhol fez damajuana, e o francês dame-jeanne também a tem com o mesmo sentido de vaso grande de cristal ou garrafão. Daí a expressão casa de Mãe Joana, formada por etimologia popular.107 Sem ao menos fazer alusão às conjeturas de João Ribeiro, Luís da Câmara Cascudo vê a origem da frase em questão sob um outro ângulo, mais aceitável e menos conjetural: Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), em sua tumultuosa existência, refugiou-se no Avignon em 1346. No ano seguinte, regulamentando os bordéis da cidade, aprovou um estatuto que dizia em um de seus artigos: “– et que siegs une porto... dou todas las gens entraron.” Ou seja,... e que tenha uma porta por onde todas as pessoas possam entrar. O prostíbulo se tornou o Paço da Mãe Joana, nome que se divulgou em Portugal. Aliás. Teófilo Braga informa: “– Paço da Mãe Joana com que se designa a casa que está aberta para toda a gente. Nos açores é muito usual para dizer que uma porta está escancarada. – É como o Paço da Mãe Joana!”108 No Brasil, paço não é vocábulo popular. Tornou-se casa e, às vezes, com nome mais repugnante e feio. 109 2.24 Casa de Orates 106 RIBEIRO, J. (1960) p. 143. RIBEIRO, J. (1960) p. 144. 108 Teófilo Braga. O Povo Português. Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 96. 109 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 96. 107 148 Orate é o mesmo que louco, tendo chegado ao português através do espanhol orate, que vem do catalão orat, de uma forma do latim tardio ora ou oura.110 Segundo J. P. Machado,111 foi o romance do latim aura, “ar, vento”, que deu a forma portuguesa orate, e não os vocábulos indicados por Magalhães Jr. Ligando-se diretamente ao vocábulo oura, que significa “tontura de cabeça, vertigem”,112 casa de orates é um ambiente de tumulto, desordem, balbúrdia, pelo menos no Brasil. Em Portugal, por irreverência, andaram chamando os conventos, diz Magalhães Jr., de casa de orate frates, num jogo de palavras facilitado pela flexão do verbo orare, na expressão latina orate, frates! (orai, irmãos!) .113 2.25. Dar o Cavaco Há três expressões com a palavra cavaco que parecem tomar tal palavra com sentido bem diferente um do outro: Dar o cavaco (lamentar, culpando alguém); Dar o cavaco por (gostar muito) e Catar cavaco (desequilibrar-se para frente e tentar equilibrar-se novamente, correndo com as mãos preparadas para proteger o corpo da queda iminente) . A primeira expressão (dar o cavaco), mostra ser cavaco algo indesejável por que o recebe. Supõe-se ter havido um cruzamento de sovaco com cavaco. Sovaco ou sobaco são palavras de origem desconhecida, tendo chegado ao português, provavelmente, através do espanhol. Como é mais comum a forma sobaco, justapondo-se sob (debaixo) e aco ou aca (fedorento), de origens latina e tupi, respectivamente, a preferência popular por esta forma deve estar relacionada com essa falsa etimologia, pois a forma sovaco, já antiga na língua, elimina tal correlação. Aliás, aca, cheiro desagradável, é a terminação de alguma palavra, porque isoladamente tem, em tupi, significado inteiramente diverso, sem nenhuma relação olfativa. Inhaca já de há muito registrado, transformou-se em iaca, no Maranhão e aca no Ceará.114 Cavaco ou cavaca, que são variantes de uma mesma palavra, constituem-se de cava (buraco) e aco ou aca (fedorento; cheiro desagradável). Certamente por coincidência, mas possivelmente de propósito, o exemplo que colhemos em Carlos Drummond de Andrade sugere tais correlações: 110 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 68. MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. FERREIRA, A. B. H. (s. d.) s.v. 113 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 68. 114 Neiva, p. 246. Apud MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. 111 112 149 “Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco.”115 A segunda expressão (dar o cavaco por ou dar o cavaquinho por) parece ter tomado a palavra cavaco (cavaca) ou cavaquinho com o sentido de instrumento musical, cuja variedade mais conhecida e popular é o cavaquinho, já que tem sentido positivo, ou seja, de coisa desejável. Dar o cavaco (ou o cavaquinho) por alguma coisa é demonstrar que gosta muito desta coisa. Logo, o cavaco ou cavaquinho só pode ser algo de valor ou de estimação. A palavra cavaco, neste sentido, é formada por metáfora a partir de cavaco, no sentido que veremos a seguir. A terceira expressão (catar cavaco, ou sair de cata cavaco) leva em consideração a posição arqueada do corpo de quem sai de cata cavaco ou catando cavaco, comparando esta posição com a de quem estivesse catando cavacos, ou seja, pequenas estilhas ou lascas de madeira, pelo chão. 2.26. Tirar o Cavalo da Chuva Ainda é costume, no interior, onde o cavalo é o meio de transporte mais comum, amarrar-se o cavalo na frente da casa. Amarrá-lo sob a varanda ou em algum lugar protegido do sol é indício de que o visitante pretende demorar, o que se considera uma indiscrição pouco desculpável. Tirar o cavalo da chuva seria amarrá-lo na varanda ou alguma outra proteção, para que o visitante pudesse demorar-se calmamente. Quando este esboça um gesto de partir, o dono da casa diz logo: – Pode tirar o cavalo da chuva, ou seja, pode desistir dessa pressa de partir. A ampliação de sentido para desistir de alguma coisa, ou simplesmente desistir, é uma conseqüência do uso muito freqüente da expressão. Amadeu Amaral afirma que não existe em português nem noutra língua um correspondente exato deste adágio.116 2.27 Andar por Ceca e Meca Andar de ceca-e-meca em ceca-e-meca; andar de Ceca em Meca; andar Ceca e Meca e olivais de Santarém; correr Ceca e Meca; correr Ceca e Meca e olivais de Santarém; correr de Ceca em Meca; etc. são todas variantes igualmente usadas. Ceca é o nome da mesquita de Córdova, a mais importante do maometismo no ocidente, nome que significa Casa da Moeda, em árabe, língua de que se origina. Meca é o mais importante centro da religião do oriente. 115 116 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1320. AMARAL, A. (1948) p. 249. 150 Ir de um a outro desses centros de peregrinação religiosa era correr Ceca e Meca. Ora, com o tempo, a expressão perdeu seu significado específico, desaparecendo-se o sentido das palavras básicas: Ceca e Meca. Deste modo é que passou a significar: andar por toda parte; andar de um lado para outro; correr mundo; andar de déu em déu; etc. Tanto em Portugal quanto na Espanha, onde a frase se tornou popular antes de viajar para o Brasil, existem lugares com os nomes de Ceca (Seca ou Asseca) e Meca. Sendo assim, a origem precisa da frase continua obscura, de um certo modo, pois não sabe se a expressão surgiu em Portugal ou na Espanha, ou se se refere a cidades daquele país ou aos centros de cultura religiosa dos mouros. A probalidade de ser uma criação dos mouros e de se referir à casa de romaria islâmica de Córdova e à cidade sagrada do Islamismo, na Arábia, é, sem dúvida, a maior.117 Quanto à origem do vocábulo Ceca, explica Said Ali, pouco importa. Basta que sirva de rima antecipada a Meca, com o que se fica entendendo que a pessoa viaja muito, percorrendo grandes regiões e em todos os sentidos. (...). Faz-se aqui uso de um meio de expressão em que se repete parte de um vocábulo, da sílaba acentuada em diante. Esta repetição parcial produz efeito análogo ao da repetição total. Deixa no espírito do ouvinte a impressão de reforço, de um conceito levado ao grau extremo, ou de cousas contrárias ou pontos extremos, quando os termos rimantes pela natureza da frase devem denotar cousas muito diferentes.118 2.28 Chá de Casca de Vaca Chá é uma infusão que se toma para combater alguns males, como remédio. Casca de vaca é o couro com que se fabricam, entre outras coisas, as talas e os chicotes, objetos de suplício de largo emprego. O couro, ou a casca de vaca passaram se confundir com a surra ou com o objeto suplício com que a vítima é surrada, respectivamente. Chá de casca de vaca corresponde a surra ou couro, no sentido da expressão tomar couro ou levar couro ou dar couro. Como o que motiva uma surra é sempre considerado um mal, aconselha-se um chá para a cura deste mal. E o chá mais recomendado é feito de couro de boi, ou seja, casca de vaca. As expressões seguintes são provas de que o chá de casca de vaca é muito recomendado como método de educação familiar: Menino e sino só com 117 118 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 278-283. SAID ALI, M. (1971) p. 11. 151 pancada; Pé de galinha não mata pinto; De pequenino se torce o pepino; Surra grande, meizinha é; Criaste e não castigaste? Não criaste. A frase feita Tomar chá em criança só pode ser facilmente interpretada se chá for o chá de casca de vaca. É a prova da crença de que só tem boa educação quem toma chá quando ainda é criança. 2.29 Fazer Chacrinha Locução corrente no meio radiofônico, com o sentido de formar grupos para comentar desfavoravelmente os colegas de trabalho. Embora pareça ser o diminutivo de chacra ou chácara, de proveniência quíchua (chajra), com o sentido de pequena propriedade rural, é mais fácil relacioná-la com o indo-europeu correspondente aos sânscrito chakra, chakkram em malaiala. O sentido da palavra em sânscrito, chakra = roda, está bem claro na expressão brasileira fazer chacrinha, ou seja, fazer uma rodinha de amigos para fofocar ou bater um papo. Com o sucesso dos programas televisionados do Chacrinha, Abelardo Barbosa Chacrinha, pretende-se relacionar a expressão com as características dos programas deste artista, com o sentido de promover uma reunião ao mesmo tempo festiva e aparentemente desorganizada, bagunçada. É um uso modernizado da expressão, que é anterior ao aparecimento do Chacrinha. Embora a palavra chacra ou chácara, de origem quíchua, seja a única forma viva em português, ao menos no Brasil, não é visível a relação entre o seu diminutivo (chacrinha) e a frase feita fazer chacrinha. 2.30. A Sete Chaves. Sete é um número indefinido, um número que indica grande quantidade e que sempre seduziu a imaginação popular. A expressão fechado a chave ou simplesmente a chave já significa bem fechado. Com o determinante quantitativo, intensifica-se indefinidamente o ato de bem fechar. Como fato real, existiram arcas fechadas a quatro chaves, como a que se encontra no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Cada uma das chaves ficava com um alto funcionário, com o que se garantia a total reserva na responsabilidade do segredo guardado.119 2.31 Nem Aqui nem na China O fato de ser a China um país distante, onde vivem nossos antípodas, deve ter contribuído para fixar a expressão e talvez até para criá-la. 119 CASCUDO, L. C. (1970) p. 294. 152 Vejamos estas duas variantes usadas por Drummond: “Isto nunca foi chá, nem aqui nem na Índia.”120 Neste caso, Índia faz associação com chá, que é também chamado de chá-da-índia. “Isto não é bacalhau à Gomes de Sá nem aqui nem em Macau.”121 Aqui, a rima é um dos motivos da escolha do ponto de referência. No entanto, a grande distância e a posição oposta cultural e geograficamente são fatores muito importantes, visto que é comum pensar que tudo que está em posição oposta deve estar de algum modo invertido. A China, a Índia e a província portuguesa de Macau se encontram no hemisfério norte-oriental e nós no hemisfério sul-ocidental; quando lá é dia aqui é noite; quando lá é inverno aqui é verão; enquanto aqui é tudo novo e recémdescoberto, lá é tudo velho e milenar. Assim, o que não existe ou não acontece aqui, pode muito bem existir e estar acontecendo por lá. O que não existe ou não acontece nem aqui nem na China é, realmente, uma coisa muito rara. Certamente esta frase deve ter surgido logo após as grandes descobertas dos portugueses no Oriente. 2.32. Nem Chus nem Bus A expressão já é encontrada nos mais antigos documentos da língua, assim como a sua variante nem chus nem mus, que tem maior semelhança fonética com a expressão sinônima não tugir nem mugir. Além da rima, que caracteriza todas essas expressões, a forma sempre negativa formando dois blocos sônicos metricamente equivalentes fá-las muito semelhantes. João Ribeiro afirma que buge, bus e mus e muge só podem ser derivadas de basium e bucca. Como se usam separadamente os elementos chus e bus: “Não dizer chus” e “Não dizer (ou não fazer) bus”, compreendo-se que o sentido de chus é o de mais no latim plus, palavra de que derivou. Não dizer chus é não dizer mais, ficar calado. Bus, no dialeto cigano, é igual a mais. Em castelhano, entretanto, significa beijo. Como o muxoxo (do quimbundo muxoxu) é uma forma de beijo para indicar negação, desprezo ou desdém, é possível que haja alguma relação entre bus e mus com a palavra basium, conforme lembrou João Ribeiro. 122 Tugir (falar baixinho) é palavra de origem obscura, enquanto mugir (berrar, gritar) provém do latim mugire. Logo, a expressão nem tugir nem mugir ou 120 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1304. ANDRADE, C. D. (1979) p. 1329. 122 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 64-65. 121 153 não tugir nem mugir se torna bastante transparente, visto que com ela se exige silêncio absoluto. 2.33 Dizer Cobras e Lagartos. Eugênio Pacheco e Carolina Michaëlis de Vasconcelos acreditavam que cobras, nesta frase feita, é uma forma antiga de coplas; donde dizer cobras significa satirizar ou zombar através de versos de escárnio.123 A necessidade de fazer a frase redonda fez juntar-se a cobras, já com o sentido obliterado, a palavra lagartos, criando-se uma expressão simétrica, de quatro mais quatro sílabas. João Ribeiro acredita, no entanto, que a estrutura desta frase já estava determinada na literatura bíblica, não sendo criada arbitrariamente, como supôs Eugênio Pacheco. Cobras e lagartos corresponde ao texto que é do salmo XC: “sobre o áspido e basilisco andarás”, onde áspido e basilisco corresponde, mais ou menos a cobra e lagartos. 124 Luís da Câmara Cascudo acredita que a origem da frase esteja na imaginação popular, habituada à velha e feroz animosidade dos dois animais, assistida ao vivo ou narrada nos contos populares. Reuni-los na imagem de agressividade verbal seria conservar os elementos antagônicos como expressão viva de debate e guerra, de inferioridade cruel.125 De qualquer maneira, o problema da estrutura métrica existe, assim como a rima aparece noutras expressões entre as que estudamos. No mínimo, ela facilitou a conservação da frase. 2.34– A Coisa Está Preta A cor preta simboliza algumas das piores coisas, entre as quais se encontra o luto. Segundo Luís da Câmara Cascudo, no entanto, “o luto negro só tomou maior popularidade em Portugal no séc. XVI. Antes o burel (branco) competia com o dó (negro) como cores dedicadas ao luto. Nas antigas missas de sétimo dia quem não possuía preto ia de branco.” 126 Acreditamos ter nascido daí a expressão a coisa está preta, pintadinha de branco. Supõe-se uma situação ainda pior do que aquela em que a coisa está preta, pois carrega o agravante da pobreza, que impossibilitou a compra de um luto, ou seja, da roupa de cor preta. Costuma-se dizer também que a coisa está ruça, equivalendo a a coisa está preta. Ora, também o ruço supõe o preto e o branco. No mínimo, é um pre123 Apud RIBEIRO, J. (1960) p. 331-333. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 179. 125 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 154-155. 126 CASCUDO, L. C. (1984) verbete “cores”. 124 154 to desbotado. Tratando de roupa, a cor desbotada supõe um longo uso, e, neste caso de luto, o prolongamento de uma situação muito desagradável. A coisa, o estado-de-coisas ou a situação está ficando preta quando as pessoas enlutadas começam a se aglomerar. É uma imagem visual do indesejável, do que é ruim. O preto talvez tenha predominado com o sentido de luto a partir do séc. XVI, conforme vimos, por analogia à situação miserável da escravidão imposta aos africanos negros a partir daquela época na Europa e transportados, posteriormente, para o Brasil. 2.35. Não Dizer Coisa com Coisa A coerência quanto ao que se faz ou diz só pode ser aferida por comparação. Se o que alguém disse ou fez há algum tempo e o que diz ou faz atualmente não se ajusta, tal pessoa não está dizendo coisa com coisa. Ao contrário dos modismos que indicam a disparidade ou a extravagância e contradição de objetos que acaso ou a propósito se defrontam, suas formas primitivas são de identificação de coisas que se enumeram seguidamente e aos pares, como coisa com coisa, que dever ser a mais primitiva. As frases: que tem o cu com as calça? Que tem o cós com as calças? ou que tem uma coisa com a outra? são todas variantes cujo núcleo é coisa com coisa. Aliás, a própria palavra cós tem alguma analogia fonética com coisa127 2.36 Dar uma Colher de Chá O chá é dado aos doentes, como remédio, mas não apenas uma colher. Uma colher de chá seria insuficiente para curar qualquer tipo de doença. Mas não deixa de ser uma pequena oportunidade, a partir da qual se poderá avaliar a conveniência ou não-conveniência em prosseguir com ajuda. Quem aproveita uma colher de chá poderá receber mais ajuda. Mas há quem não dá colher de chá a ninguém. E, não dar uma colher de chá, quase sempre é considerado um ato execrando, a menos que a primeira não tenha sido aproveitada. 2.37. Meter a Colher Meter a colher; meter a colher de pau; meter a colher enferrujada; meter o bedelho; meter o nariz; meter a catana, são variantes da mesma expressão. Naquelas em que entra a palavra colher não há dúvidas de que a origem está na cozinha. Certamente, isto aconteceu quando alguém, assumindo a responsabilidade da execução de um prato, não quis ceder às opiniões ou inter- 127 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 331-333. 155 ferência de outra pessoa. Os determinantes de pau ou enferrujada têm a pretensão de desprestigiar as opiniões emitidas, os palpites dados. Bedelho é uma carta de pequeno valor nos jogos de baralho. E meter o bedelho é intrometer-se inopinadamente em conversa ou assunto que não lhe diz respeito. Neste caso, o que se leva em consideração é o valor ou o peso da opinião, comparada a um bedelho, que é um trunfo menor. Meter o nariz não significa uma interferência necessariamente ativa, podendo consistir em olhar de perto e atentamente, quase por mera curiosidade, interferindo passivamente nos negócios ou assuntos alheios. Meter o nariz onde não é chamado é a forma desenvolvida de meter o nariz Sendo a catana uma espada afiada e longa, usada no Japão no século XVI, quando o vocábulo surgiu em Portugal, houve uma símile entre a espada afiada e a língua ferina. Por isso é que meter a catana tem a mais o sentido de ferir, falando contra alguém ou comentando fatos reprovativos. 128 2.38 Dar Coluna do Meio Coluna do meio, na loteria esportiva, é aquela em que se marcam os empates, ou seja, quando não houve decisão a favor de um clube nem de outro. Generalizada, a expressão passou a indicar qualquer situação em que se espera uma decisão favorável para um ou outro lado e acontece um impasse ou indecisão. Dar coluna do meio é não haver vencedor, enquanto ser coluna do meio é ser homossexual. Como os resultados da loteria esportiva, durante muitos anos, foram anunciados na televisão por uma zebrinha, dar zebra passou a significar um resultado oposto ao esperado. 2.39. Fechar-se em Copas Magalhães Jr. garante que a expressão teve origem no voltarete, que foi um jogo de cartas muito popular no século passado.129 O fato de copas estar no plural é um ponto importante a favor da hipótese de se referir a algum tipo de jogo de cartas. Só não sabemos se seria seguro afirmar é o tipo de jogo de cartas que lhe deu origem. Existe também a variante fazer-se em copas, com o mesmo significado de guardar um segredo. A origem é a mesma, ou seja, um jogo de cartas em que os naipes de copa são muito importantes para o resultado final do jogo. 2.40. Elevar aos Cornos da Lua 128 129 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 152. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 139. 156 Cornos ou cúspides são as extremidades, em forma de pontas, na região iluminada de um planeta ou satélite. Por sua semelhança visual com a forma dos cornos ou chifres, que são as partes mais elevadas dos animais que os possuem, com raras exceções. Elevar aos cornos da Lua ou pôr nos cornos da Lua são expressões sinônimas de pôr ou colocar nas nuvens, sendo menos difundidas e menos populares que estas. Como a Lua é um lugar-comum na poesia romântica, suponho que a expressão tenha uma origem literária, embora desconheça a sua fonte precisa. Além do mais, tanto as nuvens quanto a Lua estão em grandes alturas em relação aos homens. Como as alturas foram sempre os sonhos dos homens, colocar nas alturas é uma forma de elogiar, seja em alturas indefinidas, seja nas nuvens, seja ainda nos cornos da Lua, a romântica Lua dos namorados, dos poetas e dos boêmios. 2.41. Tirar o Corpo Fora No futebol, de onde deve ter vindo esta expressão, é muito freqüente a ação de tirar o corpo fora para evitar a responsabilidade por um lance arriscado. A diferença é que, neste caso, é o corpo mesmo que se tira fora da direção que vem a bola. Na situação do jogo é justificável o pleonasmo tirar fora, visto que é a emoção que domina os torcedores e os atletas durante o jogo, principalmente nos momentos de perigo. A ênfase ficaria na palavra corpo, se o grito fosse tira o corpo! Gritando-se tira o corpo fora! a ênfase se transfere para a palavra fora, sendo que o verbo mal seria ouvido no grito do torcedor. Generalizando-se o seu sentido, a expressão passou a significar a fuga a qualquer responsabilidade arriscada ou que já teve resultado não satisfatório. 2.42. Ir pras Cucuias Cucuias é o nome de algum lugar, se não real, ao menos imaginário. Provavelmente, uma região maranhense entre os rios Panamá e Marapi, onde vive um subgrupo dos índios pianocotós denominado de cucuianas.130 S e esta é a origem da expressão, corresponde estrutural e semanticamente com ir pra caixa-prego ou ir pra cabrobó, que são nomes de lugares reais, localizados na Bahia e em Pernambuco, respectivamente. José Pedro Machado, no entanto, aponta origem malaiala para o termo cucuia, que provém do verbo kukkuka, que significa bradar ou dar rebate. O 130 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) s.v. 157 grito de rebate, dando sinal de inimigo, ou, entre os navegantes, dando sinal de terra, denomina-se cucuiada, que é uma palavra derivada de cucuia.131 Embora não seja fácil a explicação, nesta linha de pensamento, visto que grito não poderia ser um lugar para onde se possa ir, imaginamos um lugar onde haja muitos gritos, um lugar onde o medo e a dor predominam. Aí devem ser as cucuias. Um lugar imaginário. Neste caso a expressão corresponde a ir para os infernos ou ir para as profundezas dos infernos, etc. 2.43. De Cutiliquê A expressão original, razões de cutiliquê, simplificada em seu determinante, perdeu o sentido primitivo de razões breves ou pequenas.132 Cutiliquê origina-se da soletração da abreviatura q, que se lia ku-til=quê,133 “...pois esta q tem tão perversa natureza além do mau nome, que se não ajunta às lêteras vogais, se não mediante esta, que lhe é semelhável.”134 Na locução proposta, q era a abreviatura de que e podia significar o mesmo que razões de cutiliquê ou simplesmente de cutiliquê. Ainda no século XVI, como se pode ver em Duarte Nunes de Lião, o nome da letra q passa a ter o nome que hoje lhe damos, razão por que a locução se tornou opaca.135 2.44. Dar uma de Dar uma de e tirar uma de são expressões sinônimas, mas não têm a mesma origem. Ambas significam fingir, imitando ou tentando passar-se por. Por exemplo: Dar uma de doido é fingir que está doido, tentar iludir a outrem de que é ou está doido. Essas locuções se tornarão mais claras quando descobrimos quais foram as palavras que se elidiram. Na frase feita Dar uma de, a palavra que falta é impressão, donde se vê que a expressão original era Dar uma impressão de. Tirar uma de proveito da gíria da juventude, onde a palavra onda tomou significados muito abrangentes. Tirar uma onda, ou estar na crista da onda, vieram diretamente dos esportes aquáticos, não sendo difícil formara a locução tirar uma onda de para substituir a sua sinônima dar uma impressão de. 131 MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. Vide § 2.20 – Embarcar em canoa furada, neste trabalho Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 51. 134 BARROS, J. (1957) P. 64. 135 Apud RIBEIRO, J. (1960) p. 51. 132 133 158 Embora a expressão mais nova já fosse curta, resolveram encurtá-la ainda mais com a elipse do substantivo dispensável, o que é um processo natural que está na deriva da língua. Aliás, estar na crista da onda, para o surfista, é o mesmo que atirar uma bola a gol, no futebol. A posição em que o surfista é mais admirado por seus torcedores é exatamente na crista da onda. Ora, como as praias cariocas são pontos de lançamentos das modas mais avançadas da costura brasileira, a relação com a moda foi natural. Estar na crista da onda significa também estar atualizado com a moda mais avançada. 2.45. Para Dar e Vender Observe-se que o que se tem para dar não é para ser vendido, nem deve ser dado o que é para ser vendido. O que se tem para dar e vender, no entanto, é o que se tem em grande quantidade. Embora não tenha nenhum mistério, esta expressão é interessante pela sua estrutura. São dois vocábulos que se opõem quanto ao sentido e se ligam por uma aditiva, indicando fatos que se somam. Há inúmeras frases feitas com esta estrutura. Por exemplo: para o que der e vier; não feder nem cheirar; dizer cobras e lagartos; nas idas e venidas; sem eira nem beira; por locas e bibocas; com uma mão atrás e outra adiante; sem pé nem cabeça; sem tirte nem guarte; sem tugir nem mugir; quem te viu e quem te vê; etc. Em muitas dessas expressões, pode-se retirar um dos termos sem dificultar o entendimento do sentido. Foi um simples acréscimo para arredondar a locução, como vimos ao estudar a expressão dizer cobras e lagartos, em 2.23. 2.46 Ficar Cheio de Dedos Há dois aspectos interessantes a observar nesta frase feita: o uso da expressão cheio de e o significado de dedos. Não é pequeno o número de frases feitas que começam com cheio de, onde este adjetivo significa excesso ou abundância. Vejamos: cheio de chove-não-molha; cheio de frescura; cheio de história; cheio de ipisilones; cheio de merda; cheio de nove horas; cheio de si; cheio de vento; etc. Dedos, além de instrumentos de trabalho, são os principais instrumentos de defesa do ser humano. O medo ou o susto são capazes de nos fazer armar psicologicamente de muito mais dedos do que os que possuímos, como um caranguejo acuado. Ficar cheio de dedos é uma descrição desse nosso estado de espírito que assim se arma quando nos sentimos ameaçados. 159 Não é por acaso que as pessoas, quando se sentem nervosas, movimentam os dedos descontroladamente, como se estes estivessem maiores que o normal ou como se houvesse alguns dedos em excessos. 2.47. Dia de São Nunca de Tarde A locução normal é Dia de São Nunca. O acréscimo do circunstancial de tarde é uma tentativa de adiar ainda mais a idéia deste dia nunca chegará. A marcação do calendário popular está sempre relacionado com o calendário litúrgico ou com a realização de alguma coisa extraordinária. É deste costume que surgiram expressões como Desde o outro carnaval ou Até o outro carnaval; No dia que o macaco deu bom dia; No dia que a galinha nascer dente e, também, Dia de São Nunca, que deveria estar no calendário litúrgico. Como existe um Dia de Todos os Santos, dia 1º de novembro, costuma-se dizer que este é o dia de se pagarem as dívidas que ficaram para o Dia de São Nunca. Mas, como não existe este santo, a dívida continua sendo adiada. 2.48. Vá para o Diabo que o Carregue Nesta construção houve um cruzamento de duas frases feitas preexistentes: Vá para o diabo e O diabo que o carregue. Por sua vez, vá para o diabo deve ser uma variante de vá para o inferno, visto que diabo nunca foi lugar para onde se possa mandar alguém. Do mesmo modo o diabo que o carregue, no mínimo, é uma inversão da frase normal, que deveria ser que o diabo o carregue, como é normal a construção de optativas. Vá para o diabo que o carregue deve corresponder à idéia de que o amaldiçoado seja levado para o inferno pelo diabo. Ou seja vá para o inferno e que o diabo o carregue para lá. As variantes desta natureza são inúmeras. Vejamos: mandar para o diabo; mandar para o diabo que o carregue; que o leve o diabo; diabos o levem; ir para a casa do diabo; etc. 2.49 Acabou-se o que Era Doce Como toda criança gosta de doce, essa expressão deve corresponder a uma forma disfêmica de negar às crianças aquilo que elas pedirem. Esta deve ter sido a origem da expressão. É menos agressivo alegar que o objeto solicitado não existe do que negá-lo pura e simplesmente com um não. Variante sintética muito comum é o já era. Um pouco menos, aparece o era uma vez, nascido dos contos populares e das histórias infantis. Acabou-se o que era doce corresponde a acabou-se o que você queria. O doce como sinônimo de coisa saborosa e desejada parece constantemente 160 nas músicas populares, nas conversas românticas de namorados, não estando muito afastado nem mesmo da fraseologia. Vejamos alguns casos: dar os doces; dar um doce se acertar; quando serão os doces? ser um doce; etc. A sabedoria popular nordestina registrou a excelência indiscutível do doce neste provérbio: não há doce ruim nem cabra bom.136 2.50 Dose para Leão Dose para leão, dose para elefante ou dose para cavalo são algumas das variantes que circulam com o mesmo significado e atendem às preferências individuais dos falantes. Supõe-se que o leão, por ser valente; o elefante, por ser grande, e o cavalo, por ser forte, necessitam de doses exageradas de remédio para que este possa produzir o efeito desejado. Com a ampliação do sentido, dose para leão e suas variantes é o exagero na ampliação de qualquer coisa desagradável, ou mesmo aquelas que só se tornam desagradáveis com o exagero. 2.51 Doutor da Mula Ruça As explicações de João Ribeiro e Magalhães Jr., embora diferentes, completam-se. João Ribeiro lembra que “em geral, os doutores e pregadores da casa real, como convinha à decência deles, tinham mula e mula ruça.”137 Ou seja, doutor mula ruça era um doutor da casa real portuguesa. Magalhães Jr., no entanto, lembra que “era esse o apelido de certo curandeiro que existiu em Portugal durante o reinado de D. João III e que foi reconhecido oficialmente.”138 É óbvio que o apelido do médico e político brasileiro Francisco de Sales Torres Homem desde que publicou o Libelo do Povo não seria mais um elogio, mas um epíteto ironicamente pejorativo. Doutor da mula ruça já era sinônimo de charlatão. O sentido pejorativo deve ter nascido com o reconhecimento de um curandeiro como doutor de mula ruça, que era insígnia de altos funcionários da casa real. 2.52. Dar Duro Dar duro, ou dar um duro, ou dar o duro, são expressões que indicam o ato de prestar ou conceder um serviço duro, árduo, penoso, cansativo. MOTA, M. (1969) verbete “cabra”. RIBEIRO, J. (1960) p. 275. 138 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 112. 136 137 161 Este é o seu verdadeiro sentido e origem, com o verbo dar no sentido de conceder, prestar ou executar e com a elipse do substantivo trabalho, serviço ou outro equivalente. Usando o mesmo critério da elipse, mas fazendo subentender outra palavra, a expressão passa a ter sentido chulo. 2.53. Sem Eira nem Beira Sem leira nem beira é uma variante pouco conhecida, mas há uma outra mais extensa que é bastante popular: Sem eira nem beira nem ramo de figueira. Tanto eira quanto leira constituem propriedades insignificantes. Possuir uma eira ou uma leira seria quase o mesmo que nada possuir. No entanto, quem nem isso tem, ainda é mais pobre, mais desprovido de recursos. Talvez seja o epíteto senlheira (só, singular, solitária, solteira) : ‘Eu senlheira deitei’ (Canc. Vatic., 772) [pois] no castelhano ainda se usa señera, com o mesmo sentido. Não é improvável que de senlheira (sem-l’eira, sen eira) se formasse a expressão com a forma sem eira aplicável à pessoa que não pode casar por não ter nada de seu.139 A intenção de rimar está mais evidente ainda na variante sem eira nem beira nem ramo de figueira, podendo-se considerar que o sentido de toda a frase já está em sua primeira parte (sem eira), tornando-se dispensável todo o restante.140 O que seriam essa beira e esse ramo de figueira? Se a beira for mesmo a beira dos rios, como supõe João Ribeiro, 141 o ramo de figueira deverá ser um símbolo de valor insignificante, por analogia com o ramo de oliveira, que é o símbolo do valor dos atletas olímpicos desde a antiga Grécia. Neste e em muitos outros casos, os termos rimantes não fazem sentido quando examinados fora do conjunto, como afirma o Prof. Said Ali:142 Quando de um indivíduo muito pobre dizemos que ele não tem eira, nem beira, nem ramo de figueira, só o primeiro substantivo exprime cousa significativa referente a posse. Os dous outros conceitos, considerados de per si, são difíceis de entender. Que tem beira com os bens de alguém? E desde quando se avaliam as possibilidades do indivíduo pela possessão ou não possessão de um ramo de figueira? Todo o valor das duas expressões está simplesmente na rima, cujo papel reforçativo nos sugere a idéia de pobreza extrema. 139 RIBEIRO, J. (1960) p. 415. Cf. 2.45 – Para Dar e Vender, neste trabalho. 141 RIBEIRO, J. (1960) p. 415. 142 SAID ALI, M. (1971) p. 11. 140 162 2.54 Na Embira Na embira é o mesmo que na pindaíba, e ambas têm origens parecidas. Estar na pinda-î (pindaíba) equivale a estar nas ibira-aî (embiras), que são frases de origem brasílica. É bom lembrar que pindá (anzol) é a base de pinda-i (ib), que é vara de anzol. Pinda-aî é o dente, a volta recurva do anzol, cipó ou graveto. Do mesmo modo, ibira-aî é pau não liso, com voltas, cipó, cipoal. Como a ambas convém o sentido de cipoal, salsa de espinhos, lugar embaraçado onde fica tolhido ou sem movimento, conclui João Ribeiro que estar na pindaíba ou estar na embira é estar amarrado, sem saída, em dificuldades e apuros. O sentido atual e moderno da expressão é conseqüência da troca de tais dificuldades pela falta de dinheiro, que é de nossa civilização.143 Tomé Cabral registra a expressão estar na embira como sinônimo de ser açoitado, para a qual cita a seguinte abonação de Manoel de Oliveira Paiva: “Os criminosos já devem estar na embira.”144 2.55 Botar pra Escanteio Proveniente da gíria do futebol, esta frase feita se refere ao não aproveitamento ou não valorização de uma oportunidade que se desperdiça. É o mesmo que botar pra córner. 2.56. Passar uma Esponja Proveniente da sala de aula, onde o quadro é apagado com a esponja ou apagador, a símile se estabelece entre o ato de apagar o que está escrito no quadro e o que está fixo na memória. Passar um esponja é esquecer tudo, como se nada tivesse acontecido sobre o assunto em questão, começando tudo de novo. 2.57 Perder as Estribeiras Perder os estribos, que já não é uma expressão usual, é perturbar-se como o cavaleiro que os perde e não tem onde firmar montaria. Câmara Cascudo lembra que ...nas antigas corridas de Argolinhas e nas Manilhas, nos séculos XVXVIII, [perder as estribeiras] desclassificava o cavaleiro do páreo. Nas velhas corridas-de-cavalos sertanejas, quem perdesse as estribeiras, perdesse os estribos, bambeando, atrapalhando, temendo queda, pagava multa de bebida aos companhia, em pleno alarido zombeteiro.145 143 RIBEIRO, J. (1933) p. 50-51. CABRAL, T. (1982) s.v. 145 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 144. 144 163 Do sentido primitivo, relacionado com os estribos ou as estribeiras, passou a significar perder o controle, a direção; desnortear-se em palavras e atos; exceder-se na resposta incortês e violenta ou até desatinar-se momentaneamente. 2.58 Com a Faca e o Queijo na Mão A faca e o queijo, nesta expressão, significam o poder absoluto. A faca é o poder emanado da tecnologia e o queijo é o poder emanado do capital ou do poder econômico. Na mão, à sua disposição, sob seu controle, deveria estar no plural, se queijo e faca fossem seres que costumeiramente assim se denominam. Ninguém segura a faca e o queijo numa só mão, a menos que não deseje parti-lo. Uma variante comum é ter a faca e o queijo na mão, que corresponde ao mesmo significado de estar por cima da carne seca ou ser o dono da situação. 2.59– Não Feder nem Cheirar A união de termos que se opõem quanto ao sentido, excluindo-os a ambos simultaneamente, resulta numa idéia de neutralidade absoluta. Ao contrário da expressão anterior, que apenas une elementos que completam a idéia de poder, esta só os aproxima para negá-los em conjunto. Compare esta frase feita com as que citamos em 2.45 – para dar e vender, neste trabalho. 2.60 – O Fim da Picada Picada é uma faixa limpa de terra, entre o roçado e o mato não roçado, para evitar que o fogo ateado no roçado não passem além dele. Neste caso, o fim da picada é um lugar perigoso para quem estiver botando fogo no roçado, pois o fogo poderá colocá-lo em risco de vida. Picada é também uma trilha feita por quem ingressa numa mata, geralmente a facão, para facilitar a passagem e para marcar o caminho de regressa. Desaparecida uma pessoa que assim entrou na mata, é relativamente fácil procurá-lo, seguindo a picada. No entanto, se chegarem ao fim da picada sem encontrá-lo, está-se correndo dum grande risco, pois quem atacou o indivíduo, está-se correndo um grande risco, pois quem atacou o indivíduo procurado fê-lo naquele local. Do contrário, a picada deveria continuar. E quem está no mesmo lugar onde acontecer tal ataque está correndo risco semelhante. O fim da picada é o pior que pode existir numa aventura. 164 2.61– Não Ser Flor que se Cheire Há flores, como o cravo-de-defunto, cuja beleza se opõe fortemente ao ser mau odor. Metaforicamente, as pessoas que têm aspecto agradável nem sempre merecem uma aproximação maior que as outras. Como há flor de mau odor, há pessoas de mau caráter, que devem ser evitadas, embora tenham uma aparência de lindas flores, de almas cativantes. Não ser flor que se cheire é ser pessoa que deve ser evitada. 2.62 – Vá Pregar em Outra Freguesia Freguesia, sob o aspecto eclesiástico, é uma povoação, e corresponde, grosso modo, a paróquia. Na frase é melhor da paróquia, paróquia é o lugar, a região. Neste sentido é que corresponde a freguesia. Como, originalmente, freguesia está relacionada com o pregador, que é seu líder espiritual, e como não admite um líder espiritual, ir pregar em outra freguesia é sair daquele lugar, pois o pároco só pode ficar onde pode pregar. As variantes cantar em outra freguesia e bater em outra freguesia correspondem a uma confusão do sentido de pregar Assim como cantar está relacionado com pregar pelo uso da palavra como matéria de trabalho, também bater está relacionado com pregar pelo uso do prego e das pancadas que sobre ele devem ser dadas. 2.63 E Lá Vai Fumaça A locução é de difícil explicação, assim como a sua sinônima e tarará, que dão idéia de quantidade indeterminada e não pequena. Talvez fumaça esteja relacionada com a poeira que se levanta como fumaça quando se transporta grande quantidade de gado pelas estradas de terra, formando uma verdadeira nuvem. Tarará é palavra onomatopeica que indica o som da trombeta, que é muito forte. Talvez tenha havido aí também uma metáfora da idéia de intensidade e quantidade. De qualquer modo, não nos parece clara a origem destas expressões. É preciso um pequeno esforço extra de raciocínio. 2.64 Quebrar o Galho Na gíria, galho é uma dificuldade ou complicação. Quebrar ou destruir o galho é remover definitivamente uma dificuldade. Considerando que a expressão é mais usada nos setores burocráticos da administração pública, é possível que se tenha estabelecido uma símile com o galho de uma estrada ou de um rio. 165 Quebrar um galho de estrada seria passar por um atalho, evitando uma caminhada mias longa pela estrada principal. No caso do rio, galho é um pequeno afluente. Quebrar este galho seria fazêlo desembocar mais rapidamente no rio principal, abrindo-lhe um caminho artificial. Deste modo quebrar o galho é facilitar o andamento de um serviço ou negócio através de meios não autorizados, como, por exemplo, as influências pessoais ou o dinheiro. 2.65 Ouvir Cantar o Galo, Mas Não Sabe Onde Entre os camponeses, é o galo que informa com o seu canto o nascimento do novo dia, logo em suas primeiras horas. Quando o galo canta fora deste esquema que lhe é natural é que algo de estranho está acontecendo à sua volta. Pode ser a Lua que saiu muito clara e o acordou, um ladrão de galinha ou qualquer outra coisa. Neste caso, ele não é acompanhado pelos demais galos da vizinhança. Ouvir o galo cantar é sempre uma informação para quem entende a sua linguagem, mas é necessário saber onde ele cantou para que se possa tomara alguma providência. Se o galo cantou fora de seu lugar habitual, certamente está sendo roubado. Pois todos os galos cantam quando acordam, à noite. Ora, o ladrão de galinha costuma transferir suas presas para um lugar mais distante e seguro, usando um pedaço de madeira. Encostando o pedaço de madeira nos pés das galinhas, no poleiro, estas passam para ele e são, deste modo, transportadas, sem perceber que já não estão em seu poleiro. Distantes dos ouvidos do dono ou de algum cachorro vigilante, o ladrão pode prendê-las como melhor lhe aprouver. Drummond usou a frase com uma inversão, que é a forma registrada por Leonardo Mota, 146 mas Mauro Mota147 registra a rigorosa ordem direta: ouviu o galo cantar e não sabe onde, como acontece no espanhol: ois gallo cantar, y no sabeis en que muladar. 2.66 Comer Gambá Errado Parece que é uma variante de comer gato por lebre. Como a carne de gato, embora apetitosa, não goze da preferência dos brasileiros, vender ou passar gato por lebre é enganar alguém e comer gato por lebre é ser enganado. Não sabemos de onde vem a preferência pela lebre e a repugnância pelo gato, que de fato existem, quanto à repugnância pelo gato, que de fato exis146 147 MOTA, L. (1982) s. v. MOTA, M. (1969) verbete “galo”. 166 tem. Quanto à repugnância pelo gambá, o seu mau-cheiro explica suficientemente. Como o seu mau-cheiro pode ser totalmente eliminado, é fácil enganar alguém que gostaria de comer carne de lebre, passando-lhe gambá por lebre. A palavra errado funciona como predicativo do sujeito, como sinônimo de enganado, com nas expressões tomar um caminho errado, tomar um bonde errado, etc. Sendo assim, comer gambá errado é comê-lo enganado com quem come gato por lebre, é ser levado a fazer algo por engano. 2.67 Não Poder com uma Gata pelo Rabo O feminino, neste caso, tem o objetivo de humilhar o impotente ou fraco a que se dirige a referência. Supõe-se que a gata é mais fraca, menos veloz e menos feroz em sua própria defesa do que o gato. Na realidade, não é fácil segurar uma gata pelo rabo, e não deveria ser tão humilhante a expressão como realmente é. 2.68 Fazer de Gato-Sapato João Ribeiro ensina que fazer de gato sapato indica o erro de leitura ou de escrita no tempo em que as abreviaturas eram muito freqüentes e podiam induzir a engano. Antigamente sapato era escrito com ç e a palavra gato podia ser lida como çapato na abreviatura çato. É até possível. Mas o mestre continua: É digno de nota que o sentido da frase indica menos um erro de leitura que uma depreciação e motejo, o que indica já uma metáfora.148 A. Faria149 argumenta que a frase provém de um jogo infantil. E Câmara Cascudo acrescenta que tal jogo era uma modalidade da cabra cega ou cobra cega, em que “Uma criança, sempre de olhos vendados, é batida pelos companheiros que empunham sapatos, chinelas, varinhas, até que consiga agarrar a um deles, seu substituto.”150 Gato-sapato seria esta criança “entregue ao arbítrio alheio, humilhada, abúlica, ínfima e sofredora.”151 Embora ambas as explicações pareçam corretas, creio que a origem mesma da expressão é a que propôs João Ribeiro. O jogo infantil aproveitou a expressão já existente e aplicou-a com sentido semelhante ao ser humano, fazendo-a sobreviver. 148 RIBEIRO, J. (1960) p. 127. Apud. RIBEIRO, J. (1960) p. 127. 150 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 106. 151 Idem ibidem. 149 167 2.69 Não Estar no Gibi O gibi corresponde, na literatura em quadrinhos, ao folheto da literatura de cordel. Segundos seus respectivos apreciadores, todo fato importante está registrado no gibi ou no cordel. O que não está no gibi é uma extravagância que não merece fé ou ainda não é um fato que deva ser amplamente divulgado. No Nordeste, onde a literatura de cordel é mais divulgada, existe a frase correspondente: não está no folheto.152 2.70 Dar Grilo Grilo, nesta locução, corresponde a confusão, complicação, trapalhada. Analisando o que acontece a quem ouve o cri-cri de um grilo dentro de casa ou no campo, é fácil perceber que o grilo realmente confunde a audição, não sendo fácil localizá-lo com precisão, de tão penetrante que é o seu ruído. O significado de grilo igual a confusão é conseguido por metonímia, como deve ser o caso de dar bode e outras. 2.71 Cheio de Nove Horas Nove horas era a hora clássica do século XIX, regulando o final das visitas e ditando o momento das despedidas. A figura do cheio de nove horas surgiu nessa época, como a criatura infalível em citar regras de conduta para os outros e em restringir as alegrias dos outros, complicando as coisas mais simples.153 A variante registrada por Tomé Cabral parece deixar mais claro este aspecto do cheio de nove horas, que é a intenção de pôr tudo à prova. Em lugar de nove horas, emprega-se noves-fora. A abonação que ele registra é de José Lins do Rego: “Nunca vi mulher mais cheia de noves-fora.”154 2.72 Inês É Morta Inês é morta ou morreu Inês são frases que facilmente se explicam, dada a notoriedade do fato histórico que lhe deu origem: a morte de Inês de Castro, cantada por Camões, por Antônio Ferreira, por João de Barros e muitíssimos outros. Por ter sido tão amplamente divulgada essa notícia, depois de algum tempo passou a ser corriqueira trivialidade a notícia de que morreu Inês ou de que Inês é morta. 152 Informações do Prof. Pedro Lira, em conferência realizada no Congresso Brasileiro de Língua e Literatura, na UERJ. 153 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 41-43. 154 José Lins do Rêgo. Pedra Bonita. P. 268. Apud. CABRAL, T. (1982) s.v. 168 Embora genuinamente portuguesa, Tomé Cabral afirma que a frase Inês é morta é muito mais usada entre nós do que entre os criadores. Seu significado atual corresponde a agora é tarde.155 Por desconhecer o fato da morte súbita de João Pereira de Araújo Neves (1814-1885), governador do Rio Grande do Norte, com noticiário derramado e contínuo na imprensa do Rio de Janeiro e debates na Câmara dos Deputados, 156 João Ribeiro relaciona a frase morreu o Neves ou aí morreu o Neves com aquela que se refere a Inês de Castro, que acabamos de ver.157 2.73 Onde Judas Perdeu as Botas Diz-se de um lugar longínquo, remoto e de difícil acesso. Corresponde a para lá de caixa-pregos; no fim do mundo; no calcanhar de Judas ou nos calcanhares de Judas; onde o diabo perdeu as botas; onde o diabo perdeu a espora; no cu do Judas; nos cafundós do Judas ou nos cafundós de Judas. Pode-se explicar esta frase a partir da Bíblia. Em Mateus 27:5, lemos que “Judas, não podendo expiar sua culpa, mas tocado de arrependimento, retirou-se e foi pendurar-se num laço”158 Ora, sendo Judas um personagem malquisto, não se pode imaginar que tenha escolhido, em seu mais profundo desespero, um lugar bonito e agradável para se enforcar. Onde Judas perdeu as botas, com a decomposição de seu cadáver dependurado no laço, só pode ser um lugar em tudo desagradável, feio e de difícil acesso. 159 2.74 Não Há Mais Juizes em Berlim Raimundo Magalhães Jr. explica a origem desta frase resumindo o conto em verso de François-Guillaume-Jean-Stansislas-Andrieux, O Moleiro de Sans-Souci: Aí se narra que, quando o rei da Prússia resolveu mandar construir o famoso castelo de Sans-Souci, o seu intendente tudo fez para afastar da vizinhança um modesto moleiro, cujo moinho daria uma nota prosaica a tão belo sítio. O moleiro, porém, não aceitou nenhuma proposta para sair do local e permitir a demolição de seu moinho. Ameaçado com a expulsão violenta, ainda assim não se deu por vencido e gritou, decidido a ir lutar com o rei na justiça: ‘Il y a des juges à Berlin’ (Há juizes em Berlim) . 160 155 CABRAL, T. (1982) s. v. CASCUDO, L. C. (1970) . p. 136. 157 RIBEIRO, J. (1960) p. 307-309. 158 Existem centenas de traduções da Bíblia, mas em todas elas a idéia original prevalece, embora varie a forma. 159 Os Atos dos Apóstolos registra que “tendo ele se pendurado, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram”. Ou seja, ele permaneceu pendurado até seu corpo se desfazer pela putrefação. (Atos, 1:18) 160 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 18-19. 156 169 Quando a justiça dá um mau passo, dobrando-se ao poder, usa-se a expressão: não há mais juizes em Berlim, acusando a falta de juizes imparciais. Tanto esta forma negativa quanto a forma original, positiva, são vivas na linguagem popular.161 2.75 Levar a Lata Explicando a origem da frase amarrar a lata (que nunca ouvimos), João Ribeiro lembra-se a possibilidade de derivação desta frase a partir de outra, de lata ao rabo, que provém da brincadeira maldosa que consiste em amarrar latas ao rabo dos cachorros vadios, que foi comum entre os estudantes de Coimbra.162 Como o sentido de amarrar a lata é o de recusa ou falta ao cumprimento de uma promessa, equivalente a dar tábua em pedidos de casamento, é provável que tal significado tenha vindo da fusão do latim medieval glatire, que deu latir (bater), hoje obsoleto, e lata (folha de ferro batido), com outra forma latina lattere (por latere), que significava esconder-se. Em amarrar a lata ambas as formas originais se confundem e se influem porque é certo que lata aqui envolve o sentido de falta, recusa ou negativa. Enquanto amarrar a lata e deitar a lata têm sentido ativo, levar a lata tem o sentido passivo correspondente a levar uma surra, levar bomba, etc. Levar a lata, portanto, é receber uma recusa. 2.76 Perder o seu Latim Até o século XVIII o latim era a língua da comunicação letrada, o idioma das exposições, dos debates e das composições científicas. E perder o seu latim seria a derrota na tentativa de uma conquista verbal. O acréscimo do complemento tempo só se deu no século passado, já que era dispensável, pois é inadmissível o exercício dialético sem a sua duração. A frase perder seu latim é arredondada com quatro mais quatro sílabas (contando-se até a última tônica), o que é normal na fraseologia: 163 perder seu tempo e seu latim. A elipse é tão natural que não prejudica o sentido da frase completa, neste caso. Citando Mantaigne, Câmara Cascudo documenta a frase também em língua francesa: “Qu’avant qu’il soit venu à la certitude de ce point où doibt joindre la perfection de son experience, le sens humain y per son latin.”164 161 Cf. MOTA, L. (1982) s. v. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 247. 163 Vide Cobras e Lagartos, neste trabalho. 164 Montaigen, II, XXXVIII, Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 262. 162 170 Magalhães Jr. acha ter descoberto a origem desta frase na versão de um conto popular francês, que ele resume: Augusto, vitorioso numa guerra, regressara a Roma. Em seu palácio, apareceu um homem com um papagaio ensinado. O louro dizia: ‘Salve, César invicto!” Encantado, o imperador o comprou por alto preço. Logo apareceu outro homem, com uma pega, que igualmente falava: “Salve, Augusto, vencedor glorioso.” Também a pega foi adquirida por uma bela soma. Um sapateiro quis ensinar coisa parecida a um corvo. Mas encontrava dificuldades e, a toda hora, se queixava: “Não adianta! Estou perdendo o meu tempo e o meu latim!” Tanto perseverou, no entanto, que por fim o corvo aprendeu as palavras lisonjeiras. E foi, então, levado ao palácio. Mas Augusto se limitou a dizer: “Chega de tanta adulação! Não compro mais ave alguma!” Recordando, subitamente, as palavras desanimadas do sapateiro durante o seu aprendizado, o corvo gritou: “Não adianta! Estou perdendo o meu tempo e o meu latim!” Augusto começou a rir e comprou o corvo amestrado por preço muito superior ao das outras aves. 165 Se a origem foi esta, ao contrário de que pensa Câmara Cascudo, a frase completa foi anterior à frase elíptica. No entanto, é bom deixar claro que a expressão proverbial no texto traduzido não corresponde, literalmente, à expressão portuguesa, enquanto a expressão elíptica já estava registrada por Montagne, naquela mesma língua. A frase do conto era: “Hélas! J’ai perdu mon temps et ma peine!” Perdre son latin é frase tradicional francesa e significa perder seu tempo.166 2.77 Sem Lenço nem Documento O lenço e os documentos são elementos indispensável para quem se despede de sua família ou de sua comunidade para melhorar de vida. O lenço se liga aos valores afetivos e os documentos aos valores morais, que não os mínimos que se podem exigir de alguém. Quem sair de casa sem o lenço para acenar de longe ou enxugar as possíveis lágrimas de saudade e sem os documentos para se identificar por onde passar em suas aventuras, naturalmente será discriminado e tido por suspeito, já que lhe faltam os valores básicos: o amor e a gratidão à família e uma história que comprove os seus costumes e habilidades. Um só desses elementos (sem lenço ou sem documento) já é suficiente motivo de discriminação, mas a rima e a métrica facilitaram a união dos dois elementos simbólicos. 2.78 Tirar de Letra 165 166 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 265-266. CORRÊA, R. A. & STEINBERG, S. H. (1980) verbete “latin”. 171 O verbo tirar parece estar empregado aqui no sentido de realizar alguma coisa. Tirar de letra pode estar relacionado com a música, quando, a partir da letra conhecida ou do texto marcado se torna mais fácil, por exemplo, tirar um samba.167 Tirar um samba de letra seria tirá-lo com facilidade. No sentido de conseguir, obter ou receber, o verbo tirar pode estar relacionado à compra a crédito, que se faz através de letra (promissória) . Afinal, a compra a crédito não deixa de ser uma maneira mais fácil de obter as coisas. Tirar de letra, neste caso, é resolver o problema da compra através de letra. 2.79 Por Locas e Bibocas Locas, possivelmente do tupi roca, são buracos ou abrigos entre pedras, dentro ou fora d’água. Biboca, segundo José Pedro Machado, é um substantivo proveniente do tupi “ybi-boc”, alterado para “bi-boc”, que significa terra, chão, fendido ou rasgado. Emprega-se também no sentido de casinha de palha, casebre barreado, neste caso, porém, o vacábulo biboca ou yby-b-oca, se traduzirá como casa de terra ou de barro. Andar por locas e bibocas significa andar por lugares muito pobres, muito primitivos, totalmente afastados da tecnologia e do desenvolvimento modernos. 2.80 Na Última Lona Lona é o nome do tecido que, por sua vez, provém do nome da cidade francesa onde ele era fabricado: Olonne. Como tal tecido é utilizado na fabricação de tendas de circos itinerantes, passou a significar a própria tenda, por um processo metonímico normal. Ora, estar na lona, ou seja, estar morando numa tenda de lona, já é uma situação de grande desconforto. É de se supor que as pessoas que habitam a última lona de um circo não são os grandes artistas circenses, mas os mais humildes funcionários, encarregados da limpeza e da segurança do grupo. Sem dificuldades se pode imaginar o que é estar na última lona: estar em extrema pobreza. Como os jogos são muito comuns neste ambiente, a ligação entre a idéia de extremo desconforto e pobreza com o valor zero foi automática. Por isso, estar na lona e estar a zero significam a mesma coisa. E lona, nos jogos de porrinha, dominó e muitos outros, é o mesmo que zero. 167 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), verbete “tirar”. 172 2.81 Passar Manta A manta é uma proteção de tecido grosso ou encorpado que se coloca entre o arreio e o pelo da cavalgadura. Além de evitar pisaduras, é uma peça de adorno para a montaria. Como o burro ou o cavalo são os que levam manta para servir de montaria, dar manta ou passar manta em alguém, além de ser um logro numa transação, é um modo de demonstrar que quem leva manta é burro, pois do contrário veria que aquele negócio seria uma manta para ele. Aliás, a pessoa que dá manta, por gentileza, jamais diz que deu manta naquele fulano, a menos que ele nem pessoas de sua intimidade estejam por perto. Isto seria uma agressão. A preposição em favorece esta nossa hipótese, visto que passar manta em alguém ou dar manta em alguém não poderia ser uma boa regência, se esta fosse a manta do Demo, a que se refere Câmara Cascudo168 ou um simples invólucro ou embrulho, como observa João Ribeiro. 169 2.82 Botar a Mão no Fogo Embora João Ribeiro170 e Magalhães Jr.171 nos forneçam importantes informações sobre esta frase feita, transcreveremos apenas um fragmento do Câmara Cascudo, pois ele nos parece suficiente para esclarecer a sua história. Ele nos faz recordar que: ...uma das justificações nos ordálios da Idade Média era a prova do ferro caldo. Quem alegava inocência submetia-se a pegar numa barra de ferro aquecida ao rubro e caminhar com ela na mão por alguns metros. Envolvia-se a mão em estopa, selada com cera, e três dias depois abria-se atadura. Se a mão estivesse ilesa, sem sinal de queimadura, era evidente e provada a inocência. Se estivesse queimada, provada estava a culpabilidade e era imediata a punição pela forca.172 Botar a mão no fogo por alguém, portanto, é jurar pela sua inocência. Existem inúmeras variantes, como: pôr a mão no fogo; meter a mão no fogo; colocar a mão no fogo; assim como as suas negativas. Ao contrário dos numerosos adágios traduzidos pelos paremiógrafos portugueses, este, que é tradução “J’en mettrais la main au feu”, não só introduzido no uso vulgar, mas vive na torrente oral e está inteiramente nacionalizado.173 168 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 317. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 212. 170 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 233. 171 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 206. 172 CASCUDO, L. C. (1968), p.137. 173 Cf. AMARAL, A. (1948) p. 238, 251 e 267. 169 173 2.83 Dar as Mãos à Palmatória Não faz muitos anos ainda havia palmatórias em algumas escolas do interior. Era tão natural que os alunos que errassem fossem punidos pelos que acertassem as perguntas do professor que as mãos estendiam automaticamente, humildes e reconhecidas. Dar a mão à palmatória é reconhecer o próprio erro, mesmo hoje, quando já não existe tal objeto de suplício. Dar o braço a torcer e Dar a mão a bolos têm o mesmo sentido, sendo a origem também relacionada com o castigo. Não conhecemos referência a este castigo de torção do braço na história da escola tradicional. Pode estar relacionado com os castigos aplicados nas escolas de artes marciais ou desportos. Quanto aos bolos, que ainda se dão nos jogos infantis, lembram o aspecto da mão de quem é castigado com a palmatória. Fica inchada e com as marcas dos furos da palmatória em alto-relevo, como se fosse um bolo confeitado. Hoje, nos referidos jogos infantis, dá-se bolo ou se ganha bolo com a própria mão. Dar bolo é castigar e ganhar bolo é ser castigado. 2.84 Meter a Mão em Cumbuca Esta frase feita é a redução de um provérbio muito conhecido: macaco velho não mete a mão em cumbuca. Embora Couto de Magalhães assevere ser este um anexim tupi, do qual diz ter encontrado a seguinte versão rimada: macáca tuiué inti omundéo i pó cuiambuca opé,174 sua origem é mais remota, como veremos adiante. Literalmente, esta versão tupi corresponde à portuguesa: macaco velho não mete a mão em cumbuca. Como a palavra cumbuca é um brasileirismo, a variante portuguesa é meter a mão no cabaço, como nos informa Afrânio Peixoto.175 A história que deu origem a este provérbio é muito divulgada, mas não parece estar embasada em fatos verídicos e sim em fatos literários. Tanto João Ribeiro quanto Câmara Cascudo estão de acordo neste particular. E ambos citam lendas bastante remotas que justificam suas opiniões. Eis a história, segundo a versão de João Ribeiro: 176 Para caçar o macaco, introduz-se uma espiga de milho em um cumbuca, ele mete a mão, segura a espiga, e por não ter o instinto de largá-la, apesar de sua decantada astúcia, fica preso pela mão, que estando cheia não pode 174 Apud CASCUDO, L. C. (1968), p.21. Afrânio Peixoto. Miçangas. Rio de Janeiro, 1981. Apud. CASCUDO, L. C. (1968), p.21 176 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 232-233. 175 174 sair por onde entrara vazia. Como o cabaço está preso por uma corda a um objeto fixo, torna-se impossível a fuga. O macaco velho, porém, tendo visto assim logrados muitos de seus companheiros, não se deixa cair na armadilha. Além do mais, não seria o macaco o símbolo da esperteza entre os nossos índios, mas o jacaré ou a raposa. O macaco é símbolo de astúcia entre os africanos. No entanto, Oscar Ribas afirma que o provérbio não existe em Angola.177 Segundo Câmara Cascudo,178 o anexim divulgado em nheengatu por Couto Magalhães é uma composição de fundo cultural que se tornou popular, já citada em Roma há quase vinte séculos e vulgarizada na China, na Índia e no mundo árabe. João Ribeiro estuda esta frase em A Língua Nacional, p. 107-111 e 232-233 e nas Frases Feitas, p. 404. Luís da Câmara Cascudo a estuda em Coisas que o Povo Diz, p. 21-24 e em Locuções Tradicionais no Brasil, p. 262263. Raimundo Magalhães Júnior fá-lo em seu Dicionário de Provérbios, p. 206. 2.85 Estar no Mato Sem Cachorro Originária das histórias de caçadas, estar ou ficar no mato sem cachorro é estar metido em grande enrascada. No mato indica o lugar em que se encontra a pessoa abandonada ou perdida, em seu lugar perigoso, entre as feras. Além de amigos e companheiro fiel, o cachorro é um bom caçador. Quando até este faltou, o desespero é flagrante. É o fim da picada. Deixar (alguém) no mato sem cachorro é abandonar ou colocar alguém numa situação da qual dificilmente se desembaraçará, seja porque a situação é difícil em si, seja porque lhe faltam os meios. Como a várzea, no Nordeste, é o lugar de maior densidade da vegetação, a variante mais difundida ali é Ficar na várzea sem cachorro. 2.86 Cair nos Braços de Morfeu Morfeu, filho de Hypnos, era o criador dos sonhos e, como seu pai, um dos deuses do sono. Cair nos braços de Morfeu ou recolher-se aos braços de Morfeu são formas que se correspondem. Estar nos braços de Morfeu é estar dormindo. Tais expressões foram muito usadas pelos poetas românticos, quando o sono era pintado com asas de borboleta. 177 178 Apud Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 24. Cf. CASCUDO, L. C. (1970), p.191-192. 175 2.87 Não Entender Patavina Há uma explicação de natureza histórica e uma de natureza lingüística, ou melhor, histórico-lingüística. A explicação tradicional, de natureza histórica, é que Tito Lívio, nascido em Patavium, Pádova, Pádua, usara latinidade incorreta, peculiar a sua terra, constituindo o Patavinismo, erros reprovados pelos gramáticos. Ora, contra-argumenta Luís da Câmara Cascudo, não seriam os reparos gramaticais a um historiador as fontes criadoras de uma frase ainda hoje tão viva em Portugal e no Brasil. Se assim fosse, certamente ficaria reduzida às áreas letradas. Provavelmente esta imagem verbal tenha sido formada em Portugal, entre os patavinos (de Pádua, antiga Patavium), e divulgada pelos mercadores e pelos franciscanos, entre os quais se encontrava Santo Antônio de Pádua. João Ribeiro acredita, no entanto, que se trata “apenas de mera ampliação popular do tema de reforço negativo existente em outras línguas romanas, pas (passus) como no francês.”179 E ainda acrescenta quase uma dezena de formas negativas em estruturas locucionais, muitas das quais nada têm a ver com este caso. Logo a seguir, entretanto, esclarece: “Deste tema negativo pá foi possível formar derivações populares como saber pataca ou não saber patavina e não ter nada.”180 Entre as variantes mais comuns atualmente, citemos: não entender níquel, não entender pataca, não entender vírgula, não entender bulhufas. Considerando a natureza do objeto que representam as palavra pataca e níquel, moedas de pequeno valor, seu parentesco se torna evidente e seu significado, explicável. Do valor de moeda insignificante de pataca nasceu a expressão meia pataca, que significa quantia insignificante, nonada, ninharia. Embora a pataca fosse cunhada em prata, foi o seu substituto, o níquel, que representou o valor de insignificância na fraseologia. Hoje, que as moedas já não são de prata, é assim que se costuma chamar qualquer moeda cunhada em metal, esquecendo-se a sua verdadeira etimologia provençal, em que plata é lâmina de metal. Rafael Bluteau e Antônio Tomás Pires explicam a expressão como uma derivação do nome de A breve, em hebraico, que é pathach. Assim, não saber pataca equivale a não saber o A, sequer.181 179 RIBEIRO, J. (1960) p. 242. Idem, ibidem. 181 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 216 e RIBEIRO, J. (1960) p. 242. 180 176 De qualquer modo, sendo verdadeira esta etimologia de pataca, na frase não saber vírgula ou não entender vírgula, a palavra vírgula também representa um sinal da escrita e o seu parentesco se estabelece com facilidade. Foi considerando a locução sob este ângulo que Drummond apresenta uma outra variante com o ponto-e-vírgula: não entender ponto-e-vírgula – “A fila chegou ao guichê, e papo acabou, e eu não entendi ponto-e-vírgula do que os dois disseram.”182 Bulhufas deve provir de bolhas, que vem do latim bulla, ou seja, qualquer corpo esférico. Como a bolha é um glóbulo de ar, coisa inaproveitável, é fácil derivar daí o sentido da expressão não entender bulhufas, assim como a sua variante sintética, não entender lhufas. Todas essas variantes equivalem a não entender nada. Quanto à estrutura, todas têm uma negação seguida de um verbo, que é seguido de um reforço da negação anterior. De um certo modo, isto confirma as teorias de João Ribeiro sobre tais estruturas negativas.183 O verbo pode ser outro, como dizer, fazer, ouvir, etc.; as formas de reforço variam, conforme vimos, mas a estrutura da frase permanece: negação + verbo + reforço de negação. 2.88 Custar os Olhos da Cara Esta frase só pode ser interpretada como uma alusão ao suplício bárbaro de arrancar os olhos aos prisioneiros de guerra perigosos à estabilidade do reino, tonando-os inofensivos. Aliás, desde os tempos homéricos o valor incomparável da visão é decantado como a mais preciosa das jóias, a imagem mais viva na simbologia amorosa; tão valorizado que surge na Lei de Talião como a imagem de terror na locução: olho por olho, dente por dente, a maior ameaça que se poderia fazer aos malfeitores.184 Custar os olhos da cara é custar muito caro; é custar a jóia mais cara que se possui. João Ribeiro pretende ver no adjetivo caro, cara, no sentido de de alto preço, a partir da frase fita custar os olhos da cara, por meio da elipse de os olhos. Caro, como advérbio, seria uma evolução posterior, partindo do adjetivo na forma masculina ou neutra.185 2.89 Não ter Papas na Língua 182 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1320. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 241-244. 184 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 110-111. 185 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 153. 183 177 João Ribeiro supõe que a nossa frase é uma adaptação da frase castelhana “No tiene pepitas en la lengua”, com a evolução de pepitas para papitas, que é o diminutivo de papas.186 Pepitas, em castelhano, corresponde a pevides, que são películas que revestem a língua de algumas aves, ou, no singular, uma espécie de disartria na qual o paciente tem dificuldade ou até impossibilidade de pronunciar o /r/. De qualquer modo, pode ter havido até uma confluência sêmica, facilitando o entendimento da frase. Não ter dificuldade de articulação e não ter daquelas películas, próprias das galinhas, pegadas à língua é poder falar o que quiser, pois o papagaio pode articular bem o /r/, mas não fala o que quiser, porque é uma ave e não uma pessoa. Pode falar o que quiser somente quem não tem papas na língua, mesmo que papas sejam batatas inglesas (como dizem os gaúchos) ou qualquer tipo de mingau (como se ouve no Nordeste) . Quem não tem papas na língua está com a boca desimpedida para falar.187 Aliás, achamos que a expressão deve ter sido não ter papas na boca (se papas forem as batatas ou os mingaus) . Língua deve ter surgido como uma analogia com idioma; uma espécie de assimilação semântica. 2.90 Não Dar Pé Origina-se da arte ou técnica da natação. Dar pé significa poder ficar de pé ao fundo da piscina, lagoa, rio, etc. e ficar com a cabeça fora d’água. Ou seja, dar para ficar de pé ao fundo, naturalmente, sem se afogar. Não dar pé é o contrário, não ser possível tal ato. Com a ampliação do sentido, não dar pé significa ser impossível. Aqui, a palavra pé já não significa nada, fora do contexto. 2.91 Fazer Pé de Alferes É possível que fazer pé de alferes esteja relacionado com a locução francesa pied d’affaires, por simples associação fonética, como são muitas das etimologias populares.188 Mas, como o alferes é um militar em meio de carreira na hierarquia do Exército Colonial Brasileiro, sua posição firme e inabalável é justificada por ter igual número de patentes ultrapassadas e por ultrapassar. Se não fosse firme não teria chegado até ali, mas se deixar de ser firme não atingirá o fim da carreira. 186 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 139. Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 218. 188 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 238 e 405-406. 187 178 Na linguagem dos namorados, fazer pé de alferes é fazer pé firme como se fosse um alferes, não se abalando com a vizinhança da mulher amada nem com um rival que talvez a corteje também. É namorar com serenidade, sem medo e sem disparatadas emoções. 2.92 É da Pontinha! O gesto e a frase são muito populares em Portugal, de onde provêm. Segundo Luís da Câmara Cascudo: Aplicava-se especialmente aos vinhos e isto se verificava porque havia e há em Portugal a frase vinho de orelha quando alguém quer referir-se a um bom vinho. E não querendo citar o de orelha, alusivo ao vinho, bastará fazer o gesto de tocar na orelha. É daqui... e todo bom bebedor entende perfeitamente. Pertencente à gíria dos provadores passou ao patrimônio comum da linguagem popular nas regiões da vindima.189 A frase portuguesa, da qual nos veio a que ora estudamos, provém do francês, onde “vin d’une oreille” é o bom vinho, cujo sabor se aprova com a inclinação da cabeça apenas para um lado. O “vin des deux oreilles” é o mau vinho, cujo sabor desagradável faz que se movimente várias vezes a cabeça, e, conseqüentemente, de uma orelha a outra, conforme a Larousse.190 2.93 Pôr em Pratos Limpos Pratos é a forma correspondente ao plural neutro prata ou plata, cujo singular era platum, em latim. Assim, não há diferença entre as locuções en plata (do castelhano) e em pratos (do português). A frase original, segundo João Ribeiro, deve ter sido em prata limpa ou em prata límpida, equivalendo a em seus verdadeiros termos. Neste caso, concluímos que “o sentido da metáfora consiste em equiparar qualquer coisa embaraçada ou abstrusa, ao seu valor, preço e metal.”191 2.94 São Outros Quinhentos! Frei Domingos Vieira, em seu Tesouro da Língua Portuguesa, edição de 1874, esclarece que “Isto são outros quinhentos! quer dizer que alguém pronunciou novo disparate afora os que havia soltado.”192 189 Cf. CASCUDO, L. C. (1968) p. 154. Apud CASCUDO, L. C. (1968) p. 153. 191 RIBEIRO, J. (1960) p. 249. 192 Apud CASCUDO, L. C. (1968) p. 39. 190 179 Magalhães Jr. tenta relacioná-la a frase inglesa that is another story e com a francesa c’est un autre paire de manches, ao que nos parece, sem resultado satisfatório.193 Um registro de Câmara Cascudo parece esclarecer melhor a história desses outros quinhentos: A partir do séc. XIII os fidalgos de linhagem na Península Ibérica podiam requerer satisfação de qualquer injúria, sendo condenado o agressor em 500 soldos. Quem não pertencesse a essa hierarquia alcançava apenas 300. Compreende-se que outra qualquer vilta, vitupério sem razão, posterior à multa cobrada, não seria incluída na primeira. Matéria para novo julgamento. Outra culpa. Outro dever. Seriam, evidentemente, outros quinhentos soldos.194 A frase é antiga em português e encontrada com freqüência desde Camões. Em castelhano, desde Cervantes até os nossos dias tem uso freqüente também. 2.95 Tirar Sardinha com Mão de Gato Popularizada a frase tirar castanhas com mão de gato através da fábula de La Fontaine O Macaco e o Gato, traduzida do francês “faire comme le singe, tirer les marrons du feu avec la patte du chat”,195 não seria difícil o sucesso de sua variante portuguesa difundida literariamente a partir de A Arte de Furtar. A frase é descritiva e, o que interessa mesmo é como se tira algo, isto e, com mão de gato, veloz e disfarçadamente como sugere a fábula. 2.96 Da Silva Quando se pretende exprimir o rigor da exatidão e precisão com que se qualifica qualquer coisa, é comum dar forma de diminutivo ao adjetivo e determiná-lo com a expressão da silva. Acreditamos que a associação do antropônimo Silva à idéia de intensidade e é da mesma natureza da associação do adjetivo católico à idéia de autêntico e verdadeiro. Como a maioria esmagadora dos brasileiros até alguns anos atrás era católica, o que não fosse católico não era verdadeiro. Assim, diziase que uma roupa não estava muito católica quando não apresentava bom aspecto. Ora, como da Silva é o nome de família mais difundido entre nós, ser da silva é ser reconhecido, autêntico, verdadeiro. Assim a sardinha vivinha da silva era vivinha de verdade. Além de intensificar o adjetivo, por ser uma 193 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 307. Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 30. 195 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 338. 194 180 espécie de pleonasmo ou redundância, o da silva dá uma idéia de familiaridade, como se já fosse coisa conhecida. João Ribeiro relaciona a expressão com o pregão dos vendedores de peixe, que vendiam as sardinhas com o grito habitual: Vivinha da costa! Ainda viva! Como Costa é nome de pessoa, originaram-se variantes: vivinha da Costa e vivinha da Silva. Costa e Silva são apelidos que se opõem quanto ao sentido, o que facilitaria a criação da variante.196 Mas ainda existe uma noutra conjetura, de autoria de Sílvio de Almeida: Silva, em latim, era selva, floresta, e Juvenal usou da palavra em sentido figurado quanto escreveu: silva comæ, uma floresta de cabelos. Semelhantemente: chamamos silva a malha de pêlos da cara dos cavalos, em referência aos quais branco da silva tem uma significação tão clara como, por exemplo, calçado das mãos. Compreende-se, pois, o encarecimento da locução branco da silva, aplicada primeiro aos animais. Depois ela se generalizou, e a idéia de branco sugeriu a de fresco; como a de fresco, a de viçoso ou cheio de vida, e assim por diante.197 2.97 Levar Tábua A locução é corrompida de tábula, pedra do jogo de gamão. Seria possivelmente tomada da expressão proverbial ser tábula que não se joga que se encontra nos antigos escritores e que significa não ter valor algum e estar fora do jogo. 198 No jogo que se constitui o namoro, quem recebe um não fica com a inútil tábula. Na mesma acepção, costuma-se dizer que a moça que já é noiva é carta fora do baralho, o que vem a ser outra espécie de tábula que não joga. Levar, carregar ou tomar tábua são frases de sentido passivo, correspondendo a receber um não em pedido de casamento. Dar ou passar tábua, dar a tábua ou passar a tábua são frases de sentido ativo, correspondente a negar-se a um pedido de casamento. Aliás, tanto estas expressões, como as que substituem tábua por lata ou por peru, todas são empregadas nas recusas a algum pedido, seja para dançar (levar peru) ou de casamento, como as demais. 2.98 Sem Tirte nem Guarte 196 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 150-151. Sílvio de Almeida. Palestras Filológicas. Diário Popular de 11-09-1907. Apud RIBEIRO, J. (1960) p. 134 198 RIBEIRO, J. (1960) p. 190. 197 181 Tirte ou tir-te é forma apocopada do imperativo tira-te, que significa retirate ou arreda-te. Guarte ou guar-te é forma apocopada de guarda-te, que significa defende-te, protege-te. A redução da frase, tornando-a mais opaca, elimina também o verbo dicendi que deveria estar presente na frase original: sem (dizer: re) tir (a-) te nem guar (da-) te. Com o significado idêntico ao de sem dizer água vai, fica mais fácil, deste modo, o seu entendimento. 2.99 Perder a Tramontana Em seu livro de Curiosidade Verbais, João Ribeiro nos oferece a seguinte explicação desta frase feita: O Norte para a antigüidade era uma noção de pequena importância, mais do céu estrelado que da terra, por isso que a civilização antiga, quase toda debruçada sobre o Mediterrâneo, se estendia no sentido dos paralelos, sendo o Norte, mais ainda que o Sul, a região desconhecida, inabitável e impérvia dos bárbaros. Essa região da morte e dos gelos tinha em seu firmamento um ponto luminoso, a estrela polar, espécie de farol para os navegantes mediterrâneos. Como ficava para além dos montes, chamou-se em certo tempo a tramontana, na língua dos pilotos genoveses e venezianos, os primeiros que regularizaram as grandes navegações do Levante e Poente, no mundo medieval. A estrela polar ficava para além dos Alpes (transmontes). Daí a frase perder a tramontana, perder o norte, o rumo certo.199 De origem italiana, esta frase foi amplamente difundida e se encontra nas literaturas de quase tosas as línguas européias. Exemplos em outras línguas podem ser vistos no Dicionário de Provérbios, de Raimundo Magalhães Jr.200 2.100 Dar às de Vila-Diogo É uma da expressões mais estudadas em português e, certamente, em espanhol e no galego. Nem por isso foi esclarecida sua verdadeira e incontestável origem. Usada literariamente desde D. Francisco Manuel de Melo, nos Relógios Falantes, de 1645, em português, e desde Fernando de Rojas, em La Celestina, em 1499, em castelhano, ainda hoje é um mistério para os investigadores, folcloristas, filólogos ou historiadores. Nem mesmo se sabe ao certo se a frase se refere ao lugar situada na província de Burgos, na Espanha, ou a uma pessoa de nome Villadiego, que conseguiu fugir do cárcere ou de algum outro perigo. 199 200 RIBEIRO, J. (1960) p. 62-63. Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 265. 182 Gabriel Maria Vergara Martin, no Refranero Geográfico Español, afirma que a frase Tomar las de Villadiego é uma alusão alforges, pelos quais Villadiego é muito conhecida.201 Mas acrescenta: “outros crêem que se refere esta locução a um Villadiego que escapou do cárcere...”202 No entanto, a maioria entende que a frase equivale a “tomar o caminho de Santiago de Galícia”, ou a direção ou rumo do lugar Villadiego. José Ramón Y Fernández Oxea, debatendo todas as sugestões da pesquisa de D. José Maria Iribarren, tomar las de Villadiego, só não apresentou recusa formal à que evoca Fernando III (1199-1252) protegendo os judeus perseguidos como feras, dando-lhes Villadiego como refúgio inviolável. Deveriam os israelita dessa localidade usar trajes distintivos, marcando a distinção. Assaltados ou ameaçados noutras paragens, os judeus fugiam para Villadiego, tomando as insígnias salvadoras.203 Quanto à alusão às calças, este fragmento de Iribarren é bastante esclarecedor: E, como por decreto real, os judeus usassem traje distinto dos demais cidadãos, quando se viam em perigo, abandonavam suas próprias roupas e fugiam para tomar as de Villadiego e aceitar os privilégios e regalias de quantos habitavam essa villa.204 No Brasil, entre outros, estudaram a origem desta frase feita e sua interpretação: Antônio de Castro Lopes, Luís da Câmara Cascudo, Oskar Nobiling, João Ribeiro, Raimundo Magalhães Júnior e Sílvio de Almeida.205 A explicação de Castro Lopes não tem sentido, visto que o fato que ele supõe dar origem à locução teria ocorrido em 1808, quando a frase já era corrente há mais de 300 anos. A partir dos estudos de Sílvio de Almeida no Diário Popular, em 1905, Oskar Nobiling conclui que Vila Diogo poderia ser Vila Diabo, já que Diogo é um dos nomes do Demônio, ou Casa do Diabo, como na frase: vá para a casa do Diabo ou vá para as profundezas dos Infernos. Supomos que neste caso houve engano, visto que Vila Diogo é lugar de salvação, para onde se vai e não de perdição, para onde se mandam os desafetos.206 João Ribeiro, relacionando calças com calçado, observou que deixar ou esticar as botas é morrer e que o contrário de morrer, ou seja, escapar ou sal- 201 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 91. Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 91. 203 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 93-94. 204 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 94. 205 O roteiro deste sub-capítulo é o texto de CASCUDO, L. C. (1970) p. 90-95. 206 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 92. 202 183 var-se, ou mesmo fugir, seria tomar as botas ou tomar as calças, ou ainda, levar as calças.207 Interpretando a Lex Salica, ele ainda argumenta que tirar as calças correspondia a uma das cláusulas de uma cessão dos bens (e a morte e uma cessão forçada) e queria dizer o cedente teria de sair, abandonando tudo.208 Com razão, contra-argumenta Câmara Cascudo que a frase sugere vestir as calças e não tirá-las. Ou seja Levar as de Vila-Diogo, Tomar as de VilaDiogo, Dar às de Vila-Diogo, Colher as de Vila-Diogo.209 Isto, entretanto, pode ser entendido como tirar as próprias calças para tomar as de Villa-Diogo. 3 – CONCLUSÃO Pudemos observar, com o estudo destas 100 frases feitas usadas por Carlos Drummond de Andrade em suas crônicas, que o uso atual de uma frase feita envolve a sua história durante toda a sua existência no passado. Atrás de uma frase feita, embora deva haver exceções, há uma torrente de expressões paralelas ou variantes, há uma história ou um fato literário marcante e há a participação ativa do povo que a divulgou através da língua oral. As variantes de uma frase feita podem levar o pesquisador, através da comparação, a descobrir a sua origem e o seu sentido etimológico. Principalmente se considerarmos também as variantes já abandonadas, e que devem ter estado mais próximas da sua origem. Podemos considerar também que as variantes podem ter formas muito semelhantes e sentidos bem diferentes, assim como podem ter sentidos semelhantes e formas muito diferentes. Como a frase feita sempre se refere a um fato real ou literário, aí está o nó da questão: descobrir o fato real ou fictício a que se liga a frase feita estudada. Nem sempre é possível. Nunca será fácil. E são raríssimas as vezes que não se possa contestar uma hipótese levantada. Uma locução só é uma frase feita se for uma estrutura petrificada na língua. Ora, só pode ser petrificada uma locução consagrada pelo uso, ativo ou passivo, do povo ou por uma pequena parcela do povo que tenha força de tradição. A frase feita, se não for um lugar-comum, deve tê-lo sido em alguma época e em algum lugar do país. 207 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 58. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 58. 209 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 93. 208 184 Notamos a predominância, por exemplo, de frases feitas que se relacionam com a vida do campo e com diversões ou jogos. Mais de 30% das frases feitas estudadas se relacionam com a vida campestre e uns 10% se relacionam com os jogos. Outra predominância diz respeito ao comportamento humano. A maioria absoluta delas se relaciona com um comportamento humano específico ou com a sua conseqüência. Quanto aos fatos semânticos e estruturais, ressaltam-se as elipses (que costumam dificultar a interpretação etimológica); o ritmo e a rima interna; a ampliação ou restrição do sentido original; as freqüentes metáforas e as metonímias. Há frases feitas que dificilmente poderão ser definitivamente esclarecidas, pois fazem alusão a fatos ou seres que não foram registrados pela história nem pela tradição. Foram certamente fatos marcantes de curta duração, não levados em consideração pelos que fazem a história dos homens. Não sendo possível conseguir provas concretas da verdadeira origem das frases feitas aqui estudadas, contentamo-nos com os breves esclarecimentos apresentados e com levantamento de algumas hipóteses que poderão ser melhor examinadas e desenvolvidas mais tarde. 4 – BIBLIOGRAFIA: AMARAL, Amadeu. Paremiologia. In – Tradições populares. São Paulo: Instituto Progresso Editorial [1948]. p. 213-273. ANDRADE, Carlos Drummond de. Os dias lindos. 2ª ed. 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Classificação morfossintática dessas frases feitas em suas formas endo e exossêmicas. 210 Este texto resulta do trabalho final do Curso de Estruturas Frasais, apresentado ao Prof. Dr. Edwaldo Machado Cafezeiro, na Faculdade de Letras da UFRJ, no segundo semestre de 1984. 188 ABREVIATURAS USADAS NESTE CAPÍTULO a Advérbio A Adjetivo Adn Adjunto adnominal Adv Adjunto adverbial Ap Aposto c Conjunção Cc Complemento circunstancial Cn Complemento nominal I. Índice de indeterminação do sujeito N Núcleo ou Numeral Oadj Oração subordinada adjetiva Oadv Oração subordinada adverbial Oc Oração coordenada Od Objeto direto Oi Objeto indireto Op Oração principal Os Oração subordinada substantiva P Período simples ou Pronome Pa Partícula apassivadora PC Período composto por coordenação Pn Predicado nominal Po Predicativo do objeto Ps Predicativo do sujeito PS Período composto por subordinação Pv Predicado verbal Pvn Predicado verbo-nominal S Sujeito ou Substantivo Sp Sujeito paciente V Verbo ou verbo principal de uma locução verbal v Verbo auxiliar / Artigo + Conectivo coordenante _ Conectivo subordinante () Inclusão da descrição do termo a que se pospõe ^ Indeterminação do termo a que se pospõe * Inexistência do termo a que se pospõe ~ Negação do termo a que se pospõe – Preposição ou conectivo vocabular ´ Subentendimento do termo a que se pospõe 189 1 –INTRODUÇÃO Este trabalho consiste em analisar sintática e morfologicamente a estrutura das frases feitas, ou seja, das locuções petrificadas na língua ou tornadas lugares-comuns, as abreviações ou paráfrases de provérbios, adágios, anexins, etc., ou meras alusões a estas expressões proverbiais, subordinadas sempre à construção da frase corrente. Nestas expressões, consideradas na forma em que aparecem nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade, observaremos e analisaremos elementarmente a sua estrutura morfossintática, de acordo com os padrões e nomenclatura tradicionais. Como o nosso objetivo é observar e apresentar a estrutura básica da frase feita, tanto internamente com em suas relações com o contexto em que se encontra inserida, só faremos esparsos comentários quando os casos considerados nos parecerem ambíguos, admitindo maus de uma análise. Com isso, pretendemos ainda dar-lhes uma classificação, de acordo com a sua função morfossintática, considerando ao mesmo tempo o seu valor interno (ou endossêmico) e seu valor externo (ou exossêmico). Nosso corpus será limitado a 93 frases feitas, todas colhidas nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade, nos seguintes livros: Os Caminhos de João Brandão,211 De Notícias & Não Notícias Faz-se a Crônica,212 Os Dias Lindos213 e Boca de Luar214. Não Conhecemos nenhuma referência a trabalho que trate especificamente do tema que pretendemos desenvolver, embora sejam numerosos os que estudam a estrutura morfológica e sintática das línguas ou de alguns tipos de frases e também não é pequena a bibliografia sobre as formas petrificadas da linguagem, entre as quais se encontram as frases feitas. O que torna peculiar o nosso critério de análise da estrutura frasal neste trabalho é, basicamente, o uso de abreviações. Com isto pretendemos fazer economia de espaço e facilitar uma visão de conjunto das análises de cada frase feita, com o que se facilita também uma abordagem comparativa. No geral, esta forma abreviada de análise consiste em substituir a nomenclatura gramatical por abreviações por nós convencionadas. Na análise morfológica, constituída apenas da indicação da classe de palavra de cada vocábulo formal, alinhamos simplesmente as abreviações convencionadas, na ordem em que aparecem no texto eleito como corpus. Na análise sintática, no entanto, tivemos de estabelecer uma hierarquia das funções, o que foi feito 211 In ANDRADE, C. D. Poesia e Prosa, p. 1295-1353. In ANDRADE, C. D. Poesia e Prosa, p. 1395-1470. 213 ANDRADE, C. D. Os Dias Lindos, 1978. 214 ANDRADE, C. D. Boca de Luar, 1984. 212 190 através de parênteses, com que inscrevemos a descrição detalhada do termo a que se segue a abertura dos referidos parênteses. Exemplo: “Isto é dose para leão.” Análise sintática | DOSE PARA LEÃO | Análise morfológica Ps (NAdn (-N)) | | S-S Na análise sintática temos: Predicativo do sujeito: Dose para leão; Núcleo do predicativo do sujeito: Dose; Adjunto adnominal do predicativo do sujeito: Para leão; Preposição do adjunto adnominal: Para; Núcleo do adjunto adnominal: Leão. Na análise morfológica temos: Substantivo: Dose; Preposição: Para; Substantivo: Leão. A relação estabelecida entre a frase feita em questão e o contexto em que se insere está indicada pela primeira abreviação colocada na análise sintática, que, no caso acima, é Ps, ou seja, Predicativo do sujeito, que é uma função substantiva. Em todos os casos, a análise sintática fica à esquerda e análise morfológica fica à direita, ambas na linha seguinte à em que transcrevemos em maiúsculas a frase em estudo. Como todas as abonações são de Drummond, sua indicação bibliográfica, que remete sempre à bibliografia, constitui-se do nome do livro, seguido da indicação da página. Na esperança de poder produzir algo melhor, aguardo ansioso, os comentários valiosos do exímio leitor. 2 – ANÁLISE SINTÁTICA E MORFOLÓGICA DAS FRASES FEITAS Na ordem em que aparecem no texto, são analisadas as frases destacadas nos fragmentos citados, primeiro, sintaticamente, e depois, morfologicamente. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. (Poesia e Prosa, 1318). LEVAVAM TÁBUA Oadv (S^Pv (VOd)) VS TIRAR O CAVALO DA CHUVA Os (S^pV (VOd (AdnN) Adv (-AdnN))) V/S-/S IR PREGAR EM OUTRA FREGUESIA 191 Os (S^Pv (vVAdv (-AdnN))) vV-PS As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. (Poesia e Prosa, 1318). TIRAR O PAI DA FORCA Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN)) V/S-/S NÃO CAÍAM DE CAVALO MAGRO Pv (V~Cc (-NAdn)) aV-SA Algumas jogavam verdes para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. (Poesia e Prosa, 1318). JOGAVAM VERDE PARA COLHER MADURO Pv (Vod (N^Adn) Oadv (-S^Pv (VOd (N^Adn))) VA-VA Ou PvN (VodPo) Oadv (-S´Pv (VOd^Po)). Obs.: Além das duas análises sintáticas diferentes apresentadas, ainda há um problema a ser considerado nessa frase: Os dois verbos, embora pareçam ter o mesmo sujeito (algumas), aparece na forma impessoal no segundo, quando deveria concordar com o seu sujeito. Considerando isto, fizemos uma terceira análise, desta vez considerando que este verbo está na voz passiva sintética, com elipse da partícula apassivadora. Neste caso, o sujeito do segundo verbo seria maduro, ou seja: Pvn (VOd^Po) Oadv (_Pa´PvSp (N^Adn)). COM QUANTOS PAUS SE FAZ IMA CANOA Os (Pv (Adv (-AdnN) PaV) Sp (AdnN)) -PSPV/S Ou Os (Pv (Adv (-AdnN) IVOd (AdnN))). -PSPV/S Obs.: Esta segunda análise leva em conta o fato de que a partícula apassivadora e o sujeito paciente não são percebidos naturalmente como tais, criando-se um a espécie de análise artificial, onde os termos não correspondem à realidade percebida. É óbvio, para mim, que não há intenção de se dizer, com esta frase, que uma canoa é feita. Que alguém faz uma canoa, num sentido ativo, é o que parece ser o sentido da construção se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. (Poesia e Prosa, 1319). EMBARCASSE NUMA CANOA FURADA Pv (VCc (-Nadn)) V-SA Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de VilaDiogo. (Poesia e Prosa, 1318). LHES PASSAVA A MANTA Pv (OiVOd) PVS 192 DANDO ÀS DE VILA-DIOGO Oadv (S´Pv (VCc (-AdnN^Adn (-N)))) V-/-S Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água. (Poesia e Prosa, 1319). SE METIAM EM CAMISAS DE ONZE VARAS Pv (OdVCc (-NAdn (-AdnN))) PV-S-NS (SE METIAM) EM CALÇAS PARDAS Pv (Od´V´Cc (-NAdn))) P’V’-SA DESSEM COM OS BURROS N’ÁGUA Pv (VCc (-AdnN) Cc (-N)) V-/S-S Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família de maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. (Poesia e Prosa, 1319). TOMARAM CHÁ EM CRIANÇA Pv (VOdAdv (-N)) VS-S Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. (Poesia e Prosa, 1319). SEM SABER DA MISSA A METADE Oadv (_~SPv (VCn (-AdnN) Od (Adn))) -V-/S/S ENSINAR PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO Os (SPv (VOdOd (-AdnN))) VS-/S PUNHAM A MÃO EM CUMBUCA Pv (VOd (AdnN) Adv (-N)) V/S-S Era natural que com eles se perdesse a tramontana. (Poesia e Prosa, 1319). SE PERDESSE A TRAMONTANA Pv (IVOd (AdnN)) ou Os (...PaVSp (AdnN)) 215 PV/S Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. (Poesia e Prosa, 1319). A VER NAVIOS Oadv (S´Pv (_VOd) -VS COM A BOCA NA BOTIJA Adv (-AdnNÂdnAdv (-AdnN)) -S/-S TINTIM POR TINTIM Adv (N-N) S-S IAM COMER O PÃO QUE O DIABO AMASSOU Oc (S’Pv (V (vV) Od (AdnNAdn (Oadj (OdS (AdnN) V))))) vV/SP/SV ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS 215 Vide observação sobre a análise de “com quantos paus se faz uma canoa”. 193 Oadj (AdvSPv (Vod (AdnN))) PSV/S Obs.: O antecedente da oração adjetiva acima é o advérbio de lugar lá, o que parece estranho, visto que o adjetivo é uma classe de palavra que funciona sempre com determinante de um substantivo. Tal estranheza desaparece ao analisarmos o significado deste advérbio, que nos dá, em qualquer contexto que o encontrarmos, “naquele lugar”. Este, como outros advérbios, é pronome adverbial, subentendendo sempre um demonstrativo e o substantivo “lugar”, que é o termo determinado. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. (Poesia e Prosa, 1319). AMARRAVAM CACHORRO COM LINGÜIÇA Pv (VOdAdv (-N)) VS-S E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. (Poesia e Prosa, 1319). OUVIAM CANTAR O GALO, MAS NÃO SABIAM ONDE Pv (VOd (Os (PvS (AdnN)))) +S’V~OdOs) VV/ScaVP O pronome relativo e conectivo subordinante da última oração da frase feita analisada constitui o que se costuma chamar de vestígio. Ele representa toda a oração de que é o vestígio. Eliminando-se esta zeugma, além de ficar redundante, a frase resultante perderia toda a sua graça. Ficaria: Ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde o galo cantava. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por Ceca e Meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. (Poesia e Prosa, 1319). ANDANDO POR CECA E MECA Oadv (S’Pv (VAdv (-N+N))) V-ScS Antigamente os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair aos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. (Poesia e Prosa, 1320). DOBRAVAM A LÍNGUA Pv (VOd (AdnN)) V/S CAIR NOS BRAÇOS DE MORFEU Pv (VCc (-AdnNAdn (-N))) V-/S-S ENTRAR NO COURO Os (S’Pv (VCc (-AdnN))) V-/S Não deviam também, se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. (Poesia e Prosa, 1320). SEM TUGIR NEM MUGIR Oadv (_~S^Pv) +~Oadv (S^Pv) -VcV Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. (Poesia e Prosa, 1320). NÃO ENTEDESSE PATAVINA 194 Oadv (S^Pv (V~Od) aVS Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. (Poesia e Prosa, 1320). JOGANDO COM PAU DE DOIS BICOS Oadv (S’Pv (VCc (-NAdn (-AdnN)))) V-S-NS MUITA CAUTELA E CALDO DE GALINHA Od (AdnN+Nadn (-N)) PScS-S O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete; depois de fintar e engambelar os coiós, e antes de que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. (Poesia e Prosa, 1320). PÔR AS BARBAS DE MOLHO Os (S^Pvn (VOd (AdnN) Po (-N))) V/S-S PUSESSE TUDO EM PRATOS LIMPOS Oadv (IPv (VOdAdv (-NAdn))) VP-SA Ou Oadv (Pv (PaVAdv (-NAdn)) Sp) 216 VP-SA ABRIA O ARCO Pv (Vod (AdnN)) V/S O diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto. (Poesia e Prosa, 1320). OS FILHOS DA CANDINHA S (AdnNAdn (-AdnN) /S-/S NA RUA DA AMARGURA Cc (-AdnNAdn (-AdnN)) -/S-S NA EMBIRA Adv (-Adn) -/S MATAR O BICHO Oadv (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão; melhor ainda ter uma caixinha de pós de perlimpimpim, pois isso evitava de levar lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que fosse servido. (Poesia e Prosa, 1320). TER COSTAS QUENTES Os (S^Pv (VOd (NAdn))) VSA DAR AS CARTAS Os (S^Pv (VOd (AdnN))) V/S COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO Adv (-AdnN+AdnNAdv (-AdnN)) -/Sc/S-/S 216 Idem. 195 LEVAR LATA Os (S^Pv (VOd)) VS FICAR NA PINDAÍBA Os (S^Pv (VCc (-AdnN))) V-/S ESPICHAR A CANELA Os (S^Pv (VOd (AdnN))) V/S Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegavam a urtiga ao nariz, ou se o faziam de gato-sapato. (Poesia e Prosa, 1320). O FAZIAM DE GATO-SAPATO Oadv (S^Pvn (OdVPo (-N))) PV-S Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco. (Poesia e Prosa, 1320). DAVA O CAVACO Pv (VOd (AdnN) V/S Às vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de nove horas; ia-se ver, debaixo de tanta farofa era um doutor de mula ruça, um pé rapado, que espiga! (Poesia e Prosa, 1320). SEM TIRTE NEM GUARTE Adv (-~N+~N) -ScS UM DOUTOR POMADA S (AdnNAdn) /SS TODO CHEIO DE NOVE HORAS Ps (AdvNCn (-AdnN)) aA-NS DEBAIXO DE TANTA FAROFA Adv (– (N-) AdnN) a-PS UM DOUTOR DE MULA RUÇA Ps (AdnNAdnN (-Nadn) /S-SA UM PÉ RAPADO Ps (AdnNAdn) /SA E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de rabicho, caía das nuvens. (Poesia e Prosa, 1320). NUTRIR XODÓ Pv (Vod) VS DE RABICHO Ps (-N) -S CAÍA DAS NUVENS Pv (VAdv (-AdnN)) V-/S Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada. (Poesia e Prosa, 1320). SE PERDER AS ESTRIBEIRAS 196 IPv (VOd (AdnN)) PV/S DE PINGA Po (-N) -S Os tipos que havia: o pau-para-toda-obra, o vira-casaca (este cuspia no prato em que comera), o testa-de-ferro, o sabe-com-quem-está-falando, o sangue-de-barata, o Dr. Fiado que morreu ontem, o zé-povinho, o biltre, o peralvilho, o salta-pocinhas, o alferes, a polaca, o passador de nota falsa, o mequetrefe, o safardana, e maria-vai-com-as-outras... (Poesia e Prosa, 1320). CUSPIA NO PRATO EM QUE COMERA Pc (VCc (-AdnN) Oadv (-AdvS’Pv)) V-/S-PV Obs.: Este período é importante exemplo de como as frases feitas se assemelham às palavras compostas. É possível que as frases feitas sejam uma espécie de transição entre a frase corrente e a palavra composta. Um fato semelhante à transição existente entre uma gíria, de uso restrito a certas classes sociais ou grupos regionais, e o vocabulário comum. Por que “o maria-vai-com-as-outras” é tão diferente da frase “Maria vai com as outras colegas à praia”? Onde está a diferença estrutural entre “os filhos da Candinha” e “o testa-deferro” ou “o sangue-de-barata”? Não é apenas um problema de ortografia? Imaginamos que a frase feita é uma unidade semântica estruturada com tanta coerência quanto a palavra composta por justaposição, e como tal pode ser considerada. Tanto assim é que os lexicógrafos não conseguem unificar sua ortografia, ora escrevendo-os com hífens, ora sem hífens. Se existe uma distinção clara, por que não divulgá-la, estabelecendo um critério ortográfico? É simplesmente porque não existe. Depois de mil peripécias, assim ou assado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca, ou simplesmente a bota, sem saber com descalça-la. (Poesia e Prosa, 1320). ASSIM OU ASSADO Adv (N+N) aca BATENDO COM O RABO NA CERCA Oadv (S^ Pv (V Od (-Adn N) Cc (-Adn N))) V-/S-/S Ele não se deu por achado: Ora, minha tia, então não vê que é de meu padrinho Sr. São José? (Poesia e Prosa, 1179). NÃO SE DEU POR ACHADO Pvn (OdV~Ps (-N)) aPV-A Com o aperto do laço, o infeliz punha a alma pela boca. (Poesia e Prosa, 1118). PUNHA A ALMA PELA BOCA Pv (VOd (AdnN) Cc (-AdnN) V/S-/S 197 – Bem que este merecia um chá de casca de vaca! (Poesia e Prosa, 1334). UM CHÁ DE CASCA DE VACA Od (AdnNAdn (-NAdn (-N))) /S-S-S Minha sogra acha que debaixo desse angu tem carne, e que o senhor pretende exprimir em símbolos uma realidade sutil. (Os Dias Lindos, 13). DEBAIXO DESSE ANGU TEM CARNE Os (S’Pv (Adv (– (N-) AdnN) VOd)) a-PSVS Não vem que não tem! (Os Dias Lindos, 64). NÃO VEM QUE NÃO TEM PS (Op (S’Pv (V~)) Oadv (_S’Pv (V~Od^))) aVcaV Isso aqui não é a casa da mãe Joana! (Os Dias Lindos, 64). A CASA DA MÃE JOANA Ps (AdnNAdn (-AdnNAdn)) S-/SS Bons olhos o vejam! (Os Dias Lindos, 64). BONS OLHOS O VEJAM P (S (AdnN) Pv (OdV)) ASPV Parar é regra de ouro (se não me falha a memória). SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA Oadv (_Pv (OiV~) Sp (AdnN)) caPV/S O problema é que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. (Os Dias Lindos, 68). SE CORRER O BICHO PEGA, SE FICAR O BICHO COME Oadv(_S^Pv)Op(S(AdnN)Pv)Oadv(_S^Pv)Op(S(AdnN)Pv) Cv/SVcV/SV Não tem papas na língua. (Os Dias Lindos, 68). NÃO TEM PAPAS NA LÍNGUA P (S^Pv (VOdOi (-AdnN))) aVS-/S Não pode com uma gata pelo rabo. (Os Dias Lindos, 68). NÃO PODE COM UMA GATA PELO RABO P (S^Pv (V~Oi (-AdnN) Adv (-AdnN))) aV-/S-/S Não estou aqui para botar azeitona na empada de ninguém. (Os Dias Lindos, 68). BOTAR AZEITONA NA EMPADA DE NINGUÉM Oadv (S’Pv (VOdAdv (-AdnNAdn (-N~)))) VS-/S-P Não fede nem cheira. (Os Dias Lindos, 68). NÃO FEDE NEM CHEIRA PC (S^Pv (V~) +S^Pv (V~)) aVcV Porque se dizem cobras e lagartos, e não se dizem rouxinóis e açucenas? (Os Dias Lindos, 70). SE DIZEM COBRAS E LAGARTOS Oc (Pv (PaV) Sp (N+N)) PVScS 198 Também cabe referir aquelas coisas manifestadas com a ressalva: ‘Diga de passagem’. DIGA-SE DE PASSAGEM Ap (S^PvIAdv (-N)) VP-S A menos que o convicto (ou teimoso) diga: ‘Digo e repito’. (Os Dias Lindos, 69). DIGO E REPITO Os (S’Pv) +Os (S’Pv) VcV E na variação, fica o dito por não dito. (Os Dias Lindos, 69). FICA O DITO POR NÃO DITO P (Pvn (...VPs (-N~Adn)) S (AdnN~Adn)) V/A-aA Tentei convencer (sem muita convicção) à recalcitrante que o fim era nobre, uma vez que se trata de prevenir o enfarte, ou infarto, dos sócios do clube, por uma terapêutica artístico-literária em que ela constituiria elemento essencial; que seu concurso seria verdadeira mão-na-roda; que tivesse paciência e desse uma mãozinha, mesmo de mão-beijada, pois o clube não falara em pagamento; enfim, que agüentasse a mão, mesmo que isso fosse uma tremenda mão-de-obra, para que os velhinhos convidadores não ficassem de mão abanando, ou com uma mão atrás e outra adiante, ou ainda, para falar mais claramente, na mão. (Os Dias Lindos, 139). DESSE UMA MÃOZINHA Os (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S DE MÃO-BEIJADA Adv (-NAdn) -SA AGÜENTASSE A MÃO Os (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S NÃO FICASSE DE MÃO ABANANDO Pn (V~Ps (-NAdn (Oadj))) aV-SV~ COM UMA MÃO ATRÁS E OUTRA ADIANTE Ps (-AdnNAdv+AdnN’Adv) -SacPa NA MÃO Ps (-AdnN) -/S A tudo ela respondeu com obstinada indiferença, que nem à mão de Deus Padre cederia. (Os Dias Lindos, 139). NEM À MÃO DE DEUS PADRE Od (_~-AdnNAdn (-N)) c-/S-SS Alegou que para esse tipo de coisas tinha mão-de-pilão; além disso, não desejava meter a mão em cumbuca, e exortou-me a botar a mão na consciência: não estaria eu querendo tirar sardinha com mão de gato? (Os Dias Lindos, 139). METER A MÃO EM CUMBUCA 199 Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-N))) V/S-S Ou Os (S’Pv (VOd (AdnN) Cc (-N))) V/S-S Obs.: Nem sempre é muito fácil distinguir o objeto indireto do complemento circunstancial. Talvez fosse por isso que a comissão organizadora da Nomenclatura Gramatical Brasileira tenha englobado ambos sob a rubrica de objeto indireto, em alguns casos, ou ambos sob o nome de adjunto adverbial, quando a confusão estabelecida estivesse entre estes dois últimos: complemento circunstancial e adjunto adverbial. BOTAR A MÃO NA CONSCIÊNCIA Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S Ou Os (S’Pv (VOd (AdnN) Cc (-AdnN))) V/S-/S Obs.: Vide observação acima. TIRAR SARDINHA COM MÃO DE GATO Os (S’Pv (VOdAdv (-NAdn (-N)))) VS-S-S Dei as mãos à palmatória. (Os Dias Lindos, 139). DEI AS MÃOS À PALMATÓRIA P (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S Mas para não dar o braço a torcer, nem me declarar vencido pela competição das cervejas, concluí: Leovigil, traga a de sempre. (De Notícias & Não Notícias Faz-se Crônica, 138). NÃO DAR O BRAÇO A TORCER Oadv (S’Pv (V~Od (AdnN) Adv (Oadv (_Sp´Pv)))) aV/S-V Eu sei, eu percebo. Faz bem em fechar-se em copas. (De Notícias & Não Notícias Faz-se a Crônica, 12). FECHAR-SE EM COPAS Oadv (S’Pv (VOdCc (-N))) VP-S – Tou contratada. Vamos, não me negue uma colher de chá. (Boca de Luar, 43). UMA COLHER DE CHÁ Od (AdnNAdn (-N)) /S-S 3 – CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS Fizemos a classificação morfossintática das 93 frases feitas estudadas levando em consideração o que ensina o Professor Aloizio Manna no seguinte fragmento de seu livro: Padrões Estruturais da Língua Portuguesa: 200 Cada fragmento de um conjugado semântico qualquer, a par de seu valor intrínseco – mais ou menos vago, considerado em si mesmo – irradia simultaneamente, no processo associativo, um valor semântico externo, fundamental na estruturação da língua. Ao mesmo tempo, o seu valor externo reflui sobre si mesmo, para delimitar, ou melhor, precisar o seu próprio valor interno. Como se pode perceber, este duplo aspecto – endossêmico e exossêmico – se apresenta intimamente vinculado, e só se dissocia para efeito metodológico.217 De acordo com a sua estrutura e função morfossintática, as frases feitas foram classificadas endossêmica e exossemicamente em cinco classes de palavras, a saber: verbos, substantivos, adjetivos, advérbios e interjeições. Seu valor endossêmico é avaliado pela classe da palavra pela qual poderia ser substituída. Mas o seu valor exossêmico é determinado pela função sintática que desempenha no contexto frasal de que é extraída. Reagrupadas, aqui, de acordo com este critério, cada frase feita estudada é destacada do texto e repetida, juntamente com a sua análise sintática e morfológica, para que se possa fazer mais facilmente um confronto. Centralizada, em maiúsculas, vem a frase feita; abaixo e à esquerda, vem a análise sintática; e à direita, nesta mesma linha, vem a análise morfológica, sempre abreviadas. 3.1 – Frases Feitas Classificadas como Verbos Considerando apenas a estrutura e o valor semântico interno, 64 das 93 frases feitas estudadas se constituem de verbos. Ou seja, 69% do total. Desse número, 34 frases feitas, ou 37% do total, são classificada como verbos endossêmica e exossemicamente; 18, ou seja, 20% do total, são classificadas como verbos endossemicamente e como substantivos exossemicamente; e 12 frases feitas, que constituem 12% do total, classificam-se exossemicamente como advérbios. 3.1.1. – Frases Feitas Classificadas Endossêmica mente como verbos. TIRAR O PAI DA FORCA Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN)) NÃO CAÍAM DE CAVALO MAGRO Pv (V~Cc (-NAdn)) IAM COMER O PÃO QUE O DIABO AMASSOU Oc (S’Pv (vVOd (AdnNAdn (Oadj (OdS (AdnN) V))))) TOMARAM CHÁ EM CRIANÇA 217 e Exossemica- V/S-/S aV-SA vV/SP/SV MANNA, A. Padrões Estruturais da língua Portuguesa, p. 34. 201 Pv (VOdAdv (-N)) VS-S SE METIAM EM CAMISAS DE ONZE VARAS Pv (OdVCc (-NAdn (-AdnN))) PV-S-NS (SE METIAM) EM CALÇAS PARDAS Pv (ÓdV’Cc (-NAdn))) P’V’-SA DESSEM COM OS BURROS N’ÁGUA Pv (VCc (-AdnN) Cc (-N)) V-/S-S LHES PASSAVA A MANTA Pv (OiVod) PVS EMBARCASSE NUMA CANOA FURADA Pv (VCc (-NAdn)) V-SA AMARRAVAM CACHORRO COM LINGÜIÇA Pv (VOdAdv (-N)) VS-S OUVIAM CANTAR O GALO, MAS NÃO SABIAM ONDE Pv (VOd (Os (PvS (AdnN)))) +S’V~OdOs) VV/ScaVP DOBRAVAM A LÍNGUA Pv (VOd (AdnN)) V/S CAIR NOS BRAÇOS DE MORFEU Pv (VCc (-AdnNAdn (-N))) V-/S-S JOGAVAM VERDE PARA COLHER MADURO Pv (VOd (N’adn) Oadv (_S’Pv (VOd (Nadn))) VA-VA DAVA O CAVACO Pv (VOd (AdnN) V/S NUTRIR XODÓ Pv (VOd) VS CAÍA DAS NUVENS Pv (VAdv (-AdnN)) V-/S SE PERDER AS ESTRIBEIRAS IPv (VOd (AdnN)) PV/S CUSPIA NO PRATO EM QUE COMERA Pc (VCc (-AdnN) Oadv (-AdvS’V)) V-/S-PV PUNHAM A MÃO EM CUMBUCA Pv (VOd (AdnN) Adv (-N)) V/S-S SE PERDER A TRAMONTANA Pv (IVOd (AdnN)) PV/S PUSESSE TUDO EM PRATOS LIMPOS Pv (VOdAdv (-NAdn)) VP-SA ABRIA O ARCO Pv (Vod (AdnN)) V/S NÃO FICASSEM DE MÃOS ABANANDO Pn (V~Ps (-NAdn (Oadj))) aV-SV 202 DEI AS MÃOS À PALMATÓRIA P (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S FICA O DITO POR NÃO DITO P (...VS (AdnN´Adn) Ps (-N´Adn’)) V/A-aA SE CORRER O BICHO PEGA, SE FICAR O BICHO COME Oadv(_S^Pv)Op(S(AdnN)Pv)Oadv(_S^Pv)Op(S(AdbN)Pv) Cv/SVcV/SV NÃO SE DEU POR ACHADO Pvn (OdV~Ps (-N)) aPV-A PUNHA A ALMA PELA BOCA Pv (VOd (AdnN) Cc (-AdnN) V/S-/S SE DIZEM COBRAS E LAGARTOS Oc (Pv (PaV) Sp (N+N)) PVScS NÃO FEDE NEM CHEIRA PC (Oc (S^Pv (V~) +Oc (S^Pv (V~))) aVcV NÃO PODE COM UMA GATA PELO RABO P (S^Pv (VOi (-AdnN) Adv (-AdnN))) aV-/S-/S NÃO TEM PAPAS NA LÍNGUA P (S^Pv (VOdOi (-AdnN))) aVS-/S NÃO DAR O BRAÇO A TORCER Oadv (S’Pv (V~Od (AdnN) Adv (Oadv (_Sp’Pv)))) aV/S-V 3.1.2 Frases Feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos e Exossemicamente como Substantivos. TER COSTAS QUENTES Os (S^Pv (VOd (NAdn))) VSA DAR AS CARTAS Os (S^Pv (VOd (AdnN))) V/S LEVAR LATA Os (S^Pv (VOd)) VS FICAR NA PINDAÍBA Os (S^Pv (VCc (-AdnN))) V-/S FICAR NA PINDAÍBA Os (SPv (VCc (-AdnN))) V-/S TIRAR O CAVALO DA CHUVA Os (SpV (VOd (AdnN) Adv (-Adn))) V/S-/S IR PREGAR EM OUTRA FREGUESIA Os (SPv (vVAdv (-AdnN))) vV-PS ENTRAR NO COURO Os (S’Pv (VCc (-AdnN))) V-/S ENSINAR PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO Os (SPv (VOdOd (-AdnN))) VS-/S 203 PÔR AS BARBAS DE MOLHO Os (SPvn (Vod (AdnN) Po (-N))) DESSE UMA MÃOZINHA Os (S’Pv (VOd (AdnN))) AGÜENTASSE A MÃO Os (S’Pv (VOd (AdnN))) METER A MÃO EM CUMBUCA Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-N))) BOTAR A MÃO NA CONSCIÊNCIA Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) TIRAR SARDINHA COM MÃO DE GATO Os (S’Pv (VOdAdv (-NAdn (-N)))) DIGO E REPITO Os (S’Pv) +Os (S’Pv) DIGA-SE DE PASSAGEM Ap (SPvIAdv (-N)) DEBAIXO DESSE ANGU TEM CARNE Os (S’Pv (Adv (– (N-) AdnN))) V/S-S V/S V/S V/S-S V/S-/S VS-S-S VcV VP-S a-PSVS 3.1.3. Frases Feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos e Exossemicamente como Advérbios DANDO ÀS DE VILA-DIOGO Oadv (SPv (VCc (-AdnN’Adn (-N)))) V-/-S MATAR O BICHO Oadv (S’Pv (VOd (NAdnN))) V/S LEVAVAM TÁBUA Oadv (SPv (VOd)) VS JOGANDO COM PAU DE DOIS BICOS Oadv (S’Pv (VCc (-NAdn (-AdnN)))) V-S-NS NÃO ENTEDESSE PATAVINA Oadv (SPv (Vod) aVS ANDANDO POR CECA E MECA Oadv (S’Pv (VAdv (-N+N))) V-ScS O FAZIAM DE GATO-SAPATO Oadv (SPvn (OdVPo (-N))) PV-S BATENDO COMO RABO NA CERCA Oadv (SPv (VOD (-AdnN) Cc (-AdnN))) V-/S-/S SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA Oadv (_Pv (OiV) Sp (AdnN)) caPV/S BOTAR AZEITONA NA EMPADA DE NINGUÉM 204 Oadv (S’Pv (VOdAdv (-AdnNAdn (-N)))) FECHAR-SE EM COPAS Oadv (S’Pv (VOdCc (-N))) SEM TUGIR NEM MUGIR Oadv (_SPv) +Oadv (SPv) VS-/S-P VP-S -VcV 3.2– Frases Feitas Classificadas como Advérbios As frases feitas que têm valor de advérbio, considerando-se apenas a sua estrutura interna, são 12. O que corresponde a 13% do total de 93 estudadas neste trabalho. Dessas 12, 11 se classificam endossêmica e exossemicamente com advérbio (12% do total) e apenas 1 se classifica endossemicamente com advérbio e exossemicamente como substantivo (1% do total de 93) . Ei-las: 3.2.1. – Frases Feitas Classificadas Endossêmica e Exossemicamente com Advérbios SEM TUGIR NEM MUGIR Oadv (_SPv) +Oadv (SPv) -VcV COM A BOCA NA BOTIJA Adv (-AdnNÂdnAdv (-AdnN)) -S/-S NA RUA DA AMARGURA Cc (-AdnNAdn (-AdnN)) -/S-S NA EMBIRA Adv (-AdnN) -/S COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO Adv (-AdnN+AdnNAdv (-AdnN)) -/Sc/S-/S DEBAIXO DE TANTA FAROFA Adv (– (N-) AdnN) a-PS SEM SABER DA MISSA A METADE Oadv (_SPv (VCn (-AdnN) Od (Adn))) -V-/S/S ASSIM OU ASSADO Adv (N+N) aca DE MÃO-BEIJADA Adv (-NAdn) -SA 3.2.2. Frase Feita Classificada Endossemicamente com Advérbio e Exossemicamente como Substantivo NEM À MÃO DE DEUS PADRE Od (_~-AdnNAdn (-N)) c-/S-SS 3.3. Frases Feitas Classificadas como Adjetivos 205 As 6 frases feitas classificadas como adjetivos são-no endossêmica e exossemicamente, constituindo 7% do total das frases feitas estudadas neste trabalho. ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS Oadj (AdvSPv (VOd (AdnN))) PSV/S TODO CHEIO DE NOVE HORAS Ps (AdvNCn (-AdnN)) aA-NS DE RABICHO Ps (-N) -S DE PINGA Po (-N) -S COM UMA MÃO ATRÁS E OUTRA ADIANTE Ps (-AdnNAdv+AdnN’Adv) -PSacPa NA MÃO Ps (-AdnN) -/S 3.4. Frases Feitas Classificadas como Substantivos Das 9 frases feitas que se classificam como substantivos, constituindo 10% do total das frases feitas analisadas, 7 são endossêmicas e exossemicamente substantivos (8% do total) e 2 são endossemicamente substantivos e exossemicamente adjetivos, ou 2% do total. 3.4.1. Frases Feitas Classificadas Endossêmica e Exossemicamente como Substantivos. MUITA CAUTELA E CALDO DE GALINHA Od (AdnN+NAdn (-N)) PScS-S COM QUANTOS PAUS SE FAZ IMA CANOA Os (Adv (-AdnN) IVOd (AdnN)) -PSPV/S OS FILHOS DA CANDINHA S (AdnNAdn (-AdnN) /S-/S UM DOUTOR POMADA S (AdnNAdn) /SS A CASA DA MÃE JOANA Ps (AdnNAdn (-AdnNAdn)) S-/SS UM CHÁ DE CASCA DE VACA Od (AdnNAdn (-NAdn (-N))) /S-S-S UMA COLHER DE CHÁ Od (AdnNAdn (-N)) /S-S 3.4.2 – Frases Feitas Classificadas Endossemicamente como Substantivos e Exossemicamente como Adjetivos. 206 UM DOUTOR DE MULA RUÇA Ps (AdnNAdnN (-NAdn) UM PÉ RAPADO Ps (AdnNAdn) /S-SA /SA 3.5. Frases Feitas Classificadas como Interjeições Só 2 frases feitas entre as 93 analisadas (2% do total) foram classificadas como interjeições. BONS OLHOS O VEJAM P (S (AdnN) Pv (OdV)) ASPV NÃO VEM QUE NÃO TEM PS (Op (S^PV (V~)) Oadv (_S^Pv (V~))) aVcaV 4 – CONCLUSÕES: Sem grandes exercícios mentais, através da análise dos dados numéricos mostrados no desenvolvimento do trabalho, podemos concluir que a maior parte das frases feitas gira em torno do verbo. Quanto à estrutura morfossintática dessas expressões, e considerando também o seu valor endossêmico, 69% delas se constitui de estruturas com valor de verbo, 13% com valor de advérbio, 10% com valor de substantivo, 7% com valor de adjetivo e 2% com valor de interjeição.218 Quanto à estrutura morfológica, 45 das frases 93 frases feitas estudadas começam com verbos, 14 começam com advérbios, 14 com preposições, 9 com pronomes, 6 com artigos, 3 com conjunções, 1 com substantivo e 1 com adjetivo. Observando ainda a freqüência dessas construções, notamos que apenas 39 delas se repetem em sua estrutura morfológica rigorosa e que 54 não se repetem, Das 39 que se repetem, 29 são estruturas frasais mais freqüentes em todo o corpus trabalhado. As estruturas mais freqüentes são V/S, como “dobrar a língua” ou “agüentar a mão”, com 9 casos; V/S-/S, como “tirar o pai da forca” ou “dar as mãos à palmatória”, com 5 casos; VS, como “levar tábua”, V-/S, “cair das nuvens” e V/S-S, como “pôr a mão em cumbuca”, com 3 casos cada. As outras estruturas, que tiveram 2 casos cada, foram: VS-S, V-/S-S, VP/S, PV/S, a-PS, –/S-/S, –/S e –S. Ainda quanto ao aspecto da valorização do verbo, em 61 casos constatados de sujeito no interior das frases feitas, 52 não são expressos, ficando ora subentendidos, ora indeterminados. Há até um caso de oração sem sujeito, na 218 O arredondamento das percentagens, nos cálculos, criou um acréscimo de 1% na soma dos valores (69%+13%+10%+7%+2%=101%) . 207 frase: “Debaixo desse angu tem carne”, em que o verbo ter equivale ao haver impessoal. Quanto ao número de palavras em cada estrutura, considerando o desmembramento das combinações e contrações de preposições com outras palavras, tivemos: 5 estruturas de 2 palavras, 20 estruturas de 3 palavras, 18 estruturas de 4 palavras, 20 estruturas de 5 palavras, 17 estruturas de 6 palavras, 8 estruturas de 7 palavras, 3 estruturas de 8 palavras, 1 estrutura de 9 e 1 de 10 palavras. Das 93 frases feitas analisadas, 75 são redigidas com um número de palavras que varia entre 3 e 6 palavras. Embora a nossa “mostra” seja insuficiente para formularmos hipóteses seguras sobre o assunto, pretendemos ter concluído que há uma decidida preferência pelas formas constituídas com um verbo em sua base e que a extensão da frase oscila, normalmente, entre 3 e 7 palavras. Assim como são poucas as frases feitas com apenas 2 palavras, menor ainda é o número das que ultrapassam o número de 7. 5– BIBLIOGRAFIA; AMARAL, Amadeu. Paremiologia. In – Tradições populares. São Paulo: Instituto Progresso Editorial [1948]. p. 213-273. ANDRADE, Carlos Drummond de. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record [1984]. 217 p. ______. De notícias & não notícias faz-se crônica: histórias, diálogos, divagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+182 p. ______. Os dias lindos. 2ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+145 p. ______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nota editorial, de Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Moraes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra Completa]. MANNA, Aloizio. Padrões estruturais da língua portuguesa. (Prefácio de Gladstone Chaves de Melo) . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; [Niterói]: Universidade Federal Fluminense, 1984. 205 p. SILVA, José Pereira da. A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade: subsídios para um dicionário básico. 118 + VIII folhas datilografadas. ______. A origem das frases feitas e provérbios brasileiros: contribuições para sua história e etimologia. 105 folhas datilografadas. 208 EXPRESSÕES ESTUDADAS NESTES ENSAIOS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. À altura do pescoço. A césar o que é de césar. A coisa está ficando preta. A coisa está preta. A coisa está ruça. A dois passos. A duras penas A essa altura. A grifa parideira! À luz da razão. À luz do dia. À medida que. A memória. A meu ver. A morte da bezerra. À noite todos os gatos são pardos. A ocasião é calva. A preço de banana. A sete chaves. A toque de caixa. A ver navios. Abanar as orelhas. Abotoar o paletó. Abrir mão de. Abrir o arco. Acabou-se o que era doce. Acertar os ponteiros. Acerto de contas. Acontece nas melhores famílias. Adiantado da hora. Afinal de contas. Agüentar a barra. 209 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. Agüentar a mão. Aí é que a vaca foi pro brejo. Aí morreu o neves! Ainda por cima. Ajustar contas com. Alça de mira. alcaide e o sol por onde quer entram. Além do mais. Alhos e bugalhos. Ali na esquina. Alma de cântaro. Almoçar um boi e jantar outro. Alqueires de razão. Alto lá. Amarrar cachorro com lingüiça. Amigo é pras ocasiões. Amigos, amigos, negócios à parte. Andar na ponta dos pés. Andar por ceca e meca. Antes de mais nada. Ao fim e ao cabo. Ao pé do ouvido. Aos olhos de (alguém) . Aos olhos de hoje. Apertar o cinto. Aprender para o resto da vida. Apurar o sexo dos anjos. Aqui entre nós. Aqui há caveira de burro. Ar de cegonha tímida. Ar de quem comeu e não gostou. Arrastar a asa. As sete partidas do mundo. Assim assim. 210 67. Assim como assado. 68. Até cair no chão. 69. Até dizer chega. 70. Até nosso senhor me fechar os olhos. 71. Até o sabugo da alma. 72. Até outra vez. 73. Até prova em contrário. 74. Atirar a primeira pedra. 75. Avançar em pomar alheio. 76. Avançar o sinal. 77. Ave por ave, o carneiro se voasse. 78. Bater à porta errada. 79. Bater com o rabo na cerca. 80. Bater em retirada. 81. Bater papo. 82. Bater um papo. 83. Bem feito! 84. Besta de carga. 85. Bode expiatório. 86. Bom cabrito não berra. 87. Bons olhos o vejam. 88. Botar a boca no mundo. 89. Botar a mão na consciência. 90. Botar a mão no fogo (por alguém). 91. Botar as barbas de molho. 92. Botar as cartas na mesa. 93. Botar as manguinhas de fora. 94. Botar as mãos na cabeça. 95. Botar azeitona na empada de (alguém) . 96. Botar banca. 97. Botar na cabeça. 98. Botar na rua. 99. Botar no olho da rua. 100. Botar o pé na estrada. 211 101. Botar pra escanteio. 102. Botar pra jambrar. 103. Burro velhote não acerta o trote. 104. Cada casa favas lavam. 105. Cada coisa em seu tempo. 106. Cada coisa no seu tempo e lugar. 107. Cada um na sua. 108. Cada vez mais. 109. Caído do céu. 110. Cair a noite. 111. Cair das nuvens 112. Cair das nuvens. 113. Cair de cavalo magro. 114. Cair de pau em. 115. Cair duro. 116. Cair em cima de. 117. Cair em si. 118. Cair fora. 119. Cair nas costas de. 120. Cair nos braços de morfeu. 121. Cala-a-boca já morreu, quem matou fui eu. 122. Cala-a-boca já morreu, quem te manda sou eu. 123. Caldo requentado. 124. Camisa de onze varas. 125. Casa da mãe joana. 126. Casa de orates. 127. Cavalo dado não se olha a idade. 128. Céu pedrento, chuva ou vento. 129. Chá de casca de vaca. 130. Cheio de alfinete e navalhas. 131. Cheio de nove horas. 132. Cheio de salamaleques. 133. Chover a potes. 134. Claro como água 212 135. Coçar a orelha. 136. Colher de chá. 137. Com a cabeça mal atarraxada. 138. Com a cara e a coragem. 139. Com a faca e o queijo na mão. 140. Com a graça de deus. 141. Com a ponta do pé. 142. Com água no barco 143. Com ar de procissão de enterro. 144. Com fogo não se brinca. 145. Com o papo cheio de vento. 146. Com o rabo entre as pernas. 147. Com quantos paus se faz uma canoa 148. Com teu amo não jogues as pêras. 149. Com todos os ff e rr. 150. Com uma mão atrás e outra adiante. 151. Comadres e vizinhas, a revezes hão farinha. 152. Comer gambá errado. 153. Comer o pão que o diabo amassou. 154. Comigo não, serapião. 155. Comigo não, violão! 156. Como diria o outro. 157. Como diz o outro. 158. Como dizia minha vó. 159. Como eva é servida. 160. Como nenhum outro. 161. Completar primaveras. 162. Conhecer de cor e salteado. 163. Conta de mentiroso. 164. Contar tintim por tintim. 165. Conversa vai, sorvete vem. 166. Conversando é que a gente se entende. 167. Cré com cré, lé com lé. 168. Cresça e apareça. 213 169. Cruz credo! 170. Cruzar os braços. 171. Cu da mãe joana. 172. Cuidar da vida que a morte é certa. 173. Curvar a espinha. 174. Cuspir no prato em que comera. 175. Custar os olhos da cara. 176. Da pontinha (da orelha) . 177. Da silva. 178. Dançar conforme a música. 179. Daqui não saio, daqui ninguém me tira. 180. Dar (ou vender) a camisa do corpo. 181. Dar a camisa do corpo. 182. Dar a entender. 183. Dar a palavra (a alguém) . 184. Dar a volta por cima. 185. Dar acordo de si. 186. Dar as caras. 187. Dar as cartas. 188. Dar às de vila-diogo. 189. Dar as mãos à palmatória. 190. Dar bode. 191. Dar bola. 192. Dar bolacha. 193. Dar cabo de. 194. Dar coluna do meio. 195. Dar com os burros n’água. 196. Dar conta do recado. 197. Dar de cara com. 198. Dar de pinga. 199. Dar dor de cabeça. 200. Dar duro. 201. Dar fé de si. 202. Dar grilo. 214 203. Dar nó até em pingo d’água. 204. Dar no pé. 205. Dar no pezinho. 206. Dar o cavaco. 207. Dar o dito por não dito. 208. Dar o fora. 209. Dar pelota. 210. Dar pira. 211. Dar por paus e por pedras. 212. Dar seu recado. 213. Dar sinal de vida. 214. Dar um jeitinho. 215. Dar uma de. 216. Dar uma mãozinha. 217. Dar uma volta. 218. Dar-se bem. 219. Dar-se conta de. 220. Dar-se mal. 221. Dar-se um jeito. 222. De alma embandeirada. 223. De boa sombra. 224. De bom aviso. 225. De cara aberta. 226. De cor 227. De corpo e alma. 228. De cutiliquê. 229. De hora em hora deus melhora. 230. De mão-beijada. 231. De maus bofes. 232. De nada. 233. De pé atrás. 234. De ponta a ponta. 235. De ponta cabeça. 236. De quando em quando. 215 237. De raro em raro. 238. De uma vez por todas. 239. De vez em quando. 240. Debaixo desse angu tem carne. 241. Defender o leite das crianças. 242. Deixar de partes. 243. Desde o carnaval do ano passado. 244. Desde que me entendo por gente. 245. Desfiar padre-nossos. 246. Despedir-se para o caju. 247. Deu o que tinha de dar 248. Deus me livre. 249. Dia de são nunca de tarde. 250. Dia de são nunca de tarde. 251. Diabo que o carregue. 252. Diante do nariz. 253. Diga-se de passagem. 254. Digo e repito. 255. Dizer bem com. 256. Dizer cobras e lagartos. 257. Dizer coisa com coisa. 258. Dizer com os seus botões. 259. Dizer duas palavras. 260. Dizer poucas e boas. 261. Dize-tu direi-eu. 262. Diz-que em bububu no bobobó, mas ninguém balançou. 263. Do balacobaco. 264. Do jeito que vão as coisas. 265. Dobrar a língua. 266. Doer como canivete na carne. 267. Dólar furado. 268. Dona prudencia murió de vieja. 269. Dos meus pecados. 270. Dose para leão. 216 271. Doutor de mula ruça. 272. Duro de coração 273. E a vida continua. 274. E agora, josé? 275. É dos carecas que elas gostam mais. 276. É isso aí. 277. E lá vai fumaça. 278. É maior o arruído que as nozes. 279. É melhor coisa ter um amigo na corte que um vintém na bolsa. 280. E tal e coisa. 281. Elevar aos cornos da lua. 282. Em duas palavras. 283. Em festa de jacaré, inhambu não entra. 284. Em ponto de bala. 285. Em poucas palavras. 286. Em ritmo de tartaruga. 287. Em todo caso. 288. Em último caso. 289. Embarcar em canoa furada. 290. Empurrar o carro (de alguém) . 291. Encaramujado em si mesmo. 292. Enquanto o diabo esfrega um olho. 293. Ensinar padre-nosso ao vigário. 294. Entrar na jogada. 295. Entrar no couro. 296. Entrar nos eixos. 297. Entrar numa fria. 298. Entrar pelo cano. 299. Entrar pelos olhos da cara. 300. Entre a bigorna e o martelo. 301. Entre a quarta e a meia partida. 302. Entregar os pontos 303. Entrou bispo. 304. Era só o que faltava. 217 305. Era uma vez. 306. Esconder o leite. 307. Espere e verá. 308. Espiar maré. 309. Espichar a canela. 310. Essa é boa. 311. Estar a zero. 312. Estar de acordo. 313. Estar de rabicho. 314. Estar em todas. 315. Estar frito. 316. Estar na cara. 317. Estar na pindaíba. 318. Estar no mato sem cachorro. 319. Estragar o dia (alguém) . 320. Estranhar a dança. 321. Eu bem que avisei. 322. Eu é que sei? 323. Eu não disse? 324. Exalar o último suspiro. 325. Falar com seus botões. 326. Fazer a conta no lápis. 327. Fazer alguém de gato-sapato. 328. Fazer boca-de-siri. 329. Fazer cara feia. 330. Fazer cena. 331. Fazer chacrinha. 332. Fazer das tripas coração. 333. Fazer de conta. 334. Fazer de gato sapato. 335. Fazer feio. 336. Fazer figa. 337. Fazer onda. 338. Fazer página virada. 218 339. Fazer papel pança. 340. Fechar-se em copas. 341. Fica com deus também! 342. Ficar a ver navios. 343. Ficar cheio de dedos. 344. Ficar de mãos abanando. 345. Ficar de olho. 346. Ficar debaixo do balaio. 347. Ficar em patati-patatá. 348. Ficar na mão. 349. Ficar na pindaíba. 350. Ficar nesse pé. 351. Ficar o dito por não dito. 352. Ficar por conta. 353. Fiquemos por aqui. 354. Foi no tempo de maría castaña. 355. Fora de série. 356. Forçar a barra 357. Fulano dos anzóis carapuça. 358. Fumar o cachimbo da paz. 359. Fundir a cuca. 360. Futuro a deus pertence. 361. Gato comeu. 362. Gerações e gerações. 363. Graças a deus! 364. Gregos e goianos. 365. Guardar na cabeça. 366. Guerra é guerra. 367. Há criança e criança. 368. hábito não faz o monge. 369. Haver por bem. 370. Hoje em dia. 371. Horas e horas. 372. Idas e venidas. 219 373. Ir na conversa. 374. Ir na onda. 375. Ir para o inferno. 376. Ir pras cucuias. 377. Ir pregar em outra freguesia. 378. Isso não vem ao caso. 379. Já não se... Como antigamente. 380. Já que a montanha não vai até maomé, maomé vai à montanha. 381. Jogar na cara. 382. Jogar verde para colher maduro. 383. Juntar os trapinhos. 384. Lá de vez em quando. 385. La dracu cu; du-te la naiba! 386. Lá isso é. 387. Lá isto é verdade. 388. Lá isto é. 389. Lá um belo dia. 390. Lá um dia. 391. Lá vão as leis para onde querem os reis. 392. Lelé da cuca. 393. Levantar âncora. 394. Levar a lata. 395. Levar a mal 396. Levar a sério. 397. Levar bomba. 398. Levar na conversa. 399. Levar pau. 400. Levar tábua. 401. Levar tempo. 402. Levar um papo. 403. Macacos me mordam. 404. Mais dia menos dia. 405. Mais ou menos. 406. Mais vale amigo na praça que dinheiro na arca. 220 407. Mais vale um asno vivo que um doutor morto. 408. Mandar brasa. 409. Mandar e não pedir. 410. Mandar praquela parte. 411. Marinheiro de primeira viagem. 412. Mas o menos. 413. Matar a aula. 414. Matar na cabeça. 415. Matar o bicho do ouvido 416. Matar o bicho. 417. Matar o tempo. 418. Mateus, primeiro os teus. 419. Melhor ama quem mais sente. 420. Meter a colher. 421. Meter a mão em cumbuca 422. Meter o nariz em. 423. Meter o nariz no que não é da conta (de alguém) . 424. Meter os peitos. 425. Meter os pés pelas mãos. 426. Meter-se em calças pardas 427. Meter-se em camisa de onze varas 428. Morar no deus-me-livre. 429. Mulher (ou moça) bonita não paga mas também não leva. 430. Mulher feia não bebe mas paga 431. Na alça de mira. 432. Na embira. 433. Na hora de acertar os ponteiros. 434. Na ponta da língua. 435. Na rua da amargura. 436. Na última lona. 437. Nada de novo na frente ocidental. 438. Nada ter a declarar. 439. Não abrir o bico 440. Não arredar pé. 221 441. Não atar nem desatar. 442. Não aumentar a aflição do aflito. 443. Não brincar em serviço. 444. Não compreender níquel. 445. Não dar o braço a torcer. 446. Não dar outra coisa. 447. Não dar para entender. 448. Não dar pé. 449. Não dar ponto sem nó 450. Não deixar a sopa esfriar. 451. Não dizer coisa com coisa. 452. Não é por me gabar. 453. Não é pra me gabar. 454. Não entender bulhufas 455. Não entender patavina (bulhufas, vírgula, etc.). 456. Não entender ponto-e-vírgula. 457. Não entender vírgula. 458. Não estar com os parafusos ajustados. 459. Não estar no gibi. 460. Não estar para brincadeira. 461. Não falar vírgula. 462. Não faltava mais nada. 463. Não fazer outra coisa. 464. Não fazer por menos. 465. Não feder nem cheirar. 466. Não ficar bem 467. Não ficar mal 468. Não ficar pedra sobre pedra. 469. Não guasqueies sem precisão nem grites sem ocasião. 470. Não há mal que sempre dure. 471. Não há nada como um dia depois do outro. 472. Não haver mais juízes em berlim. 473. Não haver nada a tirar nem pôr. 474. Não ir com a cara de. 222 475. Não levar desaforo pra casa. 476. Não me diga. 477. Não me toques. 478. Não meter a mão em cumbuca. 479. Não meter prego em estopa. 480. Não mover uma palha. 481. Não pagar nem visita. 482. Não passe além das chinelas. 483. Não perder por esperar. 484. Não poder com uma gata pelo rabo 485. Não pregar olho. 486. Não saber da missa a metade. 487. Não saber o que dizer. 488. Não saber patavina. 489. Não se dar por achado. 490. Não se esqueça aqui do titio. 491. Não se fazer de rogado. 492. Não se fazer num dia. 493. Não sei o quê. 494. Não sei onde estou que não. 495. Não seja por isso. 496. Não ser bem isso. 497. Não ser de nada. 498. Não ser do feitio (de alguém) . 499. Não ser flor que se cheire. 500. Não ser lá que digamos. 501. Não ser mais lá essas coisas. 502. Não ser mole. 503. Não ser o que está pensando. 504. Não ser para qualquer um. 505. Não ter de quê. 506. Não ter nada a dizer. 507. Não ter nada a ver. 508. Não ter nada com o peixe. 223 509. Não ter nada que ver. 510. Não ter outro remédio. 511. Não ter papas na língua. 512. Não tugir nem mugir. 513. Não vá com tanta sede ao pote. 514. Não vale a pena chupar a jabuticaba dos outros. 515. Não vem que não tem. 516. Nas idas e venidas. 517. Nascer de novo. 518. Negócio de mãe. 519. Nem aqui nem na china. 520. Nem carne nem peixe. 521. Nem carne nem peixe. 522. Nem chus nem bus. 523. Nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário. 524. Nem me diga. 525. Nem te ligo. 526. Ninguém morre na véspera. 527. No açougue, quem mal fala, mal ouve. 528. No meio está a virtude. 529. Nos pinhais da azambuja. 530. Nos quintos dos infernos. 531. Num átimo 532. Nunca mais bodas ao céu! 533. Nutrir xodó (por alguém). 534. Olhar com o rabo do olho. 535. Olhar com outros olhos. 536. Olho vivo! 537. Onde judas perdeu as botas. 538. Ora cebo! 539. Ora essa. 540. Os filhos da candinha. 541. Os tempos mudaram. 542. Ou tudo ou nada. 224 543. Ou vai ou racha. 544. Ouvir cantar o galo, mas não saber onde. 545. Ouvir grilo. 546. Pagar e não bufar. 547. Palavra de honra. 548. Pano de fundo. 549. Pão-pão queijo-queijo. 550. Papai aqui. 551. Papo fino. 552. Para começo de conversa. 553. Para dar e vender. 554. Para o que der e vier. 555. Partir para outra. 556. Passar em branca nuvem. 557. Passar manta. 558. Passar para trás. 559. Passar pela cabeça 560. Passar uma conversa em. 561. Passar uma esponja. 562. Pé ante pé. 563. Pé rapado. 564. Pedir a palavra. 565. Pegar com a boca na botija. 566. Pegar mal. 567. Pegar pelo pé. 568. Pelejam as comadres, descobrem-se as verdades. 569. Pelo sim pelo não. 570. Perceber alguma coisa no ar. 571. Perder a cabeça. 572. Perder a tramontana. 573. Perder as estribeiras. 574. Perder de vista. 575. Perder o seu latim. 576. Perder-se a tramontana. 225 577. Pisar a caçamba de altas cavalarias. 578. Pisar nos calos. 579. Plantar bananeira. 580. Pó de perlimpimpim. 581. Pobre como jó. 582. Pobre diabo. 583. Ponto de vista. 584. Ponto facultativo. 585. Pôr a alma pela boca. 586. Pôr a mão em cumbuca. 587. Por acaso. 588. Pôr alguém nas nuvens. 589. Pôr as barbas de molho. 590. Por assim dizer. 591. Por bem ou por mal 592. Pôr em pratos limpos.. 593. Por essas e outras. 594. Por favor. 595. Por isso que eu digo. 596. Por locas e bibocas. 597. Por mal de pecados. 598. Por nada. 599. Pôr nas nuvens. 600. Por obra e graça de. 601. Pôr os pingos nos is. 602. Pôr ponto final em. 603. Por que cargas d’água? 604. Por que não dizer? 605. Por que não? 606. Por tudo quanto é sagrado. 607. Por um triz. 608. Por uma tutaméia. 609. Pouco se me dá. 610. Pra burro. 226 611. Pra ninguém botar defeito. 612. Prazer é todo meu. 613. Pregar peças. 614. Pregar peta. 615. Pregar rabo em nambu. 616. Puxar conversa. 617. Quando deus é servido. 618. Quando menos se espera. 619. Que bem me importa. 620. Que deus tenha. 621. Que é mesmo que eu estava dizendo? 622. Que é que eu levo nisso? 623. Que é que os outros vão dizer? 624. Que maganão! 625. Que meus olhos já viram. 626. Que negócio é esse? 627. Que sabe das coisas. 628. Que se há de fazer? 629. Que tal? 630. Que vem na boca. 631. Que vou te contar. 632. Quebrar a cara (de alguém) . 633. Quebrar o galho. 634. Quem canta más fadas espanta. 635. Quem canta, seus males espanta. 636. Quem comeu a carne que roa os ossos. 637. Quem cura é a fé e não o pau da barca. 638. Quem diria? 639. Quem disse que? 640. Quem não arrisca não petisca. 641. Quem não tem cobaia caça com preá. 642. Quem o alheio veste, na praça o despe. 643. Quem planta colhe. 644. Quem quer que seja. 227 645. Quem sabe? 646. Quem sou eu. 647. Quem te viu e quem te vê! 648. Quem tem abelha, ovelhas e moinho, entrará com el-rei em desafio. 649. Quero ver, mas quero ver. 650. Questão de ordem. 651. Rapa do tacho. 652. Revelar uma página de 653. Rolaram os tempos. 654. Sabe com quem está falando? 655. Sabe como é? 656. Sabe de uma coisa? 657. Saber cuspir dentro da escarradeira. 658. Saber das coisas. 659. Saber de experiência feito. 660. Saber na ponta da língua. 661. Sacar partido de. 662. Salvar a pele. 663. Santa bárbara! 664. São os ossos do barão. 665. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come 666. Se deus quiser. 667. Se eu fosse você. 668. Se eu me chamasse raimundo. 669. Se inês é morta. 670. Se me permite a expressão. 671. Se não me engano. 672. Se não me falha a memória. 673. Se o negócio é esse. 674. Se queres a paz, prepara a guerra. 675. Se queres que teu filho cresça, lava-lhe os pés, raspa-lhe a cabeça. 676. Se um não quer dois não brigam. 677. Seguro morreu de velho. 678. Sei lá. 228 679. Seja tudo pelo amor de. 680. Sem chus nem bus 681. Sem dizer água vai. 682. Sem eira nem beira. 683. Sem essa. 684. Sem lenço e sem documento. 685. Sem pé nem cabeça. 686. Sem quê nem praquê. 687. Sem tempo a perder. 688. Sem tirte nem guarte. 689. Sentir na carne. 690. Sentir-se peru de natal. 691. Separar os trapinhos. 692. Ser apelido. 693. Ser bananeira que já deu cacho. 694. Ser carrapato nas costas. 695. Ser conselheiro acácio. 696. Ser da vida. 697. Ser de lascar. 698. Ser de se esperar. 699. Ser do contra. 700. Ser doido por. 701. Ser duro de ouvido. 702. Ser e acontecer. 703. Ser e não ser. 704. Ser excelente. 705. Ser o fim da picada. 706. Ser ou não ser. 707. Ser outra coisa. 708. Ser outros quinhentos. 709. Ser palmatória do mundo. 710. Ser para valer. 711. Ser tiro e queda. 712. Ser um soco na cara. 229 713. Ser uma bomba 714. Ser uma mão-de-obra. 715. Ser uma mão-na-roda. 716. Ser uma parada. 717. Ser uma zorra global. 718. Ser uma zorra total. 719. Sim e não. 720. Soar a hora da verdade. 721. Sob sete chaves e sete selos. 722. Sondar a barra 723. Sujar as mãos em alguém. 724. Sumir do mapa. 725. Tal qual. 726. Tamanho família. 727. Tenho para mim que. 728. Ter a bondade de. 729. Ter cabeça fria 730. Ter cara de. 731. Ter coisa. 732. Ter costas quentes. 733. Ter em conta de 734. Ter em conta. 735. Ter lá suas nuvens. 736. Ter mais que fazer. 737. Ter mão-de-pilão. 738. Ter sempre algum na bolsa. 739. Ter seu lugar ao sol. 740. Ter uma tintura rala de. 741. Tintim por tintim. 742. Tirar de letra. 743. Tirar minhocas da cabeça. 744. Tirar o cavalo da chuva 745. Tirar o corpo fora. 746. Tirar o pai da forca. 230 747. Tirar o pão da boca de alguém. 748. Tirar partido de. 749. Tirar sardinha(s) com (a) mão de gato. 750. Tirar uma fumaça 751. Tirar uma linha. 752. Tirar uma pestana. 753. Tocar pra frente. 754. Todo liró ao copo d’água. 755. Todos vêem o argueiro no olho do vizinho e ninguém vê a trave no seu. 756. Tomar a barca de caronte. 757. Tomar chá em criança. 758. Tornar-se um bicho do mato 759. Trabalhar de bandido. 760. Tudo a eu tempo. 761. Tudo como dantes, no quartel de abrantes. 762. Tudo virá a seu tempo. 763. Um bololô dos diabos. 764. Um dia a casa cai. 765. Um dia é da caça e outro é do caçador. 766. Um por todos, todos por um. 767. Uma andorinha só não faz verão. 768. Uma coisa louca. 769. Uma nota firme. 770. Uma pá de. 771. Umas e outras. 772. Usar e abusar. 773. Vá bugiar! 774. Vá com deus! 775. Vá lá. 776. Vá para o diabo que o carregue! 777. Vá para o diabo. 778. Vá para o inferno. 779. Vale a pena. 780. Vamos e venhamos. 231 781. Vender o peixe. 782. Ver passarinho voar. 783. Vinte e quatro horas por dia. 784. Virar fumaça. 785. Virar o mundo abaixo. 786. Virar onça. 787. Virar pó. 788. Vivendo e aprendendo. 789. Você não se enxerga? 790. Voltar à tona. 791. Voltar à vaca-fria. 792. Voltar as costas a alguém. 793. X.P.T.O. London. ISBN 85-86837-11-3 232