Repulsa e Julgamento Moral
Savigny Gonçalves*
Publicado
originalmente
em
inglês
pelo
site
http://peezer.squarespace.com/publications, o artigo “On Disgust and Moral
Judgment”, escrito por David Pizarro1, é direcionado a todos que atuam ou se
interessam pela área da ciência da moralidade, da psicologia moral e da filosofia
empírica emergente em geral. Resenha feita por Savigny Gonçalves de Sousa da Silva2.
Pizarro dá início a seu trabalho afirmando que “Repugnância”/”repulsa”/”nojo”,
são termos que traduzem uma emoção que provavelmente evoluiu para nos manter
longe de substâncias nocivas e doenças, mas que aparece especialmente ativa em nossa
vida moral. Alguns relatos, segundo ele, ilustram com fidelidade essa afirmação: 1)
Pessoas relatam sentirem repugnância em resposta a uma série de atos imorais (Rozin,
Lowery, Haidt, & Inada,1999); 2) Afirmam que fazem julgamentos morais mais severos
na presença desse sentimento (Wheatley & Haidt, 2005); 3) Constatam que estão mais
propensos a ver certos atos como imorais se eles têm a tendência de ser facilmente
reconhecidos como repulsivos (Horberg, Oveis, Keltner, & Cohen, 2009; Inbar, Pizarro,
Knobe & Bloom, 2009). Apesar do reconhecimento da repulsa como importante para o
julgamento moral, a natureza causal do vínculo entre eles permanece obscura. Isso
ocorre porque, embora a maior parte do trabalho empírico sobre esse tópico possa dar
suporte para o senso-comum de que repulsa e julgamento moral estejam conectados,
poucos esforços foram dirigidos no intuito de realizar uma distinção mais específica
sobre como eles estão conectados. No presente trabalho, o autor busca fazer distinção
entre as três versões desse senso-comum, discriminando como repulsa e julgamento
moral estão conectados em cada uma, revendo as evidências para cada versão. Por fim,
* Graduando em Direito pela Puc-Rio, bolsista do projeto Ética e realidade atual: o que podemos saber,
o que devemos fazer (www.era.org.br).
1
David Pizarro é professor assistente de psicologia da Universidade de Cornell (Cornell University) em
Ithaca, NY. Lessiona três diferentes cursos: Raciocínio moral (“Moral Reasoning”), A Psicologia das
Emoções (“The Psychology of Emotions”) e Tópicos na emoção: Sentimentos, Emoção e o Cérebro
humano (“Topics in Emotion: Feelings, Emotion, and the Human Brain”).
2
Acadêmico graduando no curso de Direito oferecido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-rio), atualmente no 2º período, bolsista da PUC-rio (bolsa desempenho) e bolsista do ERA.
Pizzarro argumenta que a versão mais interessante das três é aquela com menos suporte
empírico.
1)Repulsa como uma consequência de violações morais. A primeira versão do
senso-comum afirma que a repugnância é experimentada como um resultado da
avaliação de que uma violação moral ocorreu. Argumentam alguns que a repugnância é
unicamente experimentada quando há violação da “pureza” moral ou de algum “tabú”
moral (Rozin, Lowery, Imada, & Haidt, 1999). Entretanto, como a violação moral
descrita nos experimentos frequentemente contém referências a núcleos estimuladores
de repulsa sem fundamento moral (ex. zoofilia, que por si só já é um ato gerador de
repulsa), não é claro se a repulsa sentida pelos participantes resulta necessariamente de
uma avaliação moral. Uma notável exceção vem de um recente caso - uma situação que
não contém um núcleo estimulador de repulsa - em que um participante que recebe uma
oferta injusta sobre um “game” de última geração demostra uma ativação do musculo
facial condizente com expressão de repulsa (Chapman, Kim, Susskind, & Anderson,
2009).
2)Repulsa como um amplificador do julgamento moral. Uma outra versão do
senso-comum demonstra que a relação existente entre repulsa e moralidade é aquela em
que a repulsa amplifica as avaliações morais, fazendo com que coisas vistas como
erradas tornem-se ainda mais erradas. Isso foi demonstrado em experimentos em que a
repulsa é manipulada de forma extrínseca ao ato moral em avaliação (por meio de
filmes, por exemplo). Entretanto, esses estudos não mostram que a repulsa exerce um
domínio específico no julgamento moral, tendo em vista a influência também em
relação a todas as outras espécies de julgamento (não só o moral) em direção ao
negativo. Assim, ao mesmo tempo em que está sendo demonstrado que induzir a repulsa
pode levar os indivíduos a serem mais severos em seus julgamentos em relação à
violação moral (Wheatley & Haidt, 2005), pode ser que esses mesmos indivíduos
julguem mais severamente também outras ações (ex.: performance no trabalho,
interação social) ou mesmo outros domínios (ex.:atratividade, inteligência). Dessa
forma, experimentos que incluem apenas julgamentos de violações morais não podem
distinguir entre o senso que afirma que a repulsa pode influenciar no julgamento moral e
o que afirma que a repulsa exerce uma influência especial no julgamento moral.
3)Repulsa como um sentimento moralizante. A terceira versão do sensocomum (a reivindicação mais forte das três versões) afirma que atos moralmente neutros
podem entrar na esfera moral pela força de serem percebidos como repulsivos. O
sentimento da repulsa é tomado pelo participante como evidência de que a ação é
errada. Essa reivindicação é condizente com a idéia de um julgamento moral irracional
com apelo para natureza repulsiva de um ato. O autor argumenta que a repulsa dirigida
ao comportamento dos homosexuais, por exemplo, pode ser a causa por trás das atitudes
morais anti-gays. Apesar do exposto, as evidências para essa versão ainda são as mais
fracas.
O autor afirma que a maioria das evidências experimentais sugerem mais
contundentemente a versão da amplificação – aquela em que a repulsa faz com que
consideremos comportamentos imorais ainda mais imorais. No entanto, pontua duas
notáveis exceções. A primeira (Wheatley & Haidt, 2005) diz respeito a um experimento
em que individuos que foram hipnotizados para sentirem repulsa enquanto avaliavam
uma série de cenários julgaram um ato moralmente neutro como sendo imoral. A
segunda (Horberg et al, 2009) diz respeito a um experimento em que os participantes
que foram colocados para assistir um filme classificado como moralmente neutro - mas
que continha desvios estéticos de vestuária (como pessoas utilizando roupas que não
combinavam) -, sentiram maior repulsa do que os sujeitos que assistiram um filme
triste. Esses são dois exemplos que indicam que a repulsa exerce um efeito moralizante.
Ainda assim, segundo o autor, mais suporte experimental é preciso para se fazer essa
afirmação.
O que se pode constatar, desde já, é que mesmo com maiores suportes
experimentais, uma objeção ao efeito moralizante da repulsa pode ser feito
(Royzman,Leeman & Baron, 2009): ela não é o suficiente para que ocorra a
moralização, visto que existe uma série de comportamentos que são julgados pela
maioria como repulsivos, mas não imorais (ex.: comer cérebro de porco). Para se
afirmar que a repulsa exerce um influência moralizante é necessário, portanto, uma
explicação plausível do por que não há um efeito moralizante em todos os casos.
Uma possibilidade de explicação (Nichols, 2004) é que a repulsa exerce uma
influência moralizante apenas sobre alguns comportamentos em que já preexistem
normas não-morais (ou convencionais) que os interditem (o ato de fumar, por exemplo,
é uma espécie de comportamento que preenche esse requisito). Para ostentar essa visão,
entretanto, é necessário que se crie um cenário experimental que nos possibilite
comparar atitudes morais tendo em vista, de um lado, um grupo de comportamentos
tanto repulsivos, como não-repulsivos, em que ambos já possuam normas não-morais
preexistentes e, do outro lado, um grupo controle de comportamentos repulsivos que
não possuam normas convencionais já existentes. Se essa visão estiver correta podemos
esperar, segundo autor, que ocorra moralização por parte dos participantes, apenas nos
casos em que estão presentes concomitantemente os elementos “repulsividade” e
“norma convencional preexistente”. Em síntese, apenas se percebe o efeito moralizante
da repulsa quando comportamentos repulsivos já possuem uma norma não-moral
preexistente interditando-os.
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