Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS
ISSN – 2175-4128
Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso
São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014
“O ‘ADEUS’ DE TERESA”, DE CASTRO ALVES, E “TERESA”, DE MANUEL
BANDEIRA NA SALA DE AULA
Larissa do Nascimento Oliveira (PIBIC/UFS Itabaiana)1
Jessica Mayara Lisboa Leite (PIBIX/UFS Itabaiana)2
INTRODUÇÃO
Esta comunicação, orientada pelas abordagens teóricas de Salvatore D’Onofrio,
Rildo Cosson, Armando Gens, Alexei Bueno e William Cereja ao gênero lírico, seja como
corpus de análise seja como presença nas salas de aula, tem como objetivo discriminar
etapas de montagem de uma oficina de trabalho com a poesia no Ensino Médio a partir
da comparação entre os poemas “O ‘Adeus’ de Teresa”, de Castro Alves, e “Teresa”, de
Manuel Bandeira, levando, inicialmente, em consideração os níveis gráfico, fônico,
lexical, sintático e semântico de ambos os poemas, e, posteriormente, formulações
teóricas de Sant’Anna sobre paródia, paráfrase e intertextualidade, além de
considerações críticas de Genize Barros sobre o poema de Bandeira.
Não há dúvidas de que é importante estudar Literatura na mesma proporção que
se estudam as outras disciplinas, mas, mesmo sabendo disso, o texto literário ainda é
um tabu quando o assunto é trabalhá-lo em sala de aula. Além do que não há, na maioria
das vezes, motivação por parte do professor para mudar esse fator, o que acaba
também distanciando o texto literário do aluno. Um dos estudiosos que comenta sobre
esse tema é Rildon Cosson. Para ele, o professor tem que “partir daquilo que o aluno
já conhece para aquilo que ele desconhece, a fim de se proporcionar o crescimento do
leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura” (COSSON, 2011, p. 35).
Dando esse primeiro passo, o próximo objetivo, que é aproximar professor, aluno e
literatura, se tornará mais fácil de ser conquistado.
William Cereja acredita, ainda, que o trabalho com o texto literário traz muito
mais benefícios do que o que se imagina e a falta deles, consequentemente, acaba
deixando um grande vazio no estudante no que diz respeito a sua formação linguística
Graduanda do 6º período do curso de Letras/Português da Universidade Federal de Sergipe. Bolsista do projeto
Oficinas de Estímulo à Fruição do Texto Lírico - PIBIX, sob a orientação da professora doutora Christina Ramalho. Email: [email protected]
2 Graduanda do 6º período do curso de Letras/Português da Universidade Federal de Sergipe. Bolsista do projeto No
meio do caminho tinha um poema: repensando as teorias e as práticas em torno dessa presença - PIBIC, sob a
orientação da professora doutora Christina Ramalho. E-mail: [email protected]
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e literária. No entanto, foi possível ver nos testes de sondagem aplicados tanto na
Universidade Federal de Sergipe, quanto em algumas escolas públicas do Estado, que
os alunos deixam o Ensino Médio e ingressam no Ensino Superior sem o conhecimento
literário apropriado mesmo quando os assuntos são dados. A conclusão que tiramos
disso é que a má formação literária dos alunos pode ter várias causas, como o mau
desempenho do professor ou até mesmo a falta de interesse do aluno. É possível
perceber claramente que há certa deficiência no ensino de literatura nas escolas,
quando, em seu livro Ensino de Literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com
literatura, Cereja fala que
mesmo depois de anos de ensino de literatura, os jovens brasileiros
deixam o ensino médio sem terem desenvolvido suficientemente certas
habilidades básicas de análise e interpretação de textos literários, tais
como levantamento de hipóteses interpretativas; rastreamento de
pistas ou marcas textuais, reconhecimento de recursos estilísticos e de
sua função semântico-expressiva; relações entre a forma e o conteúdo
do texto; relação entre os elementos internos e os elementos externos
(do contexto sócio-histórico) do texto; relação entre o texto e outros
textos, no âmbito da tradição, relações entre texto verbal e texto não
verbal, etc. (CEREJA, 2005, p. 54).
E quando o assunto é o gênero lírico, a situação piora, pois nas poucas aulas de
Literatura nas escolas, a preferência é quase sempre trabalhar com a prosa, e o poema
vai ficando de lado. Trabalhar com poema em sala de aula pode trazer bons resultados
no que diz respeito a despertar a imaginação e a criatividade dos alunos. Porém, as
escolas brasileiras não exploram muito esse lado, dando mais importância, no estudo
de texto, à observação das normas gramaticais. Para interpretar um poema, é
importante conhecer não só a língua, mas também é necessária a capacidade de
imaginação do leitor, pois essa imaginação promove uma sintonia enriquecedora com
os próprios processos criativos que estão envolvidos na elaboração de um texto literário.
Em Sobre o poeta, o poema, o livro, Gens afirma que, “o poema reivindica menos
descrições gramaticais do que uma investigação de base linguística na qual o leitor
poderá reviver uma experiência perdida já entre as palavras, as coisas e os ritmos do
universo” (GENS, 2010, p.5).
Alexei Bueno tem pensamentos semelhantes ao de Gens. Em seu livro Um
história da poesia brasileira, Bueno diz que “a leitura aprofundada da poesia exige, do
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leitor, uma sensibilidade incomum, que é quase como uma outra forma de arte, ainda
que passiva” (BUENO, 2007, p. 9). Isso nos faz perceber o quão importante é trabalhar
poemas com os alunos, pois esse contato faz com que eles cheguem a diversas
interpretações dos textos, ajuda-os a interagir em sala e desenvolve a capacidade de
eles ouvirem e respeitarem as diferentes opiniões, além de estimular a criatividade de
cada um.
Interessados em colocar em prática essa visão de que é fundamental que o
professor de Língua e Literatura promova experiências enriquecedoras de análise de
poemas, propomos aqui uma abordagem analítica, com base em D’Onófrio, Cosson,
Gens, Bueno e Cereja e, em seguida, um estudo comparado dos poemas, de forma a
compor material que fundamente a preparação de uma oficina de trabalho com poemas
em nível do Ensino Médio.
Também serão apresentadas algumas reflexões sobre cada um dos níveis
discriminados por D’Onofrio para a abordagem a um poema, tendo como corpus inicial
o poema de Castro Alves, para, em seguida, apresentar uma comparação inicial entre
os dois poemas, de modo a configurar os procedimentos seguidos para a montagem de
uma oficina de trabalho com a poesia no Ensino Médio.
RABALHANDO COM O NÍVEL GRÁFICO
O primeiro contato que temos com um poema escrito é óptico, pois,
pela sua configuração gráfica, ele apresenta-se com uma feição
plástica, um todo orgânico, composto de uma cabeça e vários
membros (D’ONOFRIO, 2007, p. 184).
Segundo D’Onofrio, o título, a divisão estrófica e a pontuação são elementos
gráficos que devem ser bem observados em um poema. Ao se despertar a atenção de
estudantes do Ensino Médio para a expressividade do nível gráfico, trabalha-se o
aprimoramento da percepção visual, que também deve estar presente na fruição de um
poema. O título, por exemplo, é a “cabeça” do poema. Por estar numa posição de
destaque, ele engloba as demais partes do poema. Em “O ‘Adeus’ de Teresa”, de Castro
Alves, temos um título bastante sugestivo que indica o ritual de despedida de uma
mulher, Teresa. Vejamos o poema:
O "Adeus" de Teresa
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A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."
Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"
Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
(ALVES, 1976)
Ao ler o poema, percebemos que este está ligado intrinsicamente ao conteúdo
poético sugerido pelo título. Também chamamos a atenção para o uso repetitivo das
palavras “Teresa” e “Adeus”, que, por sua vez, são sempre acompanhadas de rimas:
‘Teresa’ ~ ‘correnteza’, ‘seus’ ~ ‘Adeus’. Outro detalhe relevante é que, no título e em
todo o poema, a palavra “Adeus” sempre aparece entre aspas, o que nos leva a concluir
que eu-lírico deseja enfatizar a despedida de Teresa.
Quanto à divisão estrófica, “O ‘Adeus’ de Teresa” é constituído por quatro
estrofes de cinco versos, sendo que cada estrofe é separada por um verso único – um
monóstico. Já no que diz respeito à pontuação, podemos notar, como já foi dito, o uso
recorrente das aspas na palavra “Adeus”; das reticências, que, na maioria das vezes,
servem para interromper um pensamento de maneira que o leitor subentenda o que
seria enunciado; de travessões, que indicam o discurso direto; de dois-pontos, que tem
por objetivo anunciar a fala do eu-lírico e a de Teresa; das exclamações, que podem
denotar: surpresa, felicidade, indignação, admiração, susto, etc.. Em “O ‘Adeus’ de
Teresa”, o uso das exclamações está relacionado à atmosfera de despedida e surpresa
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por parte do eu-lírico e de Teresa. Todas essas marcações conferem movimento ao
poema e denunciam a intenção de Castro Alves de provocar constantes reações do
leitor aos eventos retratados no poema.
1. RABALHANDO O NÍVEL FÔNICO
Segundo D’Onofrio (2007, p. 186), “um verso é constituído de palavras, que se
dividem em sílabas ou pés. A metrificação ou escansão é a técnica de contagem desses
pés para verificar a composição e a medida do verso”. Sendo assim, para saber a
quantidade de sílabas poéticas do poema de Castro Alves, tem-se na escansão um
recurso importante a ser dimensionado em sala de aula. “O ‘Adeus’ de Teresa” é
composto por versos decassílabos. O ritmo desse poema é irregular, pois, no primeiro
verso, temos um verso decassílabo heroico com acentuação na 4ª, 8ª e 10ª sílabas
poéticas, já no segundo verso, a acentuação recai sobre a 3ª, 6ª e 10ª sílabas poéticas.
O esquema de rima do poema é AABCCB.
Quanto à tipologia das rimas, o poema apresenta rimas agudas e graves. A rima
se chama aguda quando as palavras que rimam são oxítonas: ‘véus’ ~ ‘adeus’; graves,
se as palavras rimadas forem paroxítonas: ‘reposteiro’ ~ ‘cavaleiro’; ‘Teresa’ ~ ‘presa’.
Quanto ao valor semântico dessa sonoridade, cabe destacar que, no poema de Alves,
a predominância de rimas cuja vogal tônica é o “e” fechado remete ao desfecho do
poema, em que o “adeus” se faz definitivo.
É importante dar destaque aos aspectos teóricos que levam à criação de
categorias críticas relacionadas à versificação, pois, reconhecendo essas categorias, os
estudantes estarão realizando com segurança os procedimentos de contato com o texto
e sua forma.
2. TRABALHANDO NO NÍVEL LEXICAL
De acordo com D’Onofrio (2007, p. 196), “as palavras são, para o poeta, ao
mesmo tempo signos e coisas. Elas designam não apenas coisas, mas também a ação
possível dessas coisas”. Com essa definição, fica evidenciada a importância de
analisarmos o nível de lexical de um poema.
Podemos observar que o poema de Castro Alves é rico em expressões que
transmitem circunstâncias temporais: “a vez primeira”, “uma noite”, “passaram tempos”,
“um dia”, “quando voltei”. O uso de tais expressões, de certa forma, imprime ao poema
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a feição de um texto narrativo: o eu-lírico está narrando a sua experiência
afetivo/amorosa com Teresa, experiência essa que, no decorrer do poema, ou mesmo,
da “história contada”, ganhará mais um “personagem”. Essa terceira pessoa é um
homem que não executa ação alguma e sobre o qual muito pouco sabemos, a não ser
que, na orquestra, a sua voz se mistura com a de Tereza e, portanto, levanta-se a
hipótese de que se trata de um “triângulo” amoroso, o que fica evidenciado na última
estrofe do poema. Assim, o poema como um todo, está divido em quatro estrofes e
possui começo, meio e fim e, por isso, dizemos que “O ‘Adeus’ de Teresa” é um poema
com teor narrativo.
Outro ponto a ser destacado é uso frequente de verbos na sua forma
nominal/gerúndio, funcionando ora como advérbio: “Inda beijando uma mulher” (V. 9),
“conservando-a presa” (V. 11), “partindo eu disse” (V. 16); ora como adjetivo: “E ela
corando” (V. 6), “Ela, chorando” (V. 17), “E ela arquejando” (V. 24). Em todo momento,
o eu-lírico atribui características à Teresa: ela está se despedindo - “uma mulher sem
véus” (V. 9), empalidecida - “era a pálida Teresa” (V. 10), soluçando - “Ela em soluços”
(V. 18), embranquecida - “Ela me olhou branca surpresa” (V. 22). Essa caracterização
também corrobora com o teor narrativo do poema, pois constrói a apresentação de uma
“personagem principal”.
De grande relevância é atentarmos para carga significativa da palavra “Adeus”.
Muito recorrente no poema, esse termo indica a despedida definitiva de alguém que
deseja partir sem pretensões de retornar. No entanto, nos três momentos que o eu-lírico
dá o seu “adeus” a Teresa, ele sempre retorna, ou seja, não é um “adeus” definitivo.
Quem, realmente, dá o “adeus” definitivo é Teresa, pois, na última vez em que o eulírico retornou, ele a encontrou com outro homem e foi a voz dela (de Teresa) que
pronunciou aquela palavra. Daí, também, a explicação do título “O ‘Adeus’ de Teresa”.
O adeus dado por ela, no desfecho, parece indicar que o eu-lírico abusou do direito de
deixar a amada à sua espera.
A seleção de algumas palavras também aponta para a polissemia, uma vez que,
já no nível semântico, é possível expandir seu significado. Isso se dá, por exemplo, em
“A valsa nos levou nos giros seus...” em que “valsa” pode ser “vida”, “paixão”, “destino”,
etc. O mesmo ocorre em “uma mulher ‘sem véus’”, já que o termo pode indicar “nudez”,
“entrega total”, “desinibição”, etc.
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Todo esse estudo sobre a expressividade do nível lexical faz-se fundamental
para que os estudantes percebam a real importância de se ler o poema a partir de seus
elementos constitutivos: as palavras.
3. TRABALHANDO O NÍVEL SINTÁTICO
Para falar sobre esse nível, voltamos às palavras de D’Onofrio:
Enquanto os metaplasmos indicam as alterações no nível da palavra
isoladamente consideradas, as metataxes, figuras de gramática, de
sintaxe ou de construção, remetem aos desvios que a linguagem
poética opera sobre a forma da frase, visando às relações
sintagmáticas entre palavras (D’ONOFRIO, 2007, p. 199).
Em “O ‘Adeus’ de Teresa”, temos a metataxe por inversão, mais
especificamente, o hipérbato, no 1º, 2º e 8º versos. O uso de “A vez primeira” ao invés
de “a primeira vez”, no primeiro verso, serve para enfatizar a noção de tempo, o primeiro
contato que o eu-lírico teve com Teresa. No segundo verso, em “Como as plantas que
arrasta a correnteza”, temos um deslocamento do sujeito “correnteza” quem vem depois
do verbo, e do predicado “as plantas” que está antes do verbo. Esse deslocamento,
juntamente com a conjunção comparativa “como”, transmite a ideia de que o encontro
entre os dois (eu-lírico e Teresa) foi arrebatador e envolvente, eles se deixaram levar
pela valsa assim como as plantas são arrastadas pela correnteza. Já no oitavo verso,
em “E da alcova saía um cavaleiro”, temos também um deslocamento, em que o sujeito
“cavaleiro” está depois do verbo e o predicado “da alcova” está antes do verbo. Essa
inversão tem por objetivo causar um clima de tensão, suspense: quem era o cavaleiro?
Nos versos seguintes, descobrimos que o cavaleiro era o próprio eu-lírico.
4. TRABALHANDO O NÍVEL SEMÂNTICO
Para D’Onofrio (2007, p. 207-208), “[...] o nível mais importante da análise do
poema é o semântico”. Sendo assim, destacamos, no estudo que antecede a
elaboração da oficina, os metassememas ou figuras de sentidos contribuem para a
construção da interpretação de “O ‘Adeus’ de Teresa”. O poema é rico em figuras de
linguagem. Já vimos, no nível sintático, a presença do hipérbato; no nível semântico,
podemos notar a presença da comparação ou símile em: “Como as plantas que arrasta
a correnteza” (V.2), “A valsa nos levou nos giros seus” (V. 3) e “Ela, chorando mais que
uma criança” (V. 17); da hipérbole, que consiste em exagerar a realidade das coisas,
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em: “Passaram tempos sec'los de delírio” (V. 13) e “Prazeres divinais gozos do Empíreo”
(V. 14) e o uso constante da conjunção aditiva “e”, que sugere uma fragmentação das
ideias, uma pausa para “tomar fôlego” e dar continuidade à revelação dos
acontecimentos: “E amamos juntos E depois na sala” (V. 4), “‘Adeus’ eu disse-lhe a
tremer co'a fala” (V.5), “E ela, corando, murmurou-me: ‘adeus’” (V. 6), “Uma noite
entreabriu-se um reposteiro” (V. 7) e “E da alcova saía um cavaleiro” (V. 8).
Após fazer uma breve análise dos elementos estruturais do poema, interpretá-lo
torna-se mais fácil. Assim, “O ‘Adeus’ de Teresa” pode ser dividido em quatro
momentos, conforme as quatro estrofes. A primeira estrofe refere-se, de fato, ao
primeiro contato entre o eu-lírico e sua amada, Teresa. Na segunda estrofe, temos a
concretização desse amor carnal (“alcova”) através do beijo. Na terceira, temos a partida
do eu-lírico, dessa vez, por um período mais demorado, sugerindo uma intimidade
consumada e um tempo de maior convivência.
Já na última estrofe, quando o eu-lírico retorna, ele fica surpreso ao encontrar a
sua amada com outro homem. Foi, de fato, a última vez que ele viu Teresa. Atentamos
para o fato de que, nas três primeiras estrofes, quem dominava a situação amorosa, ou
melhor, quem dava o “Adeus” era a figura masculina, o eu-lírico, já na última estrofe,
quem passa a dominar a situação é a mulher. É Teresa quem dá o “Adeus” e, para
enfatizar tal atitude, o poeta fez o uso do pronome “ela” com inicial maiúscula: “d’Ela”.
O último verso do poema, com o “adeus” derradeiro dado por Teresa, convida o
leitor a imaginar o estado de espírito do eu-lírico. Se, nas estrofes anteriores, sempre
se conheciam as reações de Teresa aos adeuses que recebeu, na última estrofe, os
sentimentos do eu-lírico não são revelados, mas sugeridos justamente pelo tom
hiperbólico e pela estrutura repleta de movimentos do próprio texto.
Tal como Antônio Carlos Secchin comenta em Antônio de Castro Alves, revista
especial lançada pela Fundação Banco do Brasil e pela Organização Odebrecht em
1997, quando se comemoram os 150 anos de nascimento de Castro Alves, o poema “O
‘adeus de Teresa” é:
Notável poema que apresenta uma imagem feminina pouco usual no
romantismo: o da mulher que faz prevalecer o seu desejo. Nas
primeiras estrofes, o predomínio é do homem, e Teresa aparece como
simples objeto do desejo masculino. No final, os papeis se alteram, e
cabe à mulher, com alguma ironia, decretar o término da antiga relação
(SECCHIN, 1997, p.25).
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5. “TERESA” ROMÂNTICA X “TERESA” MODERNA
Para entendermos melhor a relação entre os poemas “O Adeus de Teresa”, de
Castro Alves, e “Teresa”, produção lírica de Manuel Bandeira, é preciso ter
conhecimento do que é intertextualidade, paródia e paráfrase. Como é de grande
conhecimento de todos, a intertextualidade ocorre quando um texto é feito a partir de
outro, ou seja, tendo um outro como referência. Para que essa intertextualidade seja
considerada uma paráfrase é necessário que se mantenha a mesma ideia do texto de
inspiração, ou seja, é como refazer aquele texto preservando suas ideias originais, só
que com outras palavras. Já a paródia pode ser traduzida como uma intertextualidade,
que não mantém o sentido original do texto referência. Essa é uma forma de refazê-lo,
deixando-o, na maioria das vezes, com sentido humorístico.
Em Paródia, paráfrase & Cia, Afonso Romano Sant’Anna nos mostra que o termo
“paródia” data desde Aristóteles
[...] já em Aristóteles aprece um comentário a respeito desta palavra.
Em sua Poética atribuiu a origem da paródia, como arte, a Hegemon
de Thaso (séc. 5 a. C.), porque ele usou o estilo épico para não como
superiores ao que são na vida diária, mas como inferiores. [...]
Modernamente a paródia se define através de um texto intertextual [...]
(SANT’ANNA, 1999, p.13-14).
Dessa forma, não poderíamos falar em “Teresa”, de Bandeira, sem citar “O
‘Adeus’ de Teresa”, poema que, como já foi dito, foi escrito por Castro Alves,
representante da Terceira Geração do Romantismo Brasileiro, pois uma das várias
características do Modernismo Brasileiro é a intertextualidade, isto é, a relação que
determinado texto mantém com outro(s). Nessa perspectiva, o poeta da Primeira
Geração Modernista Brasileira (1922-1930) escreveu “Teresa”, poema que faz parte de
Libertinagem, livro publicado em 1930 e considerado a obra mais importante do autor
modernista. Esse livro, além de reunir vários poemas modernos que caíram no gosto do
público leitor, entre eles: “Teresa”, “Vou-me embora pra Pasárgada”, “Pneumotórax” e
“Poema tirado de uma notícia de jornal”, reflete um poeta já maduro que está em inteira
sintonia com a lírica modernista.
Vejamos o poema na íntegra, com a indicação, entre parênteses, do número de
sílabas métricas em cada verso:
TERESA
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A primeira vez que vi Teresa (9)
Achei que ela tinha pernas estúpidas (10)
Achei também que a cara parecia uma perna (12)
Quando vi Teresa de novo (9)
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (17)
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do
corpo nascesse) (25)
Da terceira vez não vi mais nada (9)
Os céus se misturaram com a terra (10)
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas. (18)
(BANDEIRA, 1966)
Não é preciso muito esforço para reconhecer que “Teresa” é um poema
moderno. Ao contrário de “O ‘Adeus’ de Teresa”, poema com versos decassílabos e
com esquema de rima AABCCB, em “Teresa”, podemos observar a ausência de
pontuação e os versos brancos, isto é, sem rimas, além da falta de preocupação com a
métrica e com o ritmo. Ao fazermos a escansão do poema de Bandeira, por exemplo,
observamos que há uma ordem crescente no que diz respeito ao número de sílabas
poéticas: na primeira estrofe, cada verso tem, respectivamente: 9, 10 e 12 sílabas; na
segunda, 9, 17 e 25; já na terceira, 9, 10 e 19. Depreende-se que, portanto, não houve
preocupação, por parte do autor, em determinar um número X de sílabas poéticas para
o seu poema, evidenciando, assim, que Bandeira prega uma poesia livre dos padrões
estéticos de seus antecessores.
“Teresa”, diferentemente do poema de Castro Alves, está dividido em três
estrofes, cada uma com três versos (terceto), nas quais o eu-lírico descreve os três
momentos em que viu Teresa. Esses três momentos foram bem demarcados através
de expressões que denotam uma sequência temporal: “A primeira vez” (V. 1), “Quando”
(V. 4), “de novo” (V. 4) e “Da terceira vez (V. 7)”. Ou seja, o poema de Bandeira mantém
o aspecto narrativo identificado no poema de Alves.
Na primeira estrofe, o eu-lírico descreve o seu primeiro encontro com a figura
feminina, um encontro frio, sem uma aproximação afetiva e, para caracterizá-la, faz o
uso de termos depreciativos: “pernas estúpidas” (V. 1), “a cara parecia uma perna” (V.
2).
Na segunda estrofe, o eu-lírico, já olha nos olhos de Teresa, e há certa
aproximação entre os dois, no entanto, ele ainda continua a caracterizá-la de forma
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depreciativa, ao dizer que “os seus olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo”
(V. 5) e que “os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo
nascesse” (V. 6).
Já na última estrofe, o eu-lírico sequer menciona o nome de “Teresa”. Ele não
vê mais nada, ele estava, provavelmente, cego de paixão, momento esse que o material
(terra, águas) se mistura com espiritual (céus, Deus).
Quanto ao léxico, notamos que o poema moderno, ao contrário do romântico,
possui um vocabulário menos rebuscado, a linguagem é mais coloquial, Bandeira chega
a fazer o uso da palavra “cara” em vez de “face” ou “rosto”. Outro detalhe importante é
que, enquanto Castro utilizou o verbo “fitar”, o modernista fez uso do verbo “ver” e como
já foi dito, para caracterizar Teresa, Bandeira faz o uso de termos que sugerem
desprezo: “pernas estúpidas” (V. 2), “a cara parecia uma perna” (V. 3), “os olhos eram
muito mais velhos que o resto do corpo” (V. 4). Nota-se que a figura feminina não é vista
em sua totalidade (corpo), mas sim em partes: “pernas”, “cara”, “olhos”, para isso, o
poeta utilizou-se da sinédoque particularizante, figura de linguagem que é “formada pela
acentuação semântica de uma parte em relação ao todo” (D’ONOFRIO, 2007, p. 223).
Se, em “O ‘Adeus’ de Teresa”, tínhamos um suposto “triângulo” amoroso, em
“Teresa”, temos, apenas, um eu-lírico que descreve os momentos em que viu “Teresa”.
Esta, ao contrário da “Teresa” de Castro, não tem voz, não dá “adeus”, não cora, não
empalidece, não murmura, não chora, não soluça e não embranquece de surpresa.
Conclui-se que a mulher, na poesia moderna, passa por longe de ser idealizada. No
entanto, é válido ressaltar que, mesmo possuindo um perfil de mulher romântica, a
Teresa de Castro difere das outras de sua época, pois é ela quem dar o “adeus”
definitivo, decretando, assim, o término da sua relação afetivo/amorosa com o eu-lírico.
O poema “Teresa”, além de manter uma intertextualidade com o poema de
Castro Alves, pode também ser trazido como paródia e paráfrase de tal, pois Bandeira
ao se utilizar do poema “O Adeus de Teresa” para escrever o seu, parafraseia alguns
versos como: “A vez primeira que eu fitei Teresa” para “A primeira vez que vi Teresa”, e
ao mesmo tempo transforma o poema deixando-o com ares de humor: “Achei que ela
tinha pernas estúpidas,
Achei também que a cara parecia uma perna”. Bandeira faz a intertextualidade
realizando a desconstrução da imagem romântica da mulher, e também da própria
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estética romântica, pois essa era uma das características dos poetas modernistas no
intuito de inovar nas artes, nesse caso, a literária.
CONCLUSÃO
Esse trabalho, que propôs uma análise comparativa entre dois poemas, “O
‘Adeus’ de Teresa”, de Castro Alves e “Teresa”, de Manuel Bandeira, contribuiu não só
para aprimorar os nossos conhecimentos, como pesquisadoras na área da Literatura,
como também mostrar a importância de se preparar previamente o trabalho com o
gênero lírico em sala de aula.
Para ratificar o que dissemos, recorremos às palavras de Rildon Cosson (2011):
[...] vivemos nas escolas uma situação difícil com os alunos, os
professores de outras disciplinas, os dirigentes educacionais e a
sociedade, quando a matéria é literatura. Alguns acreditam que se trata
de um saber desnecessário [...]. Essa postura arrogante com relação
ao saber literário leva a literatura a ser tratada como apêndice da
disciplina Língua Portuguesa, quer pela sobreposição à simples leitura
no ensino fundamental, quer pela redução da Literatura à História no
ensino médio. É a mesma arrogância que reserva à disciplina Literatura
no ensino médio uma única aula por semana (COSSON, 2011, p. 1011).
Uma aula semanal é muito pouco para uma disciplina que possui conteúdos tão
vastos. Por isso, sugerimos que o professor de Literatura seja um tanto quanto criativo,
bem como analise, antecipadamente, o(s) poema(s) que ele deseja trabalhar com seus
alunos, a fim de fazer uma análise comparativa entre dois ou mais poemas que
pertençam a autores de gerações diferentes (assim como foi mostrado no decorrer do
trabalho), confeccionar materiais didáticos, como apresentações em Power-Point,
organizar saraus, entre outros recursos atrativos que possam envolver os estudantes
na abordagem de um poema. A partir da análise organizada de um poema, o professor
se torna apto a elaborar metodologias de trabalho com o gênero lírico em sala de aula,
evidenciando, para seus alunos, como é importante o investimento estético na criação
lírica e a sensibilidade do leitor para percebê-lo.
REFERÊNCIAS
ALVES, Castro. Obra completa em um volume. Editora Aguilar: Rio de Janeiro, 1976.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
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BARROS. Genize Molina Zilio. Teresa & Teresa de Castro e Bandeira. Academos: Revista
Eletrônica da FIA. http://intranet.fia.edu.br/acesso_site/fia/academos/revista5/3.pdf, visto em
03/01/2014, às 9h e 20min.
BUENO, Alexei. Uma história da poesia brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial,
2007.
CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. São Paulo: Associação Editorial
Humanitas,
2006.
SANT'ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, 1999.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com
literatura. São Paulo: Atual, 2005.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática/Rildo Cosson. – 2. Ed., 1ª reimpressão.
– São Paulo: Contexto, 2001.
D’ONOFRIO, Salvatore. Forma e sentido do texto literário. São Paulo: Ática, 2007.
GENS, Armando. Sobre o Poema, o Poeta, o Livro. In: MARTINS, Georgina; SANTOS, Leonor
Werneck; GENS, Rosa (orgs.). Literatura infantil e juvenil na prática docente. Rio de Janeiro:
Ao Livro Técnico, 2010.
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1 “O `ADEUS` DE TERESA”, DE CASTRO ALVES, E “TERESA”, DE