A Educação Física na história do pensamento educacional: apontamentos Universidade Estadual do Centro-Oeste Guarapuava - Irati - Paraná - Brasil www.unicentro.br Carlos Herold Junior A Educação Física na história do pensamento educacional: apontamentos UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE UNICENTRO Reitor: Vitor Hugo Zanette Vice-Reitor: Aldo Nelson Bona Editora UNICENTRO Conselho Editorial Direção: Beatriz Anselmo Olinto Assessoria Técnica: Carlos de Bortoli, Oséias de Oliveira e Waldemar Feller Divisão de Editoração: Renata Daletese Divisão de Revisão: Rosana Gonçalves Seção de Revisão Lingüística: Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira Correção: Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira e Rosana Gonçalves Diagramação: Anna Júlia Peccinelli Minieri, Andréa do Rio Alvares, Bruna Silva, Eduardo Alexandre Santos de Oliveira Diagramadora: Andréa do Rio Alvares Capa: Lucas Gomes Thimóteo Impressão: Gráfica UNICENTRO Direção: Lourival Gonschorowski Presidente: Marco Aurélio Romano Beatriz Anselmo Olinto Carlos Alberto Kühl Helio Sochodolak Luciano Farinha Watzlawick Luiz Antonio Penteado de Carvalho Marcos Antonio Quinaia Maria Regiane Trincaus Osmar Ambrosio de Souza Paulo Costa de Oliveira Filho Poliana Fabíula Cardozo Rosanna Rita Silva Ruth Rieth Leonhardt Ficha catalográfica Catalogação na Publicação Regiane de Souza Martins -CRB9/1372 Biblioteca Central Campus Guarapuava Herold Junior, Carlos H561e A educação física na história do pensamento educacional: apontamentos / Carlos Herold Junior. - - Guarapuava: UNICENTRO, 2008. 200 p. Bibliografia ISBN 978-85-7891-010-5 1. Educação Física. 2. Educação Física – História. 3. Educação Física – Educação. 4. Educação Física – Ensino Superior. 5. Educação Física – Capitalismo. I. Título. CDD 796.07 Copyright © 2008 Editora UNICENTRO Sumário 9 Apresentação 27 Os projetos de educação do corpo nas transformações da antiguidade grega 55 A Educação Física no pensamento educacional moderno durante o contexto francês do século XVIII 85 A Educação Física e os sistemas nacionais de ensino 109 A Educação Física nas atas do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro (1884) 151 Corpo, Educação Física e o trabalho no capitalismo industrial (1860-1920) 185 Referências Apresentação A aproximação entre educação física e os estudos efetuados nos cursos de pós-graduação em Educação é tributária de um imenso processo de questionamento e revisão dos instrumentais teóricos vivenciados em cada área que fez com que, a partir das décadas de 80 e 90, um grande contingente de professores de educação física se preocupasse com as dimensões sociológica, antropológica, filosófica e histórica da sua atuação. Ao se aproximarem dos teóricos da área de Educação, acompanharam a inflexão feita por esses estudiosos em sua busca de verificar os limites e as possibilidades educacionais numa sociedade marcada por processos de desenvolvimento econômico e social, caracterizados pela desigualdade e pela combinação dessa desigualdade em nível planetário. O resultado mais visível desse processo foi a profusão de obras e estudos que mostraram de forma inequívoca as “determinações” advindas do capitalismo e que teriam sido responsáveis por aquilo que se 12 criticava nas aulas de Educação Física nas escolas e pelos problemas observados na formação desses profissionais: discriminação, instrumentalização do corpo e das diferentes práticas corporais, falta de criatividade do professor, o apego à rotina, concepções mecanicistas de corpo e educação, autoritarismo, desconexão entre essas aulas e a realidade concreta de cada educando, o desenvolvimento de valências físicas em detrimento de características cognitivas e afetivas. Esse resultado marcou e foi marcado pelos estudos na área de história da educação que tematizaram as práticas educativas em diferentes momentos da sociedade brasileira. Tratou-se, então, de mostrar aquilo que, até então, tinha sido feito, constituindo-se em base de todo um conjunto de práticas e pensamentos que deveriam ser ultrapassados pela “análise crítica”. A tentativa foi mostrar que a intenção em dar para a educação física uma preocupação “legitimamente pedagógica” (BRACHT, 1992) pressupunha lutar contra a “herança” e séculos de uma concepção de educação que, “cartesianamente”, via o corpo como uma máquina para ser desenvolvida para a satisfação de interesses da “classe dominante”. Os diferentes olhares lançados na história da educação por parte dos professores de Educação Física esforçavamse por mostrar as diferentes tentativas de construir aquilo que, na atualidade, deveria ser ultrapassado. A análise histórica, assim, servia como uma justificativa das questões enfrentadas por professores e alunos no momento em que escreviam suas análises. A história da educação era utilizada como uma grande e amarga lição dos limites indesejáveis experimentados cotidianamente pelos professores de Educação Física. Com as transformações sociais e culturais observadas na década de 90 e início do século XXI, bem como pelo desenvolvimento mais visível da pós-graduação em Educação Física, observamos que o relacionamento entre a Educação e a Educação Física, no que diz respeito à análise histórica, passou por mudanças. Em primeiro lugar, no âmbito cultural mais amplo, o conjunto de concepções estéticas e filosóficas, 13 normalmente conhecidas como pós-modernistas, acabaram imprimindo questionamentos na matriz de análise acima, que primavam pela relação entre educação e as lutas pela transformação/manutenção social. Como resultado, na 14 história da educação, por exemplo, passou-se a questionar e a denominar as abordagens, até então, levadas a cabo de “azevedianas”, mecanicistas, e economicistas. A busca por “novos objetos” e “novas abordagens” culminou na proliferação de estudos que defendiam a necessidade de se “reconstruir” o cotidiano e a “cultura escolar” (JÚLIA, 2001), primando pelas descontinuidades passíveis de serem observadas em cada país, região, estado, cidade e instituição escolar. A preocupação com a história na área de Educação Física passou a primar pelas questões de caráter cultural, focando a memória sobre as diferentes práticas esportivas, a construção de gênero nessas práticas, bem como a necessidade de se estudar historicamente as variadas práticas e estratégias de lazer nas diferentes cidades do país. Há que se ter claro que essas mudanças agregaram questões de extrema relevância e que devem ser consideradas. A advertência que pretendemos aportar, entretanto, é a necessidade de reformular algumas das “velhas” estratégias analíticas para que elas entabulem um diálogo mais profícuo com essa mudança teórica assistida na década de 90, colocando questões para colaborar nos importantes questionamentos levados a cabo no seio desse movimento. Não se trata de proceder de forma conciliatória ou eclética. Mas não se trata, também, de assumir um posicionamento ingênuo e maniqueísta que simplesmente nega as “novidades” ou abandona as matrizes de análises que até então tinham sido feitas, vulgarmente vistas como “ultrapassadas”. Observamos que atitudes simplórias e também posicionamentos marcados pelo cuidado analítico existem. Como um exemplo de posicionamento que funda a idéia de ser necessário o abandono das matrizes de análises até então existentes, temos o pensamento de Baudrillard (1999, 2005). Foucault (2005), por sua vez, demonstra o referido cuidado, quando, mesmo criticando o materialismo histórico, não desconsidera que a obra de Marx apresenta importantes esclarecimentos sobre a questão do corpo na modernidade. Konder (1998), por outro lado, reprova a atitude de marxistas 15 que desconsideram de forma unilateral as análises desenvolvidas pelos pós-modernistas, observando a necessidade de encarar esse movimento para entender os rumos que a sociedade atual vem tomando e os 16 instrumentais com que ela se analisa. Entre as temáticas desconsideradas pelos marxistas, afirma Konder (1998), estão as questões concernentes ao corpo e a sua educação. Isso também, pode ser observado em Wood (1999), ao afirmar que os marxistas não deveriam desconsiderar as temáticas analisadas pelos pós-modernistas, mas sim se esforçarem por mostrar como essas temáticas poderiam ser mais profundamente analisadas se tomassem como suporte teórico o materialismo dialético. Essas considerações são relevantes, pois as análises contidas neste livro remetem diretamente para uma temática que surge do fortalecimento do ideário pós-moderno: o corpo e sua educação. Por outro lado, tentamos mostrar que esse tema pode ser mais bem focalizado se tomarmos como baliza analítica as diferentes formas históricas de trabalho. Ou seja, se a grande justificativa do pós-modernismo em entabular a análise dos processos formativos do corpo é o fato de ele materializar a riqueza informalizável do cotidiano e do específico, buscamos amarrar essa importante constatação com as questões mais amplas da sociedade e que tocam questões pertinentes à defesa da transformação ou da permanência das diferentes organizações sociais na história, utilizando-as como fundamento para realizar a análise histórica do pensamento educacional sobre o corpo. Além de fugir das armadilhas metodológicas, que dizem respeito à forma como o debate atual em torno das viabilidades e dos problemas do pós-modernismo e do marxismo, objetivamos preencher outras lacunas. Mesmo no momento em que a aproximação entre educação física e educação se deu, não houve a elaboração de estudos que se debruçassem sobre o pensamento pedagógico moderno no âmbito da educação corporal. Menções a esse pensamento são raras e quando acontecem, desconsideram o longo processo de criação e transformação do pensamento educacional liberal e sua conseqüência mais importante: a pedagogização da educação corporal no interior da escola pública do século XIX na Europa e sua discussão no Brasil. Não podemos deixar de considerar, também, os citados debates acadêmicos que acontecem no interior da história da educação e que, de forma freqüente, 17 assumem a análise do pensamento pedagógico como algo a ser evitado ou como uma atitude que simboliza um procedimento a ser ultrapassado, em nome dos já mencionados “novos objetos” e das “novas abordagens”. 18 Concordamos com essa crítica quando ela dirige seu foco ao procedimento de se encarar essas idéias de forma evolutiva e cumulativa, além de ver nesse pensamento o ponto do qual se irradiam as práticas pedagógicas de um tempo. Nesse sentido, observamos que um procedimento mais condizente com os desdobramentos na nova história cultural, não é o abandono dos estudos dos grandes pensadores da educação, mas sim, verificar as mediações entre essas idéias e os diferentes sujeitos e espaços escolares erigidos na história, analisando proximidades, rupturas e as diferentes apropriações desse pensamento nas diferentes realidades. Com isso, não vemos oposição entre essa análise do pensamento pedagógico sobre o corpo e as análises de Foucault (2005) e Chartier (1990), por exemplo, mesmo que neste trabalho optemos por assumir apenas o estudo dos diferentes pensadores da educação quando eles pensam sobre o corpo e sua educação. Se na área de Educação Física é muito difícil encontrar análises históricas que se inquietem com o desenvolvimento do pensamento educacional, sobretudo, com perspectivas ou de conjunto (reunindo vários pensadores) ou de globalidade (acompanhando os impasses da modernidade), observamos algo diferente na área de educação. Nos manuais de história da educação ou da pedagogia, encontramos de forma intensa a menção à educação corporal e física, principalmente quando são analisadas a Antiguidade Clássica e a Modernidade. Entretanto, uma análise desses manuais evidencia a necessidade de contemplar de maneira mais próxima o desenvolvimento da história das idéias pedagógicas em relação à educação do corpo. O que nos impulsiona a sustentar essa necessidade, é o fato de as análises sobre a temática apresentarem-se sem uma consideração mais detida sobre o papel e os limites da educação do corpo nos momentos analisados pelos manuais. Não que a leitura dessas obras não seja importante, mas notamos que a questão da educação do corpo e/ou da educação física pode e precisa ser tratada de modo mais aprofundado. Compreendemos que os limites e os objetivos dessas 19 obras impossibilitam qualquer aprofundamento. O que nos preocupa e nos impulsiona na realização desta análise é o fato de serem essas leituras as grandes formadoras do entendimento que temos sobre a educação do corpo 20 na história do pensamento educacional. Eby (1970), ao focalizar a educação na modernidade, analisa a Educação Física em poucos momentos de sua obra e se limita, apenas, a citar algumas informações sem almejar uma reflexão mais aprofundada: 1) depois de afirmar que a educação do corpo fora deixada de lado na Idade Média, ele afirma a retomada dessa modalidade educativa na arte cavalheiresca e no elogio das obras da Antiguidade Clássica; 2) Ao analisar a obra de Ricardo Mulcaster (1530-1611), na Inglaterra, evidencia que este autor valorizava intensamente várias atividades físicas; 3) Ao falar das idéias de Locke, Eby sumariza o primeiro capítulo de Pensamentos sobre a educação, em um parágrafo; 4) Há, também, a afirmação da importância da Educação física na obra de Basedow e as influências que ele recebera de Rousseau. Um ponto que merece ser destacado é que nas obras que versam sobre a história da educação na Antiguidade, a Educação Física recebe uma atenção maior, mesmo que ainda limitada. Jaeger (1995), ao analisar a formação e a importância da Paidéia, dedica-se, em dois capítulos, a entender a importância da ginástica na República, de Platão, e verificar o papel da Medicina na formação do homem grego, respectivamente. Neles, Jaeger defende que a Paidéia grega era, essencialmente, a busca do desenvolvimento humano em sua plenitude corporal e espiritual. Já Marrou (1975) vê com suspeição essa idéia, afirmando que há uma passagem de uma cultura física e guerreira, para uma intelectualização e para a vida política da sociedade. Marrou (1975) adverte que o tão aclamado desenvolvimento harmônico imputado à educação grega só acontecera em um curto período de tempo em que a moral guerreira e a política ainda coexistiam. Manacorda (2006), ao analisar a história da educação da antiguidade aos dias atuais, contempla a Educação Física de forma a analisá-la em quase todos os momentos da história, excetuado o início da modernidade. O autor contempla a educação do corpo no antigo Egito, na Grécia clássica, em Roma, na educação guerreira dos povos bárbaros, a educação dos 21 cavaleiros e os desenvolvimentos da educação física e do esporte no século XIX e início do XX. O que observamos nas relevantes análises de Manacorda é, devido aos limites que um manual geral necessariamente possui, 22 a falta de aprofundamento das questões, reduzidas que foram aos processos descritivos das atividades e da constatação alternada entre a criação, desaparecimento e renascimento da educação corpo. Cambi (1999) contempla a questão da educação do corpo e da educação física escolar. O autor italiano apresenta rápidas análises sobre a temática, citando 1) os jogos agonísticos gregos, 2) a condenação da corporeidade nas epístolas paulinas, 3) os modelos educativos em oposição na alta Idade Média, 4) a importância do corpo no processo de construção do Estado moderno, 5) o controle corporal nas relações humanas estabelecidas na vida cotidiana, 6) a importância da ginástica em Vittorino de Feltre, 7) o pensamento de Locke e a ginástica, 8) análise da obra de Rousseau, 9) a relevância da Educação Física na pedagogia alemã século XIX, 10) a necessidade dessa modalidade educativa na obra de Spencer, 11) a justificativa dada pelos socialistas utópicos e marxistas à educação física e 12) ao focalizar a importância da educação do corpo na Alemanha nazista, expressa em Mein Kampf. A relevância dessas análises é indiscutível para o entendimento das maneiras como os homens pensaram e realizaram a educação do corpo na história. Entretanto, queremos colaborar com esses estudos cruzando as informações e conclusões que elas trazem com as transformações no mundo de trabalho que ocorrem e que ocorreram na história. Ao pretender colaborar com o debate metodológico mais amplo que tem lugar na área de Educação e Educação Física, e, também ao intencionar contemplar uma análise de conjunto do pensamento educacional moderno sobre o corpo, acreditamos que estas reflexões dirigem-se para a satisfação de um duplo interesse. Primeiramente, justificamos a realização desta obra por acreditarmos ser necessário, no âmbito da pesquisa sobre a educação do corpo, concatenar idéias e análises que, normalmente, vistas como antípodas, poderiam oferecer mutuamente complementações enriquecedoras. Tal é o caso da polarização entre os aspectos gerais e específicos, 23 entre os da coletividade e os da individualidade, entre economia e cultura etc, que dirigem as opções teóricas dos analistas. Assim, compomos este livro com a atenção voltada para as inquietações dos pesquisadores nas duas 24 áreas, sentidas na hora de elaborar suas leituras sobre os processos educacionais na história. Em segundo lugar, evidenciamos o possível valor deste estudo pela lacuna mencionada em análises que investigam os caminhos percorridos pelo pensamento educacional referente à educação do corpo. Com isso, acreditamos que o conjunto dos textos tem particular interesse nos cursos de formação de professores em geral e de Educação Física em particular, por oferecer uma leitura e convidar à realização de outras a todos aqueles que iniciam a construção de uma reflexão histórica sobre os limites e as possibilidades da Educação Física. Os textos que compõem este livro foram elaborados no decorrer dos últimos cinco anos e refletem a intenção de refletir sobre as formas históricas de se pensar e fazer a educação corporal das sociedades. É esse ponto que une todos os capítulos do livro. Isoladamente, porém, os capítulos focam temáticas históricas específicas, podendo ser lidos de forma desvinculada dos demais. Dito de outra forma, optamos por fazer apontamentos sobre a Educação Física na história do pensamento educacional a redigir um manual ou um texto que fosse desenvolvendo uma única reflexão do “começo” ao “fim”, tal qual encontramos em teses, dissertações e em manuais de história da educação. Os capítulos foram publicados, parcial ou integralmente, em diferentes periódicos na área de educação, em circulação no país. Agradecemos aos editores da Revista Histedbr-Online, Analecta, UNICENTRO e Publicatio, UEPG. Agradecemos, também, à Fundação Araucária pelos recursos que possibilitaram a publicação desta obra. 25