UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
RENATA AZEVEDO ANDREUCCI
O URBANO E O SANITÁRIO NA TRANSFORMAÇÃO
DO ESPAÇO EM CAMPINAS
São Paulo
2009
Renata Azevedo Andreucci
O urbano e o sanitário na transformação
do espaço em Campinas
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Orientadora: Profa. Dra. Maria Isabel Villac
São Paulo
2009
2
A561u Andreucci, Renata Azevedo.
O urbano e o sanitário na transformação do espaço em
Campinas / Renata Azevedo Andreucci – 2009.
191f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009.
Bibliografia: f. 127-140.
1. Urbanismo sanitarista. 2. Higienismo. 3. Planejamento
urbano. 4. Saturnino de Brito. 5. Prestes Maia. I. Título.
CDD 711.4
3
RENATA AZEVEDO ANDREUCCI
O URBANO E O SANITÁRIO NA TRANSFORMAÇÃO
DO ESPAÇO EM CAMPINAS
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Profa. Dra. Maria Isabel Villac - Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________
a
a
Prof . Dr . Eunice Helena Sguizzardi Abascal
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________
Profa. Dra. Maria Cristina da Silva Schicchi
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
4
AGRADECIMENTO
Há muito que agradecer e para muitos.
À minha orientadora, professora Dra. Maria Isabel Villac, por acreditar em mim e me incentivar com comentários sempre
preciosos e generosos.
À banca de qualificação, professoras Dras. Eunice Abascal e Marica Cristina Schicchi, por sugerirem novos olhares sobre
a cidade e pela indicação bibliográfica que muito contribuiu para a finalização dessa dissertação.
Aos meus amigos de toda hora: Flávia Nunes, Ana Paula M. Soares, Michel Farah, Fernando Prestes, Ana Paula Pedro,
Luciana Antunes, Marcela Miranda, Bertha e Luis Renato, pela constante torcida pelo meu sucesso.
Aos meus familiares em especial: Maria Helena Ferreira do Nascimento, Maria Lucia Godoy, Gilberto Ferreira dos Santos,
Maria von Ihering de Azevedo, Mario e Yolanda Andreucci e Rodolfo Azevedo.
Aos meus pais e meus queridos irmãos pelo carinho e incentivo constante. A eles este trabalho é dedicado.
5
RESUMO
Aborda as questões relacionadas à implantação do urbanismo sanitarista nas cidades e do planejamento urbano, com intuito de
ordenar o crescimento acelerado das cidades. Relata a atuação do engenheiro sanitarista, Francisco Saturnino de Brito e do
engenheiro urbanista Francisco Prestes Maia e a influência no processo de transformação do espaço urbano de Campinas. A
cidade, localizada no interior do estado de São Paulo, teve sua origem a partir do estabelecimento de tropas que seguiam em
direção às minas de ouro. Constituiu-se como vila no ciclo da cana de açúcar e estava em processo intenso de modernização,
com a consolidação do complexo cafeeiro, quando teve sua população dizimada por três grandes surtos consecutivos da
epidemia de febre amarela. O trabalho compara algumas propostas inovadoras feitas por Saturnino de Brito, na condição de
Chefe do Distrito da Comissão Sanitária do Estado de São Paulo; e de Prestes Maia, no Plano de Melhoramentos Urbanos.
Conclui que o planejamento urbano é fundamental para direcionar o crescimento natural das cidades, antecipando a resolução
dos principais problemas.
Palavras chaves: urbanismo sanitarista, higienismo, planejamento urbano, Saturnino de Brito e Prestes Maia
6
ABSTRACT
The paper deals with issues related to the implementation of the town planning health in the cities and of the urban planning to
order the accelerated growth of the cities. It relates the action of the sanitary engineer, Francisco Saturnino de Brito and the
town planner engineer Francisco Prestes Maia and their influence in the transformation of the urban space of Campinas. The
city, located in the inland area of the state of São Paulo, had his origin from the establishment of troops that followed in the
direction of the goldmines. It became a town in the cycle of the sugar cane and since then was in intense process of
development, with the consolidation of the coffee complex, when its population was devastated by three big consecutive
outbreaks of the epidemic of yellow fever. The paper compares some innovative proposals of Saturnino de Brito, in the condition
Chief Sanitary District Commission of the State of São Paulo; and of Prestes Maia, the Urban Improvement Plan. It concludes
that the urban planning is fundamental to control the natural growth of the cities, avoiding the major problems.
Keywords: town planning health worker, hygiene, urban planning, Saturnino de Brito and Prestes Maia
7
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
CAPÍTULO I – Breve história da formação da arquitetura de Campinas
10
--------------------------------------------
15
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
15
1.1
O povoamento
1.2
A vila da cana-de-açúcar
1.3
A cidade do café
------------------------------------------------------------------------------------------------------
25
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
38
CAPÍTULO II – A questão do saneamento enquanto parâmetro urbanístico
---------------------------------------
60
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
60
2.1
As cidades e a peste
2.2
A epidemia de febre amarela em Campinas
2.3
A presença de Saturnino de Brito na cidade de Campinas
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
CAPITULO III - A questão do urbanismo na modernização de Campinas
3.1
As cidades e urbanismo
3.2
Plano Prestes Maia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
69
78
--------------------------------------------
93
----------------------------------------------------------------------------------------------------
93
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
99
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
125
ANEXO A - Relatório de 1897 da Comissão de Saneamento do Estado de S. Paulo
----------------------------------
ANEXO B - Relatório sobre o caráter e o programa do Plano de Urbanismo de Campinas, 1934
136
-----------------
142
----------------------------------------------------------------------
146
ANEXO D - Ato no 118 de 24/03/1938 – Aprova o Plano de Urbanismo de Campinas -----------------------------------
178
BIBLIOGRAFIA
184
ANEXO C - Relatório da exposição preliminar, 1934
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
8
“En mi peregrinación en la busca de la modernidad
me perdí y me encontré muchas veces.
Volvi a mi origen y descubrí que la modernidad
no está afuera sino adentro de nosostros.”
Octavio Paz
Discurso em Estocolmo, em 08 de novembro de 1990,
ao receber o Prêmio Nobel de Literatura.
9
INTRODUÇÃO
As
cidades
se
modificam
constantemente
respondendo a demanda de diversas naturezas e
Campinas não foge a regra. A cidade, localizada no
interior do estado de São Paulo, teve sua origem a partir
do estabelecimento de tropas que seguiam em direção
as minas de ouro. Constituiu-se como vila no ciclo da
cana-de-açúcar e estava em processo intenso de
modernização,
com
a
consolidação
do
complexo
cafeeiro, quando teve sua população dizimada por três
grandes surtos consecutivos da epidemia de febre
amarela.
Saturnino de Brito foi contratado, pela Prefeitura
da cidade de Campinas, no ano de 1896, após os
diversos surtos epidêmicos, que arrasaram o município
alterando
beneficiado
o
cenário
pelas
de
intensa
plantações
de
modernização
café.
Após
as
sugestões urbanísticas feitas pelo engenheiro e sua
equipe, os surtos de febre amarela acabaram.
10
Outro momento de remodelação urbana foi com
o Plano de Melhoramentos Urbanos, que teve seu início
definido pela contratação, em 1934, do engenheiro
arquiteto Francisco Prestes Maia. Este, como urbanista,
propôs que a antiga cidade cafeicultora passasse a ser
pensada sob o aspecto funcional, dividida em quatro
aspectos: habitação, recreação, trabalho e circulação.
O objetivo do trabalho que apresentamos é
estudar e resgatar a história econômica e social da
importante cidade, Campinas, avaliando sua condição
urbana e ambiental contemporânea. Visa também
apontar conceitos urbanísticos que poderão contribuir
para a prática do planejamento urbano no país.
O foco do trabalho é comparar as intervenções
apontadas
no
parecer
proposto
pelo
engenheiro
sanitarista Saturnino de Brito à cidade, em 1896, e as
propostas do Plano de Melhoramentos Urbanos de
Campinas, desenvolvido entre 1934 e 1962.
O
antecede
trabalho
a
compreenderá
contratação
de
o
período
Francisco
que
Rodrigues
Saturnino de Brito [1864-1929] até a aprovação do
11
Plano de Melhoramentos Urbanos, instituídos pelo Ato
Municipal número 118 de 23 de abril de 1938. Este limite
foi determinado para compreender alguns aspectos na
formação da cidade de Campinas que induziram a
contratação de Saturnino de Brito, em 1896, e depois a
de Francisco Prestes Maia [1896-1965], em 1934, até a
aprovação do Plano de Melhoramentos.
Na dissertação procuraremos responder, ao
longo de três capítulos, algumas questões:
1. Quais foram as condições que propiciaram a
contratação de Saturnino de Brito, em 1896?
2.
Quais
as
intervenções
do
plano
de
saneamento foram resgatadas ou complementadas com
o Plano de Melhoramentos Urbanos proposto por
Prestes Maia?
3.
Quais os conceitos urbanísticos utilizados
pelos dois profissionais em que as propostas estavam
assentadas?
A primeira tarefa com que nos deparamos foi a
de produzir, a partir de bibliografia levantada, uma breve
história da formação da cidade de Campinas, o
surgimento da cana de açúcar, por volta de 1790, e
12
depois
com
processo
intenso
de
modernização
beneficiado pelas plantações de café.
Buscamos
compreender, no primeiro capítulo, as razões que
justificariam, mais tarde, a necessidade de remodelação
urbana em Campinas.
O
segundo
capítulo
aborda
as
questões
relacionadas à implantação do urbanismo sanitarista nas
cidades e as principais práticas adotadas pelos
higienistas. Relata a atuação do engenheiro sanitarista,
Francisco Saturnino de Brito e sua influência no
processo de transformação do espaço urbano de
Campinas. Procuramos avaliar, a partir da história,
algumas questões atuais sobre a estrutura urbana.
O
terceiro
capítulo
tratará
o
Plano
de
Melhoramentos Urbanos, proposto por Prestes Maia, em
1934, em que o arquiteto utiliza os valores universais
(higiene e a saúde, cultivo ao corpo, eficiência e
rendimento – sobretudo ao sistema viário) para a
elaboração do plano. Este capítulo visa resgatar
conceitos urbanísticos propostos por Saturnino que
foram utilizados por Prestes Maia em suas intervenções
feitas três décadas depois.
13
O último capítulo fará a comparação dos dois
planos e uma breve análise das propostas posteriores
ao Plano de Saneamento e o de Melhoramentos
Urbanos que foram feitas e as em andamento na cidade.
Buscamos
compreender
os
pontos
em
comum
encontrado nas propostas e ver seu rebatimento na
cidade nos dias atuais.
A abordagem do trabalho teve como objetivo
descrever, da maneira mais precisa possível, as
propostas pioneiras feitas pelos dois profissionais,
caracterizando aspectos singulares na configuração
encontrada na cidade atualmente.
Ao final do trabalho pretendemos oferecer uma
contribuição
estudos
a
mais
outros
pesquisadores,
aprofundados
das
incentivando
práticas
de
planejamento urbano.
14
Capítulo I:
BREVE
HISTÓRIA
DA
FORMAÇÃO
DA
ARQUITETURA DE CAMPINAS
1.1 – O povoamento
Campinas nasceu como muitas outras cidades
do Brasil, resultante de pousos de Bandeirantes
Paulistas, que partiam de São Paulo e Parati e seguiam
principalmente para Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso,
em busca de ouro, pedras preciosas e escravizando
índios.
Os
viajantes
percorriam
o
caminho
dos
Guaiases, uma rústica picada, aberta em 1722, que
ligava São Paulo às novas jazidas de ouro. Seu traçado
permanece até hoje no desenho da cidade, atualmente
Figura 01 – Localização do primeiro pouso na foto aérea da cidade de
Campinas.
Fontes: Imagem gerada no programa Google Earth
encontrado na Rua Coronel Quirino e Itu, e no encontro
com a Avenida Doutor Moraes Sales ficava o primeiro
pouso de tropeiros (Figura 01).
15
A cidade originou-se de três pousos de
tropeiros, os chamados “campinhos” (Figura 02), que
floresceram às margens de três cursos d´água. O
primeiro era banhado pelo Córrego Lavapés, atualmente
conhecido como Córrego Proença. Já o segundo
“campinho” era utilizado para descanso e pastagem das
tropas de mulas, que por muitos anos foi conhecido
como largo do capim e ficava próximo do córrego do
Tanquinho, que servia de bebedouro de animais
(SANTOS, 2004, p.60).
O terceiro pouso fazia parte do bairro chamado
Santa Cruz, atual Largo da Santa Cruz, e era abastecido
pelos córregos Tanquinho e Barbosa. Este último,
depois conhecido como córrego Serafim e, atualmente,
canal da Avenida Orosimbo Maia.
Os viajantes ficavam acomodados em ranchos,
construções rústicas semelhantes a ocas indígenas. Os
ranchos eram construídos com fibras vegetais, sapé,
folhas
de
bananeiras,
entre
outros
materiais
encontrados na natureza. O piso era de terra batida e os
viajantes dormiam sobre esteiras ou couro de animais.
Os
ranchos
foram
a
primeira
manifestação
de
arquitetura em Campinas (Figura 03).
16
Figura 02 – Na primeira imagem a localização provável dos campinhos no mapa de Campinas de 1879: na baixada da Av. Moraes Sales, na Praça Carlos Gomes e na
baixada das Av. Brasil e Orozimbo Maia. Na segunda imagem a localização dos pousos na foto aérea atual.
Fonte: GONÇALVES, J. R., 2002, p. 54 e imagem gerada no programa Google Earth.
17
O declínio da mineração reduziu o trânsito nas
estradas e os pousos foram perdendo a importância.
Alguns
viajantes
permaneceram
nas
instalações,
iniciando, assim, lentamente a formação de um bairro
rural, pertencente à Vila de Jundiaí, denominado Bairro
do Mato Grosso de Campinas.
No bairro rural, formado a partir de 1745, viviam
cerca de 200 pessoas que dependiam totalmente de
Jundiaí, onde resolviam suas pendências jurídicas e
administrativas,
exerciam
atividades
políticas,
participavam de festas, cumpriam deveres religiosos
(BADARÓ, 1996, p.18).
Sem assistência religiosa no local, os imigrantes eram
obrigados a ir a Jundiaí para se desobrigarem de seus
deveres para com Deus. Faltava-lhes uma igreja, que,
Legenda:
C: cozinha;
Co: corredor ou alpedre de
distribuição;
O: oratório;
Rh: dormitório de hóspedes;
Ri:dormitório;
Sa: sala de jantar;
por um lado, atendesse às suas necessidades
espirituais e, por outro, Ihes servisse de ponto de
encontro, nas horas de lazer (A EVOLUÇÃO DE
CAMPINAS, jornal Correio Popular, Campinas, 1980).
Figura 03 – Sítio do Calu, Embu, em 1942.
Exemplar de casa banderista em taipa de pilão.
Fonte: Lemos, 1999, p. 48
18
Em 14 de julho de 1774, o antigo pouso dos
Bandeirantes foi elevado à categoria de Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Campinas de Mato
Grosso. Na data da inauguração foi celebrada uma
missa em uma capela que, segundo Mariano (1974), era
pequena e improvisada, pois não haveria tempo e
dinheiro o bastante para a localização da Igreja Matriz
(Figura 04). Sua provável construção é onde atualmente
está o monumento-túmulo de Carlos Gomes, na praça
Bento Quirino (Figura 05).
Figura 04 - Igreja Matriz Velha de Campinas, (1848)
Aquarela de Hercules Florence, 20,5 x 30 cm
Fonte: SANTOS, 2004, p.61
A fama de boas qualidades das terras de Campinas
espalhou-se por outros lugares e atraiu para ela
grande número de pessoas, entre outras, Francisco
Barreto Leme e no antigo lugar, hoje denominado
Campinas Velha, foram construídas as primeiras casas
(GUIMARÃES, 1953, p.23).
A freguesia era o centro religioso de uma
pequena comunidade rural, dedicada a atividades de
subsistência e a policultura rudimentar. O principal
produto cultivado pelos poucos moradores era o milho e
Figura 05 - Estátua Carlos Gomes. Campinas, (190_)
Cartão postal, Casa do Livro Azul
posteriormente a cana-de-açúcar.
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 55
19
A criação da freguesia já demonstrava as
primeiras delimitações urbanas (Figura 06). De acordo
com o autor Matos (2006, p.38), o então capitãogeneral,
atualmente
chamado
de
governador,
ao
atender à petição dirigida por Francisco Barreto Leme,
estabeleceu que a povoação fosse formada por quadras
com largura de sessenta ou oitenta varas cada uma, e
que as ruas fossem formadas em quadras de modo que
os quintais ficassem para dentro a entestar uns com os
outros. E o autor Lamas (1992, p.58) explica que
a cidade ocidental sedimentou o conhecimento das
cidades através dos eixos das ruas e dos cruzamentos
e nós. A analogia é evidente com a formação
matemática dos eixos que permite localizar um ponto
num plano. O jogo da ‘batalha naval’ será uma das
mais
singelas
aplicações,
que
qualquer
criança
aprende com facilidade; assim como qualquer criança
aprende a orienta-se na cidade se tomar os sistemas
viários ortogonais, os quarteirões, os monumentos e
outros sinais de referência (LAMAS, 1992, p.58).
20
Figura 06 – Mapa de Campinas em 1900 de Leopoldo Amaral com a situação urbana da cidade em 1774 com o núcleo urbano consolidado (em laranja)
e o rossio ¼ léguas (em amarelo). Desenho do Arquiteto Ricardo de Souza Campos Badaró.
Fonte: FERREIRA, 2007, p. 21
21
Barreto
Leme
tinha
como
compromisso
impulsionar a criação do povoado, nem que para isso
fosse necessário doar parte de suas terras. Ele
concedeu um quarto de légua de sua propriedade em
torno da atual Praça Bento Quirino (Figuras 07 e 08).
Alguns historiadores, como é o caso de Lapa (1996,
p.49), cita que ele cedeu parte de sua propriedade à
padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição.
Esse quadrilátero está marcado pela multiplicidade de
usos, pode ser considerado o marco zero da cidade,
delimitado por quatro ruas: Rua de Cima (Barão de
Jaguara), Rua Sacramento, Rua da Matriz Velha
(Barreto Leme) e Rua da Cadeia (Bernardino de
Campos). Chamado de Largo da Matriz Velha (Carmo),
ele concentrava a simbologia do poder da cidade, tanto
o religioso quanto o judiciário e administrativo. Pode
Figura 07– Praça Bento Quirino - Autor e data desconhecidos
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 119
assistir a evolução histórica, social, urbana, desde as
celebrações na antiga capelinha – por ocasião da
fundação da Freguesia (separada da de Jundiaí e
sujeita à autoridade diocesana de São Paulo) até a
elevação para a Vila – as primeiras eleições, à
construção dos primeiros sobrados, os cortejos dos
cidadãos ilustres e membros do clero que eram
enterrados
na
igreja,
as
festas
religiosas
e
o
crescimento à sua volta (BATTISTONI FILHO, 2002,
p.13).
22
Figura 08 – Fotos aéreas da atual praça Bento Quirino.
Fonte: imagens geradas pelo programa Google earth
23
Os imigrantes que no povoado se instalaram,
plantavam gêneros para sua subsistência e vendiam os
excedentes. O principal produto, neste período, era o
milho. Essa situação só iria se modificar com a
introdução da lavoura da cana-de-açúcar (Figura 09).
Figura 09 - Fazenda Sete Quedas - Os primeiros imigrantes trazido para Campinas alojaram-se na Fazenda Sete Quedas
Fonte: GONÇALVES, 2002, p. 70
24
1.2 - A vila da cana-de-açúcar
Em 16 de novembro de 1797, Antônio Manuel
de Melo Castro e Mendonça, então governador da
Capitania de São Paulo, depois de avaliada a solicitação
de 47 moradores, em sua maioria donos de engenho,
elevou o povoado e determinou a instalação da Vila de
São Carlos, como mostra o texto transcrito a seguir:
Atendendo à justa representação que me fizeram os
moradores da freguesia das Campinas, termo da Vila
de Jundiaí, para que a mesma freguesia fosse criada e
ereta Vila, alegando por fundamento haver nela mais
de mil, cento e sete pessoas, como fizeram certo pela
atestação do seu respectivo pároco, entre os quais se
contavam mais de sessenta homens bons, capazes de
ocupar os empregos públicos da Câmara, e como tais
se viam obrigados a ir e servir à referida Vila de
Jundiaí, de oito, dez, doze e catorze léguas de
distância, o que lhes causava maior vexame e prejuízo,
por deixarem ao desamparo as suas casas, famílias,
lavouras de açúcar, em que a maior parte deles se
ocupa, tendo em consideração à verdade do exposto,
e a que a ereção da mesma freguesia em Vila é em
tudo conforme às Régias Instruções de 26 de janeiro
25
de 1705 e outras ordens posteriormente dirigidas aos
Governadores e Capitães-Generais desta capitania:
hei por bem ordenar no Real Nome da sua Majestade
e por serviço da mesma Senhora ao Doutor Ouvidorgeral desta cidade e comarca Caetano Luís de Barros
Monteiro, que passando em continente à mencionada
freguesia das Campinas, faça erigir a sua população
em Vila, cuja se denominará - Vila de São Carlos –
levantando aí pelourinho e assinado-lhe termo de que
mandará lavrar auto, o que será remetido às Câmaras
confinantes, para nelas ficar registrado. E demarcará
também logo lugar e terreno para os Paços do
conselho e cadeia, procedendo à eleição dos juízes,
vereadores e mais oficiais da Câmara, que hão de
servir por confirmação minha, o primeiro ano que terá
princípio em janeiro de mil setecentos e noventa e oito.
São Paulo, 16 de novembro de 1797 (MATOS; RICCI,
1985, p.22).
Foram
demarcados
os
limites
do
rossio
(atualmente chamado de perímetro urbano) e a
localização da Casa de Conselho e Cadeia, erigido o
Pelourinho, símbolo da justiça e procedidas às primeiras
eleições para juízes e vereadores (BADARÓ, 1996,
p.80).
26
Campinas fundada em 1774, já em 1797 atingia
desenvolvimento suficiente para se tornar vila, o que
não era comum no Brasil português, pois na capitania
de São Paulo, muitas freguesias se tornaram mais que
centenárias para atingir foros de promoção (PUPO,
1983, p.22).
Por volta dos anos de 1790-95, a Vila de São
Figura 10 – Aquarela de Hércules Florence, em 1834, visualizando a
implantação do engenho Salto Grande, em Americana
Fonte: LEMOS, 1999, p. 85
Carlos se lançou a cultura extensiva da cana e na
indústria açucareira; “surgiram os engenhos com seu
poderio, formando, cada um, centro autônomo de
produção, com sua vida independente, auto-suficiente,
abastecendo-se pelas próprias forças.” (PUPO, 1983,
p.24). O comércio era voltado para a exportação,
modificando os hábitos da vila e “imprimindo os
primeiros traços de riqueza” (BADARÓ, 1996, p.21)
(Figuras 10 e 11).
As casas térreas que predominavam na freguesia,
pequenas e toscas, construídas de pau-a-pique,
dispostas nos cantos das quadras, com amplos muros
Figura 11 - Aquarela de Hércules Florence, em 1843, mostra escravos
trabalhando ao longo da fornalha para aquecimento e
evaporação do caldo de cana.
Fonte: LEMOS, 1999, p. 86
de barro vermelho ao longo do alinhamento, cederiam
lugar para casario mais denso, seqüência de portas e
27
janelas, interrompida por poucos casarões, e alguns
sobrados construídos com taipa de pilão (BADARÓ,
1996, p.22) (Figura 12).
No primeiro recenseamento feito em Campinas,
em 1775, a freguesia possuía menos de 400 habitantes,
compostos por 39 famílias. No ano seguinte o número
foi elevado para 444, sendo 51 famílias. Um terceiro
recenseamento, em 1795, 1877 habitantes, sendo 283
moradores na área urbana.
A fama de fertilidade das terras campineiras
cresceu e o desenvolvimento da cana de açúcar na vila
e região constituiu o chamado “quadrilátero do açúcar”,
que incluía ainda Itu, Piracicaba, Jundiaí e Mogi Mirim,
Figura 12 - Casa de pau a pique, (190_)
Fonte: PUPO, 1983, p. 69
favorecendo o crescimento e o desenvolvimento do
povoado.
O
próprio
sistema
de
transportes
passou
por
substancial transformação, pois pouco adiantariam os
elevados
índices
de
produção
sem
condições
favoráveis que ligassem ‘as vilas de açúcar’ ao litoral.
(...) Por Campinas passava o velho caminho dos
‘guaiazes’. Daqui saíam caminhos que demandavam o
28
oeste e o sul da Capitania, estabelecendo ligações
com as rotas de gado para o extremo meridional do
país; aqui, articulava-se um emaranhado de caminhos
demandando outras vilas, algumas bem distantes. E,
sobretudo,
esse
sistema
de
transportes
e
comunicações de estabilidade à vida econômica
(MATOS, 2006, p. 28).
A maioria dos habitantes era de agricultores.
Porém, com o desenvolvimento da cana-de-açúcar,
outras
atividades
se
desenvolveram
dentro
do
quadrilátero, para dar suporte comercial de gêneros,
roupas, utensílios, ferramentas, etc. Os “engenheiros”,
como eram conhecidos os donos de engenho de cana,
foram os primeiros líderes políticos de Campinas e
região.
A enorme riqueza conquistada com o comércio
da cana-de-açúcar alterou a fisionomia da cidade. As
primeiras casas eram construídas todas de taipa de
pilão e telha vã. A taipa de pilão é uma técnica
caracterizada pela utilização de terra apiloada dentro de
formas de madeira, permitindo que as paredes sejam
muito resistentes a compressão, mas não a água. A
29
arquitetura resultante dessa técnica construtiva era
limitada
à
composição
de
fachadas.
Havia
a
predominância de cheios e vazios, devido a fragilidade
que um número de portas e janelas acarretava às
Legenda:
C: cozinha;
Rh: dormitório de hóspedes;
Ri:dormitório;
S: sala de frente
Sa: sala de jantar;
paredes (BATTISTONI FILHO, 2004, p.15) (Figura 13).
O viajante Saint-Hilaire, em 1819, observou que
em Campinas “as suas ruas não são muito largas e suas
casas são novas, unidas umas às outras, cobertas de
telhas e construídas, em sua maioria, com terra socada
(taipa)” (SAINT-HILARE, 1972).
É preciso acentuar que, nessa época, ainda eram
desconhecidos os equipamentos de precisão de
topografia e os traçados das ruas eram praticados por
meio de cordas e estacas. A impressão de monotonia
Figura 13 – Rara planta original de casa urbana do tempo do açúcar.
Residência do dono de engenho Luciano Teixeira Nogueira, em
Campinas, de taipa de pilão e divisões interna de taipa de mão,
construída em 1834.
Levantamento original de Celso Maria de Mello Pupo.
Fonte: LEMOS, 1999, p. 122
era acentuada pela ausência de verde. Inexistindo os
jardins domésticos e públicos e a arborização das ruas,
acentuava-se
naturalmente
a
impressão
de
concentração, mesmo em núcleos de população
reduzida. Destacavam-se os pomares, derramando-se
por vezes, sobre os muros (BATTISTONI FILHO, 2002,
p.13).
30
As residências eram construídas de maneira
uniforme e muitas vezes a dimensão e números de
aberturas, a altura dos pavimentos e alinhamentos com
as edificações vizinhas eram definidas nas cartas-régias
ou em posturas municipais. Essa padronização servia
para garantir que as vilas mantivessem a aparência
portuguesa.
Um conselho popular determinava a abertura e
o prolongamento de ruas e a concessão de terrenos à
população de forma gratuita, levando em consideração a
dimensão que se pretendia erguer e a posse do
interessado.
Para
os
pequenos
produtores
eram
concedidas extensas áreas na periferia da cidade, as
chácaras. Este tipo de habitação era a solução preferida
pelas famílias mais abastadas, por ser possível a
criação de animais e o plantio de hortas e pomares. As
moradias urbanas eram utilizadas apenas em ocasiões
especiais.
Nesse período dos anos de 1800 as ruas eram,
em sua maioria, de terra batida e o reduzido trânsito era
de carroças e animais de transporte. As pessoas pouco
circulavam pelas ruas, apenas em dias de feira,
31
quermesse e festas religiosas. A água da chuva era
escoada através de um tipo de sarjeta disposta no meio
da rua. O esgoto era lançado naturalmente e sem
tratamento, principalmente no córrego Tanquinho, o
mais próximo do núcleo urbano (Figura 14).
O lixo era depositado a céu aberto no atual
Largo do Pará, outro na Praça Carlos Gomes e outro no
Largo Corrêa de Melo, onde hoje está o terminal de
ônibus em frente ao Mercadão Municipal. Alguns
historiadores comentam que todas as manhãs os presos
da
cadeia vinham acorrentados em fila
indiana,
carregando tinas de excrementos, que tinham sido
guardados do dia e da noite anteriores, para jogarem
nas valas abertas pela chuva no Largo Carlos Gomes.
Após sessenta anos o largo foi totalmente aterrado com
lixo depositado pelos moradores.
32
Figura 14 – Mapa de Campinas em 1900 de Leopoldo Amaral
Fonte: BADARÓ, 1996, p. 36
33
Nesta época a área urbana era limitada pelas
atuais ruas Marechal Deodoro até a Moraes Sales e, em
outro sentido pela Rua Lusitana até a Rua José Paulino
(Figura 15). Devido à riqueza conquistada com as
plantações de açúcar, numa das ruas inseridas nesse
perímetro foi dado início em 1807 a construção de uma
igreja, de proporções enormes, dedicada a Nossa
Senhora da Conceição, a chamada Matriz Nova,
atualmente conhecida por Catedral. A nova matriz
demorou mais de 70 anos para ser concluída (Figura
16).
A enorme riqueza auferida com o açúcar e, sobretudo,
com o café propiciou não apenas uma série de
melhoramentos materiais que beneficiaram a cidade,
mas igualmente uma preocupação de ordem cultural,
artística, social e religiosa. É significativo que uma
cidade ainda tão pequena, que mal passava dos seis
mil habitantes tenha, tido condições para a edificação
Figura 15 – Em vermelho, demarcada a área urbana de Campinas, em 1800; em
laranja, a localização da Matriz Nova; e em verde os antigos
“campinhos”, os primeiros pousos.
Fonte: imagem gerada pelo programa Google Earth
de uma igreja tão grandiosa – dos mais belos templos
do Brasil – famosa pelas suas obras de arte (MATOS,
2006, p. 33).
34
Esta situação começa a mudar no Brasil, pois a
chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em
1808, alterou profundamente a arquitetura brasileira.
D.João, o príncipe regente, determinou a
abertura de portos, a implantação da imprensa e de
novas escolas, a chegada sistemática de profissionais
qualificados e, principalmente, novos materiais como
chapas de cobre, de chumbo ou de ferro, pregos e
ferramentas de todas as qualidades, novos produtos
introduzidos, inclusive, devido a cláusulas de tratados
político-comerciais feitos, sobretudo com a Inglaterra
(BATTISTONI FILHO, 2002, p.25).
No entanto, a arquitetura campineira manteve,
de forma tardia, as mesmas características do período
colonial. As casas construídas de maneira rudimentar
eram ainda de taipa com pouquíssimos móveis. De
acordo com Battistoni Filho (2002, p.25) as plantas das
residências compreendiam, basicamente, duas salas,
uma na frente e outra nos fundos, para aproveitar a
possibilidade de iluminação de cada uma das fachadas.
Tanto os ricos como os pobres habitavam no mesmo
Figura 16- Catedral. Campinas, (190_)
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 65
tipo de casa construída com taipa de pilão, sendo muito
35
difícil identificar o status social de seus moradores pela
sua moradia.
As pessoas que habitavam a Vila, 330 eram
agricultores que participavam da riqueza do açúcar e
tocavam suas plantações com 700 escravos. “No ano de
1822 a vila alcançava 7.369 habitantes e já se tornara o
maior produtor de açúcar de São Paulo. Doze anos
depois, seria responsável por um terço da produção da
província, concentrando cerca de 5% de sua população
escrava”. (BICALHO; RODRIGUES, 2004, p.16).
No ano de 1842 a Vila de São Carlos alcançou a
categoria de cidade, voltando ao nome de Campinas.
Nesse período começam a surgir os primeiros sobrados
de beiral, ainda de taipa, e as ruas eram estreitíssimas,
sem qualquer sentido de planejamento, especialmente
Figura 17– Rua Treze de Maio. Desenho de Antonio Carlos Marotta
Na imagem é possível observar a largura das vias e as residências
geminadas.
Fonte: MAROTTA, 2007, p. 202
em sua área central. As residências “eram enfileiradas
sobre o alinhamento e sobre os limites laterais dos
terrenos, formando superfícies contínuas. Obviamente a
escala da época era outra e outros eram os costumes,
os quais dispensavam maiores amplitudes. As praças
eram
quase
irregulares
e
raramente
calçadas”
(BATTISTONI FILHO, 2004, p. 36) (Figura 17).
36
As diferenças entre o sobrado e a casa térrea
consistiam no tipo de piso: assoalhado no sobrado, e
chão batido na casa térrea. Isso vai determinar o
aparecimento de diferentes estratos sociais: habitar um
sobrado significava riqueza e habitar uma casa térrea
caracterizava pobreza. O sobrado, na realidade, podia
ser uma construção de vários pavimentos assoalhados
que
permitiam
uma
conexão
entre
o
térreo
(almoxarifado) e o sótão (BATTISTONI FILHO, 2002,
p.25).
E nessa época as residências urbanas passam
a ser marcadas por ostentação e requinte. A maior
diferença em relação às casas-grandes das fazendas
era a incorporação de novos materiais e métodos
construtivos.
O açúcar não trouxe apenas a acumulação do
capital, mas incentivou a ampliação do sistema viário
provincial e local, beneficiando mais tarde a cultura
cafeeira, que já existia a algum tempo, em algumas
fazendas campineiras. A hegemonia da produção
canavieira durou até meados do século XVIII.
37
1.3 – A cidade do café
A cultura cafeeira no Brasil se consolidou entre
1800 e 1830 ocupando a região do Vale do Paraíba. No
entanto, com o uso predatório da terra, foi necessário
migrar a produção de café para Campinas, Itu e
algumas cidades do interior paulista onde as terras eram
mais férteis e produtivas (Figura18).
O autor Battistoni Filho (2004, p.23), em seu
livro Campinas: uma visão histórica, cita que “a primeira
notícia que temos sobre a introdução do café em
Campinas nos é dada pelo botânico de renome
internacional, Joaquim Correa Melo, o qual informa que
o comandante da vila Raimundo Álvares ganhara
Figura 18 - Fazenda Santa Genebra
Etapa de Beneficiamento do café. Campinas, 1900
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 71
algumas sementes de café do capitão-general da
Província de São Paulo, Antonio Manuel de Castro e as
plantara em sua residência”.
A produção de café, a partir de 1850, se
expandiu para a parte mais antiga do Oeste Paulista –
Bragança, Sorocaba, Piracicaba e Campinas. Na
mesma época foi impedido o tráfego negreiro, fazendo
38
com que os cafeicultores da cidade emigrassem ou
migrassem para suas fazendas cerca de nove mil
trabalhadores livres. Neste período, a produção de
Campinas tornou-se a maior entre todas as regiões
cafeicultoras de São Paulo (BICALHO e RODRIGUES,
2004, p 17).
O café enriqueceu Campinas e fez da cidade pólo
regional, no qual floresciam as atividades urbanas –
serviços, casas bancárias e de comércio – e crescia o
número de indústrias, incentivadas pela mecanização
da lavoura, pela ferrovia e pela facilidade do uso do
vapor como força motriz. Desde meados do século XIX
as fábricas começaram a se instalar em Campinas;
produziam chapéus, implementos agrícolas, selas e
outros
artigos
de
couro,
gelo,
bebidas,
massa
alimentícia, vidro e sabão. (BICALHO e RODRIGUES,
Figura 19 - Armazém de seccos e molhados
Foto de Austero Penteado, (Campinas-190_)
2004, p 17) (Figura 19).
Fonte: RIBEIRO, 2006 p. 111
A autora Ananias (2000, p.19) defende que a
cultura de café campineira progrediu mais comparada
com a de regiões do centro-sul, por utilizar técnicas
agrícolas mais eficientes e pelo uso mais racional do
trabalho escravo. Essa racionalidade pode ser entendida
39
como uma preparação para um trabalho que deveria
ser, além de livre, eficiente.
Uma quebra na produção mundial, em 1868,
elevou o preço do café e impulsionou a produção
nacional
e,
conseqüentemente,
promoveu
o
desenvolvimento em Campinas. Na década de 1870, a
cidade se tornou referência, pois ganhou os trilhos que
simbolizavam
o
progresso:
os
da
ferrovia,
dinamizadores da circulação de riquezas; e os bondes
de tração animal, primeiro modo de transporte coletivo
(Figura 20).
A chegada dos trilhos é quase sempre um marco na
história de uma cidade. Com a estrada de ferro, vem
todo o aparelhamento que ela exige, especialmente
quando a cidade, por alguma razão é escolhida para
sede de qualquer atividade especial da estrada:
Figura 20 - Estação da Cia. Campinas, (190_)
Cartão postal, Casa Genoud
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 60
armazém, oficinas, escritórios, pontos de cruzamento
de terras ou local de baldeação. Tudo isso reflete
sobre a vida da cidade, pois constitui mercado de
trabalho de certa atração e estimula numerosas
atividades correlatas, dando ao local mais animação
que às demais cidades (MATOS, 1990, p.157) (Figura
21 e 22).
40
A ferrovia afetava direta ou indiretamente a vida
urbana, implicava em obras de porte, construção de
edifícios grandiosos, equipamentos diferenciados e mão
de obra qualificada. Porém no caso de Campinas, as
mudanças foram ainda maiores. A cidade tornou-se um
dos maiores centros ferroviários do país. Primeiramente
foi inaugurada a ferrovia “Paulista”, que ligava Campinas
a Jundiaí e lá encontrava as linhas da “São Paulo
Figura 21 - Oficina da Cia Mogiana. Campinas, (190_)
Cartão postal, Casa Mascote
Fonte: RIBEIRO, 2006, p.66
Railway”, colocando a cidade em contato direto com a
Capital e a cidade litorânea de Santos. Depois foi
inaugurada a “Mogiana”, tendo sua estação inicial em
Campinas e, posteriormente, a “Sorocabana”, a “Ramal
Férreo Campineiro” e a “Funilense” (Figuras 23).
A localização dos terminais ferroviários dentro de
grandes cidades fez-se o mais próximo possível um do
outro (...). Próximas a estes terminais vão se localizar
aquelas atividades, muitas delas então nascentes ou
em ampliação, voltadas para o mundo exterior à
cidade, o comércio atacadista, depósitos, escritórios, e
Figura 22- Cadeia Pública e Ponte da Cia. Mogiana Campinas, (190_)
Austero Penteado. Campinas (190_)
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 133
a indústria: a localização junto aos terminais de
transporte era essencial, significando diminuição de
custos. Estas atividades criaram enorme mercado de
trabalho, fazendo com que a área se tornasse, além de
41
Figura 23 – Mapa de Campinas em 1900 de Leopoldo Amaral , no traçado em azul as linhas férreas. No lado esquerdo da página, o trajeto inicia no Ramal Férreo
Campineiro, encontra a linha Funilense e se transforma em Estrada de Ferro Mogiana e posteriormente, em Sorocabana.
Fonte: BICALHO & RODRIGUES, 2004, p.31
42
foco de transportes inter-regionais, o foco de transporte
intra-urbano, que também, a partir da segunda metade
do século XIX, foram largamente ampliados. Emerge
assim uma área de maior acessibilidade dentro da
grande cidade (CORRÊA, 1999, p. 39).
A
implantação
da
ferrovia
refletiu
na
configuração dos espaços urbanos e nas atividades
locais, como também a expansão do comércio da área
central para as regiões próximas. Contribuiu para fazer
chegar mais rápido as novidades vindas da corte.
Antecipou a instalação de serviços urbanos, como o da
iluminação a gás, em 1875; o telefônico, em 1884; e o
de água e esgoto, que teve início em 1887(Figura 24).
A iluminação a gás deslumbrou aqueles que estavam
acostumados com o óleo, e a elétrica extasiou os
espectadores no dia em que foram acesos os primeiros
refletores. Os bondes puxados a cavalos foram
substituídos pelos elétricos e mais tarde teve início a
circulação de ônibus. (...) A sociedade que se renovava
acolhia de modo rápido todas as conquistas do
progresso e apressava-se em modernizar as suas
cidades (ROMERO, 2004, p. 316).
43
Figura 24 – No mapa é possível ver a dimensão e a extensão da malha ferroviária da Companhia Paulista nos Estado de São Paulo que compreende as estradas de ferro e ramais.
Fonte:http://www.andrekenji.com.br/mapapaulista.jpg
44
Apresentou, também, uma nova maneira de
construir, já que muitas das ferrovias eram feitas com
materiais importados, de acabamento diferenciado e que
dependiam de mão de obra qualificada.
Implantados por capitalistas locais, com o apoio do
poder municipal, estes serviços acompanharam a
instalação de grandes proprietários rurais na cidade, o
que representou, além de uma mudança de hábito de
vida, enriquecimento e expansão de seus interesses
econômicos para as atividades urbanas. A partir do fim
da década de 1870, no centro de Campinas foram
construídas
grandes
residências
de
famílias
tradicionais (BICALHO & RODRIGUES, 2004, p.21).
Além dos trilhos, o desenvolvimento da cultura
cafeeira, trouxe a Campinas o aumento significativo da
população. Um levantamento apresentado em 1873,
sobre o número de escravos matriculados por município
paulista, mostrou a dimensão da produção cafeeira da
cidade de Campinas.
45
Municípios e número de escravos
Campinas
13.412
Bananal
8.141
Jundiahy
6.302
Constituição
5.339
Collectoria de Limeira
5.233
Mogi-Mirim
4.864
Guaratinguetá
4.632
Itú
4.245
Taubaté
4.184
Rio Claro
4.073
Pindamonhangaba
3.736
Amparo
3.527
Capital
3.481
Franca
3.481
Fonte: BADARÓ, 1996, p.25
A substituição gradativa do trabalho escravo
pelo trabalhador assalariado, em geral imigrante ou
negro livre, justificaria, a partir de 1854, a alteração dos
procedimentos de distribuição de terras no Brasil. Estas
não seriam mais doadas a quem se dispusesse a
cultivá-las; ao contrário, seriam vendidas, de modo a
46
impedir-lhes a posse por negros e imigrantes que, sendo
pobres, tinham como única alternativa se fixarem em
lavouras
alheias
na
condição
de
assalariados.
(BADARÓ, 1996, p. 26).
O desenvolvimento industrial, em Campinas, foi
iniciado por volta de 1870, coincidindo com o advento da
ferrovia, a expansão da lavoura cafeeira e a vinda de
imigrantes. O desenvolvimento foi tardio comparado a
outras cidades, já que as culturas açucareira e cafeeira
eram por demais afeitas à escravidão, não exigindo
muito em matéria de mecanização (CASTRO, 19561957, p.56). Porém graças ao capital proveniente do
comércio cafeeiro, pequenos núcleos fabris aparecem
na cidade (Figura 25).
Figura 25 - Empresa Fabril. Campinas, (190_)
Produção de máquinas para lavoura e indústria.
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 72
A industrialização fez com que a população de
baixa renda se deslocasse para novos bairros. A Vila
Industrial, por exemplo, era caracterizada por oficinas de
concertos e adaptações das companhias de estradas de
ferro; já no Bonfim localizavam-se as fundições, no
Guanabara as indústrias de laticínios e no bairro da
Ponte Preta, a indústria têxtil (BATTISTONI, 2002, p.35)
(Figura 26).
47
A partir de meados do século XIX a industrialização vai
gerar dois padrões locacionais intra-urbanos. De um lado
um padrão envolvendo áreas que eram periféricas, mas
não distantes do espaço urbanizado de modo contínuo.
(...) Isoladas da cidade, tais indústrias tinham junto a si
uma força de trabalho cativa, residindo em vilas operárias:
criou-se assim um espaço industrial constituído de lugar
de produção e de residência. Em breve este espaço seria
efetivamente incorporado à cidade, tornando-se um bairro
ou um subúrbio. (...) O segundo padrão locacional (...) as
indústrias localizavam-se no espaço que hoje constitui a
Área
Central.
Em
parte
derivavam
das
antigas
manufaturas do período anterior à industrialização, e que
se achavam dispersas por toda a cidade (CORRÊA, 1999,
p. 53).
A população, em sua maioria, tinha grande
preconceito contra a indústria, pois achava que as
Figura 26 - Arredores de Campinas – Vila Industrial Austero Penteado
Campinas (190_)
Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 113
fábricas eram prejudiciais à saúde e que a cidade não
estava predestinada ao desenvolvimento industrial, por
ser agrícola.
A cidade, neste período contava com mais de 41
mil habitantes e seu traçado urbano possuía uma malha
urbana mal definida, não apenas pelo seu desenho, mas
48
também pela identificação pelos moradores. As ruas não
possuíam nomes e as casas números, mas todos se
conheciam. “Não há muito tempo em que ninguém era
desconhecido
na
cidade,
todas
as
caras
que
appareciam nas ruas, nas egrejas, nos theatros, nos
bailes, eram pertencentes a indivíduos com os quaes,
pode-se dizer, estava-se habituado desde a meninice”
(AMARAL, 1892, p.167).
Entretanto, a Câmara Municipal, no dia 06 de
setembro de 1848, exigiu que as ruas tivessem
nomenclatura, na direção norte a sul. “Procuravam as
ruas, naquela altura ainda que tortuosas, seguir de certa
maneira a direção da velha estrada para as minas,
enquanto que a cidade crescia em direção contrária, de
sul a norte” (LAPA, 1996, p.40).
A abertura de ruas, seu traçado, demarcação e
construção cabiam ao arruador, que era escolhido entre
engenheiros, arquitetos ou mestres carpinteiros. O
arruador era nomeado pela Câmara e servia por quatro
anos, sendo remunerado por obra alinhada.
49
Ao arruador competia ainda o alinhamento de ruas e
becos, que deviam ter respectivamente 50 a 30 palmos
de largura, portanto a simetria do conjunto edificado
em relação aos espaços que o intervalam, objetivando
o ordenamento funcional, econômico, social e estético
que a sociedade local vai passando a exigir. (...) Ao
arruador coube, a nosso ver, retificar o desenho
urbano de Campinas, sobretudo em dois momentos,
quando a cidade, num movimento seqüencial, vai
deixando de ser colonial para tornar-se senhorial
(1850) e mais tarde (1870) quando deixa essa
condição para tornar-se burguesa (LAPA, 1996, p.40).
No primeiro momento era preciso acertar o
traçado urbano segundo as orientações do governador
da capitania, Francisco Barreto Leme. Nesse momento
mostrava que a cidade crescia de maneira espontânea e
o poder público cedia a interesses particulares e
momentâneos, sem um planejamento prévio e cabia ao
arruador a busca do traçado geométrico e rígido.
No segundo momento, quando a cidade deixa
de ser senhorial e torna-se burguesa, a cidade cresce
em ritmo acelerado. O traçado das ruas buscou formas
mais perimetrais, canais de circulação e praças amplas,
50
respeitando a topografia do local. O desenho urbano,
esteticamente mais agradável, exprimiu o desejo dos
moradores de modernização urbana.
Em 1880, a Câmara Municipal apresentou em
seu “Código de Posturas” a preocupação com a largura
das ruas e determinou para as novas ruas, travessas e
avenidas de quinze metros de largura e o alargamento
dos espaços públicos. Os becos deveriam ser evitados
Figura 27 - Vista da entrada da estação de ferro, Campinas, 1872.
Litogravura de Jules Martin.
(Figuras 27 e 28).
Fonte: LAPA, 1995, p.90
É a identificação da cidade burguesa e o seu melhor
aproveitamento e preparo para o futuro. Agora, não
mais uma cidade de senhores e escravos, mas de
patrões e empregados, que precisavam todos, dentro
dos princípios da nova ordem, educar os seus sentidos
e exercitar-se para o uso das novas formas de convívio
social e doméstico que a cidade passa a oferecer-lhes.
À
pessoalidade
que
ainda
vigorava,
vinda
da
Campinas colonial e senhorial, sucedia agora a
impessoalidade
das
relações
sociais
numa
aglomeração urbana que se ampliava e diversificava
(LAPA, 1996, p.48) (Figura 29).
Figura 28 - Vista da entrada do Largo do Rosário, Campinas, 1890.
Fonte: LAPA, 1995, p.22
51
Em 1875 é implantado o sistema de água
encanada
provenientes
do
córrego
Tanquinho,
alimentando diversos chafarizes da cidade E, somente
em 1887, é inaugurada a Companhia Campineira de
Águas e Esgotos, oficialmente fundada por Bento
Quirino.
As casas de pau-a-pique e taipa de pilão foram
sendo substituídas ao poucos pelo tijolo, principalmente
depois da inauguração da Imperial Olaria, em 1867, de
propriedade de Antonio Carlos de Sampaio Peixoto. A
olaria
mecanizada,
utilizando-se
de
uma
patente
industrial inglesa de Clayton & Clayton, fabricava tijolos
de dois tamanhos e três qualidades, tubulares e
ladrilhos; produzia, também, linha de implementos
agrícolas, grades para casas, jardins e cemitérios
contribuindo
e
alterando,
consideravelmente,
a
construção civil na cidade.
As residências urbanas, que antes só tinham
Figura 29 - Réplica da Torre Eiffel erguida no Passeio Público, onde hoje se
localiza o Centro de Convivência Cultural, durante a Primeira
Quermesse em Benefício do Asilo de Órfãos, em 1889.
Fonte: BICALHO; RODRIGUES, 2004, p. 22
usos temporários, especialmente nas festas, feriados e
domingos e nas épocas de entressafra, passaram a ser
mais utilizadas.
52
Com todas essas transformações, é natural que o
fazendeiro sinta-se atraído pela cidade. O interesse
dos novos barões do café em ter na cidade faustosa
residências vai atrair mestres carapinas, engenheiros
práticos, capazes de grandes construções, como
também encarregados de gigantescas armações de
madeira,
palanques
e
coretos.
A
taipa,
marca
registrada da arquitetura campineira, aos poucos deixa
de ser usada, quando em 1867, foi instalada a olaria
de Sampaio Peixoto, com máquinas de fazer tijolos de
toda natureza, inclusive furados (BATTISTONI FILHO,
2002, p. 35).
A riqueza gerada pelo café e as conseqüentes
mudanças estruturais na cidade, juntamente com o
anseio da população
de adaptação
aos moldes
europeus, fizeram com que os campineiros buscassem
uma nova maneira de morar.
Ramos de Azevedo,
recém chegado da Europa, foi quem melhor respondeu
aos novos comportamentos sociais, inspirados nos
Figura 30- Foto de Ramos de Azevedo (sem data)
fonte: www.usp.br
modelos europeus da Belle Époque (Figura 30).
53
Nas cidades provincianas evocava-se o brilho das
luzes, o luxo ostensivo que as cidades modernizadas
copiavam de Paris. Almejavam-se também o gênero de
vida mundano que os romances e os jornais difundiam,
e um certo tipo de anonimato que caracterizava a
existência da grande cidade, graças ao qual a vida
parecia mais livre e a possibilidade de aventura mais
fácil (ROMERO, 2004, p. 284).
Francisco de Paula Ramos de Azevedo nasceu
no dia 8 de dezembro de 1851 em São Paulo. Nasceu
ali por acaso, pois sua família morava em Campinas,
mas sua irmã foi levada às pressas para a Capital
devido a uma grave doença. Mas Ramos de Azevedo
não “gostava de confessar a sua paulistaneidade.
Sempre se dizia campineiro. (...) Orgulhava-se de ser
homem do interior que venceu na Capital” (LEMOS,
1993, p.3).
Os jovens ricos, filhos de produtores de
fazendeiros ou comerciantes, habitualmente iam estudar
no exterior. E, com Ramos de Azevedo, não foi
diferente. Foi estudar na Bélgica no curso de engenharia
da “École Speciale du Génie Civil et dês Arts et
Manufacture Annexée à l’Université de Gand”.
54
Ao retornar da Bélgica, o arquiteto viu a cidade
ser ocupada pelos produtores de café que deixaram
suas fazendas para morar na cidade. As monótonas
casas
de
taipa
de
pilão
começavam
a
serem
substituídas pelos sobrados dos modernos tijolos, a
mão-de-obra
imigrante
dominando
técnicas
de
construção e o capital cafeeiro acumulado investido na
reurbanização moderna na cidade.
[sobre Ramos de Azevedo](...) chegada em Campinas
de um agente cultural impelido a introduzir no meio de
uma nova arquitetura totalmente alheia ao “barroco”,
símbolo de um passado triste e distante das vantagens
advindas da Revolução Industrial. O jovem arquiteto,
trazendo, através dos grandes mestres as novidades
ecléticas do mundo moderno, na verdade, estava
rompendo com a tradição arquitetônica de sua
sociedade que por quase 300 anos depurou soluções
ibéricas, adaptando-as às condições dos trópicos , aos
programas das necessidades peculiares e, antes de
tudo, aos materiais disponíveis no meio ambiente.
Ramos rompeu com tudo – propôs novos estilos,
novos
Figura 31 - O arquiteto Ramos de Azevedo em seu escritório
Foto João Musa
Fonte: CARVALHO, 2000, p.7
partidos
arquitetônicos
condicionados
a
materiais de construção importados, o que implicava
nova mão-de-obra muito diferente daquela disponível
em São Paulo (LEMOS, 1993, p.8) (Figura 31).
55
O arquiteto trouxe aos palacetes campineiros
janelas em todos os quartos de dormir, eliminou as
alcovas abafadas, reformulou as vidraças de guilhotina,
as portas enormes e pesadas de ferro. As casas
passaram a não ser mais construídas no alinhamento da
rua e, na lateral, surgiram passagens largas para a
entrada dos carros.
As casas campineiras vão aos poucos perdendo
aquela austeridade caipira do campineiro velho. Os
palacetes
recém-aparecidos
apresentam
salões
ricamente ornamentados e com uma novidade: as
paredes são empapeladas, substituindo as pinturas. As
famílias abastadas, porém, não se privam dos quadros
e litografias que ornamentam suas paredes, mostrando
cenas, geralmente, de romances célebres vindos
diretamente
de
Paris
ou
do
Rio
de
Janeiro
(BATTISTONI FILHO, 2004, p.66).
Apresentou também à cidade a “movimentação”
dos telhados. Tantos as casas de tijolos à vista como as
de estilo colonial deveriam ter telhados recortados,
cheios de dobras e espigões.
56
Foi um dos introdutores da monumentalidade
que faltava à cidade. Mesmo nos projetos residenciais, o
engenheiro-arquiteto
deixava
suas
marcas
“que
ganhavam outras dimensões numa cidade provinciana,
sendo capazes de intimidar e/ou deslumbrar a quem vê,
a quem deles se aproxima, a quem neles penetra”
(LAPA, 1996, p. 36).
A preocupação fundamental das novas burguesias
latino-americanas – alias como as de grande parte do
mundo – foi testar e consagrar finalmente um estilo de
vida que expressasse de modo inequívoco sua
condição de classe superior na pirâmide social através
de claros sinais reveladores de sua riqueza. Não só
mediante a atitude primária de exibir a posse de bens,
mas,
sobretudo,
através
de
um
comportamento
sofisticadamente ostensivo (ROMERO, 2004, p. 319).
O engenheiro-arquiteto teve como centro das
atividades a cidade de Campinas no período de 1879 a
1886. Projetou importantes edifícios públicos como a
PLANTA ANDAR INFERIOR
PLANTA ANDAR SUPERIOR
Figura 32 - Fórum e Cadeia (concluído em 1896), Campinas, projeto de Ramos de
Azevedo.
Fonte: CARVALHO, 2000, p. 156 e 157
Delegacia de Polícia; o Liceu de Artes e Ofícios,
atualmente Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora;
Fórum, Câmara e Cadeia Pública (Figura 32); Circolo
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Italiani Uniti (Figura 33), atualmente Casa de Saúde
Campinas; Matadouro Municipal (já demolido); prédio do
escritório central da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro;
Mercado Municipal; cemitério campineiro; prédios no
Bosque dos Jequitibás, além de ter projetado os
melhoramentos do Passeio Público. Finalizou, também,
as obras da Matriz Nova, atualmente chamada de
Catedral.
Em 1886, Ramos de Azevedo mudou-se para
São Paulo, e sua carreira profissional seguiu dois
caminhos: o de engenheiro e o de docente da Escola
Politécnica de São Paulo, onde se tornou professor e,
posteriormente, diretor.
O arquiteto não presenciou a tragédia, que
poucos anos depois de sua mudança para a capital, se
abatera sobre Campinas. A cidade que estava em
processo intenso de modernização, com a consolidação
do complexo cafeeiro, teve sua população dizimada por
três grandes surtos consecutivos da epidemia de febre
amarela.
Figura 33 - Foto frontal e lateral do Antigo Circolo Italiani Unitti
Fonte: /www.campinas.sp.gov.br/portal_2003_sites/conheca_campinas/
cc_galeria_de_fotos_hospitais_casadesaude.htm
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Foram necessárias medidas emergenciais de
drenagem e conscientização da população. Equipes
vindas
de
outras
cidades
tentaram
socorrer
os
vitimados, mas a situação só melhorou com a criação da
Comissão de Saneamento do estado.
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Renata Azevedo Andreucci1