“A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 Parte 1 – Maria Alice Setúbal Martina – Acho que eu tinha a fantasia que no setor público ia ser muito diferente, mas acho que para todo mundo aqui dá para identificar muita coisa de comum, de questões que a gente vivencia nas nossas avaliações. Vou convidar a Maria Alice agora para compor a mesa, muito obrigada. Vocês vão falar os dois juntos? Mauricio e Maria Alice, dupla de dois aqui, muito bom [risos]. Maria Alice Setúbal – Obrigada. Boa tarde a todos e a todas. Eu queria agradecer muito à Martina, à Isabel, à Valeria, por essa oportunidade de podermos estar aqui hoje discutindo uma questão fundamental para a área social que é pensar como avaliar projetos sociais. Essa fala última da Martina foi exatamente o que eu e o Mauricio estávamos comentando, como há muita complementaridade entre essa fala do professor Paulo Jannuzzi e a fala que nós vamos estar fazendo, pensando que o professor teve uma fala macro falando do Ministério de Desenvolvimento Social e agora nós vamos fazer uma fala de uma forma micro, bem micro, pensando o território e dentro desse território um projeto. Na verdade, pensando um projeto dentro de um território. Então, um vôo rasante para a realidade, mas que tem uma complementaridade muito grande na fala do professor Paulo. Eu acho que é importante assim, o que a gente pretende conversar com vocês hoje é passar um pouco a experiência dessa complexidade que o professor Paulo falou inicialmente, da complexidade que é avaliar um projeto social e as dificuldades para quem está na ponta lidando e operando com esse projeto. Então, a nossa idéia é exatamente esse processo, falar sobre esse processo de construção de indicadores para a gente avaliar um projeto social. Nós estamos fazendo essa dupla, mas eu vou fazer apenas “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 um primeiro apanhado para contextualizar um pouco o que foi o trabalho da fundação Tide Setubal num território específico, que é na zona leste da cidade de São Paulo, especificamente em São Miguel Paulista. Então, a fundação Tide Setubal começou seus trabalhos, nós começamos o trabalho em 2005/2006. Foi instituído em 2005, mas realmente começamos o trabalho em São Miguel Paulista em 2006. A missão da fundação é contribuir para o desenvolvimento local com o objetivo do empoderamento da comunidade nessa construção de uma cidadania para uma melhor qualidade de vida. Então, o nosso foco sempre foi o território com uma visão intersetorial, transdisciplinar. Dentro desse contexto maior a busca nossa ao chegar no território sempre foi em estar articulando com parcerias locais, quer dizer, desde o início nós tínhamos a consciência de que não queríamos chegar no território já desenvolvendo projetos, mas estar construindo junto com aquela população local e não para aquela população. A gente levou isso muito a sério. Nos primeiros projetos nós buscamos trabalhar fazendo um levantamento em termos de famílias, de jovens e fazer um pouco assim, tentar ver o que existia naquela comunidade inicialmente. Acho que um aspecto bastante importante que nós levantamos foi estar envolvendo aquela comunidade para contar a sua história. Então, nós desenvolvemos um trabalho de memória muito grande de depoimentos com os moradores, com os jovens, e nós gravamos tudo isso, que acabou se transformando num centro de memória de São Miguel Paulista, que nós temos até hoje. Isso foi muito importante para nós e para principalmente para legitimidade da nossa atuação, nós fomos reconhecer quem é essa população, fomos estar conhecendo e fomos buscar com que eles se reconhecessem também e valorizassem aquela história, e toda aquela sua trajetória. “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 Nesse primeiro momento acho que é importante... Nós encontramos muitas dificuldades, não foram poucas. O que é, uma organização da sociedade civil, uma fundação que está apoiando, que queria apoiar projetos na região e chegar num espaço que já tinha seus donos locais. Os agentes sociais locais que se sentiam donos daquele espaço. Mesmo considerando que nós estejamos falando de lideranças comunitárias que já estavam acostumadas a estar sendo os lideres absolutos e donos, se sentindo privatizados naqueles lugares públicos. Então, a nossa primeira parceria... Nós entramos como parceiros do CDC, que é o clube... CDC Tide Setúbal que é o clube que atua com esporte e cultura, que são clubes das secretarias de esportes. Então, nós junto com outras organizações locais comunitárias começamos a fazer parte da gestão desse clube e isso foi muito difícil. É muito difícil aceitar essa legitimidade, muito difícil construir consensos e nós aprendemos muito com isso também. Aqui eu queria dizer o seguinte: estamos trabalhando na complexidade de projetos sociais. O início desses projetos, muitas vezes, pode ter embates e dificuldades de diferentes naturezas. No nosso caso, nós tivemos esses embates de busca de legitimidade, de busca de construir laços de confiança com essa comunidade, por conta de um clientelismo, dessa demarcação de território das lideranças que já estavam ali instaladas. Num segundo momento, dado esse percurso e esses embates, o que nos ajudou muito foi pensar nessa história e essa valorização da população local. Num segundo momento nós começamos a trabalhar muito no atendimento direto à população. Então, desenvolvemos projetos com jovens, projetos com famílias – que é o Ação Família, que o Mauricio depois vai contar para gente – a trajetória da construção de indicadores em diferentes projetos com jovens, com crianças, com esportes. E sempre desenvolvendo esses projetos em parceria com as “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 organizações diferentes locais, com a população local, com as mediações. Eu acho que o que nos trouxe muita legitimidade nesse processo tão complexo e tão micro ao mesmo tempo foram algumas fatores. Eu falei para vocês da construção de vínculos de confiança. Como foram dados esses vínculos de confiança? Muita escuta e muito respeito pelo fazer do outro. Acho que a gente realmente errou, mas a gente tinha muito claro a importância dessa escuta e desse respeito com o outro. Eu falei da valorização das histórias locais. Um outro aspecto fundamental foi a questão da transparência, da prestação de contas e de ser uma instituição não partidária, isso foi muito importante também para gente estar conseguindo ter uma legitimidade. A transparência e a prestação de contas, de uma forma muito consistente, foi mostrando que é possível ter alternativas de se desenvolver projetos e de você conseguir conquistas sociais para aquela região que não precisava estar atreladas apenas a uma pessoa, a uma liderança que acabava mandando e fazendo tudo do seu jeito, da sua forma e, muitas vezes, conseguindo favores de vereadores, de assessores políticos. Eu acho que essa identidade, essa construção de legitimidade no território teve muito a ver com esse aspecto... Por exemplo, nós tínhamos uma parceria com a prefeitura, onde nós tínhamos bolsas para os jovens para um determinado projeto. O que fizemos? Nós colocamos isso no mural do clube, fizemos todo um chamado para os jovens que queriam ser selecionados, fizemos todo um processo transparente como se fosse um edital das bolsas e das seleções das bolsas, isso foi quase uma revolução no local porque não estavam acostumados com isso. Por que não foi selecionado o filho do fulano e cicrano? Eu estou dando um exemplo bem pequeno, mas é isso que chamo de “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 transparência e prestação de contas. A gente fazia a reunião e chamava os pais, chamava a comunidade, fazia conselhos, tinham comitês, onde a gente prestava contas do projeto. É um caminho longo que não vou entrar em detalhes, mas é apenas para dizer que aprendemos muito nessa trajetória. A complexidade que é você estar atuando num território e estar pensando a partir desse território. Outro ponto que coloquei e que também foi importante na construção da legitimidade que mencionei foi o fato de nós termos uma filiação política, mas que a gente conversava e conversa com todos os partidos, e que nós temos desde o começo da atuação até hoje uma posição política clara na região, ou seja, somos um parceiro, estamos juntos e articulamos os fóruns de demandas da população, estamos juntos na mediação junto ao poder público nas demandas por UBS, por escolas, estamos sempre presentes nos fóruns contra violência doméstica, fóruns para as demandas de educação e saúde. Ou seja, nós assumimos uma postura política, porém não partidária. Resumindo essa história, trabalhar com projetos sociais e querer que os projetos sociais possam ter realmente um impacto no que estamos colocando como missão, como os nossos objetivos, leva um tempo. É complexo. Acho que principalmente nós devemos ter uma legitimidade, precisa alcançar uma legitimidade com um protagonismo muito forte da população que está sendo beneficiada. O que nós estamos chamando de terceiro momento a partir de 2009, depois da trajetória 2006, 2007, 2008, onde nós fomos construindo essa identidade, essa legitimação, nós começamos buscar e pensar nas institucionalizações das nossas ações, essa consolidação das ações no território porque o nosso propósito, a nossa missão é estar nesse local. Nós não estamos desenvolvendo projetos, acaba o “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 projeto e vamos embora. Nós assumimos a gestão do CDC Tide Setúbal, que é esse CDC que está lá na região, e assumimos a gestão também do balcão da cultura e da cidadania que é uma parceria com uma instituição comunitária local. Então, nós temos uma gestão dos espaços locais e, portanto, a gente pode estar atuando em outras regiões, mas continuaremos atuando lá em São Miguel. Então, aí a necessidade de começar a institucionalizar mais os projetos para que esses projetos pudessem ter uma maior não só visibilidade, mas institucionalidade na região. Sobre isso o Maurícia vai falar um pouco mais. Esses programas se transformaram em núcleos porque são irradiadores de conhecimento de práticas e referência nas regiões. Nós trabalhamos com diferentes núcleos. Com o que a gente se deparava depois de 3 anos de atuação? A gente tinha algumas avaliações, especialmente do Programa Ação Família, tínhamos avaliações da população local sobre os projetos. Quais impactos mesmo que nós estávamos conseguindo alcançar? Que resultados, de uma forma mais consistente, nós estávamos alcançando? Isso angustiava bastante também. O que significava essa situação? Qual era o sentido disso? Claro, a gente sabia que tinha construído legitimidade, tinha um novo caminho que era reconhecido. Enfim, hoje a atuação está em todos os fóruns na zona leste, parcerias reconhecidas, é convidado para as festas, para os fóruns, tudo isso a gente sabe. As pessoas em geral avaliam muito bem, nós temos parceiros dos mais diferentes, as diferentes igrejas, os blocos de carnaval, das comunidades, todos os diferentes setores e diferentes grupos sociais que atuam na região. Mas que resultado mesmo a gente podia estar atribuindo aos nossos projetos? Aí acho que foi uma longa... O fato de que o nosso foco era o território e o fato de que nós queríamos ter uma visão sistêmica – os nossos projetos não estão divididos por educação, saúde e tal – nós “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 realmente temos uma outra configuração, onde o olhar é sistêmico e interdisciplinar. Isso dificultava mais ainda a gente estar pensando qual era o nosso foco mesmo, quais são os resultados. É uma potência você atuar de uma forma sistêmica? Acredito que sim. É importante dado a complexidade dos projetos sociais. Mas, ao mesmo tempo, fazia com que nós nos perdêssemos em pensar qual era o foco mesmo de cada projeto, o que estamos querendo como resultado. Pensar de uma forma qualitativa é importantíssimo, mas também ajuda a perder essa noção do todo que temos que ter o tempo todo. Acho que todas essas questões fizeram com que a gente tivesse idas e vindas. Como o professor Paulo falou, nós nos reconhecemos completamente em momentos do Ação Família em que os técnicos ficavam mais tempo preenchendo planilhas e não usavam essas planilhas depois para interferir no projeto. Então, a gente passou por diferentes fases. Vou passar para o Mauricio, para ele estar contando um pouco para vocês. Na verdade, a nossa ideia aqui hoje é relatar um pouco as nossas angústias, as dificuldades e a complexidade que é essa atuação no território e, ao mesmo tempo, com a clareza, com esse alerta de que é importantíssimo a gente saber o que a gente está fazendo, que resultado estamos conseguindo alcançar a partir da nossa atuação. Então, dentro desse contexto maior o Mauricio vai estar entrando no Ação Família. Maurício Érnica – Boa tarde. Duas coisas de começo: primeiro que vou falar do trabalho... O que eu vou falar envolve o trabalho de muita gente e a mim cabe mais fazer a síntese e apresentação do que qualquer outra coisa. O ponto de partida é que depois dessa trajetória toda surgiu uma necessidade de produzir uma espécie de descolamento da “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 ação cotidiana e de problematizá-la, construir um discurso de compreensão, de avaliação da própria ação. Aí que se colocou a necessidade na história da fundação de trabalhar com indicadores. É o que eu vou falar a partir de agora. A primeira etapa desse processo foi a reorganização dos núcleos. Então, o que estava em jogo ali? Primeiro: identificou-se a necessidade de estreitar as relações entre os núcleos e de maneira planejada buscar resultados comuns que expressassem a atuação da Fundação no território. Essa era uma questão. Segundo: constatou-se que cada núcleo trabalhava na prática com mais de um objetivo e nem sempre esses objetivos eram claramente definidos, o que era fruto de um momento positivo. Não é algo negativo porque o momento inicial de construção da ação foi o momento em que a Fundação se permitiu experimentar. Aqui era o momento de partir desse momento da experimentação para a reorganização da sua ação. Outra coisa: nem sempre havia uma distinção clara entre os objetivos gerais, os resultados e as atividades realizadas. Nos discursos, na prática, nem sempre essas dimensões eram totalmente bem distinguidas. No final das contas isso acabava gerando uma dificuldade de construir discursos sintéticos sobre os objetivos e as ações, apesar de se reconhecer que as ações eram extremamente ricas e com resultados muito significativos. Mas como reconstruir, como reorganizá-las e permitir que elas pudessem ganhar escala e potência. [Alguém da plateia] - Mauricio, quais são os núcleos? Maurício - Eu tenho a lista no final... os núcleos são... [inaudível] trabalho sobre juventude, Ação Família trabalha diretamente com as famílias, Arte e Cultura trabalha com práticas culturais, gestão de espaços que promovem atividades culturas e esportivas, e o núcleo de Comunicação “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 Comunitária. Quais foram os passos realizados? No primeiro momento a construção do objetivo geral de cada núcleo e a construção, a partir dessa redefinição dos objetivos gerais de cada núcleo, de perguntas de avaliação. O que é importante conhecer para poder se avaliar a realização dos objetivos de cada núcleo? Se colocar esse exercício puro de construção de problematização, de construção do problema sobre o qual o núcleo trabalhava e de quais eram os seus horizontes de transformação, seus objetivos. A partir daí é que se começou a pensar com base nas perguntas de avaliação de indicadores e aí o resultado é interessante. No primeiro momento os objetivos estavam bem definidos e levantou-se 230 indicadores – uma simplicidade atroz [risos]. Num esforço hercúleo, sintetizamos para 160. Mas o que foi interessante? A gente começou nesse processo de construção de síntese a perceber que o que estava em jogo ali era um monte de coisas que a gente queria saber sobre o perfil do público, de processos e resultados que tinham várias coisas em comum. E conseguimos chegar a 10 dimensões. Tudo isso ainda expressam um excesso, mas vai mostrando para gente a dificuldade que é você sair da intervenção, da prática, dos problemas que se impõem às pessoas no dia a dia, para a construção de um discurso sintético e, ao mesmo tempo, revelador da prática e que permite o monitoramento e planejamento organizado. A partir desse momento a gente começou a pensar na construção de instrumentos que pudessem falar tanto do perfil do público atendido, como dos processos e dos resultados. Do que eu vou falar em diante interessa para gente só essa ficha básica aqui que vai falar tanto de perfil, como de resultados. A gente levantou uma série de perguntas que propositadamente vêm de questionários que “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 fornecem dados para indicadores oficiais, da fundação SEADE, IBGE, MSD, para permitir que a gente pudesse analisar a nossa ação de maneira a poder comparar a nossa ação com outros grupos populacionais e com ouros estudos que se faz. Maria Alice – Só fazer um comentário, que acho que é importante: todo esse processo foi feito junto com os técnicos de cada núcleo, eles participaram ativamente. No caso foi a Martina que foi a consultora, o Instituto Fonte que foi trabalhando ao longo... Então, não foi um processo construído pelo Maurício ou pela Paula Galiano, que era a responsável, e que é a responsável por eu estar aqui hoje, mas foi um processo bastante interativo e longo. Começamos com 230 indicadores e isso foi indo... Acho que é isso que a gente aposta que está dando a consistência e que vai fazer com esses indicadores estejam em pé e estejam apropriados por cada equipe, cada uma das equipes dos núcleos. Maurício – Sim, porque tem isso, ele tem que ser realmente útil. O esforço hercúleo que falei atrás, em boa medida foi o esforço da Martina. Esse primeiro momento permitiu... Tem aqui a análise que se fez daquele processo: primeiro, ele permitiu intencionalidades mais claras. Isso foi um ganho. Só do percurso de pensar sobre a prática e fazer esse desenho mais geral dos indicadores antes dos indicadores mesmo, da construção do problema e dos objetivos. Foram reforçados os valores institucionais, as interfaces entre os núcleos foram explicitadas, os compromissos amadurecidos, enfim, foi um processo dentro do quadro de institucionalização como a Maria Alice falou no final da fala dela. Maria Alice – Isso parece uma questão pequena também, mas a gente brincava, os próprios coordenadores brincavam que “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 não sabia explicar nem para a mãe o que eles faziam. A mãe sempre ficava perguntando “o que é mesmo que você faz?”. Era tão complexo, tão sistêmico, tão interdisciplinar, que ficava difícil, tinha que ficar falando 10 minutos para explicar o que era mesmo o objetivo. Os próprios coordenadores brincavam mesmo. Tudo isso tornou mais claro para cada um de nós, para cada um da equipe o que é mesmo, do que se tratava o foco principal da atuação daqueles projetos no desenvolvimento daquele núcleo. Maurício - A partir de agora vou falar o que seria a etapa três, tem um erro ali. Onde se lê etapa dois é etapa três. Agora a gente sai desse momento da fundação e entra em núcleo, que é o núcleo Ação Família. Tudo que está aí, quase tudo que está aí é o que a gente desenhou para ver o que a gente não vai fazer. É verdade, não é força de expressão. A gente desenhou o que seria uma grande estrutura de produção de informação a partir do Ação Família, que tem três grandes dimensões que estão aqui. Primeiro, o núcleo cria uma dimensão de atendimento as famílias, sistematização de metodologia e de incidência sobre o debate público e sobre políticas. Nesse momento não estamos trabalhando a construção organizada das informações sobre essa banda de cá, ficamos no atendimento às famílias. Podemos pensar no monitoramento para servir de apoio a gestão tanto da coordenação do núcleo, como no nível da Fundação, e avaliação de resultados, impactos, preferencialmente de modo longitudinal, que também não está na nossa agenda imediata de trabalho agora. Ficamos então, no monitoramento. Distinguimos três dimensões. Primeiro, a rede de serviços provedora de direitos sociais no território, que também a gente não está... Não é objeto do que vou dizer a partir de agora. A oferta de serviços do próprio “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 núcleo Ação Família. E ficamos aqui no atendimento direto às famílias. De fato é um grande desenho para poder situar o que a gente vai monitorar. No monitoramento das famílias, o ciclo de atendimento do programa é um ciclo de 24 meses. O programa tem um ciclo de atendimento de 24 meses e as famílias entram praticamente em fluxo continuo. Então, a ideia é permitir um monitoramento que não seja apenas uma fotografia num dado momento, mas que possa ser uma espécie de sismógrafo, retomando a fala do professor anterior à nossa. Então, estão organizados aqui alguns níveis do que poderia ser objeto de monitoramento. Primeiro: o perfil da família. A ideia é fazer o perfil da família quanto à vulnerabilidade social de onde saem algumas metas de atendimento. No décimo segundo mês essa família voltaria, teria uma atualização do perfil, avaliação do cumprimento das metas, para a produção de novas metas que seriam verificadas ao final do vigésimo quarto mês. Isso aqui é onde nós estamos nos detendo, o tamanho da redução de escopo que a gente vai fazendo. A participação comunitária em fóruns é outro objeto de atendimento das famílias e deve ser de monitoramento. A participação das famílias nas atividades do núcleo Ação Família, atividades constantes do programa. O acesso a serviços disponíveis e ofertados tanto pelo mercado, sociedade civil ou Estado. A evasão – e isso é bastante importante, tanto do ponto de vista do tempo que essa família ficou no programa e os motivos da evasão. Levando-se em conta que eu posso ter uma evasão por motivos positivos, enfim, os chefes de domicílio encontraram um emprego muito bom, ou por motivos que são fora da governabilidade da Fundação: mudaram de região, por exemplo. E uma dimensão que está nos objetivos do programa, mas que é dificílima de se construir instrumentos, que é o desenvolvimento de conhecimentos e habilidade que “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 permitam as famílias buscar maior autonomia no acesso a bens e serviços que promovam o bem estar e o desenvolvimento. Ficamos aqui então, ficamos apenas nessa dimensão que se abre a partir das metas. Na sequência, o que a gente está trabalhando de modo mais intenso. (O próximo Martina, por favor) A partir daí a gente tinha a ficha básica que nos fornece uma série de dados muito ricos e nos deparamos com o retorno renovado de um problema crônico não da Fundação, mas um problema difícil de ser lidado: precisamos de um indicador do perfil das famílias que sirva para a produção das metas de atendimento e para o monitoramento das ações. Temos uma facilidade para coletar dados primários de qualidade e acesso direto às famílias, mas transformar os dados em informações que tenham sentido e que respondam às perguntas da fundação é um desafio. Portanto, algo que responda de fato às necessidades de ação e de intervenção. Portanto, por consequência, seja parte viva da atuação da Fundação e não alguma coisa em que incorramos nos riscos que o professor apontou, entre eles o da irrelevância. A primeira opção de construção do indicador, que foi descartada, é a produção de um perfil das famílias que dialogasse com indicadores tradicionalmente utilizados: posição social, medidas de vulnerabilidade ou pobreza. Por quê? Qual era o problema disso? – Aqui falta a dimensão educação, na hora de montar houve algum erro aqui – Inicialmente pensamos em histórico de imigração das famílias, composição domiciliar e familiar, habitação, trabalho e renda, saúde, educação, cada dimensão teria alguns indicadores de base que produziriam um nível simples. Isso permitiria a gente fazer cruzamentos com várias outras pesquisas, ter uma série de diálogos interessantes do ponto de vista da compreensão daquele conjunto de famílias. Qual seria o problema? Um dos problemas que a gente identificou e que foi o bastante para “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 gente buscar uma alternativa? A gente tem um banco de dados de qualidade, poderíamos comparar tudo isso, mas esse indicador envolveria uma série de características das famílias que não podem ser transformadas diretamente pela Fundação, portanto, não serviria para o monitoramento. Maria Alice – Numa das primeiras construções de banco de dados que nós fizemos, nós estávamos muito focados nesse tipo de indicador. Nós usamos o cadastro usado pela prefeitura, porque esse programa inicialmente era uma parceria com a prefeitura da cidade de São Paulo, que tinha esse programa Ação Família e um dos núcleos do programa era o nosso núcleo aqui. Então, nós usamos aquele cadastro. É interessantíssimo principalmente para pesquisadores. Eu adoro porque eu tenho sempre o olhar da pesquisa, sou socióloga, achava superinteressante. Mas eu ficava inconformada e ficava batalhando com... Não era a Lúcia ainda, era uma outra coordenadora... Por que não usavam aqueles dados? E os técnicos ficavam desesperados preenchendo planilhas e planilhas que para eles não fazia o menor sentido, só fazia para mim, entendeu? Para eles não fazia o menor sentido, porque não tinha sentido mesmo nesse momento. Claro, tem sentido para um pesquisador, tem sentido para um outro nível de apropriação desses dados. Nós não somos poder público, somos organização da sociedade civil, queremos pensar o que as nossas ações possam estar mais contribuindo para esse bem estar das famílias. Isso que temos que fazer e nós entramos nos debates das políticas públicas nos fóruns com os resultados que a gente consegue alcançar a partir deste lugar. Maurício - Então, como produzir um indicador que tenha sentido para o monitoramento das ações do ação familiar? A saída dada nos pareceu bastante promissora, o principio é o registro da presença ou da ausência de problemas, “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 identificado como problemas, como questões a serem trabalhadas, que são ou podem ser objeto de atuação do núcleo ação família. Ele vai ser dicotômico, vai dizer “tem, não tem”, vai ser simples, vai ser um tanto quanto tosco, mas por quê? Ele vai sinalizar só, vai apontar, vai só dizer “ali se concentram alguns problemas desse tipo e ali se concentram outros”, como a imagem de um termômetro. A ideia é que a sutileza do olhar, da compreensão mais rica da família ou do problema possa vir depois. O papel do indicador que a gente está pensando é desse primeiro sinalizador. Maria Alice - Isso traz para gente o que a gente quer esperar daquela família, não que a família vai ter... A gente se perdia que a família tinha que estar resolvendo todos os problemas. Com isso fica muito mais claro o que a gente pode esperar e o que a gente combina com aquela família como meta combinada e consensuada. Então, a própria família entende muito melhor, e nós também, o que estamos trabalhando juntos e vamos chegar para avaliar. Maurício – Há 4 dimensões que são objetos de monitoramento, são as 4 dimensões de atuação do núcleo: saúde, educação, habitabilidade e vínculos vicinais, e trabalho e renda. Cada uma dessas dimensões é formada por indicadores que acusam a presença ou ausência de problemas, e essa dimensão menor vem dos dados da ficha básica, que é o grande cadastro que reúne os dados da família. Eu trouxe só um exemplo que é o da dimensão saúde, só para explicitar a lógica, mais do que o indicador em si. A gente está falando de algo em construção, não de algo acabado. Então, ainda se põem questões sobre isso. Na dimensão saúde tem cinco indicadores de base que vão acusar algum problema com menores de dois anos, algum problema com mulheres adultas, com a saúde de adulto ou idoso, alguém que não vai “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 ao dentista há mais de um ano – porque há uma oferta de serviço odontológico – e deficientes sem acompanhantes ou com a companhia apenas de um familiar. Aqui são algumas dimensões do âmbito da saúde que são objetos ou podem ser objetos de intervenção do Ação Família e não... Por exemplo, algum problema com mulheres adultas: exames de mama em mulheres... Ausência de exames de mama em mulheres com mais de 40 anos num período determinado, mulheres entre 25 e 64 anos sem a realização anual do exame papanicolau. Algum problema com menos de 2 anos, por exemplo, crianças menores de 1 ano sem acompanhamento mensal na UPS ou Saúde da Família. A ideia é identificar alguns problemas, algumas questões estratégicas para a intervenção do núcleo e que o indicador revele a ausência ou a presença daquele problema. Ele em si é simples, espera a sinalização do problema, a melhoria, e ele não exclui, pressupõe a atuação da equipe depois, o olhar da equipe. Por fim, quais são os próximos passos? Produzir um indicador para cada dimensão, padronizá-los em cada dimensão de maneira que possam ser comparáveis, que possam seguir uma mesma escala de variação; ver se o indicador sintético é consistente, produzir perfis das famílias, analisar esses indicadores a partir da seguinte pergunta: eles revelam o que precisamos que seja relevado? Ele tem a sensibilidade bem ajustada para distinguir o que a gente quer que seja distinguido? E usá-los efetivamente como instrumentos de monitoramento. Por fim, a partir disso daqui que está ligado a esses indicadores tentar monitorar as outras dimensões que foram apontadas naquele quadro das famílias, quadro que tinha as dimensões na horizontal, que eu apontei antes. A ideia de pensar num perfil das famílias com variáveis mais ligadas a estruturas macro sociais que estão mais fora do nosso alcance direto não está descartada. A ideia de se “A utilização de indicadores sociais na avaliação de iniciativas não governamentais" Junho 2012 produzir perfis das famílias que permitam analises comparativas entre elas e outros grupos, que possam ser objeto de outros estudos, isso não é algo descartado, mas a gente identificou que não seriam um bom instrumento de monitoramento. Por fim, reconhecendo que esse nível de diálogo com o perfil macro das famílias ampliará a capacidade de diálogo da fundação com muitas instituições do terceiro setor e com o próprio poder público. Reforçando que a gente está compartilhando com vocês um pouco da nossa oficina de trabalho esperando ouvir comentários que possam ajudar a gente a melhorar ou corrigir eventuais erros do nosso percurso. É isso, obrigado. Martina – Obrigada Maria Alice, obrigada Maurício. A gente tem um café agora no primeiro andar, são dois lances de escada. É clássico também desses diálogos, desses encontros para gente poder conversar. Só que a gente tem uma questão com o horário dos palestrantes, não vamos poder ficar até as 18:00. Então, eu pediria para gente tomar um café um pouco mais rápido, de uns 15, 20 minutos, para gente poder ter espaço de conversa...