Os estudos longitudinais de duplas mãe-bebê e a pesquisa em psicanálise: seus
impasses metodológicos e achados.
Ana Beatriz Fernandes Lopes
Este trabalho, no âmbito da pesquisa Detecção Precoce de Psicopatologias Graves, refere-se
à experiência de estudo longitudinal, problematizado aqui enquanto método de pesquisa em
psicanálise quando o objetivo é o estudo e conceitualização de sinais de sofrimento na dupla
mãe-bebê, indicativos de risco psicopatológico. Nesta proposta, pretende-se acompanhar
duplas mãe-bebê desde a gestação até o terceiro ano de vida da criança, visando o estudo da
construção deste laço primordial, e, eventualmente, conhecer alguns sinais de sofrimento
nesta configuração, além daqueles já definidos por esta pesquisa.
Este estudo vem sendo realizado em parceria com o Hospital Municipal Maternidade e
Escola de Vila Nova Cachoeirinha “Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva”, instituição que
tem mostrado sensibilidade em relação ao campo de trabalho desta pesquisa. Este é um
hospital de referência no atendimento à gestação de alto risco, ao parto e ao cuidado dos
momentos iniciais de duplas mãe-bebê quando estas necessitam, neste início, de atendimento
médico especializado, recebendo gestantes que apresentam fatores de risco orgânico,
encaminhadas por diversas Unidades Básicas de Saúde da região.
Neste estudo longitudinal, são ouvidas gestantes que fazem o pré-natal no ambulatório do
hospital e que se interessam em participar da pesquisa. As entrevistas são realizadas nos dias
em que as gestantes estão no ambulatório para consulta médica e prosseguem após o
nascimento da criança, a combinar, seja no próprio hospital, na Unidade Básica de Saúde
onde o bebê faz seguimento pediátrico ou na casa da família. Entende-se que o
acompanhamento longitudinal viabiliza uma escuta psicanalítica, constituindo-se como um
dispositivo que possibilita a identificação das configurações do laço mãe-bebê em construção
e a escuta e leitura de eventuais sinais de sofrimento neste laço. Esta estratégia foi pensada
para o estudo do novo problema colocado pela experiência transversal da pesquisa, ou seja, a
1
necessidade de se estudar outros sinais de risco no cenário da detecção precoce, agora, nas
instituições de saúde pública municipal, atendendo à demanda de uma instituição em especial
que se preocupa com esta questão.
Esta pesquisa, sendo uma pesquisa em psicanálise, toma como seu campo delineador o
campo da experiência transferencial em suas polaridades fundamentais, ou seja, o campo da
linguagem e da pulsão1 onde são construídos os discursos, buscando-se a escuta destes no
que revelam da experiência do inconsciente, através das repetições, dos equívocos e da
produção sintomática, enquanto manifestações do sujeito. Mesmo no âmbito da pesquisa, a
escuta psicanalítica, enquanto instrumental metodológico, deve ser pensada em seus
fundamentos e na ética que a define, fazendo com que esta experiência de estudo longitudinal
seja problematizada a partir desses critérios, ainda que experimentada numa exterioridade do
campo habitual da psicanálise e junto a uma população tão peculiar: duplas mãe-bebê em
constituição.
A fim de se conhecer mais acerca dos estudos longitudinais de duplas mãe-bebê orientados
pela psicanálise realizou-se um levantamento bibliográfico sobre o tema 2, o qual mostrou que
existem poucos estudos deste tipo. Dentre os existentes constatou-se que são várias as
diferenças entre eles, no que diz respeito aos objetivos e metodologia, além do referencial
teórico que utilizam dentre as várias vertentes da psicanálise.
Quanto à metodologia alguns deles utilizam uma escuta psicanalítica mais livre e outros
procuram associar a esta procedimentos experimentais, o que pode ser considerado como
uma dificuldade metodológica tanto por psicanalistas como por experimentalistas. Este é o
caso de um dos primeiros estudos longitudinais de duplas mãe-bebê orientados pela
1
Ver Joel Birman (1994). A clínica na pesquisa psicanalítica, p. 7-22.
Colaboraram neste levantamento as pesquisadoras em Iniciação Científica Bruna Amoroso Pastore e
Flávia Horta Hungria.
2
2
psicanálise, realizado por Margaret Mahler 3 e colaboradores, com o objetivo de estudar o
processo nomeado por ela de separação/individuação. A autora destaca que nesta pesquisa há
uma tentativa de estabelecer um equilíbrio apropriado entre observações psicanalíticas livres
e flutuantes e um esquema experimental prefixado, porém também assinala as dificuldades
metodológicas que podem ser levantadas em função disso, salientando que os procedimentos
utilizados neste trabalho estão sujeitos a uma crítica séria vinda de ambas as partes.4
Quanto aos objetivos alguns se pretendem estudos exploratórios, buscando conhecer mais
acerca da relação mãe-bebê. Já outros têm como objetivo desenvolver instrumentos que
identifiquem sinais de sofrimento da dupla mãe-bebê e que possam ser utilizados pelos
profissionais que trabalham com a primeira infância.
Dentre estes se destaca a Pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos de Risco para
o Desenvolvimento Infantil5, sob coordenação nacional de Cristina Kupfer, que reuniu
31 indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil – IRDI, construindo um
protocolo com indicadores observáveis nos primeiros 18 meses de vida da criança,
disponibilizado aos profissionais da primeira infância.
O principal ponto comum entre as pesquisas encontradas é o consenso acerca da relevância
do estudo da relação primordial mãe-bebê, por sua função central na constituição do
psiquismo humano, e acerca da dimensão preventiva que tais estudos podem ter, quando
trazem elementos que subsidiam uma atenção mais ampla à saúde na primeira infância. A
presente pesquisa, contemplada neste trabalho, igualmente considera relevantes estes dois
aspectos.
3
Margaret S. Mahler, Fred Pine e Anni Bergman (1986). O nascimento psicológico da criança – simbiose
e individuação.
4
Idem, p.31.
5
Ver os artigos: Maria Cristina Machado Kupfer (2003). Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos
para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil, p. 7-25 e
Maria Cristina M. Kupfer; Alfredo N. Jerusalinsky; Leda M. F. Bernardino; Daniele Wanderley; Paulina
S. B. Rocha; Silvia E. Molina; Léa M. Sales; Regina Stellin; M. Eugênia Pesaro; Rogério Lerner (2010).
Predictive value of clinical risk indicators in child development: final results of a study based on
psychoanalytic theory, p.31-52.
3
Esta pesquisa toma de partida conhecimentos acumulados pela psicanálise que situam a
complexidade da maternidade e da construção do laço mãe-bebê, que de forma alguma são
garantidos pela biologia.
Sabe-se, desde Freud, que a maternidade tem importante impacto para o psiquismo,
remetendo a mulher a dramas psíquicos muito anteriores. Freud6 aponta que o bebê se
inscreve num lugar subjetivo bastante específico para a mãe. Segundo ele o filho é o
substituto simbólico do pênis, do falo e a maternidade seria, em seu entender, a saída
feminina normal do complexo de Édipo.
Atualmente vários psicanalistas que estudam a gestação e o laço mãe-bebê trazem
importantes contribuições que ampliam o conhecimento dos elementos em jogo neste campo.
Julieta Jerusalinsky7 aponta que a equação pênis-falo-bebê situada por Freud e o gozo fálico
não esgotam a dimensão do laço mãe-bebê e do gozo presente na maternidade.
Autores como Bernard Golse, Monique Bydlowsky e Myriam Szejer 8 abordam que o
processo de gestação e os primeiros tempos de cuidados do bebê implicam na reativação de
emoções, conflitos e angústias primitivos da mãe, concernentes aos seus primeiros laços. A
possibilidade da mãe construir um laço saudável ou não com seu bebê remonta a sua história
de relações. Destacam que temas relevantes da história materna ocupam em grande parte seu
cenário subjetivo na gestação, e que só com o decorrer da gravidez a existência do bebê vai
se tornando mais concreta para ela.
6
Sigmund Freud (1933 [1932]). La feminidad, conferencia 33: Nuevas conferencias de introducción al
psicoanálisis, p. 104-125.
7
Julieta Jerusalinsky (2009). A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo, p. 1-15.
8
Ver, por exemplo, os textos:
Monique Bydlowski (2002). O olhar interior da mulher grávida: transparência psíquica e representação do
objeto interno, p. 205-214; Monique Bydlowsk e Bernard Golse (2002). Da transparência psíquica à
preocupação materna primária: uma via de objetalização, p.215-220 e Myriam Szejer (2002). Uma
abordagem psicanalítica da gravidez e do nascimento, p. 188-204.
4
Regina Orth Aragão9 destaca também o trabalho que se impõe ao psiquismo materno no
período de gestação, apontando para um importante remanejamento psíquico da mãe, no
sentido de construir a representação do bebê, o que é decisivo para o futuro subjetivo deste.
Os achados deste estudo também apontam no sentido da complexidade e densidade psíquica
da maternidade e da construção do laço mãe-bebê, e tem sido constatado que quando foi
oferecida uma escuta às gestantes no ambulatório de acompanhamento pré-natal, muitas
delas trouxeram, na singularidade e complexidade de seus discursos, sinais que falam de
sofrimento, angústias e conflitos neste processo. Estes sinais podem ser indícios de uma
inicial configuração patológica do laço mãe-bebê? Ou são sinais que dizem de conflitos que
encontrarão elaborações possíveis, sem necessariamente implicar na constituição de uma
psicopatologia? Estas questões têm sido foco de atenção no acompanhamento longitudinal
proposto.
A seguir serão apresentados alguns achados deste estudo até o momento, ressaltando que são
ainda iniciais e que a pesquisa continua em andamento.
Um sinal que pareceu ter relevância refere-se a não implicação com a gestação. Este
apareceu no discurso de uma gestante que, entrevistada na data da sua primeira consulta de
pré-natal, disse achar que estava com mais ou menos 8 meses de gestação, mas que não
sabia, já cada um falava uma coisa. Disse também que estava ali para saber se tudo ia bem
com o filho, saber quando teria o bebê, se seria parto normal ou cesárea, para resolver logo.
No discurso desta gestante aparece uma posição de não implicação com sua gravidez e o
saber todo colocado do lado do outro.
Outro sinal destacado foi o sofrimento e angústia por esperar gêmeos expressos por uma
gestante, inclusive tendo cometido um lapso, referindo estar ali para cuidar da saúde e
9
Regina Orth Aragão (2007). A construção do espaço psíquico materno e seus efeitos sobre o psiquismo
nascente do bebê, p. 36-47.
5
para o bebê, no singular, nascer bem, parecendo não haver, ao menos naquele momento,
lugar possível para dois bebês.
Outro sinal que pareceu relevante foi encontrado no acompanhamento de uma dupla que
foi seguida até os 8 meses da criança. Esta mulher teve uma gestação anterior, porém foi
uma gestação tubárea. Ela iria iniciar um tratamento para engravidar quando
espontaneamente engravidou desta criança, uma menina. Na primeira entrevista a mãe
referiu-se à gestação como a realização de um sonho. Nas entrevistas subseqüentes deu
muita ênfase a diversos problemas familiares, dizendo que ainda não tinha podido
pensar na sua gravidez. Também começou a aparecer certa dúvida quanto à sua
capacidade como mãe, como, por exemplo, numa fala em que disse que mãe sente se o
bebê é menino ou menina, mas ela não. A gestante também mostrava estranheza em
relação aos movimentos do bebê, percebidos por ela em poucos momentos.
Simultaneamente enfatizava o seu mal estar físico, a dificuldade e o sacrifício que
estava sendo a gestação. No decorrer da gravidez ela desenvolveu hipertensão, tendo
culminado num quadro de iminência de eclâmpsia e na realização de cesárea
prematuramente. A criança ficou internada em UTI neonatal durante mais de 1 mês. De
forma geral, chamaram atenção neste caso os sinais de pouca pulsionalidade da mãe,
com ênfase e repetição da fala a respeito dos problemas, da dificuldade e do sacrifício.
Após o nascimento encontrou-se a dupla 3 vezes, nas 2 últimas o pai também esteve
presente. No primeiro encontro, ainda durante internação da criança, pôde ser assistida a
cena da mãe falar com o bebê e também falar por ele, embora pouco. No segundo
encontro, durante consulta da criança no ambulatório de prematuros, pôde ser percebido
mais olhar entre a dupla. No terceiro, também durante consulta, a criança olhava,
vocalizava, sorria, porém colocando-se mais em relação com o pai. Isto foi abordado
pela mãe em sua fala, quando foi descrevendo a filha e a forte ligação desta com o pai.
6
Uma hipótese feita é que talvez esta criança esteja sendo mais sustentada pela relação
com o pai.
Outro achado refere-se a sinais de conflito da gestante quanto ao desejo de ter o filho,
sendo um elemento comum em 4 casos, certamente cada um em sua singularidade.
Serão abordados aqui 2 destes 4 casos.
Num deles a dupla permanece em acompanhamento. Atualmente a criança, uma
menina, já nasceu, mas ainda não foi vista. Neste caso sinais de conflito em relação à
gravidez foram marcantes. Esta gestante referiu que não pretendia engravidar e que
tomou pílula do dia seguinte. Ela já tinha duas filhas do seu primeiro casamento. O
vínculo com o pai do bebê foi descrito como pouco significativo. Esta mulher vive com
suas filhas, junto aos seus pais, e referiu-se muitas vezes à dificuldade de contar sobre
sua gravidez para seu pai, enunciando repetidamente a frase de que sentia como se
tivesse cometido um crime e estivesse escondendo o corpo. Ao longo das entrevistas foi
dizendo-se mais tranqüila, depois que a família aceitou sua gravidez. Seu discurso
passou a girar principalmente em torno da preocupação com a saúde do bebê, da
expectativa pelo nascimento e do receio pela dor do parto. Também passou a falar sobre
o pai da criança, dizendo que ele não esteve com ela quando mais precisou, quando
contou sobre a gravidez para seu pai, e também dizendo não o querer por perto, já que a
filha, estando na sua barriga, não precisava dele. Referiu várias vezes se tornar uma
pessoa difícil e mal humorada quando está grávida, se achando a mulher mais feia do
mundo e não querendo ver ninguém. Mas também apontou para um deslocamento em
relação a esta imagem, dizendo que ter começado a conversar, referindo-se ao espaço
oferecido pela pesquisa, ajudou-a a se sentir melhor. Mãe foi vista após o nascimento da
criança, por ocasião de consulta médica no hospital, quando disse estar cem por cento
melhor. Como a filha não estaria nesta ocasião, mãe trouxe muitas fotos dela.
7
No outro caso também se destacaram sinais de intenso conflito da gestante em relação
ao desejo de ter outro filho. A gestante era casada, o casal já tinha dois filhos e a
gravidez foi inesperada. Ela relatou que quando soube da gestação bateu na barriga e
jogou-se de uma escada na tentativa de abortar. Relatou também momentos em que não
se acreditava grávida, ao lado de outros em que admitia este fato já constatado. Durante
o acompanhamento desta gestante supôs-se ter havido certo apaziguamento em relação
a este conflito e um movimento que foi lido como a elaboração de um lugar possível
para a criança. A gravidez foi aos poucos se tornando mais concreta para a mãe,
principalmente com os primeiros movimentos do bebê e a visualização, através do
exame de ultrassonografia, de imagens da criança, uma menina, o que pareceu
contribuir para a produção de maior concretude do bebê para a mãe e de seu
encantamento por ele. Nesta mesma época a mãe começou a atribuir características à
filha. No final da gestação apareceram muitas queixas sobre desconforto físico e
dificuldade para realizar várias atividades, simultaneamente à expressão da vontade de
que bebê nascesse logo.
Após o nascimento da criança, demorou-se algum tempo para contatar novamente a
mãe, em função de encaminhamentos necessários a respeito do seguimento dos casos
fora do hospital. Após isso, encontrou-se a dupla na Unidade Básica de Saúde em que a
criança era levada para consulta pediátrica. Nesta ocasião a mãe referiu um período
muito difícil de irritação, angústia, crises de hipertensão após o nascimento da filha,
acompanhado de dificuldade para cuidar dela. A mãe referia-se a isso como um
momento passado, dizendo que já estava bem. Porém, no contato posterior ela fez uma
demanda de atendimento, referindo precisar de ajuda. Pensou-se em como acolher esta
demanda e foi então oferecido um espaço de atendimento, sendo dada a opção deste ser
8
feito por esta pesquisadora ou por outro membro da equipe. A mãe optou pela
pesquisadora, justificando que esta já a acompanhava desde a gestação da filha.
A propósito disto, esta demanda como também a fala da gestante anterior dizendo que
se sentia melhor após ter começado a conversar fazem ressoar uma questão importante,
enquanto pesquisadores em psicanálise questionamos o nosso lugar. Os limites entre a
pesquisa e a intervenção parecem tênues neste campo. A escuta do pesquisador não
difere da escuta analítica em sua ética e fundamentos, podendo, mesmo no âmbito da
pesquisa, ter efeitos interventivos e de construção do sujeito acerca de um saber sobre
si10. Julga-se que esta não seja uma dificuldade metodológica, mas sim uma
especificidade e uma riqueza da pesquisa em psicanálise, em que o pesquisador não
pode pretender a neutralidade.
Voltando ao caso, o atendimento foi realizado durante um curto período. Neste a mãe
trouxe de forma preponderante conflitos com sua própria mãe e pensamentos, iniciados
durante a gestação, de doença e morte em relação a ela própria, ao marido e aos filhos,
pensamentos acompanhados de medos, chegando por vezes a não conseguir sair de casa.
O atendimento foi precocemente interrompido pela mãe, impondo-se aí o limite para a
intervenção. Na interrupção ela referiu tanto uma melhora, como dificuldade para vir às
sessões em função de ter voltado a trabalhar, dizendo também que trabalhando não tinha
tempo para pensar besteira. Esta expressão era repetidamente usada por ela para referirse aos pensamentos ruins. Durante o período de acompanhamento desta dupla, o bebê
apresentou episódios recorrentes de infecções, alergias e assaduras importantes.
Gostaria ainda de abordar rapidamente um aspecto de mais um caso em
acompanhamento nesta pesquisa. Tratava-se de uma gestante em sua quarta gestação.
10
Ver o interessante artigo de Ana Costa e Maria Cristina Poli (2006). Alguns fundamentos da entrevista
na pesquisa em psicanálise, p. 14-21.
9
Esta mulher tem três filhas do seu primeiro casamento. O bebê, um menino, atualmente
já nascido, é o primeiro filho do seu atual marido. Esta gestante, na segunda entrevista,
trouxe um importante sofrimento, dizendo que tinha medo de sentir, após o nascimento
do bebê, o que sentiu quando as duas filhas mais novas nasceram. Disse então que teve
depressão pós-parto, chorava muito e tinha pensamentos diabólicos, chegando, após o
nascimento da filha mais nova, a se ver jogando a criança pela janela do hospital. Além
disso, isolava-se e só queria dormir, permanecendo assim até aproximadamente um mês
após o parto. Em nenhum dos dois períodos teve ajuda profissional em relação a esta
questão. Nesta segunda entrevista a gestante referiu que quis falar sobre isso, já que
tinha receio de que acontecesse novamente, dizendo que há mães que fazem besteira
após o parto. Esta preocupação não tinha sido abordada até então em seu
acompanhamento pré-natal. Atualmente o bebê já nasceu e a dupla foi vista. Nesta
ocasião a mãe disse que após o parto não se sentiu mal como nas outras vezes, mas
sentiu um pouco de angústia durante alguns dias, dizendo ainda que seria para ficar
feliz, mas não fica.
Finalizando, gostaria de tecer algumas considerações acerca do que foi apresentado.
Como já assinalado, o estudo aqui contemplado está em andamento e os achados
apontados são ainda iniciais. Foi feita uma tentativa de categorizar alguns sinais de
sofrimento encontrados nas duplas mãe-bebê acompanhadas, que não são tomados
como conclusivos, mas como sinais que podem apontar para um risco de
desdobramento psicopatológico caso este sofrimento se cronifique. Cabe acrescentar
que nestas duplas há também um sofrimento do corpo, expresso nas várias condições
que levam estas gestações a serem consideradas de alto risco, implicando em alguns
casos em risco efetivo de morte.
10
De maneira geral, os achados deste estudo apontam para angústias e sofrimentos que
ganharam voz quando foi oferecida uma escuta a duplas mãe-bebê desde a gestação. Por
outro lado, nesta escuta acompanhou-se, em vários casos, um movimento de rápida
ressignificação do sofrimento, da gestação, do lugar do bebê. Pode-se entender a
possibilidade de ressignificação como um sinal de saúde mental, em oposição à
estagnação, à restrita ressignificação encontrada na clínica dos casos já cronificados de
psicopatologias graves. Desta forma, ressalta-se a importância e o potencial
interventivo, e mesmo preventivo, que a escuta dos sinais iniciais de sofrimento na
dupla mãe-bebê pode ter. Porém as angústias, os sinais de sofrimento e, de forma geral,
a dimensão da subjetividade parecem ter pouca acolhida no acompanhamento pré-natal
em seus moldes tradicionais e também no acompanhamento de crianças e suas famílias
no cuidado à saúde da primeira infância, ficando de fora do foco principal do
atendimento que prioriza a atenção ao aspecto orgânico.
Assim, pensa-se que os achados desta pesquisa, desde já, podem contribuir com
subsídios para ampliar a concepção do atendimento e cuidado de duplas mãe-bebê desde
a gestação, incluindo neste cuidado um olhar para a dimensão subjetiva e para o laço
que está se organizando entre a mãe e o bebê como determinante da constituição de um
sujeito numa criança. Um serviço que acolhe duplas mãe-bebê neste delicado e decisivo
tempo primordial tem potencialmente um papel importante na detecção e intervenção
precoces, se estiver disponível e atento para a escuta dos impasses que podem se
configurar neste laço, os quais implicam em conseqüências, por vezes sérias, quando
não cuidados, com risco de se configurarem e cronificarem na forma de psicopatologias
graves. Neste sentido pretende-se reverter estes achados em ganhos, através da proposta
de um projeto de extensão que visa à organização de um serviço especializado no
11
cuidado da gestante/mãe e seu bebê que contemple estas questões fundamentais,
entendendo-se esta iniciativa como uma ação de promoção de saúde.
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14
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