PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: Caso dos Irmãos Naves Wesley Borges da Silva* Resumo O presente trabalho tem o objetivo de analisar o Princípio da Presunção de Inocência baseado no caso dos Irmãos Naves ocorrido em Araguari-MG, no ano de 1937. Para tanto trata dos aspectos relacionados a este princípio de acordo com a Constituição Brasileira de 1988 e o fato de todos serem iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Ademais, ressalta o Princípio da Presunção de Inocência enquanto direito fundamental de todo cidadão e o papel da mídia diante de situações de condenações precipitadas. Dessa forma, conclui-se que em decisões judiciais como no Caso dos Irmãos Naves, a determinação deve caminhar sempre em benefício do réu, enquanto não houver um pronunciamento de culpa; não cabendo condenar um inocente, como expressam os princípios básicos do Direito. Palavras-chave: Princípio da Presunção de Inocência. Irmãos Naves. INTRODUÇÃO A presunção de inocência é uma das mais importantes garantias constitucionais, pois através dela o acusado passa a ser sujeito de direitos dentro da relação processual. Este princípio está na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que diz no seu art. 5º, inciso LVII: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Ë um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal. Este Princípio em tempos modernos teve origem na Revolução Francesa, sendo reiterado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e também firmado posteriormente em 1969 no pacto de San Jose de Costa Rica. Por inobservância deste princípio, ocorreu em nosso país o maior erro judiciário de todos os tempos. Isto aconteceu na cidade mineira de Araguari, em 1937. É o famoso caso dos irmãos Naves que, através de suspeitas infundadas por uma autoridade prepotente, foram presos, torturados e acusados de um crime sem que existissem evidências concretas que justificassem a pena degradante e cruel que sofreram. O princípio da presunção de inocência tende a ser mais observado em um regime democrático, ao contrário do regime político totalitário em que os direitos fundamentais do individuo subordinam-se ao Estado, segundo o princípio da autoridade. * Graduando em Direito do 10º período pela Faculdade Católica de Uberlândia. 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Fruto de um regime totalitário, tendo como exemplo a extinção do legislativo e o judiciário servia apenas como ferramenta do executivo, saqueando assim a soberania do tribunal do Júri e com isso, obstruindo um julgamento justo. Diante do exposto, este artigo visa elucidar a importância do Princípio da Presunção de Inocência que será analisado através do caso dos Irmãos Naves, bem como, as decorrências e implicações do mesmo. Para tanto, será abordado o significado do Princípio da Presunção de Inocência, este princípio enquanto direito fundamental de todos os cidadãos, as conseqüências da manipulação da mídia que pode resultar no julgamento antecipado da população e do Poder Judiciário. O SIGNIFICADO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA A presunção de inocência é um instrumento jurídico criado pela lei para favorecer o acusado com base jurídica sobre a inferência de que a maioria das pessoas não é criminosa. O princípio da presunção de inocência apóia a prática de soltar criminosos acusados da prisão antes do julgamento. No entanto, em alguns casos o governo pode deter alguns criminosos acusados sem fiança até o final do julgamento. Para garantir essa proteção jurídica é mantido um conjunto de três regras relacionadas ao processo de julgamentos penais. 1. No momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova. 2. No momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida. 3. No curso do processo penal, como paradigma do tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. O júri possui duas opções: ou condena, ou absolve o réu. A expressão significa simplesmente que uma pessoa não é juridicamente culpada até que um júri retorne com um veredicto de culpado. Portanto, devido ao Princípio da Presunção da Inocência ser um direito fundamental é de grande relevância que se analise diante dos códigos legais e constituintes no mundo sua interpretação, conforme segue. 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A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa diz (art. 6.2): Toda a pessoa acusada de uma infração presume-se inocente até ser provado culpado de acordo com a lei. Esta convenção foi adotada pelo tratado e é obrigatória para todos os membros do Conselho da Europa. No Canadá, seção 11 (d) da Carta Canadense de Direitos e Liberdades afirmam: Qualquer pessoa acusada de um delito tem o direito de ser presumido inocente até prova em contrário nos termos da lei em uma audiência justa e pública por um tribunal independente e imparcial. Na França, o artigo 9 º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, diz: Todos são inocentes até que supostamente terem sido declarados culpados e os primeiros artigos do Código de Processo Penal dizem que qualquer pessoa suspeita ou processada presume-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido estabelecida. O artigo 5 º, inciso LVII da Constituição Brasileira afirma que: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 11, afirma: Toda a pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até provar-se culpado de acordo com a lei em um julgamento público no qual eles tiveram todas as garantias necessárias para a sua defesa (WIKIPÉDIA, 2009, s.p). Diante da abordagem do Princípio da Presunção de Inocência enquanto direito fundamental, é imprescindível analisar a grande influência da mídia sobre as pessoas e a necessidade de imparcialidade da mesma para que diante de situações semelhantes à dos Irmãos Naves, os direitos fundamentais sejam observados e com isso não promova um julgamento antecipado por parte da população e do Poder Judiciário, o que será abordado abaixo. A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A MIDIA A garantia da presunção de inocência se estende para além do sistema judicial. Por exemplo, em muitos países os códigos de ética de jornalistas declaram que os jornalistas devem abster-se de usar a palavra criminoso e trocá-la pela palavra suspeito, como se referissem que a culpabilidade do réu fosse certa. A imprensa não pode perder de vista que, até o julgamento final, todo o acusado presume-se inocente. Deve pautar sua atuação dentro de critérios éticos, as investigações devem ser feitas sem Princípio da Presunção da Inocência: Caso dos Irmãos Naves 4 ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ alarde e agir de forma responsável quando publica uma notícia, devendo buscar o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e as garantias do cidadão asseguradas constitucionalmente. É importante salientar as conseqüências sérias e indesejáveis que podem ser causadas à honra e a imagem das pessoas através da veiculação de noticias, por empresas que muitas vezes agem motivadas pelos altos lucros propiciados, estigmatizando, freqüentemente a vida e a reputação das pessoas envolvidas. Na maioria das vezes, a reparação dos danos causados às pessoas envolvidas é praticamente impossível. O que não pode se admitir é a postura de alguns Magistrados que, para satisfazer a opinião pública, que não conhece a prova dos autos e também não é habilitada em leis processuais, violenta os direitos constitucionais dos acusados. Isso aconteceu em particular no caso dos Irmãos Naves, quando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais alterou o veredicto do Júri (o que então era possível, devido à ausência de soberania do Júri no regime ditatorial da Constituição de 1937.) A pressão da mídia, em especial, nos crimes de grande repercussão tem causado uma sensação de justiça. Isto é fato. Ocorre uma espécie de justiça com as próprias mãos, em não diferenciar a gradação do crime, em condenar antecipadamente, inibindo toda forma de defesa. A história está repleta de exemplos dessa natureza. Trata-se de linchamento, ainda que o linchado seja réu confesso. A prática no Brasil ganha espaço posto que seja proveniente do amparo da maioria, protegido por um discurso pretensamente legalista. O assunto é polêmico, mas merece uma ampla reflexão dos limites dos meios de comunicação em nossos dias. Como sabemos, o Brasil sofreu em décadas passadas dificuldades no campo político, principalmente com o regime militar que perdurou até meados da década de oitenta. Neste período de repressão foi implementada a censura, o que propiciou uma restrição clara à liberdade de imprensa. Fato que “respalda” o discurso daqueles que são contra a qualquer forma de reparo aos meios de comunicação. Hoje vivemos num clima de liberdade, onde os meios de comunicação têm uma atuação plena. No entanto, é importante ressaltar que a mesma Constituição Federal que garante a liberdade de expressão, também estabelece que ninguém deve ser considerado culpado até que se prove o contrário, ou seja, a presunção de inocência. Nunca é demais repetir o chavão: liberdade com responsabilidade. Por seu turno, os meios de comunicação têm um dever com o seu público: a informação. Este é o limite. Quando este limite é ultrapassado temos um prejuízo irreparável a um suposto acusado que ao final de um julgamento pode ser considerado inocente, mas sua imagem estará perpetuamente maculada. 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Em síntese, qualquer pessoa tem o direito a buscar a proteção de seus direitos, de ter salvaguardado o direito à ampla defesa, ao contraditório e, fundamentalmente, a um julgamento imparcial. A liberdade é a regra, deve ser garantida para todos até provar em contrário. Como ilustração para o referido tópico, é citado o exemplo do caso mais emblemático da imprensa brasileira. Vejamos: “Erros da imprensa custaram R$ 7 milhões de indenizações - Sete veículos de comunicação que veicularam reportagens sobre o caso da Escola Base estão condenados a pagar mais de R$ 7 milhões de indenização às vítimas de uma série de reportagens despropositadas. O casal Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, donos da escola, e Maurício Monteiro de Alvarenga, motorista que servia ao colégio, foram acusados, em 1994, pela polícia de São Paulo de abuso sexual contra crianças que estudavam na escola. O caso repicou fartamente na imprensa nacional, que acreditou na versão fantasiosa de um delegado de polícia”. (SILVA, U. S, 2007, s.p.). CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta perspectiva, este artigo ressaltou o conceito de Princípio da Presunção de Inocência, o qual assegura enquanto instrumento jurídico uma sentença imparcial e “justa” a quem seja de direito, dentro dos moldes legais necessários para que um inocente não seja julgado culpado. Além disso, discutiu-se sobre a aplicação deste relevante direito fundamental e da necessidade de imparcialidade da mídia diante do não julgamento de certos casos que a princípio demonstre através de um julgamento antecipado a culpabilidade do réu, sendo que contrariamente pode ser inocente. Diante do exposto, conclui-se que o Princípio da Presunção de Inocência deve ser parte do Estado Democrático de Direito, onde, por princípio, todos são iguais perante a lei. Não podendo haver precipitação no momento de decidir o futuro do réu, pois, assim como o ser humano é passível de erros, a ponto de praticar um delito, também poderá sê-lo no julgamento. No caso de dúvidas a respeito de fatos ou provas, a decisão judicial caminha sempre em sentido ao benefício do réu. É preferível absolver um culpado a condenar um inocente, como expressam os princípios mais básicos do Direito. Dessa forma, a presunção de inocência não pode se restringir à sua regra probatória, mas ampliar seu alcance às regras de tratamento e de garantia do imputado em toda e qualquer instância jurisdicional. É nesse ponto que o princípio atinge sua maior importância e proximidade do processo. 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Se, a priori, a pessoa humana é isenta de culpa, ao ver-se defronte a uma acusação, deverá ter garantido todos os recursos jurídicos disponíveis para defender-se dela. Em última análise, não podemos sustentar a presunção de culpa porque, em princípio, não há culpa, ou seja, a culpa é exceção, embora reconhecível mediante prova capaz de mostrá-la de forma líquida e certa. Se isto fosse observado no caso dos Irmãos Naves, hoje jamais teríamos que lembrar este fato horrível, que nos marcou com uma barbaridade tão grande, a ponto de não entendermos como um ser humano pode chegar a cometer tal barbaridade como esta. A presunção de inocência sobrevive se a instrução deixar espaço para qualquer dúvida. Posto que, a qualquer pessoa acusada de um delito deve-se garantir o sagrado direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se comprova legalmente sua culpa. Referências BARBOSA, R. O Dever do Advogado. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa –Aidê Editora, 1985. CHIVARIO, M. 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