EM BUSCA DA NOVA EDUCAÇÃO Qual seria a missão dos educadores: desenvolver ao máximo a liberdade, a imaginação e a criatividade de seus alunos ou conformá-los às normas do “bom cidadão” aceitas pela sociedade vigente? A resposta histórica tem sido a segunda, mas o estado atual do mundo não deixa dúvidas quanto à sua ineficácia. Por Marco Antonio de Carvalho (Planeta, Novembro de 1989) A história humana parece ser antes de tudo uma interminável luta pelo poder, uma seqüência de guerras, conspirações e massacres. A história da educação, ao mesmo tempo, é uma luta constante da sociedade adulta contra a imaginação, a vontade e a busca da liberdade por parte dos mais jovens - além da imposição de valores dessa sociedade pelos educadores. Desde o Antigo Egito, ao que se sabe, os adultos afirmavam que educação e adestramento são a mesma coisa e que não há muita diferença entre treinar um cãozinho para o circo e ensinar uma criança a se comportar bem diante dos mais velhos. Nada estranhamente, esse tipo de visão atravessa toda a história, ainda que um ou outro crítico - em geral, não educadores - sempre surja para denunciar o autoritarismo, sadismo e adultismo da educação. Ainda assim, a questão sobre os direitos de um aluno (o direito de não ser espancado e humilhado na escola, por exemplo) ou de uma criança, em casa (o direito de não ser massacrado pelos próprios pais) é um tema recente, e somente a partirdo fim do século 19 surgem propostas que respeitam minimamente as necessidades e desejos desse aluno. Até onde se sabe, é no Egito que surge essa totalitária tendência de adaptar a criança à sociedade - deuses, políticos, família, profissões, comportamento - através da educação. Desde então, os alunos passaram a aprender a obediência, a cópia, a submissão, a importância da memória, o medo de errar e a competição. Exemplo disso são os vários ensinamentos moralizantes criados naquela época e que podem ser encontrados até hoje, milênios depois, em livros escolares e cartilhas religiosas: “cuida para que os outros não te corrijam”, “cria um lar: casa com mulher forte, nascerá para ti um macho” ou ainda “se és um homem de qualidade, forma um filho que seja sempre a favor do rei”. Ah, sim, e toma pancada. Na Grécia, toda essa mentalidade educativa muda muito pouco: a criança, o jovem e aluno, todos devem se adaptar aos interesses da cidade-estado, através especialmente de chicotes e varas, meio principal da instrução naquela época e até hoje. Em Roma, séculos após, começa a surgir uma consciência crítica da educação. Sêneca, por exemplo, duvida que a instrução acrescente acrescente muita coisa ao ser humano e diz que “a educação não torna as pessoas boas, mas cultas”. Petrônio, no Satyricon vai mais longe: “As crianças nas escolas tornam-se cretinas, porque não estudam nenhuma das coisas que praticamos na vida.” Durante grande parte da Idade média, a Igreja foi a única instituição a ter direito a ministrar aulas e, como sempre, a educação foi mais censura do que método: proibia-se a existência de classes mistas, pedia-se a atenção dos mestres com a sexualidade dos alunos, exigia-se que os livros adotados fossem aprovados pela Igreja ou então que tivessem seus trechos “perigosos” cortados. Mesmo após o Renascimento e o Humanismo, mesmo até hoje, final do século 20, a educação poucas vezes foi uma questão pedagógica: o que importa para a educação é a forma de criar bons cidadãos, ou seja, seres humanos bem adaptados às regras da sociedade onde essa escola e família atuam. A educação, dessa forma, não é um fim em si mesmo - ou, pelo menos, assim não tem sido tratada: é mais uma peça na engrenagem, mais uma forma - a mais sutil, a mais hipócrita - de transformar seres humanos em “tijolos na parede”, como lembra o grupo inglês Pink Floyd em The Wall. Por outro lado, é perda de tempo buscar a educação perfeita, aquele método que, se aplicado, fará uma criança se transformar em um ser livre, justo, pleno, feliz e harmônico. Esse método não existe, simplesmente porque ele deve ser aplicado por outros seres humanos, adultos, sujeitos a todo tipo de emoções, problemas, necessidades, sonhos. Em Uma vida para seu filho Bruno Bettelheim lembra que o livro “sintetiza o esforço de toda a minha vida para descobrir e testar tudo que uma criação de filhos bem-sucedida envolve e requer- isto é, a criação de um filho que pode não ser necessariamente um sucesso aos olhos do mundo mas que, pensandobem, está satisfeito com a maneira pela qual foi criado e, no conjunto, está contente consigo mesmo, apesar das deficiências que atingem a todos nós.” A principal deficiência é exatamente essa: pais e educadores têm olhado mais para a formação de um profissional, do cidadão, do bom-moço e boa-moça do que para a criação de seres humanos plenos, livres, corajosos e criativos. A partir do nascimento, a criança é treinada, dobrada, regrada, vigiada e censurada por um batalhão de adultos que se recusa terminantemente a aceitar a individualidade de cada um e quer, desde o parto, moldar essa criança e adaptá-la o mais rápido possível ao mundo em volta. A questão, assim, é saber se este é mesmo o papel da educação ou se, muito ao contrário, seu papel seria o de criar condições para que cada criançaindivíduo desenvolvesse o que tem de melhor em si, respeitando talentos e limitações, simpatias e horrores. A educação, dessa forma, seria um treino para a liberdade, para a totalidade do ser humano, para o respeito ao outro. Em uma educação nesses moldes não haveria espaço para as terríveis e violentas agressões de pais contra seus filhos, para a competição, a hipocrisia, os prêmios e castigos. Por outro lado, o resultado seria um só: o desmoronamento da sociedade que conhecemos. E a criação, ainda que lenta, de uma vida e um convívio social mais saudável. A educação, assim, serviu e serve perfeitamente ao mundo que aí está. Uma outra educação, ainda por se instalar, vai servir como base para os novos tempos. INDICAÇÕES PARA LEITURA Não basta apenas a visão oficial - do Estado, Igreja ou Família - sobre a educação. Existem várias outras visões, propostas, críticas, análises. Nesses livros, o leitor poderá encontrar alguns dados para uma reflexão mais livre. História da educação (da Antiguidade aos nossos dias), de Mário Manacorda (tradução de Caetano Lo Monaco, editora Cortez), é um estudo recente do educador italiano, que pretende mostrar um passeio histórico pela educação, do Egito Antigo até o século 20. Num exto claro, o autor analisa a visão que as sociedades antigas tinham da criança e da educação e mostra que, já desde o mais antigo Egito, em 2600 A C, a criança era treinada para obedecer. Manacorda passeia pela educação na Mesospotâmia, Grécia, Roma e Idade Média até chegar aos nosso dias descobrindo o que se sabe: a educação não se preocupa com a criança, mas com a manutenção da sociedade. Uma das mais humanas e poéticas tentativas de se dar uma educação livre para a criança, a escola Summerhill, na Inglaterra, criada por Alexander Neill, é o tema de Liberdade sem medo (tradução de Nair Lacerda, Editora Ibrasa). Neste livro cheio de emoção e confiança na possibilidade de liberdade, Neill conta a longaexperiência da sua escola, mais de cinqüenta anos de luta contra o governo inglês, a miopia dos pais - que não querem filhos felizes, mas vencedores - e o seu próprio aprendizado com as crianças. Para Neill, é a escola que deve se adaptar às crianças - ao contrário de tudo que se faz em educação no mundo. Educação libertária, organizada por Felix Garcia Moriyón (Editora Artes Médicas, tradução de José Cláudio de Abreu), reúne textos de anarquistas como Bakunin, Kropotkin, Mella, Robin, Faure e Pelloutier, que sempre se interessaram pela questão da educação. Sinteticamente, a visão anarquista afirma que “a criança não pertence a Deus, nem ao Estado, nem à sua família, mas somente a si mesma”, e o papel do educador seria, sempre, abrir espaço para que essa criança desenvolva seus próprios talentos. Assim, para estes libertários, a escola deveria ser igual para todos, com mais trabalhos manuais e menos verbalismo, mais brincadeiras e menos seriedade, mais solidariedade e menos competição. Gramática da Fantasia, de Gianni Rodari (tradução de Antonio Negrini, Editora Summus) é um dos mais belos livros já lançados entre nós sobre educação: Rodari quer uma educação pela fantasia, pela imaginação, pelo humos - do que aulas verborrágicas, repetitivas, onde o professor apenas dita e o aluno está condenado a repetir e proibido de pensar por si mesmo. Neste livro, Rodari expõe sua tese e mostra como dava suas aulas na Itália do pós-guerra, sem livros, sem giz, sem dinheiro - e, ainda assim, cheias de vida, criatividade, participação. Não que ele pense que todos somos artistas: é que “ninguém é escravo”, afirma.