TATIANA DOS SANTOS DA SILVEIRA POLÍTICA DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD NAS UNIVERSIDADES PRIVADAS ITAJAÍ (SC) 2015 2 UNIVALI UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Curso de Doutorado em Educação TATIANA DOS SANTOS DA SILVEIRA POLÍTICA DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD NAS UNIVERSIDADES PRIVADAS Subtítulo (Opcional) Tese de doutorado apresentada ao Colegiado do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação – Área de Concentração: Educação – Linha de Pesquisa – Políticas para Educação Básica e Superior. Orientadora: Profª. Drª. Regina Célia Linhares Hostins ITAJAÍ (SC) 2015 3 4 AGRADECIMENTO Quando um homem reconhece que sua obra é fruto de muitos braços e tem a humildade de agradecer, ele demonstra maturidade em busca do que chamamos de conhecimento! Este é o momento de agradecer a todos que fizeram parte desta trajetória e da construção desta pesquisa, que certamente marca mais uma etapa da minha vida. Agradeço a Deus, aos meus pais e a minha filha Emanuelly, minha base e meu alicerce. Aos meus irmãos, cunhados e cunhada, pela força e incentivo. A minha orientadora Regina Celia Linhares Hostins, pela paciência, compreensão e carinho. A minha amiga e companheira de estudos Suelen Garay Figueiredo Jordão, pelo apoio e auxílio nas horas mais difíceis. A minha amiga e revisora Cristiane Lisandra Danna, pelo cuidado, comigo e com o meu trabalho. A todos os amigos que acompanharam este processo e participaram deste contexto. E, finalmente, ao amigo Mario Jungbeck, pelo apoio profissional desde o início da pesquisa! 5 RESUMO O número de alunos caracterizados como público-alvo da educação especial no Ensino Superior vem aumentando significativamente nas últimas décadas. Os dados do Censo deste nível de ensino revelam mais de 126% de aumento entre 2005 e 2010 e 50% entre 2011 e 2013. A inclusão deste público, o atendimento educacional especializado (AEE) e a implantação de núcleos de acessibilidade são temas dos documentos legais que regulamentam a educação e também os processos avaliativos das Instituições de Ensino Superior (IES) nos últimos anos. A presente pesquisa, vinculada à linha de pesquisa sobre Políticas para a Educação Básica e Superior, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí, tem como objetivo analisar a política de inclusão no Ensino Superior na modalidade EAD e sua interpretação e tradução no projeto pedagógico das maiores instituições privadas atuantes no Brasil, a saber: Kroton Educacional, Anhanguera Educacional e Estácio Participações. De modo mais específico, os objetivos de pesquisa são: identificar os princípios e as diretrizes de inclusão de alunos caracterizados como público-alvo da educação especial nas políticas de EAD em vigor no país e examinar as estratégias, as ações e os recursos utilizados para a inclusão desse público no projeto pedagógico das instituições estudadas. Caracterizada como de abordagem qualitativa, a pesquisa está baseada em análise documental e entrevista de campo. Utiliza-se como fonte de dados os documentos nacionais, os documentos institucionais das três universidades estudadas e entrevistas semiestruturadas com os gestores responsáveis pela política no âmbito das instituições estudadas. Os dados coletados são analisados segundo a abordagem teóricometodológica do ciclo de políticas de Stephen Ball (2009, 2011, 2012, 2013) e seus colaboradores. A análise dos dados revelou a influência de grupos nacionais e internacionais na elaboração das políticas, bem como de grupos que representam interesses específicos de pessoas com deficiência, dando origem a uma série de documentos fragmentados e nem sempre convergentes. Observou-se, ainda, fragilidades no texto da política nacional no que se refere às diretrizes para a inclusão no Ensino Superior, apesar da existência de um número expressivo de Leis, Decretos, Portarias e Aviso Curricular nessa área. Embora o discurso predominante tenha revelado preocupação com o acesso e com o direito de todos à educação, a política destina-se a públicos específicos, prioritariamente, a alunos com deficiência física, sensorial e tem como foco não a orientação, mas a regulação das IES em relação aos indicadores de acessibilidade. Os referenciais para a inclusão no Ensino Superior são mínimos, buscam garantir o acesso, mas nem sempre a permanência e o sucesso desse público nesse nível de ensino. As instituições pesquisadas interpretam a política produzindo discursos e imagens de instituição democrática, inclusiva e responsável; uma imagem, muitas vezes, fabricada e organizada para atender às exigências legais e baseadas nos textos de maior repercussão. Na prática, essas instituições traduzem a política por meio da organização de iniciativas de atendimento educacional especializado, tal como a produção de recursos pedagógicos adaptados, ainda que em pequena escala. Contudo, poucas são as estratégias de acompanhamento da trajetória de formação e da aprendizagem dos alunos com deficiências, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação matriculados nessas universidades Palavras-chave: Políticas de inclusão. Ensino Superior. Educação a distância. Instituições privadas. 6 ABSTRACT The number of students characterized as target audience of special education in Higher Education has increased significantly in recent decades. Census data for this level of education show an increase of more than 126% between 2005 and 2010, and of 50% between 2011 and 2013. The inclusion of this public, the specialized educational service (AEE) and the implementation of AccessCenters,are themes of legal documents that regulate the education and also the evaluation processes of Higher Education Institutions - HEIs, in recent years. The present research, which is linked to the line of research Policies for Basic Education and Higher Education of the Graduate Program in Education of the University of Vale do Itajaí, analyzes the policy of inclusion in the Distance Learning modality of Higher Education, and its interpretation and translation in the pedagogical project of the largest private institutions in Brazil, namely: Kroton Educacional, Anhanguera Educacional and Estácio Participações. The specific study objectives were: to identify the principles and the guidelines for inclusion of students characterized as target audience of special education policies of Distance Learning in force in the country, and to examine the strategies, actions and resources used for the inclusion of this public in the educational project of the institutions studied. Characterized as a qualitative approach, the research is based on documentary analysis and interviews in the field. Data sources used also include national and institutional documents of three universities studied, as well as semi-structured interviews with the managers responsible for policy in the context of these institutions. The collected data were analyzed according to the theoretical-methodological approach of the cycle of policies of Stephen Ball (2009, 2011, 2012, 2013) and collaborators. Analysis of the data revealed the influence of national and international groups in the formulation of policies, as well as groups representing specific interests of people with disabilities, giving rise to a series of fragmented, and not always convergent documents. Weaknesseswere also found in the text of the National Policy, in relation to the guidelines for inclusion in Higher Education, despite the existence of a significant number of Laws, Decrees, ordinances and Curricular Notice in this area. Although the predominant discourse revealed a concern with access and the right of all to education, the policy is intended to specific audiences, primarily, students with physical and sensory disabilities, and focuses not on orientation, but on the regulation of the HEIs in terms of the accessibility indicators. The references to inclusion in Higher Education are minimal; they seek to ensure access, but not always permanence,or the success of this public at this level of education. The institutions investigated, in turn, interpret the policy by producing discourses and images of a democratic, inclusive and responsible institution; an image that is often constructed and arranged to meet the legal requirements, and based on texts of greater impact. In practice, these institutions reflect the policy by means of the organization of initiatives of educational expertise, such as the production of adapted pedagogical resources, even on a small scale. However there are few strategies for monitoring the trajectory of training and learning of students with Disabilities and Global Developmental Disorder, or those with High Skills/gifted students registered in these universities Keywords: Inclusion Policies; Higher Education; Distance Learning; Private Institutions. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ABRA Associação Brasileira de Autismo AEE Atendimento Educacional Especializado APABB Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiências de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade ASSESC Faculdades Integradas Associação de Ensino de Santa Catarina CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONADE Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência CPA Comissão Própria de Avaliação EAD Educação a Distância FAA Faculdade Atual da Amazônia FACITEC Faculdade de Ciência e Tecnologia FAES Faculdade de Sorriso FAL Faculdade de Natal FARGS Faculdades Riograndenses FATERN Faculdade de Excelência Educacional do Rio Grande do Norte FEBRAPEM Federação Brasileira de Associações Civis de Portadores de Esclerose Múltipla FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos FESBH Faculdade Estácio de Belo Horizonte FESCG Faculdade Estácio de Campo Grande FIC Faculdade Estácio do Ceará FMI Fundo Monetário Internacional IES Instituição de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases LIBRAS Língua Brasileira de Sinais MEC Ministério da Educação NAP Núcleo de Apoio Psicopedagógico 8 OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento ONCB Organização Nacional de Cegos do Brasil ONEDEF Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos ONEESP Observatório Nacional de Educação Especial ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PDI Projeto de Desenvolvimento Institucional PNE Plano Nacional de Educação PPC Projeto Pedagógico do Curso PPGEs Programas de Pós-Graduação em Educação SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SEAMA Faculdade SEAMA SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SRMS Salas de Recursos Multifuncionais UAB Universidade Aberta do Brasil UDESC Universidade Estadual de Santa Catarina UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UNESA Universidade Estácio de Sá UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNIASSELVI Centro Universitário Leonardo da Vinci UNIC Universidade de Cuiabá UNIDERP Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal UNIMONTES Universidade Estadual de Montes Claros UNISEB Centro Universitário UNISEB UNISEB União dos Cursos Superiores SEB UNIUOL Faculdade de Tecnologia do UNIUOL UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí UNOPAR Universidade do Norte do Paraná 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa de localização dos Polos de Apoio Presencial ............................. 13 Figura 2: Evolução do número de matrículas de graduação por modalidade de ensino e do número de matrículas a distância públicas e privadas – Brasil – 2001-2010 .............................................................................................................. 20 Figura 3: Acadêmicos com deficiência matriculados no Ensino Superior ............ 21 Figura 4: As maiores IES privadas de capital aberto ............................................ 25 Figura 5: Fusão Kroton e Anhanguera .................................................................. 26 Figura 6: Área de atuação da Anhanguera ............................................................ 30 Figura 7: Área de atuação da Kroton Educacional ................................................ 32 Figura 8: Área de atuação da Estácio Participações .............................................. 34 Figura 9: Número de fontes documentais analisadas ............................................ 36 Figura 10: Análise do ciclo de políticas ................................................................ 42 Figura 11: Políticas fortes e políticas fracas .......................................................... 55 Figura 12: Documentos Institucionais – Plano de Desenvolvimento Institucional ........................................................................................................... 68 Figura 13: Inclusão para Booth e Mel ................................................................... 84 Figura 14: Dimensões para a inclusão ................................................................... 85 Figura 15: Fluxograma de AEE – Anhanguera ..................................................... 99 Figura 16: Fluxograma de AEE – Estácio ............................................................. 100 Figura 17: Fluxograma de AEE – Kroton ............................................................. 101 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Instituições e funções dos entrevistados .......................................................... Quadro 2: Recorte da legislação nacional ....................................................................................... 39 46 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... CAPÍTULO I: ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA ........... 1 O CONTEXTO DA PESQUISA ..................................................................... 1.1 O PERFIL DAS INSTITUIÇÕES ESTUDADAS .......................................... 1.1.1 Anhanguera Educacional .............................................................................. 1.1.2 Kroton Educacional ...................................................................................... 1.1.3 Estácio Participações .................................................................................... 2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA .......................................................... 2.1 FONTES DOCUMENTAIS ............................................................................ 2.2 ENTREVISTAS .............................................................................................. 3 REFERENCIAL ANALÍTICO NORTEADOR ............................................ CAPÍTULO II: POLÍTICA NACIONAL PARA A INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR .......................................................................................... CAPÍTULO III: POLÍTICAS DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: A CONCEPÇÃO E A INTERPERTAÇÃO DAS IES ..................................... 1 CONCEPÇÃO DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR NOS DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS E NOS DIZERES DOS GESTORES CAPÍTULO IV: PRÁTICAS DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: A TRADUÇÃO DA POLÍTICA PELAS IES E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO ............................................................... 1 O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO ........................ 1.1TIPOS DE APOIO E RECURSOS .................................................................. 1.1.1 Apoio e recursos para o aluno com deficiência visual ................................. 1.1.2 Apoio e recursos para o aluno com deficiência auditiva .............................. 1.1.3 Apoio e recursos para o aluno com deficiência física .................................. 1.1.4 Apoio e recursos para o aluno com deficiência intelectual .......................... 1.1.5 Apoio e recursos para alunos com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação ............................................................................ CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. REFERÊNCIAS .................................................................................................. APÊNDICE .......................................................................................................... 12 29 29 29 29 31 32 34 35 38 40 45 65 66 87 87 97 102 109 114 120 121 125 131 138 12 INTRODUÇÃO O tempo troca a roupa do mundo. Ele muda a história, desvia as águas, come estrelas, mastiga reinos, amadurece frutos, apodrece sementes. Nada fica fora do tempo. (QUEIRÓS, 2010, p. 8). Com inspiração na obra de Bartolomeu Campos de Queirós, inicia-se essa pesquisa como mais uma etapa do “tempo de voo” da pesquisadora. Traça-se uma história no tempo, buscando superar novos desafios, compreender novas realidades e, de certa forma, contribuir com as investigações acerca da educação inclusiva. O tempo de voo da pesquisadora permite dialogar sobre inclusão e exclusão escolar desde os primeiros contatos que teve com uma pessoa com deficiência no Ensino Fundamental. Tais contatos e amizades desenvolvidos auxiliam, hoje, a compreender a importância das discussões em torno desta temática. Durante o período em que desenvolveu a dissertação no Mestrado (2009), a pesquisadora teve a oportunidade de ampliar o repertório a respeito da inclusão escolar de crianças cegas na disciplina de Artes Visuais no Ensino Fundamental. Esse trabalho enriqueceu a concepção construída sobre essa temática, bem como a compreensão das dificuldades que os professores ainda apresentam para que a inclusão se concretize. No mesmo ano, a pesquisadora iniciou a trajetória docente no Ensino Superior como coordenadora do curso de Artes Visuais em uma modalidade que está em grande expansão: a Educação a Distância (EAD). Essa nova realidade oportunizou conhecer, além da modalidade de ensino, a dimensão e as diferenças culturais e territoriais, tendo em vista que a oferta do curso acontece em todo o país. O expressivo aumento da demanda de matrículas nesse nível de ensino gerou, por consequência, a expansão de matrículas do público-alvo da educação especial1. Essa nova realidade somada aos estudos realizados durante o Mestrado colocou à pesquisadora um novo desafio: acompanhar a inclusão desses acadêmicos no Ensino Superior na modalidade a distância. Desse modo, hoje a pesquisadora acompanha a inclusão de aproximadamente 700 acadêmicos caracterizados como público-alvo da educação especial no ensino 1 De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), caracterizam-se como público da educação especial pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. 13 superior, que estão distribuídos em mais de 400 polos de apoio presencial presentes nas cinco regiões do país, conforme figura a seguir: Figura 9: Mapa de localização dos Polos de Apoio Presencial Fonte: UNOPAR. Como localizar um polo. Disponível em: <http://www.unoparEaD.com.br/polos/>. Acesso em: 10 abr. 2014. O acompanhamento desses acadêmicos inicia no momento da matrícula, quando acontece o preenchimento dos dados pessoais, via questionário. Um dos itens solicitado ao polo no momento de preenchimento do questionário é que seja sinalizada a deficiência, o transtorno ou alta habilidade/superdotação e o atendimento educacional especializado (AEE). Essas especificidades da educação especial são organizadas no cadastro da Instituição de Ensino Superior (IES) segundo as orientações da Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a) e o censo escolar. No Núcleo de Educação Especial Inclusiva (NUEEI), alocado na sede da instituição, acompanha-se o acadêmico até a conclusão do curso. Esse núcleo desenvolve as adaptações dos materiais necessários e a formação continuada sobre a temática para os profissionais envolvidos com o processo de ensinar e aprender. O novo desafio e a busca pela inclusão desses acadêmicos no Ensino Superior motivaram a continuidade das pesquisas. A partir de então, como pesquisadora, iniciase a uma nova obra, em um novo tempo. A pesquisa sobre a inclusão dos acadêmicos público-alvo da educação especial no Ensino Superior na modalidade EAD foi motivada em grande parte pela experiência profissional que a pesquisadora possui nesse campo de atuação e também pela participação no grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Currículo e Avaliação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade 14 do Vale do Itajaí (UNIVALI), a partir do momento da aprovação no processo seletivo do Doutorado. Nesse grupo, verificou-se a possibilidade de dividir as inquietações e contribuir para a reflexão acerca desta temática, ainda considerada recente entre os pesquisadores da área. Esse grupo tem atuado junto a dois observatórios de educação especial subsidiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que têm como propósito desenvolver estudos em nível nacional a respeito da temática da educação especial e da educação inclusiva. Um é o Observatório Nacional de Educação Especial (ONEESP), coordenado pela professora Drª. Eniceia Mendes, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), que investiga o programa de implantação de “salas de recursos multifuncionais” (SRMs) do Ministério da Educação (MEC) em municípios de 19 estados brasileiros, com a participação de representantes de 22 universidades e de 16 programas de pós-graduação. O segundo é o Observatório Nacional de Educação Especial e Inclusão Educacional, coordenado pela professora Drª. Márcia Denise Pletsch, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que estuda o processo de escolarização de alunos com deficiência intelectual nas classes regulares da educação básica, no AEE e o desempenho desses alunos nas avaliações nacionais. Trata-se de pesquisa desenvolvida em rede, abrangendo pesquisadores de três programas de pós-graduação em educação das seguintes universidades: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), também de Santa Catarina. O observatório busca investigar processos de ensino e aprendizagem desses sujeitos nas redes municipais de ensino dos Estados do Rio de Janeiro e de Santa Catarina e também utilizam as bases de dados disponíveis no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para analisar a participação e o aproveitamento, em nível nacional, dos alunos com deficiência intelectual matriculados na rede comum de ensino nas avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Prova Brasil. A inclusão escolar é um dos grandes e atuais desafios da educação em todo Brasil, com repercussões e tentativas de acertos em todos os níveis de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior. É uma discussão social que iniciou com a Declaração dos Direitos Humanos em 1948. No campo da educação, ganhou força a partir das reformas educacionais, marcadas e influenciadas por grandes mudanças 15 políticas, sociais e tecnológicas, voltadas para o capital financeiro no final do século XX. As mudanças alavancaram a consolidação dos princípios do neoliberalismo no país por meio de “políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas” (CHESNAIS, 1998, p. 196). Esse novo cenário abre portas para a centralização do capital e para grandes relações de interesse entre grupos nacionais e internacionais, que passam a conduzir os processos de controle do mercado, do trabalho e da produção em todas as esferas sociais. Esses grupos procuram se fortalecer por meio de aquisições, fusões e parcerias. Com isso, as políticas educacionais sofrem a influência do neoliberalismo e o Estado assume um novo papel. Para ampliar o escopo de ofertas em relação a orientações e modelos educacionais, e também para aliviar os setores da sociedade que contribuem através de impostos para o sistema público de ensino sem utilizá-lo necessariamente, as teorias neoliberais propõem que o Estado divida – ou transfira – suas responsabilidades com o setor privado (HÖFLING, 2001, p. 38). Essa configuração, que parte da concepção neoliberal, revela que o papel do estado “consiste em assegurar as regras do jogo entre interesses setoriais” (FONTOURA, 2008, p. 10). Tais interesses, oriundos de grandes grupos financeiros e de grupos sociais organizados por minorias, influenciam a criação e o desenvolvimento de uma grande demanda de documentos relativos à educação brasileira, entre eles os da inclusão escolar. A sociedade, em tempos de neoliberalismo e globalização, passa por uma reconfiguração que afeta diretamente os setores políticos, sociais e econômicos e envolve todas as esferas, visto que “o processo resultante de uma nova fase de reestruturação capitalista é marcado por políticas de centralização, de diferenciação e de diversificação institucional e, especialmente, de privatização da esfera pública” (DOURADO, 2002, p. 235). Essa reconfiguração, como já abordado, passou a influenciar diretamente a elaboração das políticas que também revelam características do capitalismo e das relações com o mercado. Para Garcia (2010, p. 446), “as reformas atuais são práticas globais que visam à mudança nos padrões de regulação social e nos regimes éticos que capacitam os sujeitos para as relações sociais”. Essas reformas, que se acentuaram a partir da década de 1990, acabam incorporando práticas de inclusão e exclusão, bem como, sistemas de classificação entre os sujeitos sociais. Uma gestão de indivíduos, ou seja, uma nova 16 gestão contemporânea para educar indivíduos por meio de diferentes interesses e influências pautados no sistema capitalista. Lingard (apud BALL, 2012) considera que a globalização neoliberal dos últimos 30 anos se caracteriza por uma ideologia que promove o mercado sobre o Estado, uma regulação individualista, em que o bem comum e os interesses coletivos se tornam secundários e o foco passa a ser o envolvimento e o interesse do setor privado no funcionamento do Estado. Há uma mudança nas formas de poder do Estado de controlar os sistemas de ensino, uma desnacionalização e as políticas educacionais são feitas em novos locais, em diferentes escalas, por novos atores e organizações. Um dos grandes marcos para o desenvolvimento de políticas neoliberais em toda a América Latina foi o “Consenso de Washington2”. Segundo Fontoura (2008), esse Consenso contribuiu para a regulação social do Estado e para as transformações que deram origem a uma nova e forte configuração política a partir de redes de relações e interesses locais, nacionais e globais. Por meio dessas relações, as políticas neoliberais recebem respaldo de diferentes órgãos internacionais, que influenciam os mais variados contextos. Assim, grandes organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Banco Mundial potencializam um discurso pautado na integração, ajuda e cooperação econômica mundial. “São discursos que nem sempre convergem, mas têm em comum a promessa de inclusão, progresso, desenvolvimento, riqueza, democracia, igualdade e qualidade de vida para todos que se inserirem no mercado e na cultura globais” (GARCIA, 2010, p. 447). O Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) configuram-se como importantes interlocutores multilaterais da agenda brasileira. No campo educacional, esses interlocutores, particularmente o Banco Mundial, revigoram a sua atuação no país a partir da década de 1980 (DOURADO, 2002, p. 238). 2 Reunião que ocorreu em 1989 e gerou um conjunto de medidas organizadas por economistas de importantes e influentes instituições financeiras, como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Essas medidas propostas se tornaram a Política Oficial do Fundo Monetário Internacional para o ajuste macroeconômico dos países em desenvolvimento no ano de 1990. 17 Na educação, muitas alterações no modo de regulação são postas em prática por meio das reformas políticas e educacionais que, muitas vezes, “com recursos e dispositivos de mercado” visam “legitimar a governabilidade educativa por meio da participação de outros atores de governo da educação pública” (LUZ, 2011, p. 439). Alguns desses atores que exercem influência nacional e internacional sobre o Estado no desenvolvimento das políticas educacionais fortalecem a chamada economia do conhecimento. A partir da década de 1990, o Brasil participa de vários movimentos mundiais em prol da educação para todos. Como país signatário, marca presença na Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtiem, na Tailândia, assumindo a responsabilidade frente às reformas educacionais propostas naquele momento. Dez anos depois, o país firma o acordo no Fórum Mundial de Educação, em Dakar, e acentuam-se os movimentos de discussão sobre a reforma das políticas educacionais brasileiras, entre elas a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996 e do Plano Nacional de Educação (PNE), “um passo decisivo nessas mudanças” (DOURADO, 2002, p. 241). O jogo de interesses entre diferentes grupos influencia direta e indiretamente as alterações na legislação nacional. Trata-se do contexto de influência, por vezes composto por relações informais, trocas sociais, negociações que acontecem “nos bastidores” (BALL, 2012). Ball (2012) enfatiza a mobilidade das políticas em vez das suas transferências. Ele sugere que essas políticas se movem e são adaptadas por redes de relações sociais, envolvem diversos participantes, com uma variedade de interesses, compromissos, objetivos e influências, que são mantidas pela subscrição de um discurso legitimado por essas redes de relações3. A fim de atender ao compromisso firmado em Dakar, o Brasil instituiu uma ampla reforma na educação. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394, de 1996), abriram-se tanto as possibilidades da educação especial na perspectiva de uma educação inclusiva, reforçando o direito constitucional de educação para todos, como as possibilidades de ampliação das modalidades de oferta de educação, entre elas a modalidade de Educação a Distância, como medida de democratização do ensino. Com essa medida, muito além de 3 Tradução nossa do original: “Thus, here I want to emphasise the mobility of policies rather than their transfer. That is to say, I suggest that policies move through, and are adapted by, networks of social relations or assemblages (see below), involving diverse participants (see below), with a variety of interests, commitments, purposes and influence, which are held together by subscription to a discursive ensemble, which circulates within and is legitimated by these network relations” (BALL, 2012, p. 11). 18 democratizar o ensino, a reforma passou a atender aos interesses de mercado de grandes grupos financeiros, tornando a educação, principalmente o Ensino Superior, um grande negócio para o setor privado. A educação especial também foi contemplada na reforma da educação como uma possibilidade de democratização do ensino. A LDB (BRASIL, 1996b), no Capítulo V, passou a defini-la como uma modalidade de educação que perpassa todos os níveis de ensino e deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino. Além disso, os sistemas de ensino foram orientados a assegurar currículos, métodos e profissionais para atender às necessidades desse público. Continuando a abordagem sobre essa temática, essa mesma lei evidencia que o poder público deve: [...] incentivar o desenvolvimento de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades e de educação continuada. [...] cada município, e supletivamente o Estado e a União, deverá: realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também para isto, os recursos da educação a distância (BRASIL, 1996b). A educação a distância teve seu início com o ensino por correspondência e tratase de uma: [...] modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização dos meios de tecnologia de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou em tempos diversos (BRASIL, 2005a). As novas possibilidades de oferta de ensino por meio da educação a distância movimentam o mercado financeiro, que investe em cursos de graduação em todo território nacional a partir da década de 1990. O governo federal difunde a oferta dos cursos em algumas instituições federais. Contudo, é o projeto da Universidade Aberta do Brasil (UAB) que ganha grande repercussão nacional. Tal projeto envolve parcerias que se configuram em uma “universidade dentro da universidade”. A democratização do Ensino Superior movimenta a necessidade e os incentivos do próprio MEC para a formação de professores, o que acaba alavancando a oferta dos cursos de licenciatura, principalmente nas instituições privadas. O aumento da oferta do Ensino Superior pela disseminação da EAD contribuiu para o mercado e a economia, fortaleceu a sua privatização por parte de grandes grupos nacionais e internacionais e veio ganhando destaque quanto ao número de alunos e demandas reprimidas atendidos. A modalidade ganhou força, pois a metodologia 19 empregada acolhe os acadêmicos dos mais variados contextos, tornando-se atrativa também ao público da educação especial. E de que modo a educação a distância no Ensino Superior e a educação especial na perspectiva de educação inclusiva convergem nesse contexto de reformas educacionais? Quais as tratativas legais que disciplinam essa atividade? Como ela vem se configurando no contexto de expansão da educação a distância no país? A regulamentação e a avaliação da educação a distância tiveram e continuam tendo alterações na legislação, de modo a contemplar os diferenciados pontos de interesse e também se adequar à realidade educacional brasileira. Entre as inúmeras normativas publicadas na última década, destaca-se o Decreto nº 6.303/2007 (BRASIL, 2007c), que altera o Decreto nº 5.622/2005 (BRASIL, 2005a) e regulamenta os polos de apoio presencial para as atividades práticas obrigatórias: “avaliação, estágios, defesa de trabalhos ou prática em laboratório”. O referido decreto esclarece que os polos de apoio presencial devem estar regularmente credenciados pelo MEC e passarão por visitas in loco para o reconhecimento dos cursos. Desse modo, as instituições devem observar as recomendações do Referencial de Qualidade para a Educação a Distância (BRASIL, 2007b). Esse é o primeiro documento específico para a educação a distância que aborda o atendimento da pessoa com deficiência. Entre suas recomendações, destaca que as instituições devem prever e “dispor de esquemas alternativos para atendimento de estudantes com deficiência” (BRASIL, 2007b, p. 15) e para a: [...] instalação de polos, dois outros requisitos necessitam ser atendidos. O primeiro diz respeito às condições de acessibilidade e utilização dos equipamentos por pessoas com deficiências, ou seja, deve-se atentar para um projeto arquitetônico e pedagógico que garanta acesso, ingresso e permanência dessas pessoas, acompanhadas de ajudantes ou animais que eventualmente lhe servem de apoio, em todos os ambientes de uso coletivo (BRASIL, 2007b, p. 28). Essa normativa atenta para as condições de acessibilidade arquitetônica e pedagógica para a garantia de ingresso e permanência das pessoas com deficiência nos polos de apoio presencial. Todavia, cabe indagar como vem se comportando a matrícula desse público na educação a distância no país? A educação a distância alavancou o Ensino Superior no país, levando a possibilidade de graduação aos lugares mais distantes, contribuindo com a democratização do ensino no Brasil. Da mesma forma, movimentou o mercado 20 financeiro, atraindo investimentos de grandes potências mundiais no setor privado, hoje responsáveis por grande número dos egressos dessa modalidade. Pode-se perceber que essa modalidade de ensino tem tomado grandes dimensões, haja vista os resultados apresentados pelo Censo da Educação Superior de 2010 (BRASIL, 2010) representados no gráfico a seguir: Figura 10: Evolução do número de matrículas de graduação por modalidade de ensino e do número de matrículas a distância públicas e privadas – Brasil – 2001-2010 Fonte: Brasil (2010). Esses dados comprovam a grande expansão da educação a distância nas instituições privadas atuantes no país. Esse aumento se torna ainda mais significativo quando são analisados os números relacionados aos acadêmicos com deficiência no Ensino Superior. “Em 2003 registrou-se 1.373 alunos nas IES públicas (27,04%) e 3.705 alunos nas IES privadas (72,96%). Em 2011 esses números aumentam significativamente para 6.531 alunos em IES públicas (28,09%) e 16.719 alunos nas IES privadas (71,90%), ou seja, uma diferença de 10.188 alunos” (BRASIL, 2013). 21 Figura 11: Acadêmicos com deficiência matriculados no Ensino Superior Fonte: Brasil (2010). Pela análise do gráfico, observa-se que em 2011 houve um aumento no número de acadêmicos público-alvo da educação especial matriculados nas IES privadas e a grande diferença no número de matrículas desse alunado nas IES privadas e públicas evidenciam a expansão desse setor. Esses dados evidenciam não somente o maciço crescimento e a expansão da educação a distância no país, notadamente no âmbito das instituições privadas, como também a democratização do acesso a todos os públicos, inclusive ao público-alvo da educação especial. Pinto (2004) sugere que a forma menos rígida e concorrida dos processos de seleção das IES privadas favorece a procura e o ingresso de classes menos favorecidas ao Ensino Superior. Alunos de classe média, negros, pessoas com deficiência e alunos oriundos de escolas públicas, que por algum motivo não apresentam as mesmas oportunidades e condições que os alunos de classes financeiras mais altas, encontram nas instituições privadas oportunidades que nas IES públicas se tornam, muitas vezes, inacessíveis. Cabe indagar, no entanto, as reais condições de acesso e também as de permanência e aprendizagem desse público em face dessa realidade, pois a educação inclusiva vai além da eliminação de barreiras arquitetônicas que visam a acessibilidade física. Compreende-se que a permanência também depende de fatores relacionados a concepções pessoais e institucionais de caráter social, cultural e pedagógico, que oportunizem matrícula, permanência e conclusão da graduação, ou seja, ações e 22 políticas institucionais que garantam esse direito e a transição para o mercado de trabalho. A expansão da educação a distância pelas instituições privadas abarca a oferta em todo território nacional, caracterizando-se como um verdadeiro monopólio do Ensino Superior brasileiro e um vetor de inclusão social por “abrir as portas” para a oferta dos cursos de graduação com preços acessíveis e metodologias diferenciadas. Rezende (2009) afirma que a EAD é uma oportunidade para que as pessoas com necessidades especiais procurem uma formação específica, motivadas pelas diferentes estratégias pedagógicas e tecnológicas que essa modalidade pode oferecer. Mattei e Haiduke (2010, p. 9), em estudos realizados acerca da inclusão no Ensino Superior, constataram que “não existe um único responsável maior pelo sucesso ou fracasso do processo de inclusão acadêmica”, todos os atores pedagógicos estão envolvidos nesse processo. Contudo, entende-se que há uma necessidade de “maior conscientização do processo de inclusão pela comunidade acadêmica, além de que precisam ser motivadas outras pesquisas que possibilitem encontrar soluções para o problema da inserção acadêmica justa e eficaz” (MATTEI; HAIDUKE, 2010, p. 1). Menezes (2010, p. 8), ao refletir sobre a inclusão na educação a distância, sugere que “a EAD pode ser uma grande oportunidade para a educação das pessoas com deficiência, ao possibilitar a superação de barreiras de comunicação, linguagem oral, informação, barreiras dos centros urbanos, facilitando para esses sujeitos a acessibilidade”. No entanto, atenta que “é de vital importância que as instituições de EAD se conscientizem da necessidade de além de ensino de qualidade, oferecer também acessibilidade para cada tipo de deficiência” (MENEZES, 2010, p. 10). Pereira (2008, p. 8) cita em sua pesquisa que o sistema de cotas se constitui de uma ação de acesso e democratização, contudo não é suficiente para “assegurar a permanência desses alunos na Universidade. Os resultados evidenciam a ocorrência de dificuldades que se concentram no processo de ensino e aprendizagem e a necessidade de ações específicas, voltadas para essa parcela da população acadêmica”. Oliveira (2011, p. 7), em sua tese sobre a inclusão no Ensino Superior da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), constatou a necessidade de ampliação dos “escassos estudos” para identificar os acadêmicos com deficiência nesse nível de ensino, a fim de oferecer-lhes condições dignas de permanência, por meio de ações institucionais que buscam garantir a educação para todos. 23 Silva e Frota (2011, p. 423), ao pesquisarem as políticas de inclusão na Universidade do Estado do Pará, concluíram que “somente os aparatos legais não garantem a inserção de alunos com NEEs4 nas universidades, pois eles precisam ser apoiados e amparados por políticas públicas de educação as quais contribuam para que o espaço da academia se torne realmente inclusivo”. Cabral (2013) abordou em sua tese as orientações acadêmicas e profissionais para os alunos com deficiência das instituições de Ensino Superior em âmbito internacional e constatou boas práticas desenvolvidas nesses espaços. Diante dessas reflexões, identifica-se, nos estudos dos autores citados, a necessidade de discutir e analisar as políticas de inclusão para o Ensino Superior na modalidade EAD, tendo em vista o crescimento expressivo de matrícula desse público nessa modalidade e a inexpressiva produção científica que indague as condições em que essa realidade tem se efetivado. Para tanto, o presente estudo se insere nesse contexto de investigação e busca discutir a política de inclusão de acadêmicos caracterizados como público-alvo da educação especial no Ensino Superior na modalidade a distância. De modo mais aproximado, busca-se investigar essa temática no contexto das maiores instituições privadas atuantes no país nessa modalidade. Diante de uma legislação que prevê garantia de acesso e permanência e atendimento educacional especializado na perspectiva da educação inclusiva em todos os níveis de ensino, pergunta-se: como se configura a política de inclusão para o Ensino Superior e como essa se organiza na modalidade EAD? Como essa é interpretada e traduzida no projeto pedagógico das instituições privadas que oferecem essa modalidade de ensino no Brasil? Quais têm sido os mecanismos de garantia de acesso, permanência e aprendizagem dos acadêmicos público-alvo da educação especial no Ensino Superior na EAD nessas instituições? No Brasil, a vasta legislação para a inclusão escolar e os incentivos dos programas de educação para todos parecem não garantir, ou pelo menos garantem precariamente, o acesso, a permanência e o sucesso do público da educação especial no Ensino Superior. Percebem-se iniciativas isoladas e atendimento educacional especializado organizado por demanda nesse nível de ensino. Tendo por base essas questões, o presente estudo tem por objetivo analisar a política de inclusão no Ensino Superior na modalidade EAD e sua interpretação e 4 Necessidades Educacionais Especiais. 24 tradução5 no projeto pedagógico das maiores instituições privadas atuantes no Brasil, a saber: Kroton Educacional, Anhanguera Educacional e Estácio Participações6. De modo mais específico, são objetivos do estudo: identificar os princípios e as diretrizes de inclusão de alunos caracterizados como público-alvo da educação especial nas políticas de EAD em vigor no país e examinar as estratégias, as ações e os recursos utilizados para a inclusão desse público no projeto pedagógico das instituições estudadas. As questões e os objetivos da pesquisa estão fundados na tese de que a política de inclusão no Ensino Superior privilegia o acesso em detrimento da permanência e do sucesso dos alunos público-alvo da educação especial nesse nível de ensino. Na modalidade EAD, a política amplia potencialmente as possibilidades de acesso e, inversamente, reduz as possibilidades de acompanhamento do desempenho e do sucesso desse público. As IES privadas, porque absorvem o maior número de alunos na modalidade a distância, recebem o maior número de alunos da educação especial e, consequentemente, respondem à política de maneira pontual, de acordo com a demanda, privilegiando também o acesso, de modo a atender aos requisitos legais. A definição por essas três instituições se deve pelo fato de serem elas as que evidenciaram, na última década, o maior crescimento na oferta da educação a distância no país. O grande número de oferta e matrículas no Ensino Superior na modalidade EAD no Brasil está atrelado à privatização e incorporação de grupos financeiros que corroboraram para esse mercado no país. No ano de 2013, destacaram-se entre os maiores grupos educacionais de capital aberto: a Kroton Educacional, a Anhanguera Educacional e a Estácio Participações. A Kroton Educacional, inicialmente Rede Pitágoras, foi fundada em Belo Horizonte no ano de 1966, é administrada pela Advent International e conta com aproximadamente 412 mil alunos matriculados. A Anhanguera Educacional, fundada no interior de São Paulo no ano de 1994, é administrada pelo Banco Pátria e possui 5 Nesta tese, utilizou-se o sentido de interpretação e tradução definido por Ball, Maguire e Braun (2013, p. 45): “a interpretação é uma leitura inicial, a busca do significado e do que faz sentido na política – o que esse texto significa para nós? O que temos que fazer? […] Essa decodificação se dá em relação à cultura e à história da instituição e da política biográfica dos principais atores. Já a tradução, por sua vez, está mais próxima da linguagem da prática. É como um terceiro espaço entre a política e a prática. É um processo interativo de produção textual institucional e de colocação desses textos em ação, literalmente significa representar a política utilizando táticas que incluem falas, encontros, planos, eventos e “aprendizagens na caminhada” [...]”. 6 Essa pesquisa iniciou 2012 e na data da definição da amostra a Anhanguera ainda não fazia parte do grupo Kroton. A fusão entre as instituições aconteceu em maio de 2014. Como os processos ainda não foram integrados, nesta tese, analisa-se as instituições de forma distinta. 25 aproximadamente 419 mil alunos matriculados. Já a Estácio Participações, fundada no Rio de Janeiro no ano de 1970, é administrada pelo fundo GP e conta com aproximadamente 260 mil alunos matriculados7. Essas três instituições privadas lideram o mercado educacional por meio da oferta de cursos de graduação e pós-graduação presenciais e a distância. Figura 12: As maiores IES privadas de capital aberto Fonte: BARBOZA, Mariana Queiroz. Um negócio nota 10. Impulsionadas pela classe C, empresas do setor de educação batem recordes de lucros e veem o preço de suas ações disparar na bolsa de valores. Revista IstoÉ, edição 2236, 14 set. 2012. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/reportagens/237975_UM+NEGOCIO+NOTA+10>. Acesso em: 10 abr. 2014. Consideradas as “gigantes” do mercado financeiro na área educacional, essas três empresas movimentam o mercado tanto de oferta do Ensino Superior, como também das negociações em torno de parcerias, aquisições e fusões que propiciam a ampliação de ações no territorial financeiro-educacional. Ball (2012) sinaliza que essa nova geração de empresas atua diretamente na organização das políticas em parceria com o Estado. As empresas privadas ganham espaço por meio de assessorias e consultorias que atuam dentro das comunidades de criação de políticas. Dessa forma, o setor privado é o modelo a ser seguido pelo setor público. As três grandes potências do setor privado da educação superior brasileira, Kroton Educacional, Anhanguera e Estácio, movimentam o mercado financeiro 7 Os números relativos à quantidade de alunos matriculados nessas IES foram os divulgados até o início do ano de 2013. 26 nacional por meio de negócios que envolvem aquisições de várias instituições privadas de menor porte. No final do ano de 2012, a Kroton Educacional chegou ao patamar de maior empresa de educação de capital aberto do Brasil, após as aquisições da Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR) e do Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI) e, em 2013, obteve grande valorização na bolsa de valores por meio do anúncio da fusão com a Anhanguera, negócio sinalizado pela imprensa, no ano anterior, entre Anhanguera e Estácio. A fusão8 entre Kroton Educacional e Anhanguera gerou ruídos em todo setor financeiro nacional e internacional, pois as instituições estavam formando o maior grupo educacional de capital aberto do mundo, com aproximadamente 1 milhão de alunos. Um verdadeiro negócio que movimenta a economia do setor educacional brasileiro e que foi aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no ano de 2014. Figura 13: Fusão Kroton e Anhanguera Fonte: Disponível em: <http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/117790_FUSAO+KROTON+E+ANHANGUERA+LICAO+ DE+NEGOCIOS>. Acesso em: 20 maio 2014. Esse movimento potencializou o sistema de captação de alunos e o aumento no número de matrículas nas duas instituições como também alavancou o seu valor de mercado na bolsa de valores. Já na história de negociações da Estácio Participações, o último negócio concretizado foi no mês de setembro de 2013 com a compra da União dos Cursos Superiores SEB (UNISEB) por R$ 615,3 milhões. 8 Mesmo com a fusão aprovada pelo CADE em 2014, nesta tese abordam-se os dados das duas instituições separadamente, por conta do tempo necessário para a integração dos processos em ambas. 27 Esse cenário de privatização e expansão das três instituições alavancou o aumento do número de oferta de cursos de bacharelado, licenciatura e curso superiores de tecnologia na modalidade a distância em todo território brasileiro. Isso propicia facilidade para que as pessoas possam cursar o Ensino Superior com um custo mais acessível, metodologias com encontros presenciais para a realização das avaliações e processos seletivos mais flexíveis, que garantem a entrada e a matrícula com pouca concorrência, atendendo a todas as demandas. Em face desse cenário, a presente pesquisa busca analisar como essas instituições articulam e traduzem em seus projetos pedagógicos as orientações das políticas para EAD e inclusão no Ensino Superior. Diante do exposto, esta tese está organizada em quatro capítulos. No primeiro, intitulado Abordagem Metodológica da Pesquisa, descreve-se o contexto de investigação: as instituições, os sujeitos selecionados e as razões para escolha do contexto. São apresentados também os referenciais teórico-metodológicos adotados para análise da política pautados na abordagem do ciclo de políticas proposto por Stephen Ball e colaboradores. Tratam-se de pesquisadores ingleses, do campo da Sociologia da Educação, que propõem um método de análise de políticas educacionais tendo como foco tanto a formação do discurso da política como a interpretação ativa dessa pelos profissionais que atuam no contexto da prática. A abordagem destaca a natureza complexa e controversa da política educacional, os processos micropolíticos no nível local e a articulação entre os processos macro e micro de construção da política. O Capítulo II, intitulado Política Nacional para a Inclusão no Ensino Superior, apresenta um trabalho de análise de conteúdo dos documentos nacionais que norteiam a inclusão no Ensino Superior. Realiza-se também a análise dos dados coligidos nos documentos assim como nas entrevistas com os gestores das instituições selecionadas para este estudo, agrupando-os em quatro categorias: Concepção de Inclusão no Ensino Superior; Atendimento Educacional Especializado (AEE); Suporte aos Docentes e Avaliação da Aprendizagem. No Capítulo III, analisam-se as Políticas de Inclusão no Ensino Superior na Modalidade EAD nas IES privadas (Anhanguera Educacional, Estácio Participações e Kroton Educacional) com destaque para a análise dos documentos institucionais. Já o Capítulo IV discute a tradução da política pelas IES, evidenciando a concepção e o nível de conhecimento do gestor sobre a política de inclusão para o Ensino Superior e as políticas adotadas, bem como as estratégias adotadas para o 28 acesso, o atendimento e acompanhamento do desempenho dos alunos público-alvo da educação especial na instituição. Realiza-se a análise do atendimento educacional especializado (AEE) e os recursos disponibilizados para alunos com deficiência visual, auditiva, física e intelectual. Na sequência, para finalizar a tese, mas não as reflexões sobre este tema, apresentam-se as considerações finais, as referências que auxiliaram a construção deste trabalho e o apêndice com o roteiro de entrevista realizado com os sujeitos da pesquisa. 29 CAPÍTULO I ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA O trabalho do tempo é amadurecer o mundo. Se o tempo não tem tamanho, para que o relógio? O relógio arruma as coisas. Ele nos aproxima, nos reúne, cria nosso ritmo. Põe ordem na liberdade exagerada do tempo. (QUEIRÓS, 2010, p. 42) Assim como o relógio põe ordem na liberdade do tempo ao criar o ritmo, medindo-o e organizando-o, os procedimentos metodológicos em uma pesquisa também organizam o trajeto, a caminhada do pesquisador. Essa caminhada inicia com a busca pelos dados referentes à legislação nacional para a inclusão no Ensino Superior e dados das instituições de ensino objeto de estudo desta tese. 1 O CONTEXTO DA PESQUISA Sendo o objetivo da pesquisa: analisar a política de inclusão no Ensino Superior na modalidade EAD e sua interpretação e tradução no projeto pedagógico das maiores instituições privadas atuantes no Brasil, a saber: Kroton Educacional, Anhanguera Educacional e Estácio Participações, considera-se necessário situar o perfil dessas instituições. 1.1 O PERFIL DAS INSTITUIÇÕES ESTUDADAS 1.1.1 Anhanguera Educacional A Anhanguera Educacional9 originou-se da fusão de várias instituições de ensino, sendo a primeira realizada entre a Sociedade Educacional de Leme, Sociedade Educacional de Jundiaí e Sociedade Educacional de Matão. A fusão entre essas três 9 Informações retiradas do site institucional e dos documentos institucionais analisados. 30 sociedades deu origem à Anhanguera Educacional mantenedora de várias unidades educacionais, faculdades, universidades e centros universitários que hoje compõem uma das maiores instituições de Ensino Superior privado de capital aberto do país. No ano de 2007, a Anhanguera comprou a Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP), que passou a se chamar Universidade Anhanguera-Uniderp. Essa aquisição contribuiu para alavancar os negócios da instituição em todo o território brasileiro por meio da educação a distância. Segundo o seu site institucional, hoje a IES possui 70 campi, mais de 500 polos de apoio presencial distribuídos por todo o país, 400 mil alunos e 13 mil profissionais e professores, especialistas, mestres e doutores. Entre os profissionais que fazem a gestão da educação a distância da Anhanguera, destacamos o Diretor de EAD, os coordenadores de curso e o coordenador acadêmico EAD no polo de apoio presencial. No ano de 2012, a Anhanguera Educacional atuou em 9 estados brasileiros distribuídos conforme a imagem a seguir: Figura 14: Área de atuação da Anhanguera Fonte: ANHANGUERA. Relatório de Responsabilidade Social Anhanguera. 2012. Disponível em:<http://rsocial.unianhanguera.edu.br/assets/img/img-conteudo/pag19_brasil.jpg>. Acesso em: 20 mai. 2014. 31 Analisando a imagem, pode-se verificar o contexto de atuação da IES e sua expansão nos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, tendo maior representatividade no Estado de São Paulo. 1.1.2 Kroton Educacional A história da Kroton Educacional10 iniciou com a Rede Pitágoras de Belo Horizonte (MG) em 1966, ao criar um curso de pré-vestibular. A ideia expandiu os negócios e em 1972 deu origem ao primeiro Colégio Pitágoras. Posteriormente, na década de 1990, a Rede Pitágoras passou a atuar, e atua até hoje, na educação básica. No ano 2000, a rede ampliou seus negócios e criou a primeira Faculdade Pitágoras, com metodologias em parceria com a Apollo International. Essa parceria durou até 2005, quando a Apollo International resolveu vender sua parte aos fundadores da Pitágoras. Em 2007, a Rede Pitágoras abriu o capital na BM&FBovespa com o nome Kroton Educacional e, em 2009, recebeu um forte aporte financeiro da Advent International, que administra a empresa junto com seus fundadores até hoje. Com isso, iniciou-se um crescimento significativo da empresa por meio de aquisições. No ano de 2010, a Kroton compra a IUNI Educacional, com as marcas UNIC, UNIME e FAMA. No ano de 2011, adquire a Faculdade Athenas Maranhense, a Faculdade União, a Faculdade de Sorriso (FAES) e marca os negócios no setor educacional brasileiro com a sua maior aquisição: a Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR), passando assim a ser líder no setor de educação a distância no Brasil. De acordo com o site institucional, em 2012 a Kroton adquire a UNIRONDON e para reforçar a liderança e os negócios na educação a distância compra o Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). No ano de 2014, o CADE aprova a fusão das instituições Kroton e Anhanguera e a Kroton Educacional passa a ser a maior instituição de ensino superior privado de capital aberto do mundo. A Kroton Educacional conta com 53 campi, 447 polos de educação a distância e 400 mil alunos no ensino superior. Entre os profissionais que fazem a gestão da educação a distância da Kroton, destacam-se as Diretorias Acadêmicas de EAD, os 10 Informações retiradas do site institucional e dos documentos institucionais analisados. 32 coordenadores acadêmicos, os coordenadores de curso e o coordenador de polo de apoio presencial. A Kroton Educacional atua no país conforme imagem a seguir: Figura 15: Área de atuação da Kroton Educacional Fonte: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/JefhY39o0fY/T8U/s1600/M&A+Kroton+Uniasselvi+4.png>. Acesso em: 10 maio 2014. É possível perceber, por meio da imagem, a expansão da Kroton Educacional após a aquisição das duas instituições de educação a distância: UNOPAR e UNIASSELVI. A UNOPAR, maior instituição de EAD da Kroton, conta com 399 polos de apoio presencial distribuídos por todo o país, com maior representatividade nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. A UNIASSELVI possui 48 polos distribuídos em todo o país e tem maior representatividade na região Sul. 1.1.3 Estácio Participações A Estácio Participações11 foi fundada no ano de 1970, quando abriu o seu primeiro curso de Direito na cidade do Rio de Janeiro. No ano de 1972, a IES passou a oferecer novos cursos e, em 1988, tornou-se Universidade. Entre os anos de 1988 e 1998, ampliou seus cursos e expandiu o número de campi no Rio de Janeiro. Foi no ano de 1998 que iniciou sua expansão nacional nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Pará e Ceará. De acordo com o site institucional, em 2005 a instituição iniciou um processo de migração de sociedade sem fins lucrativos para sociedade com fins lucrativos, 11 Informações retiradas do site institucional e dos documentos analisados. 33 adentrando no mercado financeiro educacional na IPO na BM&FBovespa no ano de 2007. Já em 2008, contou com a entrada da GP Investments, que passou a assumir 20% da companhia, alavancando os negócios nos anos seguintes. Em 2009, criou um novo modelo de ensino e iniciou as aquisições e fusões com instituições em todo território nacional. No mesmo ano, a IES marcou sua entrada no mercado da educação a distância. Os anos de 2011, 2012 e 2013 foram marcados por grandes negócios, com a aquisição de várias instituições, entre elas: Faculdade Atual da Amazônia (FAA), Faculdade de Natal (FAL), Faculdade de Excelência Educacional do Rio Grande do Norte (FATERN) em 2011; SEAMA, em Macapá, Faculdade São Luis, em São Luis do Maranhão, Faculdade iDEZ, em João Pessoa, FARGS, em Porto Alegre e UNIUOL, em João Pessoa no ano de 2012; e FACITEC, ASSESC e UniSeb em 2013. A Estácio Participações está presente em mais de 19 estados brasileiros, atuando nos cursos de graduação presencial e a distância. Segundo o site institucional, são mais de 340 mil alunos matriculados em 79 campi divididos entre centros universitários, faculdades e 52 polos de ensino a distância. A sua estrutura organizacional divide-se em Direção Geral, Gerência Administrativo-Financeira, Gerência Acadêmica, Gerência Comercial, Gestão &Qualidade, Coordenação de Cursos, Coordenação de Ensino à Distância, Coordenação de Recursos Pedagógicos, Supervisão do Campus e TI, Regulatório, Comissão Própria de Avaliação – CPA e Núcleo Psicopedagógico – NAP. A Estácio Participações atua no país conforme imagem a seguir: de Apoio 34 Figura 16: Área de atuação da Estácio Participações Fonte: Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/mobile/conteudo_mobile.asp?idioma=0&tip2 8>. Acesso em: 10 abr. 2014. A Estácio Participações vem ampliando sua oferta e verificou-se que há representatividade em todas as regiões, contudo, de forma mais discreta na região Norte. 2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA Esta pesquisa se caracteriza como de abordagem qualitativa, baseada em análise documental e entrevista de campo. Utiliza-se como fonte de dados: documentos nacionais e institucionais e a entrevista semiestruturada com gestores das três instituições caracterizadas como objeto de estudo. 35 2.1 FONTES DOCUMENTAIS A análise documental toma como fonte de dados os documentos relativos à legislação nacional e os documentos institucionais disponibilizados nas páginas de internet oficiais das instituições, bem como os disponibilizados pelos gestores. Foi utilizada como base documental nacional: leis, decretos, portarias, aviso curricular e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicadas no período de 1996-2013 e disponíveis no site do Ministério da Educação (MEC). A definição por esse período, marcado por três décadas, deve-se ao fato de na década de 1990 ter sido promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional decorrente das orientações advindas da Conferência de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, em 1994, na qual os estados nacionais foram convocados a definir políticas assegurando a educação como um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Os documentos publicados a partir de então se pautaram nesse compromisso, notadamente aqueles relacionados à educação inclusiva de pessoas com necessidades especiais assim como os documentos orientadores da educação a distância. A década seguinte (2000) foi profícua na definição de documentos referentes as duas políticas: política de inclusão escolar e de educação a distância no Ensino Superior, assim como a década atual (2010). Como base documental institucional, foram analisados os Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) e demais documentos orientadores das políticas de ensino, pesquisa, extensão e gestão das universidades estudadas. Os documentos disponibilizados pelas instituições e que foram julgados relevantes para a análise das políticas institucionais de inclusão também foram base de dados, a saber: relatório de responsabilidade social da Anhanguera Educacional, orientações sobre inclusão de estudantes com deficiência no Ensino Superior da Anhanguera, manual do acadêmico da Estácio Participações, Resolução 12/2010 da UNIASSELVI e Resolução VP Acadêmica nº 001/2014 da Kroton Educacional. Selecionaram-se esses documentos porque complementam as informações do PDI das instituições citadas. 36 Figura 9: Número de fontes documentais analisadas Fonte: Dados coligidos e organizados pela autora Na análise desses documentos, buscou-se identificar as políticas de inclusão para o Ensino Superior na modalidade EAD a partir da análise de conteúdo. Segundo Bardin (2011), a análise de conteúdo pode ser utilizada para descrever e interpretar documentos ou dados coletados durante a pesquisa. “O propósito a atingir é o armazenamento sob uma forma variável e a facilitação do acesso ao observador, de tal forma que esse obtenha o máximo de informação com o máximo de pertinência” (BARDIN, 2011, p. 51). Para a análise documental, segue-se a proposta dessa autora, que preconiza três fases principais: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Na primeira fase, foram analisados os documentos norteadores da educação inclusiva, os que fundamentam a educação a distância no país e também os institucionais. Com isso, teve-se contato com os textos desses documentos por meio do que Bardin (2011, p. 126) chama de leitura flutuante, ou seja, “estabelecer contato com os documentos a analisar e conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações”. Em seguida, realizou-se a escolha dos documentos seguindo a regra de homogeneidade e pertinência. Assim, entre os documentos da legislação nacional, foram selecionados todas as portarias, leis, decretos, declarações, avisos e políticas voltados para a inclusão escolar e para a regulamentação da educação a distância. Foram selecionados os documentos da educação especial que faziam menção ao Ensino 37 Superior, desde 1996 até 2013, bem como os documentos específicos para a avaliação e regulamentação do Ensino Superior e da modalidade EAD. Para a seleção dos documentos institucionais, a homogeneidade também foi considerada. Com isso, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de cada uma das três IES partícipes desta pesquisa foi elegido para análise. Esse documento foi escolhido por ser o mais importante e por apresentar um texto obrigatório para a regulamentação da IES. Além disso, a regra de pertinência também foi levada em consideração quando se optou por documentos institucionais que, no momento da leitura flutuante, complementavam as informações do PDI. Dessa forma, além do PDI, informações em relatórios de responsabilidade social, manual do acadêmico e resolução institucional, todos em vigor nas instituições, foram analisados. A exploração do material foi organizada de duas formas: ● os documentos da legislação nacional foram organizados e analisados por temática, ou seja, foram privilegiados os textos e nesses as diretrizes e orientações direcionadas para a inclusão do público-alvo da educação especial no Ensino Superior e também na modalidade EAD; ● os documentos institucionais foram organizados e analisados por categorias prédefinidas. Essa forma de organização foi adotada tendo em vista os objetivos da pesquisa e a abordagem analítica escolhida. O ponto de partida foi a análise da legislação nacional por revelar o contexto de influência em que essa foi criada e o contexto de produção do texto no qual seu discurso foi constituído. Nesse caso, as categorias foram emergindo da leitura dos documentos e essas foram, posteriormente, consideradas na definição prévia das categorias de análise dos documentos institucionais e das entrevistas. Assim, as categorias de análise dos documentos nacionais foram definidas à posteriori e as categorias de análise dos documentos institucionais e das entrevistas foram definidas à priori, tendo em vista as categorias levantadas quando do exame dos documentos da política nacional, os objetivos da pesquisa e os eixos organizadores do roteiro da entrevista. O tratamento dos dados iniciou por meio da exploração dos documentos da legislação nacional, procurando compreender quais as exigências legais para que as IES viabilizem a inclusão dos alunos público-alvo da educação especial no Ensino Superior 38 na modalidade EAD. A análise, organizada por temática, seguiu a ordem cronológica dos documentos encontrados no site do MEC entre os anos de 1996 e 2013, conforme anteriormente explicitado. Em seguida, foi realizada a organização e categorização para a análise dos dados encontrados nos documentos institucionais. Esses documentos foram organizados por categorias e agrupados de acordo com regularidade e coerência que apresentavam entre si. Para Bardin (2011, p. 148), “classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com os outros. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum existente entre eles”. Ao realizar a leitura flutuante dos documentos, percebeu-se que, inicialmente, apresentavam uma breve concepção de educação inclusiva, seguida por algum texto relativo a programas de inclusão ou apoio aos alunos com necessidades especiais. Normalmente, estavam organizados por temática, por exemplo: apoio aos alunos com deficiência visual, apoio ao aluno surdo. Dessa forma, organizou-se o processo de análise em quatro categorias: Concepção de Inclusão no Ensino Superior, Atendimento Educacional Especializado (AEE), Suporte aos Discentes e Avaliação da 12 Aprendizagem . 2.2 ENTREVISTAS Após a análise dos documentos da legislação nacional e dos documentos institucionais, as entrevistas com os gestores foram realizadas. Elas aconteceram após a aprovação do Projeto de Tese pelo Conselho de Ética da UNIVALI, em setembro de 2014, sob código CAEE 35142114.9.0000.0120. As entrevistas aconteceram entre os meses de outubro e dezembro de 2014, de acordo com a disponibilidade dos gestores contatados. Esses foram selecionados com base na estrutura organizacional de cada instituição e na disponibilidade apresentada. Foi solicitado para as três instituições a indicação de um gestor da EAD com conhecimento sobre os processos de inclusão e que se disponibilizasse a participar da pesquisa. Dessa forma, foram entrevistados: um Pró-Reitor da Anhanguera 12 Nesta tese, o texto retirado dos documentos institucionais é apresentado em itálico, com recuo esquerdo de 2cm. 39 Educacional, um Diretor da Kroton Educacional e um Coordenador da Estácio Participações, utilizando o seguinte tópico-guia: ● o conhecimento do gestor sobre a política de inclusão no Ensino Superior; ● as políticas adotadas na prática; ● o atendimento e a avaliação dos alunos público-alvo da educação especial. A entrevista semiestruturada contou com um tópico-guia, que atuou como um roteiro para a entrevista, como um eixo organizador, não significando que o pesquisador devesse ficar preso somente a ele. Esse não serve como formulário de perguntas e respostas, o que exige que o entrevistador use “sua imaginação social científica para perceber quando temas considerados importantes e que não poderiam estar presentes em um planejamento ou expectativa anterior, aparecem na discussão” (BAUER; GASKELL, 2000, p. 67). A análise das entrevistas foi realizada de acordo com a análise de conteúdo, com base nas mesmas categorias citadas anteriormente e retiradas da análise dos documentos institucionais. Os dados foram tratados de forma a verificar as convergências e/ou divergências entre o conteúdo dos depoimentos dos gestores e os documentos institucionais13. Os gestores de cada instituição são identificados da seguinte maneira: Quadro 1: Instituições e funções dos entrevistados Gestor Função Instituição Gestor A Pró-Reitor de graduação EAD Anhanguera Educacional Gestor B Coordenador de EAD Estácio Participações Gestor C Diretor de EAD Kroton Educacional Fonte: Dados da pesquisa Tratou-se de observar os modos próprios das instituições e seus gestores de interpretar e traduzir a política nos seus depoimentos e suas práticas. Essa abordagem toma como referência as contribuições de Stephen Ball e colaboradores em relação à análise de políticas educacionais. Os referenciais desse autor e sua abordagem analítica serão melhor explicitados a seguir. 13 Nesta tese, o texto de transcrição das entrevistas apresenta-se dentro de moldura, alinhado ao parágrafo, a fim de diferenciá-lo do texto dos documentos institucionais. 40 3 REFERENCIAL ANALÍTICO NORTEADOR Os dados coletados foram analisados segundo a abordagem teóricometodológica da análise de políticas de Stephen Ball e seus colaboradores. Utilizou-se a teoria de interpretação e tradução das políticas e a abordagem do ciclo de políticas: Essa abordagem destaca a natureza complexa e controversa da política educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais. (MAINARDES, 2006, p. 49) Ball (2011) propõe, nessa abordagem, um ciclo constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Essa abordagem, utilizada por diversos pesquisadores nacionais e internacionais, é considerada referência para a análise crítica de políticas desde os projetos até a tradução e interpretação dessas, no contexto da prática. Para o autor, o ciclo de políticas é uma maneira para pensá-las e não descrevê-las. Uma maneira de se pensar como as políticas são elaboradas e o modo como são traduzidas na prática (BALL, 2011). Esse ciclo não apresenta etapas sequenciais ou lineares. Os três contextos podem ser compreendidos como (BALL, 2011): Contexto de influência: é marcado por fatores políticos, econômicos e sociais e por uma relação de interesses variados. Especificamente nas políticas de inclusão escolar, percebe-se influência de grandes grupos financeiros, que lutam por políticas e ações que priorizem uma visão mercadológica, não gerem despesas e visem ao lucro das instituições. Tratam-se de redes macro e micro. Macro no sentido das grandes potências financeiras que brigam e influenciam as políticas em benefício próprio; e micro por parte de pequenos grupos específicos, grupos que defendem o direito de igualdade e inclusão social. Entidades com e sem fins lucrativos que buscam os direitos das pessoas com necessidades especiais14. Contexto da produção de texto: certamente é consequência do contexto de influência citado anteriormente. É na produção de texto que se encontra a primeira relação e tradução do que é dito e do que é escrito. É possível perceber se o texto é mais prescritivo ou interpretativo, flexível ou rígido e o modo como norteará o contexto da 14 Utilizou-se o termo necessidades especiais, pois esses pequenos grupos nem sempre se caracterizam como específicos do público da educação especial. 41 prática. Os textos políticos normalmente não são escritos pelas mesmas pessoas como também nem sempre convergem. É perceptível nos textos das políticas para inclusão escolar a falta de ligação e de coerência entre esses. Essa percepção está atrelada também ao contexto da produção de textos que apresenta interesses políticos diversificados. Além disso, os interesses e ideias dos próprios pesquisadores das áreas nem sempre entram em comum acordo na trajetória de construção de políticas. Contexto da prática: é nesse contexto que se traduz as políticas, ou seja, o que foi dito e escrito. Contudo, o modo como se traduz também influencia as políticas com as questões que surgem na escola, questões práticas no processo de ensinar e aprender. Esse é o contexto que reflete as práticas pedagógicas, a concepção da escola, as experiências docentes. Trata-se do modo como as políticas se concretizam na prática, nos espaços locais, nas experiências individuais e coletivas. Ball, de acordo com Mainardes (2006, p. 54-55), explica que: [...] a análise de uma política deve envolver o exame (a) das várias facetas e dimensões de uma política e suas implicações (por exemplo, a análise das mudanças e do impacto em/sobre currículo, pedagogia, avaliação e organização) e (b) das interfaces da política com outras políticas setoriais e com o conjunto das políticas. Isso sugere ainda a necessidade de que as políticas locais ou as amostras de pesquisas sejam tomadas apenas como ponto de partida para a análise de questões mais amplas da política. Tomando com referência o ciclo de políticas, a discussão e análise dos dados coletados se estruturam a partir da seguinte configuração: ● Contexto de influência: documentos de grupos internacionais, UNESCO, Banco Mundial, legislação nacional sobre o Ensino Superior e para a modalidade EAD, legislação para a inclusão no Ensino Superior. ● Contexto da produção de texto: documentos institucionais (PDI, relatório de responsabilidade social, manual do acadêmico, resoluções e documentos de orientação institucional). ● Contexto da Prática: entrevista com gestores. Entende-se, a partir de Ball e Mainardes (2011), que esses contextos estão interligados e sofrem influências de grupos sociais com diferentes interesses, o que, muitas vezes, envolvem disputas e embates. 42 Em síntese, essa análise está estruturada da seguinte forma: Figura 10: Análise do ciclo de políticas Fonte: Desenvolvido pela pesquisadora com base em Ball (2011). Mais recentemente, os estudos de Ball, Maguire e Braun (2013) aprofundam o debate sobre os contextos envolvidos na análise das políticas, porém dão maior ênfase aos sujeitos que atuam como atores no contexto da prática, que não apenas implementam as políticas, mas agem de maneira ativa no sentido de interpretá-las, traduzi-las e transformá-las. Por essa razão, esses últimos estudos interessam sobremaneira aos propósitos dessa pesquisa, pois, acima da observância dos interesses em jogo nos diferentes contextos e textos, há aqui uma especial preocupação em conhecer como e com quais estratégias as instituições objeto de estudo lidam com a política e que respostas encontram para suas orientações. Ball, Maguire e Braun (2013) sinalizam que o significado das políticas está atrelado a uma necessidade de resolver problemas de forma superficial. Para resolvêlos, são criados textos e legislações com prescrições locais e nacionais. Os autores atentam que os profissionais envolvidos com o processo de aprendizagem são sujeitos diretamente envolvidos com as políticas, pois traduzem as políticas nas práticas escolares. “Política é feita e feita para professores; eles são atores e temas, assunto para e objetos da política. Política é escrita para corpos e produz a posição de determinado 43 assunto”15 (BALL, MAGUIRE; BRAUN, 2013, p. 3). Como atores do processo de ensino e aprendizagem, professores e gestores traduzem e interpretam as políticas nesses espaços, contudo os autores questionam: Como diferentes indivíduos e grupos de atores interpretam e promulgam políticas em contextos específicos de várias demandas políticas, tendo em conta os recursos disponíveis para eles? Como e de que maneiras os fatores socioculturais, históricos e contextuais afetam as maneiras em que as escolas implementam políticas? Como é que as diferenças entre escolas nos decretos de políticas podem ser explicadas? (BALL, MAGUIRE; BRAUN, 2013, p.11)16 Tais questionamentos estão relacionados ao que se pretende averiguar nas instituições de ensino objeto de estudo desta tese, ou seja, a interpretação e a tradução das políticas de inclusão para o processo de ensino e aprendizagem do público- alvo da educação especial nos cursos de graduação na modalidade EAD. Para Ball, Maguire e Braun (2012, p. 45)17, existem dois processos para a análise de políticas: a tradução e a interpretação: A interpretação é uma leitura inicial, a busca do significado e do que faz sentido na política – o que esse texto significa para nós? O que temos que fazer? […] Essa decodificação se dá em relação à cultura e à história da instituição e da bibliografia política dos principais atores. Já a tradução, por sua vez, está mais próxima da linguagem da prática. É como um terceiro espaço entre a política e a prática. É um processo interativo de produção textual institucional e de colocação desses textos em ação, literalmente significa representar a política utilizando táticas que incluem falas, encontros, planos, eventos e “aprendizagens na caminhada” [...]. Embora em alguns momentos a tradução e a interpretação pareçam processos em “arenas diferentes”, em outros momentos estão intimamente entrelaçados e sobrepostos, envolvendo a produção de textos institucionais e mudanças nas estruturas e relações. 15 Tradução do original: “Policy is done by and done to teachers; they are actors and subjects, subject to and objects of policy. Policy is written onto bodies and produces particular subject positions” (BALL, MAGUIRE; BRAUN, 2013, p. 3). 16 Tradução do original: “How do different individual and groups of actors interpret and enact policy in specific contexts of multiple policy demands given the resources available to them? How and what ways do socio-cultural, historical and contextual factors affect the ways in which schools enact policies? How can differences between schools in the enactments of policies be explained?” ((BALL, MAGUIRE; BRAUN, 2013, p.11). 17 Tradução do original: “Interpretation is an initial rEaDing, a making sense of policy – what does this text mean to us? What do we have to do? Do we have to do anything? […]. This decoding is done in relation to the culture and history of the institution and the policy biographies of the key actors” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012, p. 45). 44 Esse aporte teórico se torna fundamental para a análise dos dados coletados nesta pesquisa, auxiliando na compreensão das políticas e estratégias institucionais para a inclusão do aluno público-alvo da educação especial nos cursos de graduação na modalidade EAD. 45 CAPÍTULO II POLÍTICA NACIONAL PARA A INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR O tempo? Eu nunca vi o tempo! Também não. Ninguém vê o tempo. O tempo não para. Passa ligeiro e ninguém consegue tocá-lo. Ele tem medo de não atender aos nossos pedidos, Por isso não nos escuta. (QUEIRÓS, 2010, p.7). Queirós (2010) remete à importância do tempo. Importância de conhecer o tempo e compreender que nem sempre se consegue acompanhá-lo e que nem sempre ele atende as nossas expectativas. Quando fala-se em política também se faz necessário compreender esse tempo, esse contexto, esses interesses e essas influências. É preciso analisar e averiguar quais pedidos foram atendidos pelo tempo. Ball em entrevista com Mainardes e Marcondes (2009, p. 307) alerta que as políticas “desaparecem no decorrer do tempo ou, algumas vezes, leva muito tempo para elas se tornarem integradas”. O autor ainda frisa a necessidade de pensar sobre a velocidade da política e para a dimensão do tempo. A legislação para a inclusão escolar, como se relatou na introdução desta tese, também foi sofrendo alterações com o passar do tempo. A década de 1990 foi marcada por várias alterações no sistema educacional brasileiro, influenciadas pela reforma educacional. As discussões acerca da inclusão escolar ganharam força nas políticas educacionais internacionais e nacionais, no entanto, inicialmente, observou-se maior ênfase na regulamentação da inclusão escolar na Educação Básica. Nesse período, as diretrizes para inclusão no Ensino Superior eram ainda um tanto escassas. Segundo Oliveira (2011, p. 31), “pouco se tem documentado sobre a inclusão da pessoa com deficiência no ensino superior, indicando uma carência de reflexões, estudos e estatísticas, o que dificulta a formulação de políticas públicas que contemplem ações promotoras de educação inclusiva também no ensino superior”. Em face aos estudos de autores como Mattei e Haiduke (2010), Menezes (2010), Pereira (2008), Oliveira (2011), Silva (2011) e Cabral (2013), anteriormente citados, percebeu-se a necessidade de haver pesquisas acerca das políticas de inclusão para o Ensino Superior, um campo que ainda se pode considerar “minado” por 46 apresentar interpretações e traduções dessas políticas de forma específica e em alguns pontos divergentes. Silva (2011), ao atentar para os aparatos legais e para uma universidade realmente inclusiva, leva aos seguintes questionamentos: que aparatos legais norteiam a prática pedagógica inclusiva no Ensino Superior? Quais as especificidades da modalidade EAD que necessitam de atenção nesse processo? Quando teve início essa discussão para esse nível de ensino? No que se refere à educação, principalmente a partir dos anos 90, o compromisso com a inclusão vem sendo reafirmado em uma vasta produção documental, tanto internacional como nacional. Esse conjunto de documentos oficiais, além de subsidiar a formulação de políticas para a área, coloca a educação inclusiva como um paradigma educacional que assume o princípio da educação de qualidade como um direito de todos (NAUJORKS, 2011, p. 526). Diante da gama de documentos sinalizados por Naujorks (2011) e disponibilizados pelo MEC, optou-se nesta tese em realizar a análise da legislação nacional a partir de 1996. Um recorte que se considera significativo por revelar o primeiro documento específico para a inclusão no Ensino Superior, o Aviso Curricular nº 277 (BRASIL, 1996a). Quadro 2: Recorte da legislação nacional LEGISLAÇÃO NACIONAL LDB 9.394/96, cap. IV Aviso Circular nº 277/96 Decreto nº 3.956/01 Lei nº 10.436/02 Portaria nº 2.678/02 CONTEÚDO Institui o processo de avaliação das instituições de educação superior, assim como do rendimento escolar dos alunos do ensino básico e superior. Apresenta sugestões voltadas para o processo seletivo para ingresso, recomendando que a instituição possibilite a flexibilização dos serviços educacionais e da infraestrutura, bem como a capacitação de recursos humanos, de modo a permitir a permanência, com sucesso, de estudantes com deficiência nos cursos. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Reconhece a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como meio legal de comunicação e expressão e outros recursos de expressão a ela associados. Aprova diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional. 47 LEGISLAÇÃO NACIONAL Portaria nº 3.284/03 Decreto nº 5.296/04 Decreto nº 5.626/05 Programa Acessibilidade ao Ensino Superior. Incluir/2005 Plano de Desenvolvimento da Educação/2007 Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008) Decreto nº 6.949/09 Decreto nº 7.234/10 CONTEÚDO Substituiu a Portaria nº 1.679/1999, sendo ainda mais específica na enumeração das condições de acessibilidade que devem ser construídas nas IES para instruir o processo de avaliação dessas. Regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000, estabelecendo normas gerais e critérios básicos para o atendimento prioritário à acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Em seu artigo 24 determina que os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos e privados, proporcionem condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios, instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários. Regulamenta a Lei 10.436/2002, que dispõe sobre o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e estabelece que os sistemas educacionais devem garantir, obrigatoriamente, o ensino de LIBRAS em todos os cursos de formação de professores e de fonoaudiologia e, optativamente, nos demais cursos de educação superior. Determina a estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior, que visam eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com deficiência. O Governo Federal, por meio do MEC, lançou em 2007 o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) com o objetivo de melhorar substancialmente a educação oferecida pelas escolas e IES brasileiras. Reafirmado pela Agenda Social, o Plano propõe ações nos seguintes eixos, entre outros: formação de professores para a educação especial, acesso e permanência das pessoas com deficiência na educação superior. Define a Educação Especial como modalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, tendo como função disponibilizar recursos e serviços de acessibilidade e o atendimento educacional especializado, complementar a formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Ratifica, como Emenda Constitucional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), que assegura o acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência 48 LEGISLAÇÃO NACIONAL Conferências Nacionais de Educação – CONEB/2008 e CONAE/2010 Decreto nº 7.611/11 Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do SINAES. CONTEÚDO Estudantil – PNAES. O Programa tem como finalidade a ampliação das condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal e, em seu Art. 2º, expressa os seguintes objetivos: “democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal; minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; reduzir as taxas de retenção e evasão; e contribuir para a promoção da inclusão social pela educação”. Ainda, no art. 3º §1º consta que as ações de assistência estudantil do PNAES deverão ser desenvolvidas em diferentes áreas, entre elas: “acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação”. Referendaram a implementação de uma política de educação inclusiva, o pleno acesso dos estudantes público-alvo da educação especial no ensino regular, a formação de profissionais da educação para a inclusão, o fortalecimento da oferta do atendimento educacional especializado (AEE) e a implantação de salas de recursos multifuncionais, garantindo a transformação dos sistemas. Dispõe sobre o AEE, que prevê, no art. 5º, §2º a estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior, com o objetivo de eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com deficiência. Objetiva servir de subsídio para a ação dos avaliadores acerca de questões pertinentes à inclusão e à acessibilidade em seus diferentes níveis de estudantes com necessidades de atendimento diferenciado. Fonte: Documentos coligidos pela pesquisadora e adaptado de Brasil (2013). Na década de 1990, o MEC organizou o primeiro documento – Aviso Curricular nº 277, de 8 de maio de 1996 – direcionado às pessoas com necessidades especiais no Ensino Superior (BRASIL, 1996a). Esse orienta os reitores a se adequarem ao processo de acesso e inclusão de pessoas com necessidades especiais nesse nível de ensino e aponta procedimentos básicos requeridos tanto nos processos seletivos como na oferta de materiais adaptados. O documento salienta a necessidade de profissionais preparados para a orientação e acompanhamento dos alunos, bem como para as adaptações físicas e flexibilidade pedagógica, garantindo acesso, permanência e 49 sucesso do aluno nesse nível de ensino. Entre as adaptações de materiais recomendadas se destacam: Utilização de textos ampliados, lupas ou outros recursos ópticos especiais para as pessoas com visão subnormal/reduzida; utilização de recursos e equipamentos específicos para cegos: provas orais e/ou em Braille, sorobã, máquina de datilografia comum ou Perkins/Braille, DOS VOX adaptado ao computador. Colocação de intérprete no caso de Língua de Sinais no processo de avaliação dos candidatos surdos; utilização de provas orais ou uso de computadores e outros equipamentos pelo portador de deficiência física com comprometimento dos membros superiores; ampliação do tempo determinado para a execução das provas de acordo com o grau de comprometimento do candidato (BRASIL, 1996a, p. 1). O documento faz referência a vários mecanismos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, auditiva e física. No entanto, observou-se que ele não aponta os demais públicos-alvo da educação especial. Além disso, constatou-se a preocupação com a acessibilidade no momento de provas e vestibulares, evidenciando uma ênfase na garantia de condições para o acesso. Isso significa que, nesse momento histórico, a política concebia a pessoa com deficiência como candidato e não como acadêmico em formação. Essa apontava de modo subjetivo no final do texto a recomendação de ações que possibilitem flexibilização de serviços, infraestrutura e capacitação de recursos humanos a fim de possibilitar a permanência, com sucesso, em certos cursos. Após dezessete anos da publicação desse aviso, indaga-se como a política veio se configurando e quais os possíveis avanços observados em direção à permanência e ao sucesso desses alunos no Ensino Superior. No mesmo ano da publicação desse aviso, o governo brasileiro sancionou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) (BRASIL, 1996b). Essa, porém, não revela de forma clara o modo como deve ocorrer o processo de inclusão no Ensino Superior, proporcionando autonomia para as instituições. De modo geral, discorre sobre a obrigatoriedade dos sistemas de ensino, porém em nenhum momento discute o lugar da pessoa com necessidades especiais nesses diferentes contextos. Em 1999, foi publicado o Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999), que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência. Esse documento define a “educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular” (BRASIL, 1999, p. 1, 50 grifos nossos). Esses dois documentos fazem menção à educação especial em todas as modalidades e sistemas de ensino, no entanto, apresentam um texto superficial, que possibilita diversas interpretações. Em meio a discussões acerca da concepção de educação inclusiva e do acesso e da permanência das pessoas público-alvo da educação especial no Ensino Superior, algumas indagações surgem: se o aviso curricular de 1996 prevê permanência com sucesso em “certos” cursos do Ensino Superior, por que essa discussão é tão discreta, quase inexistente nos documentos seguintes? É necessário atentar para a análise dos documentos oriundos dessas políticas, pois “o desenvolvimento epistemológico nas ciências humanas, como a educação, funciona politicamente e é intimamente imbricado no gerenciamento prático dos problemas sociais e políticos” (BALL; MAINARDES, 2011, p. 33). Após o Decreto nº 3.298, foi publicada a Resolução CNE/CEB nº 2/2001 (BRASIL, 2001b), que determina, em seu artigo 2º, que: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos”. Essa resolução, que também faz menção aos sistemas de ensino, aponta a educação de qualidade para todos. O texto da Declaração de Salamanca (1994), reafirma o “[...] o compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino”. Com isso, pode-se perceber a que público a política se destia, ou seja, ao defender a “educação de qualidade para todos” a política refere-se à crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais. Ao ampliar o contexto das diferenças, o documento inclui a pessoa com necessidades especiais em uma nova condição mais generalista e igualitária. De forma mais ampla, porém ainda discreta e subjetiva, a Secretaria de Educação Especial do MEC tratava da educação como algo destinado para todos e não da educação especial em específico, embora o próprio MEC, nessa época, mantinha uma secretaria específica. Com isso, inicia-se, então, uma sequência de documentos e programas em prol da educação para todos, descritos a seguir. O Plano Nacional de Educação, no ano de 2001, Lei nº 10.172/2001 (BRASIL, 2001a) apontou que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a 51 construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Nota-se que o texto desse plano traz a preocupação com a escola inclusiva e com o atendimento à diversidade, porém não apresenta a concepção desses termos: qual o sentido de diversidade para as políticas educacionais vigentes? Fala-se em educação inclusiva, em diversidade, mas de forma difusa. As políticas colocam problemas para os seus sujeitos, problemas que precisam ser resolvidos no contexto. [...]. As políticas normalmente não dizem o que fazer, elas criam circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o que fazer é reduzido ou modificado ou em que metas particulares ou efeitos são estabelecidos (BALL; MAINARDES, 2011, p. 4546). No mesmo ano da publicação do Plano Nacional de Educação (2001-2010), aconteceu a Convenção de Guatemala, que deu origem ao Decreto nº 3.956/2001 (BRASIL, 2001c), que afirma: [...] as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação com base na deficiência toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. A partir desse decreto, há uma reinterpretação da educação especial, que até então era compreendida no contexto da diferenciação. No ano de 2002, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2002a) destacam que as instituições de Ensino Superior deveriam prever, em sua organização curricular, formação docente voltada para a atenção à diversidade e que contemplasse conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais. A partir da publicação dessa diretriz, os cursos de graduação para formação de professores passaram por uma reestruturação, já que pela primeira vez se orienta atenção para a diversidade e aos alunos com necessidades especiais. Iniciou-se, então, um processo de inclusão da disciplina de Educação Especial ou Educação Inclusiva na matriz curricular. Cabe aqui atentar para o fato de que a LBD já citava no ano de 1996 a Educação Especial, contudo apenas após seis anos um documento abordou a atenção a esse público para a formação dos professores. A Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002b), no mesmo ano, reconhece a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como meio legal de comunicação e expressão, 52 determinando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de LIBRAS como parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia. Assim como a LIBRAS, a grafia Braille também ganha espaço na legislação através da Portaria nº 2.678 (BRASIL, 2002c), que aprova diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da grafia Braille para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional. Percebeu-se, por meio desses documentos, que a legislação para a educação especial passa a ser desenhada sob a influência de grupos específicos 18 e grupos internacionais. Grupos específicos defendem os direitos do público-alvo da educação especial, por meio de movimentos locais, regionais e nacionais e buscam força nos movimentos internacionais, principalmente respaldo nos documentos provenientes das reuniões em Jomtiem e Guatemala. A política para a educação especial ganha força por meio das metas e prazos estabelecidos em comum acordo entre os países partícipes dessas reuniões e com os compromissos firmados por países e órgãos internacionais. Essas minorias se organizam por meio de encontros e reuniões, buscando participar das discussões das políticas a fim de garantir seus direitos. No entanto, nem sempre esses textos convergem, pois “há uma variedade de intenções e disputas que influenciam o processo político” (MAINARDES, 2006, p. 49) e, dessa forma, as políticas para a inclusão escolar vão ganhando força e uma diversidade de documentos. No ano de 2003, o MEC implantou o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade (BRASIL, 2003a) a fim de apoiar a transformação dos sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos. O programa incentiva a formação de gestores e educadores voltados ao atendimento educacional especializado (AEE) e às garantias de acessibilidade. Entre as ações desenvolvidas, estão: Realizar Seminário Nacional de Formação dos coordenadores municipais e dirigentes estaduais; Prestar apoio técnico e financeiro e orientar a organização da formação de gestores e educadores dos municípios polos e de abrangência; Disponibilizar referenciais pedagógicos para a formação regional (BRASIL, 2003a). 18 Nesta tese, utilizo a nomenclatura “grupos específicos” para referenciar as organizações e entidades que buscam e defendem os direitos de grupos de pessoas cegas, surdas, autistas, deficientes físicos etc., ou seja, grupos que defendem as especificidades da educação especial. 53 Por meio desse programa, o MEC incentivou e apoiou as ações de inclusão para a educação básica nos municípios e estados. Especificamente para o Ensino Superior, em 2003, foi sancionada a Portaria nº 3.284 (BRASIL, 2003b), que dispunha sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições. Assim, esse documento (BRASIL, 2003, p. 1): [...] considerando a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial, condições básicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino, resolve Art. 1º Determinar que sejam incluídos nos instrumentos destinados a avaliar as condições de oferta de cursos superiores, para fins de autorização e reconhecimento e de credenciamento de instituições de ensino superior, bem como para renovação, conforme as normas em vigor, requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de necessidades especiais. Art. 2º A Secretaria de Educação Superior, com apoio técnico da Secretaria de Educação Especial, estabelecerá os requisitos de acessibilidade, tomandose como referência a Norma Brasil 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que trata da Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamentos Urbanos. Verificou-se, por meio da redação do texto, que novamente se trata de um público específico da educação especial, ou seja, as pessoas com deficiência física ou sensorial. Diante de tantas discussões acerca da educação para a diversidade, do direito de todos à educação, ainda nos deparamos com legislações voltadas para grupos de interesse específicos. É nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É também nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política. O discurso em formação algumas vezes recebe apoio e outras vezes é desafiado por princípios e argumentos mais amplos que estão exercendo influência nas arenas públicas de ação, particularmente pelos meios de comunicação social. Além disso, há um conjunto de arenas públicas mais formais, tais como comissões e grupos representativos, que podem ser lugares de articulação de influência (MAINARDES, 2006, p. 51). Ball (2012) aponta ainda para as redes de relações que interferem no contexto das políticas, que nem sempre são locais ou regionais. É perceptível a influência dos documentos internacionais provenientes das reuniões entre representantes de diferentes países, como as de Salamanca, Jontiem e Dakar, apoiadas por potências como a 54 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Banco Mundial. Esses documentos que tratam da educação para todos e da educação inclusiva de forma mais ampla influenciam a elaboração de textos da política nacional e regional. Contudo, nesse contexto, há que se indagar sobre a ausência de um texto que trate das condições da inclusão no Ensino Superior pelo viés pedagógico, ou seja, o modo como o acadêmico com deficiência aprende ou sobre a formação de professores do Ensino Superior e o atendimento educacional especializado para garantir a permanência e sucesso desse grupo, previsto no Aviso Curricular nº 277 (BRASIL, 1996a) citado anteriormente. O que se verifica até aqui é uma preocupação com a acessibilidade por meio da exigência de aquisição de materiais específicos e de acessibilidade arquitetônica, mas sabe-se que somente as condições materiais e físicas não garantem a participação e aprendizagem no Ensino Superior. Para Mainardes (2006, p. 52), os textos políticos são representados de várias formas e “são resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações da política”. Nessas formas de elaboração dos textos da política, no ano de 2004, o MEC publicou o Decreto nº 5.296 (BRASIL, 2004), que regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00, estabelecendo normas e critérios para a promoção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Esse decreto determina que: “os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida” (BRASIL, 2004, art. 24). Nesse período, foi criado também mais um programa, o Brasil Acessível, do Ministério das Cidades, que objetivava promover a acessibilidade urbana e apoiar ações que garantissem o acesso universal aos espaços públicos. Tais ações, organizadas em diferentes estados brasileiros, contavam com auxílio de financiamentos para atingir o objetivo proposto pelo programa. Em 2006, aconteceu, em Nova Iorque, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que estabeleceu que os Estados-Partes deveriam (BRASIL, 2006, art. 24): 55 [...] assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão, adotando medidas para garantir que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem. Foi a partir da convenção que as metas de plena participação das pessoas caracterizadas como público-alvo da educação especial no desenvolvimento educacional e social foram estabelecidas e o compromisso com a inclusão foi evidenciado. O discurso de diferentes governos firmam o compromisso com a educação de qualidade para todos em todos os níveis de ensino. Essa convenção se torna um marco na história das políticas de inclusão, visto que dá origem a um documento macro que vem legitimar o que Stromquist (2007) chama de “Política Forte”, apoiadas por instituições internacionais e governos federais. Para a autora, as Políticas são divididas em duas categorias: as políticas fortes, “apoiadas por instituições internacionais e por governos federais” e as políticas fracas, “baseadas em reivindicações que emanam de grupos não governamentais”. (STROMQUIST, 2007, p. 15). As políticas fortes geralmente representam decisões de grandes potências como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento e também acordos globais como o da Educação para Todos (EPT) e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs). Figura 11: Políticas fortes e políticas fracas Fonte: Stromquist (2007). 56 Assim como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Declaração de Salamanca, também caracterizada como política forte, já apontava indícios de uma política de inclusão social. No entanto, é com o documento proveniente da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que o Brasil começou a investir em programas e projetos voltados para esse público. Cabe esclarecer que esse documento, inicialmente facultativo, no ano de 2008, foi transformado em emenda constitucional no Brasil. Os compromissos assumidos pelo país nessa convenção resultaram também na definição da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), que buscava assegurar a inclusão do público-alvo da educação especial em todos os níveis de ensino. Esse documento marcou a história da educação especial na perspectiva da educação inclusiva no Brasil, uma vez que apresenta as diretrizes para a inclusão organizadas por um grupo de respeitáveis pesquisadores da área. No mesmo ano da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o Brasil apresentava o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2008b, p. 41), que objetiva: [...] desenvolver políticas estratégicas de ação afirmativa nas IES que possibilitem a inclusão, o acesso e a permanência de pessoas com deficiência e aquelas, alvo de discriminação por motivo de gênero, de orientação sexual e religiosa, entre outros e segmentos geracionais e étnico-raciais. Esse plano fazia menção ao acesso e à permanência no Ensino Superior, no entanto, não o faz de forma específica. Apontava a necessidade de ações afirmativas, porém não manifestava a preocupação com o processo de ensino e aprendizagem dessa demanda. Esse material foi norteado por diversos documentos nacionais e internacionais e apresentava em seu escopo dados que evidenciam a colaboração, nas discussões e textos, de órgãos locais, regionais, nacionais e internacionais, como o Banco Mundial e a UNESCO, por exemplo. Novamente, constatou-se a continuidade de uma política forte, imbricada de interesses e influências de grupos de mobilização específicos e também de grandes e influentes agências financeiras nacionais e internacionais. Segundo Ball (2012), essas relações e a constituição desses programas caracterizam o surgimento de um novo meio de governo, as políticas de educação global, influenciadas pela relação entre Estado e mercado. Com isso, surgiram novos atores políticos no contexto de influência e relações de interesse, a fim de criar soluções 57 para os problemas sociais com estratégias e financiamentos que visam à dependência mútua entre o Estado e mercado. Ao citar e refletir sobre a legislação para a inclusão, constata-se que ainda se transita em dois contextos: o de influência e o de elaboração do texto. Porém, é justamente no texto que se detecta a “falha”, ou o que se chama de “brecha”, no contexto da prática. Comumente, encontram-se pesquisas de educadores preocupados com a prática pedagógica inclusiva adotada para a garantia de aprendizagem dos alunos caracterizados como público-alvo da educação especial, no entanto, consideram-se as políticas fracas nesse sentido. De acordo com Stromquist (2007, p. 16), “essas políticas manifestam uma preocupação profunda com o crescimento da exclusão social no mundo e consideram a qualidade do ensino uma forma de combater a negligência imposta a grupos em situação de desvantagem [...]”. Stromquist (2007) ainda relaciona essas políticas a grupos de professores e segmentos crescentes na sociedade civil que estão fora do poder político e que pouco podem fazer além de organizar campanhas e mobilizações para chamar a atenção do governo e de instituições financeiras. Acredita-se, com isso, que as políticas de inclusão recebem influência de políticas fortes e fracas, de grupos diversificados e movidos por interesses em alguns pontos comuns, em outros díspares. Uma situação assim pode justificar o grande número de programas, projetos e ações afirmativas voltadas para essa demanda nos últimos anos. Um desses projetos é o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) (BRASIL, 2007a, p. 1), que tem como eixos: a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior e o monitoramento do acesso à escola dos favorecidos pelo Benefício de Prestação Continuada – BPC. Esse documento trata da formação de professores para a educação especial, o que caracteriza certa preocupação com a prática, principalmente para a implantação das salas de recursos multifuncionais. A implementação dessas salas traz o AEE finalmente para dentro da escola, o que acaba provocando novas discussões sobre os diferentes interesses de órgãos não governamentais e instituições que até então prestavam o atendimento. No mesmo ano, com a propagação do Ensino Superior a distância no país, foi criado o documento Referenciais de Qualidade para o Ensino Superior a Distância 58 (BRASIL, 2007b), que prevê algo mais específico para a inclusão no Ensino Superior. No item que trata sobre a previsão do atendimento de pessoa com deficiência, o documento referencia que as IES devem (BRASIL, 2007b, p. 15-16, grifo nosso): Dispor de esquemas alternativos para atendimento de estudantes com deficiência; Para a instalação de pólos, dois outros requisitos necessitam ser atendidos. O primeiro diz respeito às condições de acessibilidade e utilização dos equipamentos por pessoas com deficiências, ou seja, deve-se atentar para um projeto arquitetônico e pedagógico que garanta acesso, ingresso e permanência dessas pessoas, acompanhadas de ajudantes ou animais que eventualmente lhe servem de apoio, em todos os ambientes de uso coletivo. Mesmo com a menção ao atendimento da pessoa com deficiência no Ensino Superior, o texto aponta fragilidades, pois, novamente, o foco para a permanência do acadêmico está voltado para os equipamentos e para a acessibilidade arquitetônica. O projeto cita que se deve garantir acesso, ingresso e permanência, porém destaca isso no texto que trata especificamente do polo de apoio presencial. O documento omite ou ignora os demais espaços constitutivos do processo de ensino e aprendizagem, que são centrais para o processo de inclusão. Há que se indagar qual o papel do AEE no Ensino Superior, assim como do docente e dos tutores frente à inclusão nessa modalidade de ensino. Para Ball e Mainardes (2011, p. 46), “há um silêncio surdo no coração desses textos diligentes, abstratos e metódicos. Tanto as pessoas que “fazem” as políticas quanto as confrontadas com elas são deslocadas”. O que se percebe, até 2007, são textos diversificados, que traduzem as necessidades de grupos específicos e tentam relacioná-las com as políticas, no entanto, ainda não há uma concepção de inclusão para o Ensino Superior, como também não há preocupação com o atendimento educacional especializado (AEE) e com o processo de ensino e aprendizagem. Os mecanismos de acessibilidade, como adaptações arquitetônicas e acessibilidade de comunicação em LIBRAS e Braille, são evidenciados como se apenas esses garantissem o sucesso de alunos nesse nível de ensino. Em nenhum momento a legislação define quem é o público que será atendido, afinal, a nomenclatura pessoas com necessidades especiais pode representar um grupo muito mais amplo do que o descrito nos documentos específicos citados até aqui. Percebe-se, também, que tais documentos não citam as pessoas com deficiência intelectual, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação. 59 No ano de 2007, o governo brasileiro, tendo como norte os compromissos assumidos na Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), nomeou uma comissão de profissionais da área da educação especial para discutir e elaborar a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a). A comissão, que realizou várias discussões, inclusive sobre a nomenclatura e as diferenças conceituais entre educação especial e educação inclusiva, entregou o texto em 2008. Esse documento: objetiva o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo: -Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; - Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; - Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; - Participação da família e da comunidade; - Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; - Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas . (BRASIL, 2008a, p. 8) Essa política norteia hoje as ações de educação inclusiva em todos os níveis de ensino e amplia o texto no que se refere ao Ensino Superior, afirmando que: Na educação superior, a educação especial se efetiva por meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos. Estas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão (BRASIL, 2008a, p. 11). Com isso, verificou-se que essa política amplia o texto sobre a permanência no Ensino Superior, destacando a importância de os materiais didáticos também oferecerem acessibilidade, bem como as novas tecnologias e as atividades que envolvem o ensino, a pesquisa e a extensão, características do Ensino Superior. O documento também manifesta preocupação com a formação do professor responsável pelo AEE e define o público da educação especial como pessoas com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Mesmo com a publicação dessa política, percebe-se ainda certa fragilidade nas especificidades voltadas para a inclusão no Ensino Superior, que ainda ficam evidentes 60 mesmo com a publicação do Decreto nº 7.611 (BRASIL, 2011b), em 2011, que dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Segundo esse decreto (BRASIL, 2011b): Art. 1º O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes: I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades; II - aprendizado ao longo de toda a vida; III - não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência; [...] § 2º O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família para garantir pleno acesso e participação dos estudantes, atender às necessidades específicas das pessoas público-alvo da educação especial, e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas. Art. 3º São objetivos do atendimento educacional especializado: I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes; II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino. A partir dessa leitura, pode-se afirmar que esse documento, na perspectiva da educação inclusiva, visa garantir e fortalecer o AEE como componente integrante das propostas pedagógicas, bem como garantir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis através da igualdade de oportunidades. É o primeiro documento que aponta a estruturação de núcleos de acessibilidade para o Ensino Superior, como apoio técnico para o AEE. No entanto, o direcionamento dessa política para as IES federais chama a atenção: Art. 5o A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, Municípios e Distrito Federal, e a instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular. [...] VII - estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior. [...] § 5o Os núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior visam eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com deficiência (BRASIL, 2011). 61 Cabe relembrar, como descrito na introdução desta tese, que o aumento do número de matrículas de alunos público-alvo da educação especial no Ensino Superior, segundo o Censo de 2011, é muito maior nas IES privadas do que nas públicas. Todavia, o Decreto nº 7.611 (BRASIL, 2011b) enfatiza a instalação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação. Paradoxalmente, as diretrizes para aprovação e reconhecimento de cursos de graduação em todas a IES apresentam critérios rigorosos exigindo esses quesitos. A LDB 9394/96 (BRASIL, 1996b) exige que as IES passem por processos de avaliação e regulação para aprovação e reconhecimento dos cursos de graduação. Dessa forma, as políticas de inclusão para o Ensino Superior estão entrelaçadas com as demais políticas voltadas para a inclusão social e escolar. Nesse sentido, cita-se a última versão do Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação Presencial e a Distância (BRASIL, 2012) que enfim traz a preocupação com as “condições de acesso para pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida (Dec. n° 5.296/2004, com prazo de implantação das condições até dezembro de 2008)” (BRASIL, 2012, p. 27) e compreende em seu glossário a acessibilidade como: Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (art. 8°, Decreto n° 5.296/04, Lei 10.098/00). Acessibilidade pressupõe a eliminação de barreiras arquitetônicas e atitudinais e a promoção de tecnologia assistiva para esses alunos (BRASIL, 2012, p.28). Esse documento é norteador das comissões de avaliação do MEC para autorização e reconhecimento dos cursos de graduação presencial ou a distância e seu texto permite constatar que as políticas para inclusão no Ensino Superior ainda são discretas e pouco específicas. O próprio instrumento, em meio a uma gama de documentos relativos à inclusão escolar e à educação especial, cita apenas o Decreto n° 5.296/04 e a Lei 10.098/00. Com isso, surge uma inquietação: por que esse texto não faz menção à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva? Não aponta, por exemplo, as recomendações iniciais do Aviso Curricular nº 277? Fica claro, mais uma vez, que os documentos são frágeis, não convergem, não dialogam e as conquistas ainda transitam por um campo minado de interesses variados. Como o texto do Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação Presencial e a Distância (BRASIL, 2012) não é claro e aponta fragilidade no que tange as questões 62 de avaliação de acessibilidade, o MEC criou um documento para orientar os avaliadores para as visitas in loco nas IES. No ano de 2013, é apresentado o documento Referenciais de acessibilidade na educação superior e a avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), que objetiva “servir de subsídio para a ação dos avaliadores acerca de questões pertinentes à inclusão e à acessibilidade em seus diferentes níveis, de estudantes com necessidades de atendimento diferenciado” (BRASIL, 2013, p. 4). Diante do objetivo proposto, o documento alerta para a necessidade de ampliação do conhecimento sobre acessibilidade na formação dos avaliadores do MEC. Essa necessidade se justifica devido ao aumento no número de alunos públicoalvo da educação especial sinalizado no Censo da Educação Superior e com os intensos debates e reflexões de profissionais da área da educação. Entende-se que a acessibilidade deve ser considerada em seu aspecto amplo, muito além da dimensão arquitetônica. Conforme o próprio documento descreve (BRASIL, 2013, p. 5), “dotar as instituições de educação superior (IES) de condições de acessibilidade é materializar os princípios da inclusão educacional que implicam em assegurar não só o acesso, mas condições plenas de participação e aprendizagem a todos os estudantes”. Esse documento retoma as discussões desde o Aviso Curricular nº 277, afirmando que “na educação superior o debate sobre a inclusão se inscreve na discussão mais ampla do direito de todos à educação e na igualdade de oportunidades de acesso e permanência, com sucesso, nessa etapa de ensino” (BRASIL, 2013, p. 5). Entretanto, ainda pretende-se averiguar em que consiste o acesso e a permanência com sucesso do público-alvo da educação especial no Ensino Superior. Além desse, surgem outros questionamentos muitas vezes não respondidos: ● Como os avaliadores do MEC deverão avaliar na IES uma “acessibilidade” explicitada em um documento elaborado especificamente para nortear o olhar do responsável pela avaliação? ● O que fez com que o SINAES desenvolvesse um documento para avaliar as IES sem que o MEC ampliasse políticas específicas para esse nível de ensino? Novamente, fica evidenciado que os textos das políticas são elaborados por diferentes atores e permitem diferentes traduções no contexto da prática. Alguns dos atores envolvidos nas discussões sobre as políticas de inclusão, desde o ano de 1999, 63 quando foi publicada a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, são os membros do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), formado por representantes governamentais e representantes da sociedade civil. Entre a relação de representantes eleitos para a gestão 2013-2015, cita-se a representação governamental dos Ministérios das Comunicações, da Cultura, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Educação, do Esporte, da Justiça, dos Transportes, do Trabalho e Emprego, do Turismo, da Previdência Social, da Saúde, da Secretaria de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres e também os Conselhos Estaduais e Municipais. Para representar a sociedade civil, foram eleitos membros de associações, confederações e conselhos, como, por exemplo, representantes da Associação Brasileira de Autismo (ABRA), Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiências de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade (APABB), Federação Brasileira de Associações Civis de Portadores de Esclerose Múltipla (FEBRAPEM), Federação Nacional das Associações Pestalozzi, Federação Nacional das APAEs, Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (ONEDEF), Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB). Diante dessa composição do CONADE, é possível perceber a influência de diferentes grupos de interesses nas discussões e, consequentemente, na produção do texto dos documentos legais relativos à inclusão. De um lado, grupos que defendem os interesses específicos das minorias, como associações específicas voltadas para o auxílio das pessoas com deficiências; de outro lado, os representantes governamentais, defendendo e pensando a acessibilidade em diferentes ministérios, entre esses o MEC, que ainda hoje apresenta um sistema de ensino dividido entre a inclusão das pessoas com necessidades especiais nas escolas e o atendimento educacional especializado ofertado por entidades sem fins lucrativos, organizações não governamentais (ONGs) e filantropias. Essa discussão sobre o atendimento educacional especializado permanece ainda nos dias atuais e influencia os programas relacionados à inclusão escolar em todos os níveis de ensino. Cabe questionar as influências no desenvolvimento dos textos das políticas, procurando compreender como esses se traduzem no contexto da prática. Para tanto, no próximo capítulo será abordado o modo como as maiores instituições privadas atuantes 64 no Brasil, Anhanguera, Estácio e Kroton Educacional, interpretam e traduzem as políticas de inclusão em seus documentos e práticas. 65 CAPÍTULO III POLÍTICAS DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: A CONCEPÇÃO E A INTERPERTAÇÃO DAS IES Que que é homem de negócios? Ele apenas trabalha. Só pensa em ganhar tempo e dinheiro. Quer comprar o mundo inteiro? E compra? Quase tudo, menos o tempo. O tempo não tem dono nem preço. (QUEIROZ,2010, p.28) Inicia-se este capítulo relacionando as palavras poéticas de Queirós (2010) com o objeto de estudo desta pesquisa, ou seja, as três maiores instituições privadas que oferecem Ensino Superior atuantes no Brasil: Anhanguera Educacional, Estácio Participações e Kroton Educacional. Empresas que, por meio de fusões e aquisições, lideram o mercado educacional financeiro. As três maiores potências do sistema econômico educacional brasileiro constantemente são citadas em pesquisas relativas ao Ensino Superior. Para Silveira e Bianchetti (2013, p. 11-12): São frações burguesas consideradas de relevante influência no curso das transformações da política educativa, em níveis internacional, regional e nacional. São eles: CNI, Fundação Bradesco, Fundação Gerdau, Fundação Victor Civita, Instituto Ayrton Senna, Instituto Euvaldo Lodi, além de grandes conglomerados educacionais, capitaneados por grupos econômicos do porte das Redes Anhanguera e Kroton, Estácio Participações S.A, e Grupo UNINTER, a maioria com aporte de capital estrangeiro e participação no mercado financeiro. As três instituições privadas, objeto de estudos desta pesquisa, são apontadas como grandes potências que influenciam o mercado financeiro e também as políticas do sistema educacional. Portanto, é importante nesse momento conhecer de modo mais detalhado essas instituições e compreender como cada uma traduz as políticas de inclusão para o Ensino Superior na modalidade EAD, buscando garantir a educação de qualidade para todos e o acesso, a permanência e a aprendizagem dos alunos públicoalvo da educação especial nessa modalidade de ensino. 66 Embora as três instituições apresentem políticas de inclusão previstas no PDI, também possuem especificidades no momento de traduzir e interpretar essas políticas. É possível identificar um movimento ainda “discreto” na escrita sobre a inclusão nos documentos institucionais analisados, tanto pela extensão do texto, como por suas características. Conforme já apresentado no capítulo anterior, para a análise dos dados documentais institucionais foram selecionadas quatro categorias: Concepção de Inclusão no Ensino Superior das IES, Atendimento Educacional Especializado (AEE), Suporte aos Discentes e Avaliação da Aprendizagem. A seguir, discutem-se cada uma dessas categorias, com o intuito de aprofundar as aproximações e os distanciamentos dos dados oriundos da documentação das IES objeto de estudo desta tese. 1 CONCEPÇÃO DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR NOS DOCUMENTOS INSTITUCIONAIS E NOS DIZERES DOS GESTORES A inclusão no Ensino Superior é uma trilha recente. Atualmente, as instituições estão recebendo alunos caracterizados como público-alvo da educação especial que passaram por várias mudanças nos sistemas educacionais, nas práticas de educação inclusiva e nos processos de escolarização. Embora pesquisadores nacionais e internacionais venham acompanhando essa trajetória desde a Declaração de Salamanca (1994), é notável a influência do tempo nas traduções e interpretações das políticas nas práticas escolares. Ball, Maguire e Braun (2013) alertam para as diversas narrativas e para a importância de se reconhecer que diferentes políticas e tipos de políticas particulares podem influenciar a posição de professores e alunos dentro das escolas. A partir da análise dos textos da legislação, pode-se afirmar que até hoje houve maior preocupação com os processos de escolarização na educação básica. Entretanto, esses alunos, que vivenciaram esses recortes históricos, hoje são aprovados nos processos seletivos para o Ensino Superior e buscam a igualdade de direitos e a acessibilidade também nesse nível de ensino. Com isso, surgem pontos a serem refletidos no que tange a concepção acerca de inclusão que norteia os documentos e práticas no Ensino Superior, o apoio disponibilizado a esse público nessas instituições, os recursos de acessibilidade que são utilizados e o acompanhamento necessário para garantir o ingresso, a permanência e a aprendizagem desses acadêmicos. 67 Segundo Silva e Frota (2011), vivencia-se um novo contexto social que envolve mudanças de paradigmas e aceitação da diversidade. Nesse contexto, a universidade também está passando por mudanças, principalmente de concepção e atualização da sua função social. Discentes que apresentam limitações físicas oriundas de deficiências motoras ou sensoriais requerem das instituições de ensino superior, assim como de seus profissionais, uma visão diferente cujo princípio seja a transmissão de conhecimentos a “todos”, mesmo que para atingir esse objetivo se considerem despreparadas e desafiadas, ou inclusive não creiam totalmente no sucesso desses alunos (SILVA; FROTA 2011, p. 344). Esse novo contexto requer das universidades pensar sobre a concepção de educação inclusiva por meio de políticas institucionais que realmente atentem para o acolhimento à diversidade. A inclusão parte da “aceitação das diferenças e diversidades de cada pessoa, a fim de garantir acesso igual às oportunidades, principalmente no campo da educação. A inclusão vai além do acesso ao ensino superior, pois envolve a permanência e o sucesso de ensino-aprendizagem” (SILVA; FROTA, 2011, p. 400). Com o olhar voltado para o acesso, a permanência e a aprendizagem dos alunos público-alvo da educação especial, delineou-se a leitura e a análise dos documentos institucionais buscando compreender como cada uma dessas instituições primeiramente interpretam e em seguida traduzem essas políticas. Para tanto, iniciou-se a análise pelo principal documento institucional: o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), complementado, quando necessário, por documentos institucionais mais específicos. A análise desses documentos apontou uma questão relevante quanto às especificidades institucionais. Verifica-se que entre as IES pesquisadas, a Anhanguera Educacional mantém um PDI padrão para as suas unidades, a Kroton Educacional está em fase de implementação de documentos padrões, uma vez que está passando por um processo de integração entre as unidades, e a Estácio Participações, embora mantenha a estrutura organizacional padrão, apresenta um modelo de PDI para cada unidade. Foram analisados cinco PDIs, disponíveis nas páginas oficiais da internet das seguintes unidades de Ensino Superior da Estácio Participações: Faculdade de Excelência Educacional do Rio Grande do Norte (FATERN), Universidade Estácio de Sá (UNESA), Faculdade Estácio de Campo Grande (FESCG), Faculdade Estácio de Belo Horizonte (FESBH) e Faculdade Estácio do Ceará (FIC). 68 Figura 12: Documentos Institucionais – Plano de Desenvolvimento Institucional Fonte: Dados da pesquisa Com essa leitura, percebeu-se que todos apresentam um tópico destinado à política de educação inclusiva. Com base na leitura dos documentos e da transcrição das entrevistas, foram organizadas as categorias e a análise dos conteúdos. Antes de qualquer reflexão sobre os processos de garantia de acesso e adaptação de materiais, julga-se relevante compreender qual a concepção de inclusão que norteia a política das IES. Apresentam-se, a seguir, recortes dos documentos institucionais e das entrevistas com os gestores. Inicia-se essa discussão pelo PDI da Anhanguera Educacional, que aponta que: A responsabilidade social da Instituição enfatiza a inclusão social e o desenvolvimento econômico, cultural e profissional daqueles que, direta ou indiretamente, são sujeitos de suas ações. Logo, o seu papel é o de fortalecer a democracia por meio de uma prática participativa, que responde à demanda de sua comunidade interna, do seu entorno e da sociedade. Para tanto, incorpora conceitos éticos, promove a cidadania individual e coletiva e difunde valores e práticas ambientalistas por meio de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. (PDI Anhanguera) 69 É possível perceber que o texto referente à responsabilidade social da instituição enfatiza a inclusão social e apresenta, mesmo que de forma sucinta, certa relação com as exigências dos documentos legais para os cursos superiores. Verificou-se a preocupação com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, com a inclusão social, essa de forma genérica, e também com as diretrizes para a educação ambiental. Já o olhar do gestor da IES afirma que: A concepção é aquela do atendimento global ao cidadão, ela é e principalmente na nossa instituição, mesmo antes da Anhanguera, já tinha mas com a Anhanguera foi muito aprimorado. A gente entende que todo cidadão tem direito a educação, ao ensino superior e, portanto, não só para atender as normas do MEC, mas essa é uma Política bem desenvolvida e depois com a Anhanguera melhorou um pouco. Então a concepção é essa mesmo, é a, o entendimento de que todo cidadão independente da sua condição física, mental, intelectual, enfim, ele tem que ter o direito ao ensino superior. Baseada nessa concepção a gente tem toda uma fundamentação teórica. (Gestor A) Os dizeres do gestor convergem com o texto dos documentos da IES e revelam certa preocupação com o atendimento a todos. Revela também que essa não é uma preocupação recente e que, mesmo antes da compra da IES, já pensavam em atendimento “global”, ao direito a educação e ao Ensino Superior, independente da sua condição. Mais especificamente relativo ao atendimento ao público-alvo da educação especial, o texto do PDI aponta: A Instituição oferece às pessoas com necessidades educacionais especiais, ou com mobilidade reduzida, as condições de acesso aos estudos e sua permanência, conforme determinações do Capítulo V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n° 9.394/96, que afirma os direitos acadêmicos das pessoas com necessidades especiais ao conhecimento e às oportunidades do ambiente, assim como as orientações da Portaria n° 3.284/2003 e da Recomendação n° 01/2006 (CONADE/SEDH/PR). Há a preocupação em orientar os docentes e contratar profissionais para atender esses estudantes sempre que necessário. A universidade Anhanguera disponibiliza recursos para que os estudantes com necessidades educacionais especiais possam acompanhar as aulas e realizar as avaliações assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (PDI Anhanguera) 70 Mais uma vez o texto institucional faz menção aos documentos norteadores da educação no Brasil. Percebe-se que até a nomenclatura utilizada nos documentos oficiais é mantida, assim falam de pessoas com mobilidade reduzida e pessoas com necessidades especiais, nomenclaturas utilizadas, como a própria instituição informa, na LDB 9.394/96. Ainda sobre os documentos, o gestor complementa: A legislação utilizada pela IES, nós vamos desde a constituição, inclusive temos um treinamento virtual para que todos os professores que por ventura tenham um portador em sua sala e onde se esclarece, como que o Brasil vê esta questão hoje, então esses dispositivos legais e normativos eu não vou falar de todos, mas depois posso mandar pra você. A constituição, depois a LDB no art. IV que inclusive a questão da avaliação que o próprio MEC colocou a necessidade deste atendimento, os avisos curriculares o Decreto 3.956, todas as normas legais que está ou são alteradas ou modificadas, a gente imediatamente por parte deste núcleo, que é o Núcleo central da mantenedora a informação imediata e aí a gente corrige PDI, enfim todos os nossos documentos que norteiam. O PDI na verdade é muito amplo, a gente tem é um Manual de Normas que a gente chama de Orientações sobre estudantes com Deficiência no Ensino Superior. (Gestor A) Percebe-se que o gestor cita os principais documentos que norteiam a educação como a LDB 9394/96, e o Decreto nº 3.956, que promulga a convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência, contudo, verificou-se que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva não foi mencionada. O relato também aponta a necessidade da IES em manifestar conhecimento das leis e decretos que, para demonstrar esse conhecimento, replica os textos da política nos próprios textos institucionais. Ao fazer essa conexão, a IES organiza sua concepção baseada exatamente no que está escrito na política. Ball (2012) sinaliza que as instituições de ensino podem prestar atenção na política e escrever a resposta incorporando-a na documentação para atender auditorias. Mais precisamente no Ensino Superior no Brasil, essas respostas são fabricadas e incorporadas aos documentos para 71 atender às exigências da avaliação, ou seja, atender aos indicadores de qualidade previstos nos instrumentos de avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), órgão do Ministério da Educação responsável por esse processo, por meio do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES). Um dos exemplos da discussão levantado consta nos dizeres do gestor da Anhanguera quando cita informações constantes em outro documento institucional, “Orientações sobre estudantes com Deficiência no Ensino Superior”. Este documento é encaminhado aos gestores de polos e unidades presenciais e cita uma tabela com a legislação para a inclusão. O texto toma como base os referenciais de acessibilidade na educação superior e a avaliação in loco do SINAES (2013). Esse documento, que serve de orientação para todas as unidades e polos da instituição, inicia a contextualização da inclusão justamente citando na íntegra o texto da política. É perceptível que em alguns pontos os documentos e os dizeres do gestor da Anhanguera convergem, os textos institucionais revelam a preocupação acerca do acesso e da permanência no Ensino Superior e também apontam preocupação com a educação de qualidade. Ball (2013) aborda em seus estudos sobre os textos institucionais performativos, alertando que as instituições possuem certa necessidade em atender às exigências legais, pautadas no cumprimento de obrigações que serão auditadas e avaliadas. Sob esse aspecto, cabe analisar se os textos dos documentos institucionais e os dizeres dos gestores revelam a prática de inclusão no Ensino Superior ou são criados para atender às exigências da legislação na forma de apresentação apenas nos documentos como também as reais preocupações das instituições ao redigir os textos dos documentos oficiais e até que ponto esses textos revelam a prática pedagógica e a inclusão no Ensino Superior. A FATERN, faculdade mantida pelo Estácio de Sá, apresenta em seu PDI o seguinte texto: A FATERN tem como premissa criar na Instituição a cultura da educação para a convivência, implicando na aceitação da diversidade e buscando a quebra das barreiras arquitetônicas, educacionais e atitudinais. Assim os portadores de necessidades especiais têm espaço nos seus corpos discente, docente e técnico-administrativo. Neste sentido, a infraestrutura da FATERN está convenientemente adaptada aos conceitos mais modernos e seus recursos didáticos são adequados e suficientes, respeitando a legislação vigente. (PDI FATERN) 72 A partir desse excerto, é possível afirmar que, embora a IES manifeste preocupação com a aceitação da diversidade e quebra de barreiras atitudinais, arquitetônicas e educacionais, não aponta as ações que desenvolve para direcionar essa política. Há a afirmação de que está adequada e respeitando a legislação vigente, mas não identifica quais são os recursos e adaptações disponíveis. Dessa forma, a própria instituição avalia-se, afirmando que sua infraestrutura está convenientemente adaptada e seus recursos didáticos são adequados e suficientes. Não revela nem quantidades e nem especificidades dos equipamentos. Interpreta a legislação e julga o modo como oferta os recursos, de certa forma silenciando acerca de informações mais detalhadas que permitam ao leitor compreender esse processo. A própria nomenclatura portadores de necessidades especiais não atende à legislação que atualmente segue as recomendações da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), que define como público-alvo da educação especial as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Ball, Maguire e Braun (2013) salientam que as instituições podem analisar as políticas e produzir respostas, incorporando-as à documentação da própria escola, a fim de prestarem conta com exigências legais e não com efeitos pedagógicos. Os documentos legais do Ensino Superior no Brasil revelam a necessidade de instituições com o perfil voltado para a responsabilidade social, que levem em consideração as necessidades locais, respeitem e valorizem as diferenças. São várias as campanhas que buscam a educação para todos. Inclusive órgãos internacionais, de grande peso e influência nos negócios educacionais, como o Banco Mundial e a UNESCO, ditam as características que as instituições devem apresentar para garantir educação de qualidade. Diante dessa demanda de influência, na busca pela garantia da qualidade, pelo menos prevista nos documentos, as instituições, muitas vezes, acabam maquiando o texto. A esse processo, Ball (2013) desenvolve o conceito de fabricação, explicando que as instituições fabricam esse perfil para atender à política. Crucialmente, atos de fabricação e fabricações são incorporados em e são reproduzidos pelos sistemas de gravação e geração de relatórios na prática. Eles também funcionam para excluir outras coisas que não “cabem” naquilo que se intenciona representar ou englobar (BALL, 2013, p. 225)19. 19 Tradução nossa de: “Crucially, acts of fabrication and the fabrications themselves become embedded in and are reproduced by systems of recording and reporting on practice. They also work to exclude other things which do not ‘fit’ into what is intended to be represented or conveyed” (BALL, 2013, p.225). 73 O autor sinaliza que os textos são reveladores das melhores práticas e preocupações. São representações muitas vezes sofisticadas, que servem para melhorar os ambientes competitivos, uma fabricação da imagem da instituição por meio dos textos que são desenvolvidos e apresentados tanto para atender às auditorias como para conquistar o mercado. Outro texto da Estácio Participações, agora do PDI da Faculdade Estácio de Belo Horizonte (FESBH), justifica a importância de se pensar a inclusão na IES por meio da legislação. Vários documentos têm anunciado o direito de todos terem direito. No plano internacional, a declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no seu artigo 7°, preconiza: “Todos são iguais perante a Lei. Todos têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação...”. (grifo nosso) Do ponto de vista nacional, a Constituição Federal Brasileira (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) estabelecem que a educação é um direito público subjetivo, garantindo atendimento especializado aos alunos com necessidades educacionais especiais. (PDI FESBH) O texto trata da inclusão a partir da legislação e com foco no direito de igualdade e atendimento especializado para alunos com necessidades educacionais especiais. Constatou-se no texto inicial do documento uma escrita ainda discreta envolvendo as questões de inclusão. A instituição cita a Declaração dos Direitos Humanos e da LDB, contudo, não aponta a concepção de inclusão da IES e também não especifica quais são os alunos com necessidades especiais. Com a análise desses dois excertos pertencentes aos PDIs de duas instituições da Estácio Participações, verificou-se que as nomenclaturas utilizadas por ambas não convergem. É possível identificar também que a legislação citada poderia estar respaldada pelos demais documentos oficiais existentes, já citados e analisados no capítulo anterior desta tese. É perceptível, nos textos institucionais, a falta de clareza das políticas e dos documentos específicos que envolvem as políticas de inclusão. Estão pautados nos principais documentos da política, mas dificilmente citam as especificidades. As instituições buscam e fabricam uma imagem de acordo com as solicitações apontadas nos principais documentos, uma imagem de instituição democrática, inclusiva e 74 responsável. Uma imagem, segundo Ball (2013), muitas vezes, fabricada e organizada para atender às exigências legais e baseadas nos textos de maior repercussão. Segundo o PDI da Faculdade Estácio de Campo Grande (FESCG): A tendência mundial é facilitar o deslocamento espacial dos indivíduos portadores de necessidades físicas, o que em última análise é facilitar a interação dessas pessoas na sociedade. (PDI FESCG) Esse pequeno texto que se refere à política de educação inclusiva no documento institucional manifesta preocupação com indivíduos portadores de necessidades físicas. Novamente há equívocos com a nomenclatura, não há concepção de educação inclusiva e o público fica evidentemente limitado. Já a Faculdade Estácio do Ceará: [...] entende que a educação para a cidadania diz respeito a uma proposta educacional inserida em um projeto de transformação social. Para tanto, a Instituição deverá estar organizada como um espaço democrático onde deve prevalecer o diálogo e o questionamento crítico, baseados no conceito de homem, educação, sociedade e mundo que queremos construir. A possível diversidade do corpo discente exige pensar esta aprendizagem de forma inclusiva. Cumpre destacar que na última década foram inúmeras as modificações na produção de conhecimentos científicos, das mais diferentes áreas, que dizem respeito a compreensão das possibilidades humanas, as mudanças de legislação que foram sendo produzidas a partir dos movimentos da cidadania para a conquista de direitos sociais, dentre eles, o da educação para todos, referência para as políticas de educação inclusiva. Neste sentido, ganham destaque a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, a LDB, que nos seus fundamentos, explicitam que o acesso à educação deve ser um direito garantido a todos. (PDI FASE CEARÁ) O documento assinala uma reflexão acerca das transformações sociais e da busca pelo direito de igualdade. Novamente, como no PDI da FESBH, relaciona essas modificações com a Constituição Federal e com a LDB, acrescentando o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. A reprodução dos textos dos documentos indica uma forma da instituição demonstrar sua preocupação com os textos da política. No entanto, o que chama a atenção nos documentos da Estácio Participações é a relação entre as datas dos 75 documentos, ou seja, são PDIs atualizados e que estão em vigência, mas apresentam textos relativos à política de educação inclusiva pautados em legislação que já foram repensadas e aperfeiçoadas por meio de novos decretos e portarias do Ministério da Educação. Nenhum dos documentos cita a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e nem o Decreto nº 7.611/11, muito menos as especificidades dos documentos regulatórios para o Ensino Superior, como o Instrumento de Avaliação dos Cursos de Graduação e o Referencial de Qualidade para a EAD, por exemplo. O que se pode perceber também nos dizeres de um gestor da IES que assim se manifesta: A minha concepção vem ao encontro do que a IES também defende, e desempenha, que é o respeito a todos os alunos, não somente aos portadores de necessidades especiais, mas para eles um tratamento diferenciado, mais cuidadoso, ainda mais que eles exigem certos atendimentos um pouco mais dedicados eu diria desta forma. (Gestor B) E complementa sobre os documentos: Sim, tem inúmeras resoluções, a constituição de 88, o ECA, LDB, então são resoluções e leis que a gente se apoia para escrever PDI, PPD então sempre tem que conhecer para dar o atendimento e todo suporte que esses alunos necessitam desde a sinalização até o atendimento especial. (Gestor B) Os dizeres do gestor convergem com os pontos analisados nos documentos, ou seja, também apontam documentos mais antigos e não mencionam os atuais, a nomenclatura utilizada também não é atual e a concepção que parte do respeito a todos fala de “tratamento diferenciado e cuidadoso”. Tais afirmações revelam uma concepção ainda pautada na visão da educação especial como forma de diferenciação e cuidado. Uma visão assistencialista pautada no modelo médico. De acordo como o Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do SINAES (BRASIL, 2013), faz-se necessário compreender a inclusão no Ensino Superior como direito de todos, como garantia de acesso. Em nenhum momento o documento revela a concepção de educação especial ou de 76 atendimento diferenciado e sim dos meios de acessibilidade, quais sejam: acessibilidade atitudinal, arquitetônica, metodológica, programática, instrumental, digital, nos transportes e nas comunicações. Em relação à Kroton Educacional, dois textos estão direcionados para as políticas de inclusão para a EAD, um relativo ao PDI da UNASSELVI20 e outro ao PDI da UNOPAR. Essas duas instituições, no momento da escrita desta tese, encontram-se em período de integração, o que justifica a presença de documentos diferentes e específicos. Os princípios ético-políticos que embasam o planejamento e as ações institucionais refletem-se nos valores e atitudes da comunidade acadêmica, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, nas relações entre as pessoas e destas com o conhecimento. Esses princípios, entre outros são: o respeito ao ser humano, entendo-o como cidadão integrante da sociedade, portador de direitos e deveres; o respeito às diversidades de pensamento e ideologias, como possibilidades de crescimento individual e social; (PDI UNOPAR, 2013) O texto do PDI aborda de forma ampla o respeito ao ser humano, à diversidade e ao aluno como cidadão de direitos e deveres. Neste contexto, observa-se uma concepção que aceita a diversidade, contudo ainda não sinaliza de que diversidade está tratando. Salienta-se com esse apontamento que a expressão diversidade vai muito além do público-alvo da educação especial, assim entende-se que a IES foca seus princípios e concepção pensando em todos os públicos. Parece um texto coerente que converge com a concepção de inclusão de forma transversal. Revela a relação entre as pessoas da comunidade acadêmica e dessas com o conhecimento. Percebe-se que não se trata de uma repetição da política tão pouco mera preocupação com estrutura física. Para o gestor da IES: A minha concepção e também a da instituição é a do direito de igualdade, do direito ao acesso e ao convívio com a diversidade. Acredito na capacidade das pessoas e que as dificuldades podem ser superadas via adaptações e flexibilidade no momento de oferecer os nossos produtos, neste caso, o ensino superior. (Gestor C) 20 Utilizou-se nesta tese os dados documentais da UNIASSELVI, contudo enfatizou-se os dados da UNOPAR, tendo em vista a determinação do CADE da venda da UNIASSELVI para aprovação da fusão da Kroton com a Anhanguera. 77 Notadamente, percebe-se que o discurso acerca da diversidade se repete, contudo o gestor sinaliza para o direito de igualdade, para a acessibilidade, flexibilidade, para a capacidade das pessoas e a superação das dificuldades. Esse discurso também revela conhecimento do processo de inclusão como direito de igualdade ao citar a flexibilidade, as adaptações e o acesso, mesmo apontando uma visão mercadológica, proeminente nas IES particulares. A inclusão no Ensino Superior atende aos princípios constitucionais, valorizando a diversidade sem excluir alguma pessoa, principalmente as que estão em situação de vulnerabilidade (BRASIL, 2013). Ainda como princípio da inclusão, defende-se a garantia de acesso e a igualdade de oportunidades, valorizando as potencialidades e não enfatizando as dificuldades. Sobre os documentos que norteiam a inclusão no Ensino Superior o gestor assim se manifesta: Embora seja uma área muito abrangente, sim, conheço as políticas que norteiam o Ensino Superior e a educação a distância, por exemplo: a LDB, os Referenciais da EAD, o instrumento de avaliação para os cursos de graduação, os decretos e portarias específicos, a Política Nacional de Inclusão e os Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior do INEP. Sei que alguns dos documentos não são específicos para o Ensino Superior, são mais abrangentes e outros também tratam do Ensino Superior ofertado nas federais. (Gestor C) Concorda-se com o gestor quando afirma que a área da educação especial possui uma legislação/documentação abrangente, pois apenas os Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior citam uma relação de dezenove dispositivos normativos entre leis, portarias e decretos voltados para a inclusão nesse nível de ensino. Tais dizeres também convergem com a análise realizada no capítulo anterior, que revela as especificidades e “brechas” encontradas nos documentos nacionais. Ao questionar o gestor sobre o conhecimento acerca dessas leis, ele assim se manifesta: 78 Conheço porque constantemente passamos por processos avaliativos e porque quando o NUEEI iniciou a discussão, foi apresentando toda a legislação que norteia a inclusão, mas essa discussão não parou por aí. Constantemente, para cada processo e solicitação encaminhados por professores e alunos, também buscamos a legislação para verificar exatamente quais são os recursos previstos e qual a melhor estratégia para atender a esse público. A discussão não fica restrita ao núcleo. O profissional responsável sempre dialoga com os envolvidos e acho que assim vamos ampliando o conhecimento. (Gestor C) O gestor deixa claro que existe uma preocupação em atender às exigências nos processos avaliativos, como também que o núcleo de acessibilidade da IES está estruturado com base na legislação e não se caracteriza como um setor isolado, pois dialoga com os envolvidos, o que me permite dizer que amplia o olhar e as ações para a inclusão do público-alvo da educação especial nessa IES. Existe sim a preocupação com os processos regulatórios, contudo, os dizeres do gestor revelam o modo de interpretar a política. Essa “interpretação é instanciada e elaborada em reuniões, briefings pessoais, grupos de funcionamento que identificam pessoas responsáveis (política de pessoas). Em alguns casos, responsabilizar alguém por uma política é como a implementação da política e é a personificação” (BALL, 2012, p. 44)21. Com base em Ball (2012), afirmase que a interpretação é o compromisso com a linguagem da política. São momentos de recontextualização, de articulação entre os textos que estão prescritos nas leis e decretos e a produção dos textos institucionais que em seguida serão traduzidos e nortearão o contexto da prática. Notadamente, os documentos das instituições citadas não mencionam o processo de aprendizagem desses acadêmicos nesse nível de ensino e suas necessidades. O que se percebe é o início de uma trajetória que busca discutir a inclusão nesse nível de ensino, mas que demonstra de forma discreta a concepção de educação inclusiva e de forma clara a preocupação com os processos regulatórios. Karagiannis, Stainback e Stainback (2006, p. 21) salientam que “o ensino inclusivo é prática de inclusão de todos – independente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras, 21 Tradução nossa do original: “Interpretation are instantiated and elaborated in (SLT) meetings, staff briefings, workings groups and by identifying responsible person (people policy). In some cases making someone responsible for a policy is the enactment of policy and is embodiment” (BALL, 2012, p. 44). 79 onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”. Dessa forma e ainda em consonância com os autores, entende-se que a inclusão é a oportunidade do convívio com as diferenças e a oportunidade de preparação para a vida social e profissional. A relação entre os dados dos documentos e os dizeres dos gestores revela inicialmente que embora em alguns pontos se identifica certa convergência, em outros, os discursos parecem estar desatualizados e além daquilo que está documentado nos textos institucionais. Ao questionar os gestores sobre o modo como se constroem as políticas e as relações com os documentos da instituição, o gestor A revela: É realmente o PDI é muito amplo, ele fala que vai atender às diferenças, mas não chega nos detalhes absolutos que hoje a gente tem. Vou até te contar uma coisa que é muito interessante você colocar, nós temos por exemplo como norma tanto na EAD como no presencial o seguinte: identificado o menino no vestibular, ele se identifica se tem alguma necessidade especial, já no vestibular ele pode ter um ledor, um intérprete de libras, enfim o que ele tiver necessidade. A partir daí, se ele passar no vestibular e fizer a matrícula, vai para este setor que providencia para aquela unidade ou para aquele polo tudo que esse menino vai precisar. Para o deficiente visual os softwares que eles utilizam que transformam todas as aulas, colocam libras, colocam na transmissão, se tem num curso, não importa se o curso é lá no Rio Grande do Sul em um polo tem um deficiente em Logística, as aulas são transmitidas com intérprete. Existe uma série de documentos. (Gestor A) Para o Gestor da Anhanguera, o PDI é um documento muito amplo e não aprofunda as especificidades do atendimento oferecido a esse público. Ele cita e inclusive relata casos de alunos para exemplificar dados que o documento não revela. A fala deixa claro o modo como a IES traduz a política e que estratégias adota para identificar o aluno caracterizado como público-alvo da educação especial desde o processo seletivo, bem como os próximos passos caso seja aprovado. Assim, cita a LIBRAS para os alunos surdos, os softwares leitores de tela e ledores para os alunos cegos. Evidencia o processo de encaminhamento para que a equipe responsável garanta os meios de acessibilidade necessários. 80 Já o Gestor da Estácio menciona apenas alguns dos documentos que citam as políticas: Que citam? PDI e PPC, projeto Pedagógico do Curso. Que eu me lembro agora né. O PPC. Eu sou gestora aqui no Polo, são muitos cursos e esses alunos que nós temos hoje estão no presencial e fazem disciplinas on-line da EAD. (Gestor B) Como gestor de uma unidade específica, apresenta pouco conhecimento acerca dos documentos institucionais, cita o PPC e o PDI, contudo revela dúvida em sua fala, “que eu me lembro agora ...”. Percebe-se que essa dúvida se concretiza nos momentos de evidenciar a prática. Não fica claro nem o que está previsto nos documentos, nem o modo como se traduz na prática. Ele justifica que são muitos cursos e que os alunos caracterizados como público-alvo da educação especial matriculados na unidade cursam a metodologia presencial e fazem disciplinas on-line. Cabe atentar que as políticas de inclusão, assim como qualquer outra política institucional quando implementada, deve fazer parte do discurso e da prática dos gestores indiferente de ter ou não alunos matriculados naquele momento. Quando se fala em deficiência, entendese que pode ser uma deficiência de nascença ou adquirida, desenvolvida. Pode ocorrer com alunos e também funcionários. Quando a concepção de inclusão revela preocupação e atendimento diferenciado, como o gestor manifestou em seus dizeres anteriormente, essa visão também deve estar nas relações entre a prática e os documentos. Para o Gestor da Kroton, foi importante citar que os documentos são atualizados e que as políticas de inclusão são contempladas no item que trata do atendimento ao estudante. Os documentos institucionais são atualizados constantemente, essas políticas normalmente são citadas nos itens que tratam da regulamentação e principalmente no atendimento ao estudante. (Gestor C) Entende-se que os documentos são atualizados tendo em vista os diversos processos institucionais que ocorrem constantemente. O PDI é um documento abrangente e entre um dos itens que deve ser contemplado se encontra o atendimento 81 ao estudante. Esse item também se encontra como indicador nos processos de avaliação de cursos, contudo o próprio instrumento sinaliza como indicador o “apoio ao discente” (BRASIL, 2013). Nesse indicador sinaliza como atendimento de excelência: Quando o apoio ao discente previsto/implantado contempla, de maneira excelente, os programas de apoio extraclasse e psicopedagógico, de atividades de nivelamento e extracurriculares não computadas como atividades complementares e de participação em centros acadêmicos e em intercâmbios (BRASIL, 2013, p. 6). Percebe-se que o próprio instrumento de avaliação não contempla no item Apoio ao Discente o atendimento ao público-alvo da educação especial. O indicador exige o apoio extraclasse e psicopedagógico bem como as atividades de nivelamento, contudo, o instrumento não prevê o atendimento educacional especializado e tampouco a provisão de núcleos de acessibilidade. Pode-se entender que o público-alvo da educação especial está contemplado no atendimento ao discente e que existem normativas específicas que orientam esse atendimento, mas pode-se considerar que se trata de um exemplo de texto que, de acordo com Ball (2012), oferece possibilidades para interpretação, que envolve conclusões e coproduções de textos. O que se avalia dentro desse instrumento e que converge com as políticas de inclusão, é a oferta de LIBRAS e o cumprimento dos Decretos nº 5.296/2004, nº 5.626/2005, nº 6.949/2009, nº 7.611/2011 e da Portaria nº 3.284/2003 e mais recentemente, a Lei nº 12.764/2012 que trata da proteção dos direitos da pessoa com transtorno e espectro autista, como requisitos legais e normativos. O que se percebe é que o próprio instrumento de avaliação dos cursos superiores não acompanha as atualizações legais relacionadas aos processos de inclusão no Ensino Superior e que, de certa forma, revela os interesses de grupos específicos ao tratar das exigências de forma isolada, como na última Lei citada, nº 12.764/2012. As pessoas com transtorno global do desenvolvimento já são consideradas como público-alvo da educação especial, entretanto os instrumentos de avaliação deixam de focar a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e acabam revelando os grupos de interesse que influenciam as políticas. Ball (2012, p. 37) sinaliza para o fato de se focar políticas de forma analítica e esquecer que outras estão em circulação e que “o estabelecimento de uma pode inibir, contradizer ou influenciar a possibilidade de fixação de outras”. Esse é um risco que se percebe ao analisar as políticas de inclusão, principalmente devido ao grande número de 82 documentos específicos. Dessa forma, um documento relativo à educação especial pode apresentar orientações que nem sempre convergem com os demais. Considera-se isso um risco, principalmente quando a IES desconhece a gama de documentos que tratam da educação especial. Os decretos citados (nº 5.296/2004 e nº 5.626/2005), bases das avaliações do SINAES, são documentos anteriores à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, assim apresentam nomenclaturas e especificidades que foram discutidas e aprofundadas posteriormente. Os dois decretos tratam do público com deficiência, enquanto a política inclui as pessoas com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Assim, a reflexão toma como base os documentos institucionais que apresentam textos fiéis a esses decretos e acabam revelando a falta de conhecimento das demais políticas que estão em circulação. O processo de interpretação das políticas pelas IES depende, inicialmente, da concepção de inclusão. A análise dos documentos citados permite afirmar que as instituições possuem uma concepção colada ao texto da política, uma quase repetição de conceitos que se vinculam à lei. Um ou outro depoimento revela uma abertura a uma visão acadêmica, humanista, de garantia de direitos, mas, no geral, principalmente nos textos do PDI, o processo de fabricação de uma instituição idealizada se mantém. Notase um texto que parece estar organizado para atender às exigências legais documentais, tornando-se uma vitrine, que está incompleta e converge parcialmente com os documentos legais analisados no capítulo anterior. No entanto, atenta-se para a importância da elaboração desses textos. Quando os gestores foram questionados sobre quem são as pessoas responsáveis por essa elaboração, para o Gestor da Anhanguera, é o núcleo de inclusão: Existe um Núcleo que estabelece uma série de Diretrizes que facilitou a todos nós. (Gestor A) O Gestor da Kroton sinaliza: 83 Hoje, as propostas de ações são pensadas pelo NUEEI e discutidas com as diretorias envolvidas. Após as discussões e aprovação das ações o próprio núcleo organiza os textos necessários para a inserção nos documentos e normalmente esses textos são validados pela Diretoria de Desenvolvimento Institucional. Mas eu sei que o Núcleo está nesta fase de elaboração dos textos e consolidação das ações. Primeiro criamos o núcleo, colocamos as ações em prática e agora estamos elaborando os textos para os documentos. Nosso PDI, por exemplo, ainda não cita o NUEEI. (Gestor C) Os dizeres do gestor convergem com a análise de que as práticas parecem interpretadas antes de serem registradas e consolidadas nos documentos institucionais. De acordo com esse gestor, o Núcleo de Educação Especial Inclusiva (NUEEI) é responsável por pensar os textos oficiais da instituição, discutir com as diretorias e encaminhar para aprovação da Diretoria de Desenvolvimento Institucional. Ele afirma que as ações estão em fase de implementação e que o PDI ainda não contempla as políticas desenvolvidas pelo núcleo. Essa elaboração e discussão do texto, citada pelo Gestor da Kroton, permite dialogar sobre a relação simbólica entre o contexto da prática e da produção de texto sinalizado por Mainardes (2006). O autor, com base nos estudos de Ball e Bowe, chama atenção para as disputas e acordos de grupos que atuam em lugares na produção dos textos. Para Ball e Bowe (1992), é no contexto da prática que a política passa por interpretações e recriações e onde se produz as transformações a partir das políticas. O Gestor da Estácio afirma que a elaboração do texto da Política é organizada pelo: [...] grupo do núcleo, o NDE, composto pelos professores juntamente com a coordenação. (Gestor B) O Gestor da Estácio anteriormente revelou pouco conhecimento sobre a formação dos profissionais do núcleo, citando, apenas, e ainda com certa dúvida, um profissional da área da Psicologia. No entanto, seu discurso mostra que existe uma preocupação em discutir os documentos entre os profissionais do núcleo, o NDE e a 84 coordenação. É a primeira fala que atenta para a participação do NDE na interpretação da política. Entretanto, a análise dos documentos e dos dizeres dos gestores, verifica-se que as duas instituições mantém núcleos de acessibilidade, no caso da Anhanguera e da Kroton, e a Estácio mantém o núcleo de apoio pedagógico na Estácio. Percebe-se que esses núcleos participam com voz ativa na elaboração dos textos das políticas que envolvem a inclusão do público-alvo da educação especial no Ensino Superior. Cabe atentar para o fato dos núcleos serem constituídos por profissionais da área da educação especial e não apresentarem uma concepção de inclusão clara nos documentos e sim uma concepção fabricada, tomando como base os documentos da legislação. A importância da concepção de inclusão vai ao encontro da abordagem de Booth e Mel (2002) quando defendem que as instituições devem criar uma cultura inclusiva. Inclusão envolve mudanças. É um processo infindável de aumento da aprendizagem e da participação de todos os estudantes. É um ideal a ser aspirado pelas escolas, mas que nunca é totalmente alcançado. Mas a inclusão começa tão logo o processo de aumento da participação seja iniciado. Uma escola inclusiva é aquela que está em movimento (BOOTH; MEL, 2002, p. 7). Trata-se da construção da identidade inclusiva da instituição que está além de aspectos individuais ou voltados para grupos específicos. Desenvolver uma cultura inclusiva parte do princípio de igualdade e de oportunidades. Figura 13: Inclusão para Booth e Mel O capítulo IV, aborda o atendimento oferecido por esses Núcleos. Fonte: Booth e Mel (2002, p. 7). 85 A figura apresenta a concepção dos autores a respeito da inclusão. Alerta para a importância de olhar para a diversidade, para a participação e para a aprendizagem. No estudo apresentado no documento “Index para a Inclusão” (BOOTH; MEL, 2002), eles sinalizam três dimensões necessárias para a o desenvolvimento da inclusão dentro das escolas: Produção de Políticas Inclusivas Desenvolvimento de Práticas Inclusivas Criação de Culturas Inclusivas Nesse sentido, alertam que criar uma cultura inclusiva requer atenção, pois embora normalmente essa dimensão receba pouca atenção, é a base para o enriquecimento ou enfraquecimento dos processos de aprendizagem. “Elas são o coração do aprimoramento da escola e o desenvolvimento de valores inclusivos compartilhados e de relações de colaboração pode levar a mudanças nas outras dimensões” (BOOTH; MEL, 2002, p. 11-12). Figura 14: Dimensões para a inclusão Fonte: Booth e Mel (2002, p. 11-12) 86 As três dimensões que os autores defendem partem do princípio da igualdade e da construção colaborativa de ambientes realmente inclusivos. Entende a construção de valores com toda comunidade escolar, o que, consequentemente, contribui com o a produção de políticas inclusivas. Considera-se fundamental a concepção de inclusão para o desenvolvimento dessas políticas. A análise dos documentos e dos dizeres dos gestores das IES pesquisadas nesta tese não deixou clara esta concepção. Dessa forma, defende-se que as políticas e práticas de inclusão são pautadas na cultura inclusiva das instituições e quando essa cultura não está concretizada, as iniciativas refletem-se fragmentadas. 87 CAPÍTULO IV PRÁTICAS DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR: A TRADUÇÃO DA POLÍTICA PELAS IES E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO 1 O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO O Atendimento Educacional Especializado (AEE) está devidamente regulamentado pela Constituição Federal, artigo 208 (BRASIL, 1988, p. 42-43): “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] III atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino [...]”. Além da Constituição Federal, a LDB, em seu artigo 58, aborda o AEE (BRASIL, 1996b, p. 21): § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial e § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. O texto da Constituição Federal deixa margem para interpretações no momento que usa a palavra preferencialmente. Tal discussão já foi apresentada no documento “O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular” publicado pelo MEC em 2004, que explica que esse é um advérbio utilizado para referenciar o atendimento educacional especializado (AEE) que deve ser diferente do ensino regular para atender às especificidades dos alunos com deficiência. “O atendimento educacional especializado deve estar disponível em todos os níveis de ensino escolar, de preferência nas escolas comuns da rede regular22” (BRASIL, 2004, p. 8). 22 O significado do termo regular é encontrado no Parecer CNE/CEB nº 11/00 (p. 132, das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos): Vale lembrar que o conceito de regular é polivalente e pode se prestar a ambiguidades. Regular é, em primeiro lugar, o que está sub lege, isto é, sob o estabelecido em uma ordem jurídica e conforme a mesma. Mas a linguagem cotidiana o expressa no sentido de caminho mais comum. Seu antônimo é irregular e pode ser compreendido como ilegal ou também como descontínuo. Mas, em termos jurídico-educacionais, regular tem como oposto o termo livre. Nesse caso, livres são os estabelecimentos que oferecem educação ou ensino fora da Lei de Diretrizes e Bases. É o caso, por exemplo, de escolas de língua estrangeira (BRASIL, 2004, p. 8). 88 Além desses, temos documentos mais recentes que abordam a temática do AEE e a falta desse atendimento no Ensino Superior, como é o caso do documento Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (BRASIL, 2013, p. 13): [...] no caso de pessoas que necessitam de atendimento especial na educação superior, esse direito nem sempre tem sido respeitado. Esses estudantes, por apresentarem uma maneira peculiar de lidar com o saber ou necessitarem de recursos adicionais para viabilizar seus processos de participação e aprendizagem nos espaços educacionais, desafiam o sistema de ensino em todos os níveis e modalidades a rever profundamente suas práticas e as bases conceituais que estão subjacentes às mesmas. O AEE no Ensino Superior23 vai exigir das instituições novas posturas e mudanças de paradigmas no modo de compreender as teorias educacionais. “As práticas educacionais inclusivas revelam que a inclusão educacional não é do interesse apenas dos estudantes que demandam atendimento educacional especializado” (BRASIL, 2013, p. 13). Para atender às novas exigências legais para a avalição dos cursos de graduação, as instituições se organizam em busca da acessibilidade. Contudo, essa discussão ainda se manifesta de forma discreta nos documentos das instituições, que, muitas vezes, repetem as informações prescritas nos documentos legais de forma ampla e pouco específica. Já nos discursos dos gestores, percebe-se que o contexto da prática vai além do contexto da produção de texto. Arrisca-se dizer que as ações que serão descritas no decorrer desta tese revelam uma prática que busca a inclusão do público-alvo da educação especial no Ensino Superior, mas que ainda necessita de espaço e registros na documentação apresentada. A Anhanguera Educacional, ao mencionar no PDI a responsabilidade social da instituição, aponta para um documento que complementa as informações citadas, o Relatório de Responsabilidade Social, que descreve um núcleo de acessibilidade (NAIA). Esse núcleo: 23 Sabe-se que os documentos que tratam do AEE, especificamente, não sinalizam de forma clara como esse deve ser organizado no Ensino Superior. Contudo, cita-se e utiliza-se nesta tese a nomenclatura com base nos Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do Sistema Nacional de Educação Superior (BRASIL, 2013). 89 [...] tem o objetivo de oferecer os recursos necessários para que os estudantes, em suas singularidades, construam a sua formação acadêmica com qualidade. Em 2012, o NAIA desenvolveu mais ações voltadas à inclusão do estudante com deficiência, na vida acadêmica, buscando assegurar o seu acesso e permanência no ensino superior. (Relatório de Responsabilidade Social Anhanguera, 2013) O PDI da UNIDERP (Anhanguera Educacional), apesar de apresentar um texto especificando os recursos disponibilizados para os alunos com necessidades especiais, não menciona o AEE. Já o seu Manual do Acadêmico apresenta um texto relativo à assessoria de inclusão: [...] responsável pela articulação de serviços de atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais e/ou sensorial do CEAD, visando ao pleno desenvolvimento acadêmico desses discentes. Como um aluno com Necessidades Educacionais Especiais deve proceder para ter acesso a tais serviços? São basicamente duas as providências a serem tomadas pelo aluno para começar a receber o atendimento diferenciado: • Informar, no ato da matrícula, se possui Necessidades Educacionais Especiais ou Sensoriais por meio de formulário próprio, disponibilizado pelo polo, que deve ser preenchido e encaminhado imediatamente ao Coordenador Acadêmico EAD do polo; • Entregar laudo médico aos cuidados do Coordenador Acadêmico EAD no polo, no qual conste, de forma clara e legível, qual o tipo de Necessidade Educacional Especial e/ou Sensorial, em no máximo sete dias úteis a partir da matrícula. (ANHANGUERA) Pode-se constatar, com a análise desse excerto, que existe um serviço de acompanhamento do aluno com necessidades especiais, mas ainda não é especificado o atendimento educacional especializado. Há a indicação do coordenador acadêmico EAD no polo, mas não apresenta referência ao profissional do AEE. Assim, não fica claro no documento como é realizado o acompanhamento e por quem é realizado. Contudo, o manual descreve os procedimentos de solicitação do atendimento desde a matrícula. Considera-se essa uma informação importante para que o público-alvo da educação especial compreenda que existe um acompanhamento. Sobre essa temática, o gestor da IES complementa: 90 Então o Núcleo de estrutura, faz as adequações tranquilamente toda a questão física para portadores de deficiência, físico, auditivo e aprimorando inclusive a própria exigência, até os nossos corrimões tem o Braille para que o aluno possa se identificar para qual bloco ele está indo, considerando que a nossa universidade é muito grande. (Gestor A) Os dizeres do gestor da Anhanguera convergem com os documentos ao sinalizar a existência de um núcleo de acessibilidade, contudo o discurso ainda manifesta preocupação e especial importância para a acessibilidade física. Percebe-se divergência entre a nomenclatura utilizada. O documento trata dos alunos com necessidades educacionais especiais e o gestor se refere aos portadores de deficiência, o que permite dizer que o conhecimento referente ao próprio público ao qual são destinadas as ações de inclusão ainda está fragilizado. Percebe-se que o gestor enfatiza alguns pontos específicos como a acessibilidade arquitetônica. Os dizeres revelam falta de conhecimento de ações mais abrangentes que envolvem um núcleo de acessibilidade, ações que revelam desde as adaptações mais simples até as mais complexas, técnicas e pedagógicas. Referente aos profissionais responsáveis pelo atendimento no núcleo de inclusão, o gestor relata que: Este núcleo é formado por várias pessoas, são todos professores de várias áreas, são professores voltados para a regulação do Ensino Superior. Agora os que trabalham com os portadores são todos assim, por exemplo o intérprete de Libras, tem que ter o curso. Tem que ser um professor de qualquer área, licenciatura pelo menos e ele precisa ter o curso de Libras que aqui, é dado pelo Centro de Atendimento ao Portador de Deficiência. Eles têm um curso específico, então é essa a exigência. O cuidador, o tutor, como neste caso do menino, a gente nem exigiu, por que foi a habilidade que ele teve durante o ensino médio com o aluno, quer dizer que ele é apenas um intérprete, quer dizer ele só transfere o que o menino diz pra ele. Então a qualificação é quase sempre com licenciados e o Núcleo tem pessoas de várias áreas todas muito voltadas para a questão da regulação. (Gestor A) O gestor revela preocupação com o regulatório e também com a formação específica para a atuação na tradução e interpretação em LIBRAS. Novamente o 91 discurso reforça a ideia de que o atendimento está voltado para atender à legislação. Revela também que a equipe do núcleo não é composta por profissionais da educação especial, o que pode justificar os equívocos apresentados no uso das nomenclaturas, por exemplo, e na ênfase da acessibilidade arquitetônica, já que a legislação por muito tempo reforçou essa exigência como prioritária. A formação do intérprete também não está clara. Ao afirmar que esse profissional tem o curso e que quase sempre é licenciado, o gestor revela que não existe uma exigência específica de formação para esse profissional além do conhecimento em LIBRAS. O discurso aponta fragilidade na formação das pessoas que prestam o atendimento educacional especializado, o que também justifica a repetição dos textos da política nos documentos da IES. Ball (apud MAINARDES, 2006, p. 54) explica, a partir de Foucault, que “na prática, os atores estão imersos numa variedade de discursos, mas alguns discursos são mais dominantes que outros. Política como texto e política como discurso são conceituações complementares”. O PDI da FATERN não apresenta texto sobre o atendimento educacional especializado. Ele aponta apenas que os recursos são adequados e atendem à legislação. Sobre a legislação, o documento cita a Lei nº 10.436, de 2002, e o Decreto nº 5.626, de 2005. Mais uma vez a legislação utilizada e abordada no documento institucional não converge com a legislação vigente, além de faltar as explicações sobre as especificidades da educação especial. O Gestor da Estácio sinaliza para o núcleo de apoio pedagógico, que segundo ele: Tem, tem sim, não é resolução, mas são portarias internas deste núcleo de apoio pedagógico que a gente chama de NAP. Então, tem uma coordenação e profissionais que auxiliam ela. A formação dela é bem específica e ela consegue fazer um trabalho bem bacana com esses alunos. (Gestor B) Os dizeres do Gestor da Estácio mencionam o núcleo de apoio pedagógico, que conta com uma coordenação com formação específica para o atendimento aos alunos. Ao questionar sobre essa formação, o gestor assinala: 92 É eu sei que tem da área da Psicologia também, é não lembro agora, sei que tem diversos professores. (Gestor B) O gestor não deixa claro qual é o profissional responsável pelo atendimento, contudo, a área da Psicologia fica evidente. As IES devem “articular com os gestores institucionais e professores para que o Projeto Pedagógico dos Cursos (PPC) e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) contemplem os pressupostos epistemológicos, filosóficos, legais e políticos da educação inclusiva” (BRASIL, 2013, p. 20). Além disso, precisam garantir o AEE por meio dos núcleos de acessibilidade e registrar as políticas nos documentos institucionais como o PDI e o Plano Pedagógico dos Cursos (PPC) (BRASIL, 2013). Das IES pesquisadas, a UNIDERP Anhanguera e a Kroton abordam em seus registros documentais o núcleo de acessibilidade. As demais, referem-se a projetos de inclusão, acompanhamento de alunos com deficiência ou projetos de apoio aos discentes. Segundo o texto do PDI da UNIASSELVI, a instituição conta com um: Programa de Inclusão do Núcleo de Educação a Distância que tem como objetivo garantir a acessibilidade a todos os acadêmicos com necessidades especiais, respeitando o seu direito de matrícula e permanência no Ensino Superior. (PDI UNIASSELVI) O PDI da UNOPAR, por sua vez, atenta para: [...] a necessidade de se estabelecerem políticas específicas para os portadores de necessidades especiais, a Universidade criou e implantou o Programa Permanente de Atendimento a Alunos com Necessidades Educativas Especiais – PROPAE. (PDI UNOPAR) A Universidade tem como política para a educação inclusiva garantir, por meio dos seus segmentos e unidades, condições adequadas para que o PROPAE possa desenvolver seus trabalhos com eficiência, possibilitando aos alunos com necessidades educativas especiais o desempenho de suas atividades acadêmicas, assegurando-lhes tranquilidade e a integração no ambiente universitário. (PDI UNOPAR) As duas instituições apresentam em seus PDIs projetos de implementação de políticas institucionais de educação inclusiva para o atendimento ao público-alvo da educação especial. Contudo, identificam-se divergências com a própria nomenclatura 93 utilizada pelas duas instituições. Enquanto a UNIASSELVI utiliza a nomenclatura acadêmicos com necessidades especiais, a UNOPAR utiliza no mesmo documento duas nomenclaturas diferentes: portadores de necessidades especiais e alunos com necessidades educativas especiais. Vale ressaltar que, segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), a nomenclatura utilizada é público-alvo da educação especial. A expressão “portadores de necessidades especiais” não é mais utilizada. Segundo Sassaki (2002, p. 1): No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo portador de deficiência (e suas flexões no feminino e no plural). Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guardachuva). O termo preferido passou a ser pessoa com deficiência. Tanto o termo “portadores de necessidades especiais” quanto a expressão “necessidades educativas especiais” foram substituídos por: [...] necessidades educacionais especiais. A palavra educativo significa algo que educa. Ora, necessidades não educam; elas são educacionais, ou seja, concernentes à educação. O termo necessidades educacionais especiais foi adotado pelo Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica (Resolução nº 2, de 11-9-01, com base no Parecer CNE/CEB nº 17/2001, homologado pelo MEC em 15-8-01) (SASSAKI, 2002, p. 1). Independente dos equívocos na nomenclatura utilizada, é possível averiguar a preocupação com o direito à matrícula, permanência, possibilidade de desenvolver as atividades acadêmicas e integração dos alunos público-alvo da educação especial no Ensino Superior, ou seja, as propostas apresentadas nos documentos das IES demonstram coerência e revelam conhecimento das necessidades desses alunos. É perceptível que a proposta de atendimento ao público-alvo da educação especial vai além da superação da acessibilidade física e revela preocupação com acessibilidade nas comunicações e atendimento ao aluno. Em relação à contratação de profissionais da área da educação especial para o AEE, a UNIASSELVI aponta em seu PDI: Contratação de intérpretes educacionais, disponibilização de apoio pedagógico com equipe especializada na adaptação de materiais e suporte pedagógico. (PDI UNIASSELVI) 94 Esse texto assinala a contratação de intérpretes educacionais. Tal contratação está regulamentada pela a Resolução nº12/2010 da instituição e se refere ao profissional do atendimento educacional especializado e não apenas ao intérprete de LIBRAS. O documento descreve que é preciso contratar um profissional para o atendimento aos alunos com necessidades especiais que apresente como requisito fluência em LIBRAS e certificado de aprovação no Pró-LIBRAS. Com a leitura do documento, constata-se que as atribuições desse profissional se misturam, uma vez que se trata do profissional do AEE, mas que preferencialmente atenda ao público de alunos surdos. Além da contratação do intérprete de LIBRAS, o texto, diferente das demais instituições, revela ações de adaptação de materiais. Sabe-se que, para a oferta da Educação a Distância, as instituições necessitam trabalhar com a elaboração e distribuição de materiais, e esse texto revela preocupação com adaptação, dessa forma o aluno também compreende que poderá contar com este recurso. A Resolução da IES cita a importância do apoio pedagógico e da equipe especializada, contudo há registro apenas da contratação dos intérpretes educacionais nos polos de apoio presencial. Já os dizeres do gestor da IES entrevistado revelam: A instituição até 2013 contava com um projeto chamado PROPAE (Programa Permanente de Atendimento a Alunos com Necessidades Educativas Especiais). No ano de 2014, foi criado o NUEEI (Núcleo de Educação Especial Inclusiva). Esse núcleo é gerenciado por um profissional da área da inclusão e atende a todas as unidades e polos da instituição. É um núcleo que iniciou o trabalho de acompanhamento dos alunos da educação especial, estudando as suas necessidades, e auxiliando os demais setores a garantirem o acesso para esses alunos. O atendimento é de responsabilidade do núcleo, que é gerenciado por uma pessoa com formação em educação com pesquisas e experiências na área da educação especial. (Gestor C) O discurso do gestor revela conhecimento sobre o histórico e a composição do núcleo ao discorrer sobre o modo como o projeto inicial de inclusão passou a núcleo de acessibilidade. Fala sobre o atendimento e a formação do responsável com conhecimento, o que revela participação nos processos ou uma comunicação alinhada. Pode-se entender que a tradução e interpretação das políticas de inclusão por parte da 95 IES são reveladas no discurso do gestor, nos documentos e no contexto da prática. Para apontar a interpretação dessa política nos documentos e complementar as informações prestadas, o Gestor da Kroton apresentou a Resolução VP Acadêmica nº 001/2014, que regulamenta o atendimento ao público-alvo da educação especial por meio do Núcleo de Educação Especial Inclusiva. A análise dos documentos da UNOPAR e da UNIASSELVI, os dizeres do gestor e a resolução apresentada permitem constatar que a instituição traduz e interpreta as ações por meio de um núcleo de acessibilidade, mas que ainda não atualizou tais dados no PDI. Tal como a UNIASSELVI, a FESCG e a FASE do Ceará apresentam no PDI um texto citando a contratação de profissionais especializados: Contratar professores e pessoal técnico para atender especificidades da inclusão escolar. (PDI FESCG) Dispor de intérpretes que auxiliem os alunos com deficiência auditiva nos seus trabalhos acadêmicos em sala de aula; [...]. (PDI FASE Ceará) Os textos apontam a contratação de profissionais específicos para o acompanhamento dos alunos caracterizados como público-alvo da educação especial, mas a formação e as atribuições desses acabam ficando “camufladas”. Ora entende-se que esse é um técnico para atender essas especificidades ora volta-se para a contratação do intérprete de LIBRAS. De acordo com a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), esse profissional deve apresentar conhecimentos específicos em LIBRAS, do sistema Braille e Sorobã, de orientação e mobilidade, atividades da vida diária, comunicação alternativa, programas de enriquecimento escolar, produção de materiais didáticos e pedagógicos, de recursos ópticos e não ópticos e tecnologia assistiva. Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial (BRASIL, 2008a, p. 11). 96 O perfil apresentado na política revela um profissional polivalente, com conhecimento em todas as especificidades da educação especial. Atualmente, os profissionais dessa área são formados nos cursos de Licenciatura em Educação Especial e nos cursos de Licenciatura em Letras-LIBRAS ou, então, formados em cursos de licenciaturas com pós-graduação na área da educação especial. Mesmo com essas recomendações, constata-se que as IES deixam claro em seus documentos e também nos discursos dos gestores quem é o profissional responsável pela interpretação de Libras, contudo nem todas as IES deixam claro qual profissional atenderá as demais especificidades da educação especial na realização do atendimento educacional especializado (AEE) e nem qual a formação exigida e suas funções. Como explicitado nos documentos e nos dizeres dos gestores da Anhanguera e da Estácio, os profissionais que atuam nos núcleos apresentam formação diferenciada. Na Anhanguera, formação voltada para o regulatório, e na Estácio, um profissional da Pedagogia. As duas IES procuram atender à legislação nos documentos institucionais, mas silenciam no momento de revelar qual profissional é responsável pelo atendimento educacional especializado e quais as competências da equipe responsável por esse atendimento. Os dados confirmam que a equipe não apresenta formação na área da educação especial como previsto na política. Na Kroton, os documentos e o relato do gestor sinalizam para uma equipe com formação na área, que busca dialogar com os demais setores pedagógicos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem acerca dos recursos necessários para garantir o acesso ao público-alvo da educação especial. Conforme Resolução CNE/CEB nº. 4/2009, o profissional responsável pelo AEE ofertado nas salas de recursos multifuncionais ou nos núcleos de acessibilidade deve ter formação inicial para docência com formação complementar em educação especial. Esse profissional é responsável por organizar o plano de AEE, as estratégias e recursos necessários para garantir o acesso ao público-alvo da educação especial, acompanhar a funcionalidade dos recursos, orientar professores, família e demais profissionais acerca da inclusão desse público. As três IES pesquisadas apresentaram preocupação com a formação do intérprete de LIBRAS para desenvolver o AEE e apenas a Kroton manifestou atenção com a formação específica dos profissionais do núcleo de acessibilidade. 97 1.1TIPOS DE APOIO E RECURSOS Vários são os apoios e recursos que devem ser disponibilizados para garantir a acessibilidade ao público-alvo da educação especial no Ensino Superior. Contudo, antes de citar e analisar os recursos disponibilizados pelas IES pesquisadas, parece importante sinalizar o modo como é organizado o atendimento aos alunos desde o processo seletivo até a solicitação dos recursos. Essas informações surgiram nos discursos dos gestores e nos documentos complementares disponibilizados. O Comunicado do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da Anhanguera (NAIA) 001/2014 enviado aos polos de apoio presencial indica que na matrícula de alunos caracterizados como público-alvo da educação especial os polos devem preencher um formulário de solicitação de recursos e encaminharem esse com o laudo do aluno para o NAIA (Comunicado NAIA 001/2014). O gestor da Anhanguera não citou em seus dizeres esse processo. Já o gestor da Kroton, sinalizou que: O Núcleo trabalha sob demanda. O polo identifica os alunos da educação especial e encaminha um questionário específico preenchido e assinado pelo aluno para o NUEEI. Com esse questionário e com o laudo, o núcleo avalia as necessidades e os recursos utilizados por cada aluno. Em seguida são enviadas orientações para o acompanhamento dos alunos e solicitado às demais diretorias o material adaptado. (Gestor C) Ainda complementando os dizeres do gestor, a resolução interna que regulamenta as ações do NUEEI apresenta o mesmo processo citado, processo esse também sinalizado pelo gestor da Estácio: Na sala de ingresso já é sinalizado. Nosso sistema ele acusa o momento de atendimento, ele já acusa que este aluno, já fica registrado no sistema que ele é portador de necessidade especial. (Gestor B) Observou-se que nas três instituições pesquisadas o processo de inclusão se inicia no processo seletivo por meio de sistema ou formulários que identificam o público-alvo da educação especial e a partir desses formulários o Atendimento 98 Educacional Especializado ou os recursos de acessibilidade são solicitados aos núcleos de acessibilidade, inclusão e apoio pedagógico. Esses formulários são caracterizados como mecanismos de autodeclaração. Isso faz com que sejam questionados os números apresentados nos indicadores nacionais da educação especial, pois nem sempre revelam o cenário atual e verdadeiro da inclusão nesse nível de ensino. Os gestores sinalizam para uma possibilidade de tradução da política de inclusão ao relatarem o processo de identificação dos alunos caracterizados como público-alvo da educação especial. O Gestor da Kroton fala do acompanhamento e as possibilidades de recursos para a efetivação da política, demonstrando, assim, de forma mais clara, o modo da IES interpretar e traduzir a política, nem sempre evidenciada pelos documentos oficiais, mas estruturada de acordo com a lei, de modo que marca a identidade da instituição e a diferencia das demais. A análise permitiu sintetizar o atendimento educacional especializado desde o momento em que os alunos caracterizados como público-alvo da educação especial realizam a inscrição para os processos seletivos até os meios de acessibilidade disponibilizados. Contudo, o que chama atenção até este momento da pesquisa é a inexistência das especificidades da modalidade EAD. Os documentos e os dizeres dos gestores permitem afirmar que as ações e concepções acerca da inclusão nas instituições não diferenciam o aluno da modalidade presencial e o aluno da EAD. Os recursos tecnológicos específicos da educação a distância não foram contemplados nos dados coletados. Assim, é possível desenhar o fluxo de atendimento educacional especializado das três instituições da seguinte forma: 99 Figura 15: Fluxograma de AEE – ANHANGUERA Fonte: Desenvolvido pela pesquisadora de acordo com dados da pesquisa 100 Figura 16: Fluxograma de AEE – ESTÁCIO Fonte: Desenvolvido pela pesquisadora de acordo com dados da pesquisa Os dois fluxogramas apresentam características comuns para o Atendimento Educacional Especializado (AEE). As instituições iniciam com a disponibilização de recursos para as provas dos processos seletivos, fazem o cadastro e a caracterização do público-alvo da educação especial via sistema e em seguida sugerem orientações para os 101 atores envolvidos. Revelam atendimento similares aos alunos com deficiência visual, física, auditiva e intelectual, contudo, a Anhanguera Educacional cita o Manual de Orientação e o uso de Tecnologias Assistivas . Figura 17: Fluxograma de AEE – KROTON Fonte: Desenvolvido pela pesquisadora de acordo com dados da pesquisa 102 Os fluxos apresentados revelam que o AEE inicia no momento de solicitação de adaptação de provas nos processos seletivos, seguido da identificação por meio de formulários específicos ou via sistema e comprovação da deficiência por laudo médico. As três instituições apresentam recursos de acessibilidade nos materiais e provas. Esses recursos são organizados para atender a alunos com deficiência visual, física e auditiva. Tratam-se de recursos como provas e materiais ampliados, em formato compatível com leitores de tela, disponibilização de intérprete de LIBRAS e ampliação de tempo. Para os alunos com deficiência visual e física, as IES disponibilizam adaptações nos espaços físicos. A Anhanguera e a Kroton também citam o uso de tecnologias assistivas. Essas adaptações são realizadas por núcleos de acessibilidade nas instituições Anhanguera e Kroton e pelo núcleo de apoio pedagógico na Estácio. O que se percebe é a ênfase para as deficiências sensoriais (visual, auditiva) e física e a inexistência de atendimento para os transtornos globais do desenvolvimento e as altas habilidades/superdotação. As adaptações de materiais não contemplam os ambientes virtuais de aprendizagem e as especificidades da modalidade EAD. Não revelam preocupação com ambientes virtuais de aprendizagem pautados no design universal acessível a todos os públicos, por exemplo. Esses ambientes acessíveis e responsivos contribuem para o desenvolvimento da aprendizagem de forma autônoma, uma das características da EAD. Ambientes acessíveis com materiais didáticos como vídeos, slides, textos e objetos de aprendizagem compatíveis com leitores e ampliadores de tela, que apresentam legenda, janela de LIBRAS e audiodescrição, permitem ao aluno avançar em seus estudos de forma independente, evita trabalhos manuais de adaptação de materiais e compreende os alunos como iguais. Parte do princípio de igualdade, respeitando as individualidades. 1.1.1 Apoio e recursos para o aluno com deficiência visual Nesta subseção, procurou-se identificar nos documentos institucionais e na fala dos gestores quais são as ações previstas pela IES para o apoio ao aluno com deficiência visual. De acordo com as orientações do Censo do Ensino Superior, essa especificidade do público-alvo da educação especial pode ser dividida entre baixa visão e cegueira. Os requisitos mínimos de acessibilidade para esse público são: 103 Sistema Braille, Sorobã, orientação e mobilidade, utilização de recursos ópticos e não ópticos, atividades de vida autônoma; software de ampliação de tela e de leitura de texto, com ampliação flexível em vários tamanhos e sem distorção, ajuste de cores, otimização de foco, ponteiro e cursos; entre outros (BRASIL, 2013, p. 17). Com base nesses requisitos, procurou-se identificar o modo como as IES traduzem e interpretam essas recomendações. O PDI da Anhanguera Educacional sinaliza que: Para os estudantes com deficiência visual é disponibilizado livro-texto em formato acessível (áudio livro), quando requisitado, além de arquivos de aulas que os alunos têm acesso. As avaliações são realizadas com a ajuda de um ledor. (PDI ANHANGUERA) A presença de um ledor em sala de aula converge com a contratação de profissionais para o atendimento educacional especializado prevista na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que aponta como possibilidades de profissionais o “instrutor, o tradutor, intérprete de LIBRAS e guiaintérprete, bem como monitor ou cuidador [...]” (BRASIL, 2008a, p. 8). A presença do ledor certamente auxiliará os alunos com deficiência visual a terem acesso ao conteúdo das disciplinas, contudo, a sua presença implicará disponibilidade de um espaço específico para a realização de provas, uma vez que a turma desse aluno estará participando do mesmo processo avaliativo. Ao aluno com baixa visão, a IES disponibiliza: [...] arquivos das aulas para que, por meio do computador, esses possam ampliar os textos para melhor visualização. As avaliações podem ser realizadas com a ajuda de um ledor ou ampliadas as fontes dos textos. O software Virtual Vision – leitor de telas que possibilita ao estudante com deficiência visual, acesso às obras digitalizadas e ao ambiente virtual na unidade. Este programa está instalado em um dos laboratórios de informática e na biblioteca. A bibliografia básica fundamental (PLT) que é disponibilizada ao estudante com deficiência visual, em formato acessível (digital ou áudio-livro), pela biblioteca que adquire as obras existentes no mercado, sendo outras digitalizadas pela Central de Bibliotecas da Anhanguera Educacional. (PDI ANHANGUERA) Diante desses dados, pode-se afirmar que a instituição atende às recomendações previstas nos documentos oficiais, mas ainda se pode indagar a permanência desse 104 público nos cursos de graduação. A IES, do ponto de vista inicial, procura garantir o acesso, mas não se manifesta sobre a permanência. Cabe lembrar que a educação a distância surgiu e foi legalmente regularizada como uma proposta para levar o Ensino Superior aos lugares mais distantes e isolados em busca da inclusão social e da educação para todos. Assim surge uma pergunta reflexiva: os recursos tecnológicos previstos como meio de acessibilidade para os acadêmicos chegam aos lugares mais distantes? Várias instituições utilizam a plataforma Moodle ou então plataformas específicas desenvolvidas para o ambiente virtual de aprendizagem (AVA), um dos principais recursos tecnológicos utilizados na EAD. Contudo, na maioria das vezes, esses ambientes não apresentam acessibilidade. Alguns recursos ainda se apresentam com um custo alto, o que acaba contribuindo para que a IES opte por adaptar materiais manualmente, sem explorar os recursos que a metodologia propicia. Silva, Bock, Beche e Goedert (2013) alertam para a necessidade de se pensar os ambientes virtuais de aprendizagem a partir do desenho universal. Frisam também que em alguns casos as plataformas são acessíveis e os conteúdos não. Sabe-se que as novas tecnologias ampliaram o leque de possibilidades e de acessibilidade para as pessoas com deficiência, principalmente as com deficiência visual. Entretanto, também fica a dúvida de como é a formação dos professores e dos próprios alunos para lidar com essas tecnologias. Todas essas inquietações remetem ao conceito de fabricação de Ball (2012), questionando como o contexto de influência e produção de textos se traduz na prática. Ao afirmar que disponibiliza um software específico instalado nos laboratórios, pode-se realizar a seguinte reflexão: o software utilizado pela instituição é pago, o que dificulta ainda mais a compreensão do aluno, que normalmente faz uso de gratuitos, assim se a IES disponibiliza em um laboratório específico, entende-se que ou o aluno acessa os materiais no laboratório ou busca recurso por conta própria para o acesso fora da instituição. Para complementar as informações relativas aos recursos disponibilizados para o aluno com deficiência visual, o Gestor da Anhanguera destaca: 105 Os recursos que nós utilizamos para o Deficiente Visual, eu vou citar: não sei se você conhece mas tem uma série de softwares, por exemplo temos um comunicado específico do Deficiente Visual. Ele tem o Software leitor de tela, ele tem o Dosvox, free do Núcleo de Computação da Federal do Rio de Janeiro. Ele tem o NVDA, é uma sigla é um leitor de tela gratuito de fonte aberta ele vem sendo desenvolvido há alguns anos. Ele tem o compartilhamento de arquivos sempre digitalizados e manipulados pelo NAIA, que é o nosso Núcleo. É disponibilizado no google Drive, as provas e materiais, slides, com fonte ampliada. Temos os comunicados que a gente faz e que o NAIA passa a cada ano com as novas informações para os diretores, bibliotecários, enfim, todos os envolvidos. (Gestor A) Percebe-se nos dizeres do Gestor da Anhanguera que muitas informações convergem com os documentos, principalmente as questões que tratam da disponibilização de livro-texto e softwares leitores de tela. No entanto, enquanto os documentos citam apenas um software pago, o gestor menciona os livres. Dessa forma, entende-se que esse pode ser um exemplo de falta de atualização de documentos, tendo em vista que no documento apresentado pelo próprio gestor, “orientações sobre inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior”, existe uma recomendação intitulada: dicas para relacionar-se e dicas de recursos para estudante com deficiência visual. Esse item do documento aborda desde a definição da deficiência até os recursos disponibilizados pela IES, como também orientações para o acompanhamento nas atividades acadêmicas aos profissionais que trabalham com esses alunos, sejam eles professores, tutores ou coordenadores. Assim como na política, na IES também se identifica uma diversidade de documentos, que nem sempre convergem, mas que se complementam. O documento “orientações sobre inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior” apresenta especificidades que completam a política proposta no PDI. Assim como na Anhanguera, também o Gestor da Kroton discorre sobre os recursos para os alunos com deficiência visual: 106 Organizamos adaptação de material de acordo com a necessidade dos alunos, como por exemplo a adaptação de material e provas para alunos cegos e com baixa visão, com fonte ampliada ou em formato PDF para utilização com leitores de tela. Quando acontece alguma necessidade no decorrer do semestre o polo entra em contato com o núcleo e recebe orientações por e-mail ou telefone. Essas orientações iniciam já no processo seletivo e continuam durante todo o curso. (Gestor C) Percebe-se que existe uma preocupação em disponibilizar os materiais em formato acessível, assim a IES organiza materiais e provas com fontes e formatos que permitem o acesso a esse público. Assim como o texto relativo aos requisitos de acessibilidade não deixa claro como esses recursos são utilizados na prática, isso também acontece na IES FASE Ceará, conforme apresentado a seguir: Em Relação aos portadores de deficiência visual: a) Caso seja solicitado manter sala de apoio equipado com computadores e impressoras braille, sistemas de síntese de voz, gravador, bem como assegurar ampliação de cópias de textos através de software e equipamentos de ampliação de imagem. b) Para o atendimento de alunos com visão subnormal se solicitado disponibilizar lupas, régua de leitura e scanner acoplado ao computador; c) Adotar um plano gradual de aquisição de acervo bibliográfico em braille de fitas sonoras para uso didático. (PDI FASE CEARÁ) Esses recursos são os previstos na Portaria nº 3.284 (BRASIL, 2003). Nesse caso, tem-se uma cópia fiel do texto, que permite questionar, por exemplo, a atualização dos recursos citados, como o acervo de fitas sonoras, uma vez que, com o uso das novas tecnologias, as adaptações em áudio já ultrapassaram as fitas sonoras, substituídas por áudio-livro, disponibilizados diretamente nos ambientes virtuais de aprendizagem. Outro importante aspecto a se analisar no texto diz respeito à expressão quando solicitado. Essa expressão converge com os textos da legislação que utilizam a palavra preferencialmente. Quando solicitado implica dizer que as IES não estão preparadas para receber o aluno com deficiência visual e que se esse solicitar o recurso será providenciado. Com isso, pergunta-se: se a legislação prevê núcleos de acessibilidade, como as IES podem se organizar quando solicitado? Já se tem conhecimento de que a demanda de matrículas do público-alvo da educação especial vem aumentando, 107 principalmente na Educação a Distância, e que os documentos apontam as políticas de inclusão, contudo as IES esperam que os alunos solicitem os recursos. Percebe-se que diante do contexto não há como ser diferente, pois, entre as três instituições pesquisadas, nenhuma oferta a EAD pautada nos princípios do design universal. Mesmo com a solicitação do aluno, pode-se questionar se a IES irá dispor de salas com computadores e impressora Braille acoplada. A realidade para manter esse tipo de equipamento vai além da disponibilidade de espaços físicos e recursos específicos para esse fim. Normalmente, as impressões em Braille são solicitadas a locais e fundações especializadas, pois é um equipamento que exige muitos recursos financeiros custosos e profissionais especializados. Sabe-se que esse equipamento auxilia e muito na adaptação de materiais para alunos cegos, contudo faz-se necessário analisar o contexto educacional e as possibilidades de recursos viáveis à IES e aos alunos. Esse pode ser um exemplo das armadilhas que surgem no momento em que os textos são replicados. Ball (2012) afirma que as instituições podem prestar atenção à política, fabricar respostas e incorporá-las à documentação institucional ao invés de mudar os efeitos e métodos pedagógicos, por exemplo. São os métodos pedagógicos que sugerem o modo como essas políticas se traduzem na prática. Os dizeres do Gestor da Estácio elucidam: Então assim, nosso campus é todo sinalizado e adequado para esses casos, assim nós temos dois alunos que são cadeirantes, então nos laboratórios as fileiras são mais largas, para que esse aluno possa transitar ali, e no caso do deficiente visual ele também consegue, porque é tudo identificado ele não tem dificuldades porque a gente utiliza o DOSVOX e braille. São tratamentos diferenciados, porque o deficiente visual, a gente tem as provas em Braille, as on-line a gente já consegue rodar junto com o DosVox, então são atendimento diferenciados. (Gestor B) O discurso do gestor reforça a preocupação com a acessibilidade física e afirma que o aluno não tem dificuldades, pois utilizam leitores de tela e Braille. Tal afirmação faz refletir se a disponibilização desses recursos faz com que os alunos não tenham dificuldades mesmo, pois o que acontece nos textos em que os leitores não dão conta, como por exemplo, imagens, gráficos, quadros e tabelas? Silva, Bock, Becke e Goedert (2003) orientam que todo conteúdo imagético seja descrito antes da inserção no 108 ambiente virtual de aprendizagem, garantindo acesso e igualdade. Nesse momento, há a necessidade de adaptação pedagógica e não apenas nas comunicações, na arquitetura e nas tecnologias. Assim, o acesso ao conteúdo visual para os deficientes visuais é um desafio em todos os níveis de ensino. O apoio ao aluno com deficiência visual, principalmente no Ensino Superior na EAD, requer uma série de adaptações que garantam a acessibilidade. Essa modalidade trabalha diretamente com a produção de materiais didáticos e uso de novas tecnologias por meio dos ambientes virtuais de aprendizagem, que exigem adaptações para propiciar a inclusão de todos os alunos. Não há como negar que a inclusão de pessoas cegas vem recebendo um grande impulso com os avanços das tecnologias da informação e comunicação - TIC. Como era o acesso a textos escritos há duas ou três décadas? O leitor imagina o tamanho de uma biblioteca para pessoas cegas? As obras escritas em Braille ocupam um volume aproximadamente três vezes maior do que livros escritos em tinta, o que dificulta a distribuição aos estudantes cegos. Pessoas cegas relatam que tiveram acesso a poucos livros e lamentam a péssima condição de leitura, uma vez que os pontos desse sistema tornam-se menos salientes com o uso prolongado (PIECZKOWSKI; NAUJORKS, 2012, p. 954). As orientações dos referenciais já citados apontam a importância das adaptações para a garantia da acessibilidade aos materiais e recursos pedagógicos, bem como aos espaços físicos das instituições. Na EAD, essas adaptações acontecem desde a ampliação de fonte dos materiais didáticos e provas até a aquisição de softwares de leitores e sintetizadores de voz. A descrição de imagens e audiodescrição nos vídeos das disciplinas e em teleaulas também fazem parte das novas tecnologias utilizadas para contribuir com o acesso aos conteúdos. Entretanto, esses recursos nem sempre são utilizados pelas instituições. Entre os documentos analisados, encontrou-se somente no Relatório de Responsabilidade Social da Anhanguera um texto especificando os recursos disponibilizados, conforme já apresentado. De modo geral, as IES disponibilizam materiais ampliados para alunos com baixa visão e materiais em formato acessível aos leitores de tela para alunos cegos, sendo que o Braille é pouco utilizado. 109 1.1.2 Apoio e recursos para o aluno com deficiência auditiva Inicialmente, todos os documentos analisados fazem alguma referência ao apoio ou acompanhamento a esse público específico e também ao Decreto nº 5.526/2005 (BRASIL, 2005b), que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e ao artigo 18 da Lei nº 10.098/2000. Dessa forma, o PDI da UNIDERP – Anhanguera assinala que: Para os estudantes com deficiência auditiva (surdez) são disponibilizados intérpretes da Língua Brasileira de Sinais – Libras, quando solicitado pelo estudante. Nas avaliações são considerados relevantes o conteúdo, a coerência e a sequência lógica das ideias, podendo ser disponibilizado o acesso ao dicionário e o intérprete, se necessário. (PDI ANHANGUERA) Além das informações sobre a disponibilização de intérpretes de LIBRAS, o texto do PDI também afirma que: [...] a disciplina Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS constitui disciplina optativa das matrizes curriculares dos cursos de graduação. (PDI ANHANGUERA) O gestor da IE ainda complementa: Então tem Libras que é automático, pra quem é deficiente auditivo. (Gestor A) Basicamente, os textos dos PDIs das IES apontam a contratação de intérpretes de LIBRAS e a oferta da disciplina como componente curricular optativo ou obrigatório, um texto que converge exatamente com o que preconiza o Decreto nº 5.526 (BRASIL, 2005b) já citado. O que não se percebe é a referência à formação dos profissionais envolvidos nesse processo, quais sejam: o intérprete de LIBRAS e o professor da disciplina de LIBRAS, ambos citados na legislação nacional. Sobre o apoio aos alunos com deficiência auditiva, a FESBH assim se manifesta: Dando continuidade às ações que favorecem a política para a educação inclusiva, a FESBH em atendimento ao Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005 incorporou à matriz curricular dos cursos de Licenciatura a disciplina LIBRAS. Paulatinamente esta disciplina foi estendida a outros cursos da Instituição, conforme previsto no Decreto acima citado. 110 Os procedimentos ora recomendados fazem parte do conjunto de ações necessárias à efetivação de uma Educação Inclusiva. Uma das tarefas junto aos alunos com necessidades educacionais especiais vem sendo a de criar um ambiente educacional que reconheça as suas possibilidades e suas limitações, garantindo, assim, a sua plena inclusão no ensino superior. (PDI FESBH) O texto da instituição permite alguns questionamentos, como, por exemplo: o que garante a plena inclusão no Ensino Superior? Por que a oferta da disciplina de LIBRAS é importante para que a inclusão se concretize? Qual o entendimento da IES sobre a importância de se ofertar tal disciplina? De acordo com o Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005b), a disciplina de LIBRAS deve ser inserida como obrigatória nos currículos dos cursos de formação de professores e fonoaudiologia e como optativa nos demais cursos. Essa recomendação busca a inclusão de alunos surdos, garantindo a LIBRAS como forma de comunicação e expressão, amparada pela Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002b). O decreto ainda aponta dados sobre a formação do professor dessa disciplina, como também apresenta as recomendações para a contratação do profissional que atenderá aos alunos como intérprete. Assim, o professor de LIBRAS deve apresentar formação em nível superior de Licenciatura em LIBRAS ou Licenciatura Letras/ LIBRAS, uma recomendação que pode preocupar as instituições, pois há a falta desses profissionais no mercado de trabalho. O documento traz a recomendação do professor com formação específica já no ano de 2005, mas são poucas as instituições que oferecem esses cursos de graduação. Diante dessa situação, como as IES podem garantir professores que atendam a essa recomendação? Os documentos institucionais citam a importância da contratação desses profissionais, contudo não mencionam a formação necessária para contratação de modo a garantir o atendimento dessa demanda. O Decreto faz menção às IES federais no capítulo IV, §1º, ao afirmar que (BRASIL, 2005b, p. 4): Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem: I – promover cursos de formação de professores para: a) O ensino e uso de Libras; b) A tradução e interpretação de Libras – Língua Portuguesa; e c) O ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas. 111 Essa recomendação específica para as IES federais também permite questionar o motivo pelo qual tal política diferencia a responsabilidade entre IES federais e privadas se no momento de avaliação da regularização ambas são investigadas da mesma forma. Se o Censo da Educação Superior revela maior concentração de matrículas do públicoalvo da educação especial nas IES privadas, as políticas nacionais não deveriam deixar “brechas” nos textos, que, certamente, direcionam as práticas dentro das instituições. Ao citar a formação do tradutor e intérprete de LIBRAS – Língua Portuguesa no capítulo V, o Decreto 5.626 (BRASIL, 2005b) orienta que a formação desse profissional pode ser realizada por meio de cursos de educação profissional, de extensão universitária ou de formação continuada. No artigo 19, o texto revela preocupação com a possível falta de profissionais na área nos dez anos seguintes a publicação do documento, direcionando o perfil dos profissionais a serem contratados pelas IES federais: I - profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior; II - profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental; III - profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos. (BRASIL, 2005b, p. 6) O documento apresenta a orientação para as IES federais, mas logo em seguida orienta, em parágrafo único, que também as IES privadas “buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva acesso à comunicação, à informação e à educação” (BRASIL, 2005b, p. 6). Dessa forma, questiona-se a elaboração do texto da política, uma vez que não está clara e revela direcionamentos diferentes, favorecendo para que haja as mais diversas interpretações e traduções no contexto da prática. Assim, nesse contexto, as IES desenvolvem o texto dos seus documentos. A FESCG e a FASE do Ceará, revelam que: Para alunos com deficiência auditiva, a FESCG proporciona intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa disponível no período de aula, 112 avaliações, revisão de prova; flexibilização na correção das provas escritas e aprendizado da língua portuguesa na modalidade escrita. (PDI FESCG) Contratação de intérpretes de LIBRAS para os alunos portadores de deficiência auditiva. Dispor de intérpretes que auxiliem os alunos com deficiência auditiva nos seus trabalhos acadêmicos em sala de aula; (PDI FASE Ceará) Em relação aos portadores de deficiência auditiva: a) A FASE compromete-se se solicitado, de propiciar, sempre que necessário, intérprete de língua de sinais – língua portuguesa; b) Adotar flexibilidade nas correções das provas escritas, valorizando os conteúdos semânticos; c) Estimular o aprendizado da língua portuguesa principalmente na modalidade escrita; d) Proporcionar aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade linguística do portador de deficiência auditiva. (PDI FASE Ceará) Os documentos notadamente revelam a contratação do intérprete de LIBRAS e também manifestam a flexibilidade nas correções de provas e as especificidades linguísticas desse público. Alerta-se para a necessidade de formação para todos os profissionais envolvidos no processo de ensinar e aprender, para que a inclusão no Ensino Superior se concretize. Adotar flexibilidade na correção de provas, respeitando as especificidades linguísticas e os conteúdos semânticos, requer conhecimento e formação para evitar equívocos que a transforme em facilitação. É necessário garantir o acesso e a permanência, trabalhando as especificidades por meio do AEE. No AEE para o aluno com deficiência auditiva: As atividades se desenvolvem em três momentos didático pedagógicos: AEE em Libras (exploração em Libras do conteúdo trabalhado em sala); AEE de Libras (ensino de Libras, incluindo a criação de sinais para termos científicos conforme a necessidade, em analogia a conceitos já existentes), ensino da Língua Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua (BRASIL, 2013, p.17). No Ensino Superior, principalmente na modalidade a distância, que disponibiliza materiais didáticos aos alunos, é importante também levar em consideração as especificidades das disciplinas e os termos específicos, o que requer do profissional do AEE constante aperfeiçoamento e pesquisa, bem como trabalho colaborativo com os profissionais da área. Há que se considerar ainda técnicas específicas de cada área que são constantemente utilizados nas aulas e materiais didáticos. Aqui não se trata de 113 regionalismos e sim de termos técnicos muitas vezes inexistentes ou desconhecidos pelos profissional intérprete da LIBRAS. Ball (2012) questiona como diferentes indivíduos e grupos de atores interpretam políticas em contextos específicos. Quais as influências socioculturais e históricas que acabam permeando essa interpretação? O autor ainda coloca que muitas vezes as políticas são interpretadas superficialmente para que um problema seja resolvido. Pode-se verificar que o problema a ser resolvido para a inclusão no Ensino Superior do aluno com deficiência auditiva está voltado para a avaliação. Os textos dos PDIs deixam clara a preocupação em atender ao Decreto nº 5.626 (BRASIO, 2005b) citado nos documentos que norteiam a avaliação de cursos e instituições. Percebe-se que a repetição do texto, mesmo que de forma superficial, ainda acontece. O PDI da UNIASSELVI apresenta, como uma das ações do projeto de inclusão, a contratação do intérprete educacional e de equipe especializada. A função do intérprete, segundo a Resolução Institucional nº 12/2010 (UNIASSELVI, 2010), é acompanhar e prestar atendimento aos alunos portadores de necessidades especiais. De acordo com o quarto artigo da mesma resolução: Para se candidatar ao cargo de Intérprete Educacional, são necessários os seguintes requisitos: I - Ter formação mínima de graduação na área de educação; II - Ter formação específica para a função de atendimento a portadores de necessidades especiais; III - Ter experiência profissional como acompanhante de portador de necessidades especiais. (RESOLUÇÃO 12/2010 - UNIASSELVI) Com a leitura desse documento, constatou-se que a nomenclatura utilizada ainda é a antiga e que o profissional atende todas as demandas da educação especial. Fala-se em formação na área de educação, e em seguida, em formação específica para a função de atendimento a esse público. Os textos revelam um profissional polivalente, bem como não deixam clara a função e as especificidades do atendimento prestado aos alunos considerados público da educação especial. Assim, questionam-se quais as especificidades do atendimento ao aluno surdo que são trabalhadas na IES, tendo em vista que a fluência em LIBRAS não é uma exigência. Segundo o Gestor da Kroton: 114 Garantimos o intérprete de LIBRAS e também a flexibilização na correção de provas. O núcleo trabalha com as orientações para que os professores e tutores compreendam a escrita dos alunos surdos e as especificidades. (Gestor C) Em nenhum momento os textos dos PDIs analisados revelam como essas orientações acontecem na prática. Os textos encerram-se no acesso e não há manifestação de ações que buscam a permanência. De acordo com os textos institucionais, parece que contratar o intérprete e ofertar a disciplina de LIBRAS atende ao que preconiza a legislação e garante a inclusão do acadêmico. No entanto, os gestores da Anhanguera e da Kroton sinalizaram para textos de orientação aos profissionais envolvidos com o processo de ensinar e aprender. Tais textos citam a existência de formação continuada para os processos de relacionamento com alunos caracterizados como público-alvo da educação especial e para a flexibilidade na correção das avaliações de alunos surdos. 1.1.3 Apoio e recursos para o aluno com deficiência física A deficiência física, assim como a auditiva, é uma das especificidades mais citadas nos documentos institucionais e também na própria legislação nacional. O documento que traz os indicadores de avaliação para autorização e reconhecimento dos cursos de graduação, o Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação Presencial e a Distância (BRASIL, 2012), cita apenas dois dos documentos da legislação nacional: o Decreto n° 5.296/2004, que regulamenta as Leis nº 10.048/2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências; e o Decreto n° 5.626/2005, que regulamenta a Lei no 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, e o art. 18 da Lei no10.098/2000. Com base nas recomendações e exigências destacadas na legislação nacional, foram analisados os documentos institucionais a fim de verificar quais os recursos disponibilizados para o atendimento aos alunos com deficiência física. Dessa forma, a UNIDERP Anhanguera Educacional destaca que: 115 Para os estudantes com deficiência motora são identificadas as necessidades e adaptados os espaços físicos e materiais pedagógicos. Foram realizadas adaptações nos projetos arquitetônicos e edifícios, de forma a viabilizar o acesso a todas as dependências acadêmicas e administrativas da instituição, incluindo: rampas, elevadores, sanitários, bebedouros e telefone público para cadeirantes, bem como foram disponibilizadas vagas exclusivas para pessoas com deficiência motora localizadas em pontos estratégicos da Instituição, dentre outros. (PDI ANHANGUERA) Esse texto manifesta preocupação em adaptar os espaços físicos para garantir a acessibilidade física dentro da instituição, contudo, não apresenta recurso para acessibilidade metodológica desses alunos. Mobilidade reduzida abrange um número diferente de especificidades e necessidades que podem ir desde a necessidade de rampa e banheiros para cadeirantes, como também necessidade de mobília específica, computadores adaptados e até mesmo de profissionais para transcrição de textos. O documento da instituição não deixa claro quais as adaptações e que atendimento é realizado para atender essa demanda. O Gestor da Anhanguera assim se manifesta: Temos toda a estrutura para quem é deficiente físico e nós nos deparamos recentemente com um caso sui generis. Deu até espaço na televisão. Um garoto passou no curso de direito e ele é paralisado cerebral e ele tem uma inteligência rara, ele fez ensino médio em uma cidade vizinha, sempre com um tutor, uma pessoa ao lado que, ele fala e o tutor escreve na frente do professor. Esse tutor entende o que ele está falando. Ele fala com uma certa dificuldade, e quando veio a gente não se adequava com as questões que tínhamos como proposta, então ele nos explicou que no ensino médio já era acompanhado por um tutor. A IES contratou o tutor pra ele. Ele está se saindo muito bem no curso de direito, já está no terceiro semestre e o menino é brilhante. Só que ele não escreve e ele lê tudo no material que passamos para virtual. Quando o aluno faz a prova, tem que ser uma prova com a presença do professor, o tutor dele e ele. O compromisso da Anhanguera é atender e possibilitar que o aluno possa fazer o curso superior. (Gestor A) 116 Os dizeres desse gestor permitem analisar alguns pontos: inicialmente ele qualifica dizendo que a IES tem “toda estrutura para quem é deficiente físico”, em seguida revela um caso específico de aluno com deficiência física do curso de Direito. Ao revelar o caso desse aluno, o gestor aponta a importância do apoio de um tutor que o conheça e o respeito pelo histórico escolar dele. Esse respeito é sinalizado no momento em que a IES contrata o profissional que já acompanhava o aluno e revela consciência no momento em que admite que a IES não estava preparada para atender às necessidades dele. Quando afirma que tem “toda estrutura necessária”, pode-se concluir que a visão inicial que possuem em relação às necessidades do aluno com deficiência física está na adaptação arquitetônica. Cabe aqui relembrar que os Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e Avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (BRASIL, 2013) apontam oito meios de acessibilidade. O caso do aluno de Direito revela a preocupação com a acessibilidade metodológica e de comunicação e ultrapassa a necessidade de acessibilidade física. Ao mesmo tempo em que se percebe a preocupação da instituição com a acessibilidade metodológica, ainda assim pode-se ler no discurso do gestor um olhar voltado para a incapacidade. “Ele é paralisado cerebral e ele tem uma inteligência rara” e “ele está se saindo muito bem no curso de direito, já está no terceiro semestre e o menino é brilhante”. O contexto do discurso não permite afirmar e nem cabe julgar se essa seria uma atitude de reconhecimento das dificuldades da IES em atender às necessidades do aluno ou uma barreira atitudinal expressa no elogio. Ora, um aluno paralisado cerebral não pode ser inteligente e nem conseguir acompanhar o curso? Seu sucesso somente se explicaria por sua rara inteligência? O espanto no discurso pode manifestar uma forma de preconceito! Para Tardif (2002), educadores trazem consigo saberes diferenciados, estando entre eles os saberes individuais, construídos na experiência de vida e história de cada um, saberes que poderão influenciar e diferenciar as práticas pedagógicas. Assim, em consonância com Tardif (2002), educadores transportam para a sua prática em sala de aula toda a bagagem histórica e social desenvolvida ao longo de seus anos de vida. Como cada pessoa é única e influenciada pelo seu contexto, sua cultura, as práticas pedagógicas e as relações dos educadores com seus educandos, com e sem deficiências, são tão diversificadas. 117 Entende-se que esse saber diferenciado dos envolvidos com o processo de ensinar e aprender se manifesta no momento de traduzir e interpretar as políticas. Desse modo, o contexto da prática revela saberes e interesses de diferentes pessoas e grupos que nem sempre convergem com a proposta inicial das políticas. Assim como a Anhanguera, a FESCG manifesta-se: Em observância ao Decreto nº 5.296/2004 que estabelece os requisitos para atendimento aos acadêmicos com deficiências física, visual e auditiva a FESCG conta com rampas de acesso, adaptação de portas e banheiros, colocação de barras de apoio nas paredes dos mesmos e rampas com corrimão o que é conveniente para alunos portadores de necessidades físicas especiais. As instalações da FESCG do Bloco I possuem dois (02) banheiros para uso dos alunos portadores de necessidades físicas especiais. No Bloco II também há um (01) sanitário para portador de necessidades físicas. (PDI FESCG) Eliminar barreiras arquitetônicas permitindo o acesso aos espaços de uso coletivo. (PDI FESCG) Novamente cabe indagar se acessibilidade para garantir a inclusão de alunos com deficiência física se restringe à construção de rampas e adaptação de banheiros. A acessibilidade física é muito importante para que a pessoa com deficiência física possa se locomover com autonomia nos espaços, contudo quando se fala de inclusão não se está falando apenas desse tipo restrito de acessibilidade. De acordo com o PDI da FASE Ceará: A FASE ao desenvolver seu projeto arquitetônico visando a edificação dos 5 (cinco) novos prédios procurou garantir as condições mínimas de acessibilidade e demais condições, visando assegurar aos portadores de deficiência física e sensorial condições básica de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações da instituição, tudo em estreita observância à portaria n.º 3284 de 7 de novembro de 2003. Em relação aos deficientes físicos: a) Eliminação de barreiras arquitetônicas; b) Reserva de vagas em estacionamentos; c) Construção de rampas com corrimãos e elevadores; d) Adaptação de portas de banheiros e espaço compatível para o acesso com cadeira de rodas; e) Colocação de barras para as paredes dos banheiros; f) Instalação de telefones públicos, lavabos e bebedouros em altura acessível para usuários de cadeiras de rodas. (PDI FASE CEARÁ) 118 É comum ouvir discursos e encontrar textos que tratam de inclusão de forma genérica, em que as pessoas acreditam que prédios adaptados atendem às demandas desses alunos. O texto do PDI da FASE Ceará permite questionar se essa estrutura também é disponibilizada para os alunos da EAD nos polos de apoio presencial. O texto não revela quais são esses espaços, como também não faz distinção entre a arquitetura da sede da unidade e dos próprios polos. É possível perceber que embora a pesquisa apresente objetivos claros de investigação da EAD, os documentos e os dizeres dos gestores não revelam diferenciação entre as modalidades. Propiciamos o acesso. Nesse sentido que a gente toma mais cuidado para que o aluno tenha todas as condições de transitar pela faculdade, poder adentrar na sala. Não temos muitos alunos, temos dois cadeirantes. (Gestor B) Os discursos dos gestores sobre alunos com deficiência física acabam sinalizando a necessidade de adaptação dos espaços para propiciar a locomoção. A fala do Gestor da Anhanguera revela preocupação e atenção para os casos de paralisia cerebral e a necessidade da comunicação. O exemplo da Anhanguera revela necessidade de outra pessoa para o acompanhamento do aluno. Com essa observação, ressalta-se a exigência de formação específica do profissional que atua nos núcleos de acessibilidade, com conhecimento para realizar a orientação, descrever sobre e mobilidade e realizar o desenvolvimento de atividades de comunicação alternativa, por exemplo, mesmo se tratando de adultos que deveriam apresentar perfil de autonomia e superação dessas questões. Na Kroton Educacional: Para os alunos com deficiência física, o núcleo procura orientar as adaptações necessárias que vão desde a orientação da acessibilidade arquitetônica até a disponibilização de um auxiliar para transcrever as provas, no caso de comprometimento dos membros superiores. Temos alunos que necessitam de ampliação de tempo para realizar as avaliações e alunos que necessitam de formatos específicos, pois também utilizam o computador para os seus estudos. 119 As coordenações dos cursos acompanham o desempenho dos alunos junto com o Núcleo e discutem as possibilidades. Algumas vezes acontecem orientações de acompanhamento de outros profissionais como psicólogos, fisioterapeutas e fonos, em parceria com as famílias. (Gestor C) O Gestor da Kroton revela em seus dizeres alguns pontos ainda não identificados nos documentos e relatos. Primeiro, ele fala da necessidade de alguns alunos terem acompanhamento de uma pessoa para transcrever os textos e em seguida cita que alguns alunos necessitam de formatos específicos para realizar as atividades no computador. Também cita a ampliação de tempo para a realização de provas. Essa orientação acerca da ampliação de tempo para a realização de provas foi sinalizada para o Ensino Superior pela primeira vez no Aviso Curricular nº 277 (BRASIL, 1996a). Além das informações citadas, o gestor também sinaliza para o acompanhamento do coordenador do curso e, quando necessário, o atendimento especializado com profissionais das demais áreas. Para Booth e Mel (2002, p. 8) Inclusão tem a ver com tornar as escolas lugares estimulantes e apoiadores para o Pessoal e para os estudantes. Tem a ver com a construção de comunidades que encorajam e celebram seus sucessos. Mas a inclusão também tem a ver com a construção de comunidades em um sentido mais amplo. As escolas podem trabalhar com outras agências e com as comunidades para promover as oportunidades educacionais e as condições sociais dentro de suas localidades. O conteúdo da fala do gestor permite apontar que nas estratégias de inclusão dos alunos com deficiência física, a IES vai além da acessibilidade arquitetônica, por manifestar a relação entre os demais profissionais envolvidos e a acessibilidade metodológica. Nenhum dos documentos analisados foi além da estrutura física quando apontou os recursos disponibilizados para os alunos com deficiência física, ainda deixando dúvidas e um silêncio referente aos recursos disponibilizados para incluir os alunos com paralisia cerebral, por exemplo, sobre o modo como é realizado o AEE para esses alunos e se há uma equipe especializada no desenvolvimento de pranchas de comunicação alternativa e para trabalhar com as tecnologias assistivas. Os Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e Avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (BRASIL, 2013) 120 assinalam que, para os alunos com deficiência física, deve-se seguir as orientações do Decreto n° 5.296/2004, que em seu quinto artigo, caracteriza esse público como pessoas com (BRASIL, 2004, p. 1): [...] alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. Com base nesse Decreto, pode-se perceber que esse público é variado e apresenta especificidades que, muitas vezes, vão além da adaptação de espaços com rampas, banheiros e elevadores. O documento direciona para o cumprimento das Normas da ABNT NBR9050, bem como evidencia o atendimento prioritário. As demais instituições pesquisadas não apresentaram no texto do PDI as especificidades para o atendimento aos alunos com deficiência física. De modo geral, citaram apenas as adaptações na estrutura física da instituição. 1.1.4 Apoio e recursos para o aluno com deficiência intelectual A deficiência intelectual, objeto de estudo de vários pesquisadores da área da educação especial, caracteriza-se por “[...] alterações significativas, tanto no desenvolvimento intelectual como na conduta adaptativa, na forma expressa em habilidades práticas, sociais e conceituais” (BRASIL, 2013, p. 59). O termo deficiência intelectual substituiu a nomenclatura deficiência mental a partir de 2004, por recomendação da Declaração de Montreal. O aluno com deficiência intelectual é caracterizado como público-alvo da educação especial. Entretanto, nos documentos institucionais analisados nesta pesquisa, identificou-se apenas uma instituição que abordou a acessibilidade para esses alunos, que foi a Anhanguera Educacional: Para os estudantes com deficiência intelectual são disponibilizados materiais de apoio como resumos, sínteses de aulas, além da atuação do professor como facilitador ou tutor presencial e disponibilização de teleaulas no ambiente virtual. (PDI ANHANGUERA) 121 Mesmo apresentando texto relacionado à acessibilidade do aluno com deficiência intelectual, a instituição cita os recursos disponibilizados, menciona o professor como “facilitador”, mas não manifesta como acontece o acompanhamento e a avaliação desses alunos. Os Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (BRASIL, 2013, p. 17) orienta que para o acadêmico com deficiência intelectual os núcleos de acessibilidade devem prever “atividades para desenvolvimento dos processos mentais superiores (controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento, entre outros)”. O mesmo documento também revela o aumento no número de matrículas desses alunos no Ensino Superior, principalmente nas instituições privadas. Assim como os alunos com deficiência intelectual, os estudantes com transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação também não são mencionados. Cabe indagar então se as instituições pesquisadas apresentam políticas de inclusão para o Ensino Superior na Modalidade EAD e “se” e “como” essas políticas são traduzidas na prática. Também se questiona a leitura que essas IES fazem da legislação e como se apropriam dos documentos oficiais para “fabricar” os documentos institucionais e atender aos requisitos para a aprovação e reconhecimento dos cursos de graduação. O que se percebe no decorrer da pesquisa é que tanto nos documentos como nos dizeres dos gestores existe uma maior preocupação com acessibilidade para os alunos com deficiência física, visual e auditiva, o que converge com as exigências por parte dos requisitos legais e normativos apresentados na avaliação do SINAES e com a maior parte dos documentos da política nacional. 1.1.5 Apoio e recursos para alunos com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação De acordo com a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008ª) “os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, 122 estereotipado e repetitivo”. Fazem parte desse grupo os alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Os dados coletados nos documentos e nos dizeres dos gestores das três IES pesquisadas não revelaram provisão de atendimento educacional especializa para esse público. Segundo os Referenciais de Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do SINAES (BRASIL, 2013, p. 14), os recursos de AEE que devem ser disponibilizados para alunos com transtorno global do desenvolvimento são o “uso do computador como auxílio à aprendizagem; PECS (sistema de comunicação através da troca de figuras); Método TEACCH (tratamento e educação para crianças autistas e com distúrbios correlatos da comunicação), entre outros”. Percebe-se, com a análise desse documento, que as atividades propostas estão voltadas para o ensino e aprendizagem de crianças da educação básica e que o próprio documento não deixa claro os recursos para esse público no Ensino Superior. De acordo com a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”, bem como tem direito ao “acesso à educação e ao ensino profissionalizante”. Assim, as IES pesquisadas ainda precisam ampliar as discussões para o desenvolvimento de medidas de inclusão que atendam essa demanda, como também a demanda dos alunos com altas habilidades/superdotação. Das IES pesquisadas, o relato do Gestor da Anhnaguera manifesta um caso de altas habilidades/superdotação: Então eu acho que a Anhanguera tem um avanço, o que ela faz com a questão do portador. Uma coisa nova e que pintou este ano é o superdotado. Esse nós ainda não tínhamos uma política definida e durante toda a minha carreira eu não tinha recebido um laudo de alguém. Esse menino tem grau de Superdotado, mas ela não consegue trabalhar coletivamente, o que é uma pena. Mas, enfim nós estamos verificando como que nós vamos normatizar isso. De imediato a gente fez com que ela só fizesse as tarefas sozinhas por enquanto, mas a gente acha que deve colaborar no sentido de que ela venha a fazer parte de grupos, porque ela, foi inflado pela psicóloga o fato de ela ser superdotada, ela acha que os outros são muito inferiores a ela. (Gestor A) 123 Os dizeres do gestor sinalizam para um caso de altas habilidades/superdotação, revelam a fragilidade da IES em não dispor de políticas para a inclusão da aluna, manifesta a dificuldade da aluna em realizar trabalhos em grupo e o papel do psicólogo no momento de mediar o diagnóstico. A falta de conhecimento da política e das especificidades da educação especial parecem interferir na fala e nas ações do gestor. Mas nós não temos nenhuma política para o superdotado. Pra dizer que nós não temos nada pro superdotado, se é que isso pode ser considerado como superdotado, nós temos uma norma dentro do nosso regimento que o aluno o aluno como a LDB permite, o aluno antecipar os seus estudos, e a gente tem uma prova de proficiência. Então digamos assim, não tem uma política definida, mais ainda há espaços também para esse que eventualmente tem um conhecimento superior e requeira por exemplo, antecipar seus estudos. (Gestor A) O gestor ainda revela conhecimento da legislação no que tange a aceleração dos estudos, embora não revele conhecimento sobre os direitos do aluno com superdotação frente a essa normativa, traduzindo a legislação de forma genérica. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL, 2008a, p. 9). Ao demonstrar potencial elevado nas áreas isoladas ou combinadas, esses alunos necessitam de enriquecimento curricular, algo que ainda demanda muita pesquisa na área da educação especial, principalmente para o Ensino Superior. Algumas possibilidades que podem ser desenvolvidas nos núcleos de acessibilidade são os “Programas de enriquecimento curricular, (intracurricular e extracurricular); aceleração de estudos; compactação curricular; PIBIC, Programa Intensivo de Treinamento, bolsas de pesquisa, estágios em salas de recursos multifuncionais, projetos de pesquisa, entre outros” (BRASIL, 2013, p. 18). Nenhuma das instituições pesquisadas apresentou ações e políticas para esse atendimento. O que parece é que os casos são tratados sob demanda de matrícula e aqueles em que a IES não apresenta políticas específicas são estudados a partir das 124 necessidades. Nesses momentos, as informações do contexto dos alunos auxiliam na interpretação e tradução das políticas. Diante da diferença, tomamos ciência de que as metodologias didáticas, os recursos pedagógicos, as técnicas de ensino só serão eficientes se antes conseguirmos enxergar os sujeitos da aprendizagem. As adaptações poderão ser necessárias, desde as mais simples como a opção pela cor de um pincel ao fazer registros no quadro, até o uso de recursos tecnológicos que estão hoje à disposição da humanidade (mas não de todos). Os discursos dos estudantes nos auxiliam a entender que a proposta de inclusão não é um pacote que adotamos ou não, mas a somatória de muitos elementos, sendo que alguns podem ser obviedades que nunca nos “tocaram” (PIECZKOWSKI; NAUJORKS, 2012, p. 956). As autoras sinalizam para a necessidade de enxergar os alunos como sujeitos de aprendizagem e como parceiros nos momentos de busca de informações para a elaboração de ações de inclusão. Assim, alunos e professores tornam-se vozes dentro da interpretação e tradução das políticas. 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação inclusiva do público-alvo da educação especial é recente. Os dados do Censo do Ensino Superior (2013) revelam um aumento significativo no número de matrículas desse público nesse nível de ensino. Os documentos das políticas nacionais para a inclusão analisados nesta tese, quando citam o Ensino Superior, o fazem ainda de forma discreta. Pode-se perceber que a política apresentada nos documentos nacionais também está em fase de aprimoramento, desde o encaminhamento do Aviso Curricular em 1996 para os reitores das instituições de Ensino Superior. Esse foi o primeiro documento que orientou sobre os processos de atendimento e acessibilidade e, a partir de então, a legislação vem apresentando alterações e novos documentos que buscam garantir a inclusão educacional em todos os níveis de ensino. A legislação para a inclusão escolar sofreu alterações influenciadas por várias frentes, principalmente por movimentos sociais de grupos representativos dos interesses das pessoas com deficiências (entre esses, inúmeras associações de surdos, cegos, deficientes físicos e múltiplos), desencadeando uma série de documentos específicos e que não tratam da inclusão escolar para todo o público da educação especial, mas se restringem às necessidades específicas de cada público. Assim, percebeu-se ênfase nas especificidades relativas às pessoas com deficiência auditiva, visual, física e mais recentemente à pessoa com espectro de autismo por meio de decretos específicos. Dentre todos os documentos, é possível afirmar que os movimentos de grupos específicos como as associações de surdos, por exemplo, ganharam força efetivando suas reivindicações por meio de Decretos, especificamente o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Mesmo se tratando de políticas fracas, como defende Stromquist (2007), essas reivindicações ganharam força de lei. As instituições pesquisadas citam o decreto de forma mandatória e acabam por direcionar as políticas institucionais para esse público em resposta à lei. A força do Decreto manifesta-se também nos instrumentos de avaliação quando citam o documento como item dos “Requisitos Legais e Normativos”. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva apresentou uma reorganização da educação especial, delimitando o público-alvo, discutindo e orientando o atendimento educacional especializado na perspectiva da educação inclusiva, fruto das discussões dos profissionais da área e das orientações e 126 diretrizes decorrentes de documentos e conferências mundiais organizadas por organismos internacionais como o Banco Mundial e a UNESCO. O texto, todavia, apresenta-se discreto ao citar a inclusão no Ensino Superior. As análises permitiram concluir que a legislação nacional apresenta várias brechas e, muitas vezes, um documento não conversa com o outro. A gama de textos, decretos e portarias relativos à educação especial revelam a delicadeza da discussão e as influências de grupos de interesse diversos. Revelam também a influência de órgãos nacionais e internacionais que prezam pela política de educação para todos, uma política forte, que por meio de movimento mundial direciona as políticas de inclusão nacionais. Os documentos relacionados ao Ensino Superior ora apresentam um texto prescritivo, regulatório e normativo dos processos de avaliação ora apresentam recomendações operacionais. Os únicos documentos que tratam com maior ênfase as obrigatoriedades das IES frente aos processos de acessibilidade são os Decretos nº 5296/2004 e nº 5626/2005, citados em todos os documentos direcionados à aprovação, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação, o que por sua vez acabou influenciando as IES no momento de elaborar seus próprios documentos. Os Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDIs) analisados revelaram exatamente essa preocupação: atender às exigências dos decretos anteriormente citados. Nenhum dos documentos institucionais citou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) nem tampouco as recomendações sobre a organização de núcleos de acessibilidade. Os referenciais para a inclusão no Ensino Superior são mínimos, assim, não orientam, não determinam e não garantem acesso, permanência e sucesso desse público nesse nível de ensino.O público-alvo da educação especial recebe várias denominações nos documentos, entre essas: alunos com necessidades especiais e portadores de necessidades especiais, que convergem com os decretos utilizados como base para o texto institucional. Ao analisar os documentos institucionais percebeu-se preocupação das IES em garantir um ambiente inclusivo, contudo a concepção do que vem a ser a inclusão no Ensino Superior não fica clara. As três instituições pesquisadas não manifestam uma cultura inclusiva. Há preocupação com acesso, mas se fala pouco em permanência e avaliação. Os documentos citam alguns recursos de adaptação de materiais para os alunos com deficiência, mas novamente acontece em pequena escala, e pouco citam o acompanhamento do desenvolvimento desses alunos. O que se percebe são iniciativas para atender à regulamentação. 127 Todos os documentos institucionais abordam a acessibilidade para os alunos com deficiência física, visual e auditiva, mas apenas um revela atenção para com o aluno com deficiência intelectual. Nenhum dos documentos institucionais analisados apresentou texto sobre acesso e acompanhamento de alunos com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O que se percebeu foram iniciativas que aparentemente buscam cumprir as exigências da legislação específica para a inclusão dos alunos caracterizados como público-alvo da educação especial no Ensino Superior, mas são frágeis e inconsistentes. Os dizeres dos gestores da três IES pesquisadas somaram informações referentes às estratégias de inclusão e a interpretação e tradução das políticas nesses ambientes. No momento das entrevistas, surgiram novos documentos institucionais que revelaram especificidades do atendimento educacional especializado prestado pelos núcleos de Acessibilidade, esses constatados na Anhanguera e na Kroton Educacional. Já na Estácio, esse atendimento é de responsabilidade do núcleo de apoio pedagógico. A formação dos profissionais que atuam nesses núcleos não ficou clara. Salvo os documentos e os dizeres do Gestor da Kroton que sinalizam para profissionais da área da educação especial, as demais instituições e os demais gestores manifestaram falta de conhecimento sobre o assunto. Na Anhanguera Educacional, o gestor sinaliza profissionais com formação para acompanhar o processo de avaliação interna e externa e na Estácio um profissional da área da psicologia, contudo o gestor manifesta dúvida acerca da informação. Tal como nos documentos, evidencia-se que muitas das falas dos gestores também reproduziam as orientações e prescrições dos documentos legais. A preocupação em atender aos indicadores de avaliação do SINAES também se fez presente, contudo os discursos manifestaram preocupação com o compromisso de responsabilidade social das instituições. Discutir a interpretação e a tradução das políticas de inclusão das instituições privadas tornou-se um desafio, uma vez que se constatou que os documentos legais apresentam uma política fragmentada e pouco consistente no que tange a inclusão no Ensino Superior. Muitos documentos estavam direcionados para as instituições públicas federais, entretanto, o instrumento de avalição do próprio SINAES revela a exigência também para as instituições privadas. Há uma divergência significativa entre o que a lei prevê e o que os indicadores exigem, assim, a partir dos dados parece que cada instituição procura atender aos SINAES, interpretando os diversos documentos 128 existentes por meio de um discurso colado à política, um discurso que utiliza os próprios termos da lei para responder aos processos avaliativos. Os estudos de Ball (2013, 2012, 2011) permitem compreender principalmente que as políticas não são implementadas e sim interpretadas e traduzidas nas práticas. Os jogos de interesse e influência permeiam as relações e a construção dos documentos, bem como a própria intepretação e tradução dessa. Do mesmo modo que grupos internacionais, nacionais e regionais influenciam a construção dessas políticas, também os atores envolvidos com os processos de ensinar e aprender dentro das instituições contribuem para traduzi-las na prática. Os dados levantados permitem afirmar que o atendimento ao público-alvo da educação especial nas três IES inicialmente acontece sob demanda, principalmente voltado aos alunos com deficiência física, visual e auditiva. Sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE) das instituições pesquisadas, a partir da análise dos documentos institucionais e da entrevista com os gestores, percebeu-se que as orientações iniciam no processo seletivo e continuam no decorrer do curso por meio das adaptações que as instituições julgam necessárias para garantir o acesso do público-alvo da educação especial ao Ensino Superior. Contudo, percebeu-se que se trata da trajetória de cada instituição na interpretação e na tradução das políticas de inclusão internacionais e nacionais, cada uma de certa forma buscando atender às questões regulatórias e à demanda que cresce a cada dia. Impossível não observar que essas políticas necessitam de ampliação em busca da inclusão e da garantia da educação de qualidade para esse público, não apenas nas IES privadas, como também nos próprios documentos e orientações do MEC. Além da educação de qualidade, entende-se que o sucesso de alunos nesse nível de ensino também converge com as relações com o mercado de trabalho, tendo em vista a formação do profissional proposta nesta etapa. Cabral (2013) analisou o processo das orientações acadêmicas e a transição dos alunos com deficiência para o mercado de trabalho em instituições da Itália, Inglaterra, França, Dinamarca e Irlanda e constatou boas práticas para esse processo. A pesquisa demonstra que instituições internacionais além de mostrarem preocupação com a inclusão e acesso também organizam estratégias para garantir a permanência e o sucesso dos alunos com deficiência no Ensino Superior. No Brasil, esse processo ainda caminha a passos lentos. Nas instituições pesquisadas, a atenção está voltada para a acessibilidade física e adaptação de recursos pedagógicos. 129 Pouco se explora da acessibilidade tecnológica, fundamental para o desenvolvimento e a participação na metodologia EAD, foco desta tese. É possível questionar se as políticas de inclusão das instituições apresentam diferença entre as modalidades presencial e EAD e, diante dos dados apresentados, também é possível responder que não. Ainda se faz necessário explorar essas diferentes metodologias e compreender que na EAD o aluno necessita desenvolver um perfil de estudo autônomo e, para tanto, o público-alvo da educação especial necessita de acesso aos ambientes virtuais de aprendizagem e aos conteúdos possibilitando sua plena e não fragmentada participação. Os objetivos da pesquisa e os resultados alcançados consolidam a tese de que a política de inclusão no Ensino Superior privilegia o acesso em detrimento da permanência e do sucesso dos alunos público-alvo da educação especial nesse nível de ensino. O discurso da política, por enfatizar as diretrizes por meio de atos regulatórios e por privilegiar instruções no âmbito da acessibilidade, induzem as IES a responderem aos atos normativos também de forma restrita, pontual e direcionada para as estratégias de acesso. Essa situação se tornou mais evidente por se tratar de IES dedicadas à EAD, cujas especificidades – acesso facilitado e disponível em todo território nacional – contribuíram para ampliar não somente o número de acadêmicos em geral como também o público-alvo da educação especial. Por ampliar potencialmente as possibilidades de acesso, inversamente, reduziu as possibilidades de acompanhamento do desempenho e do sucesso desse público. Como no Ensino Regular, a inclusão no Ensino Superior ainda apresenta um vasto campo para ampliação de pesquisas. Este estudo pôde contribuir com o campo das políticas de educação especial e educação inclusiva ao revelar as fragilidades encontradas nos textos oficiais da Política Nacional, como Decretos, Leis e Portarias e reveladas na interpretação e tradução das IES pesquisadas. Os dados revelados nesta tese poderão contribuir com outras investigações acerca da interpretação e tradução das políticas nas IES públicas que apresentam outra realidade e outros direcionamentos em relação à EAD. Da mesma forma, este estudo poderá ter continuidade a partir da análise da tradução da política na perspectiva dos estudantes e dos professores que vivenciam essa realidade no cotidiano e certamente têm experiências relevantes para socializarem. 130 Enfim, acredita-se que os dados revelados nesta tese se caracterizam como proposições para futuros estudos relacionados a área da educação especial e educação a distância, que está em constante crescimento. 131 REFERÊNCIAS ANHANGUERA. Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). 2013. Digitalizado. ______. Relatório de Responsabilidade Social. Disponível em: <http://rsocial.unianhanguera.edu.br/>. Acesso em: 10 maio 2014. BALL, Stephen; MAGUIRE, Meg; BRAUN, Annette. How Schools Do Policy: Policy Enactments in Secondary Schools. 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Digitalizado. 138 APÊNDICE ROTEIRO DE ENTREVISTA POLÍTICA DE INCLUSÃO NO ENSINO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD NAS UNIVERSIDADES PRIVADAS ÁREA DE CONHECIMENTO Grande Área: Ciências Humanas Subárea: Educação/Ensino Superior Linha de pesquisa: Políticas Públicas de Currículo e Avaliação TÓPICO-GUIA PARA ENTREVISTA COM GESTORES DAS INSTITUIÇÕES O conhecimento do Gestor sobre a Política de Inclusão no Ensino Superior: 1. Qual a sua concepção sobre inclusão de pessoas com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Ensino Superior? E qual a concepção da instituição? 2. Você conhece as políticas que norteiam a inclusão de alunos caracterizados como público da educação especial no Ensino Superior? Você pode citar quais? 3. Como essas políticas estão citadas e relacionadas com os documentos da instituição? Quais documentos citam? 4. Como funciona a política de inclusão na instituição? A instituição conta com um setor ou equipe específica? 5. Quem participa da definição de elaboração das ações de inclusão e como ocorre a escrita na elaboração dos documentos da IES? As políticas adotadas na prática: 1. Quais as principais estratégias para atender este público na EAD? 2. Quais as adaptações organizadas (ações e recursos que são utilizados pela instituição)? 139 3. Como ocorre o acompanhamento e a avaliação desses alunos? E como são desenvolvidas essas ações no âmbito do PPI e PDI para a autoavaliação e avaliação externa da IES? O atendimento e a avaliação dos alunos caracterizados como público da educação especial: 1. Existe atendimento educacional especializado (AEE) na instituição? Como está organizado? 2. Quem é responsável por esse atendimento? Qual o perfil de formação desse profissional? 3. Como os atores pedagógicos (professores, coordenadores, tutores) são envolvidos? Existe formação específica? Como acontece? 4. Como é realizado o acompanhamento desses alunos? Os resultados? As necessidades e dificuldades?