CONHECIMENTO E AÇÃO POLÍTICA EM NUTRIÇÃO | 9
ARTIGO ESPECIAL - WORLD
NUTRITION RIO2012
SPECIAL ARTICLE - WORLD NUTRITION RIO2012
Mediações entre conceitos, conhecimento
e políticas de alimentação, nutrição e
segurança alimentar e nutricional
Mediations among concepts, knowledge
and policies on food, nutrition and
food and nutrition security
Luciene BURLANDY 1
Cláudia BOCCA 2
Ruben Araujo de MATTOS 3
RESUMO
Este trabalho se baseia em revisão da literatura internacional sobre abordagens conceituais relacionadas às
políticas de alimentação e nutrição e de segurança alimentar e nutricional, como food policy; nutrition policy
e food regimes. Propõe-se a reconhecer as relações entre os conceitos, os arranjos institucionais do Estado e
a ação política em cada abordagem no contexto internacional. Adotou-se a perspectiva de que uma
proposta conceitual não nasce do ponto de vista apenas do conhecimento, mas da ação política dos
atores envolvidos, sendo reinventada e ressignificada em cada contexto histórico e geopolítico. Assim,
carrega consigo uma intenção política, sendo resultante de projetos permanentemente em disputa,
orientando e se modificando em função do que é considerado o objeto de cada política, as tentativas de
resposta frente aos problemas e os arranjos institucionais necessários. Destaca-se a visão de que a construção
do conhecimento transborda a contribuição acadêmica, envolvendo diferentes atores e grupos de interesse
e, ao mesmo tempo, sinaliza a produção de conhecimento como militância política. Aponta, ainda, uma
reflexão sobre o processo histórico de construção das abordagens conceituais e as respectivas inflexões no
modo de se conceber uma política. Desta forma, os modos de explicar os fenômenos relacionados à
alimentação e nutrição ou à segurança alimentar e nutricional se modificaram ao longo do tempo e
revelam arranjos institucionais distintos, mais ou menos intersetoriais, ancorados em visões distintas de
como tratar o problema em questão.
Termos de indexação: Alimentação. Nutrição. Políticas públicas. Segurança alimentar e nutricional.
1
2
3
Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Nutrição. R. Mário Santos Braga, 30, 4º andar, Centro, 24020-140, Niterói,
RJ, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: L BURLANDY. E-mail: <[email protected]>.
Doutoranda, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Alimentação,
Nutrição e Saúde. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Centro Biomédico, Instituto de Medicina Social. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Rev. Nutr., Campinas, 25(1):9-20, jan./fev., 2012
Revista de Nutrição
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L BURLANDY et al.
ABSTRACT
This paper is a review of the international literature on conceptual approaches to food and nutrition policies
and security, such as food and nutrition policy and food regimes. The objective was to recognize relationships
among concepts, institutional arrangements of the State and political action for each approach in the
international context. The perspective adopted was that a conceptual proposal does not arise only from the
standpoint of knowledge, but also from the political action of the actors involved, and it is reinvented and
redefined in each geopolitical and historical context. Therefore, it carries a political intent, resulting from ever
disputed projects, directing and changing depending on what is considered the object of each policy, the
attempts to answer the problems and the necessary institutional arrangements. It highlights the view that
knowledge construction overflows academic contribution, involving different actors and interest groups and
at the same time, it evinces the production of knowledge as political activism. In addition, it points to a
reflection on the historical process of construction of conceptual approaches and their inflections in order to
conceive a policy. Thus, the ways to explain the phenomena related to food and nutrition or food and nutrition
security have changed over time and reveal distinct institutional arrangements, more or less intersectoral,
based on different views of how to treat the problem.
Indexing terms: Feeding. Nutrition. Public policies. Food security.
INTRODUÇÃO
Este texto aborda questões conceituais
referentes à análise de políticas de alimentação,
nutrição e segurança alimentar e nutricional. O
termo análise de políticas tem sido correntemente
utilizado para definir uma área de conhecimento
acadêmico no âmbito da ciência política. Na
acepção corrente, a ciência política é pensada
como
Um campo de análise com foco na
atuação dos governos e com o objetivo
de orientar a ação dos mesmos, tendo
como principal elemento de análise as
políticas públicas, definidas como respostas dos governos às demandas, problemas
e conflitos que afloram de um grupo social, sendo o produto de negociações
entre os diferentes interesses, mediados
pela racionalidade técnica, com vistas à
manutenção de uma ordem1.
Esta concepção pode ser criticada, especialmente em três aspectos. O primeiro diz respeito à leitura dos pesquisadores acadêmicos,
vistos como externos ao processo político, capazes
de contribuir para que os governos, ao utilizarem
os produtos das análises de política dita científica,
inculquem uma racionalidade na política. O que
é particularmente enganoso neste modo de
Revista de Nutrição
pensar, além do pressuposto duvidoso de que a
racionalidade deve guiar as políticas, é que ele
traveste de neutralidade o modo específico de
militância científica. Melhor seria compreender
todo o esforço de análise de política, seja ele feito
por sujeitos que atuam na academia, sejam por
outros sujeitos interessados no objeto da política
em questão, como modos de disputa entre entendimentos, visões de mundo, projetos políticos e
(por que não?) racionalidades distintas, disputas
que se dão no próprio campo político.
A segunda crítica é que aquele modo de
pensar toma as políticas públicas como respostas
a demandas e problemas, sem colocar em análise
os processos políticos de construção social dessas
demandas e desses chamados problemas públicos. De modo específico, deixa de lado a capacidade de sujeitos de inventar novos vocabulários
para designar novos problemas, ou para delinear
problemas já reconhecidos como públicos de um
modo inteiramente novo e defender outras políticas. Nesse ponto, cabe resgatar a lição de Foucault,
que em uma de suas aulas no Collège de France2,
analisou as profundas mudanças nos modos de
compreensão da escassez de alimentos em diferentes contextos históricos, e suas consequências
sobre a arte de governar. O “problema” foi ora
concebido como causa de fenômenos naturais,
sobre os quais não se tem controle nem juízo de
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Por fim, destaca-se a riqueza da dinâmica
sócio-política que vem sendo desencadeada por
essas múltiplas formas de interação em torno das
questões de alimentação e nutrição. De igual modo, ressalta-se seu potencial em fortalecer, no
curso do debate público, as reflexões sobre diferentes ordens de fatores (políticos, sociais, éticos,
de cidadania, de relações sociais e humanas, de
princípios e valores) que afetam essas questões.
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Recebido em: 28/10/2011
Aprovado em: 24/11/2011
Revista de Nutrição
Rev. Nutr., Campinas, 25(1):9-20, jan./fev., 2012
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