COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO BILINGUE
Brasília-DF
Elaboração
Maria aparecida Cormedi
2
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ................................................. 5
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7
UNIDADE I
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ............................................................................................ 9
CAPÍTULO 1
ABORDAGENS SOBRE A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ........................................... 13
CAPÍTULO 2
POSSIBILIDADES DE COMPENSAÇÃO DA PERDA AUDITIVA .................................. 19
[...]
UNIDADE II
CONCEITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................ 27
CAPÍTULO 3
LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E LÍNGUA .............................................................. 32
CAPÍTULO 4
A AQUISIÇÃO DA LINGAUGEM NA CRIANÇA SURDA............................................. 39
....................................................................................................................... 51
[...]
UNIDADE III
EDUCAÇÃO BILINGUE .................................................................................................. 27
CAPÍTULO 5
ABORDAGEM BILINGUE ..................................................................................... 32
CAPÍTULO 6
O PROFISSIONAL DA ESCOLA BILINGUE ............................................................. 39
....................................................................................................................... 51
PARA (NÃO) FINALIZAR................................................................................................ 68
REFERÊNCIAS
............................................................................................................ 70
3
APRESENTAÇÃO
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e
modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância –
EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos
conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e
atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a
formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao
mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a
facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em
capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua
leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar
os estudos com leituras e pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a
prática da disciplina.
Para refletir
Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto
proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto.
O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas.
Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.
Textos para leitura complementar
Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários,
exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema
abordado no texto básico.
Sintetizando e enriquecendo nossas informações
Espaço para você, aluno, fazer uma síntese dos textos e enriquecêlos com sua contribuição pessoal.
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Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas
Aprofundamento das discussões.
Praticando
Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo
pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem.
Para (não) finalizar
Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a
prosseguir com a reflexão.
Referências
Bibliografia consultada na elaboração do Caderno.
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INTRODUÇÃO
Comunicação e linguagem muitas vezes são compreendidas como sinônimos e
frequentemente usamos os dois termos para nos referirmos às possibilidades e às diversas
formas de expressarmos ideias, sentimentos, pensamentos e vontades.
É fundamental entendermos esses dois termos: linguagem e comunicação e, ainda,
acrescentar mais um à discussão: a noção de língua.
Constatamos um aumento significativo de estudos relativos a aquisição de linguagem e
sobre a língua de sinais, nas últimas duas décadas. Quanto à linguagem, as pesquisas
versam principalmente sobre as diferentes teorias de aquisição, que relacionam distintas
áreas do saber: psicologia, linguística, pedagogia, neurociências, fonoaudiologia e as
ciências da educação.
Consequentemente as pesquisas sobre aquisição de linguagem, levaram às pesquisas sobre
a apropriação da língua, sobre o desenvolvimento linguístico das crianças. Soma-se,
também, o resultado de toda movimentação da comunidade surda pela aceitação da língua
de sinais como instrumento cultural e de identidade da pessoa surda. Temos, então, um
aumento significativo de pesquisas sobre língua de sinais e a abordagem bilíngue.
A abordar as questões relativas à surdez a primeiro conceito que sobressai é sobre a
possibilidade da comunicação linguística por meio da fala que pode estar seriamente
comprometida. Assim, a língua de sinais é resposta comunicativa para a pessoa surda, pois
representa o instrumento cultural da comunidade surda.
A formação do eu, da identidade de uma pessoa está diretamente relacionada com a
aprendizagem da língua oral para o sujeito ouvinte e por sinais para o sujeito surdo. A língua
é o marcador de uma cultura. Dessa forma a cultura surda é diferente da cultura do ouvinte.
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Objetivos
>Compreender os conceitos sobre linguagem, comunicação e
língua discutidos sob a perspectiva da concepção interacionista
social cultural.
>Discutir as diferentes formas de comunicação na ausência da
oralidade identificando as possibilidades de comunicação pré
linguística e linguística.
>Conhecer a abordagem bilíngue compreendendo as
especificidades da surdez quanto ao uso da língua de sinais
como língua natural e o português escrito como segunda língua.
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Unidade I – AQUISIÇÃO DE
LINGUAGEM
capítulo 1 - Abordagens sobre
a aquisição de linguagem
[Para refletir]
Estudar a linguagem tem sido uma tarefa fascinante para diversos pesquisadores e envolve diversas
áreas do saber, instigando educadores fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas, linguistas, entre
outros, que se propõe a responder algumas questões: o que é linguagem, como ela é adquirida, qual a
sua função, o que a diferencia do pensamento e qual o papel da linguagem no desenvolvimento das
funções mentais superiores?
[fim Para refletir]
[Provocação]
A linguagem pode ser entendida como tendo um procedimento comunicativo e um procedimento
comunicativo. No primeiro a linguagem fundamenta o conhecimento de mundo pela criança e enquanto
procedimento comunicativo fundamenta-se nas bases de Vigotski pelas quais a linguagem tem o papel
de ação sobre o outro na interação social. A linguagem é então manifestação do conhecimento
cognitivo como referiu Piaget ou é função social como postulou Vigotski?
E finalmente: a aquisição da linguagem de uma criança ouvinte se dá nos mesmos moldes para uma
criança surda?
[fim provocação]
1 – Abordagens sobre a aquisição da
linguagem
As pesquisas sobre aquisição de linguagem revelam que os primeiros estudos sobre esta temática
foram registrados entre o final século XIX e início do século XX, quando estudiosos escreveram
diários sobre a fala espontânea de seus filhos. Tais estudiosos, eram geralmente, psicólogos
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interessados no desenvolvimento infantil e anotavam todo o tipo de comportamento das crianças desde
palavras, atitudes e desenvolvimento. Eram registros assistemáticos sem bases científicas, mas que
representaram a iniciativa de descrever passos e fases de desenvolvimento infantil, não
necessariamente apenas quanto a linguagem.
A partir do século XX, com aas publicações dos estudos científicos da linguística, especificamente
sobre Saussure é que a linguística passa a ser reconhecida como saber científico. Por meio de amostras
amplas os estudiosos observaram e descreveram os fatos linguísticos.
A partir da década de 50, surge uma nova proposta de estudo linguístico, menos preocupada com a
descrição dos dados e mais interessada no pressuposto de uma teoria para explicar a aquisição da
língua falada, e então surge a Gramática Gerativa Transformacional de Chomsky. Este linguista
americano propôs que o ser humano é dotado de uma faculdade específica, inata, hereditária, inerente
ao ser humano, que é a linguagem, ou seja é capaz de desenvolver linguagem desde que exposto a um
imput linguístico, ao ambiente em que vive e que fala determinada língua.
Na década de 50, houve os estudos de Skinner, referidos como behaviorista por examinar os
comportamentos das crianças e preconizar que todo comportamento, inclusive a linguagem, acontece
como resposta a um estímulo.
A partir de então, surge a teoria cognitivista baseada nos estudos de Jean Piaget, pelos quais, a
linguagem é compreendida como saber cognitivo, determinada e dominada pelo funcionamento
cognitivo.
Nos anos 80, a psicologia cognitiva encontra os estudos das estruturas linguísticas, incorporando-se os
conceitos semânticos e as funções discursivas, Tem-se os estudos da língua na formação de conceitos,
no aprendizado e na aquisição da linguagem.
Apesar de Vigotski ter escrito os fundamentos da concepção interacionista social nos anos 20, somente
a partir dos anos 70, é que seus estudos passaram a ser divulgados e embasaram, por sua vez, outras
pesquisas referentes á aquisição da linguagem. Na realidade, Vigotski não propôs uma teoria sobre
aquisição da linguagem porque seus estudos estavam voltados ao desenvolvimento do homem, à
importância das relações sociais, discutindo o papel da linguagem na organização e desenvolvimento
dos processos de pensamento. O ponto central dos postulados de Vigostki é a aquisição de
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. O que importa não é a fala da criança como
produto, mas a relação dialógica entre criança e seu interlocutor, onde os papéis se alternam, ora como
aquele que fala, ora como aquele que ouve e responde e interage.
1.1.
Concepção behaviorista
Os primeiros estudos sobre a aquisição de linguagem que tiveram caráter científico vem dos estudos da
psicologia, principalmente dos behavioristas que referenciam todo comportamento que pode ser
observado, registrado e consequentemente estudado.
Nesta concepção, baseada nos estudos de Skinner, a linguagem é um comportamento e como tal sujeito
a um estímulo e uma resposta. A criança é uma tábula rasa e o ambiente tem papel preponderante
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porque é aquele que molda e determina o comportamento. Assim, o adulto é o modelador, é que
determina a aquisição da linguagem pela criança, reagindo aos estímulos e respondendo aos seus
comportamentos. A linguagem é um comportamento adquirido pelo qual a criança começa imitando o
comportamento do adulto para depois generalizá-lo.
Para os behavioristas, que propõem o empirismo, a mente não é componente fundamental para o
processo de aquisição da linguagem, porque esta é comportamento, não é, portanto, inata, e é o outro
adulto, quem determina.
A linguagem pode ter um reforço positivo e, neste caso,
comportamento/linguagem se mantém; pode ter um reforço negativo que elimina o comportamento
linguagem e pode ter nenhum tipo de reforço.
Atualmente considerada simplista, o fator positivo desta teoria é ter legado aos estudos científicos um
rigor de observação e de investigação.
1.2.
Concepção Inatista
O inatismo vem da concepção racionalista, que atribui à mente a responsabilidade pela aquisição
da linguagem e, portanto, pressupõe uma capacidade inata para a linguagem.
Noam Chomsky publicou seu primeiro trabalho, contestando Skinner, ao afirmar que não há
garantias de que o estímulo realmente produza sempre respostas e que om reforço poderia levar a
vida inteira, como então explicar a aquisição de linguagem em tão pouco tempo, por volta dos 2
nos de idade?
Pela concepção inatista, a criança nasce com predisposição à linguagem, chamada LAD –
language acquisicion device - e à medida que a criança é exposta á língua do ambiente, vai
adquirindo competência. Pelo fato das propriedades da língua serem tão abstratas e complexas, são
transmitidas geneticamente, daí o termo inato, porque é biologicamente determinado. Sendo assim,
as crianças ao nascerem já teriam esta competência antes mesmo de ter contato com a língua do
ambiente.
Entende-se por competência um conjunto finito de regras que gera um número infinito de orações.
A criança constrói orações que parecem fórmulas fazendo a relação entre as palavras. A criança
que vive em um meio que usa determinada língua, começa a produzir sons dessa língua, a
desenvolver-se e pode produzir frases com gramática quase completa por volta dos 3 a 4 anos de
idade. Contudo, esse conhecimento inato só é ativado em contato com um adulto falante, ou seja,
não basta essa capacidade inata, é preciso que que esta criança esteja em determinado meio social
cultural em que as pessoas usam uma língua para que seja estimulada a usar essa mesma língua.
1.3.
Concepção Cognitivista
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Piaget é o autor mais referenciado na teoria cognitivista que vincula linguagem à cognição. Nesta
concepção, não basta a criança seja apenas exposta ao ambiente, ao meio social, é necessário que
ela tenha passado por determinados estágios em seu desenvolvimento para compreender o que o
ambiente lhe transmite. Piaget não estudou a aquisição da linguagem propriamente dita, estava
mais interessado no desenvolvimento infantil e nas relações entre pensamento e linguagem e esta
estaria incluída como parte dos estágios de desenvolvimento que são os seguintes:
- período sensório-motor – 0 -18 24 meses de idade. Precede a linguagem e se dá a noção de
objeto.
- período pré-operatório – 18 , 24 meses até 7, 8 anos de idade - Início da função simbólica e
representativa com o uso de símbolos, importante para a aquisição da linguagem.
- período operatório concreto – 7,8 anos até 11,12 anos de idade – construção da lógica
- período operatório formal – 11, 12 anos em diante – raciocínio e deduções.
Nesta concepção a linguagem é um instrumento para a criança conhecer o mundo se
desenvolver e obter o que deseja. O adulto interlocutor tem o papel de prover situações em que a
criança se desenvolve cognitivamente. A criança constrói linguagem em contato com o meio
assim como constrói qualquer conhecimento. Inicialmente as conversações da criança são
egocêntricas e centralizadas, caracterizadas por falar para si mesma sem objetivo de comunicar
algo ao outro, sem função social. À medida que a criança se socializa, e passa realmente a
interagir, por meio de perguntas, solicitações e respostas, é que a linguagem torna-se socializada.
Por considerar que a linguagem é construída pela criança, o cognitivismo é considerado como
pertencente a vertente do construtivismo.
Importante considerar que esta concepção teórica não considera o papel do “outro” que atua no
mesmo meio em que a criança que adquire linguagem vive, portanto para explicar as interações
surgiu a teoria interacionista.
1.4.
Concepção interacionista
Um dos pioneiros da teoria interacionista foi Brunner, que considerou adulto e criança agindo
sobre o mesmo objeto., pois este adulto é o mediador entre a criança e o mundo. A criança domina
as estruturas da língua enquanto interage com outros do mesmo meio e torna-se um interlocutor na
relação com o outro.
Brunner é representante da vertente da pragmática que considera o uso da linguagem no contexto
de comunicação, alertando que há algo mais na fala de uma criança do que somente estruturas
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gramaticais e privilegiando a relação adulto-criança. Assim o mérito desta concepção foi de
deslocar a linguagem de dentro do sujeito para a relação com o outro, para a exterioridade.
O modelo pragmático valoriza a linguagem no contexto da comunicação e conversação. O papel
do outro é visto como mediador entre a criança e o mundo. Cabe ao adulto “recortar” o mundo
para a criança através da interpretação de seus comportamentos, caracterizando, assim, uma
continuidade entre o período pre- linguístico com ênfase comunicativa e o período linguístico com
ênfase linguística.
A linguagem, nesta concepção, é o instrumento para regular as interações da criança com as
pessoas do meio, à medida que a criança conhece e compartilha os significados convencionais do
meio social.
A pragmática considera dois momentos na aquisição da linguagem, inicialmente aquele que a
comunicação acontece por formas pré linguísticas ou pré verbais até a emergência do gesto de
apontar na criança e por continuidade, acontece o período linguístico ou verbal quando a criança
faz uso da palavra.
Brunner introduziu, também, o papel dos jogos e das brincadeiras que sustentam as interações. É
a partir destes esquemas lúdicos de interações que a criança desenvolve funções linguísticas,
comunicativas, sociais, primeiramente gestuais e depois verbais podendo experenciar papéis
sócias reversíveis pela troca de turnos entre os interlocutores.
Outro mérito desta abordagem foi chamar a atenção para os comportamentos não verbais como o
gesto de apontar e os balbucios da criança. O gesto de apontar é atribuído de intenção
comunicativa. No entanto a pragmática não discutiu as relações sociais e o desenvolvimento
linguístico.
Nenhuma das vertentes teóricas discutidas até agora estudaram a interação social como Vigotski o
fez.
1.5 Concepção interacionista social cultural
Lev Seminovich Vigotksy viveu no início do século XX, vindo a falecer aos 37 anos de idade em
1934 de tuberculose e teve de 1924 até a sua morte produção científica brilhante. Apesar de ter
escrito suas obras nas décadas de 20 e 30 que refletem o momento da revolução russa, seus escritos
permaneceram quase completamente ignorados até 1962 quando seu livro Pensamento e
Linguagem foi publicado pela primeira vez nos Estados Unidos. A partir de então, as obras de
Vigotski tem influenciado o saber científico na área da educação, contribuindo para estudos sobre
o desenvolvimento humano, aprendizagem e aquisição de linguagem.
Vigotski discutiu o papel da linguagem na organização e desenvolvimento dos processos de
pensamento. Postulou que existe uma relação entre pensamento e linguagem, relação essa que não
nasce com o sujeito, mas é desenvolvida ao longo da evolução da espécie e do desenvolvimento do
próprio individuo.
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Para Vigotski, o homem se desenvolve porque pode aprender, ou seja, à medida que se relaciona
com o mundo, desenvolve-se. O desenvolvimento humano se dá de fora para dentro, devido ao
aspecto cultural e a aprendizagem é importante nas definições do rumo do desenvolvimento. A
aprendizagem promove o desenvolvimento. O fato de aprender é que define por onde o
desenvolvimento acontece.
Para explicar as funções da linguagem e o início da comunicação no homem, Vigotski fez relações
e comparações com o desenvolvimento da espécie, partindo da observação de chipanzés.
Nestas pesquisas com chipanzés, na década de 20, Vigostki (2001, 2005) relatou que esses animais
podem comunicar-se e o fazem por meios sonoros pelos quais diferentes gritos e emissões
significam diferentes mensagens. Também se comunicam por gestos e ainda fazem uso de uma
inteligência prática podendo utilizar instrumentos, como. por exemplo, usar uma cadeira para subir
em algum lugar alto para obter alimento. O uso dessa inteligência prática exige a presença do
objeto concreto. A partir destas considerações explicou os comportamentos dos bebês e a primeira
função da linguagem: a função de intercâmbio social ou função comunicativa.
A linguagem tem, na concepção de Vigotski, funções diferentes. A primeira é a comunicativa, a
segunda é a função de regular o próprio comportamento tornando a linguagem um instrumento
para produzir efeitos sobre o meio social, ou seja, as duas funções básicas da linguagem são a de
intercâmbio social e a de pensamento generalizante.
A função inicial da linguagem é a comunicativa. A principal função da linguagem é a de
intercâmbio social, ou seja, é a comunicativa. É a necessidade de comunicação que impulsiona o
desenvolvimento de linguagem.
A função comunicativa pode ser descrita como a função comunicação social. Um bebê, por
exemplo, de dois meses de idade, comunica-se efetivamente com o meio. A mãe (adulto)
reconhece e interpreta o choro do bebê como sendo significativo de fome, dor ou desconforto. A
tranquilidade do bebê também tem função comunicativa, pois pode significar simplesmente que
suas necessidades básicas estão satisfeitas. Os primeiros balbucios não têm aspecto cognitivo e
somente com o desenvolvimento é que a criança passará a usar a fala com objetivo social, de
interação com o mundo de pessoas e objetos.
A comunicação sem linguagem refere-se à primeira função, a comunicativa, de intercambio social.
O choro do bebê é representativo dessa fase comunicativa, pois é um choro carregado de
significados que expressa desconforto, fome, dor, entre outros.
Vigotski afirmou que a comunicação pode acontecer sem linguagem, mas será limitada e
comparável à comunicação dos animais. A comunicação mediada pela linguagem é a que
possibilita a transmissão de conteúdos simbólicos.
No entanto, para que esta comunicação atinja níveis cada vez mais representacionais, mais
simbólicos e mais abstratos é necessário o uso dos signos para ser possível transmitir a ideia de
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sentimentos, vontades, desejos e pensamentos de forma precisa, formando assim os conceitos
relativos ao que que pretende expressar.
Estes signos precisam estar organizados em um código comum para que possam ser generalizados.
A transmissão dos signos conduz à segunda função da linguagem: a de pensamento generalizante.
A segunda função da linguagem, chamada por Vigotski de pensamento generalizante é aquela que
possibilita a expressão do pensamento, a relação pensamento e linguagem se intensifica, e o
desenvolvimento desses dois processos se cruzam e se fundem. A função de pensamento
generalizante implica uma classificação do mundo. É quando a criança já é capaz de agrupar
objetos em uma mesma categoria e por consequência distinguir o objeto que se encaixa em uma
categoria daquele que não se encaixa, isso por si só já é uma primeira classificação de mundo.
Oliveira (2004) em seus estudos sobre Vigotski resumiu essa distinção entre as fases do
desenvolvimento da linguagem e do pensamento. Para essa autora, a fase pré-linguística do
pensamento representa a utilização de instrumentos e o uso da inteligência prática. Um exemplo
dessa fase é a criança pequena que sobe na cadeira para obter o objeto distante, e a fase préintelectual da linguagem é representada pela comunicação que traz alívio emocional e faz a função
social da linguagem, como o choro, os balbucios e o grito. A junção desses dois momentos, das
fases do desenvolvimento da linguagem e do pensamento, representa o pensamento verbal e a
linguagem racional pelas quais o homem se transforma do biológico para o social histórico.
A união de pensamento e linguagem acontece quando a criança descobre que cada coisa tem um
nome, a fala passa a estar ligada ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados. É a
fase em que a criança pergunta “o que é isto?”, e o seu vocabulário aumenta gradativamente. É o
período dos dois anos de idade, aproximadamente.
O fator idade nos tempos atuais é relativo, afinal os textos de Vigotski foram escritos nas décadas
de 20 e 30. A descoberta da função simbólica, quando a criança aprende que cada coisa tem um
nome, é o divisor de águas no desenvolvimento de linguagem de crianças com e sem deficiências.
O importante é ressaltar, nas palavras do próprio Vigotski (2005, p. 67), que: “por um longo
tempo, a palavra é para a criança uma propriedade do objeto, mais do que um símbolo deste: que a
criança capta a estrutura externa palavra-objeto mais cedo do que a estrutura simbólica interna”.
A criança na faixa etária de 18 a 24 meses reconhece a função da palavra, antes mesmo de saber o
significado, o conceito simbólico da palavra. Por exemplo, ela sabe que os dois “objetos” laranja e
feijão servem para alimentá-la, para saciar a sensação física de fome, mas pode ainda não saber
que um alimento é cozido (feijão) e o outro (laranja) pode ser consumido cru, que laranja é uma
fruta e é diferente de feijão, ou ainda pode gostar de laranja e de suco de laranja, mas não associa
que o suco vem da fruta laranja. Ou seja, nas palavras de Vigotski, a criança reconhece a
propriedade, a função para o que serve antes de saber a função simbólica.
Quando começa a nomear o mundo, a criança encontra o caminho para apropriar-se da língua que o
meio lhe oferece. Ao usar as palavras que primeiramente foram concebidas como propriedade do
objeto é que a criança descobre e consolida a sua função como signos.
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O papel do mediador é intensificado na medida em que atribui significado ao mundo da criança,
segundo o contexto cultural, social e histórico que ambos, mediador e criança, estão inseridos. É
pela mediação do outro que a criança constrói o conhecimento do mundo, constrói sua própria
identidade e se apropria de costumes e valores de sua cultura. O significado do mundo é construído
na cultura que está inserida.
À medida que a criança passa a usar os signos, a linguagem passa a ser simbólica. É pela
linguagem que a criança organiza sua expressão em um sistema linguístico, ou seja, se apropria da
língua a que está exposta, em um contexto cultural.
Para se compreender o processo de aquisição de linguagem e o uso de signos na concepção de
Vigotski, torna-se necessário compreender o conceito de mediação proposto por este autor.
Para Vigotski, o papel do outro é fundamental, pois será por meio da interação com o outro que a
criança poderá construir seu conhecimento de mundo, primeiro agindo juntamente com o outro
para depois construir sua própria individualidade. É na interação e pela interação com o outro que
as formas de pensar são construídas e o saber internalizado. O outro representa a cultura, os
valores históricos e sociais.
O salto qualitativo no desenvolvimento do homem é a linguagem enquanto sistema simbólico de
representação da realidade que pode ser expressa pela língua – estrutura na qual os signos estão
por sua vez organizados. A linguagem foi definida como um processo de simbolização, de
generalização de conceitos e como um sistema de representação da realidade eminentemente
humano. Quando Vigotski referia-se à linguagem utilizava-a com o significado de fala, ou gesto,
que se organiza na língua.
A partir do momento que a criança passa a usar palavras para se comunicar, a relação com o
mundo de objetos e pessoas passa a ser abstrata e cada palavra produzida traz em si um mundo de
significados próprios segundo as vivências, experiências pessoais e possibilidades de
generalizações e transferência de aprendizagem.
Tomando a ideia de uma maçã, por exemplo: ao ver o objeto concreto “maçã”, significados
diferentes podem ser associados: vermelho, doce, verde, fome. Alguns podem referir ao aroma,
outros podem associar ao formato da maçã. Outros ainda podem associar a Adão, Eva e o Paraíso.
Ou seja, inúmeros significados segundo a experiência pessoal de cada indivíduo com a maçã
podem ser referidos. Isto representa as diferentes generalizações que se faz a partir de um objeto.
Porém, o que inicialmente representa a maçã nas primeiras generalizações que a criança pode
fazer, é o significado “comer”, pois significa o nível concreto, a função da maçã e para que ela
serve. A linguagem está imbricada na construção do conceito e a construção do conceito permite o
desenvolvimento linguístico.
No desenvolvimento de linguagem, do ponto de vista da semiótica (do significado da palavra), a
criança primeiramente expressa uma palavra, mas que tem o sentido de toda uma frase, ou seja, é
apenas uma palavra solta que expressa o contexto de uma frase inteira, por exemplo, “dá” para
“me dá esse objeto, me dá a bola, eu quero a bola”. Já, do ponto de vista fonético, a primeira
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expressão da criança é uma palavra, para depois esta ser associada a uma frase simples e depois a
frases mais complexas. Assim, os caminhos do desenvolvimento semiótico e do desenvolvimento
fonético são opostos.
O desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem. Entre o que ocorre no mundo
exterior e internamente na criança, o pensamento acontece apoiado nas palavras que podem não
ser externadas e permanecerem “dentro” da criança, que pensa sozinha segundo as suas
experiências. Assim, as palavras que inicialmente estão no mundo exterior acabam internalizadas.
Esse momento representa na concepção de Vigotski a fala que está sendo internalizada pela
criança e será instrumento de pensamento e comunicação entre ela e o mundo. A criança que fala
alto, sozinha, está no discurso interior, pois essa fala é para si própria.
O grande salto qualitativo na forma de relação do homem com o mundo é a língua como sistema
simbólico.
A língua está fora da criança, pois o meio social e cultural já é usuário dessa língua. Assim, a
língua acontece de fora para dentro. O primeiro uso da linguagem é a fala socializada, que
representa o externo à criança e a partir do discurso interior ela se apropria da língua.
No entanto, nesse processo de apropriação da língua, a criança não é um ser passivo, porque é um
sujeito que constrói seu conhecimento de mundo e linguagem, pela mediação com o outro. A
relação com o outro é portanto, dialógica, com troca de turnos entre criança e interlocutor onde na
interação a criança e o interlocutor tornam-se sujeitos pelo diálogo com os outros, mundo físico e
objetos e consequentemente a criança é agente ativo na construção de sua própria língua.
Da mesma forma que a língua oral faz a mediação da criança ouvinte com o mundo, a língua de
sinais faz a mediação da criança surda com o mundo. É o aspecto sócio-histórico-cultural com
propriedades e leis específicas, pois a cultura dos surdos é distinta da cultura dos ouvintes e a
apropriação da língua de sinais se dará por processamentos neurológicos diferentes, a começar pela
questão sensorial, pois o que é auditivo temporal para os ouvintes será visual espacial para surdos.
Vamos, então, no próximo capítulo estudar sobre as questões sensoriais e entender como é o
mundo visual da pessoa surda.
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Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas
Aprofundamento das discussões.
1. Para aprofundar a pesquisa sobre a abordagem da interação
social e os estudos de Brunner na abordagem pragmática.
BORGES, Lucivanda Cavalcante; Salomão, Nadia Maria
Ribeiro. Psicologia: reflexão e crítica. Aquisição da
linguagem: considerações da perspectiva da interação social.
2003.
16(2),
p.
327-336.
http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n2/a13v16n2.pdf.
2. Para conhecer sobre as pesquisas em aquisição de linguagem,
inicie por:
FREITAS, Gabriela Castro Menezes. Pesquisas em aquisição
de linguegem. IN AGUIAR, Vera Teixiera; PEREIRA, Vera
Wannmacher (org). Pesquisa em Letras. Porto Alegre:
PUCRS, 2007.
http://www.pucrs.br/edipucrs/online/pesquisa/pesquisa/artigo7.
html
3. Para conhecer sobre a teoria de Vigotski acesso os vídeos de
Martha Coll.
http://www.youtube.com/watch?v=2qnBE_8A6Fk
http://www.youtube.com/watch?v=TpFLOsoyKTA&feature=relm
fu
http://www.youtube.com/watch?v=apDADNFTUQA&feature=rel
mfu
http://www.youtube.com/watch?v=QSOBXfcHbHI&feature=relm
fu
http://www.youtube.com/watch?v=mj2XBkwTVDw&feature=rel
mfu
18
Praticando
Considerando a afirmação:
“Na concepção interacionista o adulto tem papel fundamental no
processo de aquisição de linguagem pois é o regulador, mediador
de todas as informações que a criança recebe do meio. Mas a
criança também pode exercer o papel de mediador pois é parte
deste processo de interação e mediação e também o meio
ambiente exerce influencia sobre os interlocutores e este apel é
explicado pela concepção sociointeracionista. considera que
criança adquire linguagem na e pela interação com o outro que
compartilha o mesmo contexto social cultural histórico. O primeiro
uso da linguagem é a fala socializada, que representa o externo à
criança e a partir do discurso interior ela se apropria da língua. O
grande salto qualitativo na forma de relação do homem com o
mundo é a língua como sistema simbólico.”
Reflita e escreva suas considerações sobre as facilidades e as
dificuldades quanto a aquisição de linguagem de uma criança
surda filha de pais ouvintes.
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PARA (NÃO) FINALIZAR
Outras concepções de linguagem
O excerto abaixo foi extraído de : VERBA VOLANT . Volume 2 – Número 1 – janeiro – abril
2011 – ISSN 2178-4736 LORANDI, Aline; CRUZ, Carina Rebello; SCHERER, Ana Paula
Rigatti. Aquisição da linguagem. Verba Volant, v. 2, nº 1. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária
da UFPel, 2011, pg. 148-150. http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/lorandi.pdf. Acesso
em 10.09.2012
A partir dos anos 1980, um novo tipo de explicação para a aquisição da linguagem ganha força: o
conexionismo. Com o notável progresso tecnológico e o avanço no desenvolvimento de
computadores, teóricos passaram a investir no conhecimento sobre as funções do cérebro
envolvidas nesse processo. Como ainda não havia instrumentos eficazes para a verificação do
funcionamento do cérebro em si, os primeiros trabalhos conexionistas buscavam uma simulação
desse funcionamento em computadores. A ideia era simular o comportamento das sinapses
neuronais na aquisição e no registro dos conhecimentos. Hoje em dia, estudos conexionistas
dispõem de meios aprimorados para pesquisas. Já é possível, por exemplo, mapear o imageamento
das partes do cérebro envolvida em construções semânticas ou que ficam prejudicadas em um
paciente que não consegue nomear objetos, em função de um AVC. A hipótese conexionista para a
aquisição da linguagem, em suma, é a de que o processo ocorre por meio de formação de redes
sinápticas que são reforçadas ou não de acordo com a frequência de uso das estruturas linguísticas.
Atualmente também a neurociência traz grandes contribuições para a relação entre linguagem e
cérebro, a qual poderá explicar, com base no processamento cerebral, como de fato acontece a
aquisição da linguagem. Correntes teóricas ligadas à neurociência, tal como o
Neuroconstrutivismo (KARMILOFF-SMITH, 1998, 2006, 2009, 2010), que aproveita noções do
construtivismo como o papel ativo da criança na sua aprendizagem e o fato deque as estruturas
cognitivas são emergentes, e não inatamente especificadas, afirmam que a linguagem não é
lateralizada desde o nascimento, mas torna-se especializada e localizada com o tempo. Um estudo
de Mills, Coffey-Corins e Neville (1997) indica que a compreensão de palavras vai do
processamento bilateral entre 13 e 17 meses ao processamento lateralizado aos 20 meses. Essa
teoria depõe, por exemplo, contra a ideia de que a capacidade para a linguagem seja inata.
.
20
REFERÊNCIAS
DEL RÉ, Alessandra (org). Aquisição da linguagem: uma abordagem psicolinguística. São
Paulo: Contexto, 2006.
CORMEDI, Maria Aparecida. Referências de currículo na elaboração de programas
educacionais individualizados para surdocegos congênitos e múltiplos deficientes. 2005.
216f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) – Programa de Distúrbios do
Desenvolvimento,
Universidade
Presbiteriana
Mackenzie,
São
Paulo,
2005.
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-04072011-152503/pt-br.php
_________________________Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem
na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vigotski: aprendizagem e desenvolvimento – um processo sóciohistórico. 4. ed. São Paulo: Scorpion, 2004.
VYGOTSKI, Lev Semenovick. Pensamento e Linguagem. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo e revisão técnica de José Cipolla Neto. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Sites:
<http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/lorandi.pdf >
< http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000076370>
< http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/segundo11.htm>
21
capítulo 2 - Possibilidades de
compensação da perda auditiva
[Para refletir]
Obviamente, os natissurdos são perfeitamente capazes de falar - possuem
aparelho fonador idêntico ao de todos os demais; o que lhes falta é a
capacidade de ouvir a própria fala e, portanto, de monitorar com o ouvido o
som da sua própria voz [...]. Como os surdos não conseguem monitorar sua
fala usando o ouvido, tem de aprender a monitorá-la usando outros sentidos –
visão, tato, senso de vibração e cinestesia. Ademais, as pessoas com surdez
pré-lingüística não dispõe de imagem auditiva, não tem idéia alguma de
como é realmente o som da fala, não tem noção da correspondência entre
som e significado. O que é essencialmente um fenômeno auditivo tem de ser
entendido e controlado por meios não auditivos (SACKS, 1998, p. 38-9).
[fim Para refletir]
[Provocação]
A criança cega ou surda pode desenvolver-se do mesmo modo que a criança
normal, porém as crianças com essas deficiências se desenvolvem de modo
distinto, por um caminho distinto, por outros meios e para o pedagogo é
importante conhecer a peculiaridade do caminho pelo qual deve seguir a
criança. A chave da peculiaridade é dada pela lei de transformação do menos
da deficiência no mais da compensação (VIGOTSKI, 1997, p. 17, grifo do
autor, tradução nossa)1.
[fim provocação]
1. Conceito de compensação
Iniciamos esta parte de nossa unidade, discutindo o conceito de compensação, para entendermos os
aspectos sensoriais específicos para a pessoa surda e entrarmos no mundo da diversidade.
A convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU – Organização das Nações
Unidas aprovada em dezembro de 2006 e assinada pelo brasil em março de 2007 foi ratificada pelo
Congresso nacional em julho de 2008. Por este tratado internacional, a diversidade humana é
reconhecida e aceita, considerando-se as barreiras sociais, arquitetônicas e atutudinais o maior
obstáculo à plena participação das pessoas com deficiência, sobrepondo-se às limitações
1
Do original: “El niño ciego o sordo puede lograr en el desarrollo lo mismo que el normal, pero los niños con
defecto lo logran de distinto modo, por un camino distinto, con otros medios, y para el pedagogo es importante
conocer la peculiaridad del camino por el cual debe conducir el niño. La clave de la peculiaridad la brinda la
ley de transformación del menos del defecto en el más de la compensación”.
22
individuais. Os princípios gerais desta Convenção são: autonomia; dignidade; liberdade de
escolhas; independência; não-discriminação; igualdade de oportunidades; acessibilidade e o direito
das crianças com deficiência de preservar sua identidade.
É fundamental conhecer esta Convenção que representa a máxima das pessoas com deficiências:
“nada sobre nós, sem nós”, pois ao estudarmos sobre a surdez, vamos olhar para a luz da
diversidade, da possibilidade, de como a pessoa surda pode compensar a perda auditiva e exercer
seu pleno direito à língua, identidade, cultura e cidadania.
Importante lembrar que já em 2001, na 54ª Assembléia Mundial de Saúde, foi aprovada, sob a
resolução WHW54 21, a segunda edição da Classificação Internacional das Deficiências,
Incapacidades e Desvantagens, com o título “Classificação Internacional de Funcionamento,
Incapacidade e Saúde”, cuja abreviação é CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade.
CID-10 e CIF são, portanto, complementares. A informação do diagnóstico somada à informação
sobre a funcionalidade proporciona uma visão mais ampla e significativa dos estados de saúde das
pessoas e populações, para facilitar o processo de tomada de decisões. A CIF passou de uma
classificação de “consequências de doenças” (versão 1980) para uma classificação de
“componentes de saúde”. A CID classifica e registra a enfermidade e a CIF a complementa com as
informações de funcionalidade. Tem então uma postura neutra em relação à etiologia, ficando sob
responsabilidade do investigador desenvolver relações causais por meio de métodos científicos
apropriados.
O sistema CIF reconhece as deficiências como problemas das funções corporais associados às
condições de saúde. Esta família de classificações da OMS proporciona um marco conceitual para
codificar informações relacionadas à saúde, empregando uma linguagem única para possibilitar a
comunicação entre saúde, diferentes disciplinas e ciências.
Nesta versão, o termo Funcionalidade substituiu os termos Deficiência, Incapacidade e
Desvantagem e deu lugar à ampliação do significado, considerando as experiências positivas,
registrando e enfatizando a potencialidade do individuo com deficiência.
Com a proposição da Classificação Internacional de Funcionalidade, a organização e a
padronização das informações sobre a pessoa com deficiência é feita sob o aspecto da
funcionalidade, considerando-se capacidades e potencialidades. Assim, o individuo com
deficiência é avaliado quanto à estrutura, atividades e participação. A primeira refere-se a como ele
é fisicamente e como funciona; a segunda ao que sabe fazer; e a última a para que serve aquilo que
sabe fazer. O CIF não classifica pessoas, mas sim descreve a situação de cada pessoa.
Ao propor a avaliação da estrutura e função corporal, esta classificação incorporou o aspecto
positivo deixando de considerar a carga negativa que a deficiência possui acerca daquilo que o
indivíduo perdeu. Da mesma forma, ao incorporar a atividade, referendou a positividade do que se
pode realizar e não as suas limitações. No aspecto da participação, considerou o fator positivo da
inserção dessa pessoa com deficiência na sociedade.
23
Retomando, agora nossa vertente teórica, á luz da concepção social interacionista cultural,
observa-se uma relação do que foi descrito pela CIF, em 2001, pela Convenção dos Direitos da
pessoa com deficiência de 2006, com o que escreveu Vigotski, em 1929, quando, ao definir a
defectologia como a área do saber que estuda a variedade qualitativa do desenvolvimento de
crianças com deficiências e a diversidade dos tipos de desenvolvimento, postulou como
fundamental para o processo de compensação da deficiência a natureza social e não a natureza
biológica desse processo:
O que decide o destino da pessoa, em última instância, não é o defeito em si mesmo,
senão suas consequências sociais, sua realização psicosocial. Os processo de
compensação tampouco estão orientados a completar diretamente o defeito, o que a
maior parte das vezes é impossível, senão a superar as dificuldades que o defeito cria
(VIGOTSKI, 1997, p. 19).
Para Vigotski, o cérebro é um sistema aberto e de grande plasticidade e com imensas
possibilidades que podem servir a novas funções, criadas na história do homem. O conceito de
plasticidade supõe a presença de uma estrutura cerebral que cada indivíduo traz ao nascer e conduz
a idéia de que a estrutura dos processos mentais e as relações entre os vários sistemas funcionais
transformam-se ao longo do desenvolvimento individual.
Sacks (1997, p. 16) referiu-se ao “potencial criativo” da doença que faz o indivíduo se desenvolver
de uma forma não imaginada. Existe, para o autor, um sistema de adaptação altamente eficiente do
organismo direcionado para a evolução e o desenvolvimento, independente dos defeitos e dos
males que possam acometer a função cerebral. Ao referir-se à capacidade do cérebro para as
adaptações, afirmou:
[...] por vezes sou levado a pensar se não seria necessário redefinir os
conceitos de “saúde” e “doença”, para vê-los em termos da capacidade do organismo
de criar uma nova organização e ordem, adequada a sua disposição especial e
modificada e as suas necessidades, mais do que em termos de uma “norma”
rigidamente definida (SACKS, 1997, p. 17-8).
A criança com deficiência tem um processo peculiar de desenvolvimento, diferente e único para
cada uma. Segundo Vigotski (1997, p. 17), “essa peculiaridade transforma o negativo da
deficiência em o positivo da compensação”.
É esse o aspecto a ser discutido neste módulo, como a pessoa surda compensa a perda auditiva.
Para tanto, vamos inicialmente entender sobre a informação sensorial que recebemos do mundo.
24
2 – Compreendendo os Sentidos
No desenvolvimento infantil a criança tem acesso ao conhecimento por meio de experiências com
o mundo que a rodeia e assim passará a conhecer a si mesma e ao mundo. Para Cobo, Rodriguez e
Bueno (2003, p. 100), “a primeira fonte de conhecimento são os sentidos e para conseguir seu
máximo desenvolvimento é necessário estimulá-los adequadamente”.
Esses autores consideraram que o homem está equipado com sistemas sensoriais perceptivos e
proprioceptivos. Fazem parte do perceptivo, os sistemas visual, auditivo, gustativo e tátil. O
sistema proprioceptivo é constituído pelo cinestésico e vestibular.
Os sentidos da visão e da audição são considerados sentidos a distância e os sentidos
proprioceptivo e cinestésico são denominados sentidos proximais.
Os sentidos da visão e da audição são os canais principais pelos quais a maioria das pessoas recebe
informações. A visão é a única que permite identificar objetos à longa distância. A audição
também tem qualidades únicas, pois por meio dela podemos perceber diversas informações ao
mesmo tempo: um avião no céu, um carro na rua, a voz de alguém que fala ao nosso lado e o rádio
tocando em outro aposento.
No caso da pessoa ouvinte, mesmo na tentativa de impedir a audição tampando-se os ouvidos,
resta a audição pela vibração, pela condução óssea que continua a enviar informações ao cérebro, e
a tentativa de se imaginar o mundo na ausência dos sons pode não ser viabilizada.
No caso da pessoa vidente, é possível imaginar o mundo da pessoa cega, cerrando os olhos, mas as
referências de mundo continuariam todas segundo as experiências visuais vivenciadas.
Para recebermos informações sensoriais pelo tato, olfato e gustação – os sentidos proximais,
necessitamos estar fisicamente presentes. O objeto precisa estar ao alcance das mãos para ser
tocado, precisa ser levado à boca para se ter a sensação do gosto.
No caso do olfato, apesar do odor poder ser percebido à distância, é considerado um sentido
proximal pelo fato de que a informação percebida pelo olfato e as representações que podem ser
feitas são limitadas quando comparadas com o que se obtém pelos sentidos à distância, visão e
audição.
Especificamente quanto aos sentidos proximais, propriocepção informa a posição de cada membro
e sua relação com o resto do corpo, e essas informações são fundamentais para a coordenação dos
movimentos. Para tanto, uma variação normal do tônus muscular é necessária para que esse
sistema sensorial possa funcionar eficientemente e transmitir as informações ao cérebro.
É pela propriocepção que se tem a consciência do posicionamento do corpo no espaço, do
posicionamento dos membros em relação ao corpo, se há movimento e em que direção. Essa
25
informação sensorial é ainda mais complexa, pois se tem a consciência, segundo os receptores
estimulados, da pressão exercida sobre o corpo, a força aplicada ao movimento, a extensão e o
ângulo de cada articulação.
O sistema proprioceptivo composto pelos sentidos cinestésico e vestibular é então responsável
pelas informações sobre a posição, o deslocamento e o equilíbrio do corpo no espaço, e
velocidade, consequentemente é o sistema responsável pelas informações que os movimentos do
corpo trazem.
O sentido cinestésico informa sobre a posição do corpo no espaço e o sentido vestibular informa
sobre a orientação e o equilíbrio do corpo no espaço.
Os sentidos químicos do paladar e do olfato percebem estímulos na língua e no nariz
respectivamente e estão intimamente relacionados um ao outro, pois as sensações de diferentes
sabores relacionam-se com as sensações olfativas.
Ainda segundo Cobo, Rodriguez e Bueno (2003), os sentidos têm três funções básicas: detecção,
transdução e transmissão.
•
Detecção: as células do organismo captam e reagem a diferentes tipos de energia (ex:
luminosa, sonora).
•
Transdução: codificação da informação ou transformação da energia física de estímulo em
energia nervosa para que o sistema nervoso possa utilizar a informação.
•
Transmissão: os impulsos nervosos chegam ao cérebro e este por sua vez pode transmitir
ao sistema de resposta gerando seleção, reorganização e modificação da informação.
Sistemas
Perceptivo
Sentidos
Parte do corpo onde se
localizam os receptores
sensoriais
Tipo de informação
recebida
Visual.
Olhos.
Raios luminosos.
Auditivo.
Cóclea (orelha interna).
Ondas sonoras.
Gustativo
(paladar).
Olfativo.
Tatil.
Língua: papilas palatinas.
Temperatura, textura e
sabores.
Aromas, cheiros e odores.
Dor, temperatura e textura.
Proprioceptivo Cinestésico.
Vestibular.
Narinas.
Pele.
Tendões, músculos
articulações.
e Deslocamento,
posicionamento no espaço
e movimento.
Canais
semicirculares Velocidade, equilíbrio e
(orelha interna).
movimento.
Fonte: Cormedi(2011, p. 40) http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-04072011-152503/pt-br.php
26
O quadro acima tem por objetivo resumir a informação sensorial recebida por meio de cada
sentido separadamente, para se compreender o todo que o cérebro recebe e processa e
principalmente compreender a importância da informação tátil e proprioceptiva.
Por mais que se faça uma descrição didática sobre as informações recebidas separadamente pelos
diferentes sentidos, sabe-se que o cérebro não recebe tais informações isoladamente., mas pelo
quadro acima vimos que na ausência da audição, as informações recebidas do mundo são
provenientes do sentido a distância visual e dos sentidos proximais e as formas de comunicação a
serem utilizadas estão diretamente relacionadas com os canais sensoriais.
Sacks (1998) em seu livro Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos discute as
particularidades da pessoa surda ao investigar a língua de sinais e rever os pressupostos de
Vigotski. Quanto a informação sensorial que recebemos do mundo descreveu as informações
advindas de todos os sentidos do ponto de vista da pessoa vidente e ouvinte, em que as referências
do mundo concebido visual e auditivamente são tão naturais que tornam-se inconscientes:
Existe, obviamente, um ”consenso” dos sentidos – os objetos são simultaneamente
ouvidos, vistos, sentidos, cheirados; o som, a visão, o cheiro e a sensação ocorrem
juntos. Essa correspondência é estabelecida pela experiência e a associação.
Normalmente, isso é algo que não temos consciência, embora pudesse ser grande a
surpresa para nós se alguma coisa não soasse conforme sua aparência – se um dos
nossos sentidos transmitisse uma impressão discrepante. Mas, de um modo muito
súbito e surpreendente, podemos ser levados a tomar consciência da correspondência
dos sentidos se formos repentinamente privados de um sentido ou se adquirirmos um.
(SACKS, 1998, p. 19).
.
O mundo para o surdo é espacial. A mínima movimentação dos objetos e pessoas tem para o
surdo, fundamental importância. A audição é o sentido de alerta para o ouvinte, a mínima
movimentação é o alerta para o surdo. A recepção de informações sensoriais pela visão assume
papel primordial para o surdo. A maior dificuldade para o surdo é com a comunicação oral. A
limitação ou ausência de percepção sensorial dos estímulos sonoros acarreta imensa dificuldade na
compreensão e na expressão da língua oral:
A cinestesia, sentido pelo qual percebemos os movimentos, o peso e as posições dos membros,
tem, para o surdo, papel fundamental na percepção e representação do mundo, que é composto por
percepções visuais, de movimento e de vibração.
A língua de sinais é a resposta dos surdos para a problemática de comunicação, é o instrumento
cultural alternativo – uma língua que foi criada por eles e para eles. Sacks (1998, p. 63) citando
Vigotski e comentando sobre esse potencial dos surdos, afirmou: “ A língua dos sinais está voltada
para as funções, as funções visuais, que ainda se encontram intacta; constitui o modo mais direto
de atingir as crianças surdas, o meio mais simples de lhes permitir o desenvolvimento pleno, e o
único que respeita sua diferença, sua singularidade”.
27
.
Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas
Aprofundamento das discussões.
1. Para aprofundar a pesquisa sobre os sentidos, leia o artigo de
MASINI, Elcie F. Salzano. A experiência perceptiva é o solo do conhecimento
de pessoas com deficiências sensoriais e sem deficiências sensoriais.
Maringá: Psicologia em Estudo, 2003, v. 8, n. 1 p. 39-43. ISSN 1413 –
7372. http://www.scielo.br/pdf/pe/v8n1/v8n1a06.pdf
2. Para conhecer a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência,
acesse:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d694
9.htm
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/documentos_apoio/conven
cao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia-comentada.pdf
Praticando
Masini (2011) relatou uma pesquisa realizada junto a futuros
profissionais da área de educação e saúde sobre suas percepções
caso perdessem um dos sentidos: visão ou audição. Tomando por
base essa pesquisa, reflita e responda à seguintes indagações
para um convite para um mundo imaginário:
1. Se você tivesse que escolher permanecer apenas com um dos
28
sentidos de distância – visão ou audição – responda:
1a. escolheria permanecer ( ) com a visão; com a audição ( )
2b. Explique por que fez esta escolha
2.
Se você tivesse que escolher nascer apenas com um dos
sentidos de distância – visão ou audição – responda:
2a. escolheria nascer ( ) com a visão; com a audição ( )
2b. Explique por que fez esta escolha
.
PARA (NÃO) FINALIZAR
Excerto extraído de
MASINI, Elcie F. Salzano ( org). Educação e Alteridade: deficiências sensoriais, surdocegueira,
deficiências múltiplas. São Paulo: Vetor, 2011.
“ Portanto, apenas a linguagem possibilita que o ser humano possa ser e estar socialmente em nossa
sociedade. A possibilidade plena que é fornecida aos surdos pela Língua de Sinais não deveria serlhes jamais negada. O objetivo maior da educação e da sociedade deveria ser o de caminhar nessa
direção, para que a verdadeira inclusão aconteça: aquela entre os indivíduos que respeitam as
diferenças. Infelizmente, não, é isso o que se verifica acontecer nos projetos de inclusão das escolas.
Normalmente, o professor não está preparado para os desafios que lhe são colocados e que dizem
respeito a compreender um nova forma de estar no mundo: percebendo-o pelo canal visual e se
comunicando pela Língua de Sinais. Da mesma forma, outros profissionais que atuam com surdos não
entendem, muitas vezes, essa realidade e o trabalho realizado tanto no âmbito clínico como educacional
acaba por colocar em risco toda uma proposta que, teoricamente, deveria propiciar o real
desenvolvimento dos surdos”
29
REFERÊNCIAS
COBO, Ana Delgado; RODRIGUEZ, Manuel Gutierrez; BUENO, Salvador Toro. Desenvolvimento
cognitivo e deficiência visual. In: MARTIN, Manuel Bueno; BUENO, Salvador Toro. Deficiência
visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. Tradução de Magali de Lourdes Pedro. São Paulo:
Livraria Santos, 2003.
CORMEDI, Maria Aparecida. Referências de currículo na elaboração de programas educacionais
individualizados para surdocegos congênitos e múltiplos deficientes. 2005. 216f. Dissertação
(Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) – Programa de Distúrbios do Desenvolvimento,
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005.
_________________________Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem
na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde04072011-152503/pt-br.php
MASINI, Elcie F. Salzano ( org). Educação e Alteridade: deficiências sensoriais, surdocegueira,
deficiências múltiplas. São Paulo: Vetor, 2011.
SACKS, Oliver W. Um Antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. Tradução de Bernardo
Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
______. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução de Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
VYGOTSKI, Lev Semenovick. Pensamento e Linguagem. Lisboa, Portugal: Editora Antídoto, 1979.
______. Obras escogidas: V. Fundamentos de defectologia. Tradução de Julio Guillermo Blank.
Madrid: Visor, 1997.
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/documentos_apoio/convencao-sobre-os-direitos-daspessoas-com-deficiencia-comentada.pdf
30
Unidade II – Conceitos
fundamentais
capítulo 3 Linguagem,
Comunicação e Língua
[Para refletir]
“ A comunidade surda possibilita ao surdo um suporte para a constituição de sua subjetividade. Através
da língua de sinais, o sujeito surdo passa a se nomear e é inserido na cultura surda. O encontro com a
comunidade surda permite-lhes sair do lugar do diferente, do excluído, do estranho, do estrangeiro,
para o de “pertencimento”, um lugar em que se encontram como iguais, ‘sentem-se entendidos e
efetivamente conseguem estabelecer uma relação de troca. Encontram finalmente uma família e uma
filiação. Os valores transmitidos passam a ser os da comunidade surda. São esses valores que são
apreendidos pelos surdos e não os da família de origem, distanciando-os ainda mais dos valores
paternos. Faz-se necessário ressaltar que não é o encontro com a comunidade surda e com a língua
de sinais que causa o distanciamento dos surdos em relação à família de origem. Esse
distanciamento já acontecia quando ainda não conheciam os surdos e se deve à impossibilidade de
compartilhar a língua materna e todas as implicações que vêm acompanhadas por ela. Ocorre que,
no momento em que o surdo tem acesso a uma língua, surge a oportunidade do estabelecimento de
uma comunicação com seus familiares se eles buscarem o aprendizado da língua de sinais. Porém,
em geral isso não acontece. Nesse momento de aquisição linguística, se essa língua não for
compartilhada com os familiares, os surdos passam a ocupar um lugar de estrangeiro no núcleo
familiar. Passam a ser aqueles que têm outra língua e outra cultura, aqueles que vêm de um outro
lugar, um lugar espaço-visual, que não faz parte da história da cultura familiar. São aqueles que
carregam uma outra história, a história da comunidade surda.” Dalcin, 2006, p. 210.
.
[fim Para refletir]
[Provocação]
Nem a língua, nem as formas superiores de desenvolvimento cerebral ocorrem “espontaneamente”;
dependem da exposição à língua, da comunicação e uso apropriado da língua. Se as crianças surdas não
forem expostas bem cedo a uma língua ou uma comunicação adequada, pode ocorrer um atraso (até
mesmo uma interrupção) na maturação cerebral, com uma contínua predominância de processos do
hemisfério direito e um retardamento na “troca” hemisférica. Mas se a língua, um código linguístico,
31
puder ser introduzida na puberdade, a forma do código (fala ou sinais) não parece importar; importa
apenas que seja boa o suficiente para permitir a manipulação interna – e então a mudança normal para a
predominância do hemisfério esquerdo poderá ocorrer. E se a língua primária for a de sinais, haverá
adicionalmente, uma intensificação de habilidade visual cognitiva, tudo acompanhado de uma mudança
da predominância do hemisfério direito para a do esquerdo (SACKS, 1998, p.123).
[fim provocação]
Como temos visto até agora, precisamos estabelecer as diferenças conceituais entre os termos Língua,
Linguagem e Comunicação a fim de entendermos sobre aquisição de linguagem, as possibilidades de
comunicação por diversas línguas, bem como saber que existem outras formas de comunicação que não
dependem de uma língua estabelecida.
Tendo como base a concepção sociointeracionista baseada principalmente nos estudos de Vigotski,
vamos, então, definir cada um destes conceitos e conhecer sobre a aquisição de linguagem e
apropriação da língua de sinais das crianças surdas.
1 – Linguagem
Vigotski referiu que a linguagem é antes de tudo, um meio de comunicação social, de enunciação e
compreensão, atribuindo à linguagem o caráter inicial comunicativo, de interação social, e ao
enunciado a importância da organização dos signos e dos sentidos inerentes ao contexto histórico,
cultural e social.
Os estudo da linguagem baseados no sociointeracionismo buscam explicar a relação dialógica pelo
qual o discurso se constrói com pelo menos dois interlocutores concebendo a linguagem como
atividade dialógica no sistema de relações sociais. Nas relações dialógicas entre mãe e criança, a
primeira será o sujeito constitutivo da fala infantil, aquele que dá e atribui significado ás expressões da
criança, exercendo o papel de mediadora entre a criança, e o mundo de pessoas e objetos. A criança,
por sua vez, nessa relação dialógica, os processos comunicativos e cognitivos da linguagem.
Resumindo:
A dinâmica da fala, ou seja, o enunciado resulta da interação de dois indivíduos no contexto
social. A linguagem é fundamental para a comunicação, mas é a interação entre os
interlocutores que fundamenta a linguagem. O dialogismo é o princípio constitutivo da
linguagem e a condição do sentido do discurso. Este, por sua vez, não é individual, pois
acontece entre pelo menos dois interlocutores.
A linguagem é o sistema de representação da realidade sendo a mediadora das relações do
homem com o mundo.
32
A linguagem ordena o real e agrega os conceitos generalizados que são a fonte do
conhecimento humano, pois a linguagem é constituidora do sujeito e mediadora das relações
sociais. É um meio de comunicação social, de enunciação e de compreensão.
A linguagem é dialógica e o diálogo é o princípio constitutivo do enunciado.
No caminho do desenvolvimento da linguagem, o homem passa por fases em que a
comunicação se manifesta inicialmente sob formas pré-linguísticas com
conteúdos
emocionais, sem a manifestação da linguagem.
Os enunciados não tem um fim em si mesmo, são sempre de alguém para alguém fazendo parte
das relações sociais.
A linguagem tem natureza discursiva porque as palavras estão organizadas em frases que por
sua vez constituem o discurso.
2 – Língua
Importante explicitar sobre o conceito e o sentido de “língua” e “linguagem”. Baseado em Quadros e
Karnoop (2004) sabe-se que o termo lenguage em inglês tem duas representações em português: língua
e linguagem. Isto se explica pelos dois sentidos da palavra inglesa, que se aplica não somente a línguas
naturais (por exemplo: espanhol, árabe, português), mas também a outros sistemas de comunicação em
geral. Já em português, o vocábulo língua se aplica às diferentes línguas e o vocábulo linguagem tem
sentido mais abrangente, aplicado a outros sistemas de comunicação.
A Língua e a Linguagem constituem os objetos de estudo dos linguistas, conforme a seguinte
definição: “ A língua é um sistema padronizado de sinais/sons arbitrários, caracterizados pela estrutura
dependente, criatividade, deslocamento, dualidade e transmissão cultural. Isso é verdade para todas as
línguas no mundo, que são reconhecidamente semelhantes em seus traços principais [...] a função
primária da língua é a comunicação e a expressão do pensamento” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p.
28).
Voltando nossos estudos teóricos para a concepção sociointeracionisa compreende a língua que o
ambiente social e cultural utiliza como aquela que é apropriada pelo sujeito quando este passa a
mediar a relação com o mundo pelo uso dos signos que permitem representações concretas e abstratas.
Dessa forma, a língua é social e é vivenciada pela organização dos enunciados que por sua vez contém
diferentes sentidos evoluídos socialmente.
33
Os sons da língua não tem relação com o significado que representam, por isso a língua é arbitrária, no
entanto existem regras e organização para esses sons e uma estrutura depende da outra, possibilitando
o entendimento da estrutura da sentença independentemente do número de elementos linguísticos
envolvidos.
A organização da língua permite a criação de novos enunciados com distintos sentidos que se alteram
tanto pela organização sintática como pela entonação e melodia na expressão. Os sons ou unidades da
língua, conhecidos como fonemas, exemplo, t, p, c v, só adquirem significados quando combinados
com outros, por isso a língua é dual. Os sons não têm significados sozinhos e isolados. A dualidade, no
caso da língua oral portuguesa permite diferenciar “gola” de “mola”.
Resumindo:
O que é inerente à língua é transmitido culturalmente pelo homem e é portanto, um fenômeno
social.
A língua, é então um sistema altamente desenvolvido e sua função primária é a comunicação
e a expressão do pensamento.
É um sistema padronizado de sinais ou sons arbitrários, caracterizados pela estrutura
dependente formando uma rede de elementos interligados que representam um fenômeno
social de interação verbal possibilitada pelo uso dos enunciados organizados no discurso do
interlocutor. O discurso contém significados e sentidos relativos aos diferentes momentos
sociais, culturais e históricos.
Cabe chamar a atenção de que discutimos os conceitos de língua baseados em autores que pesquisaram
a linguagem e a língua em crianças ouvintes e em crianças surdas. Dessa forma, os conceitos
discutidos também se referem à língua de sinais quando se entende a modalidade da língua de sinais
como visual-espacial que incorpora os elementos estruturais da língua por meio das relações espaciais,
movimento das mãos e outros recursos linguísticos.
Compreendendo-se o termo “verbal” como aquilo que se dá por “palavras”, o diálogo para a pessoa
surda será possibilitado pela palavra sinalizada, ou seja, pelo sinal da língua de sinais.
O uso da língua de sinais na interação entre os surdos é o que define a identidade surda, pois é na
interação entre surdos que usam a língua de sinais que surgirão novas possibilidades de compreensão,
de diálogo, de expressão e consequentemente de aprendizagem.
Sem a capacidade de se comunicar por meio de uma língua, seja oral ou por sinais, a criança ficará
meramente comunicativa comprometida em seu processo de aquisição de linguagem e com restrições
de oportunidade de comunicação linguística.
Segundo as autoras Quadros e Karnopp, a Língua de sinais brasileira é Língua que é o meio e o fim da
interação social, cultural e científica da comunidade surda brasileira, é uma língua visual-espacial.
34
As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e, consequentemente,
compartilham uma série de características que lhes atribui caráter As línguas no
contexto da educação de surdos específico e as distingue dos demais sistemas de
comunicação, por exemplo, produtividade ilimitada (no sentido de que permitem a
produção de um número ilimitado de novas mensagens sobre um número ilimitado
de novos temas); criatividade (no sentido de serem independentes de estímulo);
multiplicidade de funções (função comunicativa, social e cognitiva – no sentido de
expressarem o pensamento); arbitrariedade da ligação entre significante e
significado, e entre signo e referente); caráter necessário dessa ligação; e articulação
desses elementos em dois planos – o do conteúdo e o da expressão. As línguas de
sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um
sistema linguístico legítimo, e não como um problema do surdo ou como uma
patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de
sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na
sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças (Quadros e
Karnopp, 2004: 30).
3 – Comunicação
Retomando as funções da linguagem descritas por Vigotski – a de intercâmbio social e a de
pensamento generalizante – vê-se que a primeira função da linguagem é comunicar-se. Uma criança,
antes mesmo de poder falar alguma palavra, é capaz de expressar-se de diferentes formas: riso, choro,
expressão facial, tensão muscular, gestos, movimentos corporais, apontar objetos, ou por diferentes
formas de comportamentos, como desviar o olhar, atirar objetos e recusar o contato. Oliveira (2004),
citando Vigotski, descreve como se dá a interpretação do gesto de apontar realizado pelo bebê, que
ilustra o processo de internalização de significados dados culturalmente. Inicialmente o bebê tenta
pegar um chocalho que está fora de seu alcance esticando a mão na direção do chocalho fazendo, no ar,
um movimento de pegar, sem conseguir tocá-lo. Do ponto de vista do bebê, este é um gesto dirigido ao
chocalho, uma relação externa entre ele e o chocalho. No entanto quando o adulto observa a situação
reage dando o chocalho para a criança interpretando o movimento mal sucedido de pegar o objeto
como tendo um significado “eu quero aquele chocalho”. São os primórdios da comunicação ainda sem
língua.
O termo comunicação é mais amplo e refere-se a todas as formas de expressão com o objetivo de
transmitir uma informação, uma mensagem, um sentimento, um desejo, um significado. Pode acontecer
sob formas linguísticas ou não, e isso significa que comunicação pode acontecer sem linguagem.
Assim, a criança inicia-se no processo de aquisição de linguagem, desde que nasce, comunicando-se
pelo choro, sorrisos, e movimentos corporais. É uma comunicação concreta, ainda não regida por uma
língua e sem abstrações. É o que denominamos de comunicação pré-linguística.
Concluindo:
Comunicação pré-linguística: Fundamentado na primeira função da linguagem, descrita
por Vigotski, a função comunicativa, com conotação de interação social, afetivoconotativa. Portanto, refere-se também a primeira função da linguagem, a de
intercâmbio social, onde a relação está mediada por instrumentos, por objetos
concretos e o uso do próprio corpo para transmitir a mensagem.
35
A comunicação não mediada pela linguagem e por sistema de signos abstratos viabiliza
apenas a comunicação primitiva e concreta, sendo então, limitada para transmitir os
significados na sua totalidade. Este é o fator fundamental do conceito de comunicação
pré-linguística: pode acontecer sem níveis mais representativos de linguagem.
Comunicação linguística: É a manifestação da linguagem, é aquela comunicação
mediada pelos signos, considerando-se desde a primeira forma de signos que se dá
pelas representações concretas por meio de figuras até os signos com representações
abstratas pela palavra ou pelos sinais. A comunicação linguística abrange os gestos, o
uso das palavras, seja oral ou por sinais. Pode acontecer por meio de palavras isoladas,
sinais isolados, não totalmente organizados no sistema linguístico do contexto social,
cultural e histórico. Neste caso, também ficarão limitadas as possibilidades de diálogos
elaborados.
o São exemplos: a mãe faz um gesto natural nas mãos da criança com
movimentos de levar a mão à boca para indicar que vai comer e a criança
demonstra compreender buscando o alimento. A criança faz o sinal de bola para
indicar que quer o brinquedo.
Há que se considerar outra classificação de formas comunicativas, uma vez que a
aprendizagem natural de gestos e sinais pode não acontecer e precisará ser facilitada
por formas concretas representacionais, no caso de crianças com deficiências
Comunicação concreta representacional: transição de formas pré-linguísticas para
linguísticas, onde o uso de objetos representacionais facilitará a abstração e a
compreensão dos significados. Nesta fase se introduz os signos com significados e
significantes exteriorizados. Tais signos são início de representações e estão associados
ao concreto.
o São exemplos as formas de comunicação alternativa e aumentativa, com o uso
do sistema de calendários e pranchas de comunicação utilizadas por crianças
com deficiências associadas.
4– Comunicação Alternativa
Iniciamos esta parte de nossos estudos compreendendo os diversos termos que se referem á
comunicação alternativa que podem ser encontrados em estudos sobre essa área.
Para a American Speech-Language-Hearing Association um sistema de Comunicação Alternativa é "o
uso integrado de componentes incluindo símbolos, recursos, estratégias e técnicas utilizados pelos
indivíduos a fim de complementar a comunicação".
36
O termo Comunicação Alternativa e Ampliada é utilizado para definir outras formas de comunicação
como o uso de gestos, língua de sinais, expressões faciais, o uso de pranchas de alfabeto ou símbolos
pictográficos, até o uso de sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada.
O termo Comunicação Alternativa
comunicação
é usado
quando o indivíduo não apresenta outra forma de
O termo Comunicação Ampliada é usado quando o indivíduo possui alguma comunicação, mas essa
não é suficiente para suas trocas sociais
O conceito de Comunicação Suplementar e Alternativa American Speech-Language-Hearing
Association refere-se a uma área da prática clínica, educacional e de pesquisa para terapeutas que
tentam compensar e facilitar, temporária ou permanentemente, os prejuízos e incapacidades dos
indivíduos com severos distúrbios da comunicação expressiva e/ou distúrbios da compreensão.
Comunicação Suplementar e Alternativa pode ser necessária para indivíduos que demonstrem prejuízos
nos modos de comunicação gestual, oral e/ou escrita.
Comunicação Suplementar: Quando o indivíduo utiliza um outro meio de comunicação para
complementar ou compensar deficiências que a fala apresenta, mas sem substituí-la totalmente.
Comunicação Alternativa: Quando o indivíduo utiliza outro meio para se comunicar ao invés da fala,
devido à impossibilidade de articular ou produzir sons adequadamente.
O conceito de Comunicação Alternativa compreende recursos que possibilitam dar voz a pessoas
impedidas de se comunicar por meio da oralidade ou que apresentam a inteligibilidade da fala
significativamente comprometida, em qualquer época do ciclo de vida, auxiliando desde criança em
fase de aquisição da linguagem e adultos que sofreram acidentes ou patologias que comprometeram sua
comunicação. ( III Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa, 2009.)
Comunicação alternativa envolve Sistemas pictoriais e sitemas linguísticos
Os sistemas pictorias são os pictogramas, símbolos para representar objetos, pessoas, ações e incluem
fotos, filmes, desenhos, etc. Neste sistema, os símbolos mantêm uma relação analógica e contínua com
os referentes e expressam conceitos concretos mesmo que os interlocutores (receptor e emissor) não
partilhem o mesmo código ou língua.
O objetivo dos sitemas pictoriais é tornar o indivíduo com distúrbios de comunicação o mais
independente e competente possível em suas situações comunicativas, podendo assim ampliar suas
oportunidades de interação com outras pessoas
Já os sistemas linguísticos - empregam símbolos abstratos e arbitrários para representar os significado
de seus referentes. Incluem ideogramas chineses, símbolos Bliss, Lingua de sinais e Braille.
A característica mais importante dos sistemas linguísticos é que seus componentes (ou caracteres de
ideogramas, fonogramas, silabários, alfabetos, ou de outros códigos quaisquer) mantêm com os
37
referentes uma relação arbitrária, digital, discreta, convencional. Só é possível, se receptor e emissor
partilharem o mesmo código com relação significante-significado.
Um dos recursos de comunicação alternativa mais usado atualmente é a pranchas de comunicação que
pode ser construídas utilizando-se objetos ou símbolos, letras, sílabas, palavras, frases ou números .
As pranchas de comunicação são personalizadas e devem considerar as possibilidades cognitivas,
visuais e motoras de seu usuário.
Os símbolos utilizados nas pranchas de comunicação são pictográficos e se referem a Picture
Communications Simbols (PCS) porque são elaborados com o auxílio do software Boardmaker.
Podem ser impressos isoladamente em cartões ou organizados em pranchas de comunicação.
Pcs- Picture Communication Simbols foram criados no início dos anos 80 pela fonoaudióloga
americana Roxanna Mayer Johnson e compõe atualmente o conjunto de símbolos mais difundido em
todo o mundo.
É um sistema gráfico visual composto de desenhos que mantêm uma estreita relação de forma
bidimensional com seu correspondente Nível de abstração menor por parte do usuário. Indicado para
crianças menores.
Sistema de símbolos que apresenta uma relação dialógica e contínua com os seus referentes que
comunicam conceitos concretos e imagináveis de modo não ambíguo o que possibilita que emissor e
receptor não falem a mesma língua.
Símbolos bidimensionais.
Relação idêntica ao objeto a que se refere.
Inclui alfabeto e números.
Permite uso de fotos.
Alguns pictogramas tem dois ou mais desenhos, que permite ao usuário escolher.
38
http://www.clik.com.br/mj_01.html#boardmaker acesso em 10.09.12
Exemplo do uso de figuras do PCS em uma prancha temática sobre alimentação.
39
Exemplo do uso dos símbolos do PCS como apoio na aprendizagem de crianças surdas
Dois tipos de Pranchas podem ser construídas:
o Prancha individual: responsável é o fonoaudiólogo.
o Prancha temática: montada por qualquer profissional que atue diretamente com a criança.
Nas pranchas individuais cada categoria gramatical tem uma cor correspondente:
o Figuras sociais, pronomes interrogativos – cor rosa (contorno ou fundo)
o Figuras de pessoas e pronomes pessoais – cor amarela (contorno ou fundo)
o Figuras de verbos – cor verde ( contorno ou fundo)
o Figuras descritivas: adjetivos e advérbios - cor azul ( contorno ou fundo)
o Figuras miscelâneas, conjunções, alfabeto, números – cor branca
o Figuras de substantivos – cor laranja
40
Prancha Individual. http://cadernodasu.blogspot.com.br/ acesso em 10.09.12
Prancha
temática.
http://leandrafono.blogspot.com.br/2011/05/comunicacao-alternativaqualquer.html. Acesso em 10.09.12
Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas
Aprofundamento das discussões.
Veja esse texto sobre Comunicação Alternativa, recursos para pessoas que
necessitam de apoios específicos de comunicação ou que necessitam de sistemas
41
alternativos por terem limitações quanto à língua oral e língua de sinais.
Para saber mais sobre comunicação alternativa e tecnologia assistiva consulte
http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersch.
pdf
Praticando
Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas
Vamos refletir e responder às seguintes questões:
Aprofundamento das discussões.
1. Existe comunicação sem linguagem?
Veja esse texto sobre Comunicação Alternativa, recursos para pessoas qu
2. Crianças com deficiências podem chegar a níveis de
necessitam de apoios específicos de comunicação ou que necessitam de sistem
linguagem, mas podem não dominam uma língua para
alternativos por terem limitações quanto à língua oral e língua de sinais.
comunicar-se por meios linguísticos. De que maneira
poderiam,
estascomunicação
crianças se comunicar?
Para saber
mais sobre
alternativa e tecnologia assistiva consul
http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersc
3. Qual a importância e o significado do adulto surdo fluente em
pdf
língua de sinais na convivência com crianças surdas filhas de
pais ouvintes.
REFERÊNCIAS
CAPOVILLA, Fernando César & Raphael, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado
trilíngüe - Língua de Sinais Brasileira Libras. Vol. I e II. 2. ed. São Paulo: Ed.
Universidade de São Paulo, 2001.
42
CORMEDI, Maria Aparecida. Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem
na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde04072011-152503/pt-br.php
DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constituição da subjetividade
do sujeito surdo. IN QUADROS, Ronice Müller (org). Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Arara Azul,
2006.
QUADROS, Ronice Muller; KARNPPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudo
linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
QUADROS, Ronice .Müller; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira – estudos
linguísticos. Porto Alegre, RS.: ArtMed, 2004
__________. Educação de Surdos: a Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.
Reimpressão 1997..
QUADROS, Ronice Müller (org.) Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006.
__________. (org.) Estudos Surdos II. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2007.
Sites:
< http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersch.pdf>
< >.
43
capítulo 4 Aquisição da
linguagem na
criança surda
[Para refletir]
O excerto abaixo foi extraído de:
PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA, Inês da Silva Bilinguismo e Educação de Surdos.
Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x.
Para o texto completo acesse http://www4.pucsp.br/pos/lael/intercambio/pdf/4_MCristina_.pdf
A língua de sinais é uma língua natural, com gramática própria e, por ser visual/espacial, é adquirida
sem dificuldades pelas pessoas surdas. A aquisição da língua de sinais permitirá à criança surda, além
do desenvolvimento linguístico, o desenvolvimento dos aspectos cognitivo e sócio-afetivo-emocional.
Permitirá também o desenvolvimento de identificação com o mundo surdo, um dos dois mundos aos
quais ela pertence. E mais, a língua de sinais servirá como base para a aquisição da língua
majoritária, preferencialmente na modalidade escrita. Finalmente, o fato de ser capaz de utilizar a
língua de sinais será uma garantia de que a criança surda possa usar pelo menos uma língua.
Além de fazerem parte do currículo as duas línguas – de sinais e a majoritária - todas as disciplinas
curriculares devem contemplar em seu conteúdo a história da educação de surdos, a história das
comunidades, movimentos surdos, personagens importantes, cultura, artes, literatura, direitos e
deveres dos surdos, contato com as línguas de sinais estrangeiras, enfim, as especificidades das
comunidades surdas devem ser atendidas em todas as disciplinas curriculares.
[fim Para refletir]
[Provocação]
Quanto ao profissional ouvinte, é essencial que seja fluente em língua de sinais, que tenha
conhecimento da cultura surda, que reconheça as pessoas surdas, seus alunos e seus colegas surdos,
como capazes e a língua de sinais como tendo o mesmo status da língua portuguesa. Cabe a ele,
também, possibilitar a aprendizagem da modalidade escrita da língua majoritária.
[fim provocação]
44
1. Aquisição da linguagem pela criança surda
Pesquisas sobre aquisição da linguagem em crianças surdas tem detalhado as diferenças entre crianças
surdas filhas de pais ouvintes e crianças surdas filhas de pais surdos. Naturalmente crianças surdas
expostas precocemente a língua de sinais terão mais possibilidades e facilidades com a língua do que
criança surdas que aprendem tardiamente. Esse fator é de suma importância na abordagem bilíngue,
pois para aprender a língua portuguesa na modalidade escrita é necessário m um arcabouço linguístico
de sinais que sustente a aprendizagem da segunda língua.
Quando o surdo desperta para os conceitos, o sinal deixa de ser apenas um movimento a ser copiado
para ser um sinal carregado de significado. Esse momento de compreensão leva o sujeito surdo a uma
“explosão intelectual”, que possibilita uma noção de significado do mundo. Assim, a primeira palavra,
o primeiro sinal, leva a todos os outros e a língua emerge.
Sacks (1998) afirma que há evidências de que os surdos que aprenderam tardiamente a língua de
sinais não adquirem a fluência sem esforço e a gramática impecável dos que aprenderam desde bem
cedo, em especial os surdos filhos de pais surdos. Eles têm ausência de questionamento, atraso no
entendimento das perguntas, não impõem significados centrais a suas respostas. O vocabulário é
reduzido, há concretude de pensamento, dificuldades para ler e escrever, ignorância e pouca visão de
mundo.
Quanto à aquisição da linguagem, estudos de Quadros (1997; 2008) com fundamentos na abordagem
linguística aponta os seguintes períodos na aquisição da linguagem em crianças surdas, baseado, por
sua vez, em estudos de aquisição da ASL - Língua Americana de Sinais :
a. Período pré-linguístico
O balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os bebês e é fruto da capacidade inata da linguagem.
Há um desenvolvimento paralelo do balbucio visual e do balbucio oral. Os bebês surdos perdem o
balbucio oral por diminuição do input e os bebes ouvintes perdem o balbucio manual por conta do
input auditivo. A aquisição da linguagem independe da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaçovisual.
b. Estágio de um sinal
Dos 12 aos 24 meses de idade da criança surda. O início do estágio de um sinal se dá por volta daos
seis meses, em crianças surdas filhas de pais surdas. A primeira produção refere-se a gestos que
diferenciam dos sinais produzidos por volta dos 14 meses.
Pesquisas de ASL indicam que as crianças surdas usam os primeiros sinais como congelados, pois não
são flexionáveis, não envolvem o uso de morfemas. Quando a criança surda entra no estágio de um
sinal, a fase de apontação desaparece, porque a criança muda o conceito de apontar que é gestual (prélinguística) para visualizá-la como elemento de um sistema gramatical da língua de sinais e então passa
a ser linguístico.
c. Estágio das primeiras combinações:
45
Por volta de dois anos da criança surda surgem as primeiras combinações que pode ser SV (sujeitoverbo), VO ( verbo-objeto) ou ainda SVO (sujeito – verbo – objeto). Assim como acontece na
aquisição da linguagem em crianças ouvintes, onde há inicialmente a dificuldade no uso da
pronominalização, em crianças surdas também acontece, o que poderia não ocorrer pela questão visual
eminente, e sugerem a um processo universal de aquisição de pronomes apesar da diferença radical de
modalidade.
d. Estágio das múltiplas combinações:
Em torno de 30 a 36 meses as crianças surdas apresentam a explosão de vocabulário e começam a
diferenciar nomes de verbos e as derivações (cadeira – sentar).
A partir dos três anos, as crianças surdas começam a usar o sistema pronominal com referentes não
presentes, embora com alguns erros. Empilham os referentes presentes em um único espaço. Usam os
verbos como pertencentes a uma única classe, os verbos direcionais sem flexão ou com flexões não
aceitas na língua de sinais, é o período da supergeneralização. Quando as crianças deixam de empilhar
os referentes em um único ponto, elas estabelecem mais de um ponto no espaço mas de forma
inconsistente porque não estabelecem ainda as relações entre o local e a referência, dificultando a
concordância verbal.
O domínio completo da língua se dá por volta dos cinco anos de idade e até os seis anos utilizam os
verbos flexionados de forma adequada.
Infelizmente a realidade atual, ainda aponta que crianças surdas, filhas de pais ouvintes deixam de
aprender a língua de sinais precocemente e mesmo quando os pais aprendem a língua de sianais para
ensinar a seus filhos surdos, ainda não será suficiente, se faltar o convívio dessa criança com adultos
surdos fluentes em língua de sinais.
Sacks (1998, p.74) afirmou que “não se pode desenvolver uma língua sem alguma capacidade inata
essencial, mas essa capacidade só é ativada por outra pessoa que já possui capacidade e competência
linguística”.
A criança surda precisa estar exposta à língua de sinais desde que nasce e o ambiente precisa responder
a essa necessidade básica por sinais. A língua de sinais para a criança surda poderá ser definida como
materna ou nativa. A primeira se refere ao sistema construído por filhos surdos de pais surdos, ou seja,
a língua de sinais é o sistema linguístico da mãe ou do cuidador. A segunda, a língua nativa, é aquela
que filhos surdos de pais ouvintes aprendem por outras pessoas.
De qualquer forma, o fator fundamental na concepção da língua de sinais é compreendê-la como uma
língua natural, com características específicas, como um sistema linguístico de acordo com a definição:
[...] pode-se dizer que uma língua natural é uma realização específica de uma
faculdade de linguagem que se dicotomiza num sistema abstrato de regras
finitas, as quais permitem a produção de um número ilimitado de frases [...]
os elementos básicos são [...] as palavras sinalizadas para a língua de sinais,
sendo as frases da língua, por sua vez representáveis em termos de uma
sequência dessas unidades (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30).
46
A língua de sinais é uma sequência de movimentos no espaço, sequência essa visualizada pela pessoa
surda, ou seja, é recebida pelos olhos e expressada pelas mãos. O canal sensorial principal para o surdo
receber a informação é o visual e o canal principal para expressar informação é pelo movimento.
As línguas de sinais são línguas de modalidade visioespacial que apresentam,
uma riqueza de expressividade diferente das línguas orais, incorporando tais
elementos na estrutura dos sinais através das relações espaciais, estabelecidas
pelo movimento ou outros recursos linguísticos (QUADROS; KARNOPP,
2004, p. 35).
As autoras acima mencionadas também descreveram os aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos
da língua de sinais. Na fonologia descreveram as unidades mínimas que formam os sinais e os padrões
possíveis de combinação e variações, pois as diferenças produzidas estabelecerão diferentes
significados. Na morfologia, descreveram a estrutura interna dos sinais e o uso das regras que
determinam a formação dos sinais e para a sintaxe da Libras.
As mãos são os articuladores primários e a locação, o movimento e a configuração de mão representam
os principais parâmetros fonológicos.
Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em frente
ao corpo e articulam sinais em determinadas localizações nesse espaço.
Os sinais, na Língua Brasileira de Sinais – Libras –, são formados a partir da combinação do
movimento das mãos com um determinado formato em um determinado lugar, podendo este lugar ser
uma parte do corpo ou um espaço em frente ao corpo.
Estes aspectos da Libras serão discutidos em outras disciplinas e por aqui, vamos refletir sobre aquelas
crianças que ainda não se comunicam por formas linguísticas e portanto precisam dos recursos de
comunicação alternativa.
TEXTO COM PLEMENTAR
Aquisição da língua de sinais brasileira
O excerto abaixo foi extraído das orientações curriculares e proposição de expectativas de
aprendizagem para a educação infantil e Ensino Fundamental: Libras da secretaria Municipal de
47
Educação de São Paulo, departamento de Orientação Técnica publicado em 2008. Para o texto
completo acesse
http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/EdEspecial/OrientaCurriculares_Expectati
vasAprendizagem_EdInfantil_EnsFund_Libras.pdf
Pesquisas sobre aquisição das línguas de sinais mostram que as crianças surdas, filhas de pais surdos,
a adquirem de forma semelhante e na mesma época em que as crianças ouvintes adquirem a língua
majoritária na modalidade oral.
Petitto (1988) observou três crianças surdas, filhas de pais surdos, expostas à língua de sinais e
comparou os dados com os obtidos na observação de quatro crianças ouvintes expostas, três ao
Francês e uma ao Inglês. Tanto as crianças surdas como as ouvintes tinham mais ou menos 10 meses
quando foi iniciada a observação, que terminou quando as crianças contavam 20 meses. As crianças
eram gravadas com equipamento de Vídeo - Tape mensalmente, enquanto interagiam com os pais, em
situações dirigidas. A análise dos dados dos dois grupos de crianças levou Petitto às seguintes
conclusões:
Aos 9 meses, tanto as crianças surdas como as ouvintes apresentavam gestos de apontar, de dar e
outros que a autora chamou de manuais não indicadores (“non-indexical manual gestures”). Estes
gestos se caracterizavam por movimentos de pegar, de agarrar, de acenar, de jogar (objetos), de
sacudir os braços, a cabeça e objetos, de abrir e fechar a mão, entre outros, que, segundo Petitto
(1988), não se relacionavam a nenhum objeto específico.
Entre 12 e 13 meses, os gestos, tanto das crianças ouvintes como das surdas, pareciam mais
relacionados a objetos, eventos e pessoas presentes no contexto imediato. Os gestos de apontar eram
usados, segundo Petitto, de forma comunicativa. Frequentemente combinavam gesto de apontar com
gesto de apontar ou gesto de apontar com gestos de agarrar, de abrir e de fechar a mão.
Entre 15 e 20 meses, as crianças surdas começaram a apresentar os primeiros sinais e as ouvintes, os
primeiros vocábulos. Nenhuma criança começou a emitir vocábulos ou a usar sinais antes de 14
meses.
Em estudo posterior, Petitto (1990) analisou dados de aquisição dos pronomes pessoais na Língua de
Sinais Americana por duas crianças surdas, entre 6 meses e 2;3 anos.
Os resultados indicaram que, apesar das crianças apontarem os objetos desde os 9 meses, elas não
usaram o apontar para se referir a si ou ao interlocutor até por volta de 17 a 20 meses, fazendo uso de
nomes próprios.
As primeiras ocorrências dos pronomes pessoais foram observadas, nos dados das crianças, entre 21 e
22 meses, constatando-se confusão entre os pronomes de primeira e de segunda pessoa, apesar de, nas
línguas de sinais, eles serem expressos pelo sinal de apontar. O uso correto dos pronomes foi
constatado aos 25 meses para uma das crianças e aos 27 meses para a outra. A aquisição dos
primeiros sinais por criança surda, filha de pais surdos, adquirindo a Língua Brasileira de Sinais, foi
48
estudada por Karnopp (1999). A autora observou longitudinalmente uma menina surda e verificou
que, entre 0;8 e
1;1 ano predominou, na linguagem da criança, o balbucio manual (brincadeiras com as mãos), sendo
observados também gestos sociais, como “tchau” e “bater palmas”. Somente um tipo de apontar, o
apontar para objetos, foi encontrado nos dados neste período.
Entre 1;2 e 1;6 ano, as produções de balbucio manual diminuíram, e a diversidade de gestos sociais
(enviar beijos e realizar expressões faciais) apresentou um aumento. Apontar para objetos continuou
sendo produzido com bastante freqüência.
No período de 1;7 a 2;0 anos houve diminuição das produções do balbucio manual. Gestos sociais não
apresentaram mudanças significativas quanto ao número de ocorrências. Por outro lado, aumentou a
diversidade e a frequência de ocorrência dos tipos de “apontar”: apontar para objetos, pessoas,
partes do corpo, locais, para si mesma e para o espelho.
No último período observado, entre 2;1 e 2;6 anos, a menina apresentou gesto de apontar, não sendo
observados balbucio manual e gestos sociais. A principal característica dessa etapa foi a combinação
do apontar em uma sequência de sinais, por exemplo, apontar para uma bola e, em seguida, sinalizar
BOLA (Karnopp, 1999, p. 173). A aquisição da sintaxe e das narrativas na Língua de Sinais
Americana foi analisada por Bellugi, Van Hoek, Lillo-Martin, O’Grady (1993).
As pesquisadoras analisaram o uso da concordância verbal com locais referenciais espaciais por
crianças surdas e observaram que, aos 2;6 anos, as crianças usavam sinais isolados para descrever
cada figura, bem como para contar uma história inteira. Entre 2;0 e 3;0 anos, diversas combinações
de sinais foram observadas, mas sem o estabelecimento ou uso de locais referenciais. Só depois de 5;0
anos as crianças começaram a estabelecer locais referenciais e a realizar a concordância verbal
utilizando estes locais. Por volta de 6;0 anos, todas as crianças surdas usaram a concordância verbal
apropriada.
Ao analisar narrativas de crianças surdas, as autoras verificaram que as primeiras ocorrências de
estabelecimento de locais referenciais se deu aos 4:11 anos. No entanto, foi aos 6;0 anos que os locais
referenciais foram estabelecidos e mantidos corretamente nas narrativas.
A aquisição da sintaxe na Língua Brasileira de Sinais foi estudada por Quadros (1995). Ao analisar os
dados de uma criança surda, de 2;4 anos de idade, a pesquisadora observou algumas combinações de
sinais, envolvendo geralmente dois a três sinais. A criança omitiu o sujeito de referentes presentes
quando este era óbvio, mas geralmente o usou. A omissão do sujeito pode estar relacionada ao uso
sintático do espaço, que ainda não é observado de forma consistente nessa época.
A análise dos dados de outras criança surdas, mais velhas, levou Quadros (1995) a concluir que, por
volta de 3;6 anos, a criança surda usa a concordância verbal com referentes presentes. Com
referentes não-presentes, foram encontradas algumas ocorrências, mas de forma inconsistente. Entre
5;6 e 6;6 anos de idade, as crianças adquirindo a Língua Brasileira de Sinais usam a concordância
verbal de forma consistente. No relato de histórias, as crianças observadas por Quadros (1995)
49
usaramas figuras como locais reais dos referentes. O estabelecimento de locais com referentes nãopresentes no relato das histórias só foi observado nos dados de uma criança de 5;11 anos.
Embora as pesquisas apontem para semelhanças no processo de aquisição da língua de sinais e da
língua majoritária, a literatura faz referência a diferenças na interação entre as mães surdas e seus
filhos surdos e as mães ouvintes e seus filhos ouvintes, decorrentes, principalmente, do fato de os
surdos terem acesso ao mundo pela visão e não pela audição, como os ouvintes.
Kyle (2001) analisou a interação entre mães e filhos surdos e constatou que as mães surdas parecem
se comunicar menos com seus bebês surdos no primeiro ano de vida do que as mães ouvintes, o que
pode decorrer do fato de a atenção do bebê ser flutuante e, por isso, reduzir a oportunidade de a mãe
sinalizar para ele. Para Kyle (2001), as mães surdas parecem preocupadas em dirigir a atenção dos
filhos para os objetos, inserindo-os no seu campo visual. Quando o filho está começando a prestar
atenção aos objetos, a mãe surda intensifica o trabalho para obtenção da atenção da criança. Em
relação à nomeação de objetos, por exemplo, enquanto as mães ouvintes frequentemente chamam a
atenção da criança para o objeto e depois o nomeiam, as mães surdas fazem o sinal que corresponde
ao objeto e só quando a criança olha é que elas vão movendo a mão em direção ao objeto nomeado,
mantendo o sinal.
Os jogos de atenção continuam a predominar na interação entre a mãe e o filho surdo no segundo ano
de vida (Kyle, 2001). Além de tocar a criança ou de sacudir a mão para obter a sua atenção, a mãe
usa mais frequentemente o gesto de apontar, o qual, nessa época, toma a forma de tocar com o dedo
indicador o objeto para o qual ela quer levar a atenção da criança. Quando acriança vira o rosto para
a mãe é que esta sinaliza.
Texto complementar
Leia este excerto que foi retirado de Educação infantil : saberes e práticas da inclusão :
dificuldades de comunicação e sinalização : surdez. [4. ed.] / elaboração profª Daisy Maria
Collet de Araujo Lima – Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal... [et. al.]. –
Brasília : MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. 89 p. : il. Para acessar o texto
completo veja o link http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdez.pdf
A linguagem e a surdez
A linguagem permite ao homem estruturar seu pensamento, traduzir o que sente, registrar o que
conhece e comunicar-se com outros homens. Ela marca o ingresso do homem na cultura, construindoo como sujeito capaz de produzir transformações nunca antes imaginadas. Apesar da evidente
importância do raciocínio lógico-matemático e dos sistemas de símbolos, a linguagem, tanto na forma
verbal como em outras maneiras de comunicação, permanece como meio ideal para transmitir
conceitos e sentimentos, além de fornecer elementos para expandir o conhecimento. A linguagem,
prova clara da inteligência do homem, tem sido objeto de pesquisa e discussões. Ela tem sido “um
campo fértil” para estudos referentes à aptidão lingüística, tendo em vista a discussão sobre falhas
decorrentes de danos cerebrais ou de distúrbios sensoriais, como a surdez.
50
Com os estudos do lingüista Chomsky (1994), obteve-se um melhor entendimento acerca das línguas e
do seu funcionamento. Suas considerações partem do fato de que é muito difícil explicar como a língua
materna pode ser adquirida de forma tão rápida e tão precisa, apesar das impurezas nas amostras de
fala que a criança ouve. Chomsky, junto com outros estudiosos, admite, ainda, que as crianças não
seriam capazes de aprender a língua materna caso não fizessem determinadas suposições iniciais
sobre como o código deve ou não operar.
A palavra tem uma importância excepcional, no sentido de dar forma à atividade mental, e é fator
fundamental de formação da consciência. Ela é capaz de assegurar o processo de abstração e
generalização, além de ser veículo de transmissão do saber.
Os indivíduos que ouvem parecem utilizar, em sua linguagem, os dois processos: o verbal e o nãoverbal. A surdez congênita e pré-verbal pode bloquear o desenvolvimento da linguagem verbal, mas
não impede o desenvolvimento dos processos não-verbais. A fase de zero a cinco anos de idade é
decisiva para a formação psíquica do ser humano, uma vez que nesse período ocorre o ativamento das
estruturas inatas genético constitucionais da personalidade.
A teoria sobre a base biológica da linguagem admite a existência de um substrato neuroanatômico no
cérebro para o sistema da linguagem. Portanto, todos os indivíduos nascem com predisposição para a
aquisição da fala. Nesse caso, o que se deduz é a existência de uma estrutura lingüística latente
responsável pelos traços gerais da gramática universal (universais linguísticos). A exposição a um
ambiente linguístico é necessária para ativar a estrutura latente e para que a pessoa possa sintetizar e
recriar os mecanismos linguísticos. As crianças são capazes de deduzir as regras gerais e regularizar
os mecanismos de uma conjugação verbal, por exemplo. Dessa forma, utilizam as formas “eu fazi”,
“eu di”, enquadrando-as nas desinências dos verbos regulares – “eu corri”, “eu comi”.
As crianças que ouvem aprendem a língua portuguesa oral de uma forma semelhante e num espaço de
tempo. No entanto, não se pode esquecer as diferenças individuais. Essas são encontradas nos tipos de
palavras que as crianças pronunciam primeiro. Algumas crianças emitem nomes de coisas, enquanto
outras, evitando substantivos, preferem exclamações, outras, ainda, expressam automaticamente os
elementos emitidos pelos mais velhos.
Há crianças, no entanto, que apresentam dificuldades na aquisição da linguagem oral. Às vezes, a
dificuldade aparece, principalmente, no que se refere à percepção e à discriminação auditiva, o que
traz transtornos à compreensão da língua oral. Outras vezes, a dificuldade é relativa à articulação e à
emissão da voz, o que produz transtornos na emissão da língua oral. Tudo isso pode ou não ter
relação com a surdez, visto que muitas crianças que apresentam dificuldades lingüísticas não têm
audição prejudicada. Por exemplo, a capacidade de processar rapidamente mensagens lingüísticas –
um pré-requisito para o entendimento da fala – parece depender do lobo temporal esquerdo do
cérebro. Danos a essa zona neural ou seu desenvolvimento “anormal” geralmente são suficientes para
produzir problemas de linguagem.
Segundo Luria (1986), os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem incluem o
conjunto de interações entre a criança e o ambiente, podendo os fatores externos afetar esses
processos, positiva ou negativamente. Torna-se, pois, necessário desenvolver alternativas que
51
possibilitem às crianças “com necessidades especiais” meios de comunicação que as habilitem a
desenvolver seu potencial linguístico. Pessoas surdas podem adquirir linguagem, comprovando assim
seu potencial linguístico. Já está comprovado cientificamente que o ser humano possui dois sistemas
para a produção e reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial, que faz uso da anatomia
visual/auditiva e vocal (línguas orais) e o sistema são consideradas as línguas naturais dos surdos,
emitidas por meio de gestos e com estrutura sintática própria. Na aquisição da língua, as pessoas
surdas utilizam o segundo sistema. Várias pesquisas já comprovaram que crianças surdas procuram
criar e desenvolver alguma forma
de linguagem, mesmo não sendo expostas a nenhuma língua de sinais. Essas crianças desenvolvem
espontaneamente um sistema de gesticulação manual que tem semelhança com outros sistemas
desenvolvidos por outros surdos que nunca tiveram contato entre si e com as
línguas de sinais já conhecidas. Existem estudos que demonstram as características morfológicas e
lexicais desses sistemas. A capacidade de comunicação lingüística apresenta-se como um dos
principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança surda em toda a
suapotencialidade, para que possa desempenhar seu papel social e integrar-se verdadeiramente na
sociedade.
Entre os grandes desafios para pesquisadores e professores de surdos situa-se o de explicar e superar
as muitas dificuldades que esses alunos apresentam no aprendizado e uso de línguas orais, como é o
caso da língua portuguesa. Sabe-se que quanto mais cedo tenha sido privado de audição e quanto
mais profundo for o comprometimento maiores serão as dificuldades educacionais, caso não receba
atendimento adequado. No que se refere à língua portuguesa, segundo Fernandes (1990), a grande
maioria das pessoas surdas já escolarizadas continua demonstrando dificuldades, tanto nos níveis
fonológico e morfossintático quanto nos níveis semântico e pragmático.
É de fundamental importância que a influência da língua portuguesa oral sobre a cognição não seja
supervalorizada em relação ao desempenho do aluno com surdez, dificultando sua aprendizagem e
diminuindo suas chances de integração plena. Faz-se necessária, por conseguinte, a utilização de
alternativas de comunicação que possam propiciar um melhor intercâmbio, em todas as áreas, entre
surdos e ouvintes. Essas alternativas devem basear-se na substituição da audição por outros canais,
destacando-se a visão, o tato e movimento, além do aproveitamento dos restos auditivos existentes.
Face ao exposto, observa-se que a pessoa com surdez tem as mesmas possibilidades de
desenvolvimento que a pessoa ouvinte, precisando somente que tenha suas necessidades especiais
supridas, visto que o natural do homem é a linguagem. “A influência da surdez sobre o indivíduo
mostra características bastante particulares desde seu desenvolvimento físico e mental até seu
comportamento como ser social. Neste aspecto, destaca-se a linguagem como fator de vital
importância para o desenvolvimento de processos mentais, personalidade e integração social do
surdo.
A comunicação é, sem dúvida, o eixo da vida do indivíduo, em todas as suas manifestações como ser
social. É oportuno, pois, reconhecer a necessidade de novos estudos que sirvam de suporte a métodos
educacionais e ofereçam à comunidade surda melhores condições de exercerem seus direitos e deveres
52
de cidadania. Além disso, é preciso dar aos especialistas da área melhores subsídios para o estudo do
desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças que estão sob a sua responsabilidade
profissional.
Desenvolver-se cognitivamente não depende exclusivamente do domínio de uma língua, mas dominar
uma língua garante os melhores recursos para as cadeias neuronais envolvidas no desenvolvimento
dos processos cognitivos.” (Fernandes, 2000, p.49).
Segundo Goldfeld (1997), no decorrer do desenvolvimento infantil, a criança passa por diversas
mudanças, e a língua é um dos principais instrumentos utilizados nesse processo. Para a criança
surda, esse processo de desenvolvimento pode ficar fragmentado, pois é sabido que ela não poderá
aprender a língua oral de forma totalmente espontânea, como a criança ouvinte.
Nesse sentido, a aquisição da língua de sinais vai permitir à criança surda, mediante suas relações
sociais, o acesso aos conceitos de sua comunidade, que passará a utilizar como seus, formando assim
uma maneira de pensar, agir e ver o mundo característico da cultura de sua comunidade.
A língua é um fator fundamental na formação da consciência. Ela permite pelo menos três mudanças
essenciais à atividade consciente do homem: ser capaz de duplicar o mundo perceptível, de assegurar
o processo de abstração e generalização, e de ser veículo fundamental de transmissão de informação
(Luria, 1986).
Vigotski é apresentado como um dos primeiros pesquisadores soviéticos a julgar ter a linguagem um
papel decisivo na formação dos processos mentais e, para prová-lo, empreendeu uma série de
experimentos que visaram a testar a formação da atenção ativa e dos processos de desenvolvimento da
memória por meio da aquisição da língua (a memorização passa a ser ativa e voluntária) e de outros
processos mentais superiores. Todos os experimentos levaram-no a dar, efetivamente, à língua o papel
de destaque na formação dos processos mentais, como previra. Para o autor, é relevante perceber a
“língua não apenas como uma forma de comunicação, mas também como uma função reguladora do
pensamento”.
É importante perceber que as crianças adquirem a língua por meio da exposição informal e do uso
ativo, e não por lhes ser ensinada. A experiência em casa é fundamental.
Os pais funcionam não como professores do idioma, mas como facilitadores que permitem aos filhos
absorver a cultura e fazer uso ativo da sua curiosidade. As crianças usam a língua para expressar
sentimentos, para fazer os pais rirem ou adiar acontecimentos indesejáveis “Posso ficar acordada
mais cinco minutos?”; para não dizer a verdade: “Talvez eu tenha comido os biscoitos. Não consigo
me lembrar...” e assim por diante.
Quando as crianças chegam aos cinco anos, podem expressar-se sobre o passado e o futuro,
conseguem usar a fantasia e são capazes de perguntar quando, como e por que as coisas acontecem. A
língua também é importante para estruturar o pensamento, embora nem todo pensamento seja
expresso por meio de línguas.
53
Tanto a criança ouvinte como a criança surda passa por estágios de desenvolvimento da linguagem,
mas, caso não recebam dados linguísticos satisfatórios, ambas apresentarão defasagem nesses
estágios. Para evitar defasagem, a criança ouvinte brasileira deverá estar imersa em meio onde se fale
a língua portuguesa oral, e a criança surda brasileira precisará estar em meio rico em estímulos
visuais, com pessoas que utilizam a LIBRAS e com pessoas que utilizam a língua portuguesa, para que
desenvolvam satisfatoriamente sua linguagem.
Se a criança surda tem pais surdos que utilizam a língua de sinais desde o nascimento dela, o
desenvolvimento dessa língua irá seguir, essencialmente, o mesmo curso que o desenvolvimento da
fala em crianças ouvintes.
As crianças surdas de famílias ouvintes passam pelo risco de séria privação de linguagem no início da
vida e de uma incapacidade para apreender o que está acontecendo ao redor delas e o porquê
(aprendizagem incidental), uma vez que seus pais não sabem comunicar-se com elas. O vínculo
emocional com os pais pode ser também mais difícil de se estabelecer e de se manter. Isso ocorrerá,
entretanto, apenas se a família não for devidamente orientada e a se criança não for encaminhada a
um atendimento adequado.
Além da questão da linguagem, é importante proporcionar à pessoa com surdez condições que lhe
permitam se estruturar emocionalmente. “Não é a fala ou a língua de sinais; a pessoa surda que “se
deu bem” é aquela que pôde preservar a sua autenticidade, aceitou a surdez como uma parte diferente
e não doente de si; que pôde fazer uma escolha que lhe permita ser natural em sua comunicação,
independentemente de ser oralizada ou sinalizada.” (Bergmann, 2001)
Importante então é oferecer uma educação que permita o desenvolvimento integral do indivíduo, de
forma que desenvolva toda sua potencialidade.
A linguagem de uma criança surda brasileira deve efetivar-se mediante o aprendizado da língua
portuguesa e da aquisição da LIBRAS.
Antes da Lei Nº 9.394/96 não havia atendimento educacional em escolas públicas para crianças na
faixa etária de 0 a 3 anos de idade, período de maior desenvolvimento da linguagem.
Para crianças com surdez, havia, em alguns Estados, programas de estimulação precoce em escolas
especiais, voltados exclusivamente para o desenvolvimento da linguagem oral, por meio da
estimulação auditiva e de exercícios fonoarticulatórios para emissão da fala.
Com as mudanças propostas pela Lei Nº 9.394/96, a educação infantil, embora não obrigatória, passa
a constituir a primeira etapa da educação básica, a ser ofertada pela rede de ensino municipal,
deixando, portanto, de ser competência da assistência social. Como parte integrante da primeira etapa
da educação básica, o aprendizado de línguas configura-se como componente curricular a ser
desenvolvido com crianças surdas. Assim, a língua portuguesa (oral e escrita) e a língua brasileira de
sinais – LIBRAS devem ser ofertadas pelo sistema educacional.
O aprendizado da língua portuguesa oral em creches e pré-escolas diferencia-se do aspecto clínico e
da reabilitação quando implica interação entre várias crianças com atividades didático-pedagógicas
54
que incluem dramatização, vivências e temas curriculares. Construir uma proposta pragmática,
vivencial e interativa constitui uma experiência incipiente na educação infantil, principalmente para
crianças do nascimento aos três anos. Da mesma forma, o aprendizado da língua portuguesa escrita
deve ser incidental e contextualizada.
A aquisição da LIBRAS em creches e pré-escolas é também um desafio. Envolve quebra de
preconceitos, destruição de mitos e o reconhecimento de outro profissional: o professor instrutor
surdo. É por meio desse profissional que o uso da LIBRAS deve efetivar-se.
55
Praticando
Vamos refletir e responder às seguintes questões:
1. Quando uma só língua é produzida em duas modalidades,
chamamos de bimodalismo, ou seja, a realização dos sinais
produzido na estrutura sintática da língua oral falada por
determinada comunidade. O surdo que é ensinado a falar e
sinalizar ao mesmo tempo pode apresentar desvantagens na
apropriação da língua de sinais em relação ao surdo que
aprende a língua de sinais primeira e exclusivamente.
Comente essa afirmação.
56
PARA (NÃO) FINALIZAR
Muitas vezes o profissional ou o adulto ouvinte que se disponibiliza a aprender a língua de sinais para
ensinar á criança surda, acaba por utilizar essa língua ao mesmo tempo em que fala. Isso pode acarretar
a sinalização do português. Ou seja, a criança surda que está aprendendo os sinais, aprende a sinalizar
na estrutura da língua oral, totalmente diferente da estrutura da língua de sinais.
Capovilla (2001), ao referir sobre as crianças surdas que foram expostas aos sinais e à fala, portanto
sinalizavam, ao mesmo tempo que oralizavam, chamou-as de hemilíngues, porque usavam as duas
línguas sem limites entre uma e outra.
Infelizmente essa tem sido, ainda a realidade de muitas crianças surdas que aprendem Libras por meio
de pessoas ouvintes e não tem a oportunidade de conviver com adultos surdos para apropriarem-se da
verdadeira língua de sinais.
Ressalta-se que para aprender uma segunda língua, é necessário arcabouço linguístico da língua
natural, materna, aquela que nos fornece a identidade, valores que nos propicia mediar as relações
sociais e interações com o mundo de pessoas e objetos e pertencermos a uma cultura.
A criança surda que chega à escola para alfabetizar-se e não dispõe de suporte linguístico da língua de
sinais não tendo pleno domínio de sus estruturas sintáticas, semânticas e morfológicas, terá imensas
dificuldades em aprender o português escrito como segunda língua.
REFERÊNCIAS
57
CAPOVILLA, Fernando César & Raphael, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado
trilíngüe - Língua de Sinais Brasileira Libras. Vol. I e II. 2. ed. São Paulo: Ed.
Universidade de São Paulo, 2001.
CORMEDI, Maria Aparecida. Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem
na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde04072011-152503/pt-br.php
DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constituição da subjetividade
do sujeito surdo. IN QUADROS, Ronice Müller (org). Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Arara Azul,
2006.
QUADROS, Ronice Muller; KARNPPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudo
linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
QUADROS, Ronice .Müller; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira – estudos
linguísticos. Porto Alegre, RS.: ArtMed, 2004
__________. Educação de Surdos: a Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.
Reimpressão 1997..
QUADROS, Ronice Müller (org.) Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006.
__________. (org.) Estudos Surdos II. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2007.
Sites:
< http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersch.pdf>
< >.
Unidade III – Educação
Bilingue
58
capítulo 5 - A
abordagem bilíngue
[Para refletir]
A comunidade Surda é trimodal, isto é, todas as três modalidades de língua – falada, escrita e
sinalizada estão presentes. É uma comunidade bilíngue. Existem dois tipos de bilinguismo: social e
individual. No primeiro, duas ou mais línguas são utilizadas na vida diária de uma comunidade,
geralmente, quando dois grupos que não compartilham a mesma língua entram em contato, um toma a
posição majoritária e o outro a minoritária. Isso acontece por resultado de migrações. O bilinguismo
individual discute as seguintes questões: como um indivíduo adquire as duas línguas; em que situações
a aquisição ocorre; como as pessoas bilíngues interagem com as monolíngues e com outras pessoas
bilíngues; e os efeitos do bilinguismo na personalidade e no desenvolvimento cognitivo. (Wicox,
2005).
[fim Para refletir]
[Provocação]
“Será, então, lugar do Surdo circunscrito ao se seus iguais, sem possibilidade de interação com o
mundo ouvinte? [...] Esta deve ser uma escolha dele. No seu conjunto, no EU humano de cada Surdo,
com infinitas possibilidades de ser e vir a ser, mas sempre como Surdo, os caminhos serão
imensamente variados. Eles poderão ou não se integrar e se o fizerem será de forma particular de
cada um. Entretanto, para poder ter o direito de fazer esta opção eles precisam ter acesso à
comunidade de surdos, para que uma língua lhes seja dada, para sua construção de identidade, para
que percebam as semelhanças e as diferenças entre os Surdos, para que eles experimentem a
comunicação social e tantas outras já ditas e repetidas aqui (MOURA, 2000)”.
Considerando as palavras de Moura, como ficam as crianças surdas filhas de pais ouvintes que não tem
acesso á língua de sinais e á comunidade surda?
[fim provocação]
Segundo Skliar (1998: 2005) a proposta do bilinguismo nasce em oposição à concepção clínicoterapêutica da surdez e consequentemente com reconhecimento político da surdez como diferença.
Retomando sobre a concepção oralista, esta foi dominante até finais dos anos 90, tendo a visão da
surdez como deficiência e portanto cabível de reabilitação clínica que evidenciam a habilidade da fala e
os avanços tecnológicos permitiram que esta concepção se mantivesse. Visto a ênfase em implantes
59
cocleares, tema controverso, pois a parcela dos surdos sinalizados a rejeitam efusivamente enquanto
que os surdos oralizados defendem os implantes cocleares.
Como resistência à essa dimensão da oralidade que impõe a cultura ouvinte como norma, sendo normal
aquele que ouve, a comunidade surda buscando seus espaços e reivindicando as diferenças promoveu a
abordagem bilíngue.
Na perspectiva bilíngue, a língua de sinais é considerada a primeira língua do surdo e a língua
majoritária – na modalidade oral e/ou escrita – como segunda. Essa visão sobre a surdez e o surdo
representa uma conquista para a comunidade surda.
A concepção bilíngue leva ao que se denomina biculturalismo, porque ser bilíngue em língua de sinais
e língua oral significa ser dual na modalidades sensoriais, ou seja, a pessoa assim bilíngue pode receber
e expressar informações na modalidade visual espacial e na modalidade auditiva temporal.
Exemplificando: uma pessoa que é bilíngue porque fala a língua oral portuguesa e a língua oral
inglesa, tem a mesma modalidade oral auditiva, o mesmo canal sensorial que governa a entrada de
informação do mundo: o canal sensorial auditivo. Já a pessoa bilíngue em língua oral e língua de sinais,
domina dois canais sensoriais de entrada de informação: o canal visual espacial e o auditivo temporal.
Nas palavras de Moura já em 2000:
Considerando que o nome da proposta educacional que poderá dar conta do
que tentamos provar aqui é o Bilinguismo ( ainda que um nome só não a
defina), acultura dos ouvintes deve estar representada, e vai estar, na família,
na escola, nas relações sociais entre ouvintes, onde quer que o Surdo vá. Não
é possível, nem desejável negar a cultura majoritária, ou não se falaria de BIlinguismo que a meu ver envolve biculturalismo, bi-comunidade, mas não
uma identidade ambígua. O que não pode prevalecer é a superioridade de
uma sobre a a outra ( ou seja, como sempre acontece entre culturas
majoritárias e minoritárias, a assimilação da segunda pela primeira.
Ainda com referências em Skliar cabe retomar o que este autor escreveu sobre o bilinguismo no final
dos anos 90. Para ele, a educação bilíngue possui um alto grau de ambiguidade e um caráter relativo
de verdade. Ambíguo porque a própria definição é antagônica dentro do campo terminológico, pois
permite várias interpretações para o que significa o prefixo “bi”. E por tem um certo grau de verdade
porque supõe um avanço objetivo na educação do surdo e já representa uma superação da até então
ideologia dominante do oralismo.
Os termos “diferente’; “diversidade” , “bilinguismos” e “biculturalismo” foram discutidos por Gladis
Perlin em Skliar ( 1998; 2005). Segundo a autora, esses termos “Bi” mascaram normas pois mantém a
diferença cultural surda como se ela fosse incômoda, pois mantém o surdo no meio. É uma exigência
da “diversidade” imposta pelos ouvintes, a sociedade anfitriã. A cultura da diferença se constitui numa
atividade criadora, com símbolos e práticas jamais aproximados à cultura ouvinte, disciplinada por uma
forma de ação e atuação visual. Rompe oficialmente que o surdo seja usuário da cultura ouvinte.
60
Como vimos, há opiniões diferentes sobre o termo bi-culturalismo que significa conviver nas duas
culturas, ouvinte e surda.
Autores discutem o termo multiculturalismo que além das culturas ouvinte e de surdo agrega as
diferentes culturas raciais. Na cultura americana, por exemplo, a diversidade no multiculturalismo é
definido como diferenças relacionadas a raça, etnia, gênero, religião, língua, idade, orientação sexual e
incapacidade. Como afirmou Garcia (2009) o multiculturalismo reconhece que os surdos possuem
uma necessidade especial por não poderem ouvir, e não porque eles são usuários de outra língua.
Para entender o bilinguismo e atuar nesta abordagem educacional, faz-se necessário entender sobre a
questão da identidade surda, uma vez que o o surdo será parte da equipe de profissionais de uma escola
bilíngue.
Perlin (1998; 2005) é uma pesquisadora da linha dos estudos surdos que, a partir do conceito pósmoderno de identidade defende que não há uma identidade surda, mas identidades múltiplas, que se
transformam, que não são fixas, estáticas ou tampouco permanentes, na verdade podem até ser
contraditórias porque se referem à identidade enquanto ideal, perfeição do ser humano e a identidade
que é estruturada pelas representações sociais. Por essa pesquisadora temos:
Ouvintismo tradicional: a única identidade possível é a identidade ouvinte. É uma das formas
de poder mais forte do ouvinte sobre o surdo.
Ouvintismo natural: defende uma igualdade natural entre surdos e ouvintes mas continua a
encapsular o bilinguismo na cultura ouvinte. Reconhece em parte a cultura surda.
Ouvintismo crítico: admite a possibilidade e da alteridade, do diferente “surdo”, da identidade
e da autonomia linguística. Defende a diferença surda e defende os direitos dos surdos mas,
depende de uma superioridade sobre o surdo para que a estratégia dê certo.
Identidades Surdas: surdos que fazem uso da experiência visual
Identidade política surda: consciência surda de ser definitivamente diferente e de necessitar de
implicações e recursos completamente visuais. Filhos surdos de pais surdos.
Identidades surdas híbridas: surdos que nasceram ouvintes. Captam a comunicação de forma
visual, passam-na para a língua que adquiriram primeiro e depois para os sinais. É o caso da
autora do texto.
Identidade surda incompleta: surdos que vivem sobre a ideologia ouvintista latente e não
conseguem romper as barreiras e resistir ao poder ouvintista.
Identidades surdas flutuantes: surdo consciente ou não de ser surdo que vivem na ideologia
ouvintista. Não conseguem estar com surdos por falta da língua de sinais e estar com ouvintes
por falta da língua oral.
Tanto Perlin (1998) quanto Skliar (1998) parecem concordar quando colocam as questões dos Estudos
Surdos em termos da polarização entre dominantes e dominados e teorizam no sentido da superação
61
dessa condição. A primeira autora convoca os surdos a se oporem às tentativas de colonialismo
linguístico e cultural; o segundo sugere que a discussão seja deslocada para as nossas (ouvintes)
representações sobre a surdez e os surdos, bem como os seus desdobramentos em termos escolares e
políticos, conforme esse trecho: “ o nosso problema, em consequência, não é a surdez, não são os
surdos, não são as identidades surdas, não é a língua de sinais, mas, sim, as representações dominantes,
hegemônicas e “ouvintistas” sobre as identidades surdas, a língua de sinais, a surdez, e os surdos. Deste
modo, a nossa produção é uma tentativa de inverter a compreensão daquilo que pode ser chamado de
“normal ou cotidiano”(p. 30).”
A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de
excluir. Como vimos, dizer “o que somos” significa também dizer “o que não somos”. A identidade e a
diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre
quem está incluído e quem está excluído.
Entender a população que só heterogênea de pessoas surdas tanto quanto a heterogeneidade de outras
culturas é o ponto de partida para o professor e ou profissional que se habilita a atuar na educação
bilíngue pois dentro da cultura surda há surdos oralizados e que os defendem, há aqueles que só
aceitam sinalizar, há aqueles que se aceitam e se relacionam tanto com os oralizados quanto com surdo
que só sinalizam, até aqueles que ainda não se definiram em sua forma prioritária de comunicação.
Cultura não é uma lista de traços e fatos sobre um grupo de pessoas. Cultura não é algo que possa ser
comprado, vendido ou manuseado. Cultura não deve ser confundida com traços biológicos como raça.
“ Cultura é a forma como uma pessoa faz sentido do mundo. São as idéias, conceitos, categorias,
valores, crenças... O estudo da cultura consiste em aprender como um grupo de pessoas faz sentido do
mundo (WILCOX, 2005. p. 95)”.
Por outro lado, as línguas sinalizadas e as faladas diferem, na forma, como combinam suas partes. Nas
línguas sinalizadas, os componentes formadores são combinados simultaneamente, ou seja é uma
sequencia de movimentos no espaço enquanto nas línguas faladas os componentes são colocados
juntos sequencialmente pois é uma sequencia de sons no tempo. Esse fato demonstra o efeito da
modalidade na língua humana.
Isto também precisa ser compreendido a quem se propõe a compreender o bilinguismo: oral – sinal
porque envolve além das diferenças sensoriais as diferenças de modalidade da língua.
Wilcox (2005) propôs a distinção língual/ modalidade (falado, escrito e sinalizado). A escrita é uma
representação secundária da fala. É uma representação da representação.
Este autor afirma que a comunidade Surda é trimodal, isto é, todas as três modalidades de língua –
falada, escrita e sinalizada estão presentes. É uma comunidade bilíngue.
Ainda para Wilcox, existem dois tipos de bilinguismo: social e individual. No primeiro, duas ou mais
línguas são utilizadas na vida diária de uma comunidade, geralmente, quando dois grupos que não
compartilham a mesma língua entram em contato, um toma a posição majoritária e o outro a
minoritária. Isso acontece por resultado de migrações. O bilinguismo individual discute as seguintes
62
questões: como um indivíduo adquire as duas línguas; em que situações a aquisição ocorre; como as
pessoas bilíngues interagem com as monolíngues e com outras pessoas bilíngues; e os efeitos do
bilinguismo na personalidade e no desenvolvimento cognitivo.
Quadros (1997; 2008) resumiu os objetivos da educação bilingue-bicultural proposta por Skliar:
a) Criar um ambiente linguístico apropriado às formas particulares de processamento cognitivo e
linguístico das crianças surdas;
b) Assegurar o desenvolvimento sócio emocional integro das crianças surdas a partir da
identificação com surdos adultos;
c) Garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo;
d) Oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural.
A aquisição da língua de sinais permitirá à criança surda, além do desenvolvimento linguístico, o
desenvolvimento dos aspectos cognitivo e sócio-afetivo-emocional e será a base para a aquisição da
língua majoritária, preferencialmente na modalidade escrita. Principalmente por de ser capaz de
utilizar a língua de sinais será uma garantia de que a criança surda possa usar pelo menos uma língua.
O biculturalismo é o aprendizado sobre as culturas surdas e ouvintes, a interação com estas culturas e a
escolha da cultura com a qual os surdos se identifiquem. Considerar a língua de sinais como a primeira
língua do Surdo significa que os conteúdos escolares devem ser trabalhados por meio dela e que a
Língua Portuguesa, na modalidade escrita, será ensinada com base nas habilidades interativas e
cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas nas suas experiências com a língua de sinais (Quadros,
1997).
Resumindo, o bilinguismo representa a língua de sinais como língua natural e o português na
modalidade escrita como segunda língua.
Quadros (2005) lembra que a educação de surdos, em uma proposta bilingue, deve ter um currículo
organizado em uma perspectiva visual-espacial para garantir o acesso a todos os conteúdos escolares
na Língua Brasileira de Sinais. Porém, não basta simplesmente traduzir o currículo da escola regular
para a língua de sinais, há que se contemplar nele os aspectos culturais das comunidades surdas, sua
história e direitos para que o aluno surdo possa se identificar com a cultura de sua comunidade e não
somente com a cultura dos ouvintes (Skliar, 1999).
A língua de sinais, como primeira língua do surdo, é sua língua de identificação, de instrução e de
comunicação e a língua portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua, é a possibilidade do
surdo ter acesso à informação, conhecimento e cultura tanto da comunidade surda como da majoritária
ouvinte como referiram Pereira e Vieira ( 2005).
Na educação bilíngue, a língua majoritária, o português é introduzida quando as crianças surdas já
tiverem adquirido a língua de sinais porque para o surdo ser bilíngue não é só conhecer palavras,
63
estruturas de frases, a gramática das duas línguas, mas também conhecer, profundamente, as
significações sociais e culturais das comunidades linguísticas de que se faz parte. As duas línguas não
competem, não se ameaçam, possuem o mesmo status.
Considerar a língua de sinais como a primeira língua do Surdo significa que os conteúdos escolares
devem ser trabalhados por meio dela e que a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, será trabalhada
como disciplina, com base em técnicas de ensino de segunda língua. Essas técnicas partem de
habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas nas suas experiências com a
língua de sinais (Quadros, 1997).
Visando ao aprendizado da Língua Portuguesa escrita, os alunos surdos devem ser apresentados ao
maior número possível de textos, por meio de narrações repetidas e traduções. Além de traduzir os
textos para a língua de sinais, o professor deverá explicar o seu conteúdo e características das duas
línguas por meio da comparação.
A secretaria de educação do município de São Paulo, estabeleceu ao final de 2011 as escolas bilíngues
para surdos por meio do decreto 52.785técnicas de 10 de novembro de 2011. O Departamento de
Orientações Técnicas publicou já em 2008 orientações quanto à educação inclusiva de crianças surdas.
Veja excerto abaixo, retirado desta publicação e para o material completo acesse:
http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/EdEspecial/OrientaCurriculares_Expectati
vasAprendizagem_EdInfantil_EnsFund_Libras.pdf
PRINCÍPIOS DA INCLUSÃO DA LINGUA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS
SURDAS
A defesa da adoção da Língua Brasileira de Sinais na educação de crianças surdas se baseia nos
seguintes princípios:
• A língua de sinais é uma língua visual-espacial, com regras próprias e não apenas gestos
combinados.
• É reconhecida pela Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, como língua das comunidades
surdas do Brasil.
• Sua adoção na educação de crianças surdas, desde a Educação Infantil, é garantida pelo Decreto
Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, segundo o qual os alunos surdos têm direito à educação
bilíngue, na qual a Língua Brasileira de Sinais e a modalidade escrita da Língua Portuguesa são
usadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
64
• A Língua Brasileira de Sinais é de vital importância para o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores da criança surda, como percepção, atenção, memória e raciocínio (Vigotski,
1984).
• A Língua Brasileira de Sinais é adquirida naturalmente pela criança surda na interação com
usuários da mesma, preferencialmente surdos.
• A Língua Brasileira de Sinais permite a melhor interação entre as crianças surdas e sua família
ouvinte, e, nas escolas, entre professores e crianças surdas e entre estas e seus colegas.
• A Língua Brasileira de Sinais favorece a aquisição de conhecimentos sobre o mundo. Por meio dela,
e na interação com surdos adultos, a criança surda ampliará o conhecimento sobre o mundo que a
rodeia. Estes conhecimentos servirão como base para as atividades que ocorrerão na escola.
• A Língua Brasileira de Sinais contribui para a aquisição da Língua Portuguesa, na medida em que
possibilita a ampliação do conhecimento de mundo e de língua, o que constitui o conhecimento prévio,
fundamental para a atribuição de sentido na leitura e na escrita.
Uma vez garantido o direito de adquirir a Língua Brasileira de Sinais, a educação das crianças surdas
deve seguir os mesmos princípios da educação das crianças ouvintes, quais sejam:
O desenvolvimento da criança é um processo conjunto e recíproco;
Educar e cuidar são dimensões indissociáveis de toda ação educacional;
Todos são iguais, apesar de diferentes;
O adulto educador é mediador da criança em sua aprendizagem;
A parceria com as famílias das crianças é fundamental.
Princípios básicos do ensino da Língua Portuguesa para alunos
surdos
O ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos deve levar em consideração que:
• A surdez dificulta, mas não impede o aprendizado da Língua Portuguesa pelos alunos surdos.
• As dificuldades que os alunos surdos geralmente apresentam na escrita
não decorrem da surdez, mas do pouco conhecimento que têm da Língua Portuguesa.
• A Língua Portuguesa é segunda língua para os alunos surdos, e, por isso, requer a aquisição da
Língua Brasileira de Sinais, sua primeira língua.
• O aprendizado da Língua Portuguesa como segunda língua é um direito do aluno surdo, garantido
pelo Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005.
65
• O ensino da Língua Portuguesa na escola deve contemplar a modalidade escrita que, por ser
acessível à visão, é considerada fonte necessária para que o aluno surdo possa constituir seu
conhecimento sobre a Língua Portuguesa.
O processo de aprendizado da Língua Portuguesa pelos alunos surdos é mais demorado e não
chega necessariamente aos mesmos resultados.
Praticando
A partir da afirmação responda as seguintes questões :
Muitas crianças surdas chegam as escolas bilíngues no
ensino fundamental sem arcabouço linguístico de língua de
sinais que suporte a aprendizagem do português escrito.
1.
Como evitar essa situação e quais as medidas preventivas?
2. De que forma podemos assegurar que as crianças surdas
tenham acesso á língua portuguesa escrita?
66
PARA (NÃO) FINALIZAR
Excerto extraído de: PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA Maria Inês da Silva Vieira.
Bilinguismo e Educação de Surdos. Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo:
LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x
Para o artigo completo acesse: http://www4.pucsp.br/pos/lael/intercambio/pdf/4_MCristina_.pdf
As crianças surdas que têm pais surdos, usuários da língua de sinais, aprendem geralmente a língua
de sinais na interação com os pais de forma semelhante e na mesma época em que as crianças
ouvintes adquirem a língua majoritária. Além da língua de sinais, as crianças surdas de pais surdos
adquirem com a família aspectos da cultura surda e se identificam com a comunidade de surdos.
Quando chegam à escola, estas crianças já contam com uma língua, com base na qual poderão
aprender a língua majoritária, na modalidade escrita.
A maior parte das crianças surdas, no entanto, têm pais ouvintes, que não sabem a língua de sinais e
usam a língua majoritária na modalidade oral para interagir com os filhos surdos.
Devido à perda auditiva, as crianças surdas conseguem adquirir apenas fragmentos da fala dos pais.
Consequentemente, embora cheguem à escola com alguma linguagem, adquirida na interação com os
pais ouvintes, não apresentam nenhuma língua constituída (Pereira, 2000).
O reconhecimento de que a língua de sinais possibilita o desenvolvimento das pessoas surdas em todos
os seus aspectos, somado à reivindicação das comunidades de surdos quanto ao direito de usar esta
língua, tem levado, nos últimos anos, muitas instituições a adotarem um modelo bilingue na educação
dos alunos surdos.
Neste modelo, a primeira língua é a de Sinais, que dará o arcabouço para o aprendizado da segunda
língua, preferencialmente na modalidade escrita, que, por ser visual, é mais acessível aos alunos
surdos.
REFERÊNCIAS
67
MOURA, Maria Cecília de. O Surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter,
2000.
PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA Maria Inês da Silva Vieira. Bilinguismo e Educação de
Surdos. Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x
PERLIN, Gladis T.T. Identidades surdas. In SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as
diferenças. Porto Alegre: Mediação. 3ª. Edição, 2005.
SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. 3ª. Edição,
2005.
WILCOX, S h e r m a n WI L C O X; P h y l l i s P e r r i n . Aprender a ver: o ensino da língua de
sinais americana como segunda língua. Tradução de Tarcísio de Arantes Leite. Editora Arara Azul,
2005
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica.
Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação Infantil
e Ensino Fundamental : Língua Portuguesa para pessoa surda / Secretaria Municipal de
Educação – São Paulo : SME / DOT, 2008.
capítulo 6 - A escola
bilíngue para surdos
[Skliar (1998:18) discute que são impróprias as três justificativas atribuídas ao fracasso escolar dos
surdos, ou seja, aquelas que o relacionam aos próprios alunos surdos, aos professores ouvintes e aos
métodos de ensino. Segundo esse autor, o fracasso escolar não é fracasso do surdo, é “...fracasso da
instituição-escola, das políticas educacionais e da responsabilidade do Estado [...] A educação dos
surdos não fracassou, ela apenas conseguiu os resultados previstos em função dos mecanismos e das
relações de poderes e saberes atuais...”
[fim Para refletir]
[Provocação]
O profissional surdo tem importância significativa no processo de aquisição da língua de sinais pelas
crianças surdas, uma vez que, além de ser responsável pelos conteúdos programáticos, é visto como o
68
desencadeador de um ambiente linguístico que favorecerá a aquisição e o aprofundamento do
conhecimento da língua de sinais pelos alunos e a sua aprendizagem pelos pais e pelos professores
ouvintes ... Dada a sua importância, o profissional surdo deve fazer parte da equipe da escola e
participar do planejamento das atividades, o que pode garantir que sejam respeitadas as condições
peculiares dos Surdos de terem acesso ao mundo pela visão. PEREIRA e VIEIRA, 2009)
De que forma trabalham juntos professor regente e professor surdo no modelo bilíngue?
[fim provocação]
O decreto Nº 5.626, DE 22 de dezembro de 2005, dispõe sobre a Libras – língua brasileira de sinais
estabelece:
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação
de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de
Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos
sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 5o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em
que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a
formação bilíngue.
§ 1o Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil
e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal,
que viabilizar a formação bilíngue, referida no caput.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 6o A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de
educação.
§ 1o A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade
civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma
das instituições referidas nos incisos II e III.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
69
Art. 7o Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com
título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de
educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos
seguintes perfis:
I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação
superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério
da Educação;
II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado
obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;
III - professor ouvinte bilíngue: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação
superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo
Ministério da Educação.
§ 1o Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a
disciplina de Libras.
§ 2o A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da
educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do
magistério.
O decreto federal é claro ao propor para pessoa surda um lugar como docente nos cursos
universitários bem como no ensino infantil, fundamental e médio, vindo a consolidar a proposta
bilíngue que necessariamente busca o profissional surdo atuar em todos os espaços escolares como o
profissional de direito quanto a uso da língua de sinais
1 – O professor surdo
Discutiremos este capítulo iniciando sobre a importância do surdo como professor no modelo de
educação bilíngue porque retomamos a questão da identidade surda.
Como visto no capítulo anterior, segundo Perlin (1998) são as seguintes as identidades surdas:
Identidades Surdas: surdos que fazem uso da experiência visual
Identidade política surda: consciência surda de ser definitivamente diferente e de necessitar de
implicações e recursos completamente visuais. Filhos surdos de pais surdos.
Identidades surdas híbridas: surdos que nasceram ouvintes. Captam a comunicação de forma
visual, passam-na para a língua que adquiriram primeiro e depois para os sinais. É o caso da
autora do texto.
Identidade surda incompleta: surdos que vivem sobre a ideologia ouvintista latente e não
conseguem romper as barreiras e resistir ao poder ouvintista.
70
Identidades surdas flutuantes: surdo consciente ou não de ser surdo que vivem na ideologia
ouvintista. Não conseguem estar com surdos por falta da língua de sinais e estar com ouvintes
por falta da língua oral.
Dessa forma, se pensarmos que o professor surdo que atua na escola bilíngue tem uma dessas
identidades, isto pode influenciar os alunos surdos. Os professores surdos, na sua diferença, apresentam
diferentes identidades: identidade surda, híbrida e flutuante. Não existe uma identificação como
homogeneização. O que se percebe, por meio deles, é que existe a diferença nas identidades ao se
identificar com a cultura, identidade e língua de sinais, e eles continuam mantendo as suas identidades
ao se vincularem aos outros. Os alunos podem se vincular pelo desejo que têm de identidade.
Ainda é comum o professor ouvinte que está aprendendo a língua de sinais realizar os sinais na
estrutura do Português, o chamado Português Sinalizado. Neste caso, fica difícil para as pessoas surdas
entenderem a mensagem do conteúdo. A inserção de um professor surdo para ministrar aulas aos seus
semelhantes seria a opção ideal além da língua; os alunos têm acesso à cultura, e espelham-se no
professor como motivação de sucesso e percebem que o mundo dos vencedores não é só de pessoas
não surdas. O professor surdo vai comparar a realidade das pessoas surdas com o conteúdo abordado,
vai resgatar a história, situar no tempo, mostrar-lhes que o mundo a ser percebido é de infinitas
possibilidades.
Se o professor não for fluente em língua de sinais deverá contar com o intérprete.
2 – O intérprete de sinais
Interpretação em sinais em sinais é uma habilidade construída sistematicamente e não se resume a
uma simples tradução daquilo que se oraliza.
Tomaremos como referência a publicação O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua
portuguesa / Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos Brasília
:
MEC
;
SEESP,
2004.
94
p.
:
il.
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.pdf.sso acesso em 10.09.12
O que envolve o ato de Interpretar?
Envolve um ato COGNITIVO-LINGUÍSTICO, ou seja, é um processo em que o intérprete estará diante
de pessoas que apresentam intenções comunicativas específicas e que utilizam línguas diferentes. O
intérprete está completamente envolvido na interação comunicativa (social e cultural) com poder
completo para influenciar o objeto e o produto da interpretação. Ele processa a informação dada na
língua fonte e faz escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo que devem se
aproximar o mais apropriadamente possível da informação dada na língua fonte. Assim sendo, o
intérprete também precisa ter conhecimento técnico para que suas escolhas sejam apropriadas
tecnicamente. Portanto, o ato de interpretar envolve processos altamente complexos.
Quem é intérprete de língua de sinais?
71
É o profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do país e que é qualificado para
desempenhar a função de intérprete. No Brasil, o intérprete deve dominar a língua brasileira de sinais
e língua portuguesa. Ele também pode dominar outras línguas, como o inglês, o espanhol, a língua de
sinais americana e fazer a interpretação para a língua brasileira de sinais ou vice-versa (por exemplo,
conferênciasinternacionais). Além do domínio das línguas envolvidas no processo de tradução e
interpretação, o profissional precisa ter qualificação específica para atuar como tal. Isso significa ter
domínio dos processos, dos modelos, das estratégias e técnicas de tradução e interpretação. 0
profissional intérprete também deve ter formação específica na área de sua atuação (por exemplo, a
área da educação).
Qual o papel do intérprete?
Realizar a interpretação da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa observando os
seguintes preceitos éticos:
a) confiabilidade (sigilo profissional);
b) imparcialidade (o intérprete deve ser neutro e não interferir com opiniões próprias);
c) discrição (o intérprete deve estabelecer limites no seu envolvimento durante a atuação);
d) distância profissional (o profissional intérprete e sua vida pessoal são separados);
e) fidelidade (a interpretação deve ser fiel, o intérprete não pode alterar a informação por querer
ajudar ou ter opiniões a respeito de algum assunto, o objetivo da interpretação é passar o que
realmente é dito).
O intérprete na sala de aula não é um elemento neutro é ator neste cenário da escola bilíngue, mesmo
porque é impossível ser neutro em qualquer ação comunicativa interativa. O papel do intérprete em sala
de aula é situar o aluno surdo no tempo e espaço facilitando a comunicação com todos. Porém, há que
se ressaltar que o intérprete não tem por papel, dividir com o professor regente a responsabilidade da
educação.
Infelizmente o que ainda se encontra nos ambientes educativos de surdos, é o intérprete fazendo o
papel do professor, porque este, principalmente por não dominar a língua de sinais fica impossibilitado
de ensinar os conteúdos planejados. Ressalta-se ainda, que muitas vezes o intérprete também precisa
explicar ao professor regente o que é a cultura surda e as especificidades do aluno surdo, para que este
professor perceba as particularidades compreendendo as necessidades do seu aluno o surdo.
O intérprete de língua de sinais na escola bilíngue representa o direito do surdo de aprender os
conteúdos escolares na sua língua natural, assim, como os alunos ouvintes aprendem pela língua
natural, que é a oral. O direito é o mesmo. O intérprete aumenta e potencializa as oportunidades de
interação do aluno surdo com seus pares, e facilita com que os ouvintes que não conhecem a língua de
sinais possam se comunicar com os surdos e aprender esta língua.
72
O intérprete deve, então, possuir excelente domínio das duas línguas em questão, a Língua de Sinais
Brasileira e a Língua Portuguesa e as línguas sempre estão moldadas em seu aspecto cultural.
O ministério de educação referenda:
O intérprete especialista para atuar na área da educação deverá ter um perfil para intermediar as
relações entre os professores e os alunos, bem como, entre os colegas surdos e os colegas ouvintes. No
entanto, as competências e responsabilidades destes profissionais não são tão fáceis de serem
determinadas. Há vários problemas de ordem ética que acabam surgindo em função do tipo de
intermediação que acaba acontecendo em sala de aula. Muitas vezes, o papel do intérprete em sala de
aula acaba sendo confundido com o papel do professor. Os alunos dirigem questões diretamente ao
intérprete, comentam e travam discussões em relação aos tópicos abordados com o intérprete e não
com o professor. 0 próprio professor delega ao intérprete a responsabilidade de assumir o ensino dos
conteúdos desenvolvidos em aula ao intérprete. Muitas vezes, o professor consulta o intérprete a
respeito do desenvolvimento do aluno surdo, como sendo ele a pessoa mais indicada a dar um parecer
a respeito. 0 intérprete, por sua vez, se assumir todos os papéis delegados por parte dos professores e
alunos, acaba sendo sobrecarregado e, também, acaba por confundir o seu papel dentro do processo
educacional, um papel que está sendo constituído. Vale ressaltar que se o intérprete está atuando na
educação infantil ou fundamental, mais difícil torna-se a sua tarefa. As crianças mais novas têm mais
dificuldades em entender que aquele que está passando a informação é apenas um intérprete, é apenas
aquele
que
está
intermediando
a
relação
entre
o
professor
e
ela.
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.pdf. Acesso em 10.09.12.
3 – O professor bilíngue
O professor deveria buscar um conhecimento paralelo, cultural, pedagógico, acerca da educação de
surdos, conhecendo a cultura surda, as especificidades gramaticais da língua de ste.inais e
principalmente usar as duas línguas separadamente. O professor precisa conquistar o espaço de
mediador, confrontando os conhecimentos já consolidados com os que se propõe a ensinar, se em duas
línguas de modalidades sensoriais diferentes.
Isso exigirá do professor a fluência na Língua de Sinais ou, na falta desta, deverá contar com um
intérprete. Como a Língua de Sinais se apresenta numa modalidade distinta das línguas orais ela está
centrada no canal sensorial visual, no espaço visual, e o professor deve realizar estratégias de ensino
com base no visual para desenvolver os conteúdos programáticos junto ao profissional surdo, e
possibilitar a aprendizagem da modalidade escrita da língua majoritária, o português, que deverá ser
trabalhada como segunda língua.
73
A Língua Portuguesa será apresentada na forma escrita, que, por ser totalmente acessível à visão, é
considerada fonte necessária para que a criança surda possa construir suas habilidades na língua
majoritária.
Como afirmaram Pereira e Vieira (2009, p. 66):
Além de fazerem parte do currículo as duas línguas – de sinais e a majoritária todas as disciplinas curriculares devem contemplar em seu conteúdo a história
da educação de surdos, a história das comunidades, movimentos surdos,
personagens importantes, cultura, artes, literatura, direitos e deveres dos
surdos, contato com as línguas de sinais estrangeiras, enfim, as especificidades
das comunidades surdas devem ser atendidas em todas as disciplinas
curriculares.
Visando ao aprendizado da Língua Portuguesa escrita, os alunos surdos devem
ser apresentados ao maior número possível de textos, por meio de narrações
repetidas e traduções. Além de traduzir os textos para a língua de sinais, o
professor deverá explicar o seu conteúdo e características das duas línguas por
meio da comparação.
O professor deve ser capaz não apenas de fazer traduções apropriadas de textos e de partes de textos
na língua de sinais e vice-versa, mas também de explicar e esclarecer para as crianças aspectos sobre a
construção dos textos, esclarecendo o conteúdo nos textos e mostrar como o significado é expresso nas
duas línguas. Isto vem de encontro á metodologia que busca ensinar uma outra língua por meio de
aumento de vocabulário por palavras isoladas, desconectadas do texto, do diálogo e da significação dos
conteúdo.
A escola bilíngue enfrenta atualmente inúmeros desafios:
Professor regente de classe sem conhecimento da cultura surda e sem fluência em língua de sinais;
Adultos que falam ao mesmo tempo em que sinalizam, levando ao português sinalizado e impedindo o
surdo de aprender a gramática real da língua de sinais;
Abrir espaço para os pais conviverem com surdos adultos, usuários da língua de sinais, e oferecer
cursos com professores/instrutores surdos;
Elaboração do plano educacional do aluno surdo pelo grupo de profissionais responsáveis por esta
educação, que não pertence exclusivamente ao professor regente, mas que tem, também, que incluir o
professor surdo e o intérprete.
74
Experiência exitosas existem e começam a aumentar gradativamente, consolidando o modelo bilíngue
e bicultural. Vamos fazer parte de mais um sucesso na educação dos surdos.
Praticando
Reflita e comente sobre a seguinte afirmação:
“A educação de surdos na perspectiva bilíngue toma uma
forma que transcende as questões puramente linguísticas.
Para além da língua de sinais e do português, esta educação
situa-se no contexto da garantia de acesso e permanência na
escola. Essa escola está sendo definida pelos próprios
movimentos surdos: marca fundamental da consolidação de
uma educação de surdos em um país que se entende
equivocadamente monolíngue. O confronto se faz necessário
para que se construa uma educação verdadeira: multilíngue e
multicultural. Assim, no Brasil, o “bi” do bilinguismo apresenta
outras dimensões. (QUADROS, 2008,p. 35)”
75
PARA (NÃO) FINALIZAR
Para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de surdos representa questões
políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, a educação dos surdos, em uma perspectiva bilíngue, deve
ter um currículo organizado em uma perspectiva visual-espacial para garantir o acesso de todos os
conteúdos escolares na própria língua da criança, a língua de sinais brasileira. É a proposição da
inversão, assim, está-se reconhecendo a diferença. A língua passa a ser, então, o instrumento que traduz
todas as relações e intenções do processo que se concretiza através das interações sociais. Os discursos
em uma determinada língua serão organizados e, também, determinados pela língua utilizada como
língua de instrução. Ao expressar um pensamento em língua de sinais, o discurso utiliza uma
dimensão visual que não é captada por uma língua oral-auditiva, e, da mesma forma, o oposto é
verdadeiro. Além desse nível de representação linguística, os discursos vão expressar relações de
poder. Ao opta-se por manter a língua portuguesa como a língua referencial da educação dos surdos, já
se tem início das intenções repassadas em função dos efeitos sociais que se observam. Assim, prestar
atenção nos interlocutores dos alunos surdos também passa a apresentar papel crucial, pois os
discursos reproduzidos nas línguas utilizadas representam as relações existentes na escola.
(QUADROS, 2008, p. 35)
REFERÊNCIAS
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