COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO BILINGUE Brasília-DF Elaboração Maria aparecida Cormedi 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ................................................. 5 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7 UNIDADE I AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ............................................................................................ 9 CAPÍTULO 1 ABORDAGENS SOBRE A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ........................................... 13 CAPÍTULO 2 POSSIBILIDADES DE COMPENSAÇÃO DA PERDA AUDITIVA .................................. 19 [...] UNIDADE II CONCEITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................ 27 CAPÍTULO 3 LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E LÍNGUA .............................................................. 32 CAPÍTULO 4 A AQUISIÇÃO DA LINGAUGEM NA CRIANÇA SURDA............................................. 39 ....................................................................................................................... 51 [...] UNIDADE III EDUCAÇÃO BILINGUE .................................................................................................. 27 CAPÍTULO 5 ABORDAGEM BILINGUE ..................................................................................... 32 CAPÍTULO 6 O PROFISSIONAL DA ESCOLA BILINGUE ............................................................. 39 ....................................................................................................................... 51 PARA (NÃO) FINALIZAR................................................................................................ 68 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 70 3 APRESENTAÇÃO Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a prática da disciplina. Para refletir Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações Espaço para você, aluno, fazer uma síntese dos textos e enriquecêlos com sua contribuição pessoal. 5 Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. Praticando Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências Bibliografia consultada na elaboração do Caderno. 6 INTRODUÇÃO Comunicação e linguagem muitas vezes são compreendidas como sinônimos e frequentemente usamos os dois termos para nos referirmos às possibilidades e às diversas formas de expressarmos ideias, sentimentos, pensamentos e vontades. É fundamental entendermos esses dois termos: linguagem e comunicação e, ainda, acrescentar mais um à discussão: a noção de língua. Constatamos um aumento significativo de estudos relativos a aquisição de linguagem e sobre a língua de sinais, nas últimas duas décadas. Quanto à linguagem, as pesquisas versam principalmente sobre as diferentes teorias de aquisição, que relacionam distintas áreas do saber: psicologia, linguística, pedagogia, neurociências, fonoaudiologia e as ciências da educação. Consequentemente as pesquisas sobre aquisição de linguagem, levaram às pesquisas sobre a apropriação da língua, sobre o desenvolvimento linguístico das crianças. Soma-se, também, o resultado de toda movimentação da comunidade surda pela aceitação da língua de sinais como instrumento cultural e de identidade da pessoa surda. Temos, então, um aumento significativo de pesquisas sobre língua de sinais e a abordagem bilíngue. A abordar as questões relativas à surdez a primeiro conceito que sobressai é sobre a possibilidade da comunicação linguística por meio da fala que pode estar seriamente comprometida. Assim, a língua de sinais é resposta comunicativa para a pessoa surda, pois representa o instrumento cultural da comunidade surda. A formação do eu, da identidade de uma pessoa está diretamente relacionada com a aprendizagem da língua oral para o sujeito ouvinte e por sinais para o sujeito surdo. A língua é o marcador de uma cultura. Dessa forma a cultura surda é diferente da cultura do ouvinte. 7 Objetivos >Compreender os conceitos sobre linguagem, comunicação e língua discutidos sob a perspectiva da concepção interacionista social cultural. >Discutir as diferentes formas de comunicação na ausência da oralidade identificando as possibilidades de comunicação pré linguística e linguística. >Conhecer a abordagem bilíngue compreendendo as especificidades da surdez quanto ao uso da língua de sinais como língua natural e o português escrito como segunda língua. 8 Unidade I – AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM capítulo 1 - Abordagens sobre a aquisição de linguagem [Para refletir] Estudar a linguagem tem sido uma tarefa fascinante para diversos pesquisadores e envolve diversas áreas do saber, instigando educadores fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas, linguistas, entre outros, que se propõe a responder algumas questões: o que é linguagem, como ela é adquirida, qual a sua função, o que a diferencia do pensamento e qual o papel da linguagem no desenvolvimento das funções mentais superiores? [fim Para refletir] [Provocação] A linguagem pode ser entendida como tendo um procedimento comunicativo e um procedimento comunicativo. No primeiro a linguagem fundamenta o conhecimento de mundo pela criança e enquanto procedimento comunicativo fundamenta-se nas bases de Vigotski pelas quais a linguagem tem o papel de ação sobre o outro na interação social. A linguagem é então manifestação do conhecimento cognitivo como referiu Piaget ou é função social como postulou Vigotski? E finalmente: a aquisição da linguagem de uma criança ouvinte se dá nos mesmos moldes para uma criança surda? [fim provocação] 1 – Abordagens sobre a aquisição da linguagem As pesquisas sobre aquisição de linguagem revelam que os primeiros estudos sobre esta temática foram registrados entre o final século XIX e início do século XX, quando estudiosos escreveram diários sobre a fala espontânea de seus filhos. Tais estudiosos, eram geralmente, psicólogos 9 interessados no desenvolvimento infantil e anotavam todo o tipo de comportamento das crianças desde palavras, atitudes e desenvolvimento. Eram registros assistemáticos sem bases científicas, mas que representaram a iniciativa de descrever passos e fases de desenvolvimento infantil, não necessariamente apenas quanto a linguagem. A partir do século XX, com aas publicações dos estudos científicos da linguística, especificamente sobre Saussure é que a linguística passa a ser reconhecida como saber científico. Por meio de amostras amplas os estudiosos observaram e descreveram os fatos linguísticos. A partir da década de 50, surge uma nova proposta de estudo linguístico, menos preocupada com a descrição dos dados e mais interessada no pressuposto de uma teoria para explicar a aquisição da língua falada, e então surge a Gramática Gerativa Transformacional de Chomsky. Este linguista americano propôs que o ser humano é dotado de uma faculdade específica, inata, hereditária, inerente ao ser humano, que é a linguagem, ou seja é capaz de desenvolver linguagem desde que exposto a um imput linguístico, ao ambiente em que vive e que fala determinada língua. Na década de 50, houve os estudos de Skinner, referidos como behaviorista por examinar os comportamentos das crianças e preconizar que todo comportamento, inclusive a linguagem, acontece como resposta a um estímulo. A partir de então, surge a teoria cognitivista baseada nos estudos de Jean Piaget, pelos quais, a linguagem é compreendida como saber cognitivo, determinada e dominada pelo funcionamento cognitivo. Nos anos 80, a psicologia cognitiva encontra os estudos das estruturas linguísticas, incorporando-se os conceitos semânticos e as funções discursivas, Tem-se os estudos da língua na formação de conceitos, no aprendizado e na aquisição da linguagem. Apesar de Vigotski ter escrito os fundamentos da concepção interacionista social nos anos 20, somente a partir dos anos 70, é que seus estudos passaram a ser divulgados e embasaram, por sua vez, outras pesquisas referentes á aquisição da linguagem. Na realidade, Vigotski não propôs uma teoria sobre aquisição da linguagem porque seus estudos estavam voltados ao desenvolvimento do homem, à importância das relações sociais, discutindo o papel da linguagem na organização e desenvolvimento dos processos de pensamento. O ponto central dos postulados de Vigostki é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. O que importa não é a fala da criança como produto, mas a relação dialógica entre criança e seu interlocutor, onde os papéis se alternam, ora como aquele que fala, ora como aquele que ouve e responde e interage. 1.1. Concepção behaviorista Os primeiros estudos sobre a aquisição de linguagem que tiveram caráter científico vem dos estudos da psicologia, principalmente dos behavioristas que referenciam todo comportamento que pode ser observado, registrado e consequentemente estudado. Nesta concepção, baseada nos estudos de Skinner, a linguagem é um comportamento e como tal sujeito a um estímulo e uma resposta. A criança é uma tábula rasa e o ambiente tem papel preponderante 10 porque é aquele que molda e determina o comportamento. Assim, o adulto é o modelador, é que determina a aquisição da linguagem pela criança, reagindo aos estímulos e respondendo aos seus comportamentos. A linguagem é um comportamento adquirido pelo qual a criança começa imitando o comportamento do adulto para depois generalizá-lo. Para os behavioristas, que propõem o empirismo, a mente não é componente fundamental para o processo de aquisição da linguagem, porque esta é comportamento, não é, portanto, inata, e é o outro adulto, quem determina. A linguagem pode ter um reforço positivo e, neste caso, comportamento/linguagem se mantém; pode ter um reforço negativo que elimina o comportamento linguagem e pode ter nenhum tipo de reforço. Atualmente considerada simplista, o fator positivo desta teoria é ter legado aos estudos científicos um rigor de observação e de investigação. 1.2. Concepção Inatista O inatismo vem da concepção racionalista, que atribui à mente a responsabilidade pela aquisição da linguagem e, portanto, pressupõe uma capacidade inata para a linguagem. Noam Chomsky publicou seu primeiro trabalho, contestando Skinner, ao afirmar que não há garantias de que o estímulo realmente produza sempre respostas e que om reforço poderia levar a vida inteira, como então explicar a aquisição de linguagem em tão pouco tempo, por volta dos 2 nos de idade? Pela concepção inatista, a criança nasce com predisposição à linguagem, chamada LAD – language acquisicion device - e à medida que a criança é exposta á língua do ambiente, vai adquirindo competência. Pelo fato das propriedades da língua serem tão abstratas e complexas, são transmitidas geneticamente, daí o termo inato, porque é biologicamente determinado. Sendo assim, as crianças ao nascerem já teriam esta competência antes mesmo de ter contato com a língua do ambiente. Entende-se por competência um conjunto finito de regras que gera um número infinito de orações. A criança constrói orações que parecem fórmulas fazendo a relação entre as palavras. A criança que vive em um meio que usa determinada língua, começa a produzir sons dessa língua, a desenvolver-se e pode produzir frases com gramática quase completa por volta dos 3 a 4 anos de idade. Contudo, esse conhecimento inato só é ativado em contato com um adulto falante, ou seja, não basta essa capacidade inata, é preciso que que esta criança esteja em determinado meio social cultural em que as pessoas usam uma língua para que seja estimulada a usar essa mesma língua. 1.3. Concepção Cognitivista 11 Piaget é o autor mais referenciado na teoria cognitivista que vincula linguagem à cognição. Nesta concepção, não basta a criança seja apenas exposta ao ambiente, ao meio social, é necessário que ela tenha passado por determinados estágios em seu desenvolvimento para compreender o que o ambiente lhe transmite. Piaget não estudou a aquisição da linguagem propriamente dita, estava mais interessado no desenvolvimento infantil e nas relações entre pensamento e linguagem e esta estaria incluída como parte dos estágios de desenvolvimento que são os seguintes: - período sensório-motor – 0 -18 24 meses de idade. Precede a linguagem e se dá a noção de objeto. - período pré-operatório – 18 , 24 meses até 7, 8 anos de idade - Início da função simbólica e representativa com o uso de símbolos, importante para a aquisição da linguagem. - período operatório concreto – 7,8 anos até 11,12 anos de idade – construção da lógica - período operatório formal – 11, 12 anos em diante – raciocínio e deduções. Nesta concepção a linguagem é um instrumento para a criança conhecer o mundo se desenvolver e obter o que deseja. O adulto interlocutor tem o papel de prover situações em que a criança se desenvolve cognitivamente. A criança constrói linguagem em contato com o meio assim como constrói qualquer conhecimento. Inicialmente as conversações da criança são egocêntricas e centralizadas, caracterizadas por falar para si mesma sem objetivo de comunicar algo ao outro, sem função social. À medida que a criança se socializa, e passa realmente a interagir, por meio de perguntas, solicitações e respostas, é que a linguagem torna-se socializada. Por considerar que a linguagem é construída pela criança, o cognitivismo é considerado como pertencente a vertente do construtivismo. Importante considerar que esta concepção teórica não considera o papel do “outro” que atua no mesmo meio em que a criança que adquire linguagem vive, portanto para explicar as interações surgiu a teoria interacionista. 1.4. Concepção interacionista Um dos pioneiros da teoria interacionista foi Brunner, que considerou adulto e criança agindo sobre o mesmo objeto., pois este adulto é o mediador entre a criança e o mundo. A criança domina as estruturas da língua enquanto interage com outros do mesmo meio e torna-se um interlocutor na relação com o outro. Brunner é representante da vertente da pragmática que considera o uso da linguagem no contexto de comunicação, alertando que há algo mais na fala de uma criança do que somente estruturas 12 gramaticais e privilegiando a relação adulto-criança. Assim o mérito desta concepção foi de deslocar a linguagem de dentro do sujeito para a relação com o outro, para a exterioridade. O modelo pragmático valoriza a linguagem no contexto da comunicação e conversação. O papel do outro é visto como mediador entre a criança e o mundo. Cabe ao adulto “recortar” o mundo para a criança através da interpretação de seus comportamentos, caracterizando, assim, uma continuidade entre o período pre- linguístico com ênfase comunicativa e o período linguístico com ênfase linguística. A linguagem, nesta concepção, é o instrumento para regular as interações da criança com as pessoas do meio, à medida que a criança conhece e compartilha os significados convencionais do meio social. A pragmática considera dois momentos na aquisição da linguagem, inicialmente aquele que a comunicação acontece por formas pré linguísticas ou pré verbais até a emergência do gesto de apontar na criança e por continuidade, acontece o período linguístico ou verbal quando a criança faz uso da palavra. Brunner introduziu, também, o papel dos jogos e das brincadeiras que sustentam as interações. É a partir destes esquemas lúdicos de interações que a criança desenvolve funções linguísticas, comunicativas, sociais, primeiramente gestuais e depois verbais podendo experenciar papéis sócias reversíveis pela troca de turnos entre os interlocutores. Outro mérito desta abordagem foi chamar a atenção para os comportamentos não verbais como o gesto de apontar e os balbucios da criança. O gesto de apontar é atribuído de intenção comunicativa. No entanto a pragmática não discutiu as relações sociais e o desenvolvimento linguístico. Nenhuma das vertentes teóricas discutidas até agora estudaram a interação social como Vigotski o fez. 1.5 Concepção interacionista social cultural Lev Seminovich Vigotksy viveu no início do século XX, vindo a falecer aos 37 anos de idade em 1934 de tuberculose e teve de 1924 até a sua morte produção científica brilhante. Apesar de ter escrito suas obras nas décadas de 20 e 30 que refletem o momento da revolução russa, seus escritos permaneceram quase completamente ignorados até 1962 quando seu livro Pensamento e Linguagem foi publicado pela primeira vez nos Estados Unidos. A partir de então, as obras de Vigotski tem influenciado o saber científico na área da educação, contribuindo para estudos sobre o desenvolvimento humano, aprendizagem e aquisição de linguagem. Vigotski discutiu o papel da linguagem na organização e desenvolvimento dos processos de pensamento. Postulou que existe uma relação entre pensamento e linguagem, relação essa que não nasce com o sujeito, mas é desenvolvida ao longo da evolução da espécie e do desenvolvimento do próprio individuo. 13 Para Vigotski, o homem se desenvolve porque pode aprender, ou seja, à medida que se relaciona com o mundo, desenvolve-se. O desenvolvimento humano se dá de fora para dentro, devido ao aspecto cultural e a aprendizagem é importante nas definições do rumo do desenvolvimento. A aprendizagem promove o desenvolvimento. O fato de aprender é que define por onde o desenvolvimento acontece. Para explicar as funções da linguagem e o início da comunicação no homem, Vigotski fez relações e comparações com o desenvolvimento da espécie, partindo da observação de chipanzés. Nestas pesquisas com chipanzés, na década de 20, Vigostki (2001, 2005) relatou que esses animais podem comunicar-se e o fazem por meios sonoros pelos quais diferentes gritos e emissões significam diferentes mensagens. Também se comunicam por gestos e ainda fazem uso de uma inteligência prática podendo utilizar instrumentos, como. por exemplo, usar uma cadeira para subir em algum lugar alto para obter alimento. O uso dessa inteligência prática exige a presença do objeto concreto. A partir destas considerações explicou os comportamentos dos bebês e a primeira função da linguagem: a função de intercâmbio social ou função comunicativa. A linguagem tem, na concepção de Vigotski, funções diferentes. A primeira é a comunicativa, a segunda é a função de regular o próprio comportamento tornando a linguagem um instrumento para produzir efeitos sobre o meio social, ou seja, as duas funções básicas da linguagem são a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante. A função inicial da linguagem é a comunicativa. A principal função da linguagem é a de intercâmbio social, ou seja, é a comunicativa. É a necessidade de comunicação que impulsiona o desenvolvimento de linguagem. A função comunicativa pode ser descrita como a função comunicação social. Um bebê, por exemplo, de dois meses de idade, comunica-se efetivamente com o meio. A mãe (adulto) reconhece e interpreta o choro do bebê como sendo significativo de fome, dor ou desconforto. A tranquilidade do bebê também tem função comunicativa, pois pode significar simplesmente que suas necessidades básicas estão satisfeitas. Os primeiros balbucios não têm aspecto cognitivo e somente com o desenvolvimento é que a criança passará a usar a fala com objetivo social, de interação com o mundo de pessoas e objetos. A comunicação sem linguagem refere-se à primeira função, a comunicativa, de intercambio social. O choro do bebê é representativo dessa fase comunicativa, pois é um choro carregado de significados que expressa desconforto, fome, dor, entre outros. Vigotski afirmou que a comunicação pode acontecer sem linguagem, mas será limitada e comparável à comunicação dos animais. A comunicação mediada pela linguagem é a que possibilita a transmissão de conteúdos simbólicos. No entanto, para que esta comunicação atinja níveis cada vez mais representacionais, mais simbólicos e mais abstratos é necessário o uso dos signos para ser possível transmitir a ideia de 14 sentimentos, vontades, desejos e pensamentos de forma precisa, formando assim os conceitos relativos ao que que pretende expressar. Estes signos precisam estar organizados em um código comum para que possam ser generalizados. A transmissão dos signos conduz à segunda função da linguagem: a de pensamento generalizante. A segunda função da linguagem, chamada por Vigotski de pensamento generalizante é aquela que possibilita a expressão do pensamento, a relação pensamento e linguagem se intensifica, e o desenvolvimento desses dois processos se cruzam e se fundem. A função de pensamento generalizante implica uma classificação do mundo. É quando a criança já é capaz de agrupar objetos em uma mesma categoria e por consequência distinguir o objeto que se encaixa em uma categoria daquele que não se encaixa, isso por si só já é uma primeira classificação de mundo. Oliveira (2004) em seus estudos sobre Vigotski resumiu essa distinção entre as fases do desenvolvimento da linguagem e do pensamento. Para essa autora, a fase pré-linguística do pensamento representa a utilização de instrumentos e o uso da inteligência prática. Um exemplo dessa fase é a criança pequena que sobe na cadeira para obter o objeto distante, e a fase préintelectual da linguagem é representada pela comunicação que traz alívio emocional e faz a função social da linguagem, como o choro, os balbucios e o grito. A junção desses dois momentos, das fases do desenvolvimento da linguagem e do pensamento, representa o pensamento verbal e a linguagem racional pelas quais o homem se transforma do biológico para o social histórico. A união de pensamento e linguagem acontece quando a criança descobre que cada coisa tem um nome, a fala passa a estar ligada ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados. É a fase em que a criança pergunta “o que é isto?”, e o seu vocabulário aumenta gradativamente. É o período dos dois anos de idade, aproximadamente. O fator idade nos tempos atuais é relativo, afinal os textos de Vigotski foram escritos nas décadas de 20 e 30. A descoberta da função simbólica, quando a criança aprende que cada coisa tem um nome, é o divisor de águas no desenvolvimento de linguagem de crianças com e sem deficiências. O importante é ressaltar, nas palavras do próprio Vigotski (2005, p. 67), que: “por um longo tempo, a palavra é para a criança uma propriedade do objeto, mais do que um símbolo deste: que a criança capta a estrutura externa palavra-objeto mais cedo do que a estrutura simbólica interna”. A criança na faixa etária de 18 a 24 meses reconhece a função da palavra, antes mesmo de saber o significado, o conceito simbólico da palavra. Por exemplo, ela sabe que os dois “objetos” laranja e feijão servem para alimentá-la, para saciar a sensação física de fome, mas pode ainda não saber que um alimento é cozido (feijão) e o outro (laranja) pode ser consumido cru, que laranja é uma fruta e é diferente de feijão, ou ainda pode gostar de laranja e de suco de laranja, mas não associa que o suco vem da fruta laranja. Ou seja, nas palavras de Vigotski, a criança reconhece a propriedade, a função para o que serve antes de saber a função simbólica. Quando começa a nomear o mundo, a criança encontra o caminho para apropriar-se da língua que o meio lhe oferece. Ao usar as palavras que primeiramente foram concebidas como propriedade do objeto é que a criança descobre e consolida a sua função como signos. 15 O papel do mediador é intensificado na medida em que atribui significado ao mundo da criança, segundo o contexto cultural, social e histórico que ambos, mediador e criança, estão inseridos. É pela mediação do outro que a criança constrói o conhecimento do mundo, constrói sua própria identidade e se apropria de costumes e valores de sua cultura. O significado do mundo é construído na cultura que está inserida. À medida que a criança passa a usar os signos, a linguagem passa a ser simbólica. É pela linguagem que a criança organiza sua expressão em um sistema linguístico, ou seja, se apropria da língua a que está exposta, em um contexto cultural. Para se compreender o processo de aquisição de linguagem e o uso de signos na concepção de Vigotski, torna-se necessário compreender o conceito de mediação proposto por este autor. Para Vigotski, o papel do outro é fundamental, pois será por meio da interação com o outro que a criança poderá construir seu conhecimento de mundo, primeiro agindo juntamente com o outro para depois construir sua própria individualidade. É na interação e pela interação com o outro que as formas de pensar são construídas e o saber internalizado. O outro representa a cultura, os valores históricos e sociais. O salto qualitativo no desenvolvimento do homem é a linguagem enquanto sistema simbólico de representação da realidade que pode ser expressa pela língua – estrutura na qual os signos estão por sua vez organizados. A linguagem foi definida como um processo de simbolização, de generalização de conceitos e como um sistema de representação da realidade eminentemente humano. Quando Vigotski referia-se à linguagem utilizava-a com o significado de fala, ou gesto, que se organiza na língua. A partir do momento que a criança passa a usar palavras para se comunicar, a relação com o mundo de objetos e pessoas passa a ser abstrata e cada palavra produzida traz em si um mundo de significados próprios segundo as vivências, experiências pessoais e possibilidades de generalizações e transferência de aprendizagem. Tomando a ideia de uma maçã, por exemplo: ao ver o objeto concreto “maçã”, significados diferentes podem ser associados: vermelho, doce, verde, fome. Alguns podem referir ao aroma, outros podem associar ao formato da maçã. Outros ainda podem associar a Adão, Eva e o Paraíso. Ou seja, inúmeros significados segundo a experiência pessoal de cada indivíduo com a maçã podem ser referidos. Isto representa as diferentes generalizações que se faz a partir de um objeto. Porém, o que inicialmente representa a maçã nas primeiras generalizações que a criança pode fazer, é o significado “comer”, pois significa o nível concreto, a função da maçã e para que ela serve. A linguagem está imbricada na construção do conceito e a construção do conceito permite o desenvolvimento linguístico. No desenvolvimento de linguagem, do ponto de vista da semiótica (do significado da palavra), a criança primeiramente expressa uma palavra, mas que tem o sentido de toda uma frase, ou seja, é apenas uma palavra solta que expressa o contexto de uma frase inteira, por exemplo, “dá” para “me dá esse objeto, me dá a bola, eu quero a bola”. Já, do ponto de vista fonético, a primeira 16 expressão da criança é uma palavra, para depois esta ser associada a uma frase simples e depois a frases mais complexas. Assim, os caminhos do desenvolvimento semiótico e do desenvolvimento fonético são opostos. O desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem. Entre o que ocorre no mundo exterior e internamente na criança, o pensamento acontece apoiado nas palavras que podem não ser externadas e permanecerem “dentro” da criança, que pensa sozinha segundo as suas experiências. Assim, as palavras que inicialmente estão no mundo exterior acabam internalizadas. Esse momento representa na concepção de Vigotski a fala que está sendo internalizada pela criança e será instrumento de pensamento e comunicação entre ela e o mundo. A criança que fala alto, sozinha, está no discurso interior, pois essa fala é para si própria. O grande salto qualitativo na forma de relação do homem com o mundo é a língua como sistema simbólico. A língua está fora da criança, pois o meio social e cultural já é usuário dessa língua. Assim, a língua acontece de fora para dentro. O primeiro uso da linguagem é a fala socializada, que representa o externo à criança e a partir do discurso interior ela se apropria da língua. No entanto, nesse processo de apropriação da língua, a criança não é um ser passivo, porque é um sujeito que constrói seu conhecimento de mundo e linguagem, pela mediação com o outro. A relação com o outro é portanto, dialógica, com troca de turnos entre criança e interlocutor onde na interação a criança e o interlocutor tornam-se sujeitos pelo diálogo com os outros, mundo físico e objetos e consequentemente a criança é agente ativo na construção de sua própria língua. Da mesma forma que a língua oral faz a mediação da criança ouvinte com o mundo, a língua de sinais faz a mediação da criança surda com o mundo. É o aspecto sócio-histórico-cultural com propriedades e leis específicas, pois a cultura dos surdos é distinta da cultura dos ouvintes e a apropriação da língua de sinais se dará por processamentos neurológicos diferentes, a começar pela questão sensorial, pois o que é auditivo temporal para os ouvintes será visual espacial para surdos. Vamos, então, no próximo capítulo estudar sobre as questões sensoriais e entender como é o mundo visual da pessoa surda. 17 Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. 1. Para aprofundar a pesquisa sobre a abordagem da interação social e os estudos de Brunner na abordagem pragmática. BORGES, Lucivanda Cavalcante; Salomão, Nadia Maria Ribeiro. Psicologia: reflexão e crítica. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. 2003. 16(2), p. 327-336. http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n2/a13v16n2.pdf. 2. Para conhecer sobre as pesquisas em aquisição de linguagem, inicie por: FREITAS, Gabriela Castro Menezes. Pesquisas em aquisição de linguegem. IN AGUIAR, Vera Teixiera; PEREIRA, Vera Wannmacher (org). Pesquisa em Letras. Porto Alegre: PUCRS, 2007. http://www.pucrs.br/edipucrs/online/pesquisa/pesquisa/artigo7. html 3. Para conhecer sobre a teoria de Vigotski acesso os vídeos de Martha Coll. http://www.youtube.com/watch?v=2qnBE_8A6Fk http://www.youtube.com/watch?v=TpFLOsoyKTA&feature=relm fu http://www.youtube.com/watch?v=apDADNFTUQA&feature=rel mfu http://www.youtube.com/watch?v=QSOBXfcHbHI&feature=relm fu http://www.youtube.com/watch?v=mj2XBkwTVDw&feature=rel mfu 18 Praticando Considerando a afirmação: “Na concepção interacionista o adulto tem papel fundamental no processo de aquisição de linguagem pois é o regulador, mediador de todas as informações que a criança recebe do meio. Mas a criança também pode exercer o papel de mediador pois é parte deste processo de interação e mediação e também o meio ambiente exerce influencia sobre os interlocutores e este apel é explicado pela concepção sociointeracionista. considera que criança adquire linguagem na e pela interação com o outro que compartilha o mesmo contexto social cultural histórico. O primeiro uso da linguagem é a fala socializada, que representa o externo à criança e a partir do discurso interior ela se apropria da língua. O grande salto qualitativo na forma de relação do homem com o mundo é a língua como sistema simbólico.” Reflita e escreva suas considerações sobre as facilidades e as dificuldades quanto a aquisição de linguagem de uma criança surda filha de pais ouvintes. 19 PARA (NÃO) FINALIZAR Outras concepções de linguagem O excerto abaixo foi extraído de : VERBA VOLANT . Volume 2 – Número 1 – janeiro – abril 2011 – ISSN 2178-4736 LORANDI, Aline; CRUZ, Carina Rebello; SCHERER, Ana Paula Rigatti. Aquisição da linguagem. Verba Volant, v. 2, nº 1. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária da UFPel, 2011, pg. 148-150. http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/lorandi.pdf. Acesso em 10.09.2012 A partir dos anos 1980, um novo tipo de explicação para a aquisição da linguagem ganha força: o conexionismo. Com o notável progresso tecnológico e o avanço no desenvolvimento de computadores, teóricos passaram a investir no conhecimento sobre as funções do cérebro envolvidas nesse processo. Como ainda não havia instrumentos eficazes para a verificação do funcionamento do cérebro em si, os primeiros trabalhos conexionistas buscavam uma simulação desse funcionamento em computadores. A ideia era simular o comportamento das sinapses neuronais na aquisição e no registro dos conhecimentos. Hoje em dia, estudos conexionistas dispõem de meios aprimorados para pesquisas. Já é possível, por exemplo, mapear o imageamento das partes do cérebro envolvida em construções semânticas ou que ficam prejudicadas em um paciente que não consegue nomear objetos, em função de um AVC. A hipótese conexionista para a aquisição da linguagem, em suma, é a de que o processo ocorre por meio de formação de redes sinápticas que são reforçadas ou não de acordo com a frequência de uso das estruturas linguísticas. Atualmente também a neurociência traz grandes contribuições para a relação entre linguagem e cérebro, a qual poderá explicar, com base no processamento cerebral, como de fato acontece a aquisição da linguagem. Correntes teóricas ligadas à neurociência, tal como o Neuroconstrutivismo (KARMILOFF-SMITH, 1998, 2006, 2009, 2010), que aproveita noções do construtivismo como o papel ativo da criança na sua aprendizagem e o fato deque as estruturas cognitivas são emergentes, e não inatamente especificadas, afirmam que a linguagem não é lateralizada desde o nascimento, mas torna-se especializada e localizada com o tempo. Um estudo de Mills, Coffey-Corins e Neville (1997) indica que a compreensão de palavras vai do processamento bilateral entre 13 e 17 meses ao processamento lateralizado aos 20 meses. Essa teoria depõe, por exemplo, contra a ideia de que a capacidade para a linguagem seja inata. . 20 REFERÊNCIAS DEL RÉ, Alessandra (org). Aquisição da linguagem: uma abordagem psicolinguística. São Paulo: Contexto, 2006. CORMEDI, Maria Aparecida. Referências de currículo na elaboração de programas educacionais individualizados para surdocegos congênitos e múltiplos deficientes. 2005. 216f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) – Programa de Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-04072011-152503/pt-br.php _________________________Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vigotski: aprendizagem e desenvolvimento – um processo sóciohistórico. 4. ed. São Paulo: Scorpion, 2004. VYGOTSKI, Lev Semenovick. Pensamento e Linguagem. Tradução de Jefferson Luiz Camargo e revisão técnica de José Cipolla Neto. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Sites: <http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/lorandi.pdf > < http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000076370> < http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/segundo11.htm> 21 capítulo 2 - Possibilidades de compensação da perda auditiva [Para refletir] Obviamente, os natissurdos são perfeitamente capazes de falar - possuem aparelho fonador idêntico ao de todos os demais; o que lhes falta é a capacidade de ouvir a própria fala e, portanto, de monitorar com o ouvido o som da sua própria voz [...]. Como os surdos não conseguem monitorar sua fala usando o ouvido, tem de aprender a monitorá-la usando outros sentidos – visão, tato, senso de vibração e cinestesia. Ademais, as pessoas com surdez pré-lingüística não dispõe de imagem auditiva, não tem idéia alguma de como é realmente o som da fala, não tem noção da correspondência entre som e significado. O que é essencialmente um fenômeno auditivo tem de ser entendido e controlado por meios não auditivos (SACKS, 1998, p. 38-9). [fim Para refletir] [Provocação] A criança cega ou surda pode desenvolver-se do mesmo modo que a criança normal, porém as crianças com essas deficiências se desenvolvem de modo distinto, por um caminho distinto, por outros meios e para o pedagogo é importante conhecer a peculiaridade do caminho pelo qual deve seguir a criança. A chave da peculiaridade é dada pela lei de transformação do menos da deficiência no mais da compensação (VIGOTSKI, 1997, p. 17, grifo do autor, tradução nossa)1. [fim provocação] 1. Conceito de compensação Iniciamos esta parte de nossa unidade, discutindo o conceito de compensação, para entendermos os aspectos sensoriais específicos para a pessoa surda e entrarmos no mundo da diversidade. A convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU – Organização das Nações Unidas aprovada em dezembro de 2006 e assinada pelo brasil em março de 2007 foi ratificada pelo Congresso nacional em julho de 2008. Por este tratado internacional, a diversidade humana é reconhecida e aceita, considerando-se as barreiras sociais, arquitetônicas e atutudinais o maior obstáculo à plena participação das pessoas com deficiência, sobrepondo-se às limitações 1 Do original: “El niño ciego o sordo puede lograr en el desarrollo lo mismo que el normal, pero los niños con defecto lo logran de distinto modo, por un camino distinto, con otros medios, y para el pedagogo es importante conocer la peculiaridad del camino por el cual debe conducir el niño. La clave de la peculiaridad la brinda la ley de transformación del menos del defecto en el más de la compensación”. 22 individuais. Os princípios gerais desta Convenção são: autonomia; dignidade; liberdade de escolhas; independência; não-discriminação; igualdade de oportunidades; acessibilidade e o direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. É fundamental conhecer esta Convenção que representa a máxima das pessoas com deficiências: “nada sobre nós, sem nós”, pois ao estudarmos sobre a surdez, vamos olhar para a luz da diversidade, da possibilidade, de como a pessoa surda pode compensar a perda auditiva e exercer seu pleno direito à língua, identidade, cultura e cidadania. Importante lembrar que já em 2001, na 54ª Assembléia Mundial de Saúde, foi aprovada, sob a resolução WHW54 21, a segunda edição da Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens, com o título “Classificação Internacional de Funcionamento, Incapacidade e Saúde”, cuja abreviação é CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade. CID-10 e CIF são, portanto, complementares. A informação do diagnóstico somada à informação sobre a funcionalidade proporciona uma visão mais ampla e significativa dos estados de saúde das pessoas e populações, para facilitar o processo de tomada de decisões. A CIF passou de uma classificação de “consequências de doenças” (versão 1980) para uma classificação de “componentes de saúde”. A CID classifica e registra a enfermidade e a CIF a complementa com as informações de funcionalidade. Tem então uma postura neutra em relação à etiologia, ficando sob responsabilidade do investigador desenvolver relações causais por meio de métodos científicos apropriados. O sistema CIF reconhece as deficiências como problemas das funções corporais associados às condições de saúde. Esta família de classificações da OMS proporciona um marco conceitual para codificar informações relacionadas à saúde, empregando uma linguagem única para possibilitar a comunicação entre saúde, diferentes disciplinas e ciências. Nesta versão, o termo Funcionalidade substituiu os termos Deficiência, Incapacidade e Desvantagem e deu lugar à ampliação do significado, considerando as experiências positivas, registrando e enfatizando a potencialidade do individuo com deficiência. Com a proposição da Classificação Internacional de Funcionalidade, a organização e a padronização das informações sobre a pessoa com deficiência é feita sob o aspecto da funcionalidade, considerando-se capacidades e potencialidades. Assim, o individuo com deficiência é avaliado quanto à estrutura, atividades e participação. A primeira refere-se a como ele é fisicamente e como funciona; a segunda ao que sabe fazer; e a última a para que serve aquilo que sabe fazer. O CIF não classifica pessoas, mas sim descreve a situação de cada pessoa. Ao propor a avaliação da estrutura e função corporal, esta classificação incorporou o aspecto positivo deixando de considerar a carga negativa que a deficiência possui acerca daquilo que o indivíduo perdeu. Da mesma forma, ao incorporar a atividade, referendou a positividade do que se pode realizar e não as suas limitações. No aspecto da participação, considerou o fator positivo da inserção dessa pessoa com deficiência na sociedade. 23 Retomando, agora nossa vertente teórica, á luz da concepção social interacionista cultural, observa-se uma relação do que foi descrito pela CIF, em 2001, pela Convenção dos Direitos da pessoa com deficiência de 2006, com o que escreveu Vigotski, em 1929, quando, ao definir a defectologia como a área do saber que estuda a variedade qualitativa do desenvolvimento de crianças com deficiências e a diversidade dos tipos de desenvolvimento, postulou como fundamental para o processo de compensação da deficiência a natureza social e não a natureza biológica desse processo: O que decide o destino da pessoa, em última instância, não é o defeito em si mesmo, senão suas consequências sociais, sua realização psicosocial. Os processo de compensação tampouco estão orientados a completar diretamente o defeito, o que a maior parte das vezes é impossível, senão a superar as dificuldades que o defeito cria (VIGOTSKI, 1997, p. 19). Para Vigotski, o cérebro é um sistema aberto e de grande plasticidade e com imensas possibilidades que podem servir a novas funções, criadas na história do homem. O conceito de plasticidade supõe a presença de uma estrutura cerebral que cada indivíduo traz ao nascer e conduz a idéia de que a estrutura dos processos mentais e as relações entre os vários sistemas funcionais transformam-se ao longo do desenvolvimento individual. Sacks (1997, p. 16) referiu-se ao “potencial criativo” da doença que faz o indivíduo se desenvolver de uma forma não imaginada. Existe, para o autor, um sistema de adaptação altamente eficiente do organismo direcionado para a evolução e o desenvolvimento, independente dos defeitos e dos males que possam acometer a função cerebral. Ao referir-se à capacidade do cérebro para as adaptações, afirmou: [...] por vezes sou levado a pensar se não seria necessário redefinir os conceitos de “saúde” e “doença”, para vê-los em termos da capacidade do organismo de criar uma nova organização e ordem, adequada a sua disposição especial e modificada e as suas necessidades, mais do que em termos de uma “norma” rigidamente definida (SACKS, 1997, p. 17-8). A criança com deficiência tem um processo peculiar de desenvolvimento, diferente e único para cada uma. Segundo Vigotski (1997, p. 17), “essa peculiaridade transforma o negativo da deficiência em o positivo da compensação”. É esse o aspecto a ser discutido neste módulo, como a pessoa surda compensa a perda auditiva. Para tanto, vamos inicialmente entender sobre a informação sensorial que recebemos do mundo. 24 2 – Compreendendo os Sentidos No desenvolvimento infantil a criança tem acesso ao conhecimento por meio de experiências com o mundo que a rodeia e assim passará a conhecer a si mesma e ao mundo. Para Cobo, Rodriguez e Bueno (2003, p. 100), “a primeira fonte de conhecimento são os sentidos e para conseguir seu máximo desenvolvimento é necessário estimulá-los adequadamente”. Esses autores consideraram que o homem está equipado com sistemas sensoriais perceptivos e proprioceptivos. Fazem parte do perceptivo, os sistemas visual, auditivo, gustativo e tátil. O sistema proprioceptivo é constituído pelo cinestésico e vestibular. Os sentidos da visão e da audição são considerados sentidos a distância e os sentidos proprioceptivo e cinestésico são denominados sentidos proximais. Os sentidos da visão e da audição são os canais principais pelos quais a maioria das pessoas recebe informações. A visão é a única que permite identificar objetos à longa distância. A audição também tem qualidades únicas, pois por meio dela podemos perceber diversas informações ao mesmo tempo: um avião no céu, um carro na rua, a voz de alguém que fala ao nosso lado e o rádio tocando em outro aposento. No caso da pessoa ouvinte, mesmo na tentativa de impedir a audição tampando-se os ouvidos, resta a audição pela vibração, pela condução óssea que continua a enviar informações ao cérebro, e a tentativa de se imaginar o mundo na ausência dos sons pode não ser viabilizada. No caso da pessoa vidente, é possível imaginar o mundo da pessoa cega, cerrando os olhos, mas as referências de mundo continuariam todas segundo as experiências visuais vivenciadas. Para recebermos informações sensoriais pelo tato, olfato e gustação – os sentidos proximais, necessitamos estar fisicamente presentes. O objeto precisa estar ao alcance das mãos para ser tocado, precisa ser levado à boca para se ter a sensação do gosto. No caso do olfato, apesar do odor poder ser percebido à distância, é considerado um sentido proximal pelo fato de que a informação percebida pelo olfato e as representações que podem ser feitas são limitadas quando comparadas com o que se obtém pelos sentidos à distância, visão e audição. Especificamente quanto aos sentidos proximais, propriocepção informa a posição de cada membro e sua relação com o resto do corpo, e essas informações são fundamentais para a coordenação dos movimentos. Para tanto, uma variação normal do tônus muscular é necessária para que esse sistema sensorial possa funcionar eficientemente e transmitir as informações ao cérebro. É pela propriocepção que se tem a consciência do posicionamento do corpo no espaço, do posicionamento dos membros em relação ao corpo, se há movimento e em que direção. Essa 25 informação sensorial é ainda mais complexa, pois se tem a consciência, segundo os receptores estimulados, da pressão exercida sobre o corpo, a força aplicada ao movimento, a extensão e o ângulo de cada articulação. O sistema proprioceptivo composto pelos sentidos cinestésico e vestibular é então responsável pelas informações sobre a posição, o deslocamento e o equilíbrio do corpo no espaço, e velocidade, consequentemente é o sistema responsável pelas informações que os movimentos do corpo trazem. O sentido cinestésico informa sobre a posição do corpo no espaço e o sentido vestibular informa sobre a orientação e o equilíbrio do corpo no espaço. Os sentidos químicos do paladar e do olfato percebem estímulos na língua e no nariz respectivamente e estão intimamente relacionados um ao outro, pois as sensações de diferentes sabores relacionam-se com as sensações olfativas. Ainda segundo Cobo, Rodriguez e Bueno (2003), os sentidos têm três funções básicas: detecção, transdução e transmissão. • Detecção: as células do organismo captam e reagem a diferentes tipos de energia (ex: luminosa, sonora). • Transdução: codificação da informação ou transformação da energia física de estímulo em energia nervosa para que o sistema nervoso possa utilizar a informação. • Transmissão: os impulsos nervosos chegam ao cérebro e este por sua vez pode transmitir ao sistema de resposta gerando seleção, reorganização e modificação da informação. Sistemas Perceptivo Sentidos Parte do corpo onde se localizam os receptores sensoriais Tipo de informação recebida Visual. Olhos. Raios luminosos. Auditivo. Cóclea (orelha interna). Ondas sonoras. Gustativo (paladar). Olfativo. Tatil. Língua: papilas palatinas. Temperatura, textura e sabores. Aromas, cheiros e odores. Dor, temperatura e textura. Proprioceptivo Cinestésico. Vestibular. Narinas. Pele. Tendões, músculos articulações. e Deslocamento, posicionamento no espaço e movimento. Canais semicirculares Velocidade, equilíbrio e (orelha interna). movimento. Fonte: Cormedi(2011, p. 40) http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-04072011-152503/pt-br.php 26 O quadro acima tem por objetivo resumir a informação sensorial recebida por meio de cada sentido separadamente, para se compreender o todo que o cérebro recebe e processa e principalmente compreender a importância da informação tátil e proprioceptiva. Por mais que se faça uma descrição didática sobre as informações recebidas separadamente pelos diferentes sentidos, sabe-se que o cérebro não recebe tais informações isoladamente., mas pelo quadro acima vimos que na ausência da audição, as informações recebidas do mundo são provenientes do sentido a distância visual e dos sentidos proximais e as formas de comunicação a serem utilizadas estão diretamente relacionadas com os canais sensoriais. Sacks (1998) em seu livro Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos discute as particularidades da pessoa surda ao investigar a língua de sinais e rever os pressupostos de Vigotski. Quanto a informação sensorial que recebemos do mundo descreveu as informações advindas de todos os sentidos do ponto de vista da pessoa vidente e ouvinte, em que as referências do mundo concebido visual e auditivamente são tão naturais que tornam-se inconscientes: Existe, obviamente, um ”consenso” dos sentidos – os objetos são simultaneamente ouvidos, vistos, sentidos, cheirados; o som, a visão, o cheiro e a sensação ocorrem juntos. Essa correspondência é estabelecida pela experiência e a associação. Normalmente, isso é algo que não temos consciência, embora pudesse ser grande a surpresa para nós se alguma coisa não soasse conforme sua aparência – se um dos nossos sentidos transmitisse uma impressão discrepante. Mas, de um modo muito súbito e surpreendente, podemos ser levados a tomar consciência da correspondência dos sentidos se formos repentinamente privados de um sentido ou se adquirirmos um. (SACKS, 1998, p. 19). . O mundo para o surdo é espacial. A mínima movimentação dos objetos e pessoas tem para o surdo, fundamental importância. A audição é o sentido de alerta para o ouvinte, a mínima movimentação é o alerta para o surdo. A recepção de informações sensoriais pela visão assume papel primordial para o surdo. A maior dificuldade para o surdo é com a comunicação oral. A limitação ou ausência de percepção sensorial dos estímulos sonoros acarreta imensa dificuldade na compreensão e na expressão da língua oral: A cinestesia, sentido pelo qual percebemos os movimentos, o peso e as posições dos membros, tem, para o surdo, papel fundamental na percepção e representação do mundo, que é composto por percepções visuais, de movimento e de vibração. A língua de sinais é a resposta dos surdos para a problemática de comunicação, é o instrumento cultural alternativo – uma língua que foi criada por eles e para eles. Sacks (1998, p. 63) citando Vigotski e comentando sobre esse potencial dos surdos, afirmou: “ A língua dos sinais está voltada para as funções, as funções visuais, que ainda se encontram intacta; constitui o modo mais direto de atingir as crianças surdas, o meio mais simples de lhes permitir o desenvolvimento pleno, e o único que respeita sua diferença, sua singularidade”. 27 . Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. 1. Para aprofundar a pesquisa sobre os sentidos, leia o artigo de MASINI, Elcie F. Salzano. A experiência perceptiva é o solo do conhecimento de pessoas com deficiências sensoriais e sem deficiências sensoriais. Maringá: Psicologia em Estudo, 2003, v. 8, n. 1 p. 39-43. ISSN 1413 – 7372. http://www.scielo.br/pdf/pe/v8n1/v8n1a06.pdf 2. Para conhecer a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d694 9.htm http://www.planetaeducacao.com.br/portal/documentos_apoio/conven cao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia-comentada.pdf Praticando Masini (2011) relatou uma pesquisa realizada junto a futuros profissionais da área de educação e saúde sobre suas percepções caso perdessem um dos sentidos: visão ou audição. Tomando por base essa pesquisa, reflita e responda à seguintes indagações para um convite para um mundo imaginário: 1. Se você tivesse que escolher permanecer apenas com um dos 28 sentidos de distância – visão ou audição – responda: 1a. escolheria permanecer ( ) com a visão; com a audição ( ) 2b. Explique por que fez esta escolha 2. Se você tivesse que escolher nascer apenas com um dos sentidos de distância – visão ou audição – responda: 2a. escolheria nascer ( ) com a visão; com a audição ( ) 2b. Explique por que fez esta escolha . PARA (NÃO) FINALIZAR Excerto extraído de MASINI, Elcie F. Salzano ( org). Educação e Alteridade: deficiências sensoriais, surdocegueira, deficiências múltiplas. São Paulo: Vetor, 2011. “ Portanto, apenas a linguagem possibilita que o ser humano possa ser e estar socialmente em nossa sociedade. A possibilidade plena que é fornecida aos surdos pela Língua de Sinais não deveria serlhes jamais negada. O objetivo maior da educação e da sociedade deveria ser o de caminhar nessa direção, para que a verdadeira inclusão aconteça: aquela entre os indivíduos que respeitam as diferenças. Infelizmente, não, é isso o que se verifica acontecer nos projetos de inclusão das escolas. Normalmente, o professor não está preparado para os desafios que lhe são colocados e que dizem respeito a compreender um nova forma de estar no mundo: percebendo-o pelo canal visual e se comunicando pela Língua de Sinais. Da mesma forma, outros profissionais que atuam com surdos não entendem, muitas vezes, essa realidade e o trabalho realizado tanto no âmbito clínico como educacional acaba por colocar em risco toda uma proposta que, teoricamente, deveria propiciar o real desenvolvimento dos surdos” 29 REFERÊNCIAS COBO, Ana Delgado; RODRIGUEZ, Manuel Gutierrez; BUENO, Salvador Toro. Desenvolvimento cognitivo e deficiência visual. In: MARTIN, Manuel Bueno; BUENO, Salvador Toro. Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. Tradução de Magali de Lourdes Pedro. São Paulo: Livraria Santos, 2003. CORMEDI, Maria Aparecida. Referências de currículo na elaboração de programas educacionais individualizados para surdocegos congênitos e múltiplos deficientes. 2005. 216f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) – Programa de Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005. _________________________Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde04072011-152503/pt-br.php MASINI, Elcie F. Salzano ( org). Educação e Alteridade: deficiências sensoriais, surdocegueira, deficiências múltiplas. São Paulo: Vetor, 2011. SACKS, Oliver W. Um Antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. Tradução de Bernardo Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ______. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. VYGOTSKI, Lev Semenovick. Pensamento e Linguagem. Lisboa, Portugal: Editora Antídoto, 1979. ______. Obras escogidas: V. Fundamentos de defectologia. Tradução de Julio Guillermo Blank. Madrid: Visor, 1997. http://www.planetaeducacao.com.br/portal/documentos_apoio/convencao-sobre-os-direitos-daspessoas-com-deficiencia-comentada.pdf 30 Unidade II – Conceitos fundamentais capítulo 3 Linguagem, Comunicação e Língua [Para refletir] “ A comunidade surda possibilita ao surdo um suporte para a constituição de sua subjetividade. Através da língua de sinais, o sujeito surdo passa a se nomear e é inserido na cultura surda. O encontro com a comunidade surda permite-lhes sair do lugar do diferente, do excluído, do estranho, do estrangeiro, para o de “pertencimento”, um lugar em que se encontram como iguais, ‘sentem-se entendidos e efetivamente conseguem estabelecer uma relação de troca. Encontram finalmente uma família e uma filiação. Os valores transmitidos passam a ser os da comunidade surda. São esses valores que são apreendidos pelos surdos e não os da família de origem, distanciando-os ainda mais dos valores paternos. Faz-se necessário ressaltar que não é o encontro com a comunidade surda e com a língua de sinais que causa o distanciamento dos surdos em relação à família de origem. Esse distanciamento já acontecia quando ainda não conheciam os surdos e se deve à impossibilidade de compartilhar a língua materna e todas as implicações que vêm acompanhadas por ela. Ocorre que, no momento em que o surdo tem acesso a uma língua, surge a oportunidade do estabelecimento de uma comunicação com seus familiares se eles buscarem o aprendizado da língua de sinais. Porém, em geral isso não acontece. Nesse momento de aquisição linguística, se essa língua não for compartilhada com os familiares, os surdos passam a ocupar um lugar de estrangeiro no núcleo familiar. Passam a ser aqueles que têm outra língua e outra cultura, aqueles que vêm de um outro lugar, um lugar espaço-visual, que não faz parte da história da cultura familiar. São aqueles que carregam uma outra história, a história da comunidade surda.” Dalcin, 2006, p. 210. . [fim Para refletir] [Provocação] Nem a língua, nem as formas superiores de desenvolvimento cerebral ocorrem “espontaneamente”; dependem da exposição à língua, da comunicação e uso apropriado da língua. Se as crianças surdas não forem expostas bem cedo a uma língua ou uma comunicação adequada, pode ocorrer um atraso (até mesmo uma interrupção) na maturação cerebral, com uma contínua predominância de processos do hemisfério direito e um retardamento na “troca” hemisférica. Mas se a língua, um código linguístico, 31 puder ser introduzida na puberdade, a forma do código (fala ou sinais) não parece importar; importa apenas que seja boa o suficiente para permitir a manipulação interna – e então a mudança normal para a predominância do hemisfério esquerdo poderá ocorrer. E se a língua primária for a de sinais, haverá adicionalmente, uma intensificação de habilidade visual cognitiva, tudo acompanhado de uma mudança da predominância do hemisfério direito para a do esquerdo (SACKS, 1998, p.123). [fim provocação] Como temos visto até agora, precisamos estabelecer as diferenças conceituais entre os termos Língua, Linguagem e Comunicação a fim de entendermos sobre aquisição de linguagem, as possibilidades de comunicação por diversas línguas, bem como saber que existem outras formas de comunicação que não dependem de uma língua estabelecida. Tendo como base a concepção sociointeracionista baseada principalmente nos estudos de Vigotski, vamos, então, definir cada um destes conceitos e conhecer sobre a aquisição de linguagem e apropriação da língua de sinais das crianças surdas. 1 – Linguagem Vigotski referiu que a linguagem é antes de tudo, um meio de comunicação social, de enunciação e compreensão, atribuindo à linguagem o caráter inicial comunicativo, de interação social, e ao enunciado a importância da organização dos signos e dos sentidos inerentes ao contexto histórico, cultural e social. Os estudo da linguagem baseados no sociointeracionismo buscam explicar a relação dialógica pelo qual o discurso se constrói com pelo menos dois interlocutores concebendo a linguagem como atividade dialógica no sistema de relações sociais. Nas relações dialógicas entre mãe e criança, a primeira será o sujeito constitutivo da fala infantil, aquele que dá e atribui significado ás expressões da criança, exercendo o papel de mediadora entre a criança, e o mundo de pessoas e objetos. A criança, por sua vez, nessa relação dialógica, os processos comunicativos e cognitivos da linguagem. Resumindo: A dinâmica da fala, ou seja, o enunciado resulta da interação de dois indivíduos no contexto social. A linguagem é fundamental para a comunicação, mas é a interação entre os interlocutores que fundamenta a linguagem. O dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. Este, por sua vez, não é individual, pois acontece entre pelo menos dois interlocutores. A linguagem é o sistema de representação da realidade sendo a mediadora das relações do homem com o mundo. 32 A linguagem ordena o real e agrega os conceitos generalizados que são a fonte do conhecimento humano, pois a linguagem é constituidora do sujeito e mediadora das relações sociais. É um meio de comunicação social, de enunciação e de compreensão. A linguagem é dialógica e o diálogo é o princípio constitutivo do enunciado. No caminho do desenvolvimento da linguagem, o homem passa por fases em que a comunicação se manifesta inicialmente sob formas pré-linguísticas com conteúdos emocionais, sem a manifestação da linguagem. Os enunciados não tem um fim em si mesmo, são sempre de alguém para alguém fazendo parte das relações sociais. A linguagem tem natureza discursiva porque as palavras estão organizadas em frases que por sua vez constituem o discurso. 2 – Língua Importante explicitar sobre o conceito e o sentido de “língua” e “linguagem”. Baseado em Quadros e Karnoop (2004) sabe-se que o termo lenguage em inglês tem duas representações em português: língua e linguagem. Isto se explica pelos dois sentidos da palavra inglesa, que se aplica não somente a línguas naturais (por exemplo: espanhol, árabe, português), mas também a outros sistemas de comunicação em geral. Já em português, o vocábulo língua se aplica às diferentes línguas e o vocábulo linguagem tem sentido mais abrangente, aplicado a outros sistemas de comunicação. A Língua e a Linguagem constituem os objetos de estudo dos linguistas, conforme a seguinte definição: “ A língua é um sistema padronizado de sinais/sons arbitrários, caracterizados pela estrutura dependente, criatividade, deslocamento, dualidade e transmissão cultural. Isso é verdade para todas as línguas no mundo, que são reconhecidamente semelhantes em seus traços principais [...] a função primária da língua é a comunicação e a expressão do pensamento” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 28). Voltando nossos estudos teóricos para a concepção sociointeracionisa compreende a língua que o ambiente social e cultural utiliza como aquela que é apropriada pelo sujeito quando este passa a mediar a relação com o mundo pelo uso dos signos que permitem representações concretas e abstratas. Dessa forma, a língua é social e é vivenciada pela organização dos enunciados que por sua vez contém diferentes sentidos evoluídos socialmente. 33 Os sons da língua não tem relação com o significado que representam, por isso a língua é arbitrária, no entanto existem regras e organização para esses sons e uma estrutura depende da outra, possibilitando o entendimento da estrutura da sentença independentemente do número de elementos linguísticos envolvidos. A organização da língua permite a criação de novos enunciados com distintos sentidos que se alteram tanto pela organização sintática como pela entonação e melodia na expressão. Os sons ou unidades da língua, conhecidos como fonemas, exemplo, t, p, c v, só adquirem significados quando combinados com outros, por isso a língua é dual. Os sons não têm significados sozinhos e isolados. A dualidade, no caso da língua oral portuguesa permite diferenciar “gola” de “mola”. Resumindo: O que é inerente à língua é transmitido culturalmente pelo homem e é portanto, um fenômeno social. A língua, é então um sistema altamente desenvolvido e sua função primária é a comunicação e a expressão do pensamento. É um sistema padronizado de sinais ou sons arbitrários, caracterizados pela estrutura dependente formando uma rede de elementos interligados que representam um fenômeno social de interação verbal possibilitada pelo uso dos enunciados organizados no discurso do interlocutor. O discurso contém significados e sentidos relativos aos diferentes momentos sociais, culturais e históricos. Cabe chamar a atenção de que discutimos os conceitos de língua baseados em autores que pesquisaram a linguagem e a língua em crianças ouvintes e em crianças surdas. Dessa forma, os conceitos discutidos também se referem à língua de sinais quando se entende a modalidade da língua de sinais como visual-espacial que incorpora os elementos estruturais da língua por meio das relações espaciais, movimento das mãos e outros recursos linguísticos. Compreendendo-se o termo “verbal” como aquilo que se dá por “palavras”, o diálogo para a pessoa surda será possibilitado pela palavra sinalizada, ou seja, pelo sinal da língua de sinais. O uso da língua de sinais na interação entre os surdos é o que define a identidade surda, pois é na interação entre surdos que usam a língua de sinais que surgirão novas possibilidades de compreensão, de diálogo, de expressão e consequentemente de aprendizagem. Sem a capacidade de se comunicar por meio de uma língua, seja oral ou por sinais, a criança ficará meramente comunicativa comprometida em seu processo de aquisição de linguagem e com restrições de oportunidade de comunicação linguística. Segundo as autoras Quadros e Karnopp, a Língua de sinais brasileira é Língua que é o meio e o fim da interação social, cultural e científica da comunidade surda brasileira, é uma língua visual-espacial. 34 As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e, consequentemente, compartilham uma série de características que lhes atribui caráter As línguas no contexto da educação de surdos específico e as distingue dos demais sistemas de comunicação, por exemplo, produtividade ilimitada (no sentido de que permitem a produção de um número ilimitado de novas mensagens sobre um número ilimitado de novos temas); criatividade (no sentido de serem independentes de estímulo); multiplicidade de funções (função comunicativa, social e cognitiva – no sentido de expressarem o pensamento); arbitrariedade da ligação entre significante e significado, e entre signo e referente); caráter necessário dessa ligação; e articulação desses elementos em dois planos – o do conteúdo e o da expressão. As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legítimo, e não como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças (Quadros e Karnopp, 2004: 30). 3 – Comunicação Retomando as funções da linguagem descritas por Vigotski – a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante – vê-se que a primeira função da linguagem é comunicar-se. Uma criança, antes mesmo de poder falar alguma palavra, é capaz de expressar-se de diferentes formas: riso, choro, expressão facial, tensão muscular, gestos, movimentos corporais, apontar objetos, ou por diferentes formas de comportamentos, como desviar o olhar, atirar objetos e recusar o contato. Oliveira (2004), citando Vigotski, descreve como se dá a interpretação do gesto de apontar realizado pelo bebê, que ilustra o processo de internalização de significados dados culturalmente. Inicialmente o bebê tenta pegar um chocalho que está fora de seu alcance esticando a mão na direção do chocalho fazendo, no ar, um movimento de pegar, sem conseguir tocá-lo. Do ponto de vista do bebê, este é um gesto dirigido ao chocalho, uma relação externa entre ele e o chocalho. No entanto quando o adulto observa a situação reage dando o chocalho para a criança interpretando o movimento mal sucedido de pegar o objeto como tendo um significado “eu quero aquele chocalho”. São os primórdios da comunicação ainda sem língua. O termo comunicação é mais amplo e refere-se a todas as formas de expressão com o objetivo de transmitir uma informação, uma mensagem, um sentimento, um desejo, um significado. Pode acontecer sob formas linguísticas ou não, e isso significa que comunicação pode acontecer sem linguagem. Assim, a criança inicia-se no processo de aquisição de linguagem, desde que nasce, comunicando-se pelo choro, sorrisos, e movimentos corporais. É uma comunicação concreta, ainda não regida por uma língua e sem abstrações. É o que denominamos de comunicação pré-linguística. Concluindo: Comunicação pré-linguística: Fundamentado na primeira função da linguagem, descrita por Vigotski, a função comunicativa, com conotação de interação social, afetivoconotativa. Portanto, refere-se também a primeira função da linguagem, a de intercâmbio social, onde a relação está mediada por instrumentos, por objetos concretos e o uso do próprio corpo para transmitir a mensagem. 35 A comunicação não mediada pela linguagem e por sistema de signos abstratos viabiliza apenas a comunicação primitiva e concreta, sendo então, limitada para transmitir os significados na sua totalidade. Este é o fator fundamental do conceito de comunicação pré-linguística: pode acontecer sem níveis mais representativos de linguagem. Comunicação linguística: É a manifestação da linguagem, é aquela comunicação mediada pelos signos, considerando-se desde a primeira forma de signos que se dá pelas representações concretas por meio de figuras até os signos com representações abstratas pela palavra ou pelos sinais. A comunicação linguística abrange os gestos, o uso das palavras, seja oral ou por sinais. Pode acontecer por meio de palavras isoladas, sinais isolados, não totalmente organizados no sistema linguístico do contexto social, cultural e histórico. Neste caso, também ficarão limitadas as possibilidades de diálogos elaborados. o São exemplos: a mãe faz um gesto natural nas mãos da criança com movimentos de levar a mão à boca para indicar que vai comer e a criança demonstra compreender buscando o alimento. A criança faz o sinal de bola para indicar que quer o brinquedo. Há que se considerar outra classificação de formas comunicativas, uma vez que a aprendizagem natural de gestos e sinais pode não acontecer e precisará ser facilitada por formas concretas representacionais, no caso de crianças com deficiências Comunicação concreta representacional: transição de formas pré-linguísticas para linguísticas, onde o uso de objetos representacionais facilitará a abstração e a compreensão dos significados. Nesta fase se introduz os signos com significados e significantes exteriorizados. Tais signos são início de representações e estão associados ao concreto. o São exemplos as formas de comunicação alternativa e aumentativa, com o uso do sistema de calendários e pranchas de comunicação utilizadas por crianças com deficiências associadas. 4– Comunicação Alternativa Iniciamos esta parte de nossos estudos compreendendo os diversos termos que se referem á comunicação alternativa que podem ser encontrados em estudos sobre essa área. Para a American Speech-Language-Hearing Association um sistema de Comunicação Alternativa é "o uso integrado de componentes incluindo símbolos, recursos, estratégias e técnicas utilizados pelos indivíduos a fim de complementar a comunicação". 36 O termo Comunicação Alternativa e Ampliada é utilizado para definir outras formas de comunicação como o uso de gestos, língua de sinais, expressões faciais, o uso de pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, até o uso de sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada. O termo Comunicação Alternativa comunicação é usado quando o indivíduo não apresenta outra forma de O termo Comunicação Ampliada é usado quando o indivíduo possui alguma comunicação, mas essa não é suficiente para suas trocas sociais O conceito de Comunicação Suplementar e Alternativa American Speech-Language-Hearing Association refere-se a uma área da prática clínica, educacional e de pesquisa para terapeutas que tentam compensar e facilitar, temporária ou permanentemente, os prejuízos e incapacidades dos indivíduos com severos distúrbios da comunicação expressiva e/ou distúrbios da compreensão. Comunicação Suplementar e Alternativa pode ser necessária para indivíduos que demonstrem prejuízos nos modos de comunicação gestual, oral e/ou escrita. Comunicação Suplementar: Quando o indivíduo utiliza um outro meio de comunicação para complementar ou compensar deficiências que a fala apresenta, mas sem substituí-la totalmente. Comunicação Alternativa: Quando o indivíduo utiliza outro meio para se comunicar ao invés da fala, devido à impossibilidade de articular ou produzir sons adequadamente. O conceito de Comunicação Alternativa compreende recursos que possibilitam dar voz a pessoas impedidas de se comunicar por meio da oralidade ou que apresentam a inteligibilidade da fala significativamente comprometida, em qualquer época do ciclo de vida, auxiliando desde criança em fase de aquisição da linguagem e adultos que sofreram acidentes ou patologias que comprometeram sua comunicação. ( III Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa, 2009.) Comunicação alternativa envolve Sistemas pictoriais e sitemas linguísticos Os sistemas pictorias são os pictogramas, símbolos para representar objetos, pessoas, ações e incluem fotos, filmes, desenhos, etc. Neste sistema, os símbolos mantêm uma relação analógica e contínua com os referentes e expressam conceitos concretos mesmo que os interlocutores (receptor e emissor) não partilhem o mesmo código ou língua. O objetivo dos sitemas pictoriais é tornar o indivíduo com distúrbios de comunicação o mais independente e competente possível em suas situações comunicativas, podendo assim ampliar suas oportunidades de interação com outras pessoas Já os sistemas linguísticos - empregam símbolos abstratos e arbitrários para representar os significado de seus referentes. Incluem ideogramas chineses, símbolos Bliss, Lingua de sinais e Braille. A característica mais importante dos sistemas linguísticos é que seus componentes (ou caracteres de ideogramas, fonogramas, silabários, alfabetos, ou de outros códigos quaisquer) mantêm com os 37 referentes uma relação arbitrária, digital, discreta, convencional. Só é possível, se receptor e emissor partilharem o mesmo código com relação significante-significado. Um dos recursos de comunicação alternativa mais usado atualmente é a pranchas de comunicação que pode ser construídas utilizando-se objetos ou símbolos, letras, sílabas, palavras, frases ou números . As pranchas de comunicação são personalizadas e devem considerar as possibilidades cognitivas, visuais e motoras de seu usuário. Os símbolos utilizados nas pranchas de comunicação são pictográficos e se referem a Picture Communications Simbols (PCS) porque são elaborados com o auxílio do software Boardmaker. Podem ser impressos isoladamente em cartões ou organizados em pranchas de comunicação. Pcs- Picture Communication Simbols foram criados no início dos anos 80 pela fonoaudióloga americana Roxanna Mayer Johnson e compõe atualmente o conjunto de símbolos mais difundido em todo o mundo. É um sistema gráfico visual composto de desenhos que mantêm uma estreita relação de forma bidimensional com seu correspondente Nível de abstração menor por parte do usuário. Indicado para crianças menores. Sistema de símbolos que apresenta uma relação dialógica e contínua com os seus referentes que comunicam conceitos concretos e imagináveis de modo não ambíguo o que possibilita que emissor e receptor não falem a mesma língua. Símbolos bidimensionais. Relação idêntica ao objeto a que se refere. Inclui alfabeto e números. Permite uso de fotos. Alguns pictogramas tem dois ou mais desenhos, que permite ao usuário escolher. 38 http://www.clik.com.br/mj_01.html#boardmaker acesso em 10.09.12 Exemplo do uso de figuras do PCS em uma prancha temática sobre alimentação. 39 Exemplo do uso dos símbolos do PCS como apoio na aprendizagem de crianças surdas Dois tipos de Pranchas podem ser construídas: o Prancha individual: responsável é o fonoaudiólogo. o Prancha temática: montada por qualquer profissional que atue diretamente com a criança. Nas pranchas individuais cada categoria gramatical tem uma cor correspondente: o Figuras sociais, pronomes interrogativos – cor rosa (contorno ou fundo) o Figuras de pessoas e pronomes pessoais – cor amarela (contorno ou fundo) o Figuras de verbos – cor verde ( contorno ou fundo) o Figuras descritivas: adjetivos e advérbios - cor azul ( contorno ou fundo) o Figuras miscelâneas, conjunções, alfabeto, números – cor branca o Figuras de substantivos – cor laranja 40 Prancha Individual. http://cadernodasu.blogspot.com.br/ acesso em 10.09.12 Prancha temática. http://leandrafono.blogspot.com.br/2011/05/comunicacao-alternativaqualquer.html. Acesso em 10.09.12 Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. Veja esse texto sobre Comunicação Alternativa, recursos para pessoas que necessitam de apoios específicos de comunicação ou que necessitam de sistemas 41 alternativos por terem limitações quanto à língua oral e língua de sinais. Para saber mais sobre comunicação alternativa e tecnologia assistiva consulte http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersch. pdf Praticando Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Vamos refletir e responder às seguintes questões: Aprofundamento das discussões. 1. Existe comunicação sem linguagem? Veja esse texto sobre Comunicação Alternativa, recursos para pessoas qu 2. Crianças com deficiências podem chegar a níveis de necessitam de apoios específicos de comunicação ou que necessitam de sistem linguagem, mas podem não dominam uma língua para alternativos por terem limitações quanto à língua oral e língua de sinais. comunicar-se por meios linguísticos. De que maneira poderiam, estascomunicação crianças se comunicar? Para saber mais sobre alternativa e tecnologia assistiva consul http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersc 3. Qual a importância e o significado do adulto surdo fluente em pdf língua de sinais na convivência com crianças surdas filhas de pais ouvintes. REFERÊNCIAS CAPOVILLA, Fernando César & Raphael, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe - Língua de Sinais Brasileira Libras. Vol. I e II. 2. ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2001. 42 CORMEDI, Maria Aparecida. Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde04072011-152503/pt-br.php DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constituição da subjetividade do sujeito surdo. IN QUADROS, Ronice Müller (org). Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006. QUADROS, Ronice Muller; KARNPPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudo linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. QUADROS, Ronice .Müller; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira – estudos linguísticos. Porto Alegre, RS.: ArtMed, 2004 __________. Educação de Surdos: a Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. Reimpressão 1997.. QUADROS, Ronice Müller (org.) Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006. __________. (org.) Estudos Surdos II. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2007. Sites: < http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersch.pdf> < >. 43 capítulo 4 Aquisição da linguagem na criança surda [Para refletir] O excerto abaixo foi extraído de: PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA, Inês da Silva Bilinguismo e Educação de Surdos. Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x. Para o texto completo acesse http://www4.pucsp.br/pos/lael/intercambio/pdf/4_MCristina_.pdf A língua de sinais é uma língua natural, com gramática própria e, por ser visual/espacial, é adquirida sem dificuldades pelas pessoas surdas. A aquisição da língua de sinais permitirá à criança surda, além do desenvolvimento linguístico, o desenvolvimento dos aspectos cognitivo e sócio-afetivo-emocional. Permitirá também o desenvolvimento de identificação com o mundo surdo, um dos dois mundos aos quais ela pertence. E mais, a língua de sinais servirá como base para a aquisição da língua majoritária, preferencialmente na modalidade escrita. Finalmente, o fato de ser capaz de utilizar a língua de sinais será uma garantia de que a criança surda possa usar pelo menos uma língua. Além de fazerem parte do currículo as duas línguas – de sinais e a majoritária - todas as disciplinas curriculares devem contemplar em seu conteúdo a história da educação de surdos, a história das comunidades, movimentos surdos, personagens importantes, cultura, artes, literatura, direitos e deveres dos surdos, contato com as línguas de sinais estrangeiras, enfim, as especificidades das comunidades surdas devem ser atendidas em todas as disciplinas curriculares. [fim Para refletir] [Provocação] Quanto ao profissional ouvinte, é essencial que seja fluente em língua de sinais, que tenha conhecimento da cultura surda, que reconheça as pessoas surdas, seus alunos e seus colegas surdos, como capazes e a língua de sinais como tendo o mesmo status da língua portuguesa. Cabe a ele, também, possibilitar a aprendizagem da modalidade escrita da língua majoritária. [fim provocação] 44 1. Aquisição da linguagem pela criança surda Pesquisas sobre aquisição da linguagem em crianças surdas tem detalhado as diferenças entre crianças surdas filhas de pais ouvintes e crianças surdas filhas de pais surdos. Naturalmente crianças surdas expostas precocemente a língua de sinais terão mais possibilidades e facilidades com a língua do que criança surdas que aprendem tardiamente. Esse fator é de suma importância na abordagem bilíngue, pois para aprender a língua portuguesa na modalidade escrita é necessário m um arcabouço linguístico de sinais que sustente a aprendizagem da segunda língua. Quando o surdo desperta para os conceitos, o sinal deixa de ser apenas um movimento a ser copiado para ser um sinal carregado de significado. Esse momento de compreensão leva o sujeito surdo a uma “explosão intelectual”, que possibilita uma noção de significado do mundo. Assim, a primeira palavra, o primeiro sinal, leva a todos os outros e a língua emerge. Sacks (1998) afirma que há evidências de que os surdos que aprenderam tardiamente a língua de sinais não adquirem a fluência sem esforço e a gramática impecável dos que aprenderam desde bem cedo, em especial os surdos filhos de pais surdos. Eles têm ausência de questionamento, atraso no entendimento das perguntas, não impõem significados centrais a suas respostas. O vocabulário é reduzido, há concretude de pensamento, dificuldades para ler e escrever, ignorância e pouca visão de mundo. Quanto à aquisição da linguagem, estudos de Quadros (1997; 2008) com fundamentos na abordagem linguística aponta os seguintes períodos na aquisição da linguagem em crianças surdas, baseado, por sua vez, em estudos de aquisição da ASL - Língua Americana de Sinais : a. Período pré-linguístico O balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os bebês e é fruto da capacidade inata da linguagem. Há um desenvolvimento paralelo do balbucio visual e do balbucio oral. Os bebês surdos perdem o balbucio oral por diminuição do input e os bebes ouvintes perdem o balbucio manual por conta do input auditivo. A aquisição da linguagem independe da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaçovisual. b. Estágio de um sinal Dos 12 aos 24 meses de idade da criança surda. O início do estágio de um sinal se dá por volta daos seis meses, em crianças surdas filhas de pais surdas. A primeira produção refere-se a gestos que diferenciam dos sinais produzidos por volta dos 14 meses. Pesquisas de ASL indicam que as crianças surdas usam os primeiros sinais como congelados, pois não são flexionáveis, não envolvem o uso de morfemas. Quando a criança surda entra no estágio de um sinal, a fase de apontação desaparece, porque a criança muda o conceito de apontar que é gestual (prélinguística) para visualizá-la como elemento de um sistema gramatical da língua de sinais e então passa a ser linguístico. c. Estágio das primeiras combinações: 45 Por volta de dois anos da criança surda surgem as primeiras combinações que pode ser SV (sujeitoverbo), VO ( verbo-objeto) ou ainda SVO (sujeito – verbo – objeto). Assim como acontece na aquisição da linguagem em crianças ouvintes, onde há inicialmente a dificuldade no uso da pronominalização, em crianças surdas também acontece, o que poderia não ocorrer pela questão visual eminente, e sugerem a um processo universal de aquisição de pronomes apesar da diferença radical de modalidade. d. Estágio das múltiplas combinações: Em torno de 30 a 36 meses as crianças surdas apresentam a explosão de vocabulário e começam a diferenciar nomes de verbos e as derivações (cadeira – sentar). A partir dos três anos, as crianças surdas começam a usar o sistema pronominal com referentes não presentes, embora com alguns erros. Empilham os referentes presentes em um único espaço. Usam os verbos como pertencentes a uma única classe, os verbos direcionais sem flexão ou com flexões não aceitas na língua de sinais, é o período da supergeneralização. Quando as crianças deixam de empilhar os referentes em um único ponto, elas estabelecem mais de um ponto no espaço mas de forma inconsistente porque não estabelecem ainda as relações entre o local e a referência, dificultando a concordância verbal. O domínio completo da língua se dá por volta dos cinco anos de idade e até os seis anos utilizam os verbos flexionados de forma adequada. Infelizmente a realidade atual, ainda aponta que crianças surdas, filhas de pais ouvintes deixam de aprender a língua de sinais precocemente e mesmo quando os pais aprendem a língua de sianais para ensinar a seus filhos surdos, ainda não será suficiente, se faltar o convívio dessa criança com adultos surdos fluentes em língua de sinais. Sacks (1998, p.74) afirmou que “não se pode desenvolver uma língua sem alguma capacidade inata essencial, mas essa capacidade só é ativada por outra pessoa que já possui capacidade e competência linguística”. A criança surda precisa estar exposta à língua de sinais desde que nasce e o ambiente precisa responder a essa necessidade básica por sinais. A língua de sinais para a criança surda poderá ser definida como materna ou nativa. A primeira se refere ao sistema construído por filhos surdos de pais surdos, ou seja, a língua de sinais é o sistema linguístico da mãe ou do cuidador. A segunda, a língua nativa, é aquela que filhos surdos de pais ouvintes aprendem por outras pessoas. De qualquer forma, o fator fundamental na concepção da língua de sinais é compreendê-la como uma língua natural, com características específicas, como um sistema linguístico de acordo com a definição: [...] pode-se dizer que uma língua natural é uma realização específica de uma faculdade de linguagem que se dicotomiza num sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número ilimitado de frases [...] os elementos básicos são [...] as palavras sinalizadas para a língua de sinais, sendo as frases da língua, por sua vez representáveis em termos de uma sequência dessas unidades (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30). 46 A língua de sinais é uma sequência de movimentos no espaço, sequência essa visualizada pela pessoa surda, ou seja, é recebida pelos olhos e expressada pelas mãos. O canal sensorial principal para o surdo receber a informação é o visual e o canal principal para expressar informação é pelo movimento. As línguas de sinais são línguas de modalidade visioespacial que apresentam, uma riqueza de expressividade diferente das línguas orais, incorporando tais elementos na estrutura dos sinais através das relações espaciais, estabelecidas pelo movimento ou outros recursos linguísticos (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 35). As autoras acima mencionadas também descreveram os aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos da língua de sinais. Na fonologia descreveram as unidades mínimas que formam os sinais e os padrões possíveis de combinação e variações, pois as diferenças produzidas estabelecerão diferentes significados. Na morfologia, descreveram a estrutura interna dos sinais e o uso das regras que determinam a formação dos sinais e para a sintaxe da Libras. As mãos são os articuladores primários e a locação, o movimento e a configuração de mão representam os principais parâmetros fonológicos. Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas localizações nesse espaço. Os sinais, na Língua Brasileira de Sinais – Libras –, são formados a partir da combinação do movimento das mãos com um determinado formato em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou um espaço em frente ao corpo. Estes aspectos da Libras serão discutidos em outras disciplinas e por aqui, vamos refletir sobre aquelas crianças que ainda não se comunicam por formas linguísticas e portanto precisam dos recursos de comunicação alternativa. TEXTO COM PLEMENTAR Aquisição da língua de sinais brasileira O excerto abaixo foi extraído das orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para a educação infantil e Ensino Fundamental: Libras da secretaria Municipal de 47 Educação de São Paulo, departamento de Orientação Técnica publicado em 2008. Para o texto completo acesse http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/EdEspecial/OrientaCurriculares_Expectati vasAprendizagem_EdInfantil_EnsFund_Libras.pdf Pesquisas sobre aquisição das línguas de sinais mostram que as crianças surdas, filhas de pais surdos, a adquirem de forma semelhante e na mesma época em que as crianças ouvintes adquirem a língua majoritária na modalidade oral. Petitto (1988) observou três crianças surdas, filhas de pais surdos, expostas à língua de sinais e comparou os dados com os obtidos na observação de quatro crianças ouvintes expostas, três ao Francês e uma ao Inglês. Tanto as crianças surdas como as ouvintes tinham mais ou menos 10 meses quando foi iniciada a observação, que terminou quando as crianças contavam 20 meses. As crianças eram gravadas com equipamento de Vídeo - Tape mensalmente, enquanto interagiam com os pais, em situações dirigidas. A análise dos dados dos dois grupos de crianças levou Petitto às seguintes conclusões: Aos 9 meses, tanto as crianças surdas como as ouvintes apresentavam gestos de apontar, de dar e outros que a autora chamou de manuais não indicadores (“non-indexical manual gestures”). Estes gestos se caracterizavam por movimentos de pegar, de agarrar, de acenar, de jogar (objetos), de sacudir os braços, a cabeça e objetos, de abrir e fechar a mão, entre outros, que, segundo Petitto (1988), não se relacionavam a nenhum objeto específico. Entre 12 e 13 meses, os gestos, tanto das crianças ouvintes como das surdas, pareciam mais relacionados a objetos, eventos e pessoas presentes no contexto imediato. Os gestos de apontar eram usados, segundo Petitto, de forma comunicativa. Frequentemente combinavam gesto de apontar com gesto de apontar ou gesto de apontar com gestos de agarrar, de abrir e de fechar a mão. Entre 15 e 20 meses, as crianças surdas começaram a apresentar os primeiros sinais e as ouvintes, os primeiros vocábulos. Nenhuma criança começou a emitir vocábulos ou a usar sinais antes de 14 meses. Em estudo posterior, Petitto (1990) analisou dados de aquisição dos pronomes pessoais na Língua de Sinais Americana por duas crianças surdas, entre 6 meses e 2;3 anos. Os resultados indicaram que, apesar das crianças apontarem os objetos desde os 9 meses, elas não usaram o apontar para se referir a si ou ao interlocutor até por volta de 17 a 20 meses, fazendo uso de nomes próprios. As primeiras ocorrências dos pronomes pessoais foram observadas, nos dados das crianças, entre 21 e 22 meses, constatando-se confusão entre os pronomes de primeira e de segunda pessoa, apesar de, nas línguas de sinais, eles serem expressos pelo sinal de apontar. O uso correto dos pronomes foi constatado aos 25 meses para uma das crianças e aos 27 meses para a outra. A aquisição dos primeiros sinais por criança surda, filha de pais surdos, adquirindo a Língua Brasileira de Sinais, foi 48 estudada por Karnopp (1999). A autora observou longitudinalmente uma menina surda e verificou que, entre 0;8 e 1;1 ano predominou, na linguagem da criança, o balbucio manual (brincadeiras com as mãos), sendo observados também gestos sociais, como “tchau” e “bater palmas”. Somente um tipo de apontar, o apontar para objetos, foi encontrado nos dados neste período. Entre 1;2 e 1;6 ano, as produções de balbucio manual diminuíram, e a diversidade de gestos sociais (enviar beijos e realizar expressões faciais) apresentou um aumento. Apontar para objetos continuou sendo produzido com bastante freqüência. No período de 1;7 a 2;0 anos houve diminuição das produções do balbucio manual. Gestos sociais não apresentaram mudanças significativas quanto ao número de ocorrências. Por outro lado, aumentou a diversidade e a frequência de ocorrência dos tipos de “apontar”: apontar para objetos, pessoas, partes do corpo, locais, para si mesma e para o espelho. No último período observado, entre 2;1 e 2;6 anos, a menina apresentou gesto de apontar, não sendo observados balbucio manual e gestos sociais. A principal característica dessa etapa foi a combinação do apontar em uma sequência de sinais, por exemplo, apontar para uma bola e, em seguida, sinalizar BOLA (Karnopp, 1999, p. 173). A aquisição da sintaxe e das narrativas na Língua de Sinais Americana foi analisada por Bellugi, Van Hoek, Lillo-Martin, O’Grady (1993). As pesquisadoras analisaram o uso da concordância verbal com locais referenciais espaciais por crianças surdas e observaram que, aos 2;6 anos, as crianças usavam sinais isolados para descrever cada figura, bem como para contar uma história inteira. Entre 2;0 e 3;0 anos, diversas combinações de sinais foram observadas, mas sem o estabelecimento ou uso de locais referenciais. Só depois de 5;0 anos as crianças começaram a estabelecer locais referenciais e a realizar a concordância verbal utilizando estes locais. Por volta de 6;0 anos, todas as crianças surdas usaram a concordância verbal apropriada. Ao analisar narrativas de crianças surdas, as autoras verificaram que as primeiras ocorrências de estabelecimento de locais referenciais se deu aos 4:11 anos. No entanto, foi aos 6;0 anos que os locais referenciais foram estabelecidos e mantidos corretamente nas narrativas. A aquisição da sintaxe na Língua Brasileira de Sinais foi estudada por Quadros (1995). Ao analisar os dados de uma criança surda, de 2;4 anos de idade, a pesquisadora observou algumas combinações de sinais, envolvendo geralmente dois a três sinais. A criança omitiu o sujeito de referentes presentes quando este era óbvio, mas geralmente o usou. A omissão do sujeito pode estar relacionada ao uso sintático do espaço, que ainda não é observado de forma consistente nessa época. A análise dos dados de outras criança surdas, mais velhas, levou Quadros (1995) a concluir que, por volta de 3;6 anos, a criança surda usa a concordância verbal com referentes presentes. Com referentes não-presentes, foram encontradas algumas ocorrências, mas de forma inconsistente. Entre 5;6 e 6;6 anos de idade, as crianças adquirindo a Língua Brasileira de Sinais usam a concordância verbal de forma consistente. No relato de histórias, as crianças observadas por Quadros (1995) 49 usaramas figuras como locais reais dos referentes. O estabelecimento de locais com referentes nãopresentes no relato das histórias só foi observado nos dados de uma criança de 5;11 anos. Embora as pesquisas apontem para semelhanças no processo de aquisição da língua de sinais e da língua majoritária, a literatura faz referência a diferenças na interação entre as mães surdas e seus filhos surdos e as mães ouvintes e seus filhos ouvintes, decorrentes, principalmente, do fato de os surdos terem acesso ao mundo pela visão e não pela audição, como os ouvintes. Kyle (2001) analisou a interação entre mães e filhos surdos e constatou que as mães surdas parecem se comunicar menos com seus bebês surdos no primeiro ano de vida do que as mães ouvintes, o que pode decorrer do fato de a atenção do bebê ser flutuante e, por isso, reduzir a oportunidade de a mãe sinalizar para ele. Para Kyle (2001), as mães surdas parecem preocupadas em dirigir a atenção dos filhos para os objetos, inserindo-os no seu campo visual. Quando o filho está começando a prestar atenção aos objetos, a mãe surda intensifica o trabalho para obtenção da atenção da criança. Em relação à nomeação de objetos, por exemplo, enquanto as mães ouvintes frequentemente chamam a atenção da criança para o objeto e depois o nomeiam, as mães surdas fazem o sinal que corresponde ao objeto e só quando a criança olha é que elas vão movendo a mão em direção ao objeto nomeado, mantendo o sinal. Os jogos de atenção continuam a predominar na interação entre a mãe e o filho surdo no segundo ano de vida (Kyle, 2001). Além de tocar a criança ou de sacudir a mão para obter a sua atenção, a mãe usa mais frequentemente o gesto de apontar, o qual, nessa época, toma a forma de tocar com o dedo indicador o objeto para o qual ela quer levar a atenção da criança. Quando acriança vira o rosto para a mãe é que esta sinaliza. Texto complementar Leia este excerto que foi retirado de Educação infantil : saberes e práticas da inclusão : dificuldades de comunicação e sinalização : surdez. [4. ed.] / elaboração profª Daisy Maria Collet de Araujo Lima – Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal... [et. al.]. – Brasília : MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. 89 p. : il. Para acessar o texto completo veja o link http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdez.pdf A linguagem e a surdez A linguagem permite ao homem estruturar seu pensamento, traduzir o que sente, registrar o que conhece e comunicar-se com outros homens. Ela marca o ingresso do homem na cultura, construindoo como sujeito capaz de produzir transformações nunca antes imaginadas. Apesar da evidente importância do raciocínio lógico-matemático e dos sistemas de símbolos, a linguagem, tanto na forma verbal como em outras maneiras de comunicação, permanece como meio ideal para transmitir conceitos e sentimentos, além de fornecer elementos para expandir o conhecimento. A linguagem, prova clara da inteligência do homem, tem sido objeto de pesquisa e discussões. Ela tem sido “um campo fértil” para estudos referentes à aptidão lingüística, tendo em vista a discussão sobre falhas decorrentes de danos cerebrais ou de distúrbios sensoriais, como a surdez. 50 Com os estudos do lingüista Chomsky (1994), obteve-se um melhor entendimento acerca das línguas e do seu funcionamento. Suas considerações partem do fato de que é muito difícil explicar como a língua materna pode ser adquirida de forma tão rápida e tão precisa, apesar das impurezas nas amostras de fala que a criança ouve. Chomsky, junto com outros estudiosos, admite, ainda, que as crianças não seriam capazes de aprender a língua materna caso não fizessem determinadas suposições iniciais sobre como o código deve ou não operar. A palavra tem uma importância excepcional, no sentido de dar forma à atividade mental, e é fator fundamental de formação da consciência. Ela é capaz de assegurar o processo de abstração e generalização, além de ser veículo de transmissão do saber. Os indivíduos que ouvem parecem utilizar, em sua linguagem, os dois processos: o verbal e o nãoverbal. A surdez congênita e pré-verbal pode bloquear o desenvolvimento da linguagem verbal, mas não impede o desenvolvimento dos processos não-verbais. A fase de zero a cinco anos de idade é decisiva para a formação psíquica do ser humano, uma vez que nesse período ocorre o ativamento das estruturas inatas genético constitucionais da personalidade. A teoria sobre a base biológica da linguagem admite a existência de um substrato neuroanatômico no cérebro para o sistema da linguagem. Portanto, todos os indivíduos nascem com predisposição para a aquisição da fala. Nesse caso, o que se deduz é a existência de uma estrutura lingüística latente responsável pelos traços gerais da gramática universal (universais linguísticos). A exposição a um ambiente linguístico é necessária para ativar a estrutura latente e para que a pessoa possa sintetizar e recriar os mecanismos linguísticos. As crianças são capazes de deduzir as regras gerais e regularizar os mecanismos de uma conjugação verbal, por exemplo. Dessa forma, utilizam as formas “eu fazi”, “eu di”, enquadrando-as nas desinências dos verbos regulares – “eu corri”, “eu comi”. As crianças que ouvem aprendem a língua portuguesa oral de uma forma semelhante e num espaço de tempo. No entanto, não se pode esquecer as diferenças individuais. Essas são encontradas nos tipos de palavras que as crianças pronunciam primeiro. Algumas crianças emitem nomes de coisas, enquanto outras, evitando substantivos, preferem exclamações, outras, ainda, expressam automaticamente os elementos emitidos pelos mais velhos. Há crianças, no entanto, que apresentam dificuldades na aquisição da linguagem oral. Às vezes, a dificuldade aparece, principalmente, no que se refere à percepção e à discriminação auditiva, o que traz transtornos à compreensão da língua oral. Outras vezes, a dificuldade é relativa à articulação e à emissão da voz, o que produz transtornos na emissão da língua oral. Tudo isso pode ou não ter relação com a surdez, visto que muitas crianças que apresentam dificuldades lingüísticas não têm audição prejudicada. Por exemplo, a capacidade de processar rapidamente mensagens lingüísticas – um pré-requisito para o entendimento da fala – parece depender do lobo temporal esquerdo do cérebro. Danos a essa zona neural ou seu desenvolvimento “anormal” geralmente são suficientes para produzir problemas de linguagem. Segundo Luria (1986), os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem incluem o conjunto de interações entre a criança e o ambiente, podendo os fatores externos afetar esses processos, positiva ou negativamente. Torna-se, pois, necessário desenvolver alternativas que 51 possibilitem às crianças “com necessidades especiais” meios de comunicação que as habilitem a desenvolver seu potencial linguístico. Pessoas surdas podem adquirir linguagem, comprovando assim seu potencial linguístico. Já está comprovado cientificamente que o ser humano possui dois sistemas para a produção e reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial, que faz uso da anatomia visual/auditiva e vocal (línguas orais) e o sistema são consideradas as línguas naturais dos surdos, emitidas por meio de gestos e com estrutura sintática própria. Na aquisição da língua, as pessoas surdas utilizam o segundo sistema. Várias pesquisas já comprovaram que crianças surdas procuram criar e desenvolver alguma forma de linguagem, mesmo não sendo expostas a nenhuma língua de sinais. Essas crianças desenvolvem espontaneamente um sistema de gesticulação manual que tem semelhança com outros sistemas desenvolvidos por outros surdos que nunca tiveram contato entre si e com as línguas de sinais já conhecidas. Existem estudos que demonstram as características morfológicas e lexicais desses sistemas. A capacidade de comunicação lingüística apresenta-se como um dos principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança surda em toda a suapotencialidade, para que possa desempenhar seu papel social e integrar-se verdadeiramente na sociedade. Entre os grandes desafios para pesquisadores e professores de surdos situa-se o de explicar e superar as muitas dificuldades que esses alunos apresentam no aprendizado e uso de línguas orais, como é o caso da língua portuguesa. Sabe-se que quanto mais cedo tenha sido privado de audição e quanto mais profundo for o comprometimento maiores serão as dificuldades educacionais, caso não receba atendimento adequado. No que se refere à língua portuguesa, segundo Fernandes (1990), a grande maioria das pessoas surdas já escolarizadas continua demonstrando dificuldades, tanto nos níveis fonológico e morfossintático quanto nos níveis semântico e pragmático. É de fundamental importância que a influência da língua portuguesa oral sobre a cognição não seja supervalorizada em relação ao desempenho do aluno com surdez, dificultando sua aprendizagem e diminuindo suas chances de integração plena. Faz-se necessária, por conseguinte, a utilização de alternativas de comunicação que possam propiciar um melhor intercâmbio, em todas as áreas, entre surdos e ouvintes. Essas alternativas devem basear-se na substituição da audição por outros canais, destacando-se a visão, o tato e movimento, além do aproveitamento dos restos auditivos existentes. Face ao exposto, observa-se que a pessoa com surdez tem as mesmas possibilidades de desenvolvimento que a pessoa ouvinte, precisando somente que tenha suas necessidades especiais supridas, visto que o natural do homem é a linguagem. “A influência da surdez sobre o indivíduo mostra características bastante particulares desde seu desenvolvimento físico e mental até seu comportamento como ser social. Neste aspecto, destaca-se a linguagem como fator de vital importância para o desenvolvimento de processos mentais, personalidade e integração social do surdo. A comunicação é, sem dúvida, o eixo da vida do indivíduo, em todas as suas manifestações como ser social. É oportuno, pois, reconhecer a necessidade de novos estudos que sirvam de suporte a métodos educacionais e ofereçam à comunidade surda melhores condições de exercerem seus direitos e deveres 52 de cidadania. Além disso, é preciso dar aos especialistas da área melhores subsídios para o estudo do desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças que estão sob a sua responsabilidade profissional. Desenvolver-se cognitivamente não depende exclusivamente do domínio de uma língua, mas dominar uma língua garante os melhores recursos para as cadeias neuronais envolvidas no desenvolvimento dos processos cognitivos.” (Fernandes, 2000, p.49). Segundo Goldfeld (1997), no decorrer do desenvolvimento infantil, a criança passa por diversas mudanças, e a língua é um dos principais instrumentos utilizados nesse processo. Para a criança surda, esse processo de desenvolvimento pode ficar fragmentado, pois é sabido que ela não poderá aprender a língua oral de forma totalmente espontânea, como a criança ouvinte. Nesse sentido, a aquisição da língua de sinais vai permitir à criança surda, mediante suas relações sociais, o acesso aos conceitos de sua comunidade, que passará a utilizar como seus, formando assim uma maneira de pensar, agir e ver o mundo característico da cultura de sua comunidade. A língua é um fator fundamental na formação da consciência. Ela permite pelo menos três mudanças essenciais à atividade consciente do homem: ser capaz de duplicar o mundo perceptível, de assegurar o processo de abstração e generalização, e de ser veículo fundamental de transmissão de informação (Luria, 1986). Vigotski é apresentado como um dos primeiros pesquisadores soviéticos a julgar ter a linguagem um papel decisivo na formação dos processos mentais e, para prová-lo, empreendeu uma série de experimentos que visaram a testar a formação da atenção ativa e dos processos de desenvolvimento da memória por meio da aquisição da língua (a memorização passa a ser ativa e voluntária) e de outros processos mentais superiores. Todos os experimentos levaram-no a dar, efetivamente, à língua o papel de destaque na formação dos processos mentais, como previra. Para o autor, é relevante perceber a “língua não apenas como uma forma de comunicação, mas também como uma função reguladora do pensamento”. É importante perceber que as crianças adquirem a língua por meio da exposição informal e do uso ativo, e não por lhes ser ensinada. A experiência em casa é fundamental. Os pais funcionam não como professores do idioma, mas como facilitadores que permitem aos filhos absorver a cultura e fazer uso ativo da sua curiosidade. As crianças usam a língua para expressar sentimentos, para fazer os pais rirem ou adiar acontecimentos indesejáveis “Posso ficar acordada mais cinco minutos?”; para não dizer a verdade: “Talvez eu tenha comido os biscoitos. Não consigo me lembrar...” e assim por diante. Quando as crianças chegam aos cinco anos, podem expressar-se sobre o passado e o futuro, conseguem usar a fantasia e são capazes de perguntar quando, como e por que as coisas acontecem. A língua também é importante para estruturar o pensamento, embora nem todo pensamento seja expresso por meio de línguas. 53 Tanto a criança ouvinte como a criança surda passa por estágios de desenvolvimento da linguagem, mas, caso não recebam dados linguísticos satisfatórios, ambas apresentarão defasagem nesses estágios. Para evitar defasagem, a criança ouvinte brasileira deverá estar imersa em meio onde se fale a língua portuguesa oral, e a criança surda brasileira precisará estar em meio rico em estímulos visuais, com pessoas que utilizam a LIBRAS e com pessoas que utilizam a língua portuguesa, para que desenvolvam satisfatoriamente sua linguagem. Se a criança surda tem pais surdos que utilizam a língua de sinais desde o nascimento dela, o desenvolvimento dessa língua irá seguir, essencialmente, o mesmo curso que o desenvolvimento da fala em crianças ouvintes. As crianças surdas de famílias ouvintes passam pelo risco de séria privação de linguagem no início da vida e de uma incapacidade para apreender o que está acontecendo ao redor delas e o porquê (aprendizagem incidental), uma vez que seus pais não sabem comunicar-se com elas. O vínculo emocional com os pais pode ser também mais difícil de se estabelecer e de se manter. Isso ocorrerá, entretanto, apenas se a família não for devidamente orientada e a se criança não for encaminhada a um atendimento adequado. Além da questão da linguagem, é importante proporcionar à pessoa com surdez condições que lhe permitam se estruturar emocionalmente. “Não é a fala ou a língua de sinais; a pessoa surda que “se deu bem” é aquela que pôde preservar a sua autenticidade, aceitou a surdez como uma parte diferente e não doente de si; que pôde fazer uma escolha que lhe permita ser natural em sua comunicação, independentemente de ser oralizada ou sinalizada.” (Bergmann, 2001) Importante então é oferecer uma educação que permita o desenvolvimento integral do indivíduo, de forma que desenvolva toda sua potencialidade. A linguagem de uma criança surda brasileira deve efetivar-se mediante o aprendizado da língua portuguesa e da aquisição da LIBRAS. Antes da Lei Nº 9.394/96 não havia atendimento educacional em escolas públicas para crianças na faixa etária de 0 a 3 anos de idade, período de maior desenvolvimento da linguagem. Para crianças com surdez, havia, em alguns Estados, programas de estimulação precoce em escolas especiais, voltados exclusivamente para o desenvolvimento da linguagem oral, por meio da estimulação auditiva e de exercícios fonoarticulatórios para emissão da fala. Com as mudanças propostas pela Lei Nº 9.394/96, a educação infantil, embora não obrigatória, passa a constituir a primeira etapa da educação básica, a ser ofertada pela rede de ensino municipal, deixando, portanto, de ser competência da assistência social. Como parte integrante da primeira etapa da educação básica, o aprendizado de línguas configura-se como componente curricular a ser desenvolvido com crianças surdas. Assim, a língua portuguesa (oral e escrita) e a língua brasileira de sinais – LIBRAS devem ser ofertadas pelo sistema educacional. O aprendizado da língua portuguesa oral em creches e pré-escolas diferencia-se do aspecto clínico e da reabilitação quando implica interação entre várias crianças com atividades didático-pedagógicas 54 que incluem dramatização, vivências e temas curriculares. Construir uma proposta pragmática, vivencial e interativa constitui uma experiência incipiente na educação infantil, principalmente para crianças do nascimento aos três anos. Da mesma forma, o aprendizado da língua portuguesa escrita deve ser incidental e contextualizada. A aquisição da LIBRAS em creches e pré-escolas é também um desafio. Envolve quebra de preconceitos, destruição de mitos e o reconhecimento de outro profissional: o professor instrutor surdo. É por meio desse profissional que o uso da LIBRAS deve efetivar-se. 55 Praticando Vamos refletir e responder às seguintes questões: 1. Quando uma só língua é produzida em duas modalidades, chamamos de bimodalismo, ou seja, a realização dos sinais produzido na estrutura sintática da língua oral falada por determinada comunidade. O surdo que é ensinado a falar e sinalizar ao mesmo tempo pode apresentar desvantagens na apropriação da língua de sinais em relação ao surdo que aprende a língua de sinais primeira e exclusivamente. Comente essa afirmação. 56 PARA (NÃO) FINALIZAR Muitas vezes o profissional ou o adulto ouvinte que se disponibiliza a aprender a língua de sinais para ensinar á criança surda, acaba por utilizar essa língua ao mesmo tempo em que fala. Isso pode acarretar a sinalização do português. Ou seja, a criança surda que está aprendendo os sinais, aprende a sinalizar na estrutura da língua oral, totalmente diferente da estrutura da língua de sinais. Capovilla (2001), ao referir sobre as crianças surdas que foram expostas aos sinais e à fala, portanto sinalizavam, ao mesmo tempo que oralizavam, chamou-as de hemilíngues, porque usavam as duas línguas sem limites entre uma e outra. Infelizmente essa tem sido, ainda a realidade de muitas crianças surdas que aprendem Libras por meio de pessoas ouvintes e não tem a oportunidade de conviver com adultos surdos para apropriarem-se da verdadeira língua de sinais. Ressalta-se que para aprender uma segunda língua, é necessário arcabouço linguístico da língua natural, materna, aquela que nos fornece a identidade, valores que nos propicia mediar as relações sociais e interações com o mundo de pessoas e objetos e pertencermos a uma cultura. A criança surda que chega à escola para alfabetizar-se e não dispõe de suporte linguístico da língua de sinais não tendo pleno domínio de sus estruturas sintáticas, semânticas e morfológicas, terá imensas dificuldades em aprender o português escrito como segunda língua. REFERÊNCIAS 57 CAPOVILLA, Fernando César & Raphael, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe - Língua de Sinais Brasileira Libras. Vol. I e II. 2. ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2001. CORMEDI, Maria Aparecida. Alicerces de significados e sentidos: aquisição de linguagem na surdocegueira congênita. 2011. 402 p. Tese ( Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Psicologia e Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde04072011-152503/pt-br.php DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constituição da subjetividade do sujeito surdo. IN QUADROS, Ronice Müller (org). Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006. QUADROS, Ronice Muller; KARNPPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudo linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. QUADROS, Ronice .Müller; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira – estudos linguísticos. Porto Alegre, RS.: ArtMed, 2004 __________. Educação de Surdos: a Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. Reimpressão 1997.. QUADROS, Ronice Müller (org.) Estudos Surdos I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2006. __________. (org.) Estudos Surdos II. Petrópolis, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2007. Sites: < http://www.nec.fct.unesp.br/TA/3ed/material/m2s1a1_introducao_ta_rita_bersch.pdf> < >. Unidade III – Educação Bilingue 58 capítulo 5 - A abordagem bilíngue [Para refletir] A comunidade Surda é trimodal, isto é, todas as três modalidades de língua – falada, escrita e sinalizada estão presentes. É uma comunidade bilíngue. Existem dois tipos de bilinguismo: social e individual. No primeiro, duas ou mais línguas são utilizadas na vida diária de uma comunidade, geralmente, quando dois grupos que não compartilham a mesma língua entram em contato, um toma a posição majoritária e o outro a minoritária. Isso acontece por resultado de migrações. O bilinguismo individual discute as seguintes questões: como um indivíduo adquire as duas línguas; em que situações a aquisição ocorre; como as pessoas bilíngues interagem com as monolíngues e com outras pessoas bilíngues; e os efeitos do bilinguismo na personalidade e no desenvolvimento cognitivo. (Wicox, 2005). [fim Para refletir] [Provocação] “Será, então, lugar do Surdo circunscrito ao se seus iguais, sem possibilidade de interação com o mundo ouvinte? [...] Esta deve ser uma escolha dele. No seu conjunto, no EU humano de cada Surdo, com infinitas possibilidades de ser e vir a ser, mas sempre como Surdo, os caminhos serão imensamente variados. Eles poderão ou não se integrar e se o fizerem será de forma particular de cada um. Entretanto, para poder ter o direito de fazer esta opção eles precisam ter acesso à comunidade de surdos, para que uma língua lhes seja dada, para sua construção de identidade, para que percebam as semelhanças e as diferenças entre os Surdos, para que eles experimentem a comunicação social e tantas outras já ditas e repetidas aqui (MOURA, 2000)”. Considerando as palavras de Moura, como ficam as crianças surdas filhas de pais ouvintes que não tem acesso á língua de sinais e á comunidade surda? [fim provocação] Segundo Skliar (1998: 2005) a proposta do bilinguismo nasce em oposição à concepção clínicoterapêutica da surdez e consequentemente com reconhecimento político da surdez como diferença. Retomando sobre a concepção oralista, esta foi dominante até finais dos anos 90, tendo a visão da surdez como deficiência e portanto cabível de reabilitação clínica que evidenciam a habilidade da fala e os avanços tecnológicos permitiram que esta concepção se mantivesse. Visto a ênfase em implantes 59 cocleares, tema controverso, pois a parcela dos surdos sinalizados a rejeitam efusivamente enquanto que os surdos oralizados defendem os implantes cocleares. Como resistência à essa dimensão da oralidade que impõe a cultura ouvinte como norma, sendo normal aquele que ouve, a comunidade surda buscando seus espaços e reivindicando as diferenças promoveu a abordagem bilíngue. Na perspectiva bilíngue, a língua de sinais é considerada a primeira língua do surdo e a língua majoritária – na modalidade oral e/ou escrita – como segunda. Essa visão sobre a surdez e o surdo representa uma conquista para a comunidade surda. A concepção bilíngue leva ao que se denomina biculturalismo, porque ser bilíngue em língua de sinais e língua oral significa ser dual na modalidades sensoriais, ou seja, a pessoa assim bilíngue pode receber e expressar informações na modalidade visual espacial e na modalidade auditiva temporal. Exemplificando: uma pessoa que é bilíngue porque fala a língua oral portuguesa e a língua oral inglesa, tem a mesma modalidade oral auditiva, o mesmo canal sensorial que governa a entrada de informação do mundo: o canal sensorial auditivo. Já a pessoa bilíngue em língua oral e língua de sinais, domina dois canais sensoriais de entrada de informação: o canal visual espacial e o auditivo temporal. Nas palavras de Moura já em 2000: Considerando que o nome da proposta educacional que poderá dar conta do que tentamos provar aqui é o Bilinguismo ( ainda que um nome só não a defina), acultura dos ouvintes deve estar representada, e vai estar, na família, na escola, nas relações sociais entre ouvintes, onde quer que o Surdo vá. Não é possível, nem desejável negar a cultura majoritária, ou não se falaria de BIlinguismo que a meu ver envolve biculturalismo, bi-comunidade, mas não uma identidade ambígua. O que não pode prevalecer é a superioridade de uma sobre a a outra ( ou seja, como sempre acontece entre culturas majoritárias e minoritárias, a assimilação da segunda pela primeira. Ainda com referências em Skliar cabe retomar o que este autor escreveu sobre o bilinguismo no final dos anos 90. Para ele, a educação bilíngue possui um alto grau de ambiguidade e um caráter relativo de verdade. Ambíguo porque a própria definição é antagônica dentro do campo terminológico, pois permite várias interpretações para o que significa o prefixo “bi”. E por tem um certo grau de verdade porque supõe um avanço objetivo na educação do surdo e já representa uma superação da até então ideologia dominante do oralismo. Os termos “diferente’; “diversidade” , “bilinguismos” e “biculturalismo” foram discutidos por Gladis Perlin em Skliar ( 1998; 2005). Segundo a autora, esses termos “Bi” mascaram normas pois mantém a diferença cultural surda como se ela fosse incômoda, pois mantém o surdo no meio. É uma exigência da “diversidade” imposta pelos ouvintes, a sociedade anfitriã. A cultura da diferença se constitui numa atividade criadora, com símbolos e práticas jamais aproximados à cultura ouvinte, disciplinada por uma forma de ação e atuação visual. Rompe oficialmente que o surdo seja usuário da cultura ouvinte. 60 Como vimos, há opiniões diferentes sobre o termo bi-culturalismo que significa conviver nas duas culturas, ouvinte e surda. Autores discutem o termo multiculturalismo que além das culturas ouvinte e de surdo agrega as diferentes culturas raciais. Na cultura americana, por exemplo, a diversidade no multiculturalismo é definido como diferenças relacionadas a raça, etnia, gênero, religião, língua, idade, orientação sexual e incapacidade. Como afirmou Garcia (2009) o multiculturalismo reconhece que os surdos possuem uma necessidade especial por não poderem ouvir, e não porque eles são usuários de outra língua. Para entender o bilinguismo e atuar nesta abordagem educacional, faz-se necessário entender sobre a questão da identidade surda, uma vez que o o surdo será parte da equipe de profissionais de uma escola bilíngue. Perlin (1998; 2005) é uma pesquisadora da linha dos estudos surdos que, a partir do conceito pósmoderno de identidade defende que não há uma identidade surda, mas identidades múltiplas, que se transformam, que não são fixas, estáticas ou tampouco permanentes, na verdade podem até ser contraditórias porque se referem à identidade enquanto ideal, perfeição do ser humano e a identidade que é estruturada pelas representações sociais. Por essa pesquisadora temos: Ouvintismo tradicional: a única identidade possível é a identidade ouvinte. É uma das formas de poder mais forte do ouvinte sobre o surdo. Ouvintismo natural: defende uma igualdade natural entre surdos e ouvintes mas continua a encapsular o bilinguismo na cultura ouvinte. Reconhece em parte a cultura surda. Ouvintismo crítico: admite a possibilidade e da alteridade, do diferente “surdo”, da identidade e da autonomia linguística. Defende a diferença surda e defende os direitos dos surdos mas, depende de uma superioridade sobre o surdo para que a estratégia dê certo. Identidades Surdas: surdos que fazem uso da experiência visual Identidade política surda: consciência surda de ser definitivamente diferente e de necessitar de implicações e recursos completamente visuais. Filhos surdos de pais surdos. Identidades surdas híbridas: surdos que nasceram ouvintes. Captam a comunicação de forma visual, passam-na para a língua que adquiriram primeiro e depois para os sinais. É o caso da autora do texto. Identidade surda incompleta: surdos que vivem sobre a ideologia ouvintista latente e não conseguem romper as barreiras e resistir ao poder ouvintista. Identidades surdas flutuantes: surdo consciente ou não de ser surdo que vivem na ideologia ouvintista. Não conseguem estar com surdos por falta da língua de sinais e estar com ouvintes por falta da língua oral. Tanto Perlin (1998) quanto Skliar (1998) parecem concordar quando colocam as questões dos Estudos Surdos em termos da polarização entre dominantes e dominados e teorizam no sentido da superação 61 dessa condição. A primeira autora convoca os surdos a se oporem às tentativas de colonialismo linguístico e cultural; o segundo sugere que a discussão seja deslocada para as nossas (ouvintes) representações sobre a surdez e os surdos, bem como os seus desdobramentos em termos escolares e políticos, conforme esse trecho: “ o nosso problema, em consequência, não é a surdez, não são os surdos, não são as identidades surdas, não é a língua de sinais, mas, sim, as representações dominantes, hegemônicas e “ouvintistas” sobre as identidades surdas, a língua de sinais, a surdez, e os surdos. Deste modo, a nossa produção é uma tentativa de inverter a compreensão daquilo que pode ser chamado de “normal ou cotidiano”(p. 30).” A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de excluir. Como vimos, dizer “o que somos” significa também dizer “o que não somos”. A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Entender a população que só heterogênea de pessoas surdas tanto quanto a heterogeneidade de outras culturas é o ponto de partida para o professor e ou profissional que se habilita a atuar na educação bilíngue pois dentro da cultura surda há surdos oralizados e que os defendem, há aqueles que só aceitam sinalizar, há aqueles que se aceitam e se relacionam tanto com os oralizados quanto com surdo que só sinalizam, até aqueles que ainda não se definiram em sua forma prioritária de comunicação. Cultura não é uma lista de traços e fatos sobre um grupo de pessoas. Cultura não é algo que possa ser comprado, vendido ou manuseado. Cultura não deve ser confundida com traços biológicos como raça. “ Cultura é a forma como uma pessoa faz sentido do mundo. São as idéias, conceitos, categorias, valores, crenças... O estudo da cultura consiste em aprender como um grupo de pessoas faz sentido do mundo (WILCOX, 2005. p. 95)”. Por outro lado, as línguas sinalizadas e as faladas diferem, na forma, como combinam suas partes. Nas línguas sinalizadas, os componentes formadores são combinados simultaneamente, ou seja é uma sequencia de movimentos no espaço enquanto nas línguas faladas os componentes são colocados juntos sequencialmente pois é uma sequencia de sons no tempo. Esse fato demonstra o efeito da modalidade na língua humana. Isto também precisa ser compreendido a quem se propõe a compreender o bilinguismo: oral – sinal porque envolve além das diferenças sensoriais as diferenças de modalidade da língua. Wilcox (2005) propôs a distinção língual/ modalidade (falado, escrito e sinalizado). A escrita é uma representação secundária da fala. É uma representação da representação. Este autor afirma que a comunidade Surda é trimodal, isto é, todas as três modalidades de língua – falada, escrita e sinalizada estão presentes. É uma comunidade bilíngue. Ainda para Wilcox, existem dois tipos de bilinguismo: social e individual. No primeiro, duas ou mais línguas são utilizadas na vida diária de uma comunidade, geralmente, quando dois grupos que não compartilham a mesma língua entram em contato, um toma a posição majoritária e o outro a minoritária. Isso acontece por resultado de migrações. O bilinguismo individual discute as seguintes 62 questões: como um indivíduo adquire as duas línguas; em que situações a aquisição ocorre; como as pessoas bilíngues interagem com as monolíngues e com outras pessoas bilíngues; e os efeitos do bilinguismo na personalidade e no desenvolvimento cognitivo. Quadros (1997; 2008) resumiu os objetivos da educação bilingue-bicultural proposta por Skliar: a) Criar um ambiente linguístico apropriado às formas particulares de processamento cognitivo e linguístico das crianças surdas; b) Assegurar o desenvolvimento sócio emocional integro das crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos; c) Garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo; d) Oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural. A aquisição da língua de sinais permitirá à criança surda, além do desenvolvimento linguístico, o desenvolvimento dos aspectos cognitivo e sócio-afetivo-emocional e será a base para a aquisição da língua majoritária, preferencialmente na modalidade escrita. Principalmente por de ser capaz de utilizar a língua de sinais será uma garantia de que a criança surda possa usar pelo menos uma língua. O biculturalismo é o aprendizado sobre as culturas surdas e ouvintes, a interação com estas culturas e a escolha da cultura com a qual os surdos se identifiquem. Considerar a língua de sinais como a primeira língua do Surdo significa que os conteúdos escolares devem ser trabalhados por meio dela e que a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, será ensinada com base nas habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas nas suas experiências com a língua de sinais (Quadros, 1997). Resumindo, o bilinguismo representa a língua de sinais como língua natural e o português na modalidade escrita como segunda língua. Quadros (2005) lembra que a educação de surdos, em uma proposta bilingue, deve ter um currículo organizado em uma perspectiva visual-espacial para garantir o acesso a todos os conteúdos escolares na Língua Brasileira de Sinais. Porém, não basta simplesmente traduzir o currículo da escola regular para a língua de sinais, há que se contemplar nele os aspectos culturais das comunidades surdas, sua história e direitos para que o aluno surdo possa se identificar com a cultura de sua comunidade e não somente com a cultura dos ouvintes (Skliar, 1999). A língua de sinais, como primeira língua do surdo, é sua língua de identificação, de instrução e de comunicação e a língua portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua, é a possibilidade do surdo ter acesso à informação, conhecimento e cultura tanto da comunidade surda como da majoritária ouvinte como referiram Pereira e Vieira ( 2005). Na educação bilíngue, a língua majoritária, o português é introduzida quando as crianças surdas já tiverem adquirido a língua de sinais porque para o surdo ser bilíngue não é só conhecer palavras, 63 estruturas de frases, a gramática das duas línguas, mas também conhecer, profundamente, as significações sociais e culturais das comunidades linguísticas de que se faz parte. As duas línguas não competem, não se ameaçam, possuem o mesmo status. Considerar a língua de sinais como a primeira língua do Surdo significa que os conteúdos escolares devem ser trabalhados por meio dela e que a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, será trabalhada como disciplina, com base em técnicas de ensino de segunda língua. Essas técnicas partem de habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas nas suas experiências com a língua de sinais (Quadros, 1997). Visando ao aprendizado da Língua Portuguesa escrita, os alunos surdos devem ser apresentados ao maior número possível de textos, por meio de narrações repetidas e traduções. Além de traduzir os textos para a língua de sinais, o professor deverá explicar o seu conteúdo e características das duas línguas por meio da comparação. A secretaria de educação do município de São Paulo, estabeleceu ao final de 2011 as escolas bilíngues para surdos por meio do decreto 52.785técnicas de 10 de novembro de 2011. O Departamento de Orientações Técnicas publicou já em 2008 orientações quanto à educação inclusiva de crianças surdas. Veja excerto abaixo, retirado desta publicação e para o material completo acesse: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/BibliPed/EdEspecial/OrientaCurriculares_Expectati vasAprendizagem_EdInfantil_EnsFund_Libras.pdf PRINCÍPIOS DA INCLUSÃO DA LINGUA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS A defesa da adoção da Língua Brasileira de Sinais na educação de crianças surdas se baseia nos seguintes princípios: • A língua de sinais é uma língua visual-espacial, com regras próprias e não apenas gestos combinados. • É reconhecida pela Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, como língua das comunidades surdas do Brasil. • Sua adoção na educação de crianças surdas, desde a Educação Infantil, é garantida pelo Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, segundo o qual os alunos surdos têm direito à educação bilíngue, na qual a Língua Brasileira de Sinais e a modalidade escrita da Língua Portuguesa são usadas no desenvolvimento de todo o processo educativo. 64 • A Língua Brasileira de Sinais é de vital importância para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança surda, como percepção, atenção, memória e raciocínio (Vigotski, 1984). • A Língua Brasileira de Sinais é adquirida naturalmente pela criança surda na interação com usuários da mesma, preferencialmente surdos. • A Língua Brasileira de Sinais permite a melhor interação entre as crianças surdas e sua família ouvinte, e, nas escolas, entre professores e crianças surdas e entre estas e seus colegas. • A Língua Brasileira de Sinais favorece a aquisição de conhecimentos sobre o mundo. Por meio dela, e na interação com surdos adultos, a criança surda ampliará o conhecimento sobre o mundo que a rodeia. Estes conhecimentos servirão como base para as atividades que ocorrerão na escola. • A Língua Brasileira de Sinais contribui para a aquisição da Língua Portuguesa, na medida em que possibilita a ampliação do conhecimento de mundo e de língua, o que constitui o conhecimento prévio, fundamental para a atribuição de sentido na leitura e na escrita. Uma vez garantido o direito de adquirir a Língua Brasileira de Sinais, a educação das crianças surdas deve seguir os mesmos princípios da educação das crianças ouvintes, quais sejam: O desenvolvimento da criança é um processo conjunto e recíproco; Educar e cuidar são dimensões indissociáveis de toda ação educacional; Todos são iguais, apesar de diferentes; O adulto educador é mediador da criança em sua aprendizagem; A parceria com as famílias das crianças é fundamental. Princípios básicos do ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos O ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos deve levar em consideração que: • A surdez dificulta, mas não impede o aprendizado da Língua Portuguesa pelos alunos surdos. • As dificuldades que os alunos surdos geralmente apresentam na escrita não decorrem da surdez, mas do pouco conhecimento que têm da Língua Portuguesa. • A Língua Portuguesa é segunda língua para os alunos surdos, e, por isso, requer a aquisição da Língua Brasileira de Sinais, sua primeira língua. • O aprendizado da Língua Portuguesa como segunda língua é um direito do aluno surdo, garantido pelo Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. 65 • O ensino da Língua Portuguesa na escola deve contemplar a modalidade escrita que, por ser acessível à visão, é considerada fonte necessária para que o aluno surdo possa constituir seu conhecimento sobre a Língua Portuguesa. O processo de aprendizado da Língua Portuguesa pelos alunos surdos é mais demorado e não chega necessariamente aos mesmos resultados. Praticando A partir da afirmação responda as seguintes questões : Muitas crianças surdas chegam as escolas bilíngues no ensino fundamental sem arcabouço linguístico de língua de sinais que suporte a aprendizagem do português escrito. 1. Como evitar essa situação e quais as medidas preventivas? 2. De que forma podemos assegurar que as crianças surdas tenham acesso á língua portuguesa escrita? 66 PARA (NÃO) FINALIZAR Excerto extraído de: PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA Maria Inês da Silva Vieira. Bilinguismo e Educação de Surdos. Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x Para o artigo completo acesse: http://www4.pucsp.br/pos/lael/intercambio/pdf/4_MCristina_.pdf As crianças surdas que têm pais surdos, usuários da língua de sinais, aprendem geralmente a língua de sinais na interação com os pais de forma semelhante e na mesma época em que as crianças ouvintes adquirem a língua majoritária. Além da língua de sinais, as crianças surdas de pais surdos adquirem com a família aspectos da cultura surda e se identificam com a comunidade de surdos. Quando chegam à escola, estas crianças já contam com uma língua, com base na qual poderão aprender a língua majoritária, na modalidade escrita. A maior parte das crianças surdas, no entanto, têm pais ouvintes, que não sabem a língua de sinais e usam a língua majoritária na modalidade oral para interagir com os filhos surdos. Devido à perda auditiva, as crianças surdas conseguem adquirir apenas fragmentos da fala dos pais. Consequentemente, embora cheguem à escola com alguma linguagem, adquirida na interação com os pais ouvintes, não apresentam nenhuma língua constituída (Pereira, 2000). O reconhecimento de que a língua de sinais possibilita o desenvolvimento das pessoas surdas em todos os seus aspectos, somado à reivindicação das comunidades de surdos quanto ao direito de usar esta língua, tem levado, nos últimos anos, muitas instituições a adotarem um modelo bilingue na educação dos alunos surdos. Neste modelo, a primeira língua é a de Sinais, que dará o arcabouço para o aprendizado da segunda língua, preferencialmente na modalidade escrita, que, por ser visual, é mais acessível aos alunos surdos. REFERÊNCIAS 67 MOURA, Maria Cecília de. O Surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA Maria Inês da Silva Vieira. Bilinguismo e Educação de Surdos. Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x PERLIN, Gladis T.T. Identidades surdas. In SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. 3ª. Edição, 2005. SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. 3ª. Edição, 2005. WILCOX, S h e r m a n WI L C O X; P h y l l i s P e r r i n . Aprender a ver: o ensino da língua de sinais americana como segunda língua. Tradução de Tarcísio de Arantes Leite. Editora Arara Azul, 2005 São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação Infantil e Ensino Fundamental : Língua Portuguesa para pessoa surda / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo : SME / DOT, 2008. capítulo 6 - A escola bilíngue para surdos [Skliar (1998:18) discute que são impróprias as três justificativas atribuídas ao fracasso escolar dos surdos, ou seja, aquelas que o relacionam aos próprios alunos surdos, aos professores ouvintes e aos métodos de ensino. Segundo esse autor, o fracasso escolar não é fracasso do surdo, é “...fracasso da instituição-escola, das políticas educacionais e da responsabilidade do Estado [...] A educação dos surdos não fracassou, ela apenas conseguiu os resultados previstos em função dos mecanismos e das relações de poderes e saberes atuais...” [fim Para refletir] [Provocação] O profissional surdo tem importância significativa no processo de aquisição da língua de sinais pelas crianças surdas, uma vez que, além de ser responsável pelos conteúdos programáticos, é visto como o 68 desencadeador de um ambiente linguístico que favorecerá a aquisição e o aprofundamento do conhecimento da língua de sinais pelos alunos e a sua aprendizagem pelos pais e pelos professores ouvintes ... Dada a sua importância, o profissional surdo deve fazer parte da equipe da escola e participar do planejamento das atividades, o que pode garantir que sejam respeitadas as condições peculiares dos Surdos de terem acesso ao mundo pela visão. PEREIRA e VIEIRA, 2009) De que forma trabalham juntos professor regente e professor surdo no modelo bilíngue? [fim provocação] O decreto Nº 5.626, DE 22 de dezembro de 2005, dispõe sobre a Libras – língua brasileira de sinais estabelece: Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 5o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngue. § 1o Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngue, referida no caput. § 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. Art. 6o A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de: I - cursos de educação profissional; II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de educação. § 1o A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos II e III. § 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. 69 Art. 7o Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis: I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação; II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação; III - professor ouvinte bilíngue: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação. § 1o Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina de Libras. § 2o A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério. O decreto federal é claro ao propor para pessoa surda um lugar como docente nos cursos universitários bem como no ensino infantil, fundamental e médio, vindo a consolidar a proposta bilíngue que necessariamente busca o profissional surdo atuar em todos os espaços escolares como o profissional de direito quanto a uso da língua de sinais 1 – O professor surdo Discutiremos este capítulo iniciando sobre a importância do surdo como professor no modelo de educação bilíngue porque retomamos a questão da identidade surda. Como visto no capítulo anterior, segundo Perlin (1998) são as seguintes as identidades surdas: Identidades Surdas: surdos que fazem uso da experiência visual Identidade política surda: consciência surda de ser definitivamente diferente e de necessitar de implicações e recursos completamente visuais. Filhos surdos de pais surdos. Identidades surdas híbridas: surdos que nasceram ouvintes. Captam a comunicação de forma visual, passam-na para a língua que adquiriram primeiro e depois para os sinais. É o caso da autora do texto. Identidade surda incompleta: surdos que vivem sobre a ideologia ouvintista latente e não conseguem romper as barreiras e resistir ao poder ouvintista. 70 Identidades surdas flutuantes: surdo consciente ou não de ser surdo que vivem na ideologia ouvintista. Não conseguem estar com surdos por falta da língua de sinais e estar com ouvintes por falta da língua oral. Dessa forma, se pensarmos que o professor surdo que atua na escola bilíngue tem uma dessas identidades, isto pode influenciar os alunos surdos. Os professores surdos, na sua diferença, apresentam diferentes identidades: identidade surda, híbrida e flutuante. Não existe uma identificação como homogeneização. O que se percebe, por meio deles, é que existe a diferença nas identidades ao se identificar com a cultura, identidade e língua de sinais, e eles continuam mantendo as suas identidades ao se vincularem aos outros. Os alunos podem se vincular pelo desejo que têm de identidade. Ainda é comum o professor ouvinte que está aprendendo a língua de sinais realizar os sinais na estrutura do Português, o chamado Português Sinalizado. Neste caso, fica difícil para as pessoas surdas entenderem a mensagem do conteúdo. A inserção de um professor surdo para ministrar aulas aos seus semelhantes seria a opção ideal além da língua; os alunos têm acesso à cultura, e espelham-se no professor como motivação de sucesso e percebem que o mundo dos vencedores não é só de pessoas não surdas. O professor surdo vai comparar a realidade das pessoas surdas com o conteúdo abordado, vai resgatar a história, situar no tempo, mostrar-lhes que o mundo a ser percebido é de infinitas possibilidades. Se o professor não for fluente em língua de sinais deverá contar com o intérprete. 2 – O intérprete de sinais Interpretação em sinais em sinais é uma habilidade construída sistematicamente e não se resume a uma simples tradução daquilo que se oraliza. Tomaremos como referência a publicação O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa / Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos Brasília : MEC ; SEESP, 2004. 94 p. : il. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.pdf.sso acesso em 10.09.12 O que envolve o ato de Interpretar? Envolve um ato COGNITIVO-LINGUÍSTICO, ou seja, é um processo em que o intérprete estará diante de pessoas que apresentam intenções comunicativas específicas e que utilizam línguas diferentes. O intérprete está completamente envolvido na interação comunicativa (social e cultural) com poder completo para influenciar o objeto e o produto da interpretação. Ele processa a informação dada na língua fonte e faz escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo que devem se aproximar o mais apropriadamente possível da informação dada na língua fonte. Assim sendo, o intérprete também precisa ter conhecimento técnico para que suas escolhas sejam apropriadas tecnicamente. Portanto, o ato de interpretar envolve processos altamente complexos. Quem é intérprete de língua de sinais? 71 É o profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do país e que é qualificado para desempenhar a função de intérprete. No Brasil, o intérprete deve dominar a língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Ele também pode dominar outras línguas, como o inglês, o espanhol, a língua de sinais americana e fazer a interpretação para a língua brasileira de sinais ou vice-versa (por exemplo, conferênciasinternacionais). Além do domínio das línguas envolvidas no processo de tradução e interpretação, o profissional precisa ter qualificação específica para atuar como tal. Isso significa ter domínio dos processos, dos modelos, das estratégias e técnicas de tradução e interpretação. 0 profissional intérprete também deve ter formação específica na área de sua atuação (por exemplo, a área da educação). Qual o papel do intérprete? Realizar a interpretação da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa observando os seguintes preceitos éticos: a) confiabilidade (sigilo profissional); b) imparcialidade (o intérprete deve ser neutro e não interferir com opiniões próprias); c) discrição (o intérprete deve estabelecer limites no seu envolvimento durante a atuação); d) distância profissional (o profissional intérprete e sua vida pessoal são separados); e) fidelidade (a interpretação deve ser fiel, o intérprete não pode alterar a informação por querer ajudar ou ter opiniões a respeito de algum assunto, o objetivo da interpretação é passar o que realmente é dito). O intérprete na sala de aula não é um elemento neutro é ator neste cenário da escola bilíngue, mesmo porque é impossível ser neutro em qualquer ação comunicativa interativa. O papel do intérprete em sala de aula é situar o aluno surdo no tempo e espaço facilitando a comunicação com todos. Porém, há que se ressaltar que o intérprete não tem por papel, dividir com o professor regente a responsabilidade da educação. Infelizmente o que ainda se encontra nos ambientes educativos de surdos, é o intérprete fazendo o papel do professor, porque este, principalmente por não dominar a língua de sinais fica impossibilitado de ensinar os conteúdos planejados. Ressalta-se ainda, que muitas vezes o intérprete também precisa explicar ao professor regente o que é a cultura surda e as especificidades do aluno surdo, para que este professor perceba as particularidades compreendendo as necessidades do seu aluno o surdo. O intérprete de língua de sinais na escola bilíngue representa o direito do surdo de aprender os conteúdos escolares na sua língua natural, assim, como os alunos ouvintes aprendem pela língua natural, que é a oral. O direito é o mesmo. O intérprete aumenta e potencializa as oportunidades de interação do aluno surdo com seus pares, e facilita com que os ouvintes que não conhecem a língua de sinais possam se comunicar com os surdos e aprender esta língua. 72 O intérprete deve, então, possuir excelente domínio das duas línguas em questão, a Língua de Sinais Brasileira e a Língua Portuguesa e as línguas sempre estão moldadas em seu aspecto cultural. O ministério de educação referenda: O intérprete especialista para atuar na área da educação deverá ter um perfil para intermediar as relações entre os professores e os alunos, bem como, entre os colegas surdos e os colegas ouvintes. No entanto, as competências e responsabilidades destes profissionais não são tão fáceis de serem determinadas. Há vários problemas de ordem ética que acabam surgindo em função do tipo de intermediação que acaba acontecendo em sala de aula. Muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula acaba sendo confundido com o papel do professor. Os alunos dirigem questões diretamente ao intérprete, comentam e travam discussões em relação aos tópicos abordados com o intérprete e não com o professor. 0 próprio professor delega ao intérprete a responsabilidade de assumir o ensino dos conteúdos desenvolvidos em aula ao intérprete. Muitas vezes, o professor consulta o intérprete a respeito do desenvolvimento do aluno surdo, como sendo ele a pessoa mais indicada a dar um parecer a respeito. 0 intérprete, por sua vez, se assumir todos os papéis delegados por parte dos professores e alunos, acaba sendo sobrecarregado e, também, acaba por confundir o seu papel dentro do processo educacional, um papel que está sendo constituído. Vale ressaltar que se o intérprete está atuando na educação infantil ou fundamental, mais difícil torna-se a sua tarefa. As crianças mais novas têm mais dificuldades em entender que aquele que está passando a informação é apenas um intérprete, é apenas aquele que está intermediando a relação entre o professor e ela. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.pdf. Acesso em 10.09.12. 3 – O professor bilíngue O professor deveria buscar um conhecimento paralelo, cultural, pedagógico, acerca da educação de surdos, conhecendo a cultura surda, as especificidades gramaticais da língua de ste.inais e principalmente usar as duas línguas separadamente. O professor precisa conquistar o espaço de mediador, confrontando os conhecimentos já consolidados com os que se propõe a ensinar, se em duas línguas de modalidades sensoriais diferentes. Isso exigirá do professor a fluência na Língua de Sinais ou, na falta desta, deverá contar com um intérprete. Como a Língua de Sinais se apresenta numa modalidade distinta das línguas orais ela está centrada no canal sensorial visual, no espaço visual, e o professor deve realizar estratégias de ensino com base no visual para desenvolver os conteúdos programáticos junto ao profissional surdo, e possibilitar a aprendizagem da modalidade escrita da língua majoritária, o português, que deverá ser trabalhada como segunda língua. 73 A Língua Portuguesa será apresentada na forma escrita, que, por ser totalmente acessível à visão, é considerada fonte necessária para que a criança surda possa construir suas habilidades na língua majoritária. Como afirmaram Pereira e Vieira (2009, p. 66): Além de fazerem parte do currículo as duas línguas – de sinais e a majoritária todas as disciplinas curriculares devem contemplar em seu conteúdo a história da educação de surdos, a história das comunidades, movimentos surdos, personagens importantes, cultura, artes, literatura, direitos e deveres dos surdos, contato com as línguas de sinais estrangeiras, enfim, as especificidades das comunidades surdas devem ser atendidas em todas as disciplinas curriculares. Visando ao aprendizado da Língua Portuguesa escrita, os alunos surdos devem ser apresentados ao maior número possível de textos, por meio de narrações repetidas e traduções. Além de traduzir os textos para a língua de sinais, o professor deverá explicar o seu conteúdo e características das duas línguas por meio da comparação. O professor deve ser capaz não apenas de fazer traduções apropriadas de textos e de partes de textos na língua de sinais e vice-versa, mas também de explicar e esclarecer para as crianças aspectos sobre a construção dos textos, esclarecendo o conteúdo nos textos e mostrar como o significado é expresso nas duas línguas. Isto vem de encontro á metodologia que busca ensinar uma outra língua por meio de aumento de vocabulário por palavras isoladas, desconectadas do texto, do diálogo e da significação dos conteúdo. A escola bilíngue enfrenta atualmente inúmeros desafios: Professor regente de classe sem conhecimento da cultura surda e sem fluência em língua de sinais; Adultos que falam ao mesmo tempo em que sinalizam, levando ao português sinalizado e impedindo o surdo de aprender a gramática real da língua de sinais; Abrir espaço para os pais conviverem com surdos adultos, usuários da língua de sinais, e oferecer cursos com professores/instrutores surdos; Elaboração do plano educacional do aluno surdo pelo grupo de profissionais responsáveis por esta educação, que não pertence exclusivamente ao professor regente, mas que tem, também, que incluir o professor surdo e o intérprete. 74 Experiência exitosas existem e começam a aumentar gradativamente, consolidando o modelo bilíngue e bicultural. Vamos fazer parte de mais um sucesso na educação dos surdos. Praticando Reflita e comente sobre a seguinte afirmação: “A educação de surdos na perspectiva bilíngue toma uma forma que transcende as questões puramente linguísticas. Para além da língua de sinais e do português, esta educação situa-se no contexto da garantia de acesso e permanência na escola. Essa escola está sendo definida pelos próprios movimentos surdos: marca fundamental da consolidação de uma educação de surdos em um país que se entende equivocadamente monolíngue. O confronto se faz necessário para que se construa uma educação verdadeira: multilíngue e multicultural. Assim, no Brasil, o “bi” do bilinguismo apresenta outras dimensões. (QUADROS, 2008,p. 35)” 75 PARA (NÃO) FINALIZAR Para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de surdos representa questões políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, a educação dos surdos, em uma perspectiva bilíngue, deve ter um currículo organizado em uma perspectiva visual-espacial para garantir o acesso de todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, a língua de sinais brasileira. É a proposição da inversão, assim, está-se reconhecendo a diferença. A língua passa a ser, então, o instrumento que traduz todas as relações e intenções do processo que se concretiza através das interações sociais. Os discursos em uma determinada língua serão organizados e, também, determinados pela língua utilizada como língua de instrução. Ao expressar um pensamento em língua de sinais, o discurso utiliza uma dimensão visual que não é captada por uma língua oral-auditiva, e, da mesma forma, o oposto é verdadeiro. Além desse nível de representação linguística, os discursos vão expressar relações de poder. Ao opta-se por manter a língua portuguesa como a língua referencial da educação dos surdos, já se tem início das intenções repassadas em função dos efeitos sociais que se observam. Assim, prestar atenção nos interlocutores dos alunos surdos também passa a apresentar papel crucial, pois os discursos reproduzidos nas línguas utilizadas representam as relações existentes na escola. (QUADROS, 2008, p. 35) REFERÊNCIAS MOURA, Maria Cecília de. O Surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA; Maria Inês da Silva. Bilinguismo e Educação de Surdos. Revista Intercâmbio, volume XIX: 62-67, 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x PERLIN, Gladis T.T. Identidades surdas. In SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. 3ª. Edição, 2005. QUADROS, Ronice Muller. O “BI” em bilinguismo. na educação de surdos. IN FERNANDES, Eulália (org). Surdez e bilinguismo. 2ª. ed.. Porto Alegre: Mediação, 2008. SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação. 3ª. Edição, 2005. WILCOX, S h e r m a n WI L C O X; P h y l l i s P e r r i n . Aprender a ver: o ensino da língua de sinais americana como segunda língua. Tradução de Tarcísio de Arantes Leite. Editora Arara Azul, 2005 76 São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação Infantil e Ensino Fundamental : Língua Portuguesa para pessoa surda / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo : SME / DOT, 2008. 77