0 UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS – LÍNGUA INGLESA E RESPECTIVAS LITERATURAS “O PROCESSO DE AQUISIÇÃO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS E O BILINGUISMO” CELINA ELIANE FRIZZO Ijuí – RS 2013 1 CELINA ELIANE FRIZZO “O PROCESSO DE AQUISIÇÃO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS E O BILINGUISMO” Monografia apresentada à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa e Respectivas Literaturas. Orientadora: Taíse Neves Possani Ijuí – RS 2013 2 AGRADECIMENTOS Agradeço a ajuda da minha querida professora e orientadora Taíse, pela dedicação ao meu trabalho, pela paciência e por sempre ter me incentivado a fazer um bom trabalho. Agradeço aos demais professore, a meus familiares pela compreensão que tiveram durante o período ao qual me dediquei a este trabalho e o apoio que me deram durante os anos da faculdade. Aos meus colegas que foram um apoio e motivação para todas as horas; e a Deus por ter me dado forças para nunca desistir. Dedico a todos esta conquista com muita gratidão. 3 RESUMO A busca pelo domínio de uma segunda língua por parte de adultos e crianças vem aumentando cada vez mais. O domínio de uma segunda língua leva o indivíduo a se tornar um indivíduo bilíngue. Com base nisso, o objetivo deste estudo é apresentar as principais teorias de aquisição de língua e conceituar o termo bilíngue, bem como esclarecer outros aspectos que englobem o tema como educação bilíngue e o possível desenvolvimento cognitivo e cerebral de uma pessoa que se comunica e domina mais de uma língua. Para tanto será feito um estudo bibliográfico com os principais autores sobre o tema. Assim, ao explanarmos as teorias de aquisição de língua constatamos que a teoria de Stephen Krashen e suas cinco hipóteses é a teoria que melhor nos explica o processo de aquisição e aprendizagem de línguas, processos esses que são conceituadas e diferenciadas pelo autor. Já no que diz respeito ao bilinguismo, relatamos sua origem e expomos seus vários conceitos, chegando à conclusão de que um indivíduo bilíngue é aquele que consegue comunicar-se em mais de uma língua, dentro ou fora de sua comunidade linguística. E finalizando, encontramos pesquisas e evidencias que nos mostram que existem de fato vantagens cognitivas e cerebrais em indivíduos que são bilíngues. Desta forma, contribuímos para o estudo sobre segunda língua e o recente estudo sobre bilinguismo. Palavras-chave: aquisição; aprendizagem; bilinguismo; cognição; segunda língua. 4 ABSTRACT The search by dominance of a second language by adults and children has increasing more and more. The dominance of a second language carries the individual to become bilingual individual. Basing on this, the goal of this study is to present the main theories of language acquisition and to conceptualize the bilingual term, as well as clarify the other aspects that encompass the theme as bilingual teaching and the possible cognitive and cerebral development of a person that communicates and domains more than one language. For both it will be done a bibliographic study with the main authors of the theme. Thus, explaining the theories of language acquisition we find that the theory of Stephen Krashen and his five hypotheses is the theory that better explains the language learning and acquisition process, which are reputable and differentiated by the author. Yet what talks about bilingualism, we relate its origin and shows its several concepts, drawing conclusion that a bilingual individual is the one who can communicate in more than one language, inside or outside his/her linguistic community. And ending, we find researches and evidence which show us that there are in fact cerebral and cognitive advantages in bilingual individuals. So we contribute for the study about second language and the recent study about bilingualism. Keywords: acquisition, learning, bilingualism, cognition; second language. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6 1 AQUISIÇÃO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS ....................................................................................... 9 1.1 CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES A RESPEITO DA SEGUNDA LÍNGUA ...... 10 1.2 BEHAVIORISMO ................................................................................................ 12 1.3 INATISMO ........................................................................................................... 13 1.4 INTERACIONISMO ............................................................................................. 14 1.5 TEORIA STEPHEN KRASHEN ........................................................................... 17 1.5.1 A Distinção entre Aquisição e Aprendizagem .............................................. 18 1.5.2 Da Ordem Natural ........................................................................................... 20 1.5.3 Do Input .......................................................................................................... 21 1.5.3.1 Características de um Ótimo Input ................................................................ 22 1.5.4 Do Monitor ...................................................................................................... 23 1.5.5 Do Filtro Afetivo ............................................................................................. 24 1.5.6 Demais Aspectos Importantes da Teoria de Krashen ................................. 25 2 O BILINGUISMO ................................................................................................... 27 2.1 ORIGEM DO BILINGUISMO ............................................................................... 27 2.2 DEFINIÇÃO DO TERMO BILÍNGUE ................................................................... 31 2.3 EDUCAÇÃO BILÍNGUE ...................................................................................... 37 3 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E CEREBRAL DE UM INDIVÍDUO BILÍNGUE ................................................................................................................. 41 3.1 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO.................................................................... 41 3.2 DESENVOLVIMENTO CEREBRAL .................................................................... 44 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 50 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 52 6 INTRODUÇÃO O ser humano nasce depois de aproximadamente 36 semanas de gestação. Este recém-nascido necessita de muitos cuidados por parte de um indivíduo adulto, pois diferentemente dos animais, que nascem de forma acabada, o ser humano nasce de forma a ser desenvolvida. Muitas são as necessidades deste novo “ser”, muitos são os aspectos a serem desenvolvidos, como aprender a gatinhar, caminhar e desenvolver uma linguagem. Para o desenvolvimento desta linguagem, que se realizará ao longo de sua vida, é necessário aprender a usar os signos linguísticos 1 da sociedade a qual pertence, podendo assim comunicar-se com os demais indivíduos. De acordo com Vygotsky (2009, p. 63) “... a função primordial da linguagem é comunicar, relacionar socialmente, influenciar os circundantes tanto do lado dos adultos quanto do lado da criança”. Assim, a linguagem nos dá o poder de trocar ideias, histórias, fatos e relatar nossos acontecimentos sem ter a necessidade da presença do objeto ou pessoa da qual estamos falando. Para este autor a função que a linguagem exerce é que nos distancia da forma animal e o que nos torna superiores em relação às demais espécies do reino, embora saibamos que existam formas de comunicação entre alguns animais, como, por exemplo, as abelhas, as formigas e podemos até dizer que um deles, o macaco 2, se parece muito conosco, porém nenhum deles desenvolve o signo linguístico como a espécie humana, ou seja, a linguagem é aquilo que nos torna humano, uma atividade só do homem, que o auxilia na organização de seu mundo. 1 O signo linguístico é a união do significado a um significante. Na obra A construção do pensamento e da linguagem (2009) de Vygotsky, podemos encontrar pesquisas feitas com chimpanzés em relação ao desenvolvimento da linguagem. 2 7 A linguagem nos faz interagir, é utilizada para comparar, lembrar-se de algo. Segundo Cagliari (2006), a função comunicativa da linguagem nem sempre será comunicar, podemos apenas informar. Ainda, segundo este autor, a linguagem pode ser usada como maneira de omitir uma verdade, ela pode dar informações errôneas, e pode ofender uma pessoa. Assim, é seu usuário que retêm poder sobre seu uso e fazendo dela ferramenta para determinados fins. A linguagem pode inclusive, estabelecer relações de poder. Segundo Cagliari (2006), a linguística “está voltada para a explicação de como a linguagem humana funciona e de como são as línguas em particular...”. Ela pode, segundo ele, realizar um trabalho descritivo ou pode contribuir com outras áreas, como ciências e artes. A Linguística se volta mais ao uso da língua pelo falante e seus demais aspectos. Desta maneira percebemos que a linguagem é algo extremamente importante na vida humana, uma necessidade sem a qual não saberíamos dizer como seria nossa vida, nossa sociedade. De acordo com Vygotsky (2009), pensando em fatores de necessidade, do que parte da linguagem e pensando nos dias atuais, o que percebemos acerca da linguagem é a questão do domínio de uma segunda língua. Atualmente a busca pelo domínio de uma segunda língua vem apresentando um grande crescimento. Mas qual seria o motivo disso? Como vimos a função da linguagem é a comunicação, assim se ao dominarmos nossa língua materna nos comunicamos com que a sociedade a qual pertencemos, uma segunda língua fará com nossa comunicação se amplie para sociedades além da qual estamos inseridos. Podemos também afirmar, que outro motivo que influencia a busca por uma língua estrangeira é a globalização. Com certeza, a comunicação mundial através da internet, as novas tecnologias, a facilidade de acesso a outras nações, tem causado essa necessidade. A população tem percebido que o domínio de uma língua franca, estreita relações, sejam elas de amizade com o intuito de conhecer novas pessoas, seja para ter relações comerciais internacionais, do que, como percebemos através de notícias e situações diárias, veem crescendo muito. A pessoa que domina uma segunda língua vem sendo muito mais valorizada e requisitada quando falamos em empregos. Ter no currículo o domínio de uma segunda língua já não é algo a mais e sim uma exigência. Devido a tudo que falamos até agora, a língua estrangeira é oferta obrigatória nas escolas, em todo o território brasileiro, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 8 (LDB), ou seja, está presente em praticamente todas as salas de aula, pois é evidente que preparar o aluno para atuar na sociedade, é, além de ensinar-lhe conteúdos como matemática, português, é ensinar lhe uma segunda língua. Quando falamos em ensino de língua estrangeiras remetemos nossos pensamentos ao que fora dito até então. Porém o que nos instiga são outros aspectos, aspectos mais profundos, com vistas no processo de aprendizagem de uma segunda língua e o que este desencadeia no indivíduo bilíngue. Nosso principal objetivo é verificar qual é o processo de aquisição/aprendizagem de uma segunda língua e quais os principais aspectos referentes ao bilinguismo (processo consequente da aprendizagem de mais de uma língua), como expor sua origem, seu conceito, e se existem benefícios cognitivos e cerebrais. Para isso, faremos uso de uma pesquisa bibliográfica, buscando trazer os principais autores relacionados ao tema deste trabalho. 9 1 AQUISIÇÃO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS Como já fora dito, a linguagem possui um papel importante em nossas vidas. Muitos estudos já foram realizados nesta área, e o que trataremos neste capítulo, são as teorias sobre o aprendizado de línguas que foram elaboradas e propostas ao longo do tempo, influenciadas pela linguística, ciência que como já sabemos se ocupa de estudar a linguagem, e pela psicologia. De acordo com Schütz (2007) “as abordagens ao ensino de línguas se sucedem ao sabor das tendências de cada época.” Nosso olhar se dará com mais ênfase no que tange ao ensino de uma segunda língua, visto que, nosso objetivo maior é entender como que aprendemos uma segunda língua. Segundo Ligthbown & Spada (1999, p. 13) “in fact, one of the significant findings of second language acquisition research has been that there are important similarities between first and second language acquisition3.” (grifos nossos) Dessa maneira não teríamos como falar em aquisição de segunda língua, sem falar desse processo em primeira língua, visto que são muito parecidos. Em relação às diversas abordagens 4 elaboradas até então, Chomsky (1998, p. 20) nos diz que “essas abordagens não se conflitam, elas se beneficiam mutuamente”. Cada abordagem define seu objeto de estudo e suas necessidades de pesquisa, e acrescenta-se do estudo de outras abordagens. Nosso estudo se deterá a falar sobre algumas abordagens: Behaviorismo, Inatismo e Interacionismo. Complementando o que já fora dito, Há diversas perspectivas sob as quais o aprendizado de uma língua seja ela a língua nativa ou a estrangeira, tem sido observada. As investigações de cunho linguístico tendem a escudar os mecanismos genéticos para a aquisição da linguagem (denominados “Gramática Universal”). As teorias comportamentais argumentam que a associação, a repetição e a imitação são fatores que viabilizam a aquisição da língua, e, portanto, se voltam para observações que deem conta da implementação de tais fatores como forma de provar suas crenças. As teorias cognitivistas, por sua vez, ressaltam a aquisição de esquemas, regras estruturais e significados são as características que definem o aprendizado de uma língua. (GALEFFI, 2003, p. 37). 3 As traduções serão feitas pela autora ao longo do texto (TP): "Na verdade, um das significativas descobertas da pesquisa em aquisição de segunda língua tem sido de que há semelhanças importantes entre aquisição da primeira e de segunda”. 4 O termo teoria é aqui substituído pelo termo abordagem, podendo usar hora um, hora outro. 10 Ainda, para além das teorias já referidas, trabalharemos com a teoria de Krashen, para a qual daremos maior ênfase, pois, acreditamos que esta nos explica mais detalhadamente esse processo, e por estar mais voltado à aquisição de segunda língua. Este estudo será baseado principalmente na perspectiva da obra How Languages are Larned de Ligthbown & Spada (1999). 1.1 CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES A RESPEITO DA SEGUNDA LÍNGUA Existem muitos casos de pessoas que, já na infância, aprenderam duas línguas, algumas inclusive, aprendem duas línguas ao mesmo tempo. Muitas pessoas acreditavam que isso não seria bom para as crianças, pois isso faria com que a criança confundisse as línguas, ou que não conseguiria aprofundar seus conhecimentos em nenhuma delas. Até hoje, existem pessoas que pensam assim. Devido a isso achamos importante esclarecer alguns desses equívocos, e baseados no estudo e na própria colocação de Ligthbown & Spada (1999). Em relação ao fato de se aprender duas línguas em um mesmo tempo as autoras defendem a ideia de que: The evidence suggests that, when simultaneous bilinguals are in contact with both languages in a variety of settings, there is every reason to expect that they will progress in their development of both languages at a rate and in a manner which are not different from those of monolingual children 5. (LIGTHBOWN & SPADA, 1999, p. 03). Assim, não há motivos para não desafiar e não encorajar uma criança a falar duas línguas. As autoras ainda expõem questões que afirmam isso ainda mais. Para elas quando uma criança aprende uma língua em seu ambiente familiar, e é por meio desta que sabe se comunicar, ao frequentar uma escola onde se fala outra língua, a criança recebe um “corte” em sua primeira língua. Isso fará com que ela perca a linguagem da família sem tê-la dominado. Desta forma, ela não estará dominando a segunda língua e não continuará a desenvolver a primeira. 5 TP: A evidência sugere que, quando bilingues simultâneos estão em contacto com ambos os idiomas em uma variedade de configurações, existe muitas razões para esperar que eles irão avançar no desenvolvimento de ambas as línguas, a um ritmo e de um modo que não são diferentes das crianças monilingues. 11 Por parte da escola, ainda será pedido que os pais parem de falar a língua que falam em casa e se concentrem na “nova língua” desta criança, que é a majoritária. Nestes casos, porém, é importante que a família continue falando entre si a língua materna6, para pelo menos a criança manter a compreensão da mesma. Não há evidências de que o cérebro infantil tenha capacidades ilimitadas, de forma que o conhecimento de uma língua não diminuiria a aprendizagem de uma nova língua, ou seja, nem a criança, nem o adulto, esqueceriam os conhecimentos que já adquiriu em uma língua ao aprender outra. Crianças que têm oportunidades de aprender múltiplas línguas e mantê-las em suas vidas devem ser encorajadas a aprendê-las, sendo o mesmo caso para adultos. A aprendizagem entre crianças e adultos difere em alguns pontos, pois crianças normalmente aprendem sem objetivos, sem benefícios e sem os conhecimentos sobre a língua que um adulto já possui. Além disso, crianças não apresentam nervosismo ao tentarem usar a nova língua e não se preocupam com os erros ocorridos. Já adultos e adolescentes consideram a tentativa de fala, muitas vezes, uma ação estressante quando não conseguem proferir sentenças claras e corretas. Crianças tendem a se “arriscar” mais na nova língua, enquanto aprendizes mais velhos tendem a permanecer por um tempo em silêncio até terem de ser forçados a falar. (Ligthbown & Spada, 1999). As autoras alertam que para se desenvolver uma nova língua, é necessário já ter pelo menos adquirido uma língua. Este prévio conhecimento pode ser vantajoso em matéria de que o aprendiz já sabe como uma língua funciona. Por outro lado, deve-se perceber que o conhecimento de outra língua pode conduzir os aprendizes a fazer suposições incorretas sobre como a segunda língua funciona. Contudo, de acordo com Ligthbown & Spada (1999, p. 03) “there seems to be little support for the myth that learning more one language in early childhood slows down the child’s linguistic or cognitive development.7” Estas informações foram aqui colocadas para situar o leitor sobre o que o acontece com indivíduos que aprendem duas línguas e, já de antemão, esclarecer que a aprendizagem de mais de uma língua não é de forma alguma prejudicial a este ser. 6 Também chamada língua familiar. "Parece haver pouco apoio para o mito de que aprender mais um idioma na primeira infância retarda o desenvolvimento linguístico e cognitivo da criança." 7 12 A seguir serão abordadas as três principais teorias de aquisição da linguagem. Segundo Schütz (2007), “muitas teorias sobre aprendizado de línguas já foram propostas, sempre diretamente influenciadas por duas ciências: a da linguística e a psicologia.” Essas abordagens atendem as especificidades da época em que foram elaboradas. Serão descritas as seguintes teorias: o Behaviorismo, o Inatismo e o Interacionismo. 1.2 BEHAVIORISMO Em meados da década de 40 e 50 surge principalmente nos Estados Unidos, o behaviorismo, tendo como seu maior representante Skinner. Essa teoria afirmava que a aprendizagem de uma língua é o resultado de imitação (Ligthbown & Spada, 1999). Para os behavioristas qualquer aprendizagem é resultado da formação de hábitos, e isso acorre através de estímulo – resposta – reforço (ou a equação E R R). Para eles, o indivíduo recebe um estímulo do meio (de outro falante, por exemplo). Este estímulo faz com que haja uma resposta, se esta resposta estiver correta o indivíduo é encorajado a repeti-la até que a domine. Caso o indivíduo produza um erro ao invés do acerto, este será corrigido. Segundo a obra Abordagens, Métodos e Perspectivas Sócio Interacionistas do curso de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP de São Paulo, o aprendizado linguístico, para essa teoria, é análogo a qualquer outro aprendizagem que o indivíduo necessite. Assim, pela paráfrase do exemplo da obra Abordagens, Métodos e Perspectivas, podemos entender que se uma criança em processo de aprendizagem de uma língua dizer “mamam” e o adulto lhe trouxer um prato com comida ela aprenderá que toda vez que quiser comer terá que dizer “mamam”. A isto se compara então, ao estímulo, resposta e reforço. Já se ela ao se referir ao “dvd”, no caso ao disco de vídeo, e ela falar “cvd” será corrigida, por dar como resposta um erro, não recebendo o reforço. De acordo com Ligthbown & Spada “... when parents do correct errors, children often ignore the correction, continuing to use their own ways of saying things8.” 8 TP: “... quando os pais corrigem os erros, as crianças frequentemente ignoram a correção, continuando a usar sua própria maneira de falar as coisas”. 13 Para essa teoria segundo as mesmas autoras, Ligthbown & Spada, é mais fácil de aprender uma segunda língua que seja semelhante à língua materna. Do mesmo modo quando uma língua apresenta muitas diferenças, o aprendiz encontrará maior dificuldade em aprendê-la. Segundo Figueiredo (1995, p. 48) esta abordagem pode usar de técnicas de repetição exaustivas e intensivas de estruturas e exercícios de substituição, que promovem o estabelecimento de novos hábitos necessários para se aprender uma segunda língua. É através dessas incansáveis repetições que o aprendiz deixa de produzir erros. Esse tipo de exercício aparece até hoje em livros de aprendizagem de línguas, acreditando-se ainda que é a repetição que fará o indivíduo a aprender uma nova língua. Contudo, essa abordagem é uma explicação incompleta da aquisição da segunda língua e mesmo da aquisição da língua materna. (Lightbown & Spada, 1994, p. 25 apud Figueiredo, 1995, p.48). O aluno, segundo Figueiredo (1995, p. 48) “aprende com a experiência, mas não somente da experiência, como comprovam tantas outras teorias” as quais veremos mais adiante. Além do que fora citado, o que mais deixa a desejar nesta abordagem é o fato de que, como um indivíduo é capaz de elaborar ou produzir, sentenças que nunca ouviu antes. Se um aprendiz falasse somente o que é repetido, a aprendizagem de uma nova língua seria um processo muito mais longo que o habitual. Ainda, nesta abordagem, o professor é o centro da aprendizagem, não interessa a história, a cultura, os hábitos e os conhecimentos que o aprendiz já adquiriu anteriormente. Tudo que o professor diz está correto, e não há possibilidade de críticas ou reflexões. 1.3 INATISMO Noam Chomsky afirma, segundo Ligthbown & Spada, (1999, p. 15) “... that children are biologically programmed for language develops in the child in just the same way that other biological functions developed 9.” O ato de desenvolver uma língua é para ele como o ato de aprender a caminhar, tendo para isso um período 10 9 “... que as crianças são biologicamente programadas para desenvolver uma língua na infância da mesma maneira que o desenvolvimento de outra função biológica...”. 10 Período que Chomsky nomeia como “critical period”. 14 determinado para acontecer. Para Chomsky, a aquisição de uma língua é inato ao aprendiz, o qual nasce pré-disposto a adquirir uma língua. Porém é necessário que o ambiente em que este aprendiz está situado lhe dê base e condições, ai sim este desenvolverá uma língua. (Ligthbown & Spada, 1999, p. 16) O linguista em sua abordagem concebe a Gramática Universal (G.U), que seria uma pré-programação presente em um lugar no cérebro, com princípios que são comuns à linguagem. De acordo com Galeffi (2003, p. 43) é graças a G.U que “as crianças são capazes de criar representações mentais que ultrapassam o discurso que ouvem, e se assemelham muito às representações dos falantes da mesma língua.” É devido a isso, que as crianças produzem enunciados que nunca ouviram. Chomsky (1998) considera a linguagem como um “órgão da linguagem”, ou seja, assim como o ser humano nasce com demais órgãos que são fundamentais para sua existência, assim ocorra com a linguagem. Este órgão para ele, não poderia ser removido de um corpo. De acordo com Ligthbown & Spada, (1999) a teoria inatista não faz especificações claras a cerca da aprendizagem de uma segunda língua. Contudo, muitos linguistas explicam que a G.U é a melhor perspectiva para a aquisição de uma segunda língua. Já outros, afirmam que a G.U não guiaria a aquisição em indivíduos que passaram do período crítico para esta aquisição. Os inatistas, não veem o erro como um benefício. Para eles, na aprendizagem de uma segunda língua, a correção dos erros e informações metalinguísticas não mudariam e não afetariam profundamente o conhecimento sistemático da língua. 1.4 INTERACIONISMO A terceira teoria é representada pelo filósofo e psicólogo suíço Jean Piaget (1896 - 1980). Ele procurou observar crianças e lactentes 11 em suas brincadeiras e interações com adultos. Ele traçou o desenvolvimento cognitivo compreendendo as coisas como permanência do objeto. Os interacionistas se preocupam mais com o 11 Crianças que já não são recém-nascidos, http://www.dicionarioinformal.com.br/lactente/ com até dois anos de idade. Fonte: 15 ambiente do que os inatistas, ambiente que forneça amostras da língua que se vai aprender. Para os interacionistas “... language acquisition focusses on the role of the linguistic environment in interaction with the child’s innate capacities in determining language development.12” (Ligthbown & Spada, 1999, p. 22). Assim, o que esta teoria nos diz é que o desenvolvimento da linguagem está voltado ao ambiente. Em suma, a linguagem é o resultado de uma ação complexa entre exclusivamente as características humanas e o ambiente em que ela se desenvolve. Piaget, de acordo com Ligthbown & Spada (1999), não via a língua como base num módulo na mente como Chomsky. Para ele a linguagem se desenvolve na infância e pode ser usada para representar o conhecimento que a criança tem adquirido com a interação física no seu ambiente. Constatamos isso na afirmação “the developing cognitive understanding is built on the interaction between the child and the things which can observed, touched and manipulated 13” feita por Ligthbown & Spada (1999, p. 23). Essa teoria anos mais tarde, ganha a contribuição de Lew Vygotsky (18961934), intelectual russo, que trabalhou na União Soviética, o qual possuía um amplo e diversificado conhecimento, atuando em áreas da psicologia, educação, medicina, direito, filosofia entre outras. Sua teoria também pode ser encontrada como teoria socioconstrutivista, sociointeracionismo entre outros. Segundo Ligthbown & Spada (1999, p. 23), “... Vygostky’s view differs from Piaget.”14 Piaget admitiu a hipótese do desenvolvimento da língua como um sistema de símbolos para expressar o conhecimento adquirido através da interação com o mundo do físico. Já para Vygotsky o pensamento era essencialmente o discurso internalizado, e esse discurso emerge com a interação social. Devido a isso, podemos dizer que Vygotsky conclui que, o desenvolvimento da linguagem dá-se na interação social. Em outras palavras, ele estruturou um sistema de pensamento tendo como base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. 12 TP: "... aquisição da linguagem enfoca o papel do ambiente linguístico em interação com capacidades inatas da criança para determinar o desenvolvimento da linguagem”. 13 “a compreensão cognitiva do desenvolvimento baseia-se na interação entre a criança e as coisas que pode ser observado, tocado e manipulado.” 14 TP: “... a visão de Vygotsky difere de Piaget”. 16 Vygotsky referred to what the child could do in a supportive interactive environment, the child is able to advance to a higher level of knowledge and performance than he or she would be capable of independently. Vygotsky referred to what the child could do in interaction with another, but not alone, as the child’s zone of proximal development. He observed the importance of conversations which children have with adults and with other children and saw in these conversations the origins of both language and thought 15 (Ligthbown & Spada, 1999, p. 23) O que fora dito acima reforça o que vinha sendo mostrado e nos fala ainda sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal que como fora dito é o intervalo entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela faz com a ajuda de outro indivíduo. É nesse espaço que o professor atua, criando situações para que a criança avance em seus conhecimentos permitindo que ela faça sozinha, o que antes só conseguiria fazer com a ajuda de um adulto. Um fato interessante é citado na obra Abordagens, Métodos e Perspectivas16: Piaget e Vygotsky convergem em vários aspectos de seus estudos. Como Vygotsky teve uma morte prematura e sua obra foi traduzida para o mundo ocidental tardiamente, Piaget somente leu os estudos de Vygotsky muito depois da morte desse estudioso. Tal fato não ocorreu com Vygotsky, que conheceu e leu a obra de Piaget. Por isso que, o que fora dito por Vygotsky em relação ao Piaget era uma correção do que este último havia postulado. Desta forma, resumidamente, a teoria sociocultural de Vygotsky assume que a aquisição ocorre na interação do aprendiz e do interlocutor, ao passo que outros modelos interacionistas assumem que a entrada (input) modificada, fornece ao aprendiz materiais linguísticos que são processados internamente e invisivelmente (Ligthbown & Spada, 1999, p. 44). 15 TP: "Vygotsky se refere ao que a criança poderia fazer em um ambiente interativo de apoio, a criança é capaz de avançar para um nível mais elevado de conhecimento e desempenho do que ele ou ela seria capaz de forma independente. Vygotsky se refere ao que a criança pode fazer na interação com o outro, mas não só, como zona de desenvolvimento proximal da criança. Ele observou a importância das conversas que as crianças têm com os adultos e com outras crianças e viu nessas conversas as origens da língua e pensamento”. 16 Livro do curso de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP de São Paulo. 17 1.5 TEORIA STEPHEN KRASHEN Por volta da década de 80, o norte americano Stephen Krashen traz ao ensino de línguas, contribuições muito significativas e que mostram uma nova forma de pensar como um indivíduo aprende ou adquire uma língua. Como já fora dito, este estudo buscará detalhar esta teoria, visto que, nos dias atuais é ela que melhor define e elabora o estudo de aquisição e aprendizagem de uma segunda língua. Antes de iniciarmos a explanação desta teoria, gostaríamos de relatar duas histórias que Schütz (2007) nos conta sobre a aprendizagem de línguas e que nos mostrará a linha de pensamento de Krashen. A primeira delas17 nos conta a história de François Gouin, homem de meia idade que resolve aprender a falar alemão. Ele vai passar um período em Hamburgo, onde reside por um ano. Para aprender a nova língua, François se aprofunda numa série de tentativas de dominar o idioma através do estudo de gramáticas e decoreba. Chegando a Hamburgo, para sua decepção, François não entendia uma palavra que lhe era dirigida. De volta aos estudos, ele decora ainda mais listas de verbos e palavras, faz inúmeras traduções, porém, em nova tentativa, o resultado fora o mesmo. Assim, ele aceita o fracasso de um ano de estudo e retorna para casa. Contudo, ao retornar, ele descobre que seu sobrinho de três anos, durante o período que esteve fora, havia aprendido a falar, deixando de ser um neném sem expressão verbal. François questiona-se então: como seria isso possível? O segundo relato, muitos leitores que pesquisam sobre o tema de aquisição de língua já devem ter ouvido. Duas pessoas com as mesmas características (mesma idade, motivação, prévio conhecimento de língua...) resolvem aprender um novo idioma, o inglês. Uma delas se matriculou em um renomado cursinho de idiomas, e a outra foi morar com uma família para lá se envolver com alguma atividade. Passado algum tempo, as pessoas são questionadas a respeito de como anda o novo idioma. A resposta que temos do primeiro é de que o curso é bom, já avançou alguns níveis, aprendeu palavras e regras, mas na hora de produzir enunciados, sente-se trancado e limitado. 17 História que o autor traduz da Obra The Art of Learning and Studying Foregn Languages, de Brown, 1880, p. 43). 18 Já a segunda pessoa, depois de cerca de seis a doze meses de convívio, dá a seguinte resposta a mesma pergunta: de que desenvolveu uma boa fluência, pensa em inglês e se sente a vontade na presença de estrangeiros. Não reconhece, contudo, as regras do Perfect Tense, mas consegue usá-lo em suas conversas. Essas histórias como essas, é que embasam os estudos de Krashen. A bibliografia deste linguista compreende cerca de 350 trabalhos e livros publicados. Tornou-se mundialmente conhecido por formular a teoria de Aquisição de Segunda Língua, a qual de acordo com Ligthbown & Spada (1999), tem tido uma boa influência na prática de ensino de língua estrangeira. Segundo este mesmo autor, Krashen reivindica que sua pesquisa encontra um número diferente de domínios que constituem suas hipóteses, que são as seguintes; a primeira “a distinção entre aquisição e aprendizagem”, a segunda, “da ordem natural”, a terceira, “do input”, a quarta hipótese, “do monitor”, e a última hipótese, “do filtro afetivo”. A popularidade de seu trabalho faz com que muitos teóricos tomem o seu modelo como base para suas teorias e a criação de métodos e abordagens mais eficazes. (Oliveira, 2011, p. 336) A seguir iremos apresentar cada uma delas. Para esta apresentação, nos guiaremos, novamente, pela obra How Languages are Larned de Ligthbown & Spada (1999), além do trabalho de tradução do livro Principles and Practice in Second Language Acquisition? de Stephen D. Krashen, feito por Dr. José Carlos Paes de Almeida Filho18; obra de José Quaresma de Figueiredo19, e do trabalho de Marília Oliveira Varques Calegari20, além de outros trabalhos realizados nesta área. 1.5.1 A Distinção entre Aquisição e Aprendizagem Para Krashen há duas maneiras para o aprendiz desenvolver o conhecimento em língua estrangeira: a aquisição e a aprendizagem (Ligthbown & Spada, 1999). Essa hipótese baseia-se na ideia de que aquisição e aprendizagem são dois fenômenos diferentes de origem e com finalidades diferentes, podendo 18 Livre docente – IEL – Unicamp – Campinas – SP. Texto disponível em: http://www.doneforyou.com.br/padrao.aspx?texto.aspx?idcontent=240&idContentSection=1836 19 Mestre em linguística pela Universidade Federal de Goiás. Professor assistente do departamento de letras da UFG. Texto disponível em: www.revistas.ufg.br/index.php/sig/article/viewFile/7380/5246. 20 Texto disponível em: http://www.iel.unicamp.br/revista/index.php/tla/article/view/1962/1536 19 ocorrer simultaneamente (Almeida Filho, 2011), porém a aprendizagem não gera aquisição. A aquisição segundo Almeida Filho, ... É um processo que ocorre a nível do subconsciente, funcionando pôr força de necessidade de comunicação enquanto impulso vital, uma função que o cérebro não pode evitar de cumprir ao ser exposto aos impulsos auditivos identificados como mensagem codificada em língua. A aquisição da segunda língua para Ligthbown & Spada (1999) dá-se da mesma maneira que adquirimos a primeira língua, e para isso é necessário amostras da língua que entendemos. Já aprendizagem, de acordo com Almeida Filho, “significa saber as regras, ter consciência delas, poder falar sobre elas, exigindo, portanto, um esforço consciente.” Desta forma, a aquisição tem haver em “saber” usar a língua enquanto a aprendizagem fala “sobre” a língua. Krashen considera a aquisição como um processo mais importante, pois para ele somente adquirindo uma língua é que teremos fluência nela. (Ligthbown & Spada, 1999) Assim, a aquisição se daria em um ambiente de imersão do sujeito que deseja desenvolver uma nova língua. Seria o caso de pessoas que buscam por experiências fora do seu país de origem. A aprendizagem, por sua vez, é o processo que se dá dentro de uma sala de aula, onde se tem pequenas amostras da língua e mais ênfase em regras gramaticais. Por isso que existem indivíduos que dominam uma segunda língua sem conhecerem nenhuma regra gramatical, enquanto existem outros que conhecem e dominam essas regras, mas não conseguem expressar-se, pois se preocupam muito em usar corretamente as regras que aprenderam. Existem teorias que propõe que somente crianças seriam capazes de adquirir uma nova língua, mas para a hipótese em questão, um indivíduo adulto é capaz de adquirir uma língua assim como uma criança, e são capazes de se tornarem fluentes como nativos, sem nenhum conhecimento sobre regras. Para isso, seria então o caso de imersão. Contudo, para Krashen é possível que mesmo dentro da sala de aula o professor proporcione e trabalhe de maneira que o aluno adquira a língua. Desta maneira, a distinção entre aquisição e aprendizagem faz-nos compreender as demais hipóteses, que se relacionam com estes dois importantes 20 processos, os completam e tornam seu entendimento mais claro. (Oliveira, 2011, p. 338) 1.5.2 Da Ordem Natural Está hipótese está ligada de forma mais direta à aquisição e não à aprendizagem. Vários estudos antecedem, corroboram e apoiam esta hipótese. Segundo Krashen citado por Almeida Filho, “a ordem natural, previsível, em que adquirimos as regras da língua materna também é seguida na aquisição da segunda língua”. Esta ordem parece não ter haver com o grau de complexidade das estruturas. Todavia, Krashen (1982, p. 13 apud Figueiredo 1995, p. 49-50) observa que a ordem de aquisição para uma segunda língua não segue a mesma ordem que a aquisição para a língua materna, deste modo, segundo Figueiredo (1995, p. 50) na aquisição de segunda língua, a ordem natural é diferente da observada na aquisição da mesma língua por falantes nativos. Tomamos o exemplo dado por Almeida Filho (2011), para melhor entendimento do que fora dito acima: ... estudos da aquisição de inglês como Segunda língua revelaram que as regras tais como o do auxiliar (be) no progressivo (He is going ) e a cópula (be) são adquiridos mais cedo em inglês como Segunda língua enquanto que são mais tardios na aquisição de inglês como primeira língua. Mas em ambos os casos, o passado dos verbos irregulares (contrariando a ordem de ensino) precede o dos verbos regulares e os morfemas de 3ª pessoa singular e do possessivo são bem mais tardios. (grifos nossos). Ainda, é importante lembrar o que diz Callegari (2006, p. 92): “a ordem de aquisição de morfemas pode variar de acordo com a língua materna de cada aprendiz, dependendo do grau de diferenças entre a língua materna e a língua estrangeira que está sendo aprendida”. Ou seja, muito vai influenciar o grau de semelhança entre a língua que o aprendiz já sabe, para a que ele vai adquirir. 21 1.5.3 Do Input Esta hipótese baseia-se principalmente em observações do processo de aquisição. De acordo com Krashen em Figueiredo (1995) só adquirimos uma língua se tivermos amostras desta língua (Callegari, 2006) e se entendermos estruturas que estejam em um nível um pouco além do que já sabemos. Ou seja, a aquisição da língua ocorre, segundo esta hipótese, de forma gradual. Desta forma, para que a aquisição se processe é preciso que o input esteja um pouco além de estágio atual em que o indivíduo se encontra, quando adquire uma língua (Almeida Filho). Desta forma se a competência atual na língua é i, o input deverá conter informações linguísticas que estejam um pouco acima ou além do estágio em que se encontra o indivíduo, i + l. Será a compreensão destas mensagens novas, ainda não adquiridas que permitirão o crescimento linguístico do aprendiz (Almeida Filho). Por outro lado, essas informações serão compreendidas graças ao conhecimento de mundo, o conhecimento linguístico e ao contexto de situação que o aprendiz está inserido. Almeida Filho, afirma que: A força da hipótese do input está em que o foco deve ser na mensagem, na comunicação que se quer obter. O indivíduo que está adquirindo uma língua não está preocupado ou atento a forma ou estrutura da língua, o que quer dizer e sim, no uso que está fazendo dela o “o que” dizer. Para este mesmo autor, está é a explicação para a grande falha no ensino de línguas, uma vez que está centrado apenas na forma consciente de aprender uma língua, e em exercícios gramaticais exaustivos. Para ele, está forma errônea de ensinar, não levará o indivíduo à comunicação ou ao uso da língua em situações reais. Está hipótese do input postula que a fluência na fala não pode ser ensinada. O indivíduo deve estar apto, preparado para falar, se não estiver ele repetirá frases mecanicamente sem se comunicar. De acordo com Almeida Filho, “a incorreção na produção linguística é característica dos primeiros estágios”. Quanto maior e melhor for o input, e quanto mais exposição e mais correto for este input recebido, melhor será a produção linguística, o que consequentemente irá gerar a correção por parte 22 do indivíduo. Assim a melhor maneira de se adquirir uma língua é recebendo um input suficiente (Almeida Filho). 1.5.3.1 Características de um Ótimo Input Almeida Filho em seu trabalho, fala a respeito das características de um bom input, onde este nos coloca que primeiramente o input deve ser compreensível, pois se não tivermos compreensão do input, não haverá aquisição. Algo muito interessante que Almeida Filho nos fala em relação à compreensibilidade do input diz respeito à conversação livre, aonde mesmo que seja sobre assuntos conhecidos do ouvinte, não proporciona a aquisição. Krashen nos explica isto melhor com o caso de crianças que não adquirem uma língua falada em família, como foi o caso do próprio linguista. Seus pais falavam o yiddish entre si e com seus avós, mas não lhe endereçavam nesta língua. O resultado foi que ele aprendeu apenas umas palavras e expressões, isso sim, porque a língua não foi facilitada nem tornada relevante. Por isso, que se faz necessário tornar a mensagem acessível, auxiliando a compreensibilidade do input. (Almeida Filho, 2011). Já vimos que a qualidade fundamental do bom professor de língua é a capacidade de este fornecer input em boa quantidade e compreensibilidade. Almeida Filho coloca alguns recursos que podem ajudar o professor a incrementar o input. Seriam elas: 1) falar mais devagar, articulando melhor cada palavra, o que ajuda quem está aprendendo a identificar os limites das palavras e permite mais tempo para que o adquirente processo as informações transmitidas; 2) usar palavras mais comuns, mais frequentes, evitar usar expressões idiomáticas ou gíria, visando a quantidade de input compreensível ; 3) usar estruturas sintáticas mais simples, sentenças mais curtas. Na aquisição de língua materna, foi observado que à medida que o adquirente revela maior competência na língua, o input fornecido vai se tornando mais complexo e fluente. Almeida Filho ainda nos coloca que para auxiliar ainda mais a compreensibilidade do input, o professor pode contar com o auxílio de materiais de apoio durante as aulas. Apresentar aos alunos, jornais, revistas, vídeos, músicas torna as situações linguísticas mais reais, o que desperta o interesse no aluno. 23 O input deve ser inclusive, interessante. De acordo com Krashen citado por Almeida Filho, o input ideal é aquele que faz com que o adquirente esqueça que está recebendo uma mensagem em outra língua. Krashen deixa claro que dadas às situações de grande número de alunos em sala de aula, será muito difícil o professor agradar a todos quando proporcionar materiais de apoio, devido a isso, o professor deve procurar utilizar um bom material e evitar causar o desinteresse no aluno. O input deve ser suficiente. O que se percebe até então, no resultado de pesquisas, é de que a quantidade de input vem sendo subestimada. O input não deve ser dosado ou sequenciado, assim consegue-se alcançar todos os alunos de uma turma heterogênea, pois em algum momento o input chegará até o aluno. Para finalizar, um ótimo input não é sequenciado gramaticalmente. Para Krashen a tentativa de sequenciamento gramatical falhará, pois pensar que em uma turma todos conhecem e sabem as mesmas regras gramaticais, e que adquirem as estruturas ao mesmo tempo é ilusão. Inicialmente Krashen era favorável ao sequenciamento gramatical desde que a ordem natural fosse seguida. Porém, atualmente ele é contra a essa tentativa. Essas implicações decorrem, inclusive, dessa realidade que temos salas de aula heterogêneas, ou seja, é difícil seguir uma sequência ou sequenciar os conteúdos, uma vez que pode acontecer de alguns alunos já dominarem determinado assunto e que, o tempo de aprender não é o mesmo para cada aluno21. 1.5.4 Do Monitor A capacidade ou habilidade em produzir sentenças em língua estrangeira é resultado da competência adquirida. Por outro lado, o conhecimento consciente das regras gramaticais (a aprendizagem), tem uma e única função: atuar na produção de enunciados como um monitor, modificando-as caso não estejam de acordo com as regras aprendidas (Callegari, 2006, p. 90). Corroborando a isto, Ligthbown & Spada (1999) afirmam que o sistema de aquisição atua na iniciação da dicção do falante e é responsável pela fluência e julgamentos intuitivos sobre correção. O sistema de aprendizagem, por outro lado, 21 O que fora dito neste subtema baseia-se na obra de Almeida Filho. 24 atua como um editor ou “monitor” fazendo pequenas mudanças e policiamento que o sistema adquirido tem produzido. Segundo Krashen em Ligthbown & Spada (1999) os aprendizes usam o modelo somente quando estão focados em ser corretos, o que contribuiria para a escrita e não para a fala. Desta forma, saber as regras só ajudaria a melhorar o que foi adquirido. Krashen (1982) citado por Figueiredo (1995, p. 51) aponta que o monitor só é posto em prática, se três formas forem cumpridas: tempo, para que o indivíduo possa pensar sobre as regras conscientemente e usá-las de maneira efetiva; foco na forma, para que o monitor seja usado de melhor maneira possível o tempo por si só não é suficiente, é necessário concentrar-se na forma ou correção e por terceiro, conhecimento de regras, que de acordo com Krashen citado em Figueiredo (1995, p. 51), “esta pode ser uma exigência terrível”, pois os alunos nem sempre aprendem todas as regras gramaticais existentes na segunda língua. 1.5.5 Do Filtro Afetivo Já vimos que para adquirir uma língua é necessário receber um input compreensível. Porém, para adquirir uma língua, mais um fator é necessário. É o que Krashen chama de filtro afetivo. Filtro afetivo “é um bloqueio mental que impede os indivíduos de utilizarem totalmente o input compreensível que eles recebem para a aquisição da língua” (KRASHEN, 1985, p. 3 apud FIGUEIREDO, 1995, p. 52). Nesta hipótese Krashen leva em consideração fatores externos ao dispositivo de aquisição, mas que possuem grande importância para esse processo. São fatores emocionais e atitudinais como motivação intrínseca, ansiedade e autoconfiança que podem contribuir para a aquisição. (OLIVEIRA, 2011, p. 340). Desta forma, quando um indivíduo encontra-se desmotivado, irritado, tenso ou chateado, ele apresentará um filtro afetivo alto 22 e consequentemente a aquisição será ineficaz. Por outro lado quando a situação é contrária e o aprendiz encontra-se 22 O que Ligthbown & Spada (1999) chamam de filtro up. 25 motivado, relaxado e autoconfiante, o filtro afetivo estará baixo 23 e a aquisição será eficaz. (Ligthbown & Spada, 1999, p. 39/40). É por esta hipótese que o professor pode compreender como que alunos que recebem o mesmo input, com as mesmas oportunidades, não adquirem a língua da mesma maneira. Ou seja, as condições ideias para que ocorra aquisição seria diminuir barreiras psicológicas como ansiedade, preocupação, falta de confiança. Desta forma, o aprendiz motivado e autoconfiante recebe e busca maior input. Segundo Almeida Filho, Krashen conclui que, tanto em Segunda língua, como em língua materna, aquisição é mais importante que aprendizagem, e que as duas condições essenciais para aquisição são: 1ª) Exposição suficiente a input compreensível, contendo i + 1, isto é, estruturas um grau além do nível atual; 2ª) uma situação psicológica favorável, um baixo filtro afetivo que permita a assimilação do input compreendido. Existem ainda os fatores que eram julgados fundamentais e que passam a partir desta hipótese a assumir um papel secundário. São eles, condições de exposição à segunda língua, idade e aculturação. Muitos tabus, inclusive, são quebrados ao reduzir-se toda a força destas variáveis, unicamente à sua maior ou menor contribuição para obtenção de input compreensível com baixo filtro afetivo. (Almeida Filho, 2011). 1.5.6 Demais Aspectos Importantes da Teoria de Krashen Faz-se necessário a exposição de alguns pontos importantes na teoria de Krashen. O primeiro é a cerca do papel da gramática. Apesar da ênfase dada à aquisição o estudo sistemático tem lugar na teoria de Krashen. Apesar de ser limitado, afinal nem todos os aprendizes empregam a hipótese monitor, e quando o fazem, fazem por tempo determinado. De acordo com Almeida Filho, A objeção de Krashen contra o ensino de gramática é a ênfase dada ao ensino de itens não essenciais a comunicação (itens que são adquiridos mais tardiamente) a estudantes em fase inicial de aprendizagem, os quais são incapazes de entender a mais simples mensagem transmitida na 23 O que Ligthbown & Spada (1999) chamam de filtro down. 26 Segunda língua. É um total desperdício de esforço e tempo de ambas as partes, professor e aluno. Assim, já é cabível falar a respeito do sequenciamento de regras inclusive. Quando o objetivo é a aquisição, o sequenciamento é indesejado, porém quando falamos em aprendizagem, faz-se necessário trabalhar com uma regra cada vez. O estudo do sequenciamento é algo novo e acredita-se que muitas pesquisas deverão ser feitas nesta área para maiores descobertas. Algo também muito importante é o que Krashen fala sobre a correção dos erros. Para ele “a correção de erros é uma forma de ajudar o aluno a reformular a sua apresentação mental de uma regra que ainda não foi aprendida ou que foi aprendida de forma errada” (Almeida Filho, 2011). A correção é importante quando se trata da aprendizagem, pois é inútil na aquisição. Ou seja, os erros devem ser corrigidos quando o foco está na estrutura e não quando o foco é na mensagem. É importante salientar que para Krashen, o importante é corrigir erros que já foram ensinados, mas que foram aprendidos de forma errada. Em relação aos erros ainda, durante exercícios de conversação não é indicado que se corrija o aprendiz. A correção, nestes casos, deve ser feita por meio de exercícios gramaticais, feitos como tema de casa. (Almeida Filho, 2011). Desta forma, percebemos que de fato a teoria de Krashen, que inicialmente define o que é aprendizagem e o que é aquisição, está mais esmiuçada em relação às outras teorias de aprendizagem/aquisição de línguas. Estes detalhes que Krashen propõe torna o assunto de segunda língua mais claro, e nos faz compreender melhor este assunto. Após concluirmos e identificarmos algumas teorias de aquisição de línguas, partimos para o resultado delas, que é o bilinguismo. No próximo capítulo veremos como o bilinguismo surgiu no mundo (principais motivos); a definição do termo, ou seja, o que é ser bilíngue; ainda, aspectos referentes à educação bilíngue e finalizando, trataremos das vantagens e desvantagens em ser bilíngue. 27 2 O BILINGUISMO Falar em bilinguismo é arriscar-se em algo muito novo e um tanto desconhecido, de muita importância, devido à busca, nos últimos anos, pela sociedade em geral, em dominar uma segunda língua. Os estudos sobre este tema tem principalmente origem em países como Canadá e Estados Unidos. No Brasil é algo muito recente e tentaremos aqui contribuir para o desenvolvimento deste tema. 2.1 ORIGEM DO BILINGUISMO Muitos grupos tornaram-se bilíngues por algumas razões: o movimento de pessoas, o nacionalismo e federalismo político, educação e cultura e algumas outras razões. (Mackey 1967, 1976 apud Grosjean, 1982). Iremos discutir e descrever esses fatores que vem sendo descoberta por linguistas como Mackey (1967, 1976 apud Grosjean, 1982). Assim baseados na obra de Grosjean (1982) encontramos e descrevemos os seguintes fatores: Movimento de Pessoas: mesmo sendo numerosos os motivos para a migração24 (como militares, educacionais, religiosos, catástrofes mundiais) geralmente o bilinguismo desenvolve-se quando um grupo tem contato com pessoas que vivem em áreas de migração. Desta forma, muitas maneiras de bilinguismo podem se desenvolver, uma delas seria cada grupo aprender a língua do outro grupo. Servem aqui de exemplo os colonizadores e os índios Guaranis no Paraguai, onde espanhóis aprenderam o guarani e os guaranis aprenderam o espanhol. (Grosjean, 1982, p.31) Assim, a comunicação ocorreria em duas línguas, sendo tanto de um dos grupos, como do outro. Também, outro modo de surgimento de uma nova língua, seria quando um grupo passa a desenvolver a língua da nova área em que se estabelece, é o caso dos imigrantes25 dos Estados Unidos que tem de aprender o inglês. Neste caso, ao encontrar uma nova localização para se estabelecer, e já tendo neste local um idioma, os indivíduos se submetem a aprender o idioma que já existente neste local. 24 Definição de migração: deslocação de populações de uma região para outra ou de um país para outro. Disponível na http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/migra%C3%A7%C3%A3o;jsessionid=L 4UaWivd1c1dzkj1xOLrPw__ 25 Definição de imigrante para fins de evitar mal entendimento: visitante permanente ou temporário a outro país que não é sua nação. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/imigrante 28 Neste caso, a língua nativa pode com o passar das gerações, se perder e deixar de ser usada. Qualquer que seja a maneira, o fator mais importante para o estabelecimento do bilinguismo é a migração. (Grosjean, 1982) Um tipo de movimento que estava ligado de maneira importante no século passado era as invasões militares e a posterior colonização. Essas invasões fizeram com que as línguas se espalhassem pelos locais conquistados. No século XIX, por exemplo, tanto ingleses como franceses colonizaram uma extensa região na África e na Ásia (Grosjean, 1982). Segundo Brosnahan (1963) e Cooper (1978), citado em Grosjean (1982) a língua se espalharia e o bilinguismo aconteceria graças ao estabelecimento da língua dos invasores ou colonizadores nas novas terras, que propagavam estas línguas, que resultava no bilinguismo. Assim, The area of conquest should be multilingual so that the invader’s language will be used as a lingua franca, especially in urban areas; and the use of the invader’s language should be enhance the inhabitants’ social, political, educational or commercial opportunities26. (GROSJEAN, 1982, p. 31) Um fato da história interessante é o que Lewis (1976 apud Grosjean, 1982) relata que, quando os Romanos invadiram a Grã-Bretanha (que tinha como língua materna a língua celta) muitos bretões capturados foram para Roma, e passaram a usar o latim, que era usado na administração do país, no exército, nos negócios e comércio entre romanos e bretões, e inclusive, em outras partes do império. O uso do latim permitia que os bretões adquirissem várias vantagens na sociedade romana como escolas, mercados, banheiros públicos entre outros. O latim não era imposto às pessoas do reino, aprender era um privilégio que tornava os bretões nativos mais membros do império. Migrações por motivos sociais ou econômicos também levam ao bilinguismo. A história é repleta de casos de movimento de grupos que saíram de seus lares em busca de outras áreas, regiões ou países em busca de trabalho, comida, água e melhores condições de vida. Atualmente, um dos motivos que levam as pessoas a deixar seus países e irem para outros, são trabalhadores que vão para outro país em busca de empregos melhores (Grosjean, 1982, p. 32). 26 TP: A área de conquista deve ser multilingue para que a língua do invasor seja utilizada como língua franca, especialmente em áreas urbanas, e o uso da linguagem do invasor deve ser aumentar as oportunidades sociais, políticas, educacionais ou comerciais dos habitantes. 29 O que acontece com essas pessoas, ou com esses trabalhadores, é que muitas vezes mudam-se levando junto de si suas famílias (Grosjean, 1982, p. 32). Este trabalhador continua usando a língua mãe em casa com esposa, filhos e amigos, mas no emprego precisa dominar a segunda língua que é exigida no local de trabalho. Esse é o tipo de razão que mais leva ao bilinguismo atualmente. Este é um caso que pode ser comparado aos brasileiros que vão, principalmente, para os Estados Unidos, em busca de melhores condições em suas profissões. Os Estados Unidos é um dos países que mais recebe migrantes em busca de vagas de trabalho, tanto que, atualmente, passa por uma reavaliação em seu modo de migração, pois estes trabalhadores acabam ficando de forma ilegal no país, o que está gerando problemas ao governo e população norte-americana. Outra razão para o bilinguismo abrange questões de negócios e comércio. Pessoas que lidam com esse tipo de atividade, necessitam viajar para lugares onde precisam dominar uma língua franca, assim como suas línguas nativas (Grosjean, 1982, p.32). A maneira de negociar do século atual, permite que se faça negócios com pessoas de lugares distantes onde se fala outra língua. Devido a isso, empresários buscam aprender novas línguas, o inglês, por exemplo, para negociar com estrangeiros. Uma língua que vem ganhando destaque dentro do meio econômico é o mandarim27, devido à ascensão econômica da China nos últimos anos. Razões políticas e religiosas também levam ao bilinguismo, uma vez que muitas razões políticas fazem o povo à buscar novos locais de vida, é o caso da saída dos Cubanos para os Estado Unidos, depois que Fidel Castro assumiu o poder do país. No que diz respeito a motivos religiosos um bom exemplo são os judeus russos, que normalmente são monolíngues (falam russo), e acabam migrando para Israel e também Estados Unidos (Grosjean, 1982, p. 33). Nacionalismo e Federalismo Político: esta é outra razão para o bilinguismo. O Nacionalismo tem tido um grande impacto na propagação de línguas nacionais e consequentemente, no grau de bilinguismo em muitos países (Grosjean, 1982, p.33). Davies apud Grosjean (1982) diz que “a people without a language of its own is only 27 Língua falada na China. 30 half a nation. A nation should guard its language more than its territories 28.” Por isso que uma nação só é nação quando esta tem uma língua estabelecida. A consequência do nacionalismo, é que a língua regional desenvolve-se fazendo com que muitos habitantes falem a língua nativa, ou seja, a língua da região, assim como falem a língua nacional, forma esta que leva ao bilinguismo. Porém em alguns lugares a língua regional é proibida pela política do governo, em escolas e locais públicos. Contudo, se a mesma política é mais moderada, onde a língua regional é permitida, temos uma política federalista, onde o uso de duas línguas é aceito pela lei, podendo ser utilizado em todos os locais. Nações modernas da África são exemplos de política federalista onde o bilinguismo é norma, desta forma mantem-se a essência das línguas regionais. Há muitos locais (regiões geográficas) que estão divididos por muitos países e que os grupos destes locais possuem uma língua regional ou nativa e uma língua nacional, ocorrendo assim o bilinguismo (Grosjean, 1982, p. 33 e 34). Educação e Cultura: outra causa do bilinguismo é educação e cultura. No império Romano o idioma grego era o idioma da educação e cultura. Quase toda a educação romana era bilíngue em latim e grego. Pessoas de classes mais elevadas davam este tipo de educação para seus filhos (Grosjean, 1982, p. 34). Esta é uma causa que se mantêm, pois em muitos países, como o Brasil, uma segunda língua só é aprendida por quem tem maiores condições financeiras. Condições estas que proporcionam uma busca por cursos de idiomas e escolas particulares de alto nível onde o idioma é ensinado. A busca por um novo idioma vem ganhando grandes proporções em nosso país. Com a criação do programa Ciências sem Fronteiras29 do governo federal brasileiro, que leva estudantes para outros países, muitos estudantes estão buscando aprender uma nova língua para poderem ser aprovados no programa. Porém este programa mostrou uma triste realidade, que é a falta de domínio dos alunos em outras línguas. Os alunos que possuem o domínio de segunda língua são aqueles que estudaram em escolas particulares e/ou buscaram um curso de idiomas para aprender uma nova língua. A escola pública brasileira não vem apresentando 28 TP: um povo sem uma linguagem própria é apenas metade de uma nação. A nação deve proteger sua língua mais do que os seus territórios. 29 Mais informações a respeito do programa ver: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf 31 bons resultados em relação ao ensino de línguas, mas esta é uma questão que não detalharemos neste trabalho. Outras Razões: a industrialização e a urbanização são consideradas como outras causas do bilinguismo. Uma está ligada a outra, a industrialização, principalmente com as multinacionais, onde em muitos setores faz-se necessário que o trabalhador use muito uma língua franca, seja para manter contato com filiais em outros países, receber instruções entre outras (Grosjean, 1982, p 35). No Brasil existem várias multinacionais como a JBS, maior processadora de carnes do mundo; a Gerdau, uma empresa siderúrgica; Metalfrio, fabricante de refrigeradores; Tigre Tubos e conexões, fabricante de tubos para construções entre outras. Estas empresas estão presentes no mundo todo e se interligam, necessitando assim o domínio, de uma língua franca. Outra razão que Grosjean coloca é a religião, mas nós a vemos como um fator um pouco mais fraco, pois o que o autor nos coloca, já não é como ele descreve, pois, o cristianismo já não é mais proferido em latim, isso faz parte do passado. Então, em tempos passados foi uma causa de bilinguismo, mas hoje em dia já não poderia ser considerado. O autor também cita o Islã como forma de propagar a língua árabe. Grosjean (1982, p. 36) esclarece que todas as causas citadas acima não são raramente permanentes. Ou seja, podem variar dependendo do período histórico e das necessidades da humanidade. 2.2 DEFINIÇÃO DO TERMO BILÍNGUE Na procura pelo conceito de bilíngue, o que encontramos a princípio são termos como complexidade, ampla, difícil, variação, relevante, entre outros. De fato, o que ocorre com o bilinguismo é que não existe uma definição única para o termo bilíngue, pois este processo sofre influências de fatores que o modificam. De acordo com Grosjean (1982, p. 230) “fluency in two languages has often been proposed as the main criterion30…” Assim, a fluência é um dos fatores que tem um peso muito maior do que outros fatores, como o uso regular de duas línguas, domínios de uso, 30 TP: fluência em duas línguas tem sido frequentemente proposta como critério principal... 32 habilidades (ler e escrever, por exemplo) desenvolvidas em outra língua (Grosjean, 1982). Quando falamos em bilíngue, com pessoas que não tem conhecimento a respeito disso, muitas entendem o bilíngue como uma pessoa que fala duas línguas. Para Bloomfiel (1933 apud Grosjean, 1982), “bilingualism, [the] native-like control of two languages31”. Thiery, (1978, p. 146) em Grosjean (1982, p. 232) por sua vez, afirma que, “a true bilingual is someone who is taken to be one of themselves by the members of two different linguistic communities, at roughly the same social and cultural level32”. Ou seja, para Thiery, o verdadeiro bilíngue é aquele que está inserido em duas comunidades linguísticas diferentes e é reconhecido participante delas pelos demais membros. Grosjean (1982, p. 232) expõe que Macnamara (1967a) considera um indivíduo bilíngue, aquele que possui ao menos uma habilidade linguística (ler, escrever, ouvir e falar) no menor grau que seja na segunda língua. O que Macnamara considera como bilíngue, envolve aquelas pessoas que muitas vezes sabem falar uma segunda língua, porém não tem a habilidade de escrever nesta língua. Por outro lado existem outros, que conseguem ler perfeitamente em uma segunda língua, mas não conseguem expressar-se na mesma. Grosjean (2010, apud Limberguer, 2012, p. 69), por sua vez, define que “bilíngues são aqueles que usam uma ou mais línguas (ou também dialetos) nas suas vidas”. Percebemos com essas várias definições que, algumas delas são mais inclusas, aceitam que o indivíduo consiga apenas se comunicar em outra língua que não a materna, como as definições citadas a cima, de Bloomfield e Grosjean. Já outras são mais exigentes, como a de Macnamara e Thiery, que levam em consideração as formas de uso, e uso de todas as habilidades linguísticas. Partindo da definição mais simples de que bilíngues são indivíduos que falam duas línguas, como podemos então classificar pessoas que apenas falam uma segunda língua, e que não possui a habilidade de ler ou escrever nesta mesma língua? Ou ainda, aquele que entende uma segunda língua perfeitamente, mas não sabe se expressar oralmente (Megale, 2005, p.2)? Para essas respostas, Li Wei (2010 apud Megale, 2005, p. 2), 31 TP: Bilinguismo é o controle nativo de duas línguas. TP: um verdadeiro bilíngüe é alguém que é considerado um dos “seus”, pelos membros de duas comunidades lingüísticas diferentes, mais ou menos no mesmo nível social e cultural. 32 33 ...argumenta que o termo bilíngue basicamente pode definir indivíduos que possuem duas línguas. Mas, deve-se incluir entre estes, indivíduos com diferentes graus de proficiência nessas línguas e que muitas vezes fazem uso de três, quatro ou mais línguas. Harmes e Blanc (2000 apud Megale, 2005) afirmam que o bilinguismo é um fenômeno multidimensional33 e que devemos considerar seis dimensões ao definir bilinguismo. Baseados no trabalho de Megale (2005, p. 3), iremos descrevê-los. São as seguintes: - Competência Relativa, que enfatiza a relação entre duas competências. Temos a partir disto o bilinguismo balanceado, onde o indivíduo possui a mesma competência linguística em ambas as línguas. Salientamos que, dentro deste conceito, não importa o alto grau de competência nas duas línguas, mas sim se este alcançou um grau equivalente em ambas às línguas. E temos o bilinguismo dominante, que é aquele em que apresenta maior competência em uma das línguas, normalmente na língua nativa. - Organização Cognitiva, onde temos o conceito de bilíngue composto, que seria aquele que mostra uma única representação cognitiva para duas traduções iguais; e o conceito de bilíngue coordenado, seria aquele que mostra representações distintas para duas traduções iguais. Segundo Grosjean (1982) a distinção de bilíngue composto e coordenado é feita pelos psicolinguístas. Acrescenta ainda que para os psicolinguístas o bilíngue composto desenvolve-se através de experiências em contextos fundidos, e o bilíngue coordenado é desenvolvido através de experiências em contextos diferentes. - Idade da Aquisição, onde de acordo com a idade em que se dá a aquisição da língua temos o bilinguismo infantil, adolescente ou adulto. O bilinguismo infantil divide-se em bilinguismo simultâneo, onde desde o nascimento a criança é exposta a duas línguas e a adquire ao mesmo tempo; e bilinguismo consecutivo, onde após ter adquirido as bases linguísticas da língua materna, ela adquire, ainda na infância a segunda língua. Quando a aquisição da segunda língua ocorre na adolescência, denominamos este como bilinguismo adolescente, e quando o indivíduo adquire a língua em fase adulta, chamamos este de bilinguismo adulto. 33 Algumas concepções são unidimensionais, que definem o indivíduo bilíngue apenas em termos de competência linguística, ignorando outras dimensões. (HARMES E BLANC, 2000 apud MEGALE, 2005, p.6). 34 - Presença ou não de Indivíduos Falantes da L2, e acordo com esta, classificamos o bilinguismo endógeno ou exógeno. Por bilinguismo endógeno entendemos que ambas as línguas são utilizadas como nativas na comunidade, podendo ou não ser utilizados para fins institucionais. Já por bilinguismo exógeno, temos a ausência da segunda língua dentro da comunidade. - Status, atribuído à língua, pode desenvolver no indivíduo formas diferenciadas de bilinguismo. Temos então o bilinguismo aditivo, onde as duas línguas são valorizadas no desenvolvimento cognitivo da criança, e a aquisição da segunda língua dá-se sem perda ou prejuízo a língua materna; e o bilinguismo subtrativo, onde a primeira língua é desvalorizada, originando desvantagens cognitivas no desenvolvimento da criança e ocorrendo perda ou prejuízo na língua materna. - Identidade Cultural, onde temos bilíngues biculturais, monoculturais, aculturais e desculturais. Como bilinguismo bicultural, entende-se o indivíduo que se identifica de forma positiva com os dois grupos culturais e é reconhecido por cada um dos grupos. Os monoculturais são aqueles que se identificam e é reconhecido por apenas um dos grupos culturais. O bilíngue acultural é aquele que adota valores culturais ligados ao grupo de falantes da segunda língua e renuncia a identidade cultural relacionada à sua língua materna. E finalmente o bilinguismo descultural, identifica-se quando o indivíduo desiste de sua identidade cultural, mas não obtêm sucesso ao tentar adotar aspectos culturais do grupo de falantes da segunda língua. Assim, de forma esquemática temos a tabela: 35 Tabela 1 – Dimensões do bilinguismo de Harmes (apud Megale) 34 Dimensões Competência Relativa Organização Cognitiva Idade de Aquisição Presença da L2 Status das línguas Identidade Cultural Denominação Bilinguismo Balanceado Bilinguismo Dominante Bilinguismo Composto Bilinguismo Coordenado Bilinguismo Infantil: Simultâneo Consecutivo Definição L1=L2 L1>L2 ou L1<L2 1 representação para 2 traduções 2 representações para 2 traduções L2 adquirida antes dos 10/11 anos L1e L2 adquiridas ao mesmo tempo L2 adquirida posteriormente a L1 Bilinguismo Adolescente L2 adquirida entre 11 e 17 anos Bilinguismo Adulto L2 adquirida após 17 anos Bilinguismo Endógeno Bilinguismo Exógeno Bilinguismo Aditivo Bilinguismo Subtrativo Bilinguismo Bicultural Presença da L2 na comunidade Ausência da L2 na comunidade Não há perda ou prejuízo da L1 Perda ou prejuízo da L1 Identificação positiva com os dois grupos Identidade cultural referente a L1 ou a L2 Identidade cultural referente apenas a L2 Sem identidade cultural Bilinguismo Monocultural Bilinguismo Acultural Bilinguismo Descultural Assim, concepções multidimensionais levam em consideração noções oriundas de diversas disciplinas: psicologia, sociolinguística, sociologia e linguística (MEGALE, 2005, p.7). “Bilinguismo é um fenômeno complexo e deve ser estudado como tal, levando em consideração variados níveis de análises: individual, interpessoal, intergrupal e social” (HARMES & BLANC, 2000, apud MEGALE, 2005, p.7). Desta forma, a classificação de bilíngues em várias dimensões, facilita o entendimento do bilíngue de acordo com as peculiaridades. Ou seja, nenhum indivíduo terá as mesmas características quanto à forma como adquiriu a segunda língua, a forma como utiliza a língua, entre outras. Mesmo sendo o conceito de bilinguismo ou de bilíngue, muito amplo acreditamos que, as dimensões que descrevemos acima, clareiam o entendimento de cada caso de bilíngue que esteja em questão. Contribuindo ao que já fora dito até aqui, Grosjean em 1982 já considerava que para uma descrição do bilíngue em um tempo particular, podemos adicionar algumas informações acerca da linguagem história de uma pessoa. Considerava 34 Disponível também no site: http://kauverdianu.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html Acessado dia: 27/10/2013. 36 ainda, que existiam fatores que conduziam para o bilinguismo, (fatores estes que enraízam a descrição das dimensões que citamos a cima) e a respeito disso nos diz que, algumas pessoas aprendem duas línguas em seu lar e podem falar ambas fluentemente, mas são capazes de ler e escrever em apenas uma delas; outras aprendem e usam a segunda língua na escola e se saem melhor ao ler e escrever do que ao falar. Trabalhadores imigrantes geralmente aprendem suas segundas línguas no trabalho e podem nunca aprender a ler e a escrever com elas, contudo, diplomatas e homens de negócios internacionais frequentemente necessitam ser altamente alfabetizados em duas línguas. Com o tempo, o nível de fluência em cada habilidade linguística reflete a necessidade do falante em determinada língua. Frequentemente, muitas pessoas deixam de falar uma de suas línguas (no caso do sujeito bilíngue), ou por que deseja ou por motivos que tornam o uso da língua desnecessária, como a mudança para longe de pais, parentes... Grosjean (1982) chama isso de esquecimento da língua, um acontecimento que exige atenção e ocorre principalmente em adultos. As principais características desse fenômeno é que mesmo entendo tudo que lhe é dito, o falante em esquecimento da língua, começa a procurar pela palavra certa, torna sua fala excitante, tem a pronúncia afetada e perde completamente a expressão da fala. Este é um processo que acontece de forma vagarosa, porém o falante percebe que está perdendo a forma falada da língua, quando usa essa língua esporadicamente. Muito interessante à colocação de Grosjean (1982) quando este diz que este fenômeno de esquecimento mostra que a sociedade permite que você aprenda uma língua, mas não a esqueça. Embora o indivíduo perca a fluência ou a forma de falar, ou seja, tenha esquecido a língua, ele jamais deixará de entender. E caso, volte a usar a língua, este rapidamente voltará a ter o domínio sobre a língua que tinha anteriormente. Pessoas que passam por esse processo Grosjean (1982) chama de “dormant bilingual” 35 . É como se a língua, que não vem sendo utilizada, estivesse em estado de dormência, podendo “acordar” a qualquer momento, se for necessário. 35 TP: bilíngue adormecido. 37 O que descrevemos aqui corrobora com o que vínhamos afirmando de que descrever o que é ser bilíngue não é uma tarefa fácil. Como diz Grosjean não é só a fluência que importa, mas toda a construção histórica desse sujeito bilíngue. 2.3 EDUCAÇÃO BILÍNGUE Falar sobre educação bilíngue é uma tarefa tão complexa quanto falar em bilinguismo. Os conceitos de educação bilíngue se tornam complexas, pois as suas características vão além dos limites escolares e inclui família, vizinhos, os meios de comunicação (Akkari, 1998 apud Mello, 2010, p.118). Anos atrás a educação bilíngue era procurada por diplomatas, políticos, imigrantes que desejavam que seus filhos não deixassem de viver suas culturas, ou imigrantes que viviam por um tempo no Brasil e depois de um período voltariam para seu país de origem (Flory, 2009, p.26). O objetivo destas famílias era, ou manter uma língua ou aprender e dominar uma língua franca. Quando pensamos em escola bilíngue, remetemos nossa ideia a escolas que ensinam seus alunos em duas línguas. Porém se refletirmos um pouco mais além, algumas dúvidas surgirão, dúvidas como: “mas afinal, as duas línguas são usadas juntas dentro da sala de aula ou são alternadas? A aula de língua materna é proferida em segunda língua?” entre outras. São questões que existem e as respostas poderão ser dadas, dependendo da forma como a escola trabalha essa forma de ensino bilíngue. O que se percebe é que não existe algo que se aplique a todas as escolas bilíngues, pois cada um tem seus objetivos, suas metodologias e até mesmo a própria maneira de trabalhar com a aprendizagem da segunda língua. Atualmente, essas escolas vêm recebendo cada vez mais alunos, com o objetivo de aprender uma segunda língua de forma perfeita, porém, o objetivo é o de dominar uma segunda língua para prosseguir os estudos fora do país. Segundo Mello (2010, p.121), Tecnicamente, a educação bilíngue corresponde àquela “em que duas línguas são usadas como meio de instrução” (HORNBERGER, 1991, p. 217) ou, nas palavras de Genesee (1987, p. 1), “educação bilíngue de verdade [grifo nosso] é a instrução que ocorre na escola em pelo menos duas línguas”. 38 Contudo, existem muitas variações dentro de cada ensino bilíngue. Alguns programas oferecem a instrução inicial em língua materna e inserem aos poucos a segunda língua, até a criança dominá-la e depois de adquirir as habilidades acadêmicas, as aulas são dadas em segunda língua. Outros programas já têm seus objetivos voltados para a manutenção da segunda língua. E ainda, há programas em que o tempo é dividido para que metade do tempo se tenha instruções em uma língua e metade do tempo em outra (Mello, 2010). Dessa forma, a expressão educação bilíngue tem sido frequentemente usada na sua acepção mais abrangente para incluir todas as situações em que duas ou mais línguas estão em contato, fazendo-se a distinção entre as suas diversas tipologias somente quando o contexto ou a situação requer um maior detalhamento técnico. De maneira semelhante, quando se usam as expressões escola bilíngue e/ou sala de aula bilíngue, faz-se referência à possibilidade de ocorrência de uso de mais de uma língua nesses contextos, mesmo quando se espera que uma única língua seja usada na maior parte das interações que ocorrem nesses contextos. (MELLO, 2010, p.122) Segundo Mello (2010), o contexto social do indivíduo é um dos fatores que abrem caminhos para uma educação bilíngue. Em vistas a isso, baseando-se nas ideias e no trabalho de Mello (2010) iremos a partir de agora relatar brevemente a história da educação bilíngue nos países dos Estados Unidos, Canadá e Brasil. Nos dois primeiros, as pesquisas em relação ao bilinguismo estão mais adiantadas em relação ao nosso país (Mello, 2010). Como sabemos, os Estados Unidos foi um país que recebeu um forte número de imigrantes de diversas partes do mundo. Quando os filhos desses imigrantes entravam nas escolas sem dominar o inglês, apresentavam baixo rendimento escolar. Muitos programas foram criados com o intuito de auxiliar essas crianças a adquirirem o idioma. Depois de muitos anos de discussão, mudança de leis e pesquisas, ainda existem polêmicas em torno da educação bilíngue. Muitas pessoas são a favor do ensino de uma única língua nas escolas, o inglês. Pesquisas na área do ensino bilíngue demonstram resultados insatisfatórios onde os alunos não aprendem nem uma nem outra língua. Cidadãos afirmam estar cansados de pagar impostos e não ver resultado nenhum, e a mídia ainda faz críticas aos altos valores investidos nesse tipo de educação. Pais de alunos que pertencem aos grupos minorizados são contra a educação bilíngue, pois vem que a 39 língua inglesa é o caminho da ascensão econômica e social de seus filhos, e os imuniza de passar pelo estigma da diferença. O que se percebe com isso, é que o poder econômico e o poder dominador se apresentam em formas linguísticas. O inglês é a língua que as pessoas do mundo inteiro desejam saber, para serem bem sucedidas. Desta forma, os cidadãos deste país não teriam reais motivos para buscar uma segunda língua, pois eles já dominam uma língua que é considerada franca, falada no mundo inteiro. No Canadá, a educação bilíngue surgiu como forma de valorização da língua e cultura francesa. No país alguns movimentos se organizaram e passaram a demonstrar sua insatisfação ao fato de que, a língua francesa vinha perdendo espaço dentro do país. Começaram então, a título experimental, a ser implantado o ensino de francês desde os anos inicias da vida escolar, provocando assim, a aprendizagem acidental do francês. A princípio as crianças começavam a ter aulas em francês e aos poucos se introduzia o inglês, chegando um momento em que as aulas eram proferidas em proporções de 60% em francês e 40% em inglês. Nas palavras da autora: A partir daí, os programas de imersão evoluíram e assumiram as diferentes formas que podem ser encontradas em todas as províncias do Canadá e em diversas regiões dos Estados Unidos. Embora em ambos os países a educação bilíngue tenha surgido como uma resposta a um problema político-sociolinguístico, no Canadá a busca dessa resposta tinha como premissas básicas tanto o estabelecimento de um bilinguismo do tipo aditivo quanto à integração social de comunidades linguística e culturalmente distintas, ao passo que nos Estados Unidos a solução para o problema fundamentava-se na perspectiva de um bilinguismo do tipo subtrativo e na assimilação de uma cultura pela outra. (MELLO, 2010, p. 125). No Brasil o bilinguismo está associado (de forma estereotipa) com a educação dos povos indígenas ou a línguas de prestígio como o inglês, espanhol, francês, italiana, entre outras, chamada de educação bilíngue de elite. A visão de país monolíngue, tem apagado as minorias linguísticas que estão presentes em nosso país, como a língua e dialetos indígenas, a língua dos grupos de imigrantes, os dialetos criados nas áreas de divisa... O Brasil vem conseguindo abafar esses grupos, assim como fez com os negros trazidos da África, que foram “podados” de falarem sua língua e seus dialetos. 40 Assim, o Brasil vai mantendo o patamar de país monolíngue, e apoiando a ideia que o domínio de uma segunda língua é para as classes altas. A única comunidade com direito previsto em lei a educação bilíngue pública, são os indígenas, que recebem instrução na língua materna e aprendem o português. Na escola pública brasileira, temos implantada também, sob forma de lei, aulas de língua estrangeira, onde normalmente o inglês é a língua ensinada. Como já falamos neste trabalho, o ensino de línguas em nosso país requer atenção, pois o mínimo dos objetivos vem sendo alcançados. O Brasil prossegue assim, quase que totalmente monolíngue. Tendo ainda grandes problemas com o ensino de línguas dentro de suas salas de aula. E aqueles que possuem melhores condições financeiras buscam as escolas bilíngues, ou cursos de idiomas de maneira a adquirirem o domínio de uma segunda língua. Feito o estudo a respeito do bilinguismo, da sua origem, das suas concepções e conceitos, partimos para o estudo de outras questões relativas a este tema. O que trataremos a seguir será o que poderíamos chamar do resultado da aquisição de uma segunda língua em aspectos cognitivos e cerebrais. 41 3 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E CEREBRAL DE UM INDIVÍDUO BILÍNGUE 3.1 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Por muitos anos, mais precisamente desde o século XIX, pessoas acreditavam e mostravam que o fato de falar duas línguas poderia impedir a aprendizagem de uma das línguas ou das duas, de forma correta. Para essas pessoas, a criança que aprendesse duas línguas poderia começar a confundir-se nas línguas quando entrasse na escola, ou seja, o bilinguismo era visto como uma desvantagem. A ideia que se tinha é que as crianças, que falavam uma língua diferente da língua dominante, tinham dificuldades na hora de se inserir no contexto escolar, que iria confundir os idiomas na hora de escrever, que teria sotaque na língua dominante e assim por diante. Neste trabalho, já fora citado como se deve proceder nesses casos, pois a criança irá aprender a língua dominante, porém ela deve ser estimulada em seu ambiente familiar, a continuar fazendo uso da língua que aprendeu dentro deste ambiente. Mas e por que Ligthbown & Spada (1999) nos dizem isso? Apenas para que a criança saiba falar duas línguas? Para manter uma boa relação com a família? Os estudos que se desenvolveram a partir dessas perguntas iniciaram-se, de acordo com a matéria de Catherine de Lange publicada na Revista Galileu (13/08/2013) 36 , por volta de 1962 com Elizabeth Peal e Wallace Lambert, na universidade McGill no Canadá. Neste estudo Peal & Lambert constataram que falar dois idiomas não prejudicaria o desenvolvimento da criança, antes eles superariam os monolíngues nas pesquisas que tinham realizado. Peal & Lambert (1962) atribuíram os resultados negativos dos bilíngues nos estudos anteriores à falha dos pesquisadores em diferenciar ‘pseudobilíngües’ e ‘bilíngües verdadeiros’. Os mesmos pesquisadores acreditavam que o pseudo-bilíngüismo poderia trazer desvantagens, mas que o bilinguismo verdadeiro poderia ser uma grande vantagem no desenvolvimento cognitivo. (BILLIG & FREDERES, 2008, p.02) 36 Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI313503-17579,00-BILIN GUES+TEM+VANTAGENS+NO+APRENDIZADO.html. 42 Os resultados desta pesquisa, porém, foram ignoradas por praticamente todos os pesquisadores da época. Com o passar dos anos, o bilinguismo voltou a chamar atenção, e graças à modernidade tecnológica, o cérebro de bebês poderia ser observado através da espectroscopia de infravermelho próximo funcional. Foi isso que fez Laura Ann Petitto, da Universidade de Gallaudat, onde ao observar o cérebro de bebês, descobriu um grande aumento de atividade neurológica, quando ouvem línguas totalmente desconhecidas ao final do primeiro ano de vida. Petitto (apud Langue, 2012) acredita que a atividade bilíngue faz com que o bebê reconheça sons de origens diferentes e que esse fato facilitaria às crianças bilíngues a aprender outros idiomas para o resto da vida. (Langue, 2012). O estudo a respeito do bilinguismo é recente. Segundo Langue, em 2003, Ellen Bialystok, psicóloga e neurocientista da Universidade York de Toronto realizou uma pesquisa onde pediu que um grupo de crianças, bilíngues e monolíngues, identificasse a forma gramatical de algumas frases. Os dois grupos identificaram o erro na frase “maçãs cresçam em árvores”, porém as diferenças vinham quando analisavam frases sem sentido como “maçãs crescem em narizes”. As crianças monolíngues não conseguiam ver que a frase não apresenta nenhum erro gramatical, pois estavam preocupados com o sentido dela, enquanto as crianças bilíngues viam que a frase não possuía sentido, mas que estava escrita gramaticalmente de forma correta. Isso mostra que, os bilíngues possuem um desenvolvimento maior no que diz respeito ao sistema executivo, que faz os bilíngues se concentrarem na gramática e bloquear informações irrelevantes (Langue, 2012). O sistema executivo do cérebro é uma habilidade mental, capaz de bloquear informações desnecessárias, por isso dos alunos prestarem atenção na gramática e ignorar o sentido das palavras. Esse sistema é necessário para praticamente tudo que fizemos como ler, dirigir um carro, realizar cálculos matemáticos... (Langue, 2012). Ellen Bialystok é um dos nomes mais renomados no que tange a bilinguismo e esta pesquisa que relatamos acima é apenas uma de tantas que Bialystok vem realizando. No próximo item veremos inclusive suas contribuições a respeito do desenvolvimento cerebral, onde suas pesquisas têm mostrado resultados muito interessantes. 43 O que se discute muito na questão do cognitivismo, é a idade adequada para que a criança aprenda uma língua. Para Pettito (2009 apud Nobre & Hodges, 2010, p. 183) a exposição de uma criança a duas línguas facilita a aquisição proficiente e o domínio de ambas, mas mesmo que esta criança venha a aprender uma segunda língua mais tarde, nada impedirá que ela aprenda a língua e a domine. O que se percebe, entretanto, é que quanto mais tarde se der a aprendizagem, maiores serão as marcas do sotaque, ritmo e entonação da primeira língua. (Nobre & Hodges, 2010, p. 184). Muitos autores falam a respeito de um período crítico para a aprendizagem da língua. Esse período crítico segundo Nobre & Hodges (2010, p. 138) seriam “momentos nos quais o indivíduo está mais suscetível a influências externas.” Em outras palavras é uma etapa na vida, em que mais absorvemos novos conhecimentos, e que este período depois de encerrado, faria com que a aprendizagem de uma língua, por exemplo, se tornasse muito mais difícil. Contudo, há alguns pesquisadores que não acreditam neste período crítico para se aprender uma língua. Uma entrevista realizada com Peter Indefrey, um dos mais respeitados neurolinguistas da atualidade, pela revista Ciência Hoje, questiona o pesquisador a respeito desse período crítico. Ele afirma que o período crítico é um mito, que nada se encerra e explica: ... o que se percebe é um declínio gradual na proporção de pessoa que aprendem uma segunda língua e passam a fala-la com a mesma proficiência que têm na língua materna. Mas sempre se achará alguém que fala uma segunda língua perfeitamente, mesmo que tenha começado a aprendê-la tardiamente. Esse declínio gradual começa em idades diferentes para aspectos diferentes da língua. (INDEFREY, 2007) Indefrey (2007) ainda disse que, para falar sem sotaque o importante é começar cedo, mas já para ganhar vocabulário é mais importante o tempo que se dedica a aprendizagem do que a idade em que se aprende a língua. Para nós, esta é uma questão muito controversa e que ainda necessita de um maior número de pesquisas sobre o assunto, para que possamos afirmar de fato algo a respeito do período crítico. Independente da existência ou não do período crítico, o que algumas pesquisas mostram, é que bilíngues que aprenderam uma língua na infância têm 44 melhores resultados em tarefas de atenção, monitoramento e troca de tarefas (Emmorey et al.,2008 apud Nobre & Hodges, 2010). Isso se justifica, pois, a constante necessidade de selecionar a linguagem apropriada é um processo que envolve uma ativação coordenada e ressonante das características inter-relacionadas da linguagem ativada, bem como a rejeição de competição e interferência de uma língua sobre a outra. (PRIOR&MACWHINNEY, 2010, apud Nobre & Hodges, 2010, p.184). Ou seja, quando o bilíngue seleciona qual a palavra correta deve usar, dentro de determinada língua, ele está desenvolvendo a função executiva. Assim, atenção, inibição, monitoramento e alternância de tarefas são desenvolvidas por bilíngues (Bialystok, 2007,2008 apud Nobre&Hodges, 2010). As crianças bilíngues são capazes de vetar a atenção para informações que não são necessárias, e que poderiam causar a dispersão dessa criança, (Bialystock, 2001, apud Bandeira, 2008), desta forma, elas têm um poder de concentração maior, que crianças monolíngues. Ainda para Bialystock (2011) “em termos de proficiência geral da linguagem, as crianças bilíngues tendem a ter um vocabulário menor em cada um dos idiomas, do que crianças monolíngues em seu próprio idioma”. Contudo, estas crianças bilíngues possuem um conhecimento da estrutura linguística tão boa e até melhor do que a de crianças monolíngues. 3.2 DESENVOLVIMENTO CEREBRAL Quando falamos no que uma pessoa que domina uma ou mais línguas desenvolve, falamos nos aspectos cognitivos. Acontece também, que um indivíduo bilíngue acaba tendo, além disso, algumas questões de ordem cerebral. Segundo pesquisas recentes percebeu-se que além de desenvolvimento em relação à atenção, à concentração, maior conhecimento metalinguístico da língua; o nosso cérebro também é beneficiado com o bilinguismo. Para entender isso de uma forma melhor, precisamos conhecer nosso cérebro no que tange a linguagem. Os estudos referentes à como o cérebro procede em relação à aprendizagem da linguagem, iniciaram-se a partir do interesse em descobrir a causa 45 das afasias cerebrais37. Infelizmente, existem milhares de pessoas no mundo que sofrem de afazia. Essas pesquisas começaram a desenvolver-se na década de 1860, quando um médico francês Paul Broca investigou o cérebro de um paciente que havia perdido a fala e cujo cérebro fora colocado a sua disposição. Broca verificou que havia uma destruição de tecido numa parte posterior e inferior do lobo frontal esquerdo. Essa área fica acima e a frente do ouvido esquerdo, e recebeu por meio de outros autores o nome de área de Broca. Atribuíram a ela a faculdade da fala articulada (Geschwind, 1976). Porém com o passar dos tempos, os pesquisadores perceberam que muitas afasias não tinham sua origem na área de Broca, que era a suposta área que correspondia à linguagem. Com esses pressupostos, surge um jovem de apenas 26 anos de idade, Carl Wernicke. Após analisar diferentes afasias levou sua análise ainda mais longe, para tentar entender como o cérebro estava organizado para a linguagem. Assinalou que a área de Broca localizava-se exatamente em frente à área em que se situa a representação de boca, língua e palato, isto é, dos órgãos da fala. Assim, parecia razoável considerar a área de Broca um depósito das sequências de movimentos necessários à fala (GESCHWIND, 1976, p. 82). Poderíamos afirmar que a área de Broca é composta por programas para a linguagem articulada. Já a região que é responsável pela forma falada, para Wenicke, está localizada próxima à região cortical em que se situa a representação da audição. Qualquer que fosse a lesão nesta área, resultaria em dificuldades de compreensão da fala (Geschwind, 1976). De acordo com Geschwind (1976), “Wernicke considerava razoável admitir que a linguagem originava-se nessa região e era transmitida em seguida à área de Broca, onde era, por assim dizer, recodificada em padrões de movimentos dos músculos articulatórios”. Temos assim, a área de Broca e área de Wernicke, que são responsáveis pela linguagem. 37 O termo afasia é usado para descrever os distúrbios de linguagem resultantes de uma lesão no cérebro. (Geschwind, 1976). 46 Imagem 1 – Áreas cerebrais responsáveis pela linguagem Fonte: UOL Como tudo Funciona38. Muitos anos antes de chegarmos aos conhecimentos modernos, a respeito do funcionamento do cérebro em relação à linguagem, acreditava-se que o lado esquerdo do cérebro era responsável pela linguagem, e se localiza a área de Broca e Wernicke. Contudo, ao longo dos anos, realizaram-se pesquisas que analisavam até mesmo a diferença de pessoas destras para não destras no que se referia às possíveis diferenças entre, o funcionamento do cérebro das mesmas. (Geschwind, 1976). De acordo com Geschwind (1976) quando um adulto sofre uma lesão significativa nas regiões da fala do hemisfério esquerdo, terá graves distúrbios permanentes na linguagem, porém, se o mesmo acontecer com uma criança, percebe-se com frequência, uma ótima recuperação da linguagem, mesmo que seja uma extensa lesão nessas regiões. Segundo o mesmo autor, isso significa que o hemisfério direito está dotado de potencial para o desenvolvimento da fala. Entretanto, com raras exceções, parece que só assume funções linguísticas quando 38 Disponível em: http://ciencia.hsw.uol.com.br/chimpanze-aprende-linguagens1.htm 47 o hemisfério esquerdo é danificado durante a infância. Vendo isto nos questionamos então, por que em um adulto não acontece o mesmo? Geschwind (1976) nos responde que por muito tempo acreditava-se que o hemisfério esquerdo era a metade dominante e que o hemisfério direito era subordinado. Porém, nos últimos estudos chegou-se a um novo conceito. Geschwind (1976) afirma que na verdade o hemisfério direito não é subordinado e sim dominante para algumas aptidões. Ou seja, O hemisfério direito parece estar mais envolvido na percepção, sentido espacial, música e reatividade emocional, ao passo que o hemisfério esquerdo está envolvido na linguagem, em padrões complexos de movimento e, de um modo geral, nas associações de aprendizagem entre estímulos (GESCHWIND, 1976, p. 87). Ainda, Geschwind (1976) coloca que, em estudos realizados por Geschwind e Walter Levistky, sobre as diferenças anatômicas do cérebro, estes concluíram que a região da fala, localizada na parte superior e posterior do lobo temporal, é consideravelmente maior que a região correspondente ao lado esquerdo. Isso fora constatado em cérebros de adultos e de crianças, mostrando que o desenvolvimento da linguagem no hemisfério esquerdo é geneticamente determinado. Assim, O lado dominante é aquele que adquire a linguagem mais rapidamente, mas como o outro lado tem o potencial, não é difícil entender por que, após a destruição do lado esquerdo, a criança pode recuperar sua capacidade de aquisição mediante o uso do lado direito do cérebro. Por que, então, o adulto não a recupera, por meio do seu lado não dominante? Pode ser, é claro, que essa capacidade esteja permanentemente perdida, uma vez atingida a idade adulta. (GESCHWIND, 1976, p. 88). Desta forma, podemos compreender como nosso cérebro se estrutura em relação à linguagem, visto que, falaremos sobre o cérebro e a segunda língua. Inicialmente Indefrey (2007) em sua entrevista, ao ser questionado se as línguas são processadas de forma diferente pelo cérebro das formas de Broca e Wernicke, ele responde que “se falarmos em termos de regiões cerebrais, a resposta é não”. Para ele não existe uma região no cérebro que seja só usada para uma língua estrangeira. Quando Indefrey (2007) analisou o cérebro de crianças bilíngues percebeu que se veem ativadas as duas regiões relacionadas à língua (Broca e Wernicke). Afirma, contudo que “existem evidências que nessas áreas possam 48 ocorrer pequenas diferenças na localização exata das populações de células nervosas que processem as línguas maternas e outras”. Segundo Indefrey (2007), devem existir diferenças no cérebro como o modo que este processa as línguas. De acordo com o artigo Por que o estudo de uma Segunda Língua é bom para o cérebro?39 do blog Todos Somos Um, uma pesquisa realizada na Universidade de College London, estudou o cérebro de 105 pessoas, das quais 80 eram bilíngues. O que esta pesquisa mostrou foi que estudar uma segunda língua altera a massa cinzenta – área do cérebro que processa as informações – da mesma forma que exercícios formam músculos. O efeito de mudar sua estrutura é o que se chama de plasticidade do cérebro, que ocorre mediante estimulação. Os resultados mostraram que a densidade da massa cinzenta no córtex parietal inferior esquerdo do cérebro é maior em bilíngues. Outra pesquisa realizada pelos cientistas de Northwestern University e divulgada pela BBC Brasil, revela que o tronco cerebral40 dos que são bilíngues foi intensificado, isso significa que o indivíduo melhora suas condições de concentração. Esta pesquisa também revelou que o indivíduo bilíngue desenvolve um poderoso sistema auditivo, que se torna mais flexível e focado no seu processamento automático do som. A reportagem ainda lembra que pesquisas anteriores sugerem que ser bilíngue auxilia na prevenção de demência. Em relação a isso falamos novamente nas pesquisas de Ellen Bialystok que além de pesquisar se haviam vantagens cognitivas, dedicou-se inclusive a estudar o lado cerebral do bilíngue. Em uma entrevista que Bialystok concedeu a Claudia Dreifus do The New Yourk Times41, publicada em maio de 2011, a pesquisadora explicou que o primeiro estudo, de 2004, ela e seus colaboradores descobriram que, idosos bilíngues tiveram melhor funcionamento cognitivo que idosos monolíngues. E ainda, os idosos bilíngues realizavam tarefas de controle executivo com melhor desempenho. Bialystok, disse ainda, que o normal é que se vá perdendo essas funções na mesma proporção entre os idosos. 39 Disponível em: http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigosP.asp?id=31543 Tronco Cerebral é aqui entendido como uma estrutura neurológica que se localiza entre a medula espinhal e o diencéfalo e é responsável em parte, pela atenção. Fonte: http://www.psiqweb.med.br/ site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerDicionario&idZDicionario=597 41 Disponível em: http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=en&tl=pt&u=http% 3A%2F%2F www.nytimes.com%2F2011%2F05%2F31%2Fscience%2F31conversation.html&anno=2&sandbox=1 ou no original: http://www.nytimes.com/2011/05/31/science/31conversation.html?_r=0 40 49 Em outro estudo que realizou, Bialystok analisou os registros médicos de 400 pacientes de Alzheimer. O que ela descobriu foi que em média os bilíngues desenvolveram Alzheimer cinco ou seis anos mais tarde, do que aqueles que não falavam duas línguas. A pesquisadora salientou, que o que vem auxiliando nessas pesquisas é a tecnologia da neuroimagem, onde se consegue estudar mais e melhor o cérebro humano e acrescenta: Uma das coisas que temos visto é que, em certos tipos de testes ainda nãoverbais, as pessoas bilíngues são mais rápidas. Por quê? Bem, quando olhamos em seus cérebros através de neuroimagem, parece que eles estão usando um tipo diferente de uma rede que pode incluir centros de línguas para resolver um problema completamente não-verbal. Todo o seu cérebro parece religar por causa de bilinguismo. (BIALYSTOK, 2011) Já em outa entrevista dada, desta vez ao The Guardian, por Killian Fox em junho de 201142, ela relata melhor seu estudo com pacientes que desenvolveram Alzheimer, onde neste estudo, ao analisar o cérebro de idosos com cerca de 75 anos e com exatamente o mesmo nível cognitivo, Bialystok percebeu que o córtex medial temporal dos bilíngues havia muito mais danos que nos pacientes monolíngues. Isso significa que, os idosos bilíngues poderiam estar com a doença mais adiantada se fossem monolíngues, assim o fato de falarem duas línguas retardou a doença. Contudo, Bialystok salienta que esses resultados são encontrados em pessoas que usam ambas as línguas o tempo todo. Ela enfatiza ainda que uma nova língua deve ser aprendida em qualquer idade e que não devemos buscar uma língua somente por que teremos melhor desenvolvimento cognitivo e evitaremos o aparecimento de demências, mas também, para conhecermos novas culturas, outras pessoas, outras formas de pensar. 42 Disponível em: http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=en&u=http://www.theguardian. com/technology/2011/jun/12/ellen-bialystok-bilingual-brains-more-healthy&prev=/search%3Fq%3D BIALYSTOK,%2BEllen.%26biw%3D1366%26bih%3D675 ou no original: http://www.theguardian. com/technology/2011/jun/12/ellen-bialystok-bilingual-brains-more-healthy 50 CONCLUSÃO Este trabalho foi pensado a partir da perspectiva sobre a importância da linguagem na vida humana. A partir disso, remetemos nossa pesquisa à segunda língua, e apresentamos as principais teorias de aquisição expondo as de forma que encontrássemos qual delas explicaria, de melhor forma, como se dá o desenvolvimento de uma segunda língua. Falamos inclusive, sobre o bilinguismo, seus conceitos e demais questões que derivassem do mesmo e por fim buscamos estudos que falassem a respeito dos supostos benefícios cognitivos em se aprender uma segunda língua, bem como, como nosso cérebro trabalha em relação à linguagem e o que acontece quando este é exposto a uma segunda língua. Podemos afirmar que alcançamos nossos objetivos, uma vez que no que se refere às teorias de aquisição e aprendizagem, percebemos que a teoria que melhor expõe e explica o processo de aquisição e aprendizagem é a Teoria de Krashen e suas cinco hipóteses. Conseguimos inclusive, apesar de se tratar de um tema novo e em expansão, conceituar o termo bilinguismo através dos principais pesquisadores/autores que estudaram e estudam o bilinguismo, onde encontramos vários conceitos, e acreditamos, por fim, que um indivíduo bilíngue é aquele capaz de se comunicar em mais de uma língua, e que este desenvolverá a habilidade que lhe for mais necessária (ler, escrever, entender ou conseguir expressar-se nesta língua). Além disso, encontramos a origem do bilinguismo e falamos brevemente sobre a educação bilíngue. Por fim, encontramos pesquisas que confirmam a hipótese dos benefícios cognitivos provenientes do bilinguismo bem como os benefícios cerebrais desenvolvidos, e no geral podemos dizer que ser bilíngue garante ao indivíduo mais poder de reter atenção ao que é necessário, conseguindo ignorar aspectos 51 irrelevantes, tem mais facilidade com o uso gramatical da língua, por se concentrar na forma da língua. A respeito dos benefícios cerebrais, o fato de ser bilíngue ajuda a manter o cérebro saudável evitando demências como o Alzheimer. Além disso, consideramos que o fato de que uma segunda língua garante o conhecimento de novas culturas, novas histórias, e a entender outras pessoas e seu modo de viver. Percebemos, contudo, que o estudo sobre segunda língua e principalmente sobre o bilinguismo, tem um longo caminho a percorrer, tanto que encontramos dificuldades em realizar este estudo por ser algo muito recente, principalmente em nosso país. Neste aspecto, vimos que o nosso país é um país composto de várias comunidades bilíngues e que o termo monolíngue dirigido ao nosso país é um tanto quanto equivocado. Temos aqui, inclusive, muito campo de pesquisa, temos comunidades de descendentes de alemães, italianos, russos... e os indígenas. Assim, faz-se necessário que trabalhos como o nosso tenham continuidade, mas que estes sejam voltados também à pesquisa de campo, a coleta de dados, pois ao final deste trabalho percebemos que não precisamos ir tão longe assim para encontramos um número considerável de bilíngues. 52 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, J. C. P. Stephen Krashen. Disponível em: <http://www.doneforyou.com.br/padrao.aspx?texto.aspx?idcontent=240&idContentS ection=1836>. Acesso em: 22/07/2013. BANDEIRA, M. H. T. Comparação entre o desempenho de crianças bilíngues e monolíngues em tarefas envolvendo a memória de trabalho. 2008. Disponível em: <http://celsul.org.br/Encontros/08/comparacao_bilingues_monolingues.pdf>. Acesso em: 03/03/2013. BBC BRASIL. Aprender uma segunda língua pode aumentar poder do cérebro, dizem cientistas. maio 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/ noticias/2012/05/120502_cerebro-lingua_rp.shtml Acesso em 19/10/2013>. Acesso em: 10/10/2013. BIALYSTOK, E. 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