REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 82 BILINGUISMO INFANTIL - ALÉM DOS SIGNOS1 UENO, Cecília2 Resumo: O presente artigo procura descrever alguns aspectos da natureza e do funcionamento do “Bilinguismo Infantil”. Observa-se que, com a crescente mistura de etnias, surgem crianças que poderão ter, em seus lares, duas línguas diferentes, envolvendo aspectos de pertencimento cultural, relações e maneiras de ser distintas, vivenciados de forma particular pelos indivíduos. Por meio deste artigo, procura-se apresentar informações esclarecedoras, numa abordagem multidisciplinar, de entendimento relativamente fácil. Assim, poderá servir como material de consulta destinado a pessoas que se encontram em situações semelhantes às mencionadas acima. Também, se espera com este estudo contribuir para o aumento da bibliografia sobre o bilinguismo infantil, uma vez que se trata de um tema complexo, a respeito do qual há escassa bibliografia em língua portuguesa. Palavras-chave: Aquisição de segunda língua. Bilinguismo infantil. Língua e identidade Abstract: This respective article seeks to describing some aspects of nature how to work the “Childhood Bilingualism”. It has been observed that through the growing of ethnic mingle, children have come out with two different languages holding aspects of culture, relationships and different ways of being that are experienced in a particular way by individuals. However, through this research it has tried to provide enlightened informations in a multidisciplinary approach for a relatively easy understanding. Thus, it will serve as reference material for people who are in similar situations to those mentioned above. It´s also expected with this study to contribute to a large bibliographical increasement of childhood bilingualism literature, instead it is a complex motif and there are few papers about this issue into Portuguese Language. Keywords: Second language acquisition. Childhood bilingualism. Language and identity. INTRODUÇÃO O bilinguismo infantil envolve dimensões que vão além dos signos1, das habilidades cognitivas ou, ainda, de determinadas adaptações dos falantes à sociedade, e ao mercado atual de trabalho em que estão inseridos. Em tal contexto, devem levar-se em conta, entre outros elementos, aspectos de pertencimento cultural, relações e modos 1 Signo linguístico: é o que F. de Saussure denomina uma entidade psíquica de duas faces, a combinação indissolúvel, no interior do célebro humano, do significado e do significante. Dubois (2006). SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 83 de ser de cada um, os quais são vivenciados de maneira profunda e individual pelas pessoas. Nesse cenário, a língua já não pode ser uma barreira; mas, de preferência, uma ponte que nos liga a novos horizontes. Atualmente, as migrações de pessoas de um país a outro se tornaram comuns, seja por motivo de trabalho, de estudo, ou, até mesmo, de viagens de turismo. Vive-se num país multicultural, formado por imigrantes vindos de várias partes do mundo, muitos dos quais conservam suas tradições e culturas. Com a evolução cada vez maior da tecnologia, pessoas do mundo todo podem comunicar-se a qualquer momento, criando elos entre diversas etnias. Em tal quadro, notam-se inúmeros casos de casamentos multiculturais. Desse encontro de culturas, podem surgir filhos que terão em seus lares duas línguas diferentes, duas mundividências. E, quando os dois são estrangeiros e moram num outro país, aumentam-se mais uma língua e mais uma cultura diferentes a sua volta. Confuso? Será possível falar duas, três línguas simultaneamente? E por que não? E como lidar com essas crianças no aspecto cultural? Em que língua falar com elas? Pode-se ressaltar a importância deste trabalho por ele buscar divulgar informações esclarecedoras a respeito do fenômeno Bilinguismo Infantil numa abordagem multidisciplinar, colaborando como material de apoio a pessoas em situações semelhantes às levantadas acima. Assim sendo, tem-se como objetivo compreender e descrever alguns aspectos da natureza e do funcionamento do Bilinguismo Infantil, sobretudo do ponto de vista linguístico, não se deixando de lado a visão de outras especialidades a respeito do assunto. De igual forma, acredita-se que este artigo contribuirá para um considerável aumento da bibliografia sobre o assunto, uma vez que não são muitos os estudos sobre o bilinguismo infantil2, principalmente em língua portuguesa. 2 Sabe-se que há várias definições relativas ao bilinguismo infantil e à criança bilíngue, e diversas classificações de acordo com vários critérios específicos. No artigo ora apresentado, foca-se principalmente a oralidade de crianças de 0 a 7 anos sem patologia. SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 84 1 PRELÚDIOS DA LINGUAGEM E BILINGUISMO Quem resiste a um sorriso de um bebê? E a um balbucio? É quase impossível não se deixar contagiar. O bebê emite sons dos mais variados: parece que está nos chamando para um bate-papo, às vezes, semelha estar perguntando, outras vezes concordando ou até mesmo respondendo. Bee (2003) explica que o balbucio é uma importante preparação para a linguagem falada; o bebê vai adquirindo o padrão de entonação da linguagem que ele escuta. Seria como “aprender a melodia antes das palavras” (BATES e tal, 1987, apud BEE, 2003, p. 260). Davidoff (1983) relata que as características do motherese3 parecem ser universais; o bebê começa a extrair a estrutura da linguagem e, em consequência, formula regras gerais de cada respectiva linguagem. Scarpa (2009, p. 209) relata que as crianças “trazem uma enorme quantidade de informações a que Chomsky chama de Gramática Universal (GU), que é uma ‘caracterização desses princípios inatos, biologicamente determinados, que constituem o componente da mente humana – a faculdade da linguagem’”. Slobin (apud BEE, 2003) cita a hipótese confirmada por Morgan (1994) de que “o bebê está pré-programado para prestar atenção aos inícios e aos finais das sequências de sons e aos efeitos enfatizados”. De acordo com Bee (2003, p. 279), esses princípios podem explicar alguns dos aspectos da gramática inicial das crianças: No inglês, por exemplo, as palavras enfatizadas em uma frase são, em geral, o verbo e o substantivo – precisamente as palavras que as crianças de língua inglesa usam em suas primeiras frases. Na Turquia, por outro lado, são enfatizados os prefixos e sufixos, e as crianças de língua turca os aprendem muito cedo. Ambos os padrões fazem sentido se supomos que a regra pré-programada não é ‘ser verbo’ nem ‘ser substantivo’ nem ‘ser prefixo’ mas ‘prestar atenção aos sons enfatizados’. 3 Motherese: vocabulário fácil, sons simplificados, uma entonação de alta tonalidade e exagerada, perguntas e comandos que a mãe usa, especialmente em sua “conversa de bebê”. Davidoff (1983). SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 85 Corrêa (2006, p. 49) assevera que é “na primeira infância que ocorre uma espécie de boom de sinapses4, cujo ápice se dá por volta dos 3 anos”. E prossegue: “Sabe-se também que os bebês até um ano de idade têm capacidade para distinguir sons e pares minimais (bad/bed do inglês, fee/feu do francês, som/são do português)”. Segundo estudos da autora, a distinção desses fonemas5 de diferença sutil tende a rarear com o passar do tempo. Perissé (2004, p. 47) declara: “Crianças pequenas aprendem quantos idiomas simultâneos o ambiente lhes proporcionar [...] desde que estes tenham funções comunicativas“. Ramos (2004), sustentada nas idéias de De Houwer (1997), afirma: Em primeiro lugar, cabe desfazer a idéia errônea de que a aquisição de duas línguas é prejudicial desde o nascimento [...] crianças com desenvolvimento normal não são prejudicadas pela aquisição simultânea de duas línguas. Ao contrário, quanto mais cedo esse processo acontecer, melhor, pois maior é a plasticidade cerebral e melhores são os resultados, sobretudo para a aquisição fonológica perfeita, sem sotaques. Na concepção da pesquisadora DeBiaggi (apud MAXWELL, 2008), há muitos pais que ainda têm receio em introduzir mais de um idioma na educação de seus filhos, pois pensam que aprender duas línguas ao mesmo tempo poderá causar atraso na aquisição de uma das línguas, ou menor desenvoltura linguística. De fato, ainda existe uma crença (inclusive por parte de alguns estudiosos mais antigos) de que o aprendizado deve ser feito em apenas uma língua para não causar confusão na criança. Porém, é um medo sem fundamento, visto que as crianças bilíngues não misturam as línguas e atingem os marcos de desenvolvimento na mesma época que as crianças monolíngues. De Houwer (2005) explica que, geralmente, se as pessoas vêem problemas com a situação bilíngue, tais problemas não são pelo fato de o input6 ter sido dado nas duas línguas, mas, sim, de que foi dado input insuficiente nas duas línguas (ou em uma das duas). Morais (2008) declara que “O Bilinguismo não pode ser visto como um dano, 4 Sinapse: Relação anatômica entre dois neurônios. Região de contato entre dois neurônios, onde os impulsos nervosos passam do áxone de um deles para os dendritos do outro. Michaelis (2009). 5 Fonema: menor unidade sonora de uma língua, capaz de estabelecer distinção de significado entre as palavras. Mesquita (2007). SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 86 porquanto as crianças sabem distinguir desde cedo quando e como falar, conciliando a sua língua com a situação em que se encontram, não tendo dificuldades em fazer esse jogo com as línguas”. A pedagogia bilíngue pelo jogo desempenha um papel fundamental, é um motor de integração ao grupo, e é por intermédio dele que se constrói o sentido, como elaboração solidária e coletiva dos conteúdos, correspondentes a cada forma linguística (HAGÈGE, 1996). Nota-se que a criança não só vai tomando consciência de partes da gramática, como também vai percebendo as diferenças de pronúncia e entonação que existem de uma língua para a outra. Nesse ponto, acrescenta-se a importância do incentivo dado a ela, visto que, uma criança incentivada, elogiada e motivada desenvolve-se com mais facilidade. 2 DISCIPLINA NA AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA Inicia-se este tópico do artigo com a seguinte observação tomada a Leffa (2006, p. 51): “Há casos de crianças alfabetizadas em duas línguas simultaneamente. Mas isso não quer dizer que se deva fazê-lo, pois forçar a criança pode ser prejudicial, a aprendizagem tem de ser prazerosa”. Ramos (2004) explica que um dos aspectos mais importantes a considerar-se no processo de aquisição de segunda língua é a qualidade das interações feitas para tal processo, já que a criança adquire a linguagem a partir de uma situação naturalística, de atividade dialógica, não sendo efetivas as tentativas de tratar a segunda língua como uma questão de memorização de vocabulário. Em relação à introdução de uma nova língua no momento da alfabetização, Ramos (2004) assevera que tal inserção deve ser cuidadosamente estudada em cada situação e caso particular, defendendo a idéia que o ideal seria um contato prévio com a segunda língua na modalidade oral antes da alfabetização (Isso porque seria um contato 6 Input: Entrada. Conjunto de informações que chegam a um sistema (organismo, mecanismo). Dubois (2006). SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 87 abrupto num momento que por si só já é um grande desafio). Segundo Hagège (1996), a gramática não pode ser introduzida logo desde o início da educação bilíngue precoce, da mesma forma que a criança não aprende a língua materna antes de frequentar a escola através de noções de nomes, adjetivos ou numerais Ainda de acordo com Ramos (2004), ancorado nas idéias de De Houwer (1997), do ponto de vista clínico, quando a criança apresenta alterações que afetem a linguagem, aconselha-se usar apenas uma língua, ou seja, eleger a língua mais importante de seu contexto sociocultural, geralmente, a língua dos pais e das pessoas com as quais a criança tenha mais convívio para que possa ter o máximo de input nessa língua. Concorda-se com os estudos de Ramos (2004), e acrescenta-se que cada caso deve ser estudado individualmente. Após a criança conseguir certa desenvoltura na primeira língua escolhida, é possível inserir uma segunda língua, dependendo de cada caso. Salienta-se que as crianças têm aptidões diferentes e nem todas gostam de idiomas. É um processo, portanto, que precisa ser avaliado e estudado cuidadosamente de forma disciplina pelos responsáveis pela criança e pelos especialistas envolvidos em tal processo, levando-se em consideração cada situação e cada caso particular. 3 MONOLÍNGUES E BILÍNGUES Segundo Hagège (1996), o sucesso da aprendizagem bilíngue está diretamente ligado com o cuidado que se tem no seu favorecimento desde o princípio da vida. “[...] a flexibilidade cognitiva dos bilíngues é, não uma aptidão inata, mas uma vantagem adquirida. Os bilíngues possuem, ainda, a capacidade de transpor facilmente as fronteiras que a diferença das línguas traça entre os homens” (HAGÈGE, 1996, p. 8). De acordo com o Dicionário de linguagem e linguística (TRASK, 2008, p. 47), “Há evidências de que as crianças que crescem bilíngues tendem a ser mais expressivas, mais originais e mais comunicativas do que as crianças que crescem com uma única língua”. SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 88 Gombert (1990, apud TEBEROSKY e OLIVÉ, 2004, p. 74) afirma que “É evidente que a experiência com diferentes contextos de uso da linguagem desenvolve uma capacidade mais analítica e aumenta o controle sobre a linguagem”. Vários autores como Martorell e Lasagabaster (2000, apud MENDONÇA e FLEITH, 2005) têm obtido resultados positivos da influência do bilinguismo em relação ao desenvolvimento da criatividade. Soares e Grosjean (1984, apud MENDONÇA e FLEITH, 2005) relatam que os indivíduos bilíngues podem, até certo ponto, ativar e desativar uma língua de acordo com a situação em que se encontram, transitando em um contínuo linguístico único, favorecendo diversos aspectos da cognição. Também há estudiosos como Bialystok (apud FLORY e SOUZA, 2009, p. 43), que explicam sobre a necessidade de um maior esclarecimento em relação à natureza e a extensão da influência do bilinguismo: [...] provavelmente deve haver áreas específicas do funcionamento cognitivo em que crianças bilíngues difiram de monolíngues, mas afirmações generalizadas sobre uma superioridade intelectual são provavelmente exageradas e insustentáveis. Conforme estudos de Hagège (1996), em 1913, Ronjat, casado com uma alemã, havia decidido educar seu filho Louis nas duas línguas francesa e alemã e foi aconselhado por seu colega fonético M.Grammont (apud HAGÈGE, 1996, p. 35) a aplicar desde o berço a regra: [...] Basta que quando se queira dizer-lhe qualquer coisa, seja dito numa das línguas que se quer que ela aprenda. Mas eis o ponto fundamental: cada língua deverá ser representada por uma pessoa diferente. Que você, por exemplo, lhe fale sempre em francês, e a mãe em alemão. Não inverta nunca os papéis. Não significa que a alternância das línguas nos pais tenha, necessariamente, efeitos negativos. O que se quer expor é que, de acordo com as observações dos especialistas, as hipóteses de sucesso são maiores, aplicando tal princípio. Mesmo nessas circunstâncias, a flexibilidade faz-se necessária. Se a criança não aceita falar uma SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 89 das duas línguas num determinado momento, os pais devem, obviamente, adaptar-se a essa situação passageira, banindo toda a obstinação. Se uma das línguas familiares é a língua corrente do país, no qual a criança vive, a influência será fortemente acrescida (HAGÈGE, 1996). McLaughlin (1984, apud BEE, 2003, p. 270) aponta que “se ambos falam as duas línguas com a criança ou as misturam em suas conversas, a situação é mais difícil para a criança, e a aprendizagem da linguagem sofrerá atrasos”. Os especialistas concordam que a melhor maneira de ajudar uma criança a aprender duas línguas com fluência é falar ambas desde o início, especialmente se as duas vêm de fontes diferentes. Por exemplo, se o idioma nativo da mãe é o inglês e o do pai é o italiano, a mãe deve falar apenas em inglês com o bebê, e o pai, apenas em italiano. A criança pode aprender ainda duas línguas se uma é sempre falada em casa e a outra na creche, com os amiguinhos, ou em alguma outra situação externa (BEE, 2003, p. 270). Diante do estudo realizado neste item, nosso juízo vai ao encontro da teoria fundamentada por Ronjat (1913, apud HAGÈGE, 1996) e reafirmada por BEE (2003), a qual ressalta-se que cada pessoa deve falar em uma língua com a criança, sem misturar as línguas. Acredita-se que o mesmo processo aplica-se em outros casos, como, por exemplo, a avó materna fala somente em japonês com a criança, e a mãe da criança somente em português. A criança automaticamente saberá distinguir em que língua falar com cada pessoa, sem mesclar os idiomas. Isso porque, se a mesma pessoa falar as duas línguas mescladas, como, por exemplo, “boneca kirei7”, a criança aprenderá a falar mesclado. Quando a mesma pessoa falar as duas línguas, faz-se necessário explicar à criança sobre o uso das línguas, em nível de assimilação de acordo com sua faixa etária, mas, sem misturá-las na mesma frase. Se for adotado que será usada a língua corrente do país inicialmente, de igual maneira, não devem misturar numa mesma frase, suas línguas maternas. E o papel do professor diante do bilinguismo? Sem dúvida, há a necessidade de os educadores serem profissionais conscientes e receptivos às diversidades, e terem conhecimento dos contrastes culturais de seus alunos, principalmente de outras 7 N. de T. “Kirei”,: significa “bonito(a)” em língua japonesa. SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 90 nacionalidades, que poderão trazer em sua bagagem outra cultura, outra vivência. Ter um ambiente propício que valorize o aspecto cultural de cada indivíduo é de suma importância para o desenvolvimento de sua língua. Nesse quadro, deve-se ressaltar, igualmente, a importância do acompanhamento, apoio e auxílio dos pais em casa. O primeiro pressuposto para se aprender uma língua é o de estar aberto às diferenças. Sabe-se de longa data, aliás, que não é possível separar língua e cultura. Outra língua é uma outra maneira de dizer, portanto de pensar, viver e até sentir (CORRÊA, 2006, p. 52). Em nosso ponto de vista, a inserção de um outro idioma, seja qual for, deve ser feito o quanto antes, aproveitando-se a fase em que a criança está mais apta a assimilar naturalmente novas línguas, desde que seja de forma lúdica, na oralidade, prazerosa, sem cobranças, sem forçá-la, e, menos ainda, apenas para satisfazer uma vontade dos pais ou por modismo, e, sobretudo, sempre observando e respeitando a criança. Com exceção dos casos de crianças monolíngues que apresentam problemas na percepção auditiva já na aquisição da primeira língua, acredita-se que não há malefícios no fato de a criança adquirir uma segunda língua. A chave da questão está na forma e no contexto nos quais ocorre tal aquisição. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme pôde-se observar, a finalidade do presente artigo foi analisar algumas características da natureza e do funcionamento do bilinguismo infantil, uma área de conhecimento híbrida, que envolve vários aspectos, dentre os quais os linguísticos, os psicológicos, os identitários e os culturais. Nota-se que, com o encontro de etnias, aumentam-se os casos de crianças com línguas e culturas distintas em seus lares, fazendo-se necessários mais estudos a respeito de tal tema tão complexo e fascinante. Sabe-se que nem todos têm afinidades com idiomas, da mesma forma que há pessoas que não têm interesse por física, por exemplo. Haverá crianças que se beneficiarão e outras não. E, também, há crianças monolíngues que apresentam dificuldades de fala já na aquisição da primeira língua. Respeitam-se tais casos e respectivos pontos de vista. Além do mais, quem disse que é melhor ser bilíngue? SABER ACADÊMICO - n º 11 - Jun. 2011/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 91 Porém, para aqueles que se identificam com a questão das línguas, adquirir um novo idioma é uma forma de ampliar horizontes, de conhecer novos universos, visto que o mundo não se restringe ao nosso espaço. Dentro de nós, existe lugar para muitas coisas, e adquirir um novo idioma não é deixar de ser o que somos, e, sim, acrescentar novas maneiras de ser, o que é enriquecedor. REFERÊNCIAS AIMARD, Paule. A aquisição da linguagem. In: AIMARD, Paule. O surgimento da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1998. BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. BEZERRA, Izabel C. R. M. Aquisição de segunda língua de uma perspectiva linguística a uma perspectiva social. Soletras: Revista do departamento de letras da UERJ, n. 5, dez./2003. Disponível em <http://www.filologia.org.br/soletras>. Acesso em 23 out. 2010. BOCK, A. M. B; FURTADO, O; TEIXEIRA, M. L. T. 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