UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
EDICLÉCIA SOUSA DE MELO
GESTOS PANTOMÍMICOS E PRODUÇÃO VOCAL NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
JOÃO PESSOA-PB
AGOSTO DE 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
EDICLÉCIA SOUSA DE MELO
GESTOS PANTOMÍMICOS E PRODUÇÃO VOCAL NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da
Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção
do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
Orientadora: Prof.ªDrª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante
JOÃO PESSOA-PB
AGOSTO DE 2014
EDICLÉCIA SOUSA DE MELO
GESTOS PANTOMÍMICOS E PRODUÇÃO VOCAL NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba
como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
Data de aprovação: ____/____/____
______________________________________________________________________
Prof.ªDrª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante (orientadora)
______________________________________________________________________
Ms.Paula Michely Soares da Silva (examinadora)
______________________________________________________________________
Prof.Ms. Paulo Vinícius Ávila Nóbrega (examinador)
Melo, Ediclécia Sousa de.
Gestos pantomímicos e produção vocal na aquisição da linguagem /
Ediclécia Sousa de Melo. - João Pessoa, 2014.
44f. : il.
Monografia (Graduação em Letras / Língua Portuguesa) – Universidade
Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Orientadora: Profª. Drª. Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante.
1. Aquisição da linguagem. 2. Pantomima. 3. Multimodalidade.I. Título.
BSE-CCHLA
CDU 801
Para Erivaldo, meu amado irmão,
com carinho, dedico.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por ter me concedido a oportunidade ingressar e
concluir o curso de Letras, por me abençoar, me proteger durante todo o trajeto e me ajudar a
ultrapassar todas as barreiras presentes em meu caminho.
Aos meus pais, Edinilson Melo e Severina Sousa pelo carinho, cuidado e compreensão
que tiveram para comigo.
Agradeço infinitamente aos meus avós Antônio de Sousa (In memoriam) e Josefa
Francisca (In memoriam) pelo apoio, por me mostrar as mais belas virtudes de um ser
humano e por ter me amado tanto.
Ao meu esposo Anderson França que me incentivou, e esteve ao meu lado nos bons e
nos difíceis momentos da minha vida. A sua história de vida é um grande exemplo de vitória,
o que me deu forças para a conquista desse sonho.
Ao meu amado irmão Erivaldo Sousa por acreditar na realização deste objetivo e por
sempre estar ao meu lado.Meu irmão, essa conquista não é só minha, é nossa!
A minha Tia Edinilda que sempre me motivou com suas palavras de carinho e afeto..
A minha amiga e sogra Maria da Conceição, por ter me acolhido tão carinhosamente
em sua família.
A minha amiga e irmã de todas as horas, Danieli Maria da Silva, pelo companheirismo
e cumplicidade. Obrigada, minha amiga!
A minhas amigas da graduação, em especial a Valmira Cavalcanti e Jacqueline Marie,
pelo carinho, pela amizade que construímos e pela consideração que têm pela minha pessoa.
Aos amigos do LAFE por ter partilhado ótimos momentos de discussões e
aprendizado.
À minha orientadora Marianne Cavalcante por ter me acolhido no projeto de pesquisa
desde o 3º semestre do curso. Obrigada pela dedicação, paciência, carinho e atenção. Serei
eternamente grata por sempre estar disponível a orientar-me e por tudo o que aprendi.
As minhas amigas Mirian Silva e Vanessa Buarque por sempre me motivar e por
acreditar na realização deste sonho.
Agradeço a todos os meus amigos da capela São Severino, e aos demais amigos da
comunidade quilombola Mituaçú, comunidade essa em que nasci e vivi as aventuras da
infância. Que orgulho nascer e ser de um quilombo!
Aos professores do curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba, que
contribuíram imensamente para a minha formação.
“Quem não compreende um olhar,tampouco
compreenderá uma longa explicação”.
(Mário Quintana)
RESUMO
A linguagem infantil engloba as produções gestuais, o olhar, a expressão facial, a
produção vocal, etc. Todos esses aspectos verbais e não verbais apontam para a
multimodalidade existente na língua desde os meses iniciais de vida da criança, uma vez que
os gestos e a produção vocal não ocorrem em momentos distintos na aquisição da linguagem,
ambos são produzidos de forma simultânea pelos bebês em contextos interativos. As
pantomimas, por exemplo, fazem parte do conjunto gesticulatório, são simulações de ações
cotidianas e estão presentes nos momentos de interação mãe-bebê. Diante disto, o presente
trabalho tem por finalidade compreender a relação entre os gestos pantomímicos e a produção
vocal no período de aquisição da linguagem. Para isso, vamos nos basear no interacionismo
social proposto por Vygotsky (1984) e Tomasello (2003). No que tange à gestualidade e à
multimodalidade ressaltamos os estudos de McNeill (1985), Kendon (1982), Cavalcante
(1994; 2008; 2012), Ávila Nóbrega (2010), e em relação à produção vocal infantil
destacaremos a proposta de Barros (2012) que abrange o balbucio, jargão, holófrases e blocos
de enunciados. Metodologicamente, observamos, transcrevemos e analisamos as filmagens
realizadas em situações naturalísticas da díade I. O LAFE, Laboratório de aquisição da Fala e
da escrita, conta com oito díades com a faixa etária de zero a trinta e seis meses. As análises
revelam a que os gestos pantomímicos estão atrelados à produção vocal infantil destacando-se
o gesto de simular falar ao telefone que é privilegiado pela díade no decorrer do processo de
aquisição da linguagem.
Palavras-chave: Aquisição da linguagem.Pantomima.Multimodalidade
ABSTRACT
The child language encompasses the gestural productions, eye gaze, facial expression,
vocal production, etc. All these verbal and nonverbal aspects point to the existing
multimodality in language from the earliest months of a child's life, since the gestures and
vocal production does not occur at different times in language acquisition, both are produced
simultaneously by babies in interactive contexts. The pantomimes, for example, are part of
gesticulatório together are simulations of everyday actions and are present in moments of
mother-infant interaction. Hence, the present study aims to understand the relationship
between pantomímicos gestures and vocal production during the period of language
acquisition. For this, we rely on the social interactionism proposed by Vygotsky (1984) and
Tomasello (2003). Regarding gestures and multi-modality, we emphasize studies McNeill
(1985), Kendon (1982), Choi (1994, 2008, 2012), Avila Nobrega (2010), and in relation to
infant vocal production, we will outline the proposed Barros (2012) covering the babble,
jargon, and holófrases blocks of statements. Methodologically, observe, transcribe and
analyze the footage held naturalistic situations in the dyad I. LAFE Laboratory Acquisition of
Speech and writing, has eight dyads with the age group of zero to thirty-six months. The
analyzes reveal that the pantomímicos gestures are linked to infant vocal production,
highlighting the gesture to simulate talking on the phone that is privileged by dyad during the
process of language acquisition.
Keywords: Acquisition of linguagem. Pantomima. Multimodality
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1- Corpus do LAFE ..................................................................................... 26
QUADRO 2- sessões do bloco A .................................................................................. 27
QUADRO 3-sessões do bloco B ................................................................................... 27
QUADRO 4- Primeira situação comunicativa .............................................................. 29
QUADRO 5- Segunda situação comunicativa .............................................................. 30
QUADRO 6- Terceira situação comunicativa ............................................................... 31
QUADRO 7- Quarta situação comunicativa ................................................................. 33
QUADRO 8- Quinta situação comunicativa ................................................................. 34
LISTA DE TABELAS
TABELA 1- Quantidade de pantomimas e tipologia vocal do bloco A ......................... 35
TABELA 2- Quantidade de pantomimas e tipologia vocal do bloco B ......................... 36
TABELA 3- Tipologia e frequência dos gestos pantomímicos do bloco A ................... 37
TABELA 4- Tipologia e frequência dos gestos pantomímicos do bloco B ................... 37
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Sessões do bloco A .................................................................................................. 40
Gráfico 2: Sessões do bloco B .................................................................................................. 40
Gráfico 3: Diversidade de pantomimas dos Blocos A e B ....................................................... 41
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 15
1.1 Aquisição da linguagem e seus múltiplos caminhos ..................................................... 15
1.1.1 A vertente gerativista .................................................................................................... 16
1.1.2 A vertente Cognitivista.................................................................................................. 17
1.1.3 A vertente Interacionista............................................................................................... 18
1.2 Gestos e produção vocal: componentes multimodais .................................................... 21
1.2.1 Definindo os gestos Pantomímicos ............................................................................... 23
1.3 Produção vocal infantil .................................................................................................... 24
2.1 O corpus ............................................................................................................................ 26
2.2 Transcrições dos dados .................................................................................................... 27
2.3 Gestos pantomímicos e produção verbal em contextos interativos .............................. 28
3. ANÁLISE QUANTITATIVA E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS ......................... 35
3.1 Gestos pantomímicos, tipologia verbal e Presença da produção verbal ...................... 35
3.2 Diversidade e frequência de gestos pantomímicos por sessão ...................................... 37
3.3 A pantomima do telefonema ............................................................................................ 38
4. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA ....................................................................................... 39
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44
14
INTRODUÇÃO
O interesse em investigar o modo como o ser humano adquire a linguagem tem se
tornado o foco de estudos áreas diversificadas ao longo do tempo. Scarpa (2001) mostra
relatos que apontam para a existência de especulações sobre a linguagem infantil desde o
século VII A.C.
Acerca do processo de aquisição da linguagem, desde a mais tenra idade, as crianças
estão inseridas em meios comunicativos com os adultos. Na interação entre adulto e criança, a
linguagem é consolidada de variadas formas que envolvem a utilização dos gestos, da fala e
do olhar e da expressão facial, por meio deles as crianças conseguem exprimir seus desejos e
intenções, e ainda são capazes de compreender o que o outro visa mostrar ou dizer no
contexto interativo.
No presente trabalho, nosso objetivo é observar e analisar os gestos pantomímicos
realizados nos primeiros anos de vida da criança e sua relação com a produção vocal. Para
tanto, partimos da perspectiva da multimodalidade da língua. McNeill (1985) propõe que
gesto e fala são indissociáveis, funcionando de forma simultânea. Quanto à classificação dos
gestos e suas relações com a fala, destacaremos os estudos de Kendon (1982) para dar conta
da utilização destes aspectos multimodais na comunicação humana.
Kendon (1982) organiza um continuo gestual que relaciona os gestos com a produção
oral. Nesse continuo, podemos destacar os gestos pantomímicos, gestos que são executados,
principalmente, no âmbito teatral com o objetivo de imitar as ações humanas. Vale ressaltar
que a pantomima é produzida pelos adultos em situações corriqueiras do dia-a-dia, e, além
disso, no período de aquisição da linguagem, em situações interativas, esses gestos são
realizados desde cedo pelas crianças e pela própria mãe, figura que desempenha importante
papel para construção dos gestos pantomímicos.
No primeiro capítulo, traremos à discussão a aquisição da linguagem por meio de uma
breve introdução sobre algumas das suas abordagens, salientando o importante papel da
interação nesse processo. Partimos da concepção de que o desenvolvimento da linguagem
infantil se dá através de aspectos sociais e culturais, neste sentido, destacamos Interacionismo
social proposto por autores como Vygotsky (1962) e Tomasello (2003).
15
Em seguida, focalizaremos a multimodalidade na aquisição da linguagem tendo por
base os estudos de McNeil (1985), visamos corroborar com a abordagem teórica que parte da
premissa de que os gestos e a fala ocorrem simultaneamente.
Para a classificação e definição dos gestos pantomímicos e a relação com a produção
vocal, apresentaremos o continuo de Kendon (2000), no qual está inserido a definição e outros
aspectos referentes aos gestos. Sobre os aspectos da produção vocal infantil, salientamos a
proposta de Barros (2012), que abrange a tipologia vocal produzida pelas crianças no período
de aquisição da linguagem: balbucio, holófrase, jargão e blocos de enunciados.
No segundo capítulo, apresentaremos a metodologia adotada para a realização desta
pesquisa, que de caráter longitudinal, visa investigar a emergência dos gestos e da produção
vocal em situações naturalísticas e interativas entre a mãe e o bebê. Para tanto, são transcritos
e analisados vídeos gravados na residência da Díade I.
No terceiro capítulo serão analisados fragmentos dos dados coletados tanto de forma
qualitativa quanto de forma quantitativa. As sessões analisadas estão organizadas em dois
blocos, o primeiro bloco compreende a faixa etária dos dez meses e oito dias aos 15 meses
(bloco A), e o segundo bloco abrange dos vinte e quatro meses aos vinte e oito meses (bloco
B).As análises das transcrições visam mostrar a relação do gesto pantomímico com a
produção vocal infantil, os gestos mais frequentes e os contextos interativos em que são
produzidos.
1.PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Neste capítulo serão apresentados embasamentos teóricos concernentes ao modo de
como a criança adentra na sua língua materna. Dessa forma, é importante mostrarmos uma
breve explanação acerca do surgimento da Aquisição da linguagem como campo de estudos e
algumas das suas principais vertentes.
1.1Aquisição da linguagem e seus múltiplos caminhos
Os estudos em aquisição da linguagem têm suscitado o interesse de pesquisadores nas
variadas áreas: psicologia, linguística, fonoaudiologia, educação. Desses distintos campos de
16
pesquisa emergem trabalhos que de forma interdisciplinar buscam investigar o
desenvolvimento da linguagem infantil, a aquisição da linguagem, por sua vez, é considerada
uma área heterogênea e multidisciplinar (SCARPA, 2001).
Além de ser o foco de pesquisas em maiores áreas, a aquisição da linguagem se
destaca por ser um campo de estudo de sub-áreas, como exemplo, a aquisição da língua
materna, a aquisição de segunda língua e a aquisição da escrita.
Scarpa (2001) considera que a aquisição da linguagem tem sido influenciada por
teorias da psicologia do comportamento e do desenvolvimento, e pela linguística. Logo, a
Aquisição da linguagem nasce da Psicolinguística, área de conhecimento que surge em
meados da década de 1950 através a associação entre a psicologia e a linguística.
Ao produzir um levantamento das tendências teóricas em Aquisição da linguagem no
Brasil nos últimos trinta anos, Correia (1999) compreende que tal estudo tem por objetivo
explicar a forma de como o ser humano mesmo não possuindo um aprendizado formal, nos
primeiros anos de vida, incorpora a língua e a forma de expressão da sua comunidade. Logo,
As teorias em Aquisição da linguagem tentam responder o fato de as crianças, por volta dos
três anos, serem capazes de fazer uso produtivo da língua, e, além disso, suscitam a questão
de como essa língua é aprendida, adquirida pelas crianças (SANTOS, 2002).
As indagações a respeito do processo de aquisição da linguagem ocorriam em meados
do século XIX, neste período, o interesse em investigar a aquisição da linguagem partiu dos
próprios pais das crianças. Scarpa (2001) afirma que estes estudos sistemáticos partiram tanto
do interesse profissional quanto paterno. Nas primeiras décadas deste século, os linguistas e
filólogos, destacam-se os denominados “diaristas”, ou seja, pais que anotavam em um diário a
fala espontânea dos seus filhos. Del Ré (2006) salienta que esse período foi marcado pela
perspectiva histórica, cujos estudos eram pautados na comparação dos falares através da
metodologia da linguística histórica. Mas é apenas no início do século XX que a linguística é
considerada autônoma, tornando-se reconhecida como ciência, especificamente a partir dos
trabalhos de Ferdinand Saussure e L. Bloomfield. Neste período, há um privilegio na
perspectiva descritiva, afastando, dessa forma, o interesse no estudo histórico da língua.
1.1.1 A vertente gerativista
17
Na década de 1950, as pesquisas em aquisição da linguagem se destacaram. Em
oposição ao behaviorismo, teoria vigente na época, surge através dos estudos de Noam
Chomsky um novo olhar para a aquisição da linguagem. Chomsky (1959) contesta obra de
Skinner denominada Verbal Behavior, e, além disso, contrapõe-se ao Behaviorismo,teoria que
aborda a linguagem como um aprendizado em meio a exposição no meio ambiente
decorrentes da junção estímulo, esforço e resposta (SCARPA,2011).
Ao contestar a teoria behaviorista, Chomsky insere a aquisição da linguagem como
área da linguística, finalizando, assim, a perspectiva de aquisição da linguagem voltada
exclusivamente para o campo da psicologia.
O referido teórico adota uma perspectiva inatista ao modo de como o ser humano se
constitui em um ser de linguagem. Santos (2002) observa, que Chomsky (1965) propõe que a
criança é dotada de um dispositivo de aquisição da linguagem (DAL), esse dispositivo é inato,
ativa-se e trabalha a partir de sentenças (input) resultando em uma gramática. A (GU),
gramática Universal, é uma gramática inata e internalizada ao falante, formada por regras de
todas as línguas. O (DAL) é composto por regras que são selecionadas pelas crianças, ao
entrarem em contato com as sentenças da língua.
Para a abordagem inatista a aquisição da linguagem é inerente ao ser humano, ou seja,
independe do contexto social e da exposição ao ambiente, pois todos os bebês, em qualquer
lugar, já vem ao mundo com um dispositivo biológico e mental para a linguagem.
1.1.2 A vertente Cognitivista
Na década de 1970 e 1980 emergem os estudos de Jean Piaget em oposição ao
Inatismo proposto por Chomsky. Piaget considera que a criança constrói o conhecimento com
base na experiência com o mundo físico, neste sentido, a fonte do conhecimento está na ação
sobre o ambiente (SANTOS, 2002). O autor desenvolve a abordagem denominada de
Cognitivismo construtivista, propondo estágios invariáveis de desenvolvimento da linguagem
infantil.
Scarpa (2001) salienta que na concepção de Piaget o aparecimento da linguagem se dá
apenas por volta dos dezoito meses de vida da criança quando esta supera o estágio sensóriomotor. Del ré (2006) acrescenta que para o autor a criança deve estar pronta para desenvolver
os estágios, porém, não leva em consideração o olhar social da fala, que para Piaget é
18
individual. O referido autor considera que o desenvolvimento cognitivo da linguagem infantil
se dá através de quatro estágios, conforme nos apresenta Del Ré (2006):

Sensório-motor, de 0 a 18/24 meses, que antecede a linguagem;

Pré-operatório, de 1;6/2 anos a 7/8 anos, fase das representações, dos símbolos;

Operatório-concreto, de 7/8 a 11/12 anos, estágio da construção da lógica;

Operatório-formal, de 11/12 anos em diante, fase em que a criança raciocina,
deduz etc.
O autor compreende que a fala da criança é egocêntrica, ou seja, o discurso infantil é
centralizado, e essa situação se apresenta, por exemplo, no momento em que a criança fala
consigo mesma nos primeiros anos de vida.
Os estudos piagetianos foram alvo de críticas durante a década em que emergia:
As pesquisas de inspiração piagetiana floresceram nas décadas de 1970 e 80.
As críticas ao modelo piagetiano, que criaram força também neste
período,baseiam-se na interpretação de que piaget avaliou mal e subestimou
o papel do social e das outras pessoas no desenvolvimento da criança e que
um modelo interativo social se fazia necessário para explicar o
desenvolvimento nos primeiros dois anos, modelo esse que desse conta de
como a criança e seu interlocutor exploram os fenômenos físicos e sociais.
(SCARPA, 2009 p.201)
Em meio às críticas ao modelo Cognitivista de Piaget, emergem as considerações
elaboradas por Vygotsky, sua grande influência acerca dos estudos em da interação social
iniciou nos anos 1970. O autor chama a atenção para a função social da fala, dando a
importância ao outro no desenvolvimento da linguagem.
1.1.3 A vertente Interacionista
O viés interacionista suscitou, ao longo do tempo, o interesse por autores como
VYGOTSKY (1984), BRUNER (1990) E TOMASELLO (2003). Os estudos Vygotskyanos
partem da premissa de que a linguagem é construída a partir de trocas sociais e da interação.
“Inspirando-se em Vygotsky, mas indo além dele, o Interacionismo social propõe, então, que
19
acriança não seja apenas um aprendiz, passivo, mas um sujeito que constrói seu conhecimento
(mundo e linguagem) pela mediação do outro”. (DEL RÉ, 2006, p. 9).
O Interacionismo Sociocultural entende que a aquisição da linguagem resulta da
interação da criança com outro. Segundo Scarpa (2011), nessa perspectiva, a linguagem é
vista como é um espaço em que a criança se constitui como sujeito. Não foi o interesse de
Vygotsky explicar o processo de aquisição da linguagem, seu foco abrange as questões da
linguagem e do pensamento. Acerca dessa questão, vejamos:
De acordo com o autor, os primeiros sons do bebê são dissociados do
pensamento; essa união só acontece por volta dos dois anos, quando a fala
assume uma função simbólica e organizadora do pensamento. É nessa idade
também que as estruturas construídas externamente pela criança são
internalizadas em representações mentais. A fala resultante da
internalização da ação e do diálogo servirá de suporte para que a criança
comece a controlar o ambiente e o próprio comportamento(DEL RÉ, 2006,
p.8, grifo da autora).
Vale ressaltar que os trabalhos voltados para a interação em aquisição da linguagem
não encerraram após os estudos de Vygotsky (1984). Influenciado por suas ideias, Bruner
(1990) é um dos representantes da Interacionismo social. Partindo da perspectiva de que a
criança desde cedo está inserida em contextos comunicativos com os adultos e mesmo sem
dominar as formas verbais exprimem seus desejos e emoções, o autor compreende a aquisição
da linguagem voltada para a comunicação. Em seus estudos sobre gesto e fala, privilegiando a
interação entre adulto e criança, busca investigar o período pré-verbal da língua. Nessa
concepção, gesto e fala são modalidades comunicativas opostas, ou seja, o gesto desapareceria
com o aparecimento da fala.Conforme Cavalcante (2012):
Na aquisição da linguagem, autores como Bruner (1975, 1983) dedicaram-se
ao estudo da relação entre gesto e fala, mas concebendo-o como
modalidades comunicativas de períodos distintos na aquisição da linguagem.
Assim, o uso do gesto seria característico do chamado período prélinguístico da criança e desapareceria em função da emergência da fala, do
sistema linguístico. (CAVALCANTE, 2012, P.8).
O trabalho do referido autor recebe críticas, Cavalcante (2008) aponta que perspectiva
adotada por Bruner ainda é equivocada na no que diz respeito a concepção da língua enquanto
sistema apenas voltado para a gramática. A autora acrescenta que seria necessária uma
20
mudança no próprio conceito de língua que, por sua vez, deve ser concebida enquanto
funcionamento e prática discursiva.
Continuando as indagações sobre o modo de como o ser humano adquire a linguagem
em contato com adultos em contextos de interação, os estudos de Tomasello (2003) concebem
a linguagem de acordo com a abordagem sociocultural, nesta perspectiva, “a linguagem é uma
instituição social simbolicamente incorporada que surgiu historicamente de atividades
sociocomunicativas preexistentes” (TOMASELLO, 2003, p.133).
Acerca da interação na aquisição da linguagem nos meses iniciais de vida do bebê,
conforme o autor, a partir dos nove meses de idade a criança compreende os outros como
seres intencionais, porém antes dos nove meses, aos seis meses, os bebês interagem
diadicamente com pessoas e objetos. “Os bebês são criaturas sociais desde o nascimento,
quando não antes” (TOMASELLO, 2003,p.80).
No período de aquisição da linguagem, segundo Tomasello, a partir dos nove meses
emergem comportamentos diferenciados,é neste período que ocorre a emergência da Atenção
conjunta. Tomasello (2003) destaca que:
Entre nove e doze meses de idade começa a aparecer um novo conjunto de
comportamentos que não são diádicos, como aqueles primeiros
comportamentos, mas triádicos no sentido que envolvem uma coordenação
de suas interações com objetos e pessoas, resultando no triangulo referencial
composto de criança, adulto e objeto ou evento ao qual dão atenção.
(TOMASELLO, 2003, p.85)
Durante a aquisição da linguagem, Tomasello (2003), leva em consideração o
interação da criança com outra pessoa e objetos, neste sentido, os bebês são seres sociais
desde mais tenra idade, e durante as interações sociais entre a díade usam o olhar para
expressar emoções e anseios.
É buscando apresentar a relação entre a produção verbal e os gestos pantomímicos em
contextos interativos entre a mãe e o bebê que construímos este trabalho, pois partimos da
perspectiva de que as trocas sociais exercem um importante papel para a aquisição da
linguagem infantil. A produção verbal e gestual não são aspectos que emergem em períodos
distintos e estanques na aquisição da linguagem, como veremos ao longo deste trabalho,
ambos constituem de forma significativa a multimodalidade da língua.
21
1.2 Gestos e produção vocal: componentes multimodais
Várias discussões e estudos foram elaborados envolvendo a multimodalidade em
aquisição da linguagem sob um olhar interacionista (CAVALCANTE, 1994; ÁVILANÓBREGA, 2010; CAVALCANTE &BRANDÃO, 2012). Tais investigações em aquisição
da linguagem enfocam os aspectos multimodais da linguagem: gesto, olhar, prosódia e fala
em contextos interativos diádicos. Esses trabalhos apresentam considerações pertinentes
acerca da Aquisição da linguagem infantil, principalmente, no que diz respeito à noção de que
o gesto não é responsável por reservar o lugar para a fala, mas atua como co-participe da
matriz da linguagem.
Os conceitos de que gesto e fala forma um conjunto indissociável, e a noção de que
são integrantes da mesma matriz de significação, se baseiam na concepção de que o
funcionamento da língua é sempre multimodal (McNeill, 1985), ou seja, os enunciados
surgem concomitantemente com diversos gestos e não de forma isolada. Essa perspectiva se
opõe a estudos que não se preocupavam em estudar a língua sob um olhar multimodal.
Mas o que são gestos? Em busca de uma definição para os gestos McNeill (2000)
assegura ser este um termo que necessita ser explanado, uma vez que não temos gesto no
singular, mas gestos, dando preferência ao termo no plural, o autor afirma que há vários
momentos em que precisamos distinguir tais movimentos. A partir desse conceito, nasce o
termo hologestos, para o estudo dos primeiros gestos de um bebê produzidos em situações
interativas e comunicativas com a mãe. Segundo Cavalcante (2012), os hologestos estão
articulados com uma produção diádica e permitem investigar a emergência da linguagem na
aquisição a partir do olhar, da produção verbal, da prosódia e dos gestos, e todos estes
aspectos estão inseridos em uma matriz multimodal.
No que tange à multimodalidade da língua, Ávila Nobrega (2010), apresenta o
Envelope Multimodal da aquisição da linguagem. Nesses envelopes estão mesclados os
elementos da dialogia (olhar, gestos e produção vocal). O referido autor observa, ainda, a
simultaneidade da ocorrência dos gestos e da fala adotando a perspectiva da multimodalidade
da língua proposta por Mc Neill(1985) e a relação com o olhar, a atenção de verificação, a
atenção direta e a atenção de acompanhamento proposta por Tomasello (2003). O autor visa
mostrar tais aspectos em díades, dupla mãe-bebê, dos 07 aos 17 meses, as gravações foram
transcritas e analisadas no LAFE, Laboratório da aquisição da fala e da escrita.
22
Segundo Cavalcante (2008), o autor McNeill (1985) apresenta um contínuo compostos
por gestos. Esse continuo foi elaborado por Kendon (1982), denominado “contínuo de
Kendon”. Encontram-se inseridos nesse continuo, os integrantes do conjunto gesticulatório,
dentre eles estão: a gesticulação; a pantomima; os emblemas; a(s) língua(s) de sinais.
Kendon (1982) organiza seu contínuo a partir de quatro relações estabelecidas entre
gesto e fala: relação com a produção de fala (1); relação com as propriedades linguísticas (2);
relação com as convenções (3), relação com o caráter semiótico (4), conforme o quadro a
seguir extraído de McNeill, (2000, p.5):
Contínuo
1
Gesticulação
Presença
obrigatória de
fala
Pantomima
Ausência de fala
Contínuo
2
Contínuo
3
Ausência de
propriedades
lingüísticas
Não
convencional
Contínuo
4
Global e
sintética
Emblemáticos
Língua de
sinais
Ausência de
propriedades
lingüísticas
Não
convencional
Presença
opcional de fala
Presença de
algumas
propriedades
lingüísticas
Parcialmente
convencional
Ausência de
fala
Presença de
propriedades
lingüísticas
Totalmente
convencional
Global e
analítica
Segmentada e
analítica
Segmentada e
analítica
No continuo de Kendon (1982), observamos que a relação entre o gesto e a presença
da fala, na sequência definida pelo autor vai se estreitando, pois se analisarmos os tipos de
gestos dentro dos contínuos da esquerda para a direita (Gesticulação – Pantomimas–
Emblemáticos - Língua de Sinais), compreendemos que: a presença obrigatória de fala
diminui; a presença de propriedades linguísticas aumenta; os gestos individuais são
substituídos por aqueles socialmente regulados (CAVALCANTE 2012, p.10).
Durante o período aquisicional a criança produz uma variedade de gestos
emblemáticos, de gesticulação e de pantomimas, um gesto pode aparecer de forma
aproximada ao outro gesto, levando-nos a considerar de que se trata de um contínuo gestual,
ou seja, em determinada situação interativa a criança pode realizar, uma sequência
diversificada de gestos, o que mostra que não são estanques.
Neste trabalho, não pretendemos separar os gestos pantomímicos dos outros elementos
do contínuo gestual, pois partimos da perspectiva da multimodalidade na língua, entretanto na
busca de compreender a construção desses gestos específicos em contexto interativos, temos
23
como foco observá-los, para tanto, faz-se indispensável explicarmos o significado das
pantomimas e seu papel na aquisição da linguagem.
1.2.1 Definindo os gestos Pantomímicos
O ato de imitar é comum entre os adultos. No dia-a-dia, as pessoas simulam ações de
outras pessoas, imitam a fala, o gesto, olhar, a expressão facial e a vestimenta. Notamos essa
situação no meio artístico, humorístico e teatral, e essa arte de expressar emoções por meio de
gestos e da expressão facial, forma o que chamamos de pantomima.
Ávila-Nobrega e Cavalcante (2012) ao estudar os gestos componentes do continuum
de Kendon (1982) apresentam e aclaram as características dos gestos pantomímicos propostas
pelo autor. O primeiro continuum se refere à presença obrigatória da fala, e de acordo com
Kendon (1982),as pantomimas não ocorrem de forma simultânea à fala. No segundo
continuum, notamos que as propriedades linguísticas e as pantomimas não têm
relacionamento obrigatório, essas propriedades são significações morfológicas, fonéticas e
sintáticas presentes no momento da execução de algum gesto caso seja obrigatória a presença
de propriedades lingüísticas (ÁVILA-NOBREGA & CAVALCANTE, 2011, p.6).
O terceiro continuum se refere ao relacionamento com as convenções, ou seja, é
convencional o gesto presente na cultura de um povo, e de acordo com kendon (1982), as
pantomimas não são convencionais, são gestos individuais, podendo sofrer variações de
cultura para cultura.
No quarto e último modelo, a relação entre a pantomima e o caráter semiótico é
considerada global e analítica, para o autor, se dando de forma geral e não é específica
simbolicamente.
Kendon (1982), através de seus estudos visou investigar gestos pantomímicos
executados pelos adultos, porém no cotidiano, em situações naturais, as simulações ocorrem
desde cedo, pois as crianças nos primeiros meses de vida esboçam e produzem pantomimas
diversificadas. A respeito do aparecimento desses gestos em contextos interativos nos
primeiros meses de vida, Cavalcante (2012) acrescenta:
A pantomima é um gesto que se desenvolve especialmente dentro de
contextos lúdicos, nos quais a mãe interage com o bebê através de
brincadeiras e objetos. Essa produção costuma aparecer durante os noves
meses de idade da criança e com doze meses, o bebê já passa a realizar suas
24
próprias pantomimas sem um incentivo inicial da mãe. De certa forma, o
gesto pantomímico da mãe convida o bebê a participar da interação e a
produzir a mesma categoria gestual. (CAVALCANTE, 2012, p.13)
Conforme a autora supracitada, nas situações interativas, adulto e criança simulam
ações cotidianas, a mãe, motiva a produção gestual do bebê e também participa da construção
das pantomimas. Tais gestos podem vir vinculados a uma produção verbal variada? Como
seriam as produções verbais infantis no momento em que produzem as pantomimas? É
buscando observar a produção gestual e a produção vocal enquanto instância multimodal que
nos deteremos não somente ao estudo dos gestos, portanto, é imprescindível conhecer a
produção vocal infantil presente no processo de aquisição da linguagem.
1.3 Produção vocal infantil
Na tentativa de investigar a entrada da criança na língua, a literatura da área tem
elaborado propostas de estágios do desenvolvimento da produção verbal produzida pelos
infantes no decorrer do tempo. Há várias perspectivas de estágios de aquisição da língua
materna, conforme Barros (2012), autores como Stern (1924) classificam quatro estágios de
aquisição, que começa a partir da produção da primeira palavra. A autora apresenta outra
proposta de estágio de aquisição da linguagem, criada por Nice (1995), que divide os estágios
de acordo com o tamanho das sentenças produzidas pelos infantes.
Barros (2012) considera que as propostas de Stern (1924) e Nice (1925) apresentam
constatações preliminares sobre o comportamento linguístico das crianças nos meses iniciais
de vida, mas tais comportamentos não mencionam e nem dão conta de aspectos prosódicos da
aquisição da linguagem.
Consideramos, então, que a perspectiva de Barros (2012) dá conta das produções
verbais infantis, uma vez que envolve uma tipologia vocal variada produzida pelas crianças ao
longo do período de aquisição da linguagem. A autora busca compreender a inserção da
criança na língua materna, para tanto, desenvolve uma proposta de estágios de
desenvolvimento da linguagem: balbucio, jargões, holófrases e blocos de enunciados. Tais
elementos da tipologia prosódico-vocal1são assim descritos:
1
A autora nomeia de estágio, mas no projeto de pesquisa de Iniciação Científica nomeado Contínuo gestuovocal: aprofundando a matriz multimodal em aquisição da linguagem (2013-2014), desenvolvido no LAFE,
orientado pela Professora Dra. Marianne Cavalcante, é usado o termo Tipologia prosódico-vocal.
25
(a) Balbucio- produção de sílabas que têm, tipicamente, o formato consoante- vogal,
por exemplo [ma, da,ba]; tais sílabas são muitas vezes repetitivas e têm um certo
ritmo (LOCKE, 1997). Aí incluídos também: o balbucio canônico, (sequências
repetidas de consoantes e vogais), balbucio variado (sequências de consoantes e
vogais que não se repetem, por exemplo [ada, ta, e] , como se vê em OLLER,
1980) e balbucio tardio (que se refere ao momento em que a criança é capaz de
produzir diferentes contornos relacionados a diferentes atos de fala, possuindo
material segmental constituído de palavras parecidas com as do adulto, segundo
DORE, 1975).
(b) Jargão - É quando o contorno entonacional se estende a uma cadeia de sílabas ou
um longo fragmento composto por sílabas ininteligíveis. Passa de balbucio tardio
a jargão quando a entonação é considerada mais madura e os contornos são
preenchidos por sílabas tipicamente da fase do balbucio (SCARPA, 2007).
(c) Holófrase - São os primeiros enunciados da entrada da criança na sua língua
materna (Scarpa, 1999). Na produção da holófrase, temos a presença de estruturas
predicativas nas quais um dos termos é verbal e o outro buscado no contexto
linguístico mais amplo, através de gestos corporais (olhar, apontar, por exemplo).
(d) Bloco de enunciados-Alternância da produção de holófrases com enunciados
completos. Nesse momento a criança já é capaz de fazer pedidos, perguntas e
produzir respostas mais longas com significado completo, superando os
enunciados holofrásticos (BARROS, 2012).
Esta proposta apresentada por Barros (2012) permite-nos a compreensão do
funcionamento da produção vocal infantil no período de aquisição da linguagem, e assim,
podemos associar o seu uso atrelado aos gestos pantomímicos, para corroboramos a
multimodalidade da língua, nossa proposta neste trabalho.
2. METODOLOGIA
26
A construção do presente trabalho se dá por meio de leituras no que se referem à
aquisição da linguagem sob uma perspectiva multimodal da língua, transcrições ortográficas
das gravações que foram realizadas na residência da díade, e análises interpretativas e
quantitativas do aparecimento dos gestos pantomímicos e da produção verbal infantil.
2.1 O corpus
O Laboratório de Aquisição da Fala e da Escrita (LAFE) conta com nove díades mãebebê. O período analisado das díades (duplas mãe-bebê) compreende a faixa etária que vai de
0 (zero) a 36 (trinta e seis) meses. Para a realização deste trabalho, utilizamos o corpus do
LAFE, conforme veremos através da tabela a seguir:
Idade na última
sessão
21m 03 d
Situação atual
da díade
Filmagens e
transcrições
Concluídas
Criança
A
12
M
Idade na 1ª
sessão
13m 23 d
B
48
M
02m 00d
24m 00 d
Concluídas
C
48
F
00m 15d
24m 00 d
Concluídas
D
04
F
24m 24d
31m 00 d
Concluídas
E
11
M
11m 05 d
20m 28 d
Concluídas
F
05
F
24m 11d
29m 11 d
Concluída
G
05
M
28m 12d
32m 08 d
Concluída
H
02
M
04m24d
30 m
Concluída
I
14
M
09m 28d
28 m 23 d
Concluída
Díade
Sessões
Sexo
Quadro 1- Corpus do LAFE
Os dados utilizados para a realização desta pesquisa são pertencentes a gravações e
filmagens em situações naturalísticas na casa da díade I. Trata-se de um bebê do sexo
masculino inserido em contextos interativos com a mãe.
Cada gravação é compreende a uma sessão, e tem duração de vinte minutos
aproximadamente. Para mapear a ocorrência das pantomimas nos meses iniciais e finais das
gravações, as sessões analisadas estão divididas em dois blocos.
27
O primeiro, o bloco A, compreende os meses iniciais de vida da criança, e o segundo,
o bloco B abarca mais três sessões da díade I:
Bloco A
Sessão
1
Idade
10 meses e 17 dias
2
14 meses e 8 dias
3
15 meses
Duração da sessão
20 minutos e 26 segundos
15 minutos 45 segundos
16 minutos e 32 segundos
Quadro 2-sessões do bloco A
Bloco B
Sessão
Idade
1
2
3
24meses e 10 dias
26 meses e 23 dias
28 e 13 dias meses
Duração da sessão
15 minutos e 30 segundos
22 minutos e 19 segundos
21m e 18 segundos
Quadro 3-sessões do bloco B
2.2 Transcrições dos dados
Para analisarmos os dados é necessário realizar a transcrição das gravações, para tanto
utilizamos a folha de transcrição como um suporte para as transcrições do LAFE, essa folha
apresenta os seguintes aspectos relevantes nas análises: do lado esquerdo temos o espaço
utilizado para adicionarmos o tempo, respectivamente os minutos das cenas das gravações,
assim também como o olhar, os gestos, o tipo de gesto desempenhado pela mãe e finalmente a
produção verbal no contexto comunicativo. Do lado direito, todos esses aspectos
mencionados são observados durantes as gravações com o infante. Vejamos.
DÍADE:
IDADE:
SESSÃO:
TRANSCRITOR:
28
T
Olhar
(m)
Gestual
(m)
Tipo de Verbal/
gesto
prosódico
(m)
(m)
Olhar
(bb)
Gestual
(bb)
Tipo
de Verbal/
gesto (bb) prosódico
(bb)
Apresentaremos os contextos interativos no qual visamos observar a relação entre a
pantomima e a tipologia prosódico-vocal sob uma perspectiva multimodal da língua.
2.3 Gestos pantomímicos e produção verbal em contextos interativos
Para a realização das análises, é necessário selecionarmos fragmentos das transcrições
que fazem parte das sessões destacadas neste trabalho. Observamos a multimodalidade na
interação, ou seja, o olhar, os gestos e a produção verbal infantil e materna. Partindo das
análises, compreendemos a construção dos gestos pantomímicos e a tipologia verbal atrelada
aos gestos.
Vejamos os diálogos.
1ª situação comunicativa
Idade da criança: 14 meses 8 dias
Contexto: A mãe e a criança estão brincando sentados no chão da sala.
Tempo
Mãe
Criança
07:50
Olha para a criança e diz
Com um brinquedo na
Cadê vitu? Nem achou o telefone pra ligar mão, olha para a mãe,
pra vitu, num foi?
balança a cabeça para
cima e para baixo
Anan!
29
07:54
Olha para trás e procura o objeto
Segura objeto e olha para
a mãe
08:00
Procurando objeto
Bota objeto na boca
Tem que ligar pra vitu vim pra casa (bate
palma)
Vitu,vem pra casa, vem pra casa que tá na
hora
08:12
08:22
Dá telefone a criança
Tira objeto da boca e
Tome, ligue aí pra ele ligue
segura o telefone
Olha para a criança
Olha e mexe no telefone,
É, ligue aí pra ele e diga alô!
em
seguida
fala
ao
brinquedo
do
telefone
Aô!
08:24
Olha para a criança
Tira
o
Vitinhu!
ouvido e mexe
Quadro 4- Primeira situação comunicativa
Nesta situação comunicativa apresentada acima, a mãe e a criança encontram-se
sentados no chão da sala. A criança brinca com alguns brinquedos, e a mãe brinca e interage
com a criança. Em 07:50, a mãe pergunta a criança onde está Vitor, o seu irmão: Cadê vitu?
Nem achou o telefone pra ligar pra vitu, num foi? A criança balança a cabeça para cima e
para baixo, parece estar afirmando o que a mãe havia questionado, o gesto da criança
acompanha produção vocal “anãm”, primeiros enunciados de entrada da criança na lus língua
materna (SCARPA, 2001). A criança responde a mãe por meio de um emblema ao balançar a
cabeça para cima e para baixo, que segundo Kendon (1982), são gestos convencionais, e que
variam de acordo com a cultura.
Esta situação comunicativa mostra que a partir da resposta da criança, em 08:00 a mãe
procura o telefone que estava atrás dela para entregar à criança dizendo o que ela deve falar ao
telefone. Mesmo segurando um objeto e colocando-o na boca, ao receber o telefone da mãe, o
infante tira o objeto da boca, pega o telefone, mexe e diz aô. Esta produção gestual do infante
30
se trata da simulação de uma ação cotidiana, pois realizar ligações telefônicas são atos
presentes no dia-a-dia das pessoas, logo é um gesto pantomímico atrelado a uma holófrase,
fragmento da palavra Alô, o que corrobora com a perspectiva multimodal da língua (Mc Neill,
1985) , uma vez que gesto e produção vocal ocorrem simultaneamente. Ao produzir aô, em
08:22, a mãe continua incentivando a criança, pois ao dizer “Vitinhu” não está chamando o
filho, mas espera que a criança continue “falando ao telefone com o irmão”. Portanto,
ressaltamos o importante papel da presença materna para a composição multimodal da língua
no processo de aquisição da linguagem.
2ª Situação comunicativa
Idade da criança: 15 meses
Contexto: O infante está no quarto brincando a com a mãe.Ambos estão no chão do quarto.
Tempo
Mãe
Criança
05: 45
Olhando para caderno que se encontra no Olhando para o caderno,
chão, abre-o e fala:
simula escrever.
Faz aí seu nome, como é seu nome?
A neném!
05:47
Olhando para a criança.
Olhando para a mãe.
Neném não, I-go!
Neném!
Quadro 5- Segunda situação comunicativa
O fragmento acima mostra o momento em que a criança e a mãe estão sentadas no
chão do quarto, a criança está de frente para a mãe. Neste espaço, encontram-se um caderno e
um lápis entre eles, e a mãe pede para que o filho escreva seu próprio nome no caderno. A
criança pega o lápis e risca o caderno simulando escrever, nesse mesmo momento, parece
tentar responder ao questionamento feito pela mãe dizendo “a nenem”. A produção vocal
infantil ocorre de forma simultânea ao gesto pantomímico, e como salienta Mc Neill( 1985)
estes dois aspectos estão atrelados, ou seja, compõem a multimodalidade da língua, visto que
ocorrem de forma concomitante. A criança mais uma vez produz uma holófrase, primeiros
enunciados de entrada da criança em sua língua materna (SCARPA,1999), associado ao gesto
pantomímico. As holófrases emergem naturalmente no processo de aquisição da linguagem, e
31
neste caso, a criança produz a mesma holófrase duas vezes. É notável que a mãe participa da
construção do gesto pantomímico, pois pega o caderno e solicita ao infante que escreva,
incentivando, dessa forma, a produção gestual infantil.
3ª Situação comunicativa
Idade da criança: 26 meses e 23 dias
Contexto: A mãe está sentada no sofá, e criança está deitada em seu colo, eles brincam de
esconde-esconde apenas vendando os olhos.
Tempo
Mãe
Criança
14:33
Olha para a criança
Bota as duas mãos no rosto.
Cadê?
14:36
14:38
Olhando para a criança.
Retira as mãos do rosto, e em
Cadê Iguinho?
seguida coloca novamente.
Achou!
Tira as mãos do rosto e
estende os braços rindo.
14:40
Olha rapidamente para um lado e para outro Com as mãos no rosto.
da sala. Simula procurar a criança
Quadro 6- Terceira situação comunicativa
No fragmento acima, a criança e a mãe estão no sofá. Ambos brincam de escondeesconde. A mãe fica encarregada de procurar a criança, convidando-a para a interação
perguntando “cadê”. A criança bota e tira a mão do rosto, vendando os olhos, sucessivas
vezes, durante a brincadeira. Nestes momentos, a criança produz gestos pantomímicos, pois
simula brincar de se esconder. Nesta situação comunicativa, notamos o gesto pantomímico
não vem acompanhado da produção vocal, e que em 14: 40 observamos um gesto
pantomímico relevante produzido pela mãe: a simulação de procurar a criança, na brincadeira.
A mãe, nesta seção, constrói uma situação lúdica e além de incentivar a criança a simular
brincar de esconde-esconde ainda produz muitas pantomimas, pois enquanto a criança se
encarrega de se esconder, a mãe fica incumbida de procurá-la.
32
As pantomimas realizadas pela criança, neste fragmento, como vimos, não vêm
acompanhadas da produção vocal, mas vêm sendo sustentadas pelas produções maternas e
emergem atreladas de um aspecto multimodal relevante no processo aquisicional: o olhar. Na
ausência da produção vocal a criança faz uso do olhar, que assim como a produção vocal é um
aspecto multimodal presente nas interações mãe-bebê. É importante ressaltarmos que o gesto
de simulação de se esconder exige o silêncio,e parece que a criança entende o funcionamento
da brincadeira. Nesta seção, a criança está com pouco mais de vinte e quatro meses de idade,
e por meio do olhar e do gesto pantomímico, aspectos multimodais que ocorrem de forma
associada (McNeill, 1985), interage com a mãe durante alguns minutos simulando se esconder
sem sair do seu colo.
4ª Situação comunicativa
Idade da criança: 28 meses e 13 dias
Contexto: mãe e criança estão na sala brincando com objetos que estão no chão da sala.
Tempo Mãe
17:01
17:09
Passa o telefone para o infante
Bota e segura o objeto no ouvido
dele
Meli qé saber se tu qé passiar
com ela
Fala!
Olha para a criança
Criança
Olhando para a mãe
Pega o telefone e com olhar distante.
Com telefone no ouvido
17:15
Olha para a criança
Vem cá a mim? (3s)
Vem cá a mim?(6s)
Senta no colo da mãe com telefone
17:20
Olha para a criança
Vem cá a mim é Beli?(4s)
(Conversa)
17:28
Olhando para a criança
Oh! viiixi... (jargões) i é Beli?(faz cara
de assustado olhando para baixo com o
olhar distante)(s)
(Com o pé na caixa de brinquedos e
depois puxa a caixa com o pé para perto
dele)
é
33
17:33
17:41
(Olha para a criança)
Tu atende o tel e nem da chau pa
pessoa
17:44
(Olha para a criança)
17:45
Tem q dizê assim: chaaau bêeju
(olha para a criança)
(Balança a cabeça para cima e para
baixo)
Ée
(tira do ouvido e Bota telefone na boca)
Eu dá!
(Com olhar Para baixo e distante)
Bota telefone no ouvido
Chauu bêju
Quadro 7- Quarta situação comunicativa
Neste fragmento desta sessão,vemos a criança simular que está conversando ao
telefone espontaneamente, no decorrer da sessão o infante passa quatro minutos ao telefone e
ao mesmo tempo interage com a mãe. A mãe busca interagir simulando uma situação em que
ao atender ao telefone deve passar para a criança. O infante pega o telefone, e ao usá-lo,
pergunta “vem cá a mim ? vem cá a mim?”. O gesto de simular realizar uma ligação
telefônica é classificado como gesto pantomímico, uma vez que ocorre uma simulação de
ações do cotidiano (KENDON, 1982). A medida em que a criança parece estar realizando
uma ligação telefônica, percebemos que esta ação vem acompanhada de blocos de
enunciados, ou seja, sentenças mais maduras, e enunciados mais completos, como em “ta
cetu”. É perceptível que na produção vocal da criança ocorre uma alternância entre holófrases,
e blocos de enunciados, e que a criança já faz perguntas e pedidos .
O olhar é um aspecto relevante, ao simular telefonar, a criança fica com o olhar
distante, utilizando-o de forma simultânea à produção verbal e ao na construção do gesto
pantomímico,logo, percebe-se a multimodalidade da língua na simultaneidade desses
aspectos. É importante ressaltar que no momento da interação entre a criança e o “outro”,
ocorrem algumas pausas que são dadas pela criança, parecendo que, o outro, aquele com o
qual ela está conversando, tenha um tempo de responder suas perguntas e para que possa
perguntar. em 17: 20, notamos a presença de jargões, uma sequência de sílabas ininteligíveis
produzidas pela criança (SCARPA, 2007) Em 17: 33, o infante balança a cabeça para cima e
para baixo por três vezes, e produz “é”, parecendo indicar positividade construindo um gesto
emblemático, gestos determinados de acordo com a cultura (KENDON,1982).
34
Observamos que mesmo em situações em que ocorrem pantomimas, outros gestos do
continuo gestual podem ser produzidos pela criança, como vimos nesta situação interativa.
Portanto, é notável a interação da criança com a mãe, com o objeto e com o “outro” em que o
gesto pantomímico é privilegiado pela criança.
5ª Situação comunicativa
Idade da criança: 28 meses e 13 dias
Contexto: Mãe e criança estão na sala brincando com objetos que estão no chão da sala. A
Criança simula fazer pizza com brinquedos de montar.
Tempo Mãe
17:04
Entrega telefone a criança
02:35
Liga pra vovó pra saber se vovó quer pizza!
Olhando para a criança
Criança
A criança pega o telefone,
disca números e fala ao
telefone. Ainda com a
mão no objeto fala:
Vó tu qué de têju ?vó qué?
(5s)
02:43
Tá cetu!
02:48
Olha para a criança e pega o telefone
(Passa o telefone para a
mãe)
Vó qué di têju!
Quadro 8- Quinta situação comunicativa
Nesta sessão, a criança e a mãe, novamente interagem e usam o telefone. A mãe,
inicialmente, pede para que a criança ligue para a avó, a mesma ao interagir com a criança
contribui para a construção das pantomimas, pois durante o diálogo, incentiva esse tipo
produção gestual, e ainda produz esses gestos.O infante, que estava “fazendo pizzas” produz
outra pantomima ao pegar o telefone e perguntar: “vó, tu qué de têju ?qué? tá cetu!”. Nesse
35
fragmento é perceptível que na produção vocal da criança ocorre a alternância entre a
holófrases “teju”, “tá cetu”, e outros enunciados mais completos, “vó” e “quer”, e que a
criança já faz perguntas. Neste período em que a criança da díade I produz mais blocos de
enunciados, percebemos esteve os gestos pantomímicos ocorreram com uma maior frequência
de forma simultânea
à produção vocal, apresentando mais uma vez a língua enquanto
instância multimodal, ou seja, os gestos ocorrem de forma concomitante à produção vocal
(McNeill, 1985).
3. ANÁLISE QUANTITATIVA E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS
A análise apresentada abaixo se refere à quantidade, a concomitância com a produção
verbal, e a tipologia verbal produzida pelo infante no momento em que executa gestos
pantomímicos.
Em seguida, apresentamos a frequência e a diversidade de gestos pantomímicos
produzidos pela criança da díade I ao longo de cada sessão. Apresentamos, ainda, a relação
desses gestos com a produção verbal infantil no intuito de observarmos a proposta da
multimodalidade existente na língua.
Para mapear a ocorrência das pantomimas nos meses iniciais e finais das filmagens, as
sessões analisadas estão divididas em dois blocos o primeiro compreende os meses iniciais
das gravações, o bloco A, e o segundo, o bloco B, abarca mais três sessões da díade I.
3.1 Gestos pantomímicos, tipologia verbal e Presença da produção verbal
Sessão
Idade
Quantidade de
pantomimas
Tipologia vocal
1
10 meses e 17 dias
1
Balbucio
Presença da
produção
vocal
1
2
14 meses e 8 dias
1
Holófrase
1
3
15 meses
3
Holófrase
1
Tabela 1- Quantidade de pantomimas e tipologia vocal do bloco A
36
Sessão
Idade
Quantidade de
pantomimas
Tipologia vocal
Presença da
produção
vocal
1
24meses e 10 dias
9
Balbucio
1
2
26 meses e 23 dias
3
Holófrases
1
3
28 e 13 dias meses
12
Blocos de
enunciados e
Jargões
12
Tabela 2- Quantidade de pantomimas e tipologia vocal do bloco B.
Os dados quantitativos revelam que no bloco A o bebê produz no total de cinco
pantomimas. A maioria das pantomimas ocorrem atreladas à produção vocal, no total de 4,
neste período de 10 a 15 meses as pantomimas estão acompanhadas de balbucio e holófrases,
produções vocais que estiveram mais presentes nos primeiros meses de vida da criança da
díade I.
No bloco B, observamos que dos 24 meses aos 28 meses o infante produz um número
considerável de pantomimas, totalizando 23. Desses gestos, 15 estão atrelados à produção
vocal, em 8 ocorrências as pantomimas não acompanham a produção vocal .
No período em que a criança produz um maior número de pantomimas, aos 28 meses e
13 dias, sua produção verbal é composta pela alternância de enunciados completos e
holófrases, denominada de blocos de enunciados, o que nos mostra a simultaneidade entre
gesto pantomímico e a produção verbal. Na terceira sessão do bloco B, a produção vocal
infantil e os gestos executados pela criança estão mais maduros, mesmo assim, a mãe ainda
desempenha um importante papel na construção desses gestos, uma vez que na interação as
pantomimas geralmente são produzidas tanto pelo bebê, quanto pela mãe. Vale ressaltar que
há um avanço na produção de gestos pantomímicos atrelados à produção vocal, no momento
em que se comparam as sessões do bloco A com as sessões do bloco B. Essas pantomimas
não apenas são elevadas em quantidade, como apontam os dados, esses gestos tornam-se
mais definidos e maduros, assim como a produção vocal.
Logo, veremos a variedade de gestos pantomímicos desempenhados pelo infante
durante as sessões, entretanto, vale salientar que tais gestos são estimulados pela mãe no
contexto interativo, em que a mesma não só incentiva a produção gestual e verbal, como
37
também produz gestos pantomímicos, desempenhando, dessa forma, um papel significativo
na Aquisição da Linguagem.
3.2 Diversidade e frequência de gestos pantomímicos por sessão
Nas tabelas que serão apresentadas estão expostos os vaiados tipos de pantomimas
presente nas interações-mãe bebê, as quantidade e frequência das ocorrências.
Sessão
Idade
1
10 meses e 17 dias
Quantidade
de
pantomimas
1
2
14 meses e 8 dias
1
3
15 meses
3
Tipologia gestual
pantomímica
Frequência
Simula um avião
com uma fita na
mão (esboço)
Simula falar ao
telefone
1
Simula escrever
3
1
Tabela 3- Tipologia e frequência dos gestos pantomímicos do bloco A
Sessão
Idade
1
Quantidade
de
pantomimas
9
24 meses e 10 dias
Tipologia gestual
pantomímica
Frequência
Simula quebrar
objeto com martelo
3
Simula brincar de
esconde-esconde
6
2
26 meses e 23 dias
3
Simula calçar sapato
3
3
28 meses e 13 dias
12
Simula fazer pizza
3
Simula falar ao
telefone
Simula uma situação
na qual a vaquinha
de pelúcia deve falar
ao telefone
7
Tabela 4- Tipologia e frequência dos gestos pantomímicos do bloco B
2
38
Ao observarmos a Tipologia gestual pantomímica do bloco A, fazendo uma
comparação aos tipos do bloco B, verificamos que as pantomimas do bloco A são pouco
repetitivas, pois nesse bloco as pantomimas mais frequentes foram as simulações de escrever
por três vezes. Como vimos, na tabela que expõe a quantidade, há poucas pantomimas
executadas pela criança nesse período, enquanto isso, as pantomimas presentes no bloco B são
repetitivas e há uma maior diversidade, neste bloco, destacam-se as pantomimas que
envolvem o telefonema.
3.3 A pantomima do telefonema
O ato de simular fala ao telefone esteve presente nas interações mãe-bebê nas sessões
dos dois blocos analisados neste trabalho. No bloco A o bebê simula falar ao telefone apenas
uma vez, aos 14 meses e oito dias. Nesta ocorrência, observamos que a mãe cria todo um
contexto no qual o diálogo ao telefone deve acontecer. Antes de a criança falar ao telefone a
mãe diz “Vitu,vem pra casa, vem pra casa que tá na hora”, parecendo mostrar a criança como
deve dialogar ao telefone com o outro assim que ele tiver com o objeto. Após o incentivo
materno, a criança mexe no telefone e diz “aô”, produzindo a pantomima do telefonema de
forma conjunta com uma holófrase.
Figura: A pantomima do telefonema na interação mãe-bebê.
39
Na terceira sessão do bloco B, aos 28 meses e 13 dias número de ocorrência de
pantomimas do telefonema é elevado, no total de 10 ocorrências. A criança que estava
simulando fazer pizzas com os brinquedos, simula um telefonema usando essa pantomima
como assunto do diálogo, como aponta o fragmento “vó tu qué de têju vó qué?” Notamos que
após fazer uma pergunta ao telefone, a criança espera durante cinco segundos a resposta do
“outro”, parece estar demonstrando que no diálogo há um “outro” que também tem voz. Nesta
Sessão, além de simular conversar utilizando o telefone por mais tempo, pois observamos que
a criança simulou falar ao telefone durante quatro minutos, ela ainda pega o objeto e
juntamente com a mãe criam uma situação em que seu bichinho de pelúcia deve falar ao
telefone, dando vida ao objeto inanimado.
As pantomimas do telefonema destacam-se pelo diálogo no momento de sua produção.
Segundo Cavalcante (2008), esta pantomima envolve a conversa, está presente na esfera
familiar, é, portanto, um gênero discursivo oral, pois “[Os] gêneros do discurso nos são dados
quase como nos é dada a língua materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe
estudemos a gramática. [...] Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados[...]”.
(BAKHTIN, 1979, p. 301, apud CAVALCANTE, 2008, p. 14).
Considerando a língua enquanto prática discursiva, o funcionamento do gesto
pantomímico telefonema atrelado à produção verbal, “garante o reconhecimento sóciohistórico do gênero discursivo” (CAVALCANTE, 2008, p.14).
Portanto, diante do que foi exposto neste trabalho, podemos considerar que o gesto de
simular falar ao telefone destaca-se, visto que é o único gesto pantomímico produzido pela
criança no bloco A que tem a mesma ocorrência no bloco B, porém, observa-se que no
segundo bloco o número dessa pantomima é elevado e a produção vocal infantil compreende
tanto as holófrases quanto os blocos de enunciados, revelando a multimodalidade existente na
língua.
4. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
Nos gráficos abaixo, serão apresentados a relação entre presença e a ausência da
produção vocal atrelada aos gestos pantomímicos.Em seguida, Representaremos graficamente
a diversidade de pantomimas do Bloco e do Bloco B.
Vejamos, primeiramente, a relação gesto e produção vocal:
40
2
1,5
Pantomima e produção vocal
presente
1
Pantomima e Produção vocal
ausente
0,5
0
10 meses 14 meses 15 meses
e 17 dias e 8 dias
Gráfico 1: Sessões do bloco A
12
10
8
6
Pantomima e produção vocal
presente
4
Pantomima e produção vocal
ausente
2
0
24 meses
e 10 dias
26 meses
e 23 dias
28 meses
e 13 dias
Gráfico 2: Sessões do bloco B
Analisando os gráficos acima visualizamos de acordo coma cada sessão as
pantomimas atreladas à presença e a ausência da produção vocal. No bloco A observamos que
nas duas primeiras sessões as pantomimas vieram atreladas à produção vocal, e apenas na
41
ultima sessão esta situação se modificou, pois das três ocorrências de pantomimas, duas têm a
ausência da produção verbal durante sua construção.
No gráfico que representa o bloco B, notamos uma oscilação, pois na primeira sessão
deste bloco, há um número elevado de ocorrências de pantomimas com a ausência da
produção vocal, no total de oito, e apenas uma ocorrência associada à produção vocal. Aos 26
meses, 2ª sessão, predomina a ausência da produção vocal, porém, na 3ª sessão, os gestos
pantomímicos ocorrem apenas atrelados a presença da produção vocal.
Vale ressaltar que há um avanço na produção de gestos pantomímicos atrelados a
produção vocal, no momento em que se comparam as sessões do bloco A com as sessões do
bloco B. Essas pantomimas não apenas são elevadas em quantidade, como apontam os dados,
esses gestos tornam-se mais definidos e ajeitados, assim como os enunciados produzidos pela
criança.
O gráfico abaixo possibilita uma maior visibilidade de todos os gestos pantomímicos
produzidos pela criança da díade I nas seis sessões analisadas, tanto no bloco A quanto no
bloco B. Na legenda, ao lado, destacamos as pantomimas, e apresentamos no gráfico, de uma
forma geral, a porcentagem de cada tipo de pantomima.
Faz movimento do avião
10%
4%
Fala ao telefone
10%
35%
Escreve
Quebra objeto com martelo
Brinca de esconde-esconde
21%
Calça sapato
10%
10%
Faz pizza
Gráfico 3: Diversidade de pantomimas dos Blocos A e B
Ao mapear as ocorrências das pantomimas, observando o gráfico acima, os dados
evidenciam que simular conversar ao telefone foi a pantomima mais frequente na interação
mãe-bebê, seguido do gesto de simular brincar de esconde-esconde. Houve gestos
42
pantomímicos que tiveram a mesma quantidade de ocorrências foram eles: simular escrever,
simular quebrar objeto com martelo, simular calçar sapato e simular fazer pizza. O gesto que
menos se destacou foi o ato de simular (esboço) do movimento do avião. Todos esses gestos
ocorreram em contextos interativos, em situações lúdicas, em que a criança ora interage com a
mãe e brinquedos, ora brinca apenas com a mãe.
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do trabalho visamos discutir sobre a multimodalidade presente na língua
com o enfoque voltado para a aquisição da linguagem, discutimos sobre o processo de
aquisição com base no Interacionismo social, e apresentamos a proposta de Barros (2012) no
que se refere a tipologia prosódico-vocal infantil: balbucio, jargão, holófrases e blocos de
enunciados. Buscamos, ainda, mapear a ocorrência dos gestos pantomímicos em seis sessões
da díade I, observar os tipos de pantomimas mais frequentes nos contextos de interação mãebebê, e analisar as pantomimas que estavam ou não estavam atreladas à produção vocal.
Como observamos, as pantomimas ocorrem de forma simultânea à produção vocal,
porém não são em todas as ocorrências desses gestos que esta situação acontece. Kendon
(1982) afirma que estes gestos ocorrem exclusivamente com a ausência da fala, e como foi
apresentado, os resultados evidenciam que há pantomimas que em sua construção não
priorizam a produção vocal, como por exemplo, o ato de o bebê a e mãe simularem brincar de
esconde-esconde, por outro lado, há pantomimas que têm como elementos fundamentais para
a sua construção as holófrases e os blocos de enunciados, como as simulações de diálogos ao
telefone feitos pelo infante com o incentivo materno.
Nas sessões observadas e analisadas constatamos a presença de jargões atrelados aos
gestos pantomímicos aos 28 meses e 13 dias, e assim como o balbucio foi um tipo de
produção vocal que pouco apareceu em sintonia com as pantomimas.
Através dos fragmentos que foram apresentados observamos que a relação entre a
produção vocal e as pantomimas está presente no processo de aquisição da linguagem, não
sendo apenas uma relação privilegiada pelos adultos.
Diante de tudo que foi exposto, pode-se se dizer que os gestos pantomímicos ocorrem
nas interações mãe-bebê ainda antes dos doze meses de idade. Há uma variedade de gestos,
destacando-se o ato de simular falar ao telefone, uma pantomima bastante privilegiada pela
mãe e pelo infante, pois elas apareceram aos 14 meses e 8 dias e aos 28 meses e 23 dias em
mais de um episódio. A mãe da criança interage de forma significante no processo
comunicativo, incentiva a produção de pantomimas e imita de forma conjunta com a criança.
Ressaltamos o importante papel da multimodalidade para os estudos em Aquisição da
linguagem, uma vez que permite olharmos os gestos pantomímicos ocorrendo de forma
simultânea em situações lúdicas e de entretenimento da qual participam a mãe e a criança,
ambos interagem e comunicam-se entre si e com os outros por eles criados.
44
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