Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso TUTELA JURÍDICA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: FILHOS DE CRIAÇÃO Autor: Dalcilene Rocha da Silva Furtado Orientadora: Prof. Cristina Klose Parisi Brasília - DF 2010 DALCILENE ROCHA DA SILVA FURTADO TUTELA JURÍDICA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: FILHOS DE CRIAÇÃO Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof. Cristina Klose Parisi. Brasília 2010 Monografia de autoria de Dalcilene Rocha da Silva Furtado, intitulada “Tutela jurídica da filiação socioafetiva: filhos de criação”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em _______/_______/______________, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: ______________________________________________________________ Professora Cristina Klose Parisi Orientadora Direito - UCB ______________________________________________________________ Direito - UCB ______________________________________________________________ Direito - UCB Brasília 2010 A meu marido, meus filhos, pelo amor especialmente nas horas de minha ausência. incondicional, AGRADECIMENTOS A Deus, por me conceder sabedoria e força nas horas em que precisei para desenvolver este trabalho. A minha orientadora, pela ajuda concedida na elaboração do trabalho, pelo carinho, dedicação, compreensão e incentivo que me foram dados. RESUMO Com a valorização do afeto nas relações familiares e a igualdade entre os filhos, trazidos pela Constituição Federal, o direito de família, principalmente o direito de filiação, foi alvo de transformações, pois situações que antes estavam desamparadas passaram a ser protegidas juridicamente. Um dos objetivos deste trabalho é demonstrar a importância do afeto no estabelecimento da filiação, por ser um dos critérios para se definir a filiação socioafetiva. No entanto, para se estabelecer uma filiação baseada na socioafetividade é necessário que a posse de estado de filho esteja configurada, este trabalho então apresenta quais são os requisitos que a doutrina entende serem necessários para caracterizar a posse de estado de filho. Define também uma das espécies da filiação socioafetiva, os filhos de criação, e com base numa pesquisa jurisprudencial e doutrinária, tenta demonstrar a necessidade de proteção jurídica a essa modalidade de filiação e, consequentemente, oferecer aos filhos de criação todos os direitos inerentes a uma filiação. Palavras-chave: filiação; filiação socioafetiva; filhos de criação; posse de estado de filho. ABSTRACT With the appreciation of the affect on family relations and equality among children, brought by the Federal Constitution, family law, including the right of membership, has undergone changes as situations that were previously underserved became legally protected. One purpose of this paper is to demonstrate the importance of affect in affiliation, as a criterion to define the membership socioaffective. However, to establish a membership-based Socio-affectiveness is necessary that the possession of child status is set, this paper then presents what are the requirements which the doctrine would be necessary to characterize the state of possession of child. It also defines a species of membership socioaffective, the children of creation, and based on a survey of jurisprudence and doctrine, to show the need for legal protection to this type of membership and hence offer foster kids all rights pertaining to a membership. Keywords: affliliation; possession of child status. socioaffective affliliation; children of creation; SUMÁRIO SUMÁRIO .........................................................................................................8 INTRODUÇÃO..................................................................................................9 1. DIREITO DE FAMÍLIA: CONCEITUAÇÃO HISTÓRICA E PRInCÍPIOS .11 1.1 Conceituação histórica .....................................................................11 1.2 Princípios e o Direito de Família............................................................15 2. 1.2 Princípio da dignidade da pessoa humana ......................................15 1.3 Princípio da igualdade entre os filhos...............................................18 1.4 Princípio da afetividade ....................................................................19 O PARENTESCO E OS REQUISITOS DA FILIAÇÃO ............................24 2.1 CONCEITO DE PARENTESCO.......................................................24 2.2 DO PARENTESCO ..........................................................................26 2.2.1 Parentesco em linha reta................................................................26 2.2.2 Parentesco em linha colateral ......................................................28 2.2.3 Parentesco por consanguinidade.................................................29 2.2.4 Parentesco civil ............................................................................29 2.2.5 Parentesco por afinidade .............................................................30 2.3 3. Requisitos da filiação. ......................................................................32 2.3.1 Critério jurídico .............................................................................34 2.3.2 Critério biológico ..........................................................................36 2.3.3 Critério socioafetivo......................................................................39 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA.....................................................................42 3.1 Posse de estado de filho ..................................................................44 3.2 AmbigUidade na situação dos filhos de criação ...............................50 3.3 Proteção jurídica aos filhos de criação.............................................51 3.4 Direito sucessório e registro .............................................................52 3.5 Pensão por morte.............................................................................56 3.6 Alimentos..........................................................................................59 3.7 Danos morais ...................................................................................60 CONCLUSÃO .................................................................................................65 REFERÊNCIAS ..............................................................................................67 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho busca demonstrar quais foram as conseqüências trazidas pela valorização do afeto como elemento formador de família, já que com a nova ordem estabelecida pela Constituição Federal de 1988 várias modificações ocorreram no direito de família, especialmente no que diz respeito a matéria referente à filiação. Os princípios constitucionais aplicados ao direito de família, tais como o da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os filhos e o da afetividade, representaram uma ruptura nos modelos que até então regiam as relações familiares. A família passou a ser considerada também com base na afetividade. Assim, com a valorização do afeto e a igualdade entre os filhos estabelecidas pela Constituição Federal, a filiação adquiriu uma nova dimensão, pois situações que antes se encontravam desamparadas pelo Direito passaram a ser protegidas. O afeto tornou-se um dos requisitos de estabelecimento da filiação, principalmente da filiação socioafetiva. Em determinadas situações, o afeto, inclusive, chega a prevalecer sobre os requisitos jurídico e biológico. Percebe-se que a filiação fundada no afeto é relevante para o direito, pois tanto a doutrina, com a inclusão da filiação socioafetiva como um dos critérios para o estabelecimento da filiação, como a jurisprudência utilizam a socioafetividade para se posicionarem frente as questões do direito de família. O tema em questão é de grande valia, visto que a sociedade tem como um dos seus pilares fundamentais a família. Dentre as modalidades de família existentes atualmente, destaca-se a família baseada no afeto, uma vez que seus componentes estão ligados em razão do carinho, do respeito, da segurança, do amor. É neste contexto que estão inseridos os filhos de criação, que apesar de não possuírem os vínculos de sangue nem o registral com a família, encontram-se ligados pelo afeto. A situação dos filhos de criação é de tamanha importância que tanto a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227, §6°, quanto o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.596, asseguram que os filhos são iguais e proíbem qualquer forma de discriminação quanto à origem da filiação, procurando desta forma proteger a família e em especial a figura do filho. 10 A relevância acadêmica do tema dá-se em virtude da polêmica que se observa entre doutrina e jurisprudência. Enquanto a doutrina aceita o afeto como elemento formador da família e inclusive o sobrepõe sobre os critérios biológico e legal, a jurisprudência exige para assegurar os direitos dos filhos de criação a presença de todos os requisitos caracterizadores da posse do estado de filho. A falta de regulamentação clara e expressa sobre o estado de posse de filho deixa os filhos de criação dependentes da necessária e correta interpretação dos princípios constitucionais, especialmente do da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os filhos, da não discriminação, bem como do artigo 1.593 do Código Civil que estabelece o parentesco é de origem socioafetiva. Para melhor compreensão do tema, o trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo traz uma breve contextualização histórica da instituição família, do seu direito de família e dos princípios constitucionais que a regulam. O segundo capítulo trata das relações de parentesco previstas pelo nosso ordenamento jurídico e dos requisitos existentes e utilizados para estabelecer a filiação, como o biológico, o jurídico e o socioafetivo, O terceiro capítulo aborda a filiação socioafetiva e a figura dos filhos de criação e as decisões judiciais de várias instâncias e tribunais sobre a efetiva proteção dos direitos dos filhos de criação, especialmente os direitos sucessórios, pensão, danos morais. O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância do afeto como elemento formador e definidor da família, mostrando sua relevância na formação dos integrantes da família, especialmente dos denominados “filhos de criação”, que são aqueles que são albergados pela família por amor e recebem o mesmo tratamento destinado aos demais filhos. Busca também expor a realidade em que estão inseridos os filhos de criação, principalmente quando acessam ao Poder Judiciário. A metodologia utilizada consistiu na análise do tema acerca dos ensinamentos da doutrina, seguida de uma pesquisa jurisprudencial em alguns tribunais brasileiros em que alguns direitos dos filhos de criação fossem assegurados. 11 1. DIREITO DE FAMÍLIA: CONCEITUAÇÃO HISTÓRICA E PRINCÍPIOS O direito de família passou por transformações significativas nas últimas décadas no Brasil, especial no que se refere a conceituação do que vem a ser uma família ou entidade familiar. A legislação, especialmente 1.1 CONCEITUAÇÃO HISTÓRICA A família é o primeiro é, certamente, o principal agente socializador do ser humano. Tanto assim o é, que o conceito de família não pode ser compreendido como apenas um instituto de origem meramente biológica, mas, principalmente, deve ser considerado como um organismo com claros caracteres culturais e sociais.1 A família é uma instituição cujas origens se confundem com a própria evolução da sociedade. Seus primeiros registros ocorreram no estado selvagem, onde os homens primitivos formavam grupos para se protegerem de eventuais ataques de animais. Antes do surgimento do Estado, a família já se fazia presente, a ponto de alguns cientistas políticos afirmarem que a família pode ter originado o Estado. Nas palavras de João de Matos Antunes Varela: A família é o núcleo social primário mais importante que integra a estrutura do Estado. Como sociedade natural, corresponde a uma profunda e transcendente exigência do ser humano, a família antecede nas suas origens o próprio Estado. Antes de se organizar politicamente através do 2 Estado, os povos mais antigos viveram socialmente em famílias. No período primitivo não existia a exclusividade nas relações sexuais entre os indivíduos de um determinado grupo social. Em virtude desse comportamento, só era possível determinar a maternidade de seus integrantes. Os laços afetivos eram estabelecidos somente entre mãe e filho, já que não era possível identificar ao certo quem era o pai biológico; passando a família a ser caracterizada como entidade matriarcal.3 1 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A função social da família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese IBDFAM, ano VIII, n. 39, dez/jan 2007, p. 133. 2 VARELA, João de Matos Antunes. Direito de família. Lisboa: Petrony.1995, p. 30. 3 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Direito de família brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 16. 12 O surgimento das guerras, a escassez de mulheres e a necessidade natural do homem em estabelecer vínculos emocionais possibilitaram a aproximação de homens e mulheres de grupos sociais distintos. Esse contexto incentivou as relações monogâmicas com caráter de exclusividade, existente nos dias de hoje.4 Com o decorrer dos tempos, a definição do que vem a ser família se modificou significativamente. Nos dias atuais a família assume uma concepção diversificada, múltipla.5 Porém, já na antiguidade existiam outras formas de se interpretar o conceito de família. No Império Romano, a família se baseava no pater famílias. Nesse sistema, o patriarca detinha poder soberano sobre a vida e o patrimônio da mulher, dos filhos e demais membros da família.6 Segundo Sílvio Venosa7 os laços afetivos e os sanguíneos não eram elementos basilares para a formação e manutenção da família romana, pois o casamento tinha como finalidade manter o culto religioso de seus antepassados. O culto era comandado pelo pater e os ensinamentos religiosos daquela época eram passados de geração para geração. A mulher ao se casar deixava os deuses de sua família, passando a cultuar os deuses da família do marido. A família era vista como um núcleo de pessoas que cultuavam os mesmos deuses. O pater famílias começa a ceder espaço ao pátrio poder, de forma que o homem deixa de exercer plenos poderes sobre a mulher e os filhos, tornando-se apenas um elemento centralizador do núcleo familiar, portanto era visto como o mantenedor, haja vista que, naquela época, tudo que era produzido era feito no seio familiar.8 Com a Revolução Industrial, a figura paterna não é elementar para a família, havendo a necessidade de inserção dos filhos e da mulher no mercado de trabalho, já que a produção perde seu caráter doméstico. A partir daí as relações familiares começaram a valorizar os elementos de interesse do próprio homem, como o afeto, afastando a necessidade econômica do cenário familiar.9 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2002, p. 17. FARIAS,Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 9 6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2002, p. 18. 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2002, p. 18. 8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 5.Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 19. 9 CAMPOS, Diogo Leite de. A nova família. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Direitos de família e do menor. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 65. 5 13 No Cristianismo, a Igreja Católica percebeu a necessidade de estabelecer regras para distinguir as suas normas das determinações do Estado, passando a ser a família e o casamento os maiores focos: só poderia existir família por meio do casamento – sacramento indissolúvel -, no qual homem e mulher seriam unidos perante Deus para sempre, só podendo ser separados por ele.10 O Brasil foi fortemente influenciado pelos códigos Canônicos e Português no âmbito do direito de família. Assim, a família considerada legítima era constituída por meio do casamento religioso. Com o passar dos tempos, a entidade familiar foi se adequando às transformações da sociedade e às novas realidades, afastando o entendimento segundo o qual a família dependia exclusivamente do casamento para se constituir.11 O Código Civil de 1916 somente conferia o status familiae para o conjunto de pessoas agrupadas por meio do matrimônio e possuía um enfoque eminentemente materialista. As pessoas que optaram por não se casarem, e assim viver à margem do Direito, receberam denominações discriminatórias e pejorativas, tais como “membros de uma família ilegítima”, ou ainda, “concubinas”, “bastardos” e tinham seus direitos mitigados com relação aos membros da família matrimonializada.12 Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o casamento era prérequisito para a formação e legitimidade da família no direito brasileiro. A partir da nova ordem constitucional estabelecida, esse entendimento foi modificado, implantando uma evolução no ordenamento jurídico brasileiro13, conforme já foi dito. Atendendo aos anseios sociais, a Carta Federal de 1988 realizou uma mudança significativa no Direito Civil. Ao inserir no texto constitucional o princípio da dignidade da pessoa humana, adotou novo paradigma para a conceituação da família, inserindo o afeto como um dos seus requisitos. A família é uma instituição colocada como a base de nossa sociedade pela Constituição Federal de 1988 e protegida pelo Estado. A nossa Lei Maior em seu artigo 227 preceitua que a família possui o dever assegurar a mais ampla assistência ao menor. Verifica-se, portanto, a suprema importância dada a esta 10 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Direito de família brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 18. 11 BERTOLINI, Wagner. A união estável e seus efeitos patrimoniais. São Paulo: Juarez de oliveira, 2005, p. 7. 12 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A função social da família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese IBDFAM, ano VIII, n. 39, dez/jan 2007, p. 133. 13 CAVALCANTI, Lourival Silva. União estável. São Paulo: Saraiva 2003, p. 27. 14 instituição, pois é nela, por meio dos membros que a integram, que o indivíduo moldará sua personalidade, formará seu caráter, fará parte e contribuirá com a sociedade em que vive. Para Clóvis Bevilácqua os fatores de constituição de uma família são o amor conjugal que aproxima os dois sexos, os cuidados para a conservação da prole consangüínea e o amor filial. 14 No seu entendimento família é Um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consaguinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente 15 os cônjuges e a respectiva progênie. No entendimento de Rodrigo Pereira, a definição do que vem a ser família evolui bastante, pois se antes a norma jurídica só reconhecia como família a que era constituída com base no casamento, “o conceito de família abriu, indo em direção a um conceito mais real, impulsionado pela própria realidade”.16 O novo conceito de família assegurado pela Carta Federal de 1988 trouxe um conceito de família mais abrangente, conferindo proteção estatal à instituição, não importando a forma como foi constituída, seja pelo casamento, seja pela união estável, ou ainda pela entidade monoparental.17 Assim, Maria Berenice Dias, nos ensina que A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca. No momento em que o formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões morais, religiosas, políticas físicas ou naturais que justifiquem a 18 excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas. A família, dentre as mais variadas influências do meio social, é sem sombra de dúvidas a mais importante de todas. São os membros que constituem a família que moldam o ser humano, garantem suas necessidades materiais, afetivas, 14 BEVILÁCQUA, Clóvis. Direito de família. 5 ed. ver. Amp. Campinas: Red Livros, 2001, p. 30. BEVILÁCQUA, Clóvis. Direito de família. 5 ed. ver. Amp. Campinas: Red Livros, 2001, p. 30. 16 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 8. 17 CAVALCANTI, Lourival Silva. União estável. São Paulo: Saraiva 2003, p. 28. 18 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.55. 15 15 religiosas e morais. A família deve formar indivíduos produtivos para a própria sociedade e com valores compatíveis com a cultura em que vive. 1.2 PRINCÍPIOS E O DIREITO DE FAMÍLIA Inicialmente, o Direito de Família retrata o conjunto de normas e princípios que disciplinam e organizam as relações oriundas do casamento, da união estável, das famílias monoparentais (comunidades de pais e seus filhos), bem como o parentesco e os institutos protetivos da tutela e da curatela.19 A Constituição Federal de 1988, na concepção de Paulo Lobo, significou um dos maiores avanços no direito brasileiro, por sedimentar “a consagração da força normativa dos princípios constitucionais explícitos e implícitos”, ou seja, deixaram de possuir apenas efeitos simbólicos.20 É que o cidadão indiferenciado, que a Lei Civil de 1916 tomou por modelo, é, na modernidade, cidadão qualificado e concreto, merecedor de proteção real. É o consumidor, a criança e o adolescente, o idoso, o deficiente físico, enfim, a pessoa humana! A Constituição apresenta novos valores, informando com princípios e normas as relações privadas, determinando, por conseguinte, as vigas de sustentação do sistema privado, reunificando o sistema civilista. 21 Importante é ressaltar que a constitucionalização do Direito Civil impôs uma releitura dos seus institutos fundamentais, reformulando internamente seu conteúdo. Trata-se de uma alteração na estrutura intrínseca dos institutos e conceitos, reoxigenando-os e determinando a necessidade de uma nova definição de seus conceitos à luz da nova tábua valorativa trazida pela Constituição22, como se pode observar com a análise dos princípios constitucionais que passaram a reger o direito de família. 1.2 19 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil-Teoria Geral. 7 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.20. 20 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 34. 21 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil-Teoria Geral. 7 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.24. 22 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil-Teoria Geral. 7 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.25. 16 O princípio da dignidade da pessoa humana está elencado como fundamento da República brasileira, no artigo 1°, inciso III, da Carta Federal.23 O principal direito fundamental constitucional garantido é o da dignidade da pessoa humana e conforme entendimento de Rizzatto Nunes24, ela é absoluta, plena. Acrescenta ainda o autor que esse princípio serve como fundamento para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas pela Constituição Federal.25 Cabe acentuar que a dignidade da pessoa humana não é criação da ordem constitucional, ainda que seja por ela tutela. Observa-se que a Constituição Federal atribuiu-lhe “o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática”, na percepção de Maria Celina Bodin de Moraes26, passando tal valor a permear todas as relações jurídicas. A dignidade nasce com a pessoa. É inerente a sua essência. Porém, ninguém vive sozinho. A pessoa nasce com integridade física e psíquica, mas, a partir de determinado momento, seu pensamento deve ser respeitado, suas ações, seu comportamento, sua imagem, sua intimidade, sua consciência, porque tais elementos compõem sua dignidade.27 O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como macroprincípio constitucional e, em razão disso, o patrimônio cedeu lugar para o indivíduo que se sujeito de valor, detentor de várias garantias.28 Rodrigo da Cunha Pereira adverte que, com a constitucionalização e conseqüente despersonalização do direito civil, a dignidade da pessoa humana consagrou-se como fundamento da República Federativa do Brasil e toda ordem jurídica restou focalizada na pessoa em 23 Art. 1°. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; 24 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 45. 25 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 46. 26 MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar p. 83. 27 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: saraiva. 2002, p. 48. 28 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br//?artigo&artigo= 308. Acesso em 10 de agosto de 2010. 17 detrimento do patrimônio, que antes comandava todas as relações jurídicas interprivadas.29 O princípio da dignidade da pessoa humana não pode ser desconsiderado em ato algum de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas, por ser considerado um supraprincípio constitucional.30Tal princípio deve ser objeto de uma interpretação pluralista, desde que lhe seja permitido fazer de acordo com as reais e concretas necessidades da pessoa humana e não apenas a partir de um plano abstrato.31 Para Paulo Lôbo, a dignidade da pessoa é “um núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade”.32 Desta forma, tem-se que a dignidade da pessoa humana é inerente ao indivíduo, todavia não está ligada somente à idéia de igualdade entre os membros da família, acarreta também a idéia de deveres e direitos comuns entre eles. Para Alexandre de Moraes a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, manifestada de forma singular na autodeterminação consciente e responsável da própria vida.33 O princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o suporte para as famílias atuais, o que implica observância irrestrita de tal princípio quando se tratar de direito de família, principalmente quando se fala da igualdade entre homens e mulheres, do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, do reconhecimento das famílias oriundas da união estável e as famílias monoparentais, e, sem dúvida, do reconhecimento dos filhos socioafetivos e sua proteção jurídica34, objeto deste estudo. 29 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.182. 30 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 48. 31 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2005, p. 89. 32 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 36. 33 MORAES, Alexandre de. Direito humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2000, p. 60. 34 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus refflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.65. 18 A incidência do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana alterou o modelo de família até então existente, modificando-o de maneira a valorizar cada membro da família e não a entidade familiar como instituição.35 Não seria justificável a existência de tão importante princípio, se os filhos de criação, frutos essencialmente do afeto, exemplos de filiação socioafetiva não tivessem a tutela jurídica sedimentada pelo Estado, especialmente pelo Poder Judiciário, que deve fazer prevalecer outro relevante princípio como é o da igualdade entre os filhos. 1.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS O princípio da igualdade entre os filhos está previsto artigo 227,§5°, da Constituição Federal que assim dispõe: Art. 227 [...] § 5° - os filhos havidos ou não da relação do casam ento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. O artigo 1.596 do Código Civil repetiu a mesma redação da Constituição Federal, estabelecendo uma transformação no direito de família. A relevância desse princípio é a proibição de qualquer forma de discriminação entre os filhos em relação a sua origem. Antes da promulgação da Carta Federal de 1988, os filhos não possuíam tratamento igualitário, pois havia a classificação dos filhos em legítimos e ilegítimos, em razão de terem sido ou não concebidos dentro do casamento. Após o advento da Constituição Federal de 1988, em decorrência especialmente do princípio da igualdade, restou proibida o emprego de qualquer expressão discriminatória quanto à filiação, como por exemplo, denominar os filhos em incestuosos, adulterinos, espúrios, bastardos.36 Desta forma, a incidência desse princípio tem como objetivo impedir distinções entre os filhos, sejam elas fundadas na natureza do vínculo que une os pais (casamento ou união estável), sejam elas de origem biológica ou não. Restou 35 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.182. 36 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br//?artigo&artigo= 308. Acesso em 10 de agosto de 2010. 19 afastada a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em decorrência de sua origem. Assim todo e qualquer filho é detentor dos mesmos direitos e proteção, seja patrimonial, seja pessoal, afastando o ordenamento jurídico todos os dispositivos legais que determine tratamento discriminatórios entre os filhos,37 e os filhos ditos socioafetivos, como é o exemplo dos filhos de criação, não estariam excluídos desta proteção, já que o afeto é também formador da família. 1.4 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE A idéia da abordagem do princípio da afetividade neste trabalho é permitir um desenvolvimento mais detalhado sobre o tema, pois ele visa à estabilidade das relações socioafetivas, sendo de fundamental importância para caracterizar e assegurar a filiação que não é biológica. A evolução do direito de família demonstra que a família era uma entidade em que antes prevalecia os laços de consangüinidade para se determinar a filiação, mas agora, verifica-se que os laços afetivos podem também determinar o parentesco, ou seja, a afetividade e tida como um dos elementos caracterizadores da família atual. Ela recuperou a função, que esteve em suas origens, de um grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos e o respeito aos direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais.38 A Constituição Federal de 1988 redefiniu a noção de família com base em valores que consagram tanto a paternidade socioafetiva como a filiação. Com a constitucionalização do direito civil, e em especial do direito de família, surge a necessidade de substituição dos fundamentos axiológicos rigidamente normativos por critérios que considerem valores humanizados, como o afeto, dedicação, assistência e solidariedade. 37 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2010, p.45. 38 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 48. 20 Família e afeto são conceitos com características semelhantes e interligadas. Geralmente são citadas como dados, como fatos, ainda que de difícil determinação. Ambos estão presentes em todos os momentos de nossa vida e o afeto está relacionado a todos os sentimentos que nos unem, não se vinculando exclusivamente ao amor.39 A afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. A origem biológica era caráter essencial entre a família patriarcal para cumprir suas funções tradicionais. Todavia, a família atual é caracterizada pela complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói a partir de laços afetivos. Esse princípio implícito na Constituição tem por base o afeto, que é, por sua vez, fundamental para que as relações familiares sejam bem sucedidas.40 O afeto constitui matéria-prima imprescindível nas relações de filiação, de intensidade variável, porém constante a ponto de interferir na formação moral e psíquica dos filhos. O princípio da afetividade pode ser considerado como um dos princípios mais importantes para a formação da família, bem como criador de vínculo de parentesco.41 A origem biológica era indispensável à família patriarcal e exclusivamente matrimonializada para cumprir suas funções tradicionais e para separar os filhos legítimos dos ilegítimos. A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói com liberdade e desejo. 42 Não será uma sentença que determinará se existe ou não o afeto entre os integrantes da família e sim o laço afetivo. A palavra afeto não aparece grifada de maneira explícita na Carta da República, mas ao proibir qualquer discriminação entre os filhos, sejam eles de fato ou de direito, e estabelecer como fundamento a dignidade da pessoa humana e a cidadania, deixou subtendido que o afeto passa a ser essencial, na medida em ocorre a valorização da pessoa.43 Ter as relações afetivas reconhecidas e 39 SILVA, Luana Babuska Charpak. A paternidade soioafetiva e a obrigação de alimentar. Disponível em: <http:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5321&p=2>. Acesso em 10 de ago de 2010. 40 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 48-49. 41 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus refflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.71. 42 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49-51. 43 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br//?artigo&artigo= 308>. Acesso em 12 de agosto de 2010. 21 respeitadas perante a sociedade é uma maneira de se atender ao princípio da dignidade da pessoa humana abordado anteriormente. Porém, verifica-se que não é qualquer afeto. Para que haja uma entidade familiar, é necessário um afeto especial, ou seja, afeto familiar. O afeto se apresenta como um elemento essencial de todo e qualquer núcleo familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental.44 Na visão de Paulo Lôbo, há na Constituição Federal de 1988 quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade, quais sejam: a) todos os filhos dão iguais, independentemente de sua origem (art. 227, §6°); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5° e 6 °); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4°) e; d) o direito a convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente.45 Conforme ensinamento de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a transição da família patrimonialista para a solidária e afetiva tem o condão de buscar o desenvolvimento de personalidade de todos os seus membros, baseada nos valores da ética e da solidariedade.46 Pois a partir do momento que a família passou a se manter por elos afetivos, as motivações econômicas que antes prevaleciam, tornaram-se secundárias.47 O Código Civil apesar de trazer explicitamente a palavra afeto em seu texto, só o faz para identificar o genitor a quem deve ser concedida a guarda unilateral, na previsão do artigo 1.583, § 2°, I. Invoca a relação de afetividade como elemento 44 PENA JUNIOR, MOACYR CÉSAR. Direito das pessoas e das famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 23. 45 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigo&artigo=130. Acesso em 10 de agosto de 2010. 46 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010,p. 27. 47 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.179-180. 22 definidor da guarda em favor de terceira pessoa, consoante o artigo 1584, § 5°. É necessário reconhecer a timidez do legislador em reconhecer o afeto como valor jurídico. 48 No entanto, essa valorização do afeto como elemento formador de família, nos remete à idéia de João Batista Vilela, que na década de 1980, atentava para o fato de que o vínculo familiar seria mais um vínculo de afeto do que um vínculo biológico. Deste modo assevera: As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a que delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática as instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e 49 receber amor. Para o direito de família, o princípio da afetividade é de suma importância, pois a sua valorização na concepção do que é família faz com que paradigmas sejam quebrados. Essa afetividade acarreta respeito às peculiariedades de cada um de seus membros, assegurando a dignidade de todos. A família torna-se o refúgio das garantias fundamentais reconhecidas a cada um dos cidadãos.50 Conforme Maria Berenice Dias, o afeto não é fruto da biologia, é decorrência da convivência familiar e consagrou-se como direito fundamental, permitindo projeções de alto relevo, como o reconhecimento da igualdade entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva e a valorização dos vínculos conjugais fundados no amor e no afeto. Desta forma, é inegável que o direito de família instalou uma nova ordem jurídica para a família, concedendo valor jurídico ao afeto.51 Assim o afeto caracteriza a família como uma rede de solidariedade, constituída para o desenvolvimento da pessoa, não se aceitando que uma delas 48 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.70. VILELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista Forense comemorativa 100 anos. Coordenadores Eduardo de Oliveira Leite e José da Silva Pacheco. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 235. 50 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2010, p. 28. 51 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.68 -70. 49 23 possa violar a confiança depositada por outra, consistente em ver assegurada a dignidade humana, assegurada constitucionalmente.52 Independentemente do embate entre velhas e novas concepções, assim caminha a família, a afetividade ascendeu a um novo patamar no direito de família, de valor e de princípio. A família atual só encontra sentido se alicerçada no afeto, razão pela qual vem perdendo suas antigas características: matrimonializada, hierarquizada. A família de hoje é constituída com base na liberdade e na experiência da afetividade.53 Com o advento da Constituição Federal de 1988, observou-se uma profunda valorização da família, principalmente daquelas que tinham e têm suas relações pautadas, sobretudo, na afetividade, na paternidade responsável. Assim, o segundo capítulo deste trabalho fará uma abordagem sobre as formas de parentesco e quais são os requisitos necessários para que uma pessoa seja considerada filha de outra. 52 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2010. p. 84 53 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.190. 24 2. O PARENTESCO E OS REQUISITOS DA FILIAÇÃO Um dos objetivos ao formar uma família é ter estabelecido o vínculo de parentesco com os entes que compõem aquele núcleo familiar.54 Sendo assim, o parentesco é revestido de enorme importância para o direito de família, pois é através dele que se irá estabelecer o que um ente da família é do outro. O parentesco também possui vários efeitos para o direito positivo brasileiro, por exemplo, é utilizado para fins de obrigação de prestação de alimentos, para estabelecer quem irá participar da sucessão e para definir quais são os impedimentos para o casamento55. Já no direito previdenciário, o parentesco é utilizado para estabelecer quem são os dependentes do segurado. 2.1 CONCEITO DE PARENTESCO O conceito de parentesco evoluiu muito, segundo uma perspectiva constitucional. Embora o direito de família tenha historicamente se dedicado mais ao estudo do parentesco consanguíneo, cabe registrar a importância do parentesco por adoção, por afinidade e o parentesco civil. Pelo direito canônico, há vínculo entre padrinhos, afilhados e compadres, vínculo este decorrente do Batismo56 ou Crisma, o então denominado parentesco espiritual, que não é tutelado e nem possui relevância para o direito brasileiro.57 Paulo Lôbo define parentesco como relação jurídica estabelecida por lei ou por decisão judicial entre uma pessoa e as demais que integram o grupo familiar, nos limites da lei. A relação de parentesco identifica as pessoas pertencentes a um grupo social 58 que as enlaça num conjunto de direitos e deveres. Conforme ensinamento de Maria Berenice Dias 54 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.33. 55 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181. 56 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 104. 57 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito Civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 239. 58 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181. 25 parentesco e família não se confundem, ainda que as relações de parentesco sempre sejam identificadas como vínculos decorrentes da consanguinidade, ligando as pessoas a determinados grupo familiar. Não existe coincidência entre o conceito de família e o de parentesco, uma vez que, na idéia de família, está contido o parentesco mais importante: a 59 filiação. Para Maria Helena Diniz, parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de mesmo tronco comum, mas também entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro, entre adotante e 60 entre pai institucional e filho socioafetivo. Dessa forma, tem-se que o parentesco será estabelecido por lei e dentro dos limites dela, podendo também ser estabelecido em decorrência de decisão judicial, como no caso de adoção. No entanto, através das relações de parentesco é que os indivíduos são identificados socialmente e, consequentemente, adquirem direitos e obrigações. Porém, muito mais do que adquirir direitos e obrigações, o fato de ser parente suscita sentimentos de pertencer a uma mesma família, ocasionando assim uma série de dependências, em especial afetiva, de um para com o outro.61 Assim sendo, exceto os parentes por afinidade, as pessoas estão vinculadas em razão de uma fonte comum e, para estabelecer qual o parentesco existente entre as pessoas que derivam de uma mesma origem, são utilizadas linhas e graus.62 Em se tratando de parentesco decorrente de linha, ela pode ser reta ou colateral.63 A linha reta é aquela que deriva da relação existente entre uma pessoa A linha reta é aquela que deriva da relação existente entre uma pessoa com seus descendentes e ascendentes, sendo essa infinita. Já a linha colateral é a que decorre da relação entre pessoas que derivam de uma ancestral comum. Portanto, 59 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. São Paulo: RT, 2009. p.313. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva 2008, p. 431. 61 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181. 62 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.33. 63 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 434. 60 26 para saber quem são os parentes em linha colateral deve-se subir até uma ancestral comum e os que desse derivarem são então parentes.64 Já o grau é a distância que vai de uma geração a outra, portanto, o parentesco será contado pelos graus existentes.65 Por exemplo, o irmão é do outro irmão parente colateral de segundo grau, pois se deve subir ao descendente comum (primeiro grau) e descer até o irmão (segundo grau). Cabe ressaltar que nem sempre foi essa a forma utilizada para estabelecer o parentesco, os antigos definiam os laços de parentesco em razão do culto comum, conforme desta Fustel de Coulanges: “Porém não era suficiente gerar um filho. [...] Com efeito, os vínculos de sangue isolado não constituíram, para o filho, a família: necessitava ele ainda dos vínculos do culto”.66 Além das linhas reta e colateral utilizadas para estabelecer o parentesco, temse também o parentesco natural e o civil, que estão previstos no artigo 1.593 do Código Civil: “ O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consaguinidade ou outra origem”, além do parentesco por afinidade.67 Pontes de Miranda enfatiza esses critérios de estabelecimento de parentesco da seguinte forma: “Parentesco é a relação que vincula entre si indivíduos procedentes do mesmo tronco ancestral (cognação, consanguidade), ou aproxima cada um dos cônjuges dos parentes do outro (afinidade)”.68 2.2 DO PARENTESCO Nas relações humanas, o parentesco é uma das mais importante e constante forma de estabelecer vínculos entre as pessoas. 2.2.1 Parentesco em linha reta 64 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181. SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.33. 66 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Jonas Camargo e Eduardo Fonseca. Rio de Janeiro: Hemus, 1975, p. 42. 67 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181. 68 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2001, p. 106. 65 27 Conforme dito anteriormente, a linha reta ou direta é infinita, ou seja, é aquela que ocorre quando as pessoas têm ligação direta com seus ascendentes ou descendentes.69 É, portanto, uma única linha, não sendo então relevante a direção, pois não possui limite.70 Pelo parentesco em linha reta, estabelecido no artigo 1.591 do código Civil de 2002 : “São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes”. As pessoas descendem umas das outras, desse modo o parentesco será contado pelo número de gerações, sendo que cada geração representa um grau.71 Logo, da mesma pessoa irá surgir uma linha reta de ascendentes – pais, avôs, bisavôs – e uma linha reta de descendentes – filhos, netos, bisnetos.72 De maneira que o filho será parente de primeiro grau em linha reta do pai. Porém, o fato de serem parentes em linha reta não significa igualdade quantos aos direitos e obrigações, pois os parentes mais próximos terão preferência em detrimento dos mais remotos, conforme o disposto no artigo 1.833 do mesmo diploma legal: “Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação”.73 O fato de ser qualificado como parente em linha reta possui enorme relevância para o direito, principalmente no direito de sucessões, em que, na ordem de vocação hereditária, os descendentes ocupam a primeira posição, conforme dispõe o artigo 1.829, inciso I, do Código Civil.74 Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado com este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no de separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 69 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 104. 70 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.33. 71 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 104. 72 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 183. 73 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 183 74 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 184. 28 Entretanto, da relação de parentesco transcorre todo o direito de família. Além, é claro, do tratamento especial dado pela Constituição Federal, em seu artigo 229, no que diz respeito aos deveres dos pais para com os filhos e vice-versa: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.75 2.2.2 Parentesco em linha colateral O parentesco em linha colateral ou transversal76 é aquele que decorre da existência de um tronco comum, do qual todos descendem. Em razão disso os colaterais não irão descender uns dos outros.77 Dessa forma, a linha colateral é finita, ou seja, para os fins jurídicos possui limites.78 Cabe ressaltar que não existe parente colateral de primeiro grau79, pelo fato de que, para se contar o grau, conforme já dito, deve-se subir até ao ascendente comum e descer até o respectivo parente. No entanto pela linha colateral o parentesco possui limite legal estabelecido no artigo 1.592 do CC/ 2002: “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”, devendo ser considerado até o quarto grau, porque até esse é possível evidenciar a solidariedade, segundo Thiago Simões.80 Porém, essa realidade jurídica é totalmente adversa da realidade cultural de uma grande maioria da população, pois as pessoas consideram-se parentes umas das outras em razão de possuírem o mesmo nome de família.81 Entretanto, ao longo da história do direito brasileiro, têm-se bastantes variações acerca do limite legal de parentesco colateral, tudo em virtude dos 75 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 184. SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.34. 77 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 104. 78 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 185. 79 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 185. 80 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.34. 81 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 185. 76 29 interesses de cada período82, como por exemplo, o Código Civil de 1916, no qual o limite de parentesco colateral para fins sucessórios era até o sexto grau.83 O Código Civil de 2002, como já dito, estabeleceu o limite até o quarto grau. Desse modo, consideram-se parentes colaterais pelo ordenamento jurídico: irmãos, sobrinhos, tios, sobrinhos-netos, tios-avôs e primos.84 O parentesco colateral, além de ser relevante para o direito civil, também o é para o direito eleitoral e para o direito processual. Ainda, da mesma forma que o parentesco em linha reta gera impedimentos para o casamento e obrigação de prestar alimentos, o colateral também.85 2.2.3 Parentesco por consanguinidade O parentesco por consangüinidade ou natural86, uma das modalidades de parentesco estabelecida pelo artigo 1.593 do Código Civil, é aquele que se dá pelo vínculo de sangue existente entre as pessoas.87 Dessa forma, pelo parentesco por consangüinidade as pessoas são da mesma origem, ou seja, possuem um ascendente comum. A contagem desse parentesco pode ser feita pela linha reta, quando a pessoa é descendente ou ascendente, ou por linha colateral, quando estão vinculadas em razão de existir um descendente comum.88 2.2.4 Parentesco civil Se o parentesco natural é derivado do vínculo da consangüinidade, o chamado parentesco civil é resultado da socioafetividade, tem como base o afeto. E o que ocorre no vínculo da filiação adotiva, no reconhecimento da paternidade ou maternidade não-biológica, na filiação oriunda da reprodução humana assistida e em 82 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 185. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 103. 84 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 185. 85 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 186. 86 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 103. 87 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.37. 88 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.37. 83 30 outras situações que o reconhecimento familiar não foi feito por intermédio da conexão do sangue.89 O parentesco civil, também uma das modalidades de parentesco prevista pelo artigo 1.593 do CC/2002, é aquela cuja espécie é adoção90, sendo assim, é aquele que decorre de uma decisão judicial. No entanto, o parentesco civil é instituído por meio de uma sentença judicial e, por conseqüência, será estabelecido o vínculo entre duas pessoas que não possuem vínculo biológico.91 Porém, com a adoção tem-se um vínculo igual ao parentesco civil. Pois, no momento em que a adoção é concretizada, os vínculos com a família biológica são rompidos e, por conseqüência, efeitos de ordem pessoal e patrimonial são originados.92 2.2.5 Parentesco por afinidade O parentesco por afinidade é aquele que surge em decorrência do casamento ou união estável, ou seja, nasce do vínculo convivencial válido.93 Maria Helena Diniz conceitua o parentesco por afinidade como aquele “que se estabelece por determinação legal, sendo o liame jurídico estabelecido entre um consorte, companheiro e os parentes consangüíneos, ou civis, do outro nos limites estabelecidos na lei, desde que decorra de matrimônio válido, e união estável”.94 O parentesco por afinidade é previsto no artigo 1.595 do Código Civil: Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. 89 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Código das Famílias Comentado.In: ALVES, Leonardo Barreto Morreira(coord.) Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 219. 90 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.37. 91 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas. Novas relações depois das separações. Parentesco e autoridade parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 665. 92 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.38. 93 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas. Novas relações depois das separações. Parentesco e autoridade parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 665. 94 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 432. 31 §1° O parentesco por afinidade limita-se aos ascend entes, descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. aos §2° Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Portanto, existem alguns parentes por afinidade que possuem denominações, quais sejam: sogro, sogra, enteado, genro, nora, padrasto, madrasta, cunhado, concunhado.95 Dessa forma, o parentesco por afinidade será utilizado para estabelecer impedimentos e deveres por motivos morais.96 No direito brasileiro, conforme estabelece o artigo 1.5121, inciso II, do CC/2002, a afinidade em linha reta gera impedimento para o casamento. No entanto, a afinidade colateral cessa com o óbito do cônjuge, dessa forma não perdura o impedimento do casamento entre os cunhados.97 Orlando Gomes98 destaca em sua obra que o casamento entre cunhados não estará mais proibido, ou seja, não existem impedimentos para casarem-se os cunhados, caso ocorra o falecimento do irmão por meio de quem decorria o vínculo de parentesco por afinidade. Porém, em relação aos parentes em linha reta, o impedimento é perpétuo99, ou seja, mesmo ocorrendo o óbito ou a dissolução do casamento, os impedimentos permanecem.100 Já quanto aos denominados concunhados (cunhados do cônjuge), esses não são parentes, não existindo então impedimento algum para o matrimônio.101 Quanto às obrigações geradas em decorrência da afinidade, a doutrina 95 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 432. 96 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 189. 97 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 432. 98 GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 319. 99 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p.41. 100 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas. Novas relações depois das separações. Parentesco e autoridade parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 666. 100 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 432. 101 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 190. 32 sustenta a possibilidade de existir obrigação de prestação alimentícia e interdição entre os afins.102 2.3 REQUISITOS DA FILIAÇÃO. No direito de família, a filiação possui os seus méritos e adquire relevância por ser um fato jurídico, que gera efeitos pessoais e patrimoniais103. No entanto, a priori, para melhor compreender a relevância da filiação para o direito, faz-se necessário conceituá-la. Para Paulo Lôbo Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, umas das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada 104 de inseminação artificial heteróloga. Segundo Maria Berenice Dias a filiação pode ser conceituada da seguinte maneira: Quando do nascimento, ocorre a inserção do indivíduo em uma estrutura que recebe o nome de família. A absoluta impossibilidade do ser humano de sobreviver de modo autônomo – eis que necessita de cuidados especiais por longo período – faz surgir o elo de dependência a uma estrutura que lhe assegure o crescimento e pleno desenvolvimento. Daí a imprescindibilidade 105 da família, que acaba se tornando seu ponto de identificação social. Para Flávio Augusto Monteiro de Barros, o conceito de filiação é “o vínculo de parentesco com a pessoa que a gerou ou a adotou” 106. Entretanto, acerca da filiação, merece destaque o fato de que o Código Civil de 1916 fazia distinção entre os filhos, denominando os concebidos no casamento como legítimos e os concebidos fora do casamento, como ilegítimos.107 Contundo essa discriminação quanto à origem da filiação contida no Código Civil de 1916, foi sanada com o advento da Constituição de 1988, que estabeleceu 102 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 190. BEZERRA, Chiristiane Singh; LIMA, Maria Aparecida Singh Bezerra de. Considerações sobre a filiação sócio-afetiva no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar. Maringá: v. 5, n.1, julho de 2005, p.198. 104 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p.213. 105 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.319. 106 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 107. 107 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 107. 103 33 em art. 227, § 6°, a igualdade entre os filhos, pro ibindo qualquer designação discriminatória, tornando assim inconstitucional qualquer classificação quanto à origem da filiação: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”108 Dessa forma, os filhos que antes eram tratados de forma discriminatória como legítimos e ilegítimos adquiriram o direito de igualdade, com expressa proibição constitucional de discriminação acerca da filiação. Tal alteração deve-se ao fato de, com o advento da Constituição de 1988, os princípios constitucionais deram ensejo à repersonalização das relações civis, em que o interesse da pessoa humana passou a ter mais valor que as relações patrimoniais, que preponderavam no Código Civil de 1916.109 Em razão disso, a redação do artigo 227, §6°, da CF/88 foi reproduzid a no artigo 1.596 do CC/2002: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. A proibição de designações discriminatórias acerca da filiação, segundo Paulo Lobo, retrata a verdadeira mudança de paradigmas decorrente da concepção de família. Tais desigualdades eram, portanto, a outra e dura face da família patriarcal, que perdurou no direito brasileiro até o advento da Constituição de 1988. Dessa forma, a nova ordem jurídica, ou seja, a Constituição de 1988 consagrou como direito fundamental a convivência familiar, quando adotou a doutrina da proteção integral. Com isso, a criança passou a ser sujeito de direito.110 Tem-se também o princípio constitucional da igualdade, que determina que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem. O ser humano ao nascer não consegue sobreviver de modo autônomo, necessitando de uma família par ampará-lo. Além de cuidados, existe a necessidade de uma identificação perante a sociedade. É por meio dessa identificação que o filho irá ter uma família, ou seja, terá pessoas que possam ser chamadas por ele de pai e mãe.111 108 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v.4. São Paulo: Método, 2004, p. 107. 109 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p 14. 110 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.320. 111 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.319. 34 Diante da necessidade de o indivíduo possuir família e, consequentemente, a necessidade de uma identidade social, surgem indagações acerca de como atribuir filiação. Maria Berenice Dias destaca em sua obra três critérios utilizados para o estabelecimento da filiação: I) critério jurídico; II ) critério biológico; e o III) critério socioafetivo.112 Destarte, para uma melhor compreensão do tema de pesquisa, cabe fazer algumas exposições acerca de como se atribui a filiação utilizando esses critérios. 2.3.1 Critério jurídico O critério jurídico, previsto no artigo 1.597 do Código Civil, estabelece a filiação com base na presunção, ou seja, a filiação é instituída independentemente de corresponder ou não a realidade.113 A presunção como critério de estabelecimento de filiação, por um longo período no direito, foi utilizada em virtude da dificuldade em determinados casos de se atribuir a filiação. Por essa razão, tem-se a presunção como um critério jurídico de estabelecimento de filiação.114 Essas presunções legais têm como finalidade fixar o momento da concepção para que então possa ser definida a filiação e estabelecida a paternidade. Definida a filiação, consequentemente são gerados deveres e adquiridos direitos.115Deveres como cuidar, proteger e educar o filho, e direitos do filho de exigir do pai que cumpra com seus deveres. Acerca das presunções tem-se que, independente da verdade biológica, a maternidade é sempre certa, mater semper certa est.116 Outra presunção utilizada é a de que o marido da mãe é o pai de seus filhos. Desse modo, os filhos de pais casados têm paternidade e maternidade instituídas. Segundo Maria Berenice Dias, essa presunção é tão antiga que é identificada pela expressão latina pater is est quem nuptae demonstrant, ou seja, pai é aquele que as 112 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.322. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.322. 114 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 216. 115 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 216. 116 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 216. 113 35 núpicias demonstrarem.117 Tal presunção tem como base o dever de fidelidade da mulher, conforme destaca João Baptista Vilela: “Foi com base no dever de fidelidade da mulher, e não na sua fidelidade efetiva, que se formou a regra parte is est quem nuptae demonstrant”.118 Tem-se também como presunção de paternidade aquele que teve relações sexuais com a mãe no momento da concepção.119 Entretanto, podem ocorrer situações em que a mãe manteve relações, no período da concepção, com mais de um homem, a presunção de exceptio plurium concubentium. Nesse caso, o suposto pai na investigação de paternidade poderá alegar e prova, com testemunhas ou outra prova admissível, que na época da concepção a mulher teve relações sexuais com outros homens e não unicamente com ele. E se ficar provado que a mulher realmente não manteve relação unicamente com o investigado, presume-se que o filho é de um dos que tiveram relação com a mãe no período da concepção.120 Já o artigo 1.597 do CC/2002 temos algumas previsões de presunções tradicionais, como presume a paternidade do marido para os filhos concebidos 180 dias após o início da convivência conjugal e também a paternidade do marido para os filhos concebidos até 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal.121 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 117 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.323. VILELA, João Baptista. O modelo constitucional da filiação: verdade e superstições. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v.1, n. 2, jul/set., 1999, p. 128. 119 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 216. 120 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 218. 121 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva 2010, p. 218. 118 36 Diante do exposto, cabe ressaltar que algumas situações ainda existem, mas, ao longo dos anos, a utilização de presunção para estabelecimento da filiação vem sendo abalada, em razão da existência de novas tecnologias científicas e, principalmente, com a possibilidade de se saber a origem genética de forma quase absoluta, com a realização di exame de DNA.122 2.3.2 Critério biológico Os avanços científicos geralmente têm reflexos no mundo jurídico, mas quando ocorrem na área da genética, “causam um verdadeiro torvelinho que remexe com todos os conceitos jurídicos ligados à filiação e aos direitos sucessórios, tendo em vista os alicerces patrimonialistas do nosso direito”123 O critério biológico tornou-se o preferido124, principalmente pela popularização do exame de DNA. Pois conforme já dito, por muito tempo se utilizou da presunção para estabelecer a filiação. No entanto, a utilização da presunção para estabelecer a filiação foi abalada em detrimento dos avanços científicos e da possibilidade de se precisar a paternidade mediante exame de DNA, que oferece 99,99% 125 de certeza. Ocasionando, assim, uma revolução no estabelecimento do vínculo paterno-filial.126 Maria Berenice Dias, acerca da possibilidade de se realizar o exame de DNA, realçou em sua obra que: Outro acontecimento veio trazer reflexos no que diz com os vínculos parentais. Os exames científicos, que culminaram com a descoberta dos marcadores genéticos e permitem a identificação da filiação biológica por meio de singelo exame não evasivo, desencandearam verdadeira corrida ao 127 Judiciário, na busca da “verdade real”. Dessa forma, as provas genéticas poderão ser utilizadas tanto para afirmar a filiação quanto para negá-la. 122 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 218. MAIDANA, Jédison Daltrozo. O fenômeno da paternidade socioafetiva: a filiação e a revolução genética. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v.6, n. 24, jun/jul., 2004, p. 51. 124 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.322. 125 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p. 80. 126 VENCELAU. Rose Melo. O elo perdido da filiação: entre a verdade jurídica, biológica e afetiva no estabelecimento do vínculo paterno-filial. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 77. 127 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.327. 123 37 A Lei n° 11.105, de 25 de março de 2005, art. 3°, i nciso II, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e seus derivados, oferece a seguinte definição: “acido desoxirribonucléico – ADN, ácido ribonucléico – ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência”. Portanto, o DNA informa o código genético do indivíduo e, com o exame de DNA, tem-se uma certeza científica, ou seja, comprova-se a origem genética da pessoa. Com isso, o exame de DNA passou a ser utilizado para afastar a paternidade presumida, como também faz parte de um conjunto probatório que, no caso de investigação de paternidade ou maternidade, é recomendável que seja realizado. Isso porque o entendimento majoritário considera que a recusa em realizar o exame de DNA pelo pai em uma ação de investigação de paternidade não a presume, entretanto, a recusa poderá ser considerada como mais uma prova, se existirem outras provas que induzam à presunção de paternidade.128 Em decorrência da polêmica gerada em razão da recusa na realização do exame de DNA, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado de Súmula 301: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz a presunção juris tantum de paternidade”. Acerca da presunção alegada na Súmula, Paulo Lôbo adverte que deve-se atentar para o artigo 232 do Código Civil de 2002, ou seja, que tal presunção não é legal, mas judicial. Ademais, o próprio Superior Tribunal de Justiça não tem admitido somente a presunção em decorrência da recusa do exame de DNA para estabelecer a filiação, necessitando também de todo um conjunto probatório, ou seja, a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA não desonera o autor de produzir outras provas. ”129 Destaca também Paulo Lôbo que a Súmula 301 do STJ só será aplicada no caso de não haver constituição de estado de filiação, ou melhor, só no caso de não haver paternidade de qualquer origem no registro de nascimento e, mesmo assim, o juiz irá conjugar a presunção em decorrência da recusa com as demais provas produzidas. ”130 128 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 227. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p.80 e 227. 130 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva 2010, p. 227. 129 38 O autor também chama a atenção para a divergência ocasionada pela jurisprudência 131 entre o direito da personalidade132, ou seja, o direito que a cada indivíduo é assegurado sem efeitos de parentesco, com o reconhecimento de filiação, que se dá pela relação socioafetiva desenvolvida em decorrência da convivência entre pais e filhos, independentemente de ser filho biológico. Então, uma coisa é reivindicar sua origem genética, outra seria investigar a paternidade.133 Entretanto a utilização do critério biológico, ou melhor, a investigação da origem genética, faz se necessária nos casos em que, mesmo o indivíduo já possuindo filiação no registro de nascimento, ele terá que pesquisar seu liame biológico em razão de doenças transmissíveis, ou diante da necessidade de transplante de órgãos, ou para averiguar impedimentos matrimoniais, que por sua vez são fatores muito relevantes vinculados ao direito da personalidade. Nesse caso, o indivíduo não visa a uma desconstituição da filiação, mas sim, a um meio de garantir o seu direito à vida, á saúde.134 No entanto, cabe ressaltar que, mesmo diante das técnicas científicas capazes de precisar de forma quase absoluta a origem biológica, isso não é suficiente para fundamentar a filiação, pois se está diante de uma realidade social na qual os valores que preponderam são outros e, ao se estabelecer a filiação, tem-se que valorizar o afeto como elemento formador do vínculo.135 131 Tal divergência se dá pelo fato de que o Supremo Tribunal Federal, segundo relata Paulo Lôbo em sua obra, “firmou orientação polêmica, fundada sobretudo no princípio da dignidade da pessoa humana, garantido ao réu o direito de recusa ao exame de DNA, mas negando ao outro o direito de conhecer sua origem genética”. Paulo Lobo também questiona: “seria lesivo à dignidade da pessoa humana e invasivo da intimidade submeter alguém ao exame de, extraindo-lhe uma gota de sangue, um cabelo ou um fragmento de uma unha? Abstraindo-se do resultado pretendido em ação de investigação de paternidade, ou de eventual interesse patrimonial, deve ser considerado o mesmo princípio da dignidade da pessoa humana, com relação àquele que busca conhecer sua origem genética”. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010 228- 229. 132 “A luta histórica em prol dos chamados direitos de personalidade surge com o empenho para que se reservasse ao homem, como tal ou si, um núcleo mínimo e indevassável de direitos fundamentais, essenciais, inerentes à sua condição humana, necessários à expansão e ao desenvolvimento da vida em sociedade, anteriores à própria fundação do sistema sócio-jurídico, e, pois, do Estado. [...] Atualmente, conta-se entre eles o direito à vida, ao nome, à identidade, à integridade física, à integridade psíquica, à saúde, à imagem, à honra, ao respeito, À intimidade, à vida privada, ao sigilo epistolar, telefônico, de dados, de criação intelectual, á liberdade de pensamento, à liberdade de crença, dentre outros”. GOMES, José Jairo. Reprodução humana assistida e filiação na perspectiva dos direitos da personalidade. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n. 22, abr/jun 2005, p. 139. 133 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 206. 134 PREREIRA, Sérgio Gischkow. A imprescritibilidade das ações de estado e a socioafetividade: repercussão do tema no pertinente aos arts. 1.601 e 1.614 do Código Civil. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen(coord.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 437. 135 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204. 39 Sendo assim, não se deve confundir a identidade genética, obtida com a realização do exame de DNA, com a identidade da filiação. A filiação oriunda das relações socioafetivas, que se constrói em razão da liberdade que cada indivíduo possui e da necessidade de afeto, de carinho, de cuidado de dependência e pela existência de respeito.136 Diante do exposto, tem-se que nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, porém, tal verdade torna-se, na maioria dos casos, insignificante ante a verdade afetiva. Tanto que, segundo Maria Berenice Dias, se estabeleceu uma diferença entre pai e genitor, pois pai é o que cria, que oferece amor, e genitor aquele que gera.137 2.3.3 Critério socioafetivo O critério socioafetivo para o estabelecimento de filiação deriva dos princípios constitucionais do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana e corresponde a uma verdade aparente, ou seja, é caracterizado pela existência de uma convivência afetiva entre pai e filho.138 Tal critério decorre das alterações ocorridas na estrutura e na composição das famílias, pois a família composta por diversos membros e filhos legítimos perdeu força diante da realidade social. O afeto tornou-se um elemento preponderante para a formação do vínculo familiar.139 Thiago Simões140 destaca que “não há como negar que a tendência da família moderna é sua composição baseada na afetividade”. O critério biológico, ou seja, o vínculo de sangue diante do afeto passou a ter um papel secundário no estabelecimento de filiação, pois o relacionamento existente entre pai e filho ultrapassa os limites biológicos. O afeto não se determina, o afeto decorre de uma relação de confiança e proteção existente entre pai e filho.141 136 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.327. 138 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.327. 139 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 44. 140 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 44. 141 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p. 85. 137 40 A preponderância do afeto sobre o vínculo biológico dá ao direito de família uma nova feição, conforme menciona Eduardo de Oliveira Leite: “As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser uma unidade de caráter econômico, social e religiosos, para se firmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, certamente esvaziaram o conceito biológico de paternidade”.142 Acerca do afeto no estabelecimento da filiação, Rosana Fachin disserta que: Sobressai a importância da engenharia genética no auxílio das investigações de paternidade; sem embargo dessa importante contribuição, é preciso equilibrar a verdade sócio-afetiva com a verdade de sangue. O filho é mais que um descendente genético, e se revela numa relação construída no afeto cotidiano. Em determinados casos, a verdade biológica 143 cede espaço para “verdade do coração”. A autora também ressalta que, na formação da nova família, deve-se buscar o equilíbrio entre a relação biológica, ou seja, a verdade de sangue, e a relação socioafetiva, a verdade do coração.144 Fica evidente que a filiação socioafetiva vem adquirindo importância no estabelecimento da filiação, desde seu provável marco inicial como objeto de preocupação jurídica quando foi publicado, em 1979, o artigo Desbiologização da paternidade, de João Baptista Vilela145, o que já se preocupava com necessidade de preponderância dessa filiação sobre a biológica, em razão do que ele denomina ser o esvaziamento biológico da paternidade. Acerca do triunfo do afeto sobre a biologia, o autor destaca que: Se se prestar atenta escuta às pulsações mais profundas da longa tradição cultural da humanidade, não será difícil identificar uma persistente intuição que associa a paternidade antes com o serviço que com a procriação. Ou seja: ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na 146 circunstância de amar e de servir 142 LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de direito de família. São Paulo: RT, 1994, p. 119. FANCHIN, Rosana. Da filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo código civil. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 130. 144 FANCHIN, Rosana. Da filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo código civil. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 130. 145 VILELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista Forense comemorativa 100 anos. Coordenadores Eduardo de Oliveira Leite e José da Silva Pacheco. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 233-249. 146 VILELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista Forense comemorativa 100 anos. Coordenadores Eduardo de Oliveira Leite e José da Silva Pacheco. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 240-241. 143 41 Assim sendo, pode-se dizer que prevalecia até a Constituição de 1988 a verdade legal, ou seja, a que decorre da presunção. Depois, diante da possibilidade do exame de DNA, a verdade biológica passou a preponderar. Nos últimos anos, a verdade socioafetiva, ou critério socioafetivo vem adquirindo predominância sobre os demais critérios147, o que será abordado com ênfase no terceiro capítulo deste trabalho. 147 PREREIRA, Sérgio Gischkow. A imprescritibilidade das ações de estado e a socioafetividade: repercussão do tema no pertinente aos arts. 1.601 e 1.614 do Código Civil. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coord.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 426. 42 3. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA A filiação, conforme já estudado, compreende as espécies jurídica (legal ou presumida), biológica (científica ou instrumental decorrente da evolução tecnológica) e socioafetiva (cultural, decorrente da verdade real ou socioafetiva). Cada uma delas com seus conceitos e efeitos, em razão de variadas circunstâncias que irão abranger e principalmente sobre o predomínio de uma sobre as demais. No entendimento de Dilvanir José da Costa O Código Civil de 1916 valorizava a filiação jurídica ou presumida, que compreendia a legítima e a legitimada, com presunção absoluta da paternidade do marido que não a contestasse logo após o nascimento do filho; havia ainda a ilegítima ou reconhecida por uma das formas legais (voluntária ou litigiosa); e a adotiva ou civil ou não biológica, criadora de um 148 vínculo cultural e socioafetivo . A Constituição Federal de 1988 proporcionou mudanças na estrutura e composição da família brasileira, pois situações que antes não estavam protegidas pelo direito de família passaram a ser amparadas.149 Dentre as mudanças na composição, pode-se destacar a proibição legal de qualquer forma de discriminação em razão da origem da filiação e, por conseqüência, foram banidas as expressões: filhos legítimos e filhos ilegítimos. Já em relação à estrutura, passou-se a valorizar o afeto como elemento formador de família.150 Janaína Guimarães ressalta que: “paradigmas forma quebrados a partir do momento em que nos deparamos com outra realidade social; um novo conceito de família onde pais e filhos são unidos pelos laços do amor. Passou-se a visualizar os vínculos familiares pala ótica da afetividade”.151 Dessa forma, fica evidente que a afetividade é uma tendência nas famílias atuais, mas, por outro lado, não há como o legislador impor a todos a regra do afeto 148 COSTA, Dilvanir José da. Filiação jurídica, biologia e socioafetiva. Revista de Informação Legislativa v. 45, n 180, p.99. 149 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 44. 150 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 44. 151 GUIMARÃES, Janaína rosa. Filhos de criação: o valor jurídico do afeto na entidade familiar. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/? artigo&artigo =424. Acesso em 17 de set. de 2010. 43 como elemento formador de família. Por que o afeto decorre da convivência e da reciprocidade de sentimentos entre as pessoas.152 Para Thiago Simões, o afeto está presente nas relações familiares, que se individualizam pelo tratamento recíproco entre os cônjuges e deles com os seus filhos, que acabam se vinculando não apenas pelo sangue, mas também por amor.153 Assim as relações entre pai, mãe e filho transcendem a lei e o sangue, pois não se pode determinar de forma escrita, muito menos comprovar cientificamente, visto que os vínculos advindos dessa relação são sólidos e profundos154, são invisíveis aos olhos científicos. No entanto, são visíveis para aqueles que enxergam ilimitadamente, ou seja, aqueles que conseguem realmente compreender os verdadeiros laços que fazem de alguém pai: os laços de afeto. Pais são os que amam e dedicam suas vidas aos filhos. Para ser pai a pessoa tem que estar disposta a dar amor, carinho, atenção, cuidado, segurança emocional, quando o filho necessita. Contudo, esse vínculo, nem o sangue, tão pouco a lei, garante à criança.155 Pode-se então dizer que a concepção da filiação socioafetiva156 parte da construção da paternidade de fato, que se constrói por meio do convívio diário, baseado no afeto, o qual garante à criança uma criação digna157. 152 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 44. 153 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 45. 154 Acerca disso enfatiza João Baptista Vilela que: “ Pai ou mãe ou se é por decisão pessoal e livre, ou simplesmente não é [....] a lei e a Justiça desrespeitam gravemente uma criança, quando lhe dão por quem, em ação de investigação de paternidade, resiste tal condição. Um ser com todos os vícios e crimes, mas que aceite verdadeiramente a paternidade, é preferível àquele que à recuse, ornando embora de todos os méritos e virtudes, se tornar como critério o bem da criança. Imagine-se cada um tendo como pai ou mãe, quem só o é por imposição da força: ninguém experimentará mais viva repulsa, nem mais forte constrangimento. Todo direito de família tende a se organizar, de resto, sob o princípio basilar da liberdade, tão certo é que as prestações familiais, seja entre cônjuges, seja entre pais e filhos, só proporcionam plena satisfação quando gratuitamente assumidas e realizadas”. VILELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista Forense comemorativa 100 anos. Coords. Eduardo de Oliveira Leite e José da Silva Pacheco. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 245246. 155 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p. 84. 156 Acerca do termo filiação socioafetiva, alguns autores, em especial Maria Berenice Dias, preferem denominar filiação afetiva. Outros a denominam de filiação sociológica. No entanto, a denominação adotada no trabalho será filiação socioafetiva. 157 JATOBÁ, Clever. Filiação socioafetiva: os novos paradigmas de filiação. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/? artigo&artigo =535 . Acesso em 17 de set. de 2010. 44 Portanto, é o afeto que cria e delineia os laços familiares, sendo que esse é disseminado e acalentado no dia a dia, por meio da convivência entre pais e filhos. Dessa forma, tem-se que a filiação socioafetiva consiste naquela em que a paternidade não prescinde de vínculo biológico158. Pois o relacionamento entre pais e filhos transcende os limites biológicos.159 Contudo, para melhorar compreensão do que vem a ser filiação socioafetiva, faz se necessário entender a posse de estado de filho. Pois é por meio da posse de estado de filho configurada que se tem a filiação socioafetiva.160 3.1 POSSE DE ESTADO DE FILHO A Carta Federal de 1988 impôs norma com o intuito de terminar com o tratamento jurídico diferenciado e discriminatório entre os filhos que até então marcou a legislação brasileira. Desta forma, assegurando a todos os filhos os mesmos direitos e deveres. Atualmente o afeto possui um papel fundamental para se delinear as relações familiares e novos paradigmas da filiação. Sendo então a posse de estado161 de filho um requisito essencial para a caracterização da filiação socioafetiva, que se traduz na aparência de um estado de filho.162 Paulo Lôbo traz o seguinte conceito para a posse de estado de filho: “A posse de estado de filiação refere à situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação a outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à realidade legal”.163 158 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 45. 159 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p. 85. 160 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 45. 161 “Essa noção de posse de estado não é um conceito novo no mundo jurídico, seu surgimento nos remonta ao Direito Romano, onde existiam o status civitatis, o status libertatis e o status familiae, em que este último dizia a condição/atribuição que alguém possuía dentro de uma família. Decerto que a noção do estado de família e, consequentemente, a de filho e de pai e mãe, veio se aperfeiçoando com o passar dos séculos”. SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 50. 162 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 50. 163 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 211. 45 Maria Berenice entende que “a filiação pode resultar da posse do estado de filho e constitui modalidade de parentesco civil de ‘outra origem’, isto é, de origem afetiva”, conforme o disposto no art. 1.593 do Código Civil. Sendo assim, destaca que “a filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação”.164 Para Domingos Franciulli Netto, “dá-se a posse de estado de filho quando houver uma relação socioafetiva, notória, contínua, reiterada e uniforme, entre pessoas, como se pais e filhos fossem de direito”.165 No direito brasileiro não temos referência expressa ao instituto da posse de estado de filho166diferentemente do que ocorre no direito alemão, que prevê de forma expressa o instituto. Isso faz com que o tema seja objeto de indagações por parte da doutrina e de controvérsia na jurisprudência.167 Portanto, para que se caracterize a posse de estado de filho é necessária a existência de alguns elementos, pelo fato de que, deve-se considerar a relação diária entre pais e filhos. A doutrina ressalva algumas características que devem ser observadas para efetiva a posse de estado de filho, sendo que, por unanimidade, defende que é essencial a existência de direitos e deveres entre pais e filhos.168 Ademais, a doutrina destaca três requisitos para que se possa identificar o estado de filho afetivo, sendo eles: tractatus, nomen e fama.169 “Tractatus” diz respeito ao comportamento dos parentes aparentes, ou seja, a pessoa é tratada pelos pais de forma ostensiva como filha e trata aqueles como seus pais170. É quando a pessoa é tratada, criada, educada e apresentada como filha pelos pais171. 164 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2009, p.334. FRANCIULLI NETO, Domingos. Das relações de parentesco, da filiação e do reconhecimento dos filhos. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva. Brasília: STJ, v. 15, n.2,jul/dez. 2003, p.224. 166 “Infelizmente o sistema jurídico não contempla, de modo expresso, a noção de posse de estado de filho, expressão forte e real do nascimento psicológico, a caracterizar a filiação afetiva”. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias. São Paulo: RT, 2007, p.333 167 BEZERRA, Christiane Singh; LIMA, Maria Aparecida Singh Bezerra de. Considerações sobre a filiação sócio-afetiva no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar. Maringá: v.5 n.1 julho/2005, p. 200. 168 BEZERRA, Christiane Singh; LIMA, Maria Aparecida Singh Bezerra de. Considerações sobre a filiação sócio-afetiva no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar. Maringá: v.5 n.1 julho/2005, p. 200. 169 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. 170 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. 171 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias. São Paulo: RT, 2007, p.334. 165 46 “Nomen” consiste no fato da pessoa portar nome de família dos pais172, ou seja, o filho usa o nome de família e assim se apresenta173. “Fama” refere-se à imagem social ou reputação. A pessoa é reconhecida como filha pela família e pela comunidade174, ou melhor, a pessoa é conhecida pela opinião pública como pertencente à família de seus pais175. Dessa forma, na posse de estado de filho existe uma relação afetiva íntima e duradora, na qual a pessoa usa o patronímico do pai e por ele é tratada como filha, além de exercitar todos os direitos e deveres inerentes a uma filiação. Esse exercício é notório, conhecido pelo público, ou melhor, na posse de estado de filho tem-se, por parte do pai, um comportamento para com o filho de cuidados com sua alimentação, instrução, dentre outros, mas, principalmente, a demonstração de amor tanto no âmbito social, quanto na intimidade do lar.176 Contudo, os requisitos a serem observados dependem também de fatores diversos, como sociais, e, em especial, dos fatores psicológicos, alheios ao direito, que irão variar de acordo com as situações concretas. Pois não é possível estabelecer e esperar um determinado padrão de situações concretas, pois cada pessoa está inserida numa realidade diferente, que precisa ser considerada.177 No entanto, embora os requisitos apresentados possam ser utilizados para identificar o estado de posse de filho, Paulo Lobo destaca que “essas características não necessitam de estarem presentes, conjuntamente178, pois não há exigência legal nesse sentido e o estado de filiação deve ser favorecido, em caso de dúvida”.179 Os requisitos defendidos pela doutrina para configuração da posse de estado de filho nos levam a deduzir que é por meio da aparência que todos acabam 172 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias.São Paulo: RT, 2007, p.334. 174 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. 175 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias.São Paulo: RT, 2007, p.334. 176 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001, p. 85-86. 177 BEZERRA, Christiane Singh; LIMA, Maria Aparecida Singh Bezerra de. Considerações sobre a filiação sócio-afetiva no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar. Maringá: v.5 n.1 julho/2005, p. 201. 178 “a função dos elementos identificadores é apenas informar a existência de uma relação de afeto, não existindo uma fórmula matemática que determine em que medida esses elementos devem estar presentes, qual à proporção que deve existir entre um e outro, o que é relevante é a manifestação desses elementos e não sua quantidade”. BEZERRA, Christiane Singh; LIMA, Maria Aparecida Singh Bezerra de. Considerações sobre a filiação sócio-afetiva no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar. Maringá: v.5 n.1 julho/2005, p. 201. 179 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. 173 47 acreditando num fato, que juridicamente não é verdadeiro. Porém, tal fato não pode ser desprezado, visto que a tutela da aparência, segundo Maria Berenice Dias, acaba “[....] emprestando juridicidade as manifestações exteriores de uma realidade que não existe”. Essa verdade aparente é responsável pela caracterização da filiação socioafetiva e a verdade real é o fato de o filho gozar da posse de estado de filho, que prova assim o vínculo parental180. Dessa forma, para se provar o estado de filiação, pode-se utilizar qualquer meio de prova, desde que admitido em direito: provas testemunhais, documentais, periciais, dentre outras. Tais provas servem de complemento para os dois requisitos alternativos que a lei exige, sendo eles: a existência do começo de prova por escrito, oriundo dos pais, e presunções veementes da filiação resultante de fatos já certos. Para começo de prova por escrito admite-se a utilização de cartas, autorizações para atos em benefícios de filhos, declaração de filiação para fins de imposto de renda ou de previdência social181. Além dessas circunstâncias fáticas probatórias, faz-se necessário analisar outros aspectos como: o carinho, o ambiente tranqüilo no qual a pessoa está inserida, a habitualidade de amor, a orientação, a educação, o vestuário, a alimentação, o tratamento respeitoso e digno, o sentimento do filho, o equilíbrio psicológico, dentre outros.182 No entanto, precisa ficar claro que a posse de estado de filho não é estabelecida com o nascimento, mas por ato de vontade da pessoa fundado no afeto. Nesse caso, a verdade socioafetiva consolidada irá confrontar tanto a verdade jurídica quanto a biológica. Ou melhor, o vínculo biológico não terá valor ao ser confrontado com o vínculo afetivo, que decorre do convívio, do cuidado e principalmente do amor.183 Acerca do estado de posse de estado de filho, as Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho de Justiça Federal aprovaram alguns enunciados184 importantes, como o Enunciado n.103 da I Jornada realizada: 180 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2007, p.334. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. 182 WELTER, Belmiro Pedro. A secularização do direito de família. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (org.) Temas atuais de direito e processo de família. v.1. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.218. 183 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2007, p.333. 184 Os enunciados aprovados pelo Conselho da Justiça federal servem como orientação para determinados artigos do Código Civil, além de produzirem ampla repercussão no meio jurídico. Disponível em: 181 48 ART. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, entre outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente que das técnicas de reprodução humana assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse de estado de filho. Na I Jornada também foi aprovado o Enunciado n. 108185, com a seguinte redação: “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva”. Seguindo o mesmo entendimento, o Conselho da Justiça Federal aprovou na III Jornada, o Enunciado n. 256 186 , talvez o mais importante dentre os citados, com a seguinte redação: “art. 1.593: A posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. Diante disso, observa-se que o Código Civil abre uma lacuna para que se possa caracterizar a posse de estado de filho, revelando a função social do direito de família. No entanto, vedar o reconhecimento da filiação socioafetiva é violar diretamente à dignidade da pessoa humana187. Conforme o artigo 1.603 do Código Civil, a prova da filiação é feita por meio da certidão do registro civil de pessoas naturais, que deve ser lavrado em cartório e preencher os requisitos dos artigos 50 a 66 da Lei 6.015/73. Resumidamente o registro deverá conter o nome do pai e/ou da mãe, se forem casados, o nome dos dois em face do princípio da presunção de paternidade do casamento (artigo 1.597 do CC). Se não forem casados, o nome do pai só será registrado mediante seu consentimento expresso, que poderá ser feito de forma pessoal ou mediante procuração específica (artigo 59 da Lei de Registros Públicos).188 Imprescindível anotar que o registro civil produz uma presunção de filiação quase absoluta, podendo ser invalidada somente diante de erro ou falsidade e por meio do Judiciário. No entanto, o registro não é mais o único meio de prova da filiação, especialmente quando se trata de filiação socioafetiva, em que apesar da <http://columbo2.cjf.gov.br/portal/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=83&tmp.texto=81 33. Acesso em 19 de setembro de 2010. 185 PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito civil: enunciados aprovados. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/ I Jornada.pdf. Acesso em 19 de set. de 2010. 186 PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito civil: enunciados aprovados. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/ I Jornada.pdf. Acesso em 19 de set. de 2010. 187 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 55. 188 CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 545. 49 origem biológica, o vínculo e determinado pelo tratamento cotidiano entre pai e filho.189 Nas palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenval: Sem dúvida, a prova da filiação pode decorrer da reciprocidade de tratamento entre determinadas pessoas, comportando-se como pais e filhos e se apresentando como tal aos olhos de todos. É a projeção da teoria da aparência sobre as relações jurídicas filiatórias, estabelecendo uma 190 situação fática que merece tratamento jurídico. Ademais, cabe ressaltar que na tutela jurídica da posse de estado de filho é que estão abrigados os denominados filhos de criação, pois são espécies da filiação socioafetiva.191 De acordo com Belmiro Welter, são espécies de filiação socioafetiva: o filho de criação, comprovado pela posse de estado de filho, a adoção judicial, a adoção à brasileira, o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade192 e inseminação artificial.193 Para restar caracterizada a posse de estado de filho a doutrina exige a utilização do nome de família, a presença do tratamento de filho e a reputação de filho perante a sociedade. Parece razoável exigir que se prove que o pai destinava tratamento de filho e que este tratamento fosse notório, configurando a reputação social. No entanto, fazer prova da posse de estado de filho por meio da efetiva utilização do nome de família é desnecessário, já que, em regra, as pessoas são conhecidas pelo prenome. Assim a não comprovação do uso do patronímico não prejudica o acatamento da posse do estado de filho.194 Segundo ensinamento de Maria Berenice Dias “A noção de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas em um ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação.195 189 CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 547. 190 CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 547-548. 191 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212. 192 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003, p.148. 193 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 55. 194 CHAVES, Cristiano de Farias: ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 548. 195 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2009, p. 330. 50 Para Paulo Lobo, a posse de estado de filho fornece os meios indispensáveis, os parâmetros para a caracterização e o reconhecimento da relação de filiação, fazendo sobressair a verdade socioafetiva.196 3.2 AMBIGUIDADE NA SITUAÇÃO DOS FILHOS DE CRIAÇÃO Os filhos de criação são figuras comuns na sociedade, pois são vários os exemplos de pessoas que foram criadas como filhos de criação por uma família. No entanto, apesar da doutrina e da jurisprudência afirmarem que os filhos de criação, em razão de ser uma espécie de filiação socioafetiva, merecem proteção jurídica, a realidade fática apresenta-se de modo diferenciado. Restando comprovado a proteção de seus direitos de modo eficaz ainda não ocorre. Pois há situações em que o menor é agregado pela família e, embora culturalmente receba a denominação de filho de criação, na realidade ele não é tratado da mesma forma que os demais filhos, ou seja, não possui os mesmos direitos e deveres que os demais, tão pouco afeto. Nessas situações, o menor é inserido na família para prestar serviços domésticos e não para exercer o papel de filho. Tal prática é muito comum na realidade da sociedade brasileira, pois as pessoas - como uma prima ou madrinha em melhores condições econômicas – geralmente pegam os menores no interior ou na zona rural e os levam para suas residências para que realizem os serviços domésticos de forma mascarada.197 Convém ressaltar que a situação posta é somente para demonstrar que existe essa outra realidade dos filhos de criação sem o afeto, mas esse tema não é objeto de estudo do presente trabalho, que trata especificamente da proteção aos filhos de criação, espécie da filiação socioafetiva. Nessa modalidade a pessoa é criada sem nenhuma distinção entre os demais filhos gozando dos mesmos direitos e deveres perante os pais. A problemática surge, geralmente, quando um direito precisa do crivo do Judiciário, como, por exemplo, no caso de partilha de herança, pensão, dano moral etc. 196 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 211. MONARIS, Graça Juliana Mello. Filiação socioafetiva e o reconhecimento dos “filhos de criação”. Disponível em http://www.2uel.br/ca/stedemarco/artigos/ Gra%C3%A7a%20Juliana%20Mello%20Monaris.pdf. Acesso em 20 de setembro de 2010. 197 51 3.3 PROTEÇÃO JURÍDICA AOS FILHOS DE CRIAÇÃO O filho de criação é uma das espécies de filiação socioafetiva. Essa modalidade de filiação ocorre nos casos em que, mesmo não existindo nenhum vínculo jurídico – por meio da adoção – ou biológico, os pais criam uma pessoa por mera opção.198 Nas palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald para que seja vivenciada a experiência da filiação não é necessária a geração biológica do filho. Ou seja, par que se efetive a relação filiatória não é preciso haver transmissão de carga genética, pois o seu elemento essencial está na vivência e crescimento cotidiano, nessa mencionada busca pela realização e desenvolvimento pessoal (aquilo que se chama, 199 comumente, de felicidade). Nessa modalidade de filiação socioafetiva não existe vínculo de sangue, nem registral, tão somente vínculo de afeto. Os pais de criação oferecem ao filho todo amor, carinho, cuidado, ou melhor, uma família, “cuja mola mestra é o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto”.200 O filho de criação não possui meios formais de comprovação de vínculo de filiação, no entanto é detentor dos requisitos que configuram a posse de estado de filho, que se revela na reputatio, na nominatio e na tratactus. Cabe registrar que a inexistência do vínculo biológico não se mostra suficiente para romper o vínculo paterno-filial.201 De forma que, mesmo comprovada a ausência do vínculo biológico, que possui enorme prestígio como prova pericial, devido ao alto grau de precisão, é possível a comprovação do elo socioafetivo. O laço socioafetivo depende da comprovação de convivência respeitosa, pública, duradoura e estabelecida aos olhos da sociedade. Há situações em que é possível perceber a afetividade como determinante para o estado de filiação. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald citam: 198 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001, p. 84. 199 CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 542 200 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001, p. 84. 201 CHAVES, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 581. 52 i) na adoção obtida judicialmente; ii) no fenômeno de acolhimento de um “filho de criação”, quando demonstrada a presença da posse de estado de filho; iii) na chamada adoção à brasileira (reconhecer voluntariamente como seu um filho que sabe não ser; iv) no reconhecimento voluntário ou judicial da filiação de um filho de outra pessoa ( quando um homem, enganado pela mãe ou por ter sido vencido em processo judicial, é reconhecido como pai e, 202 a partir daí, cuida deste filho, dedicando amor e atenção. Considerando a importância do tema e a necessidade de proteção jurídica aos filhos de criação, a seguir serão apresentadas algumas decisões dos Tribunais acerca da filiação socioafetiva, especialmente sobre os filhos de criação. Embora no decorrer do trabalho fique demonstrado que o afeto, em determinadas situações, deve prevalecer, quando se diz respeito aos filhos de criação, não há convergência na doutrina e na jurisprudência203. Todavia, alguns autores204 são favoráveis à filiação socioafetiva, bem como sua prevalência sobre a filiação jurídica e biológica em certos casos. As decisões são fruto de pesquisa jurisprudencial realizada em alguns Tribunais. Na pesquisa foram utilizados termos como: filiação socioafetiva, filiação sócio-afetiva e filhos de criação. No entanto, para conseguir o resultado desejado, o único termo utilizado foi filhos de criação, pois o resultado apresentado utilizando os demais termos era muito abrangente e envolvia tanto a filiação biológica como a registral e principalmente as ações que visam reconhecer ou desconstituir a paternidade Outro fato que merece ser destacado é que, durante a pesquisa conseguiramse poucas decisões que tratam do assunto, assim tal deficiência leva a concluir que talvez os filhos que se encontram inseridos nessa realidade não saibam que é possível obter a proteção jurídica de seus direitos e deveres decorrentes de sua condição de filho de criação. As decisões foram classificadas pelos efeitos jurídicos de proteção aos filhos de criação e, quando possível , pelos tribunais. 3.4 202 DIREITO SUCESSÓRIO E REGISTRO CHAVES, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Direito de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 593. 203 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003, p.149. 204 Paulo Lôbo, Maria Berenice Dias, Edson Fachin, Belmiro Pedro Welter, dentre outros. 53 No que diz respeito à sucessão e ao nome dos filhos de criação tem-se uma única e importante decisão no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma Apelação Cível, tendo como presidente Maria Berenice Dias. Embora o seu voto tenha sido vencido, em muito tem a acrescentar, pois demonstra a necessidade da proteção aos filhos de criação. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. ‘FILHO DE CRIAÇÃO’. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO. A relação socioafetiva serve para preservar uma filiação juridicamente já constituída, modo voluntário, pelo registro( que define, no plano jurídico, a existência do laço – art. 1.603 do Código Civil), jamais sendo suficiente para constituí-la de modo forçado, à revelia da vontade do genitor. Dar tamanha extensão a parentalidade socioafetiva resultará, por certo, não em proteção aos interesses de crianças e adolescentes, mas, ao contrário, em desserviço a eles, pois, se consolidada tal tese, ninguém mais correrá o risco de tomar uma criança em guarda, com receio de mais adiante se ver réu de uma investigatória de paternidade ou maternidade. È bom ter os olhos bem abertos, para não se deixar tomar pela bem intencionada, mas ingênua ilusão de que em tais situações se estará preservando o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o que invariavelmente se encontra por trás de pretensões de espécie aqui deduzida nada mais é do que o reles interesse patrimonial. É de indagar se o apelado deduziria este pleito se a falecida guardiã fosse 205 pessoa desprovida de posses! Diz respeito a uma apelação interposta pelo espólio, em face da sentença que julgou procedente o pedido deduzido na ação para reconhecimento de maternidade socioafetiva, cumulada com petição de herança, ajuizada pelo filho de criação. O filho de criação, autor da ação, buscou o estabelecimento de filiação com base no vínculo afetivo a fim de ser reconhecido como herdeiro da mãe de criação falecida. Maria Berenice Dias, ao proferi voto, enfatizou pontos que merecem destaque diante da nova concepção de família, como a necessidade dos vínculos familiares serem visualizados pela ótica da afetividade, conforme estabelece a Constituição Federal. Além do que, a partir do momento que a Constituição reconheceu a união estável como entidade familiar, pode-se entender que houve o reconhecimento do afeto e, consequentemente, lhe foi dado efeitos jurídicos. Em face disso, o afeto passou a ser tutelado juridicamente, tanto nas relações interpessoais como nos vínculos de filiação. Destacou que “filiação não se constitui somente pelos vínculos de consaguinidade, mas por outras formas também, e aí está a filiação que ele prefere 205 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível n 70014775159. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 28 de junho de 2006. DJ de 12/ 07/ 2006. 54 chamar de sociológica, que todos chamam de soicoafetiva, mas que prefiro chamar de filiação afetiva.” Maria Berenice Dias acerca do caso apresentado, relata que: Indiscutivelmente esta criança que foi entregue a esta mulher, ainda neném, antes de ter um ano de vida, ninguém duvida que era seu filho. Assim ele foi criado, assim ele constou no INSS, assim foi indicado no Montepio. Quando ela ficou doente, ele foi nomeado seu Curador. A Lei estabelece quem pode ser nomeado curador. Na lista, estão as pessoas que a lei escolhe, os parentes. A lei não diz que filho de criação ou que um estranho podem desempenhar este múnus. Mas há mais, como o filho era casado, morava em outro lugar, deixou uma filha morando junto com sua mãe. Ou seja, a neta ficou morando e cuidando da avó. Quando ela ficou doente, quem chamaram, o filho. O vínculo entre ambos permaneceu durante toda a vida. Ela tinha a guarda de fato desde antes de o filho ter um ano de idade. Na época de ele entrar no colégio, firmou em juízo um termo de guarda e responsabilidade, para criá-lo como se seu filho fosse. Ela era uma pessoa singela. Ela até outorgou procuração para que um advogado entrasse com o que na época se chamava de legitimação adotiva. Então, como negar o interesse dela em ter aquele filho como seu? Nunca houve nenhuma manifestação dela no sentido de que não reconhecia ele como filho. O próprio Código Civil admite a adoção póstuma, contanto que tenha tido início o processo de adoção. A posição de vanguarda é deste tribunal, pelo voto do Des. Luiz Felipe, que admite a adoção mesmo que não tenha iniciado a ação de adoção. O voto brilhante, se transformou em paradigma. Basta estar comprovado o desejo de adotar, o desjo de tero filho como seu, para admitir-se a adoção. Inclusive já há várias outras decisões nesse sentido. Assim, mesmo que não tenha começado o processo de adoção, é possível o reconhecimento do vínculo de filiação depois da morte. Portanto, não há como não se reconhecer que essa mulher tinha esse filho com seu. Confesso que não consigo enxergar, nesta busca dele do reconhecimento da filiação, um mero interesse de ordem econômicofinanceira. Ela só tem essa casa, onde morava junto com uma filha dele. Se o imóvel não ficar para ele, vai ficar para uma irmã dela, com quem ela não se dava e não convivia. E essa é a situação: ou fica para o filho, com quem conviveu desde que ele nasceu e que cuidou sempre dela, inclusive colocando a filha para morar com ela, ou vai ficar para uma irmã, com quem 206 ela não se dava, com que não convivia. Nas considerações finais do voto, a desembargadora alega que não consegue enxergar na situação apresentada nenhum interesse de ordem econômica, porque se as relações se estabelecem pela afetividade, não acredita 206 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível n 70014775159. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 28 de junho de 2006. DJ de 12/ 07/ 2006. 55 que o amor será medido por conta de haver ou não interesse econômico: “ninguém é meio filho, ou existem vínculos afetivos que se estabelecem ou não existem vínculos afetivos!”. Diz também que é imprescindível reconhecer “uma filiação afetiva, com efeitos jurídicos, desde que o menino lhe foi dado sob guarda, para ser criado como se filho fosse”. Pois essa é uma filiação que é reconhecida pela lei. Em relação aos pais registrais, alega não ser necessários que os cite, pois o filho é maior e não exige a lei que, na adoção de maiores, os pais registrais tenham que concordar. Sendo assim, o único reparo à sentença que diz ser necessário é que, em razão de ser uma ação de investigação de maternidade, deve haver a alteração no registro de nascimento somente na filiação materna, mantendo o vínculo de filiação com relação ao pai biológico. Diante do voto exposto pela desembargadora Maria Berenice Dias, observase que é necessário reconhecer uma filiação com efeitos jurídicos e que, no caso dos filhos de criação, quando maiores, não há necessidade de citar os pais registrais para que concordem ou não. No que diz respeito ao nome, pelo fato de ser uma ação de investigação de filiação207, defende que deve se alterar o registro de nascimento, alterando os nomes dos pais biológicos pelos dos pais socioafetivos. No caso em julgado, existe uma peculiaridade, pois nele defende que seja alterado no registro de nascimento somente o nome da mãe biológica, pelo da mãe de criação, tendo em vista que a ação é de investigação de maternidade. Diante do exposto, evidencia-se que o filho de criação ao ser reconhecido judicialmente como filiação decorrente da socioafetividade, adquire proteção jurídica no que diz respeito ao direito à sucessão, pois não pode existir discriminação quanto à origem da filiação, todos os filhos possuem os mesmos direitos. Sendo assim, o fato de não conceder todos os direitos inerentes à filiação aos filhos de criação, reconhecido judicialmente como uma filiação socioafetiva, significa violar o princípio constitucional o qual estabelece que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem. 207 Belmiro Pedro Welter, em sua obra, tem como um dos pontos principais a busca em demonstrar que se revela viável, no direito brasileiro atual, ação de investigação de paternidade socioafetiva. WELTER<Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003, p. 198. 56 3.5 PENSÃO POR MORTE Tem-se também na jurisprudência decisões que concederam ao filho de criação o direito ao benefício de pensão por morte do pai militar. O Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n 370067, no qual a ministra Laurita Vaz foi relatora, concedeu à filha de criação à pensão do militar falecido. Na época do falecimento do militar, a filha de criação não era adotada de fato, foi após o falecimento do militar que a viúva formalizou a adoção. Então, após a morte da mãe adotiva, a filha pleiteou o direito a pensão do pai de criação falecido. MILITAR. RECURSO ESPECIAL. FILHA DE CRIAÇÃO DE MILITAR, FORMALMENTE ADOTADA PELA VIÚVA APÓS O FALECIMENTO DE SEU ESPOSO. DIREITO À PENSÃO APÓS A MORTE DA MÃE ADOTIVA. 1. Conforme preceitua o art. 7°, inciso II, da Lei n 3765/60, a pensão militar é deferida “aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos”. Por filhos de qualquer condição deve-se entender, também, aquela pessoa que foi acolhida, criada, mantida e educada pelo militar, como se filha biológica fosse, embora não tivesse com ele vínculo sanguíneo. 2. A Carta Magna conferiu maior abrangência ao mencionado dispositivo, intensificando a proteção à família e à filiação e repelindo quaisquer formas de discriminação advindas dessas relações. 3. Na hipótese em apreço, restou sobejamente demonstrado que a ora Recorrida ostenta a condição de filha do de cujus, tendo a sua adoção pela viúva apenas formalizado uma situação de fato preexistente. Por essa razão, preenche a Autora os requisitos legais para que lhe seja deferido o benefício pleiteado. 4. Recurso especial desprovido. 208 A ministra Laurita Vaz em seu voto sustenta que a pensão militar será deferida aos filhos de qualquer condição e deve-se entender que será considerado como filho toda pessoa que foi acolhida, criada, mantida e educada, mesmo que não seja filha biológica. Pois embora não possuísse vínculos de sangue, fora demonstrado que ostentava a condição de filha. O Tribunal Regional Federal da Segunda Região, na Apelação Cívle n 910210227-7, de relatoria da juíza federal Lana Regueira, também concedeu o direito à pensão do militar para filha de criação. Trata de um recurso que foi provido 208 Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso Especial n 370067. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Julgado em 9 de agosto de 2005. DJ de 5/ 9/ 2005. 57 no sentido de reformar a sentença, para conceder a neta do militar falecido o direito de dividir a pensão com a sua mãe biológica, tendo em vista que restou comprovado a condição ostentada de filha de criação do avô militar. ADMINISTRATIVO. PENSÃO. FILHA DE CRIAÇÃO DE MILITAR. DIVISÃO DO BENEFÍCIO. I- Comprovado, mediante justificação judicial, condição de filha de criação o instituidor militar, e sendo esta equiparada a filha adotiva, a apelante faz jus ao recebimento da pensão em igualdade de condições 209 com sua mãe. II- Recurso Provido. Sentença Reformada. No mesmo tribunal, na Apelação Cível n 2006 51010105955, cuja relatora foi a juíza federal convocada Maria Alice Paim Lyrard, foi concedido o direito à mãe de criação de receber à pensão do militar do filho de criação: ADMINISTRATIVO – MILITAR - PENSÃO POR MORTE – VIÚVA - MÃE DE CRIAÇÃO - EQUIPARAÇÃO À MÃE ADOTIVA - LEI N 3765/60, ART. 7° - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 1- Trata-se de remessa necessária e de recurso de apelação interposto de sentença que julgou procedente o pedido, condenando a União a proceder à habilitação da autora, mãe de criação do militar, à pensão instituída em razão do falecimento de Aspirante a Oficial, em 28/4/2000. 2 – O art. 7° da Lei n 3765/60, com reda ção vigente à época do óbito do militar, previa que a pensão militar poderia ser deferida à viúva, mãe do de cujus, na falta de pessoas que tivessem preferência na habilitação. 3 – Desnecessidade de que os pais biológicos do de cujus integrem a relação processual, por total falta de interesse. Isto porque, equiparada a situação à adoção, se verificou o rompimento do vínculo com a família biológica, não subsistindo o direito à pensão militar decorrente da morte. Admitir-se a esses pais qualquer direito de cunho patrimonial na atual conjuntura, equivaleria em jogar por terra todo o esforço material e sentimental da apelante, que despendeu os esforços necessários para cuidar do falecido desde seus primeiros dias, para prestigiar a torpeza de seus pais biológicos, que somente agora, quando verificada a possibilidade de algum ganho material, resolveram aparecer e lembrar que tiveram um filho. 4 – Na hipótese, a União, em momento algum contestou a maternidade da autora sendo que o Ministério da Defesa, no Parece de n 043 – Jus, de 14 de março de 2001, reconheceu que “a requerente cumpriu com as exigências legais do instituto” ( da guarda provisória), demonstrado pela “ copiosa documentação que acompanha o processo”administrativo. 5 – Juros de mora fixados me 0,5% ao mês, tendo em vista que a ação foi ajuizada quando já em vigência a MP 2.180-35/2001. 6 – Remessa 210 necessária e recurso parcialmente provido. A apelação cível diz respeito a uma mulher que detinha a guarda de um aspirante oficial do Exército que faleceu aos 23 anos em um acidente de carro. Na 209 Tribunal Regional Federal da Segunda região. Primeira Turma. Apelação Cível n 910210227-7. Relatora: Lana Regeira. Julgado em 18 de novembro de 1992. DJ de 10/ 3/ 1993. 210 Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Oitava Turma. Apelação Cível n. 2006.51.01.010595-5. Relatora: Maria Alice Paim Lyrard. Julgado em 09de setembro de 2008. DJ de 18/9/ 2008. p 384. 58 primeira instância a mãe de criação do militar ganhou e foi determinada a sua habilitação para receber a pensão. A União recorreu, alegando que a mãe de criação jamais procurou regularizar a situação do filho e que, no registro do militar falecido constavam os nomes dos pais biológicos. Porém, o fato é que o militar foi abandonado recém- nascido pela mãe biológica, deixado na porta da residência da mãe de criação, dentro de uma caixa de papelão, junto a ele estava a certidão de nascimento. Desde então, os pais biológicos nunca procuraram pelo filho. Só após a morte do militar, o pai biológico tentou se habilitar para receber a pensão, mas o pedido foi indeferido.211 A relatora do processo lembrou que o filho de criação era uma situação muito comum no Brasil das décadas de 1940 até 1970. Essa relação normalmente ocorria quando os casais criavam a pessoa como filho, motivados pelos sentimentos de paternidade e maternidade, carinho e compaixão. Essa situação corresponderia à adoção, mas que devido a um desconhecimento deixava de ser legalizada. No entanto, atualmente a condição de filho de criação ainda perdura entre nós, principalmente nos estados do Norte e Nordeste do país. A adoção simples apenas deixou de existir para o conceito positivado no Código Civil de 2002. Porém, cabe indagar como ficam as situações constituídas anteriormente, aqueles filhos que foram criados com afeto pelos seus pais e irmãos, de que maneira o Estado protegerá seus direitos? O caso retratado vem de um estado, que figura entre os mais desenvolvidos do País. Daí podermos concluir que a situação dos filhos de criação não é um problema da região Norte ou Nordeste e sim uma situação que abarca milhares de brasileiros, que possuem o que há de mais importante para caracterizar a filiação sociafetiva, que é o afeto, e lhes falta o reconhecimento registral e judicial que se mostra indispensável para a jurisprudência. No Tribunal de Justiça de São Paulo, seguindo o mesmo entendimento, na Apelação Cível n. 1334015400, cujo relator foi o desembargador Alberto Gentil, concedeu à mãe de criação o direito à pensão do filho servidor público do Estado de 211 Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Notícias. Mãe de criação tem direito a pensão por morte de filho militar. Disponível em:<http://www2.trf2.jus.br/noticia/materia.aspx?id=2775>. Acesso em 20 de set. de 2010. 59 São Paulo. No voto, destaca que ‘mãe não é só quem deu a luz. Mas sim quem cria uma criança como se filho seu fosse.”212 PENSÃO – MÃE DE CRIAÇÃO - DEFERIMENTO. O artigo 147, III, da Lei Complementar 180/78 ao se referir a “pais” não tem apenas um sentido biológico. Restrito, portanto. A expressão contida na lei encerra um sentido finalístico, teleológico. Abarca a palavra “pais”, sem dúvida alguma, também aqueles que criaram, como se filho fosse, o servidor falecido. Afinal, mãe não é quem deu alguém à luz. Mas sim quem cria uma criança como se filho seu fosse. É a sabença popular. Diante de tias decisões, percebe-se que embora sejam poucas as decisões amparando juridicamente os filhos e pais de criação, os julgadores, ao decidir, buscam considerar se realmente nas relações existia o tratamento comum presente entre pais e filhos, ou seja, se ostentam a condição de pai e filho. Ao ser confirmada a existência da relação, sob ela passa a incidir todos os direitos inerentes a filiação. 3.6 ALIMENTOS Acerca do direito a alimentos tem-se uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 2006.0001.51839, de relatoria do desembargador Mauro Nicolau Junior, que concedeu o direito à filha maior de idade de exigir pensão alimentícia ao pai afetivo, com base no amparo constitucional ao princípio da afetividade e da solidariedade. ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MAIOR. POSSIBILIDADE JURÍDICA. Inexistência de presunção de necessidade que assim, deve ser comprovada, juntamente com a possibilidade dos pais. Situação excepcional que permite ao filho, mesmo maior e capaz, buscar pensionamento alimentar de seus pais com fundamento no artigo 1.695 do Código Civil, 229 e 1°, III, da Constituição Federa l. Paternidade socioafetiva possibilidade jurídica de caracterizar obrigação alimentar. O indeferimento da inicial por impossibilidade jurídica do pedido caracteriza vedação de acesso ao poder judiciário o que não é admitido pela Constituição Federal. Os princípios da afetividade e da solidariedade encontram respaldo constitucional e ético e devem permear a conduta e as decisões da 213 magistratura moderna e atenta à realidade do mundo atual. 212 Tribunal de Justiça de São Paulo. Quinta Câmara de Direito Público. Apelação Cível n. 133.4015/4. Relator: Alberto Gentil. Julgado em 4 de setembro de 2003. Disponível em < http:// esaj.tj.sp, jus.br/cjsg/resultado completo.doc.> Acesso em 12 de outubro de 2010. 213 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 12ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 2006.001.51839. Relator: Mauro Nicolau Junior. Julgado em 30 de jan de 2007. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/scripts/weblink.mgw?MGWLP=JURIS&LAB=XJRPxWEB&PGM=WEBJRP101 &ROTINA=WEBJRP104&FLAGCONTA=1&PORTAL=>. Acesso em 20 de set. de 2010. 60 Tal decisão só ratifica o fato de que, ao ser confirmada a filiação socioafetiva, tanto os pais como os filhos adquirem todos os direito inerentes à filiação e um desses direitos é o de alimentos. Com isso, subentende-se que os filhos de criação, ao comprovarem a sua condição de filhos socioafetivos, adquirem também o direito de exigir alimentos, caso venham a precisar. 3.7 DANOS MORAIS A jurisprudência também tem se manifestado no que diz respeito à indenização por danos morais relativo à morte de filho de criação. O tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível n. 3381704000, cujo relator foi o desembargador Francisco Loureiro, julgou que são legítimas para pleitear danos morais as pessoas que mantinham vínculo afetivo com a vítima. Trata-se de uma ação de indenização por danos morais e materiais, interposta pela mãe de criação, em decorrência da morte do filho de criação em acidente automobilístico. A sentença de primeiro grau declarou a ilegitimidade ativa ad causam da mãe de criação. A mãe de criação recorreu da decisão e o recurso foi julgado procedente e determinou que dessem prosseguimento ao feito, tendo em vista que as pessoas que mantinham vínculos afetivos comprovados e dependiam economicamente da vítima são legitimadas para pleitearem indenização por danos morais. RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO CIVIL- INDENIZAÇÃO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Falecimento de filho de criação em acidente automobilístico. Extinção do processo por ilegitimidade ativa ad causam. Legitimidade das pessoas que mantinham estreito vínculo afetivo com a vítima pleitearem indenização por dano moral. O conceito social de família e a posse de estado de filho. Legitimidade das pessoas que dependiam economicamente da vítima fatal pleitearem danos materiais.. Inteligência do artigo 948, II, do Código Civil. Existência de vínculo afetivo e econômico que exige a produção de provas. Extinção do processo afastada para determinar o prosseguimento de feito. Recurso 214 provido. No julgamento, o relator destacou que decorre da Constituição Federal que o traço comum entre todas as entidades familiares é o afeto entre seus membros, 214 Tribunal de Justiça de São Paulo. Quarta Câmara de Direito Privado. Apelação Cível n. 3381704000. Relator: Francisco Loureiro. Julgado em 15 de abril de 2006. Disponível em: http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadosimples.do>. Acesso em 21 de set. de 2010. 61 voltado ao desenvolvimento da personalidade da pessoa humana. E que a expressão “outra origem”, prevista no art. 1.593 do Código Civil privilegia as relações socioafetivas e a posse de estado de filho. Alega também que a filiação puramente biológica cede espaço a filiação socioafetiva, na qual se desenvolve a personalidade humana. De acordo com as decisões dos Tribunais apresentadas, embora sejam poucas as que concedem proteção aos filhos de criação, observa-se que eles merecem proteção no ordenamento jurídico, pois o direito de família trilha um novo caminho no que diz respeito à filiação, em que a verdade socioafetiva, como citado anteriormente, vem se sobrepondo à verdade biológica. Assim como existem decisões na jurisprudência que buscam amparar os filhos de criação, a doutrina também defende, por meio de alguns autores, que os filhos de criação, como espécie de filiação socioafetiva, necessita de proteção. Sendo assim percebe-se que a filiação socioafetiva também é objeto de estudo pela doutrina, que procura dar amparo a essa filiação, visto que faz parte de uma realidade social, que necessita de proteção jurídica. Dessa forma, de acordo com Thiago Simões, deve-se entender que “a filiação socioafetiva (prevista na expressão “outra origem” do artigo 1.593) é uma realidade que nosso legislador, ainda que de modo acanhado, reconheceu quando da promulgação do Código Civil de 2002215. Já Belmiro Pedro Welter admite que o direito ao estado de filho afetivo não consta expressamente, mas de forma implícita, do texto constitucional. Afirma que a filiação socioafetiva pode ser admitida com base em alguns artigos do Código Civil, como o art. 1.593, no qual a expressão “outra origem” de parentesco é “justamente a sociológica (afetiva, socioafetiva, sócia, eudomonista)”. Destaca ainda que “enquanto a família biológica navega na cavidade sanguínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e da maternidade responsável, hasteando o véu que encobre as relações sociológicas”. Uma vez que, a família afetiva é edificada com base no amor, no afeto, em que realmente é revelado o mistério da filiação, ocasionando assim um verdadeiro 215 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 51. 62 reconhecimento do estado de filho afetivo. Por isso, o autor defende que é desnecessária promulgação de lei disciplinando a matéria216 Contudo, pelo fato do art. 1.593 do Código Civil não possuir uma redação mais clara, pois a expressão “outra origem” na prática, não tem refletido a idéia de socioafetividade, Thiago Simões sugere que talvez pudesse haver uma alteração nesse artigo, criando então um parágrafo único no artigo, ficando com a seguinte redação: Art. 1.593: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade. Parágrafo Único: As relações sócio-afetivas, quando devidamente 217 comprovadas, geram os mesmos efeitos do parentesco natural e civil. Pode-se então perceber que a filiação socioafetiva é protegida pelo ordenamento jurídico, embora a forma não seja tão clara. Portanto, talvez a alteração sugerida por Thiago Simões ao artigo 1.593 do Código Civil possa contribuir para que a filiação socioafetiva e, consequentemente, suas espécies, como os filhos de criação, tenham proteção jurídica de forma explícita. Desse modo, há de se admitir que o estado de filiação é inerente ao ser humano, como também o fato de ser de cunho afetivo. Sendo que a filiação biológica em determinadas situações não exerce mais prevalência a filiação afetiva.218 Segundo Sérgio Gischkow Pereira, Paulo Lôbo produziu um texto fundamental, capaz de sanar confusões e dúvidas acerca da filiação socioafetiva, em seu artigo Direito ao estado de filiação e direito a origem genética: uma distinção necessária219, partindo da relevância da afetividade em campos como a sociologia, a psicanálise, a antropologia, mostrando como só recentemente a socioafetivadade tornou-se relevante e passou a ocupar um papel muito importante no direito de família, indicando que, no conflito entre a filiação biológica e a socioafetiva, o critério 216 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológicas e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003. p. 200. 217 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 51. 218 SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. São Paulo: Fiúza, 2008, p. 52. 219 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito a origem genética: uma distinção necessária. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=126. Acesso em 21 de set. de 2010. 63 é o melhor interesse do filho, ou seja, o que oferece como solução manter o estado de filiação mesmo que se verifique a ausência do vínculo biológico.220 Na mesma linha de raciocínio, a promotora de justiça Adriana Accioly de Lima Vilela, destaca que “escorreito o entendimento que o reconhecimento da origem genética não alterará a filiação socioafetiva consolidada. Posto que à luz do Direito atual, possui a mesma importância que a filiação biológica.” 221 Dessa forma, a filiação socioafetiva precisa prevalecer em determinados casos, pelo fato de que, para a criança, sua origem fisiológica não necessariamente leva a ter vínculos com seus pais, pois a criança tem, como figura de pais, aqueles com quem ela tem relação de sentimento, que lhe oferecem educação, alimentação, atenção e principalmente carinho.222 Em face disso, é possível compreender que existem dois momentos referentes à filiação: um fisiológico, que irá determinar a filiação biológica, e um psicológico, que irá determinar a filiação afetiva. Sendo que a filiação afetiva é fruto da segurança que a criança consegue sentir, pois os pais biológicos podem até atender às necessidades psicológicas, no entanto, quando eles não conseguem estabelecer vínculos e tornam-se ausentes, para os sentimentos da criança são tão somente estranhos.223 Todavia, o vinculo biológico não é capaz de explicar o verdadeiro sentido da paternidade, pois as relações de filiação são construídas diariamente e não decorrem apenas dos laços de sangue, mas também pelo constante tratamento afetivo. Conforme destaca Jacqueline Nogueira, “a capacidade de amor e acolhimento é o verdadeiro ‘cimento’ do vínculo.224 220 PEREIRA, Sérgio Gischkow. A imprescritibilidade das ações de Estado e a socioafetividade: repercussão do tema no pertinente aos art. 1.601 e 1.614 do Código Civil. WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords). Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 430. 221 VILELA, Adriana Accioly de Lima. O artigo 27 do ECA – Direito ao estado de filiação versus projeto de lei n. 1.1.84/2003 – Filiação de crianças nascidas através de reprodução humana assistida e o anonimato do doador - uma leitura sob a ótica do princípio constitucional da dignidade. Revista IOB de Direito de Família. Superior Tribunal de Justiça; ano IX, n. 46, fev/mar. 2008, p.78. 222 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001, p. 86. 223 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001, p. 86. 224 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001, p.90. 64 Contudo, diante dessas exposições deduz-se que os filhos de criação são uma espécie de filiação socioafetiva presente na realidade da sociedade e que necessitam de proteção jurídica eficaz, pois a Constituição Federal prevê que todos os filhos são iguais e proíbe qualquer discriminação quanto à origem da filiação. Sendo assim, nada mais justo que, configurada e comprovada a existência da filiação socioafetiva entre pai e filho de criação, permitir que eles adquiram todos os direitos inerentes à filiação. 65 CONCLUSÃO O conceito de família sofreu profundas transformações em decorrência dos princípios constitucionais dispostos na Carta Federal de 1988, que passaram a nortear o direito de família, principalmente com a valorização do afeto. Em relação aos filhos, a igualdade trazida pela Constituição Federal foi amplamente significativa, pois conferiu a eles direitos iguais, proibindo qualquer discriminação quanto a sua origem. Diante da valorização da afetividade pela Constituição federal, o afeto então passou a incidir tanto nas relações de parentesco como na determinação de filiação. Sendo então possível determinar a filiação com fundamento também na socioafetividade, conforme prevê o artigo 1.593 do Código Civil de 2002, quando diz que “o parentesco é natural ou civil, conforme resultante de consaguinidade ou outra origem”, sendo que outra origem entende-se como socioafetiva. No que diz respeito à filiação socioafetiva, restará configurada quando presente a posse de estado de filho, ou seja, quando da relação constituída entre duas pessoas –pai e filho- estiver presente um dos requisitos: nome, fama ou trato. A filiação socioafetiva, por sua vez, possui espécies, sendo elas: filhos de criação, adoção judicial, adoção à brasileira, o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade e inseminação artificial. Contudo, no que diz respeito à filiação socioafetiva, objeto deste trabalho, os filhos de criação encontram dificuldades para ter seus direitos reconhecidos, em razão da falta de amparo jurídico expresso. No ordenamento jurídico brasileiro temos o artigo 227, § 6°, da Carta Federal e o artigo 1.596 do Código Civil que estabelecem que os filhos são iguais e proíbem qualquer forma de discriminação quanto a sua origem. Contudo, é necessário admitir que verdadeiros pais e verdadeiros filhos advêm de um convívio amoroso, construído dia após dia, na relação diária que inclui também momentos de impaciência, tensão e desentendimentos, aspectos que marcam e constroem a filiação. Assim, a filiação não pode ser entendida apenas como vínculo biológico ou jurídico, ela é antes de tudo resultado de uma relação sólida, recíproca de cuidados, dedicação, atenção, carinho. 66 Dessa forma, há necessidade de que, nos conflitos acerca da filiação, valorize-se a filiação fundada no afeto, ou seja, a filiação socioafetiva, que tem por base a posse de estado de filho, construída diariamente, caracterizadora da verdadeira paternidade. Assim, há de se concluir que os filhos de criação, espécie de filiação socioafetiva, necessitam estar amparados juridicamente, pois nada mais justo que, ao restar configurada a ostentação de filho, ou melhor, ao se verificar que um dos requisitos para configurar a posse de estado de filho se encontra presente na relação entre pai de criação e filho de criação, deva-se conceder a eles todos os direitos inerentes à filiação que o nosso ordenamento jurídico garante com fundamento no princípio constitucional da igualdade entre os filhos. Cabe ressaltar que não se pretende defender algo absurdo, já que os filhos de criação são figuras bastante presentes em nossa sociedade. Há ainda decisões, que infelizmente não são muitas, conforme restou demonstrado no trabalho, que concederam alguns direitos decorrentes da filiação tantos aos pais de criação como aos filhos de criação. Imagino que o fato de não existir mais decisões no sentido de proteger os direitos dos filhos de criação pode ser em decorrência da real falta de conhecimento por parte dos filhos e dos pais de criação dos meios para assegurá-los. Desta forma, acabam desistindo de buscar por meio do Poder Judiciário a tutela estatal que lhes é devida. O Estado concorre de maneira significativa para deixá-los sem nenhum amparo legal, quando não apresenta políticas capazes de efetivar a filiação socioafetiva dos filhos de criação, ou quando em decisões judiciais desconsidera ou minimiza o afeto como elemento formador da filiação. Os filhos de criação são uma realidade no Brasil carecem de tutela jurídica. Resta acreditar que filiação socioafetiva dos filhos de criação seja efetivada nos decisões judiciais proferidas no Brasil. 67 REFERÊNCIAS ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Código das famílias comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil: famílias e sucessões. v. 4. São Paulo: Método, 2004. BEZERRA, Christiane Singh; LIMA, Maria Aparecida Singh Bezerra de. Considerações sobre a filiação sócio-afetiva no direito brasileiro. Revista Jurídica Cesumar. Maringá: v. 5 n.1 julho/2005. BERTOLINI, Wagner. A união estável e seus efeitos patrimoniais. São Paulo: Juarez de oliveira, 2005. BEVILÁCQUA, Clóvis. Direito de família. 5 ed. ver. Amp. Campinas: Red Livros, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituição/constiui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 2 de out. de 2010. BRASIL. 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