LA PRODUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO EN LA UNIVERSIDAD:
ARTICULANDO DOCENCIA, INVESTIGACIÓN Y EXTENSIÓN
por Antônio Joaquim Severino∗
Resumen
El trabajo busca, a partir de una perspectiva filosófica – educacional, presentar una
justificación de la necesaria articulación entre docencia, investigación y extensión, en una
universidad ideal. Defiende la idea de la existencia de estas tres funciones indisociables, como
exigencia intrínseca para la constitución de una universidad que pueda ser realmente útil para
la sociedad brasileña, en este nuevo momento histórico, diferente y desafiante que se está
viviendo. Una universidad que se comprometa con la producción de conocimiento a través de
la práctica de la investigación, podrá desempeñar, con éxito, su tarea pedagógica de docencia
y su tarea social de extensión, transformándose en el centro energético de transformación de
la sociedad, contribuyendo para la construcción de la democracia y de la instauración de una
nueva conciencia social, asistiendo para la construcción de la ciudadanía.
Palabras clave: universidad, conocimiento, docencia, investigación, extensión y ciudadanía
A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NA UNIVERSIDADE:
ARTICULANDO ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Antônio Joaquim Severino∗
Resumo
O trabalho busca, a partir de uma perspectiva filosófico-educacional, apresentar uma justificativa
filosófica da necessária articulação entre ensino, pesquisa e extensão, numa desejada universidade.
Defende a idéia da indissociabilidade entre essas três funções, defendendo-a como exigência intrínseca
para a constituição de uma universidade que possa ser realmente útil para a sociedade brasileira, neste
momento histórico novo, diferente e desafiador que está vivendo. Uma universidade que se
comprometa com a produção do conhecimento através da prática da pesquisa, poderá desenvolver,
com êxito, sua tarefa pedagógica de ensino e sua tarefa social de extensão, tornando-se centro
energético de transformação da sociedade, contribuindo para a construção da democracia, e da
instauração de uma nova consciência social, contribuindo para a construção da cidadania.
Palavras-chave: universidade, conhecimento, ensino, pesquisa, extensão, cidadania.
∗
Doctor en Filosofía; Profesor Titular de Filosofía de la Educación y Coordinador del Programa de Postgrado de
la Facultad de Educación de la Universidad de San Pablo.
∗
Doutor em Filosofia; professor titular de Filosofia da Educação e coordenador do Programa de Pós-Graduação,
da Faculdade de Educação da USP.
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Introdução
O Brasil está na iminência de ter mais uma nova reforma universitária, desta feita com um perfil que
se anuncia muito marcado pelas configurações do neo-liberalismo econômico e cultural. Com a
comunidade nacional bastante desmobilizada, no contexto da atual conjuntura política e social do país,
corre-se o risco de se perder muitas das conquistas já obtidas nos últimos tempos, agravando ainda
mais a situação do ensino superior no país.
Neste trabalho, retomo algumas reflexões teóricas sobre o sentido de uma universidade que,
funcionária do conhecimento, pudesse colocá-lo a serviço da sociedade. Comprometida com o
conhecimento, ela o será também, por decorrência, com a extensão e a pesquisa, tanto quanto com o
ensino. Muitas são as dificuldades que a universidade brasileira encontra em sua inserção histórica na
sociedade brasileira, sob os diversos condicionamentos políticos, econômicos e sociais. Mas enfrenta
também problemas no interior de sua esfera específica, como lugar de produção, sistematização e
disseminação do conhecimento, problemas ainda não devidamente superados. Continua desafio para a
universidade brasileira rever com criticidade, criatividade e competência, sua relação com o
conhecimento, tratando-o como processo e não como produto, equacionando-o como mediação da
educação e esta, como mediação da cidadania e da democracia.
Este compromisso da educação, em geral, e da Universidade, em particular, com a construção de uma
sociedade, na qual a vida individual seja marcada pelos indicadores da cidadania e a vida coletiva,
pelos indicadores da democracia, tem sua gênese e seu fundamento na exigência ético-política da
solidariedade que deve existir entre os homens, pois que é a própria dignidade humana que exige que
se garanta a todos eles o compartilhar dos bens naturais, dos bens sociais e dos bens culturais, de tal
forma que, no limite, nenhum ser humano seja degradado na sua relação com a natureza, no exercício
do trabalho, seja oprimido em suas relações sociais, no exercício de sua sociabilidade e seja alienado
no usufruto dos bens simbólicos, no exercício de sua inserção na cultura.
1. A Universidade num novo tempo
Nos dias de hoje, o próprio sentido da existência da Universidade, já não parece tão claro, podendo-se
perceber que, além das críticas oriundas de setores especializados, uma espécie de questionamento
generalizado, difuso em todo o corpo social, se faz cada vez mais presente e explícito. Sem dúvida, o
sentimento geral de frustração em relação às expectativas não realizadas e às promessas não cumpridas
de desenvolvimento e progresso das sociedades, a desvalorização da cultura elaborada e a banalização
das referências em todos os setores da vida humana, são causas abrangentes que levam igualmente à
desvalorização da Universidade. No que concerne à sociedade brasileira, a crise profunda que se abate
sobre ela, de modo especial no que se refere à restrição de empregos e à perda de prestígio das
carreiras profissionais de nível universitário, é certamente outro fator que pesa na desconsideração da
relevância desse tipo de instituição. Por outro lado, a Universidade, como instituição da esfera
educacional, sofre de processo crônico de corrosão interna, deteriorando-se continuamente e
comprometendo sua própria eficácia, tornando-se pouco fecunda no atingimento de seus objetivos,
consagrados pela tradição e reiterados pela retórica dominante. As universidades públicas, o mais das
vezes vitimadas pelos vícios esclerosantes do regime burocrático, mal domesticado pelos profissionais
do setor, acabam se fechando sobre si mesmas, perdendo sua vitalidade e capacidade de inovação. As
poucas exceções de instituições ou de setores no seu interior, sucumbem sob o peso de pressões
espúrias e de muitas opressões, oriundas tanto do aparelho estatal como de grupos internos, que se
apropriam de seus instrumentos como se fossem bens particulares e que são incapazes de se
articularem em torno de projetos de pensamento ou de ação alguns passos além de seus interesses
imediatos ou egocentrados. Já as universidades particulares, salvo honrosas, raras e precárias
exceções, entregam-se, corpo e alma, à idolatria do mercado, mascateando desbragadamente
supérfluas bugigangas simbólicas. Incapazes de pensar algum projeto cultural mais amplo e de
entender o alcance dos serviços educacionais que administram, contentam-se em empacotar, com
papel brilhoso, produtos mal acabados, vendendo-os, sempre a bom preço, a clientes, carentes,
incautos ou mesmo cúmplices na esperteza ou na mediocridade, tudo sob a propaganda marcada pela
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ideologia modernosa da qualidade total e de outros tantos mitos que andam povoando o imaginário
nacional em tempos de globalização econômica e cultural.
Com efeito, a realidade do processo de internacionalização da economia, com todos os seus corolários,
bons e ruins, é transfigurado numa espécie de fenômeno místico e redentor, passando a constituir-se
como contexto e justificativa para tudo o que ocorre ou que deveria ocorrer. A alardeada globalização
serve de desculpa para todo tipo de omissão ou de decisão, tornando-se o biombo de tantas políticas
excludentes atualmente implementadas pelo governo brasileiro, em todos os campos da vida nacional
(Frigotto).
Neste contexto de ambiguidades e ambivalências, os conceitos perdem sua força e o discurso vira
ruido. A fala dos supostos responsáveis pelo bem público indica numa direção, mas a realidade das
coisas caminha na direção inversa. Por isso mesmo, os espíritos ficam confusos, perdendo a lucidez na
visão das coisas humanas.
A significação da Universidade se dilui nesse emaranhado de idéias e proposições que vêm sendo
formuladas, no momento atual, como indicação de que a humanidade teria entrado numa nova era, que
superaria tudo que havia construido e acumulado. Com efeito, tornou-se discurso corrente e recorrente
a afirmação incisiva de que estaríamos vivendo hoje, às vésperas do terceiro milênio, um mundo
totalmente diferente daquele projetado pela visão iluminista da modernidade e destinado à realização
de uma sociedade utópica. Chega-se ao ponto de se afirmar que a história teria terminado, uma vez
que a civilização humana teria alcançado o patamar mais alto do progresso possível para a
humanidade. Já se encontrariam realizadas todas as possibilidades de aperfeiçoamento, de
aprimoramento de nossas condições de vida individual e social. O modelo de existência humana não é
mais um ponto no horizonte futuro, mas já está disponível no presente, faltando apenas que cada
pessoa ou cada grupo a ele se ajustasse. Estaríamos vivendo um momento de plena revolução
tecnológica, capaz de lidar com a produção e transmissão de informações em extraordinária
velocidade, num processo de planetarização não só da cultura, mas também da economia e da política.
Tratar-se-ia de um momento marcado pelo privilegiamento da iniciativa privada, pela minimalização
da ingerência do Estado nos negócios humanos, pela maximalização das leis do mercado, pela ruptura
de todas as fronteiras e barreiras entre estados e mercados. No plano mais especificamente filosófico,
estaria em pauta uma crítica cerrada às formas de expressão da razão teórica da modernidade,
propondo-se a desconstrução de todos os discursos por ela produzidos, todos colocados sob suspeita,
inclusive aqueles da própria ciência. Este mundo novo dispensa a Universidade tradicional, forjada à
luz das referências da modernidade, uma de suas expressões mais arrematadas.
No entanto, este vagalhão neo-liberal, com suas decorrências e expressões no plano cultural, com sua
exacerbação do individualismo, do produtivismo, do consumismo, da indústria cultural, da
mercadorização até mesmo dos bens simbólicos, não instaura nenhuma pós-modernidade. (Ianni,
1995; Featherstone, 1994, Connor, 1993, Harvey, 1994, Touraine, 1995) Com efeito, o que está de
fato acontecendo é a plena maturação das premissas e promessas da própria modernidade. Nada mais
moderno do que esta expansão e consolidação do capitalismo, envolvido numa aura ideológica de
liberalismo extremado; nada mais moderno do que esta tecnicização, viabilizada pela revolução
informacional. Finalmente, a modernidade está podendo cumprir as promessas embutidas em seu
projeto civilizatório. No fundo, é a mesma racionalidade, com suas qualidades e com seus equívocos,
que continua dirigindo os rumos da história humana, em que pesem as críticas que são feitas a sua
forma de expressão até o século 19. É a mesma razão instrumental da modernidade, já tão criticada
pelos pensadores frankfurtianos, especialmente por Adorno e Horkheimer (1985), que continua dando
as cartas. Só que agora ela se camufla, na hora de fazer sua auto-justificativa, sob um discurso cujos
argumentos soam anti-iluministas, enquanto a condição da realidade humana, em todos os planos da
vida individual ou coletiva, continua sendo feita de acordo com parâmetros racionais eminentemente
tecnocráticos. Denuncia-se a racionalidade iluminista, de uma perspectiva crítica, aliás, muito
pertinente, sem que se assuma, de fato, a superação de suas determinações. E mais incapaz ainda de
denunciar os comprometimentos dessa instrumentalidade com a irracionalidade da “mão invisível do
mercado” e de tantas outras forças que atuam efetivamente no social. Esta “desrazão”, intimamente
articulada à barbárie é muito mais instrumentalizadora e manipuladora de nossos destinos do que a
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razão iluminista. Sem dúvida, não é o caso de desconhecer os resultados nefastos do racionalismo
iluminista, mas também não é o caso de achar que todos os males da humanidade lhe devam ser
debitados.
Este discurso da globalização não passa de uma nova versão ideologizada do capitalismo e sua função
continua sendo aquela de justificar o atual estado de coisas. (Comblin, 1999, Gentilli & Silva, 1995 )
Com efeito, a globalização econômico-cultural não é um processo de universalização mediante o
encontro e a fusão das diferentes regiões, países e de diferentes modelos culturais. Ao contrário, a
planetarização ocorre como homogeneização forçada e induzida das condições capitalistas de
produção, de feitio fundamentalmente norte-americano, não levando em conta as possíveis
contribuições dos outros. É a nova pax romana, imposta urbi et orbi.
Esta planetarização do capitalismo continua dentro das previsões de Marx. De autenticamente liberal
ou neo-liberal, tem muito pouco, é de perfil francamente tecnocrático no que concerne ao usufruto dos
bens e direitos por parte dos segmentos fragilizados e excluidos, em termos de pessoas e sociedades.
Que tal situação configure um contexto novo, não há como negar nem recusar. E que obviamente
exige reequacionamentos por parte de todos nós, quaisquer que sejam os lugares que ocupemos na
dinâmica socio-cultural. Isso não está em questão. Mas o que cabe aqui é uma rigorosa atenção a essa
especificidade do momento histórico, não se deixando levar nem por uma atitude de mera
anatematização moralizante ou saudosista, nem por um deslumbramento alienante. Análise detida e
vigilância crítica são o que se impõe.
Igualmente é preciso não perder de vista a historicidade da existência humana, não se deixando iludir
pela idéia de que o fim das utopias do progresso humano possa significar igualmente o fim da história.
Portanto, ter bem presente que a atual situação tem também uma configuração histórica que, como tal,
terá seus desdobramentos, cuja orientação dependerá em muito da própria ação e decisão dos homens.
Do mesmo modo, é bom ter presente que crise da razão não é crise do processo de conhecimento. A
alegada crise dos paradigmas da razão moderna não atinge o conhecimento em si, o poder do homem
em produzir e dispor do conhecimento, mas suas formas históricas (a ciência positiva, a filosofia
idealista, as metanarrativas), até porque a própria crítica que a elas são feitas, o é pelo exercício e
aplicação do próprio conhecimento.
Mas, antes de tudo, não se pode perder de vista a dura realidade do contexto histórico latinoamericano, onde as marcas da exclusão humana continuam com presença muito forte. O processo de
modernização pelo qual passou e continua passando o continente está acontecendo a um preço muito
alto. A organização econômica, de lastro capitalista, sob um clima político de mandonismo interno das
elites nacionais e da dominação externa dos grupos internacionais impõe uma configuração socioeconômica na qual as condições de vida da imensa maioria da população continuam extremamente
precárias. Na verdade, o aclamado processo de globalização da economia, parece universalizar as
vantagens do capital produtivo e as desvantagens do trabalho assalariado. (Chesnais, 1996).
Dada essa situação, o lugar e o papel da educação precisam ser continua e expressamente retomados e
redimensionados. Com efeito, o compromisso ético e político da educação, por assim dizer, se acirra
nas coordenadas historico-sociais em que nos encontramos. Isto porque as forças de dominação, de
degradação, de opressão e de alienação, se consolidaram nas estruturas sociais, econômicas e culturais.
As condições de trabalho são ainda muito degradantes, as relações de poder muito opressivas e a
vivência cultural precária e alienante. A distribuição dos bens naturais, dos bens políticos e dos bens
simbólicos, muito desigual. Em outras palavras, as condições atuais de existência da humanidade,
traduzidas pela efetivação de suas mediações objetivas, são extremamente injustas e desumanizadoras.
Tais condições se mostram muito agravadas no contexto histórico-social do terceiro mundo,
assumindo características particularmente críticas na América Latina.
Assim, é também par exigência ética que a educação deve se conceber e se realizar como investimento
intencional sistematizado na consolidação das forças construtivas das mediações existenciais dos
homens. É isto que lhe dá, aliás, a sua qualificação ética. É por isso também que o investimento na
formação e na atuação profissional do educador não pode, pois, reduzir-se a uma suposta qualificação
puramente técnica. Ela precisa ser também política, isto é, expressar sensibilidade às condições
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historico-sociais da existência dos sujeitos envolvidos na educação. E é sendo política que a educação
e a cultura se tornarão intrinsecamente éticas.
O futuro da sociedade brasileira está na dependência da sua transformação em uma sociedade menos
excludente. E nesse processo, a educação, diretamente vinculada à produção econômica e à dinâmica
política, terá papel relevante no compromisso de responder aos desafios da alta modernidade.
Construir o futuro, a meu ver, implica investir na educação, mas sempre na perspectiva de uma
política educacional intrinsecamente voltada para os interesses humanos da sociedade, visando à
superação intencional e planejada de suas forças de exclusão social. Isso nos permite aduzir que o
desenvolvimento da educação numa sociedade historicamente determinada como a nossa, não é
questão apenas do domínio e da aplicação de novos saberes e de tecnologias sofisticadas. Se, de um
lado, é verdade que não se pode ignorar toda a potencialidade das novas tecnologias para o
desenvolvimento da educação, de outro, é também necessário que essa tecnologia seja vista como
ferramenta corriqueira, como o foram historicamente todos os demais instrumentos técnicos. Meios
potencializadores são necessários e bem-vindos, mas continuam sendo meios, sempre à espera da
adequada exploração pelos homens. Assim toda a educação e toda política cultural têm compromisso
especial com a preparação de cidadãos para a vida, função esta que decorre de sua natureza intrínseca
como processo construtor do conhecimento, única ferramenta de que o homem dispõe para a
realização de sua existência histórica.
2. O lugar do conhecimento na existência humana.
Assim sendo, a compreensão do sentido da Universidade nos remete à necessária discussão das
relações entre o conhecimento e a educação, o que pressupõe, por sua vez, a discussão preliminar
sobre o lugar do conhecimento no todo da existência humana. A Universidade só faz sentido no
contexto da significação do conhecimento. O sentido substantivo do conhecimento é aquele de
intencionalizar a prática mediadora dessa existência. Na verdade, o conhecimento é a única ferramenta
de que a espécie dispõe para essa intencionalização, ou seja, para dar um sentido orientador para sua
existência histórica real.
Nós, humanos, nos constituimos como tais, pela nossa prática real. Nossa existência histórica e
concreta só se efetiva mediante um contínuo processo de agir. Somos o que somos mediante a ação. É
na e pela prática que as coisas humanas acontecem, que a história se faz e que o próprio homem vai se
fazendo humano.
Nesse sentido, a subjetividade como lugar de conhecimento manifesta-se históricoantropologicamente, como estratégia da própria vida do homem, surgindo embutido já na prática
produtiva pela qual garante a produção dos bens naturais e técnicos bem como a sua reprodução
material, inserindo-se num processo permanente de trocas com a natureza. O trabalho constitui-se
então modalidade primordial da prática humana e mediação fundamental de sua existência. Para que o
homem trabalhe, interferindo na natureza, retirando dela os elementos de que precisa para manter-se
vivo, utiliza-se dos recursos do conhecimento, num processo que lhe permite reduplicar
simbolicamente a realidade natural e assim dominá-la e manipulá-la. (Severino, 2001).
Mas o trabalho nunca se dá apenas como atividade individual; ele é, antropologicamente falando,
expressão necessária de um sujeito coletivo, ou seja, a espécie humana para ser especificamente
humana precisa desenvolver suas atividades práticas num tecido social. Não se é propriamente
humano fora de um contexto social, que constitui o solo de todas as relações inter-humanas, não
apenas como referência circunstancial, mas como matriz, placenta que nutre toda e qualquer atividade
posta pelos sujeitos individuais. Nosso agir sempre se dá como integrado numa malha complexa de
relações tipicamente sociais. Não há como isolar, a não ser artificialmente, a ação individual de sua
dimensão social. Vivemos necessariamente numa ‘societas’, somos, efetivamente, socícolas! Mas é
preciso observar que essa trama de relações sociais que tece a existência real dos homens, não se
configura apenas como coletividade gregária de indivíduos, como ocorre nas "sociedades" animais:
faz-se presente aqui uma dimensão específica reiterando outra peculiaridade do existir humano: a
sociedade humana é atravessada e impregnada por um coeficiente de poder, ou seja, os sujeitos
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individuais não se justapõem, uns ao lado dos outros, em condições de simétrica igualdade, mas
encontram–se hierarquicamente situados uns sobre os outros, uns dominando os outros. É essa
situação que confere à sociedade o seu caráter político, fazendo de nosso habitat social, uma cidade,
uma polis, lugar e espaço do poder.
É de se observar que essa nossa estruturação social não se solda aleatoriamente, por simples
acomodação instintiva. Ela se remete a uma espécie de justificativa, novamente atribuida à eficácia do
pensamento. Toda a conformação do social, com suas hierarquias e dominações, tem sua alardeada
legitimidade fundada em princípios, verdades e valores, ainda que falseados interessadamente, pela
impregnação do poder exercido pelos que assim a estruturam. Trata-se, portanto, de uma configuração
objetivada historicamente, mas sempre subjetivamente legitimada. O conhecimento não é uma
experiência vivenciada no isolamento individual e solitário, elaborado mediante o exercício de funções
mentais, de caráter psíquico e lógico. Mas se dá sobre um fundo de uma experiência radicalmente
histórica e coletiva que lhe é anterior e que lhe serve de matriz placentária. Esse contexto, como que
um tecido que vai se complexificando pela contínua articulação de novas experiências, já tornadas
possíveis pelas experiências passadas e acumuladas, é a cultura, outra das mediações concretas da
existência dos homens.
Podemos então equacionar a existência humana como se dando mediada pelo tríplice universo do
trabalho, da sociedade e da cultura. Como os três ângulos de um triângulo, esses três universos se
complementam e se implicam mutuamente, um dependendo do outro, a partir de sua própria
especificidade. De fato, essas manifestações de seu existir concreto e real, objetivado, não se efetivam
de forma mecânica: elas carecem de um sentido norteador, sentido este que é buscado em sua outra
prática, ou seja, no desempenho de sua subjetividade. Desse modo, todas as modalidades do agir
humano referem-se a uma intencionalidade, ou seja, precisam de um sentido, de uma significação.
Essa atividade, produzida com os recursos da subjetividade, tem por finalidade intrínseca nortear o
agir técnico e o agir político, bem como o agir ético, constituindo-se como uma outra modalidade de
prática, a prática tipicamente simbolizadora.
O conhecimento aparece, portanto, como instrumento para o fazer técnico-produtivo, como mediação
do poder e como ferramenta da própria criação dos símbolos, voltando-se sobre si mesmo, ou seja, é
sempre um processo de intencionalização. Assim, é graças a essa intencionalização que nossa
atividade técnica deixa de ser mecânica e passa a se dar em função de uma projetividade, o trabalho
ganhando um sentido. Do mesmo modo, a atividade propriamente política se ideologiza e a atividade
cultural transfigura a utilidade pragmática imediata de todas as coisas.
Como entender então a educação nesse contexto das mediações historico-sociais que efetivamente
manifestam e concretizam a existência humana na realidade? Ela deve ser entendida como prática
simultaneamente técnica e política, atravessada por uma intencionalidade teórica, fecundada pela
significação simbólica, mediando à integração dos sujeitos educandos nesse tríplice universo das
mediações existenciais: no universo do trabalho, da produção material, das relações econômicas; no
universo das mediações institucionais da vida social, lugar das relações políticas, esfera do poder; no
universo da cultura simbólica, lugar da experiência da identidade subjetiva, esfera das relações
intencionais.
3. A educação e a construção da cidadania e da democracia.
Neste contexto, pode-se então afirmar que a finalidade intrínseca de todos os investimentos
educacionais é a construção da cidadania e da democracia, em seus significados críticos atuais.
Cidadania tem hoje um novo conceito, um significado diferente daquele que lhe dera a tradição liberal.
Ela é vista como medida da qualidade da vida humana que se realiza constituida pelas mediações
historico-sociais do existir concreto do homem. Ou seja, o homem só é efetivamente humano na
medida em que dispõe das condições objetivas que lhe permitam exercer sua tríplice atividade prática:
a prática produtiva, a prática social e a prática simbólica. Dizendo ainda de uma outra maneira, o
homem só se humaniza na exata medida em que puder contar com suficientes bens naturais, bens
políticos e bens simbólicos, desenvolvendo sua existência no usufruto desses bens.
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A educação só se justifica e se legitima enquanto for um processo mediador dessas mediações, ou seja,
se ela se der como forma de viabilizar condições de trabalho, de sociabilidade e de cultura simbólica.
Portanto, se estiver construindo a cidadania, que é a condição do ser humano que dispõe dessas
mediações para efetivar sua existência que é assim necessariamente uma existência histórica. E esta é
a forma pela qual a educação pode contribuir para a construção da democracia, outro conceito que é
redimensionado hoje. Democracia significa hoje a condição da sociedade que se organiza de tal modo
a garantir a todos os seus integrantes essas condições de existência.
Educação, democracia e cidadania estão intimamente vinculadas, tão intimamente vinculadas que
educação fora de um contexto democrático perde seu sentido essencial e que democracia e cidadania
sem muita educação, se auto-contradizem. Por isso, é preciso que o educador reflita atentamente sobre
o sentido de sua prática no que se refere às implicações político-sociais dela, pois sem a compreensão
dessas implicações não poderá entender de modo adequado a significação de seu trabalho. Seu
trabalho não se resume a uma função técnico-pedagógica: ao contrário, ele tem uma importante
dimensão política, tal a interrelação da educação com a sociedade.
Com efeito, as relações sociais, políticas e culturais que os homens estabelecem entre si são sempre
atravessadas por um coeficiente de poder que tende sempre a transformar essas relações em relações
de dominação e de opressão. Ora, a educação, em função de tudo aquilo que diz respeito a sua
natureza e a seus objetivos, não pode coexistir com a dominação. Se isso ocorre na prática, trata-se de
um fato sem qualquer legitimidade, que é preciso denunciar, tentar sempre superar e transformar.
Assim, seja nas posições de princípio, seja na prática cotidiana, seja nas funções administrativas no
interior da escola, seja no trabalho didático-pedagógico, em nível pessoal, profissional e institucional,
impõe-se que a escola, enquanto lugar privilegiado da educação, seja também lugar privilegiado de
exercício de democracia e de construção da cidadania.
Mas o que vem a ser democracia? Também a democracia é uma qualidade de vida entre os homens,
baseada no reconhecimento e no respeito mútuos, ou seja, modalidade de convivência social onde as
relações entre os homens não sejam relações de dominação e de opressão. Uma sociedade democrática
é aquela em que os homens, mesmo em sendo diferentes uns dos outros, são capazes de reconhecer
essas diferenças e de respeitar o valor e a dignidade de todos, garantindo-lhes o usufruto dos bens
naturais, sociais e culturais que todos têm direito. Na vida social, em geral, e na educação, em
particular, confrontamo-nos com pessoas muito diferentes entre si, em termos de raça, de sexo, de
constituição física, de saúde, de condições socio-econômicas, de cultura, de religião, etc. Na
instituição escolar, as pessoas, no seu convívio cotidiano, se diferenciam ainda em decorrência da
idade, de amadurecimento psíquico e intelectual, dos papéis que desempenham, etc. Mas essas pessoas
precisam se relacionar, e apesar de todas as diferenças, é possível uma convivência entre elas sem que
nehuma seja oprimida por causa dessas diferenças. Este é o sentido mais geral da existência
democrática.
Mas este sentido geral se concretiza historicamente, sempre em função das condições reais que
determinam a sociedade. Assim, as exigências da relação democrática não se situam apenas no plano
dos princípios abstratos, mas, ao contrário, implicam práticas e situações bem concretas, pois são estas
que tecem a vida real das pessoas. Assim, por exemplo, não basta dizer que a escola pública é livre,
gratuita e aberta a todas as crianças brasileiras para que nossa educação pública seja democrática: é
preciso ainda tomar decisões e implementar medidas concretas para que esses princípios se realizem.
Portanto, para que a escola pública seja realmente democrática, a primeira exigência é que ela garanta
efetivamente uma boa educação a toda população que dela precise. Não basta considerá-la uma
possibilidade: só há uma política democrática quando ocorrem mediações e medidas concretas que
assegurem aos educandos, na idade adequada, acesso e permanência na escola, uma vez que o
processo educacional é um processo que supõe ritmo e duração. Os altos índices de repetência e
evasão que ocorrem na escola pública brasileira são provas das mais evidentes de seu caráter nada
democrático. (Freire, 1975).
Também para que haja relações democráticas entre as pessoas, não basta que elas sejam, em tese,
contra o racismo, fazendo discursos inflamados contra ele: é preciso evitá-lo na prática, onde ele se
disfarça e se camufla. É preciso promover ações e situações em que as pessoas não sejam, de fato,
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prejudicadas por essas diferenças de raça. É por aí que caminha a proposta emancipatória que precisa
caracterizar todo o processo educacional.
4. Do compromisso da universidade com a produção do conhecimento
As mudanças no plano cultural só são significativas exatamente na medida em que decorrem e se
articulam em torno de intencionalidades, de sentidos que os próprios agentes lhes dão, procedendo a
uma escolha entre múltiplas possibilidades, com todos os riscos que tal opção pode ensejar e, de fato,
provoca, como nos mostra a nossa própria experiência acumulada.
Isso quer dizer que o destino da humanidade, qualquer que seja ele, para o melhor ou para o pior, é
fruto da intervenção das cabeças e das mãos dos homens, ou seja, o fazer transformador dos humanos
depende diretamente de seu saber. O conhecimento é, portanto, o referencial diferenciador do agir
humano em relação ao agir de outras espécies. O conhecimento é a grande estratégia da espécie. Sem
dúvida, refiro-me aqui ao conhecimento ainda em sua generalidade, antecipando-me assim a uma
crítica que levantasse a efetiva determinação de nosso agir a partir de formas ambíguas e de
intencionalizações deficientes e precárias, como ocorre nos casos do senso comum, da ideologia, etc.
Mas mesmo nestas suas formas enviesadas, o conhecimento já se revela como o grande instrumento
estratégico dos homens, testemunhando sua imprescindibilidade e sua irreversibilidade em nossa
história.
O conhecimento é, pois, elemento específico fundamental na construção do destino da humanidade.
Daí sua relevância e a importância da educação, uma vez que sua legitimidade nasce exatamente de
seu vínculo íntimo com o conhecimento. De modo geral, a educação pode ser mesmo conceituada
como o processo mediante o qual o conhecimento se produz, se reproduz, se conserva, se sistematiza,
se organiza, se transmite e se universaliza. E esse tipo de situação se caracteriza então, de modo
radicalizado, no caso da educação universitária. No entanto, a tradição cultural brasileira privilegia a
condição da Universidade como lugar de ensino, entendido e, sobretudo praticado, como transmissão
de conhecimentos. Mas apesar da importância dessa função, em nenhuma circunstância pode-se deixar
de entender a Universidade igualmente como lugar priorizado da produção do conhecimento. A
distinção entre as funções de ensino, de pesquisa e de extensão, no trabalho universitário, é apenas
uma estratégia operacional, não sendo aceitável conceber-se os processos de transmissão da ciência e
da socialização de seus produtos, desvinculados de seu processo de geração.
Com efeito, a própria extensão universitária deve ser entendida como o processo que articula o ensino
e a pesquisa, enquanto interagem conjuntamente criando um vínculo fecundante entre a Universidade
e a sociedade no sentido de levar a esta a contribuição do conhecimento para sua transformação. Ao
mesmo tempo em que a extensão, enquanto ligada ao ensino, enriquece o processo pedagógico, ao
envolver docentes, alunos e comunidade num movimento comum de aprendizagem, enriquece o
processo político ao se relacionar com a pesquisa, dando alcance social à produção do conhecimento.
Mas o conhecimento é construção do objeto que se conhece. Por isso, impõe-se partir de uma equação
de acordo com a qual educar (ensinar e aprender) significa conhecer; e conhecer, por sua vez, significa
construir o objeto; mas construir o objeto significa pesquisar.1
Na Universidade, ensino, pesquisa e extensão efetivamente se articulam, mas a partir da pesquisa, ou
seja, só se aprende, só se ensina, pesquisando; só se presta serviços à comunidade, se tais serviços
nascerem e se nutrirem da pesquisa.
O professor precisa da prática da pesquisa para ensinar eficazmente; o aluno precisa dela para aprender
eficaz e significativamente; a comunidade precisa da pesquisa para poder dispor de produtos do
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Não estou aqui fazendo confissão de fé nos paradigmas psico-epistêmicos da teoria do construtivismo, mas me
colocando numa teoria mais abrangente do conhecimento. De modo geral, as teorias construtivistas, tais como
têm sido desenvolvidas entre nós, sob inspiração da psicologia piagetiana e mesmo vygotskiana, apresentam uma
boa teoria da aprendizagem, insuficiente, no entanto, a meu ver, para dar conta de uma teoria mais completa da
educação.
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conhecimento; e a Universidade precisa da pesquisa para ser mediadora da educação. A extensão de
serviços empacotados deriva facilmente para o assistencialismo manipulatório e ideologizante.
A pesquisa é co-extensiva a todo o tecido da instituição universitária: ela aí se desenvolve
capilarmente. Mas, ao mesmo tempo, impõe-se que seja integrada num sistema articulado. Tanto
quanto o ensino, a pesquisa precisa ser organizada no interior da universidade. Cabe assim aplaudir as
Universidades que ultimamente vêm buscando oferecer condições objetivas para a instauração de uma
tradição de pesquisa, seja mediante alguma forma mais sistemática de efetivo apoio à formação pósgraduada de seus docentes em outras instituições, seja mediante a criação de instâncias internas de
incentivo, planejamento e coordenação da pesquisa, seja ainda mediante a implantação de cursos de
pós-graduação stricto sensu e de Programas de Iniciação Científica, seja ainda tornando exigência
curricular a atividade de elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso.
Uma Universidade efetivamente comprometida com a proposta de criação de uma tradição de pesquisa
não pode deixar mesmo de investir na formação continuada de seus docentes como pesquisadores. Por
outro lado, não poderá deixar de colocar os meios necessários em termos de condições objetivas e de
infra-estrutura técnica, física e financeira, para que possa atingir esse fim. Na verdade, cabe-lhe
delinear uma política de pesquisa no âmbito da qual possam ser elaborados e desenvolvidos planos,
programas e projetos de pesquisa.
Por outro lado, pesquisa básica ou aplicada, não se pode perder de vista que ela precisa ser relevante:
daí a necessária atenção ao campo de seus objetos. De modo especial, a identificação dos problemas
que digam respeito à comunidade próxima, de modo que os resultados das investigações possam se
traduzir em contribuições para a mesma, o que vai se realizar através das atividades de extensão.
Desse modo, a pesquisa acaba assumindo uma tríplice dimensão. De um lado, tem uma dimensão
epistemológica: a perspectiva do conhecimento. Só se conhece construindo o saber, ou seja, praticando
a significação dos objetos.
De outro lado, assume ainda uma dimensão pedagógica: a perspectiva decorrente de sua relação com a
aprendizagem. Ela é mediação necessária para o processo de ensino/ aprendizagem. Só se aprende e só
se ensina pela efetiva prática da pesquisa.
Mas ela tem ainda uma dimensão social: a perspectiva da extensão. O conhecimento só se legitima se
for mediação da intencionalidade da existência histórico-social dos homens. É a única ferramenta de
que o homem dispõe para melhorar sua existência.
5. Da impropriedade da universidade só se dedicar ao ensino...
A implantação em nosso país de escolas superiores totalmente desequipadas das condições necessárias
ao desenvolvimento de uma prática de pesquisa, destinadas, de acordo com a proclamação corrente,
apenas a profissionalizar mediante o repasse de informações, de técnicas e habilitações pré-montadas,
testemunha o profundo equívoco que tomou conta da educação superior no Brasil. Na realidade, tal
ensino superior não profissionaliza, não forma, nem mesmo transmite adequadamente os
conhecimentos disponíveis no acervo cultural. Limita-se a repassar informações fragmentadas e a
conferir uma certificação burocrática e legal de uma determinada habilitação, a ser, de fato, testada e
amadurecida na prática. Sem dúvida, a habilitação profissional que qualifica hoje o trabalhador para a
produção, no contexto da sociedade atravessada pela terceira revolução industrial, era da
informatização generalizada, precisa ir além da mera capacitação para repetir os gestos do taylorismo
clássico. Hoje a atuação profissional, em qualquer setor da produção econômica, exige capacidade de
resolução de problemas, com criatividade e riqueza de iniciativas, face à complexidade das novas
situações (Grossi, 1996. p. 2).
Desse modo, o ensino superior entre nós, lamentavelmente, não está conseguindo cumprir nenhuma de
suas atribuições intrínsecas. Desempenhando seu papel quase que exclusivamente no nível
burocrático-formal, só pode mesmo reproduzir as relações sociais vigentes na sociedade, pelo repasse
mecânico de técnicas de produção e de valores ideologizados. (Althusser, s/d; Gramsci, 1968,
Severino, 1986).
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O ensino superior, assim conduzido, está mesmo destinado a fracassar. Tudo indica que a grande causa
da ineficácia do ensino no universitário, no seu processo interno, com relação ao atingimento de seus
objetivos tem a ver fundamentalmente com esta inadequada forma de se lidar com o conhecimento,
que é tratado como se fosse mero produto e não um processo.
Sem dúvida, a prática da pesquisa no âmbito do trabalho universitário contribuiria significativamente
para tirar o ensino superior dessa sua atual irrelevância. É bem verdade que a ausência de tradição de
pesquisa não é a única causa da atual situação do ensino universitário. Há causas mais profundas,
decorrentes da própria política educacional desenvolvida no país que, aliás, já explicam a pouca
valorização da própria pesquisa como elemento integrante da vida universitária. Tenho por hipótese,
no entanto, que a principal causa intra-muros, do fraco desempenho do processo de
ensino/aprendizagem do ensino superior brasileiro parece ser mesmo uma enviesada concepção teórica
e uma equivocada postura prática, em decorrência das quais pretende-se lidar com o conhecimento
sem construí-lo efetivamente mediante uma atitude sistemática de pesquisa, a ser traduzida e realizada
mediante procedimentos apoiados na competência técnico-científica.
Muitos teóricos, especialistas em educação, asism como muitas autoridades da área, não conseguem
entender a necessidade da postura investigativa como inerente ao processo do ensino. Daí inclusive
defenderem a existência de dois tipos de universidades: as universidades de ensino e as universidades
de pesquisa. Este ponto de vista vem sendo vitorioso no contexto da política educacional brasileira, eis
que a nova LDB consagrou, dando-lhe valor legal, essa dicotomia. Assim, os Centros Universitários,
por exemplo, deverão cuidar apenas de ensino, enquanto as Universidades cuidariam de ensino e
pesquisa.
Não se trata de transformar a Universidade em Instituto de Pesquisa. Ela tem natureza diferente do
Instituto de Pesquisa tanto quanto ela se diferencia de uma Instituição Assistencial. O que está em
pauta, em verdade, é que sua atividade de ensino, mesmo quando se trata de uma simples faculdade
isolada, deve ser realizada sob uma atitude investigativa, ou seja, sob uma postura de produção de
conhecimento. É claro que isto vai custar mais do que colocar milhares de professores fazendo
conferências para milhões de ouvintes passivos, que pouco ou nada vão aproveitar do que estão
ouvindo, independentemente da qualidade ou do mérito daquilo que está sendo dito... Mas, não vai
custar o mesmo que custa um Instituto de Pesquisa, com o qual a Universidade não está competindo,
concorrendo, no mau sentido.
6. Da necessidade do envolvimento da Universidade com a extensão.
A Universidade não é Instituto de Pesquisa, no sentido estrito, mas nem por isso pode desenvolver
ensino sem adotar uma exigente postura investigativa na execução do processo ensino/aprendizagem;
também não é Instituição de Assistência Social, mas nem por isso pode desenvolver suas atividades de
ensino e pesquisa sem voltar-se de maneira intencional para a sociedade que a envolve. A única
exigência é que tudo isso seja feito a partir de um sistemático processo de construção de
conhecimento.
A extensão se torna exigência intrínseca do ensino superior em decorrência dos compromissos do
conhecimento e da educação com a sociedade, uma vez que tais processos só se legitimam, inclusive
adquirindo sua chancela ética, se expressarem envolvimento com os interesses objetivos da população
como um todo. O que se desenrola no interior da Universidade, tanto do ponto de vista da construção
do conhecimento, sob o ângulo da pesquisa, como de sua transmissão, sob o ângulo do ensino, tem a
ver diretamente com os interesses da sociedade.
À medida que privilegia o ensino transmissivo, a Universidade desprioriza não só a pesquisa, mas
também a extensão. Na verdade, este centralismo no ensino comete dois graves equívocos: um,
epistemológico, ao negligenciar a exigência da postura investigativa e outro, social, a negligenciar a
extensão. Mas o pedagógico não se sustenta sem estes dois pilares.
Com efeito, é graças à extensão que o pedagógico ganha sua dimensão política, porque a formação do
universitário pressupõe também uma inserção no social, despertando-o para o entendimento do papel
de todo saber na instauração do social. E isso não se dá apenas pela mediação do conceito, em que
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pese à imprescindibilidade do saber teórico sobre a dinâmica do processo e das relações políticas. É
que se espera do ensino superior não apenas o conhecimento técnico-científico, mas também uma
nova consciência social por parte dos profissionais formados pela Universidade. A formação
universitária, com efeito, é o locus mais apropriado, especificamente destinado para esta tomada de
consciência, só a pedagogia universitária, em razão de suas características especiais, pode interpelar o
jovem quanto ao necessário compromisso político. Esta interpelação se dá pelo saber, eis que cabe
agora ao saber equacionar o poder. (Cf.cccv Gurgel, 1986, Saviani, 1984, Silva e Silva, 1980, Toaldo,
1977).
Deste modo, a extensão tem grande alcance pedagógico, levando o jovem estudante a vivenciar sua
realidade social. É por meio dela que o sujeito/aprendiz irá formando sua nova consciência social. A
extensão cria então um espaço de formação pedagógica, numa dimensão própria e insubstituivel.
Quando a formação universitária se limita ao ensino como mero repasse de informações ou
conhecimentos está colocando o saber a serviço apenas do fazer. Eis aí a idéia implícita quando se vê
seu objetivo apenas como profissionalização. Por melhor que seja o domínio que se repassará ao
universitário dos conhecimentos científicos e das habilidades técnicas, qualificando-o para ser um
competente profissional, isto não é suficiente. Ele nunca sairá da Universidade apenas como um
profissional, como um puro agente técnico. Ele será necessariamente um agente político, um cidadão
crítica ou dogmaticamente, consciente ou alienadamente formado.
A extensão se relaciona à pesquisa, tornando-se relevante para a produção do conhecimento, porque
esta produção deve ter como referência objetiva os problemas reais e concretos que tenham a ver com
a vida da sociedade envolvente. A relevância temática dos objetos de pesquisa é dada pela significação
social dos mesmos. É o que garante que a pesquisa não seja desinteressada ou neutra....
Saviani coloca bem esta questão: “e como é que a extensão se torna uma atividade, uma função
equiparada às duas outras? Na medida em que ela se articula com as demais e na medida em que o
próprio ensino seja visto, também, como prestação de serviços à sociedade em seu conjunto, na
medida em que a própria pesquisa seja vista como uma prestação de serviços à própria sociedade.
Então, que pesquisas a Universidade vai desenvolver? Ela vai desenvolver exatamente aquelas
pesquisas que a sociedade está requerendo, vai se preocupar em explorar aqueles problemas que são
candentes à sociedade em que ela está inserida” (1984:64-65).
Por sinal, a prática da extensão deve funcionar como cordão umbilical entre a sociedade e a
universidade, impedindo que a pesquisa prevaleça sobre as outras funções, como função isolada e
altaneira na sua proeminência.
É no contexto dessas colocações sobre a natureza do conhecimento e do caráter prático da cultura, que
se tornam claros os compromissos éticos da educação e dos educadores, bem como das instituições
universitárias. Compromissos que se acirram nas coordenadas historico-sociais em que nos
encontramos. Isto porque as forças de dominação, de degradação, de opressão e de alienação, se
consolidaram nas estruturas sociais, econômicas e culturais. As condições de trabalho são ainda muito
degradantes, as relações de poder muito opressivas e a vivência cultural precária e alienante. A
distribuição dos bens naturais, dos bens políticos e dos bens simbólicos, muito desigual. Em outras
palavras, as condições atuais de existência da humanidade, traduzidas pela efetivação de suas
mediações objetivas, são extremamente injustas e desumanizadoras. Tais condições se mostram muito
agravadas no contexto histórico-social do terceiro mundo, assumindo características particularmente
críticas na América Latina.
Assim, é também por exigência ética que a educação deve se conceber e se realizar como investimento
intencional sistematizado na consolidação das forças construtivas das mediações existenciais dos
homens. Ela precisa ser também política, isto é, expressar sensibilidade às condições histórico-sociais
da existência dos sujeitos envolvidos na educação. E é sendo política que a educação se tornará
intrinsecamente ética.
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Conclusão
De todas estas considerações, impõe-se concluir que as funções da Universidade --- ensino, pesquisa e
extensão --- se articulam intrinsecamente e se implicam mutuamente, isto é, cada uma destas funções
só se legitima pela vinculação direta às outras duas, e as três são igualmente substantivas e relevantes.
Com efeito, a pesquisa é fundamental, uma vez que é através dela que podemos gerar o conhecimento,
a ser necessariamente entendido como construção dos objetos de que se precisa apropriar
humanamente. Construir o objeto que se necessita conhecer é processo condicionante para que se
possa exercer a função do ensino, eis que os processos de ensino/aprendizagem pressupõem que tanto
o ensinante como o aprendiz compartilhem do processo de produção do objeto. Do mesmo modo, a
pesquisa é fundamental no processo de extensão dos produtos do conhecimento à sociedade, pois a
prestação de qualquer tipo de serviços à comunidade social, que não decorresse do conhecimento da
objetividade dessa comunidade, seria mero assistencialismo, saindo assim da esfera da competência da
Universidade. Só a boa pesquisa pode fundamentar e justificar o trabalho de extensão a ser
desenvolvido pela Universidade, eis que a função extensionista tem a ver, igualmente de forma
necessária, com a função do ensino.
Por outro lado, o conhecimento produzido, para se tornar ferramenta apropriada de intencionalização
das práticas mediadoras da existência humana, precisa ser disseminado e repassado, colocado em
condições de universalização. Ele não pode ficar arquivado. Precisa então transformar-se em conteúdo
de ensino, de modo a assegurar a universalização de seus produtos e a reposição de seus produtores.
Tal a função do ensino.
Mas os produtos do conhecimento, instrumentos mediadores do existir humano, são bens simbólicos
que precisam ser usufruidos por todos os integrantes da comunidade, à qual se vinculam as instituições
produtoras e disseminadoras do conhecimento. É a dimensão da extensão, devolução direta à mesma
dos bens que se tornaram possíveis pela pesquisa. Mas, ao assim proceder, devolvendo à comunidade
esses bens, a Universidade o faz inserindo o processo extensionista num processo pedagógico,
mediante o qual está investindo, simultaneamente, na formação do aprendiz e do pesquisador. A
função extensionista, articulada à prática da pesquisa e à prática do ensino, não se legitimaria então, se
não decorresse do conhecimento sistemático e rigoroso dos vários problemas enfrentados pelas
pessoas que integram determinada sociedade ou parte dela.
Ainda que formalmente se imponha, no interior da instituição universitária, a divisão técnica entre
estas funções, elas se implicam mutuamente. Não haveria o que ensinar e nem haveria ensino válido se
o conhecimento a ser ensinado e socializado não fosse construido mediante a pesquisa; mas, não
haveria sentido em pesquisar, em construir o conhecimento novo, se não se tivesse em vista o
benefício social do mesmo, a ser realizado através da extensão, direta ou indiretamente. Por outro
lado, sem o ensino, não estaria garantida a disseminação dos resultados do conhecimento produzido e
a formação dos novos aplicadores desses resultados.
A extensão como mediação sistematizada de retorno dos benefícios do conhecimento à sociedade
exige da comunidade universitária imaginação e competência com vistas à elaboração de projetos
como canais efetivos para este retorno. Chega a ser um escárnio e, no fundo, uma tremenda injustiça, a
omissão da instituição universitária em dar um mínimo que seja de retorno social ao investimento que
a sociedade faz nela. Este retorno deveria se dar mediante o desenvolvimento de projetos de grade
alcance social, envolvendo toda a população universitária do país. E isto deveria ser feito de modo
sistemático e competente, não se tratando de iniciativas de caráter compensatório, de cunho
assistencialista.
Por outro lado, a extensão tem que ser intrínseca ao exercício pedagógico do trabalho universitário.
Não se trata de uma concessão, de um diletantismo, mas de uma exigência do processo formativo.
Toda instituição de ensino superior tem que ser extensionista, pois só assim ela estará dando conta da
formação integral do jovem universitário, investindo-o pedagogicamente na construção de sua nova
consciência social.
Dado o caráter contraditório da Universidade, como toda entidade sócio-cultural criada por homens,
não há mesmo como desconhecer as limitações da extensão a ser por ela praticada. No entanto, apesar
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disso, como bem o assinala Gurgel, “a extensão universitária em uma dimensão de mudança social na
direção de uma sociedade mais justa e igualitária tem obrigatoriamente de ter uma função de
comunicação da universidade com seu meio, possibilitando, assim, a sua realimentação face à
problemática da sociedade, propiciando uma reflexão crítica e uma revisão permanente de suas
funções de ensino e pesquisa. Deve representar, igualmente, um serviço às populações, com as quais
os segmentos mais conscientes da universidade estabelecem uma relação de troca ou confronto de
saberes”. (1986:170).
A extensão deve expressar a gênese de propostas de reconstrução social, buscando e sugerindo
caminhos de transformação para a sociedade. Pensar um novo modelo de sociedade, nos três eixos das
práticas humanas: do fazer, do poder e do saber, ou seja, levando a participação formativa dos
universitários no mundo da produção, no mundo da política e no mundo da cultura. Só assim o
conhecimento estará se colocando a serviço destas três dimensões mediadoras de nossa existência. E
só assim a universidade estará cumprindo a sua missão.
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Antônio Joaquim Severino
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Resumen El trabajo busca, a partir de una perspectiva filosófica