Curso de Engenharia do Ambiente, FCT-UNL
Monitorização de Sistemas Ambientais, 2006/7
Balanço de Carbono – aplicação do modelo CASA
Carlos Netto < [email protected] >; Pedro Baptista < [email protected] >
(Nº de horas de trabalho/aluno: 14)
Introdução
Os fluxos de carbono entre a biosfera, hidrosfera, atmosfera e litosfera, assim como o stock
em cada um destes elementos, constituem o que se denomina por ciclo do carbono. O seu
estudo reveste-se de especial importância dado o potencial de efeito de estufa do dióxido de
carbono. Medir os fluxos e compreender o balanço global do carbono permite monitorizar o
desenvolvimento do processo das alterações climáticas. Os actuais modelos para previsão dos
impactes das alterações climáticas incluem a simulação do ciclo global do carbono.
No contexto do Protocolo de Quioto, cada Parte do Anexo I tem que submeter inventários
nacionais do balanço dos gases de efeito de estufa, incluindo aqueles que são assimilados
pelos ecossistemas terrestres.
Não obstante, as obrigações de Quioto são uma preocupação recente. Os estudos do ciclo
do carbono foram iniciados com alguma consistência há mais tempo. Apesar de ter sido
Arrhenius, em 1896, a chamar a atenção para importância do ciclo do carbono (Bice, s/data), a
modelação é uma área que apenas se começa a desenvolver no fim da década de 50 (Bolin et
al, 1979). Dois pioneiros, Revelle e Keeling, viriam a ser cruciais com o projecto de
monitorização de dióxido de carbono em Mauna Loa (Havai).
Este trabalho tem por objectivo calcular a quantidade de dióxido de carbono assimilada pela
vegetação florestal em Portugal, usando o modelo CASA, para o ano de 2003. Pretende
também concluir se essa quantidade é suficiente para contra-balançar as emissões desse
mesmo ano.
O modelo CASA
O dióxido de carbono assimilado pela vegetação pode ser calculado através da produtividade
primária líquida (NPP). A NPP é a diferença entre a produtividade primária bruta, i.e., o dióxido
carbono fixado pelas plantas através da fotossíntese, e a respiração das plantas.
O modelo CASA (Carnegie Ames Stanford Approach) é um modelo biofísico terrestre
desenvolvido por Christopher Potter. O modelo CASA permite calcular a NPP e a produtividade
líquida do ecossistema (NEP), utilizando como dados de entrada o NDVI (vegetação), a
radiação solar, a temperatura, a precipitação e as propriedades do solo (Figura 1).
Figura 1. Diagrama explicativo do modelo CASA (adaptado de Potter (1998)).
Metodologia
A metodologia utilizada para calcular a quantidade de CO2 recorre ao modelo CASA. No
entanto, este modelo apenas será utilizado para determinar o NPP.
Uma alteração efectuada ao modelo é relativa ao modo como é tratada a precipitação. No
presente trabalho, foi assumido que não haveria stress hídrico.
A Figura 2 apresenta toda metodologia realizada, com recurso ao Sistema de Informação
Geográfica IDRISI, para o cálculo do NPP. Os inputs e parâmetros usados foram os seguintes:
- Radiação solar (SLRD);
- Fracção da radiação fotossinteticamente activa absorvida pela vegetação (FPAR);
- Coeficiente de conversão entre unidades de SLRD e IPAR (radiação fotossinteticamente
activa interceptada/absorvida pela vegetação) para uma determinada resolução temporal
(δt) (SLRk);
- Taxa de eficiência máxima de utilização da luz (ε*);
- Parâmetros a, b e c para o cálculo de Tε1 e parâmetros A, B e Topt para o cálculo de Tε2;
- Tc foi calculado por intermédio da fórmula de Tε2 para quando T = Topt correspondendo a
um stress mínimo da temperatura sobre a NPP, i.e., correspondendo a um Tε2 = 1;
- Temperatura do ar (T).
(NPPano = NPPmes)
(NPP = IPAR . LUE)
mask
Figura 2. Fluxograma da metodologia realizada.
Após o cálculo da NPP anual, comparou-se esse valor com o das emissões de CO2 sem a
contabilização da alteração do uso do solo e florestas. A informação utilizada para as emissões
de CO2 foi a submetida por Portugal à United Nations Framework Convention for Climate
Change (UNFCC).
Resultados e Discussão
Analisando a variabilidade espacial do NPP (Figura 3) salientam-se os seguintes pontos:
-
Pouca floresta no interior do Alentejo, distritos de Lisboa, Guarda, Bragança e Vila
Real;
-
Os maiores valores de NPP registam-se principalmente nos distritos de Aveiro,
Coimbra, Leiria e Faro;
-
O distrito de Santarém é considerado como floresta em grande parte do seu território
embora não apresente um elevado NPP para a respectiva área.
Figura 3. NPP anual em t CO2.km-2.ano (resolução espacial de 1 km).
No que toca à variabilidade temporal do NPP anual do país, observa-se que os valores dos
meses mais quentes (de Abril a Setembro) são bastante maiores que nos restantes meses
(Figura 4). No entanto, estes resultados não são realistas. Como clima mediterrâneo, Portugal
tem precipitação nos meses mais frios, tendo depois stress hídrico nos meses quentes. Assim,
não é de esperar uma grande produtividade nos meses de Verão. Esta componente do stress
hídrico não foi contabilizada no trabalho por isso se obtiveram valores tão altos nos meses
quentes. Se as florestas receberem mais radiação têm uma maior produtividade, desde que
tenham água, o que não acontece em Portugal. Conclui-se, portanto, que os resultados de
NPP obtidos deverão estar sobrestimados.
NPP mensal
NPP (10^6 t CO2)
.
45.0
42.0
40.0
35.1
34.9
35.0
30.8
30.0
24.1
24.5
25.0
20.0
15.0
10.0
9.5
8.8
11.1
10.6
3.8
5.0
5.0
0.0
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Mês
Figura 4. Variabilidade temporal do NPP à escala mensal.
Set
Out
Nov
Dez
Por fim comparou-se o NPP anual com as emissões de CO2 (excluindo as alterações do uso
do solo e florestas). O valor de NPP anual obtido com a aplicação do modelo CASA foi de
240,2 Mt CO2. Numa primeira comparação com as emissões de CO2 de 84,5 Mt CO2 pode-se
julgar que Portugal apresenta um saldo positivo no balanço do CO2. Mas esta conclusão é
incorrecta por duas questões essenciais:
-
Pelas razões atrás descritas, espera-se que o valor de NPP esteja sobrevalorizado;
-
A comparação entre o NPP e as emissões de CO2 não permite tirar conclusões
relevantes, dado que se devia estar a comparar com a NEP. A NEP entra com uma
parcela de grande relevância em termos numéricos – a respiração do solo. O modelo
CASA também permite modelar esta componente, mas tal não foi feito neste
trabalho.
A metodologia utilizada apresenta algumas limitações que decorrem dos pressupostos do
modelo CASA e da simplificação feita para este exercício. É natural que a produtividade
primária líquida seja diferente da NPP real. Neste trabalho, foi assumido que não existiria
stress hídrico, daí o valor de W e=1. Contudo, é bastante óbvio, ainda por cima tendo em conta
as condições de escassez de água no Verão no território nacional, que a NPP esteja a ser
sobrestimada por esta razão.
Existem uma crítica importante a fazer ao valor de NPP para efeitos de comparação com as
emissões. Como apenas se está a contabilizar a floresta, grande parte dos outros
compartimentos do ciclo do carbono foram ignorados. Assim, apenas se teve em conta a
floresta, mas outros tipos de uso do solo também colaboram como sumidouros (mato, áreas
agrícolas, pastagens, etc.). Por outro lado, a respiração heterotrófica do solo também não foi
englobada.
Por outro lado, a simplificação do modelo não permite ter em conta a variabilidade interespecífica da taxa de assimilação de carbono. A metodologia assume que um carvalho cresce,
i.e., assimila carbono, ao mesmo ritmo que um eucalipto. A mesma questão se aplica na
utilização de uma temperatura óptima indiferenciada.
Por fim, existe ainda a questão da qualidade dos dados de entrada. Toda a informação
considerada de entrada (radiação solar, FPAR, temperatura e cobertura do solo) tem associado
um erro que, ao longo das operações, pode ser propagado e magnificado (cascading). Logo,
seria imperativo ter uma ideia do erro que está associado ao resultado final.
Referências
Bice, D., s/d, The Global Carbon Cycle; Disponível em: http://www.carleton.edu/depart ments
/GEOL/DaveSTELLA/Carbon/carbon_intro.htm; Acedido a: 13 de Novembro de 2006;
Bolin, B., Degens, E., Duvigneaud, P., Kempe, S., 1979, The Global Biogeochemical Carbon
Cycle,
SCOPE
13;
Disponível
em:
http://www.icsu-scope.org/downloadpubs/
scope13/chapter01.html; Acedido a: 13 de Novembro de 2006;
Potter, C., Davidson, E., Klooster, S., Nepstad, D., De Negreiros, G., Brooks, V., 1998, Regional
application of an ecosystem production model for studies of biogeochemistry in Brazilian
Amazónia, Global Change Biology, 4, 315-333;
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MSA_trab_modelo CASA_0607