A SEMANA DE ARTE MODERNA E A CRÍTICA CONTEMPORÂNEA Maria Eugênia Boaventura* Denominar-nos pois ainda de futuristas é renunciar à crítica pelo coice, à discussão pela cretinagem peluda. "Futuristas de São Paulo". Oswald de Andrade1 Os artigos e as polêmicas de época, relacionados com a Semana de Arte Moderna, estampados em jornais e revistas do Rio de Janeiro e em maior quantidade de São Paulo, apenas no ano de sua realização,2 trazem uma queixa generalizada. Reclamam da falta de objetividade na definição, no estabelecimento de princípios e no traçado do movimento modernista, conforme apontava o então decano dos jornalistas, Oscar Guanabarino.3 Como se sabe, este traçado4 iniciou-se a partir da exposição Malfatti e foi inaugurado de modo oficial por ocasião daquele evento de múltiplos espetáculos (literatura, música, artes plásticas e arquitetura) com entrada paga, que deixou a escadaria * Maria Eugênia Boaventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo e professora do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Tem vários estudos publicados sobre o modernismo brasileiro e sobre Oswald de Andrade, entre eles A vanguarda antropofágica, São Paulo, Editora Ática, 1984, O Salão e a Selva. Uma biografia ilustrada de Oswald de Andrade, Ed. da Unicamp em parceria com a Ex Libris, 1995 e 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos, São Paulo, EDUSP, 2000. 1 BOAVENTURA, Maria Eugênia (org.), 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: EDUSP, 2000, p. 108. 2 Idem. 3 GUANABARINO, Oscar, “Delírio intelectual”, Ibidem , p. 291. 4 BRITO, Mário da Silva, História do Modernismo Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1958. 1 do templo de Athené, transformada em cavalariça de Augias, o nítido pavimento conspurcado pela besta do Apocalipse, esperam em vão pelo Hércules da crítica que deverá “poli-los”.5 A crítica procede. As frases sonoras e retumbantes dos textos críticos e de divulgação, muitas vezes sem muito sentido, escondiam a falta de um projeto estético claro e coerente que convencesse os adeptos da poética racional de um parnasianismo popularizado pelo país afora. E o pior, também ainda não haviam sido publicadas em livro as propagadas obras revolucionárias, algumas delas apenas mostradas de relance naquele momento: trechos de Os Condenados de Oswald de Andrade, “Domingo” da Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade e o antológico poema de Manuel Bandeira, “Os Sapos”, escrito em 1919.6 Acho que, em termos de literatura, se resumiu a isto a pretensa novidade. Uma olhadela nos nomes envolvidos com a Semana, anunciados na imprensa, confirma a palidez das novidades, pelo menos no campo literário: Deabreu, Agenor Barbosa, Álvaro Moreyra, Afonso Schmidt, Elísio de Carvalho, Menotti Del Picchia, Rodrigues de Almeida. Nem a leitura dos confusos trechos de A escrava que não é Isaura (1922), nem a explanação de Ronald de Carvalho sobre a pintura e a escultura, expostas no saguão do Teatro Municipal, parece ter surtido o efeito didático que se esperava, para não falar das enfadonhas conferências de Graça Aranha e Menotti Del Picchia. O longo período de catequese, de estudos e de debates anterior à Semana, repercutido nos jornais paulistas (artigos de Oswald no Jornal do Commercio e de Menotti Del Picchia no Correio 5 6 ELECTI, Pauci Vero, “Balelas futuristas”. In BOAVENTURA, op. cit., p. 254. Publicado em Carnaval, Rio de Janeiro, Typ. do Jornal do Commercio, 1919. 2 Paulistano)7 também não foi suficiente para evitar a impressão de imaturidade e de pouco conhecimento em relação às diversas correntes artísticas que surgiam por toda Europa. As informações, vindas de navio, ainda não haviam sido assimiladas e transformadas em atualização consistente. O despreparo era generalizado. Isto prejudicou a produção crítica sobre as novas obras, lidas e exibidas na Semana. O mesmo aconteceu com aquelas lançadas, no final do ano de 22. M.L. (Monteiro Lobato?) resenhou Os Condenados, nas páginas da prestigiosa Revista do Brasil, e registrou a incorporação da técnica cinematográfica na composição de personagens, vislumbrando o possível aparecimento de “um dos grandes romances da nossa literatura”, apesar das restrições que fez em relação à composição do livro, no seu entender, muito devedora a escolas. A Paulicéia Desvairada, por exemplo, não teve uma resenha consistente e foi tratada na mesma publicação como um bestialógico - o velho gênero com ares de novidade, roupa nova e nome suposto”.8 Conforme se verificou na Europa, a exposição Malfatti mostrou as artes plásticas na dianteira do processo de atualização do código artístico, inspirando a modernização literária. E diferente da literatura, já havia no Brasil um conjunto de obras de pintores e escultores com várias mostras à disposição do público, cuja repercussão também não estimulou a crítica. A exemplo do ocorrido em 1917, as obras de John Graz, de Haarberg, de Brecheret, de Ferrignac, de Zina Aita, de Rego Monteiro, de Di e de novo de Anita, entre outras, apresentadas no saguão do Teatro, foram mal recebidas pela desinformação daqueles 7 Ver Estética e Politica, São Paulo: Globo, 1991 e BARREIRINHAS, Yoshie, Menotti Del Picchia, o gedeão do modernismo: 1929-1922. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. 8 M. L., “Algaravia em tom solene”. In BOAVENTURA, op. cit. pp. 343-344. 3 que se arriscaram a publicar comentários sobre a Semana. Apesar do acanhado experimentalismo, essas produções traziam novidades, se comparadas com o contexto artístico local. Mesmo assim, o desastre crítico neste campo foi visível e mereceu a ponderação de Oswald “das artes modernas pintura parecia ser a que mais profundamente chocava aos analfabetos letrados.”9 Dois artigos de títulos e pseudônimos parecidos “Balelas futuristas” por Pauci Vero Electi e “As balelas futuristas”, assinado por Electi Vero Pauci - confirmam a apatia dos críticos para descrever as peculiaridades das produções da Semana, embora os debates ocorridos naquele ano se caracterizem pelo tom ofensivo e hilário. A tática agressiva com base no humor, na irreverência, misturou estratégias, em muitos aspectos contraditórias, praticadas de forma pioneira e indiferenciada pelas vanguardas européias. Mas penso ser difícil hoje filiar os eventos de 22, de modo isolado, a um ou a outro bloco desta vanguarda. De fato, os modernistas anunciaram, no início, uma Semana Futurista, mas não se pode atrelar de forma incondicional o modernismo ao futurismo italiano.10 Os primeiros artigos (de Sérgio B. de Holanda, e dos dois Andrades - Mário e Oswald) fizeram questão de definir a relação de independência e, ao mesmo tempo, de contato entre os dois movimentos. Plínio Salgado ao fazer um balanço da poesia paulista observa que: “é uma verdadeira mostra de variedade que não denuncia na semelhança das técnicas e afinidades de assuntos a influência poderosa de um fato externo único nem os impulsos de uma tendência interna única.”11 9 ANDRADE, Oswald, “O vagabundo borra-telas.” In Idem, p. 53 FABRIS, Annateresa, O futurismo paulista, São Paulo: EDUSP/Perspectiva, 1994. 11 SALGADO, Plínio, “A poesia em São Paulo.” In BOAVENTURA, op. cit. pp. 325-342. 10 4 Oswald alertava: “personalíssimos e independentes não só dos dogmazinhos do marinettismo como mesmo de qualquer outro jogo mesquinho”. E colocava os pontos nos iis na discussão do momento em torno das relações do “movimento nacional, violento e triunfante” com aquelas vanguardas: “Cubismo é a reação construtiva de toda a pintura moderna. Assim, futurismo não é marinettismo e, sim, toda a reação construtiva da literatura moderna.”12 Os articulistas aproveitaram para explorar as inevitáveis aproximações entre a poética italiana e a então incipiente produção local, e encarar isto como um retrocesso, levando-se em conta que o futurismo, na Europa, àquela altura transformara-se em passado. A irritação dos oponentes recrudescia diante das atitudes de ostentação, de estardalhaço, dos “clarins do reclame” e, em particular, frente à associação inicial e equivocada com a vanguarda italiana. O sentimento generalizado de cópia e de imitação servil favoreceu o início do desbaratamento do sistema cultural estagnado, sem personalidade própria. Mesmo reconhecendo a precariedade e a extensão da produção artística de fato nova, os líderes do movimento pretenderam um balanço público das iniciativas empreendidas até então e fizeram questão de revelar para o país o que São Paulo possuía de mais culto. A partir daí, poderiam organizar melhor a perspectiva de progresso sonhado, conforme planejava Oswald de Andrade. A ambição do grupo era grande: educar o Brasil, curá-lo do analfabetismo letrado, e, sobretudo, pesquisar uma maneira 12 ANDRADE, Oswald, “Geometria pictórica”. In Idem, pp. 63-66. 5 nova de expressão, compatível com o tempo do cinema, do telégrafo sem fio, das travessias aéreas intercontinentais. O anseio de emancipação contaminou os opositores apesar dos comentários negativos. Na Cigar ra, revista costumeiramente resistente à nova arte, o articulista escondido pelas iniciais P.B.C. reconheceu que : “Um movimento acentuadamente artístico vem de se esboçar em nosso meio. A idéia que, auspiciosamente, o orienta, deixa de entrever garantias seguras de viabilidade, êxito pleno. O ponto de mira é a nossa emancipação artística.”13 Havia unanimidade em torno do objetivo central do grupo, isto é dos “comovidos iniciadores da batalha dos renovamentos”: a atualização do código estético. Eram coincidentes as manifestações, por exemplo, de um Sérgio Milliet que ponderava não se tratar da “procura de uma liberdade absoluta, mas, sobretudo a de novas regras de construção”; de um Oswald, propondo reação “ao caruncho dos procedimentos acadêmicos” da arte de modo geral, lutando por uma “nova maneira de expressão estética”; e por fim de um Menotti, consciente do “desafio majestoso ao desgaste das velhas formas”. O texto “Fogoso domador”, assinado por Clodomiro Santarém (pseudônimo de Antonio Carlos Couto de Barros, um dos ativos participantes do modernismo), incluído no livro 22 por 22, no capítulo “A consagração da vaia”, mostra as lideranças do movimento planejando de modo sistemático as festividades, inclusive a provocação crítica, partindo de articulistas pertencentes ao movimento, com o intuito de animar o debate. A cobertura dada pela imprensa paulista à Semana dividia-se entre o entusiasmo e a condenação veemente. 13 P. B. C., “Arte caricata.” In Ibidem, p. 319. 6 Impulsionava este terremoto estético a violência da linguagem, recheada de petardos verbais, lembrando disputas militares (“vencidos”, “hostes avanguardistas”, “horda passadista”, “regimento”, “contingente de forças”, “franco atiradores”, “batalha”, “guerra”, “refrega”, “combate”, marcha heróica, metralhadoras armadas, columbrinas). Este estilo impetuoso convivia com a perspectiva de um “futuro construtor”, de um “classicismo construtor”, de um “século forte e construtor”. É sempre interessante não perder de vista que, quando se inaugura a nossa modernidade, a velha Europa já havia assistido a uma série de ondas vanguardistas divergentes entre si. E em 1922, junto ao último sopro do Dadá surgiam manifestações de reaquecimento do classicismo. A revista L'Esprit Nouveau de 1919 (criada por Le Corbusier, Paul Dermée e Amadeu Ozefant) e os artigos de Jean Cocteau, reunidos mais tarde em Le Rappel à l'Ordre (1926) tiveram ampla repercussão por aqui. Portanto, neste contexto europeu de reciclagem começaria a renovação literária e cultural brasileira, que teria uma feição particular. Os resultados práticos e imediatos da Semana levam à consolidação do grupo, à agilização das obras em curso, à fundação de revistas, à fecunda e a inédita união do escol sócio-econômico com o cultural, em proveito da modernização de São Paulo em múltiplos aspectos a fim de colocá-lo na dianteira do processo nacional de desenvolvimento: “A esse grupo de pessoas acatadas por todos os motivos, competia de fato por paradeiro a apreciação desenfreada da ignorância local[...] E Semana de Arte Moderna virá mostrar como esses espíritos de vanguarda são apenas os guias de um movimento tão sério que é capaz de educar o Brasil e curá-lo do analfabetismo letrado em que lentamente vai para trás.” 14 14 ANDRADE, Oswald, “O vagabundo borra-telas.” In Ibidem, p. 56. 7 Impressiona a prontidão com que esta elite acolheu o convite modernista, não apenas patrocinando o movimento, mas tomando-o como inspiração para planos ambiciosos de fazer do seu Estado o “berço de um futuro racial, industrial e econômico”. Não esqueçamos que os ingressos da Semana foram vendidos também em outro legendário ponto de encontro dessa elite, palco de muitas recepções memoráveis: o Automóvel Club de São Paulo. De Plínio Salgado aos dois Andrades, os paulistas se irmanaram para desbancar o Rio do posto central que ocupava no âmbito artístico, além do político. De modo autoritário, acenavam com a “dianteira arrogante”, com o predomínio, por enquanto, espiritual no país. Por parte dos intelectuais, houve uma consciência dos benefícios que esta conjunção de interesses poderia trazer, de imediato: atualizariam o código estético e poriam em prática medidas para quebrar a hegemonia da capital do país. A convicção de que São Paulo assumiria um papel renovador, calcado no esforço sistemático da sua elite, passou a ser a tópica dos textos jornalísticos, divulgados na imprensa no início da década de 20, alicerces do novo movimento estético. Os artigos sobre Semana de Arte Moderna falam de uma nova Renascença, de “nova hora de Paris para arte. Hora de Greenwich para a indústria, sem que se perca a latitude brasileira”, como queria Oswald, ou como Ribeiro Couto predestinava: “uma nação em marcha a surgir”. Os repentes oswaldianos - “De fato, é de São Paulo a glória de abrigar os primeiros portadores comovidos da nova luz” - naquele tempo soavam provocação na imprensa oposicionista, hoje podem ser vistos como um prognóstico que se efetivou. Este ânimo ao mesmo tempo renovador e de concorrência que contaminou muitos modernistas não foi 8 indiferente ao poeta franco-suíço, Henri Mugnier. Colaborador de Klaxon visitou o Brasil nesta época e escreveu sobre a Semana no jornal da colônia francesa.15 Mais tarde, a repercussão das notícias do levante de 1924, inspirou-lhe o texto, publicado num periódico de Genebra, sobre a capital paulista - “uma cidade de 700.000 habitantes aproximadamente, rica em indústrias de toda espécie, em comércios de toda natureza”. Retrata os paulistas ligados a sua cidade sobre a qual falam sempre com orgulho e emoção. Registra a lembrança do ar de São Paulo, às vezes, saturado de certa antipatia contra as pessoas do Rio de Janeiro, e o cochicho de propósitos separatistas nos salões que freqüentou. Relembra ainda os clarões de independência brilharem nos olhos negros dos jovens.16 As vanguardas de um modo geral louvaram em verso e prosa a chegada da modernidade na paisagem urbana e quase todos elegeram como tema preferido a cidade natal. Penso que em relação aos artistas paulistas este fenômeno deu-se de modo diferente. Houve uma obsessiva e sistemática cruzada no sentido de fazer com que as mudanças virassem rotina, e o orgulho entusiasta dos seus filhos fosse revertido em ações práticas, constantes e duradouras. Talvez esta seja também a marca da postura desses intelectuais e ainda explique a disponibilidade de romancistas e poetas, em especial de São Paulo, intrometerem-se em diversos empreendimentos, tais como: fundação de partidos políticos modernos (Partido Democrático, 1926), periódicos (Diário Nacional, 19271932), organização e medidas de racionalização da imigração, planos para museus, projetos de órgãos de defesa do patrimônio, esboços de escolas e universidades 15 16 Ver artigo “Modernismo”. In Ibidem, pp. 123-126. MUGNIER, Henri, “Du coté de São Paulo”. La Suisse, Genebra, 27 de julho de 1924. 9 (Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, 1933; USP, 1934). Essas intervenções, iniciadas durante os anos 1920, foram gradativamente viabilizadas nas décadas seguintes. No começo, o grupo não tinha no horizonte um projeto global de Brasil, a urgência era construir um Estado pujante, desenhado a partir do “futurismo paulista”. Com o passar do tempo, a pesquisa sistemática de identidade nacional, talvez em germinação em 1922, foi tomando corpo, sobretudo em vista das preparações para os festejos do Centenário da Independência. Em nome do engrandecimento deste “país virtual”z até uma revolução foi estrategicamente planejada, com a participação de modernistas do primeiro time, que não vacilaram em pegar em armas: o tão comemorado movimento constitucionalista de 1932, que, a pretexto de pressionar o governo central e exigir a democratização e a liberdade de imprensa, deu vazão ao ímpeto separatista dos paulistanos, vislumbrados pelo poeta Mugnier, numa frente ampla de artistas, oligarcas, tenentistas, onde a direita retrógrada pegou carona. Alguns intelectuais como Mário de Andrade fizeram mais tarde o mea culpa por ter apoiado o movimento. Atitude esperada num poeta que escreveu o “Acalanto do seringueiro”. Poucos ficaram distantes do sangrento conflito, como foi o caso de Oswald, talvez porque, na ocasião, estivesse também afastado dos antigos companheiros de festa literária. O surto de progresso, que se alastrou pelo Estado, ao meu ver tem ligação direta com aquela aliança entre empresários, políticos, escritores e artistas, iniciada por ocasião da Semana ou pouco antes. Basta conferir a imponência social, financeira e econômica dos patrocinadores do evento e a simpatia discreta dos seus dirigentes políticos (prefeitos e governadores). Acionados 10 pelos líderes modernistas, os chefes políticos locais apadrinharam novos artistas em dificuldades financeiras com bolsas de estudos no exterior (através do Pensionato Artístico de São Paulo Anita Malfatti, Victor Brecheret, Sousa Lima, Francisco Mignone, entre outros, estudaram na Europa) e com a aquisição de suas obras. Praças e parques foram enfeitados com esculturas modernas. Teatros públicos abriram espaço para peças e recitais de vanguarda. Debates sobre o impacto da arquitetura moderna, em especial a de Warchavchik movimentaram a cidade e resultaram mais tarde em construções modernas. Ciclos de conferências de nomes famosos com entrada paga foram montados, a fim de revelar as novas idéias. Lembro as conferências do filósofo alemão Hermann Keyserling (autor de O mundo que nasce, um dos livros de cabeceira dos primeiros antropófagos); as palestras em homenagem a Blaise Cendrars; as do surrealista Benjamin Péret; as exibições da cantora de jazz Josephine Baker e da lírica Elsie Houston. Todos eles foram recompor-se do ritmo frenético da vida social paulistana nas fazendas Santa Teresa do Alto (de propriedade do casal ícone do Modernismo), Santo Antônio (de D. Olívia Penteado), São Martinho (de Paulo Prado), pontos de encontro da moda e oportunidades para os estrangeiros conhecerem in locum a produção do "ouro negro". Da mesma forma que a elite política e social, os principais jornais da cidade, de forma generosa, deram guarida aos primeiros textos irreverentes dos nossos modernistas anunciadores de mudanças na arte e por tabela nos hábitos da então pacata cidade. Merecem destaque a acolhida e a contribuição dos redatores do Correio Paulistano (órgão do Partido Republicano Paulista) do Jornal do Comércio e de A Gazeta. O Estado de S. Paulo, de modo 11 discreto, não deixou de acompanhar “os futurismos de atividade”, como se referiam os modernistas a respeito das transformações da paisagem trazidas pela indústria e pela nova arte. 12