Responsabilidade Médica XVIII Curso Pós-Graduado de Actualização Urgências Hospitalares Faculdade de Medicina de Lisboa Paulo Sancho Advogado Lisboa, 22 de Janeiro de 2007 A Responsabilidade pela Prática de Actos Médicos A RESPONSABILIDADE CIVIL A RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR A RESPONSABILIDADE PENAL Responsabilidade Penal (Singular) Responsabilidade Disciplinar (Singular) Responsabilidade Civil (Estado / Pessoa Colectiva / Pessoa singular) A obrigação dos médicos A prestação de cuidados médicos é uma obrigação de meios, que tem de ser feita de forma conscienciosa, atenta e conforme aos dados actuais da ciência médica. O médico não pode garantir a cura e, portanto, um resultado. A medicina não é uma ciência exacta. Negligência Médica Não há definição legal de negligência médica. Mas podemos dizer que: é uma acção ou omissão imputável a um médico, que viole deveres de cuidado ou diligência que segundo as circunstâncias concretas lhe são exigíveis em razão dos conhecimentos e capacidades próprias das suas qualificações e que, portanto, está obrigado a prever, na realização ou na omissão do acto, um resultado danoso ou que, prevendo-o, confie na sua não verificação. Negligência Médica A violação dos deveres de cuidado e diligência pode-se consubstanciar no desrespeito pelas regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração para um suposto médico médio. A negligência pode consistir na falta de precauções exigidas pela prudência, ou das aconselhadas pela previsão mais elementar de determinada especialidade, ou numa conduta de manifesta irreflexão ou ligeireza. A Responsabilidade pela Prática de Actos Médicos por Internos Normas Legais Internato Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto Portaria n.º 183/2006, de 22 de Fevereiro DIPLOMA DOS INTERNATOS Art. 2.º do DL 203/2004 1 - Após a licenciatura em Medicina, inicia-se o internato médico, que corresponde a um processo único de formação médica especializada, teórica e prática, tendo como objectivo habilitar o médico ao exercício tecnicamente diferenciado na respectiva área profissional de especialização. 2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o exercício autónomo da medicina é reconhecido a partir de dois anos de formação. REGULAMENTO DO INTERNATO Portaria 183/2006 Artigo 2.º 2 - O exercício autónomo da medicina é reconhecido a partir de dois anos de formação de internato médico com aproveitamento, nos termos estabelecidos pela Ordem dos Médicos. REGULAMENTO DO INTERNATO Portaria 183/2006 A actividade dos médicos internos deve estar sob orientação directa e permanente dos orientadores de formação. (Artigo 4.º) REGULAMENTO DO INTERNATO Portaria 183/2006 Os médicos internos têm um orientador de formação no serviço de colocação oficial, a quem compete a orientação personalizada e permanente da formação e a sua integração nas equipas de trabalho das actividades assistenciais, de investigação e ensino, de acordo com os programas de formação. (Artigo 15.º) REGULAMENTO DO INTERNATO Portaria 183/2006 Nos estágios que decorram em serviços diferentes do de colocação oficial, os médicos internos têm, nesses serviços, um responsável de estágio a quem compete, articulando-se com o orientador de formação, exercer as funções a este cometidas durante o decurso desses estágios. (Artigo 15.º) Casos Práticos Caso 1: Actos cometidos durante o internato geral, com efectiva tutela; Caso 2: Actos cometidos durante o internato geral, sem efectiva tutela. Caso 1 Um doente dá entrada no Serviço de Urgência, referenciado pelo Centro de Saúde por queda na via pública; Foi recebido por A, interno do geral, e por B, colega do internato complementar de cirurgia geral; Fez-se o diagnóstico; Só manifestava dor discreta à palpação do epigastro. O A. requisitou exames complementares de diagnóstico, para verificar a existência de lesões resultantes da queda; Não foram detectados quaisquer sinais de lesões que implicassem cuidados especiais; A ficha clínica escrita por A. não revela a totalidade dos exames pedidos ou o diagnóstico efectuado; B. assinou a alta, com recomendações específicas e prescrição medicamentosa; No dia seguinte, o doente voltou ao Hospital, com sintomatologia agravada, mas autónomo; Foi observado por C., médico especialista, que requisitou os mesmos exames que haviam sido pedidos por A. Após a realização dos exames e de um episódio mais grave, foi submetido a uma intervenção, tendo sido detectada uma peritonite generalizada; O doente veio a falecer; A família do doente reclamou e participou tanto de A. como de B. ao Ministério Publico e à IGS; Foram objecto de um inquérito criminal, suspeitos de homicídio por negligência e de processo disciplinar (IGS); Foram constituídos arguidos em ambos os casos; O MP arquivou o processo quanto a A. – interno do geral - , com fundamento na circunstância deste ter obtido a confirmação de todos os seus actos por médico autónomo, atenta a sua falta de autonomia técnica. Relevou, ainda, o facto de ter sido o interno do complementar quem, na sequência da verificação feita, decidiu dar a alta. O MP opinou, no entanto, no sentido de haver responsabilidade disciplinar por parte do interno do geral. O processo crime continua em relação a B., colega do internato complementar e os processos disciplinares ainda estão pendentes na IGS contra ambos. Caso 2 Doente deu entrada numa Urgência Hospitalar, com queixas de cefaleias, febre e alguma confusão mental; Não tinha náuseas, vómitos ou outras queixas; O doente foi recebido por D., médico do internato geral, escalado para a urgência; D., em face dos sintomas apresentados, averiguou o estado de consciência, orientação no tempo e no espaço, memória recente e passada, reconhecimento de objectos, leitura de palavras e números; Não identificou qualquer alteração; Doente sem febre e estável; Auscultação cardio-pulmonar, exame de abdómen e membros sem alterações; D. discutiu o caso clínico com um colega mais graduado da sua equipa e com o chefe de equipa; Na sequência desta discussão decidiu pedir mais exames e a observação pela Neurologia; D. deu alta ao doente, com indicação de vigilância do quadro clínico e de recorrer à Urgência em caso de persistência ou agravamento dos sintomas; ficou referenciado ao médico assistente para posterior avaliação clínica; 48 horas depois, o doente regressa à Urgência; Fica internado no serviço de infectocontagiosas e morre uns dias depois, vítima de sepsis sem ponto de partida identificado; A família do doente apresentou queixa contra D. na OM, na IGS e no DIAP; Todos os processos estão pendentes. Diferenças /Semelhanças No 1.º Caso o interno do geral não teve o cuidado de documentar a sua actuação através do preenchimento da ficha clínica do doente. Parte da sua actuação apenas se conhece pelas requisições e posteriores resultados dos exames feitos ao doente. No 2.º Caso o interno do geral registou na ficha clínica todos os seus actos e observações. Diferenças /Semelhanças No 1.º Caso o interno teve o cuidado de obter a confirmação dos seus actos por médico autónomo, que assumiu a responsabilidade pelo doente, dando-lhe alta. No 2.º Caso o interno do geral teve o cuidado de discutir a situação com colegas autónomos, chamou a intervir um especialista mas, a final, decidiu dar alta ao doente. Consequências No 1.º Caso o interno conseguiu, liminarmente e sem discussão ou demonstração da qualidade dos actos que praticou ou omitiu, que fosse excluída a sua responsabilidade, em sede criminal. O que se ficou a dever a terem sido respeitados os limites da sua competência e capacidade. Consequências No 2.º Caso o interno do geral terá de demonstrar em Tribunal a correcção da sua actuação, sob o ponto de vista técnicomédico, pois tendo extravasado os limites da sua capacidade e competência ao dar a alta, assumiu a responsabilidade total pelo destino do doente. Por isso, o interno tem uma acusação de homicídio por negligência. Consequências a nível civil No 1.º caso, o interno tutelado não será chamado a pagar qualquer indemnização, porque a responsabilidade é do ente público a que o interno esteja vinculado ( art.º 2.º do DL 48051, de 21.11.1967). No 2.º caso o interno tutelado é directa e imediatamente responsável civilmente, pois considera-se que excedeu os limites das suas funções (art.º 3.º do DL 48051, de 21.11.1967). Poderá, assim, ser condenado ao pagamento de uma indemnização. Recomendações Medidas Preventivas Medidas Preventivas Elaborar de forma completa as fichas e os processos clínicos; Diagnosticar cuidadosamente; Se estiver em regime de medicina tutelada, o médico interno deverá abster-se de fazer diagnósticos definitivos e de praticar actos que lhe estão vedados: v.g. dar alta a doentes; Manter-se no âmbito das suas competências; Medidas Preventivas Manter a comunicação com o doente e a família; Ter em atenção a necessidade de esclarecer o doente e pedir a sua autorização para a prática de actos (consentimento informado); Manter-se actualizado sobre o que se passa no seu Centro de Saúde ou Hospital; Reclamar, por escrito, sobre todas as falhas institucionais antes dos acidentes ocorrerem (v.g. internos tutelados escalados para urgência sem a presença do orientador ou responsável que o substitua). E se a prevenção falhar? Cuidados a ter em caso de acidente Cuidados Documentar: fazer de imediato um memorando técnico e factual cronologicamente organizado, com elementos escritos e nomes de pessoas que presenciaram as ocorrências; Providenciar reuniões com colegas, nomeadamente mais graduados, onde seja discutido o assunto; Cuidados Não prestar declarações escritas ou verbais que não sejam estritamente devidas; Não prestar declarações aos media sobre matéria sujeita a sigilo profissional; Ter o máximo cuidado nos documentos / relatórios a emitir quer ao doente quer à instituição; Cuidados Nunca corrigir uma história clínica. Se contactado pelo Tribunal, Polícia ou IGS: Não prestar declarações de memória sem estar aconselhado e documentado; Confinar-se aos factos e manter a sua interpretação sobre os mesmos; Não assinar quaisquer documentos ou registo de declarações que não correspondam exactamente àquilo que pretendia dizer; Pedir, se necessário, parecer técnico à Ordem dos Médicos (Colégios ou CNETM). Conclusões Agir sempre com cuidado e diligência, o que se consubstancia no cumprimento das regras de ordem técnica e prudência comum Agir reflectida e ponderadamente, sem extravasar os limites das suas funções Responsabilidade Médica XVIII Curso Pós-Graduado de Actualização Urgências Hospitalares Faculdade de Medicina de Lisboa Paulo Sancho Advogado Lisboa, 22 de Janeiro de 2007