UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Jaqueline Greice Perez Nogueira UMA ANÁLISE DO DESIGN DE ISSEY MIYAKE SOB O VIÉS DA MODELAGEM UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Jaqueline Greice Perez Nogueira UMA ANÁLISE DO DESIGN DE ISSEY MIYAKE SOB O VIÉS DA MODELAGEM DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU SÃO PAULO Janeiro / 2013 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Jaqueline Greice Perez Nogueira UMA ANÁLISE DO DESIGN DE ISSEY MIYAKE SOB O VIÉS DA MODELAGEM DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design Área de Concentração: Design, Arte e Tecnologia Orientadora: Profa. Dra. Agda Regina de Carvalho SÃO PAULO Janeiro / 2013 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização do autor. JAQUELINE GREICE PEREZ NOGUEIRA Graduada em Negócios da Moda com habilitação em Design de Moda pela Universidade Anhembi Morumbi N712a Nogueira, Jaqueline Greice Perez Uma análise do design de Issey Miyake sob o viés da modelagem / Jaqueline Greice Perez Nogueira. – 2013. 118 f.: il.; 30 cm. Orientador: Profª Drª. Agda Regina de Carvalho. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 109-113. 1. Design. 2. Design de moda. 3. Modelagem. 4. Moda. 5. Corpo. I. Título. CDD 741.6 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Jaqueline Greice Perez Nogueira UMA ANÁLISE DO DESIGN DE ISSEY MIYAKE SOB O VIÉS DA MODELAGEM Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design Área de Concentração: Design, Arte e Tecnologia Orientadora: Profa. Dra. Agda Regina de Carvalho Profa Dr.a Agda Regina de Carvalho Orientadora e Presidente da Banca Universidade Anhembi Morumbi Profa Dr.a Luisa Angélica Paraguai Donati Examinadora Interna Universidade Anhembi Morumbi Profa Dr.a Mirtes Cristina Marins de Oliveira Examinadora Interna Universidade Anhembi Morumbi Profa Dr.a Suzana Helena de Avelar Gomes Examinadora Externa Universidade de São Paulo – USP SÃO PAULO Janeiro / 2013 Dedico esta obra à minha sobrinha mais que especial, Ana Carolina Nogueira Gouveia. Agradecimentos Foram dois anos de muito esforço, dedicação e aprendizado. Em sinceras palavras, venho descrever meus agradecimentos a todos que participaram e foram fundamentais para essa conquista. Em primeiro lugar, sou eternamente grata ao meu Deus. Obrigada pela força, coragem, proteção, paciência e, principalmente, pela sabedoria para discernir caminhos a seguir durante o intenso percurso. Sem Suas bênçãos, nada seria possível. À família que, sempre carinhosa, esteve ao meu lado com apoio e incentivo. Aos meus lindos, amigos e amados pais Milton e Tita, sou profundamente grata pelo amor incondicional, pelas conversas, conselhos, carinho, suporte, paciência; sem contar os esforços e sacrifícios das longas viagens semanais para que eu pudesse conciliar trabalho e estudos. Às minhas maravilhosas irmãs e amigas Jóice, Jesana e, em especial, à Talita, minha eterna Táta. Com muita paciência, ela se dispôs a me orientar no pré-projeto, ainda na fase do processo seletivo – seu incentivo e dedicação foram fundamentais para realização desse trabalho. Aos meus sobrinhos Carol, Nanda e Davi, que tornaram mais alegres e doces os meus amargos e angustiados dias. Às minhas tias Marly e, principalmente, Meire, sou grata pela compreensão dos meus esforços, pelo apoio, incentivo e, claro, pela companhia a Guimarães, em Portugal. Com certeza, você, Meire, tornou minha viagem muito mais divertida, tranquila e especial. Às minhas orientadoras, Profa Dr.a Agda Carvalho e Profa Dr.a Kathia Castilho. Durante o percurso, tive o privilégio de conhecer e conviver com duas maravilhosas e excelentes profissionais. Agradeço pelo carinho de mãe que vocês tiveram comigo e por terem me acolhido tão pacientemente. À Profa Dr.a Agda, sou grata pela dedicação que a fez, por muitas vezes, deixar de lado seus momentos de descanso para me ajudar com orientações. Obrigada por sempre ter depositado sua confiança em mim. Sem a sua sábia orientação, confiança, apoio e amizade, não seria possível a concretização desta pesquisa. Agradeço também à Profa Dr.a Luisa Paraguai e Profa Dr.a Mirtes Oliveira, membros da banca de qualificação e defesa do mestrado, que incrivelmente aconselharam e sugeriram caminhos relevantes, que contribuíram de modo eficaz para este resultado. À Elidia Novaes, que foi uma mãe, uma irmã, uma amiga, um anjinho que suportou de maneira tranquila meus momentos de crise e desespero, de choro, respondendo a meus pedidos de socorro e transmitindo-me calma e a certeza de que tudo ia dar certo. Agradeço também à querida assistente Antônia e ao querido coordenador Prof. Dr. Jofre, muito carinhosos, atenciosos e pacientes, que estiveram aprontos a ajudar-me sempre que preciso. Aos meus novos e divertidos amigos do mestrado, em especial – Andrea Souza, Augusto Gottsfritz, Raquel Maia, Roberto Sorima, Yanai Mendes, Paula Rodrigues e Dora. Vocês com certeza tornaram essa jornada mais leve. Sou grata pela amizade, pelas conversas, pelos conselhos, pela troca de risos e choros. Aos amigos, peço-lhes desculpa pela minha ausência, e ao mesmo tempo, agradeço pela compreensão, apoio e ajuda para que eu não desistisse e prosseguisse até o fim. E por fim, o agradecimento aos meus alunos da graduação, por quem tenho um enorme carinho. Vocês fazem parte dessa conquista. Obrigada, Jaq “O design é para todos” – Issey Miyake “Modelar é a gramática do design de moda. Sem o domínio da modelagem o traçado se torna em vão, o desenho de moda, um rabisco. A modelagem é como a estrutura de uma edificação. Resguarda em suas linhas o espaço e conforto para o corpo que nele habitará. É a inteligência do desenhar, a sabedoria do fazer” – Jum Nakao Resumo Esta pesquisa se propõe discutir a relevância da modelagem no design de moda, onde, através do conhecimento e domínio da técnica, além da experimentação dos processos construtivos, elaboram-se peças com estruturas inovadoras, permitindo o uso por distintos e diferentes corpos, e abrindo possibilidades de utilização da roupa nas várias espacialidades, numa vivência de constante transformação. Para tanto, vale analisar algumas criações de Issey Miyake. Pela experimentação e peculiaridade da modelagem nas criações deste designer, cujo trabalho é reconhecido desde os anos 70, criam-se soluções construtivas inovadoras. É fato que, em ritmo acelerado, aquela década impôs grandes e profundas transformações – novos comportamentos e atitudes reformularam os conceitos e propósitos do design. E essa revolução conceitual refletiu-se nos trabalhos do designer japonês Miyake. Os projetos contemporâneos selecionados para esta análise: Pleats Please, A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE – expressam as modelagens que propõem ao corpo e à roupa trabalharem e ocuparem o espaço como lugar de experimentação. Palavras-chave: Design. Modelagem. Moda. Corpo. Abstract This research aims to discuss the importance of modeling in fashion design, where, through knowledge and mastery of this technique, and through experimentation of constructive processes, pieces are elaborated with innovative structures, allowing their use by distinct and different bodies, besides opening possibilities for them in various spatialities, in constant change. Therefore, it is worth examining some of Issey Miyake’s creations. By experimentation and peculiarity in modeling, his work has been acknowledged since the 70s, creating innovative construction solutions. It is a fact that fast-paced, that decade has imposed major and deep changes – new behaviors and attitudes have reshaped the concepts and purposes of design. And this conceptual revolution has reflected in the work of Japanese designer Miyake. The contemporary projects selected for this analysis: Pleats Please, A-POC and 132 5 ISSEY MIYAKE – express the modeling that proposes body and clothing to work and occupy the space as a place of experimentation. Keywords: Design. Modeling. Fashion. Body. Lista de Ilustrações Figura 1 - Corpete de ferro - peça de vestuário feminino do século XVIII.......................................27 Figura 2 - Caixa torácica – natural e deformada, demonstrando os danos do espartilho...........27 Figura 3 - Camisola, circa 1760-1780......................................................................................................28 Figura 4 - Modelagem – construção técnica – do corpete da camisola ilustrada na Figura 3....28 Figura 5 - Vestido à francesa, 1775. Saias com estruturas rígidas.......................................................29 Figura 6 - Vestido de rua, 1860. Saias com estruturas rígidas..............................................................30 Figura 7 - Estrutura rígida, de ferro. Armação da saia da Figura 6, da década de 1860...............30 Figura 8 - Vestido à inglesa. Saias com estruturas rígidas....................................................................30 Figura 9 - Estrutura rígida, de ferro. Armação da saia da Figura 8.....................................................30 Figura 10 - Vestido para recepção, de Charles Frederick Worth, 1892.............................................31 Figura 11 - Vestido para noite, de Charles Frederick Worth, 1894......................................................31 Figura 12 - Vestidos de Poiret, anos 10....................................................................................................32 Figura 13 - Vestido para noite, de Madeleine Vionnet (1922)............................................................33 Figura 14 - Vestido para noite, de Madeleine Vionnet (1929)............................................................33 Figura 15 - Vestidos dos anos 30..............................................................................................................34 Figura 16 - New Look de Christian Dior, 1947.........................................................................................34 Figura 17 - Vestido para noite, Christian Dior, 1956...............................................................................35 Figura 18 - Vestido de festa, de Cristóbal Balenciaga, 1955...............................................................35 Figura 19 - Vestido de André Courrèges, 1967......................................................................................36 Figura 20 - Casaco superdimensionado de Issey Miyake – Primavera-Verão 1976..........................38 Figura 21 - Casaco e saia, amplos e sobrepostos, de Issey Miyake – Primavera-Verão 1984.......38 Figura 22 - Peças superdimensionadas e sobrepostas de Miyake, 1982................................................38 Figura 23 - Vestido amplo de Issey Miyake, 1985......................................................................................38 Figura 24 - Homem Vitruviano - reconstrução das proporções humanas. Por Leonardo da Vinci (14871490)...........................................................................................................................................41 Figura 25 - Construção da Modelagem com instrumentos tradicionais................................................44 Figura 26 - Tomada de Medidas da circunferência do corpo...............................................................45 Figura 27 - Tomada de Medidas do comprimento do corpo.................................................................45 Figura 28 - Linhas correspondentes do corpo e base de blusa..............................................................46 Figura 29 - Diagrama da base de saia – Frente e Costas........................................................................47 Figura 30 - Diagrama da base de calça – Frente e Costas.....................................................................47 Figura 31 - Diagrama da base de manga................................................................................................47 Figura 32 - Diagrama da base de gola.....................................................................................................47 Figura 33 - Construção de uma saia assimétrica a partir da base de saia............................................49 Figura 34 - Vestido de forma geométrica, no caso, circular...................................................................49 Figura 35 - Vestido Circular – Pleats Please...............................................................................................49 Figura 36 - Vestido Construído sobre formas geométricas quadradas..................................................49 Figura 37 - Modelagem Geométrica – circular, configurada a partir da base do corpo....................50 Figura 38 - Modelagem geométrica- circular – configurada por meio da ocupação do corpo no espaço...............................................................................................................................50 Figura 39 - Peça geométrica, circular.......................................................................................................50 Figura 40 - Uma das possibilidades de uso da peça circular..................................................................50 Figura 41 - Construção do vestuário por meios técnicos da modelagem tridimensional....................51 Figura 42 - Peças desenvolvidas por meio da experimentação da modelagem tridimensional ......52 Figura 43 - Estruturas desconstrutivas, minimalistas e assimétricas, de Miyake, 1984............................53 Figura 44 - Estrutura minimalista de Miyake. 1985..................................................................................53 Figura 45 - Desconstrutiva forma de Miyake.........................................................................................53 Figura 46 - Transformação das formas bidimensionais em peças tridimensionais..........................54 Figura 47 - Posicionamento de Fios no tecido. Fio Reto. Fio Atravessado. Fio Viés.........................55 Figura 48 - A-POC – Primavera-Verão 1999...........................................................................................56 Figura 49 - Macacão de Issey Miyake, 1983.........................................................................................60 Figura 50 - Roupa assimétrica de Issey Miyake, 1984...........................................................................62 Figura 51 - Vestido de Miyake, 1984........................................................................................................62 Figura 52 - Bailarino vestido de Pleats Please........................................................................................66 Figura 53 - Elementos do Ballet de Frankfurt posam com peças Pleats Please, 1996.....................66 Figura 54 - Possibilidades de movimentações que Pleats Please permite ao corpo......................66 Figura 55 - Possibilidades de movimentações que Pleats Please permite ao corpo......................66 Figura 56 - Pleats Please em uso nas diferentes etnias.........................................................................68 Figura 57 - Pleats Please em uso nas diferentes etnias........................................................................68 Figura 58 - Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia...................................................68 Figura 59 - Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia...................................................68 Figura 60 - Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia...................................................69 Figura 61 - Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia...................................................69 Figura 62 - Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Quênia..............................................70 Figura 63 - Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – China.................................................70 Figura 64 - Conceitos da A-POC – formas demarcadas no tecido a fim de compor a roupa.....72 Figura 65 - Permutações possíveis a partir de um único pedaço de tecido....................................72 Figura 66 - Infinitas peças se configuram a partir de um único pedaço de tecido – A-POC.......72 Figura 67 - Dobraduras bidimensionais que transformam em peças tridimensionais do vestuário ...73 Figura 68 - Origami - Dobraduras em papel..........................................................................................74 Figura 69 - Vestido geométrico Pleats Please de Miyake....................................................................77 Figura 70 - Vestido geométrico Pleats Please de Miyake, 1990..........................................................77 Figura 71 - Vestido geométrico Pleats Please de Miyake, 1991..........................................................77 Figura 72 - Modelagem da regata desenvolvida a partir do diagrama da base de blusa..........78 Figura 73 - Distribuição da largura das pences no molde da regata...............................................78 Figura 74 - Modelagem da Regata – Largura e profundidade das pences...................................79 Figura 75 - Corte no tecido. Modelagem com medidas amplas do corpo....................................80 Figura 76 - Costura da peça ampla........................................................................................................80 Figura 77 - Preparação da peça costurada para o plissado..............................................................80 Figura 78 - Etapas do Plissado..................................................................................................................80 Figura 79 - Regata plissada......................................................................................................................81 Figura 80 - Peça ampla. Modelagem ampla, antes do processo de redução do plissado.........81 Figura 81 - Vestido Geométrico – estrutura retangular de Miyake, 1990..........................................82 Figura 82 - Vestido geométrico – retangular – em uso. Miyake, 1990................................................82 Figura 83 - Vestido - Estrutura geométrica de Miyake, 1990...............................................................83 Figura 84 - Vestido geométrico da figura 83, em uso...........................................................................83 Figura 85 - Vestido - Estrutura geométrica de Miyake, 1991...............................................................83 Figura 86 - Vestido geométrico da figura 85, em uso...........................................................................83 Figura 87 - Vestido - Estrutura geométrica – círculo - de Miyake, 1991.............................................84 Figura 88 - Vestido geométrico da figura 87, em uso..........................................................................84 Figura 89 - Loja da A-POC em Aoyama. O Computador descreve como as peças da A-POC são produzidas................................................................................................................................87 Figura 90 - Execução da roupa A-POC..................................................................................................87 Figura 91 - Experimentações para configuração da roupa A-POC..................................................88 Figura 92 - Exemplificação das linhas pontilhadas para o corte de determinada forma A-POC...88 Figura 93 - Composição das partes demarcadas, resultantes em uma peça do vestuário, a saia..90 Figura 94 - Modelagem para o projeto A-POC.....................................................................................90 Figura 95 - Diagrama da base blusa – Frente e Costas.......................................................................91 Figura 96 - Base de Blusa confeccionada, de Martin Margiela..........................................................91 Figura 97 - Construção da Modelagem A-POC a partir do diagrama da base de blusa - Frente...92 Figura 98 - Construção da Modelagem A-POC a partir do diagrama da base de blusa - Costas..92 Figura 99 - Construção da Modelagem A-POC a partir das linhas proeminentes do corpo........92 Figura 100 - Modelagem transposta para o tecido por meios tecnológicos – A-POC...................93 Figura 101 - Modelagem transposta para o tecido por meios tecnológicos – A-POC..................93 Figura 102 - Execução de uma blusa por meios técnicos A-POC......................................................94 Figura 103 - Execução em desfile de uma calça, por meios técnicos A-POC................................94 Figura 104 - Exposição A-POC - Metragens de tecidos, configuram-se em peças do vestuário..94 Figura 105 - Aplicação das dobraduras por meios digitais.................................................................96 Figura 106 - Modelo básico de dobraduras bidimensionais...............................................................96 Figura 107 - Modelo básico de dobraduras bidimensionais...............................................................96 Figura 108 - Modelo básico de dobraduras bidimensionais...............................................................97 Figura 109 - Modelo básico de dobraduras bidimensionais...............................................................97 Figura 110 - Modelo básico de dobraduras bidimensionais...............................................................97 Figura 111 - Modelo básico de dobraduras bidimensionais...............................................................97 Figura 112 - Calça geométrica (origami). Dobrada, ainda em forma bidimensional....................98 Figura 113 - Calça geométrica (origami), da figura 112, em uso. Desdobradas, em formas tridimensionais........................................................................................................................98 Figura 114 - Processo de transformação: dobraduras bidimensionais em peças tridimensionais do vestuário..................................................................................................................................99 Figura 115 - Medidas do corpo para execução de modelos tubulares...........................................99 Figura 116 - Vestido geométrico, no caso, quadrado. Ainda em forma bidimensional..............100 Figura 117 - Vestido geométrico, no caso, quadrado. Desdobrado, em forma tridimensional......100 Figura 118 - Tabela de medidas antropométricas padronizadas....................................................101 Figura 119 - Exemplo da aplicação das medidas do corpo para um quadrado bidimensional...101 Figura 120 - Linhas proeminentes do corpo.........................................................................................101 Figura 121 - Vestido geométrico (origami), no caso, quadrado. Dobrado, ainda em forma bidimensional.......................................................................................................................102 Figura 122 - Vestido geométrico (origami) da figura 121, em uso. Desdobrado, em forma tridimensional.......................................................................................................................102 Figura 123 - Imagem de Capa..............................................................................................................115 Figura 124 - Imagem da retranca do capítulo 01...............................................................................116 Figura 125 - Imagem da retranca do capítulo 02...............................................................................117 Figura 126 - Imagem da retranca do capítulo 03...............................................................................118 Sumário INTRODUÇÃO .......................................................................21 1. DESIGN DE MODA E MODELAGEM ....................................................................25 1.1 O Design de Moda ...........................................................26 1.2 A Modelagem no Design de Moda .................................40 1.2.1 Conceitos e contextos .............................................40 1.2.2 Processos construtivos ..............................................44 2. O IMPACTO DO DESIGN DE ISSEY MIYAKE: O DESIGN DA MODELAGEM DELEITÁVEL............................58 2.1 Pleats Please ...............................................................65 2.2 A-POC (A Piece of Cloth) ...........................................70 2.3 132 5. ISSEY MIYAKE .....................................................73 3. CONTRIBUIÇÕES DE ISSEY MIYAKE: UM PARA TODOS, E... TODOS EM UM ................................75 3.1 Pleats Please .....................................................................76 3.2 A-POC (A Piece of Cloth) .................................................85 3.3 132 5. ISSEY MIYAKE ...........................................................95 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................105 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................109 ANEXOS ...........................................................................115 Introdução No design de moda, “a forma que se projeta é a do vestuário, que é fundamentalmente uma forma têxtil e delimita um espaço para conter o corpo”. (SOUZA, 2005, p. 340). Como atividade que requer método e planejamento, o processo do design resulta em produtos derivados de experimentações que vão sendo propostas ao longo de sua construção. A roupa inicialmente esboçada é compreendida, a matéria prima manipulada e explorada, e então executada. E finalmente se torna um produto com múltiplas possibilidades de interação com o corpo. [...] os responsáveis por fazer roupas eram inspirados pelo corpo e sua interação com os materiais para criar vestuários novos, funcionais e decorativos. Para que o vestuário seja eficaz e confortável, o estilista precisa ter conhecimento dessa estrutura móvel que é o corpo humano. (JONES, 2005, p. 78). Surge a necessidade de campos de conhecimento voltados à anatomia, ao repertório de movimentos do corpo, à locomoção, associados às possibilidades de contato com o espaço externo e o tecido. Pela via da experimentação, esse entendimento possibilita a reinvenção de formas aplicadas ao vestuário. No entanto, Sue Jenkyn Jones reflete que, com o movimento, “[...] são as formas subjacentes que determinarão como um tecido se ajusta e se move em harmonia ou em desacordo com o corpo” (ibid., p.78). Seguindo esse raciocínio, entende-se que o corpo é o suporte da vestimenta na construção do vestuário – é ele que dá forma à roupa e é ela que o acondiciona no espaço. A motivação para o presente trabalho e o convite à reflexão acerca do processo construtivo da modelagem que pesquisa as possibilidades da ação do corpo no espaço derivam da escassez de relatos, reflexões e discussões sobre o tema, principalmente buscando fornecer uma ferramenta pertinente para elaboração de peças de design criativas e inovadoras. Outra questão abordada diz respeito à padronização de medidas para uso universal e à possibilidade de simplificação de técnicas construtivas. Aqui, serão evidenciados aspectos da transformação do vestuário que vão beneficiar a relação da roupa com o corpo. Esta pesquisa mostra-se relevante, pois o estudo da modelagem vai além de estrutura, técnicas e métodos de construção. Abre uma discussão que permite analisar o corpo, tanto como suporte quanto participante, visto que a modelagem – processo que traz como resultado a roupa – permite infinitas possibilidades do corpo no espaço. Ademais, essa inter-relação corpo/espaço/roupa é necessária e fundamental para o desenvolvimento criativo, estético e funcional do produto de moda. Nota-se, de maneira fortemente ampliada, a exploração de tais abordagens pelo designer japonês Issey Miyake, o que torna imperioso o reconhecimento da sua atuação. Como metodologia da pesquisa para embasamento deste texto, recorreu-se ao levantamento de dados teóricos relacionados a definições e conceituações no que tange design, design de moda e modelagem. Também foram descritos e identificados os processos da modelagem aplicados na construção de vestuário, assim como sua participação relevante no design de moda. Foi feito levantamento complementar 21 do conhecimento teórico acerca das grandes mudanças no vestir e da flexibilidade proporcionada ao corpo. E realizadas pesquisas nos suportes vídeo e foto, em busca de formas radicais e distintas de uso, que provocassem sensações de liberdade, de movimentações. Ao reconhecer, identificar e analisar produtos e peças de moda nos trabalhos de Miyake, percebe-se a participação efetiva e revolucionária da modelagem no contexto de atuação do designer, dando forma a um procedimento de metodologia fundamental nesta pesquisa. Como exemplo e base para reflexão, com o objetivo essencial de reconhecer a relevância da modelagem no design de moda, assim como as contribuições de Issey Miyake para o processo construtivo, observaram-se soluções encontradas pelo designer de moda japonês que se inserem em alguns de seus projetos, entre aqueles com especial foco na elaboração das roupas por meio da experimentação da modelagem. Todos datam do período iniciado na década de 70, por ser o momento em que a produção de Miyake surge nas passarelas de Paris com apresentação de inovadoras formas e caráter geométrico, revolucionário e anárquico. A esse respeito, Jones (2005, p. 47) destaca o seguinte: [...], os estilistas de moda japoneses repentinamente surgiram nas passarelas internacionais. O efeito foi revolucionário. Eles advogam uma estética completamente diferente de tudo o que já tinha sido visto. [...]. Alguns críticos consideraram as criações de Issey Miyake [...] e Yohji Yamamoto horrendas, próprias de uma pedinte de rua, enquanto outros as cultuaram como “arte para vestir” e aplaudiram a aura conceitual e intelectual que essas roupas transmitiam. [...] tiveram seguidores leais e exerceram enorme influência na nova geração de estilistas. É interessante notar que, nesse período, quando surgem novos comportamentos, atitudes e desejos, o corpo torna-se o mais direto meio de expressão, como afirma Goldberg (2006). As configurações se aprimoram de maneira precisa e essas questões fundamentais têm sido absorvidas e refletidas nos projetos contemporâneos de Miyake, considerando que o vestir da roupa possibilita usos variáveis e mutantes, interfere nas infinitas movimentações do corpo e também garante vestibilidade a corpos de dimensões distintas. Projetos tão significativos, desenvolvidos para criar roupas universais com o propósito de melhor vestir foram selecionados para análise, visto que a base da filosofia proposta reside na elaboração e construção das roupas. Esse processo construtivo funciona como meio para demolir categorias e indicar novas direções na modelagem. Reforça-se a ideia de que, por meio da modelagem, as experimentações contribuem significativamente para a execução de inovadoras formas. Os projetos analisados nesta pesquisa foram: Pleats Please (1989), A-POC (1998) e 132 5 ISSEY MIYAKE (2010). Cabe ao designer a função integradora e abrangente de pensar o espaço e darlhe coerência, estabelecendo conexões fundamentadas nas reais necessidades do indivíduo, inserido nos contextos em que habita. Esse pensar torna-se realizável quando se estabelece uma analogia entre a concepção idealizada e sua materialidade (PIRES, 2008). Portanto, ao expressar a criação para conferir forma ao espaço, o designer pode 22 utilizar múltiplos meios como recursos para comunicar ideias e registrar experiências, desde o desenho bi ou tridimensional até a construção de modelos tridimensionais. O processo de experimentação, configuração de ideias e construção da roupa – denominado modelagem – é considerado a base do vestuário e do design de moda. Rosa (2009) define a modelagem plana como uma arte e técnica que recorre aos princípios da geometria para o traçado de diagramas, os quais resultarão em formas a envolver o corpo. Tal procedimento, que possibilita ao designer transformar algo plano (papel ou tecido) em volumétrico, utiliza-se de inúmeras ferramentas. Portanto, é crucial que o designer de moda aprecie e abranja as técnicas de criação de roupas tridimensionais a partir de um molde bidimensional, designando forma e caimento estético ao corpo em movimento. As propostas apresentadas por Miyake foram e são interpretadas como rupturas em regras e conceitos, indicativas de novas soluções formais e construtivas. Buscando trazer à luz essa contribuição, especificamente nas categorias Estrutura, Padronização de medidas e Simplificação dos métodos construtivos, o Capítulo 1 “Design de Moda e Modelagem” vai evidenciar conceitos e processos, e reconhecer a relevância da modelagem no design de moda, começando pela relação entre design, design de moda e modelagem. O primeiro subcapítulo discute a reorganização e a reformulação do conceito de design nos anos 70, o qual se estenderia e influenciaria a contemporaneidade, assim como o design de moda. O segundo subcapítulo questiona conceituação, relevância e processos construtivos da modelagem no design de moda, com a observância das regras para o entendimento da ruptura promovida pelos japoneses na década de 70 e sua contribuição para o mundo nos dias atuais. O segundo capítulo, “O Impacto do design de Issey Miyake”, discute o surpreendente design proposto em seu percurso desde os anos 70, enfocando especialmente os projetos Pleats Please, A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE, a fim de elaborar uma modelagem deleitável, afeita ao uso cotidiano, permitindo flexibilidade no vestir, na medida em que confere ao usuário a intervenção e apropriação da forma. O capítulo 3, “Contribuições de Issey Miyake – Um para todos e... todos em um”, aborda a técnica construtiva nos seus trabalhos, exemplificando soluções e destacando seu aporte para a modelagem no design de moda. Esse capítulo apresenta a modelagem como um dos caminhos de transformação de ideias e materiais têxteis em produtos de vestuário, permitindo a exploração do corpo no espaço com a aderência dos tecidos ou a criação de espaços, o que demanda conhecimento da espacialidade determinada pela estrutura anatômica e a mobilidade corporal. Aqui, também é discutido o aspecto investigativo e experimental da modelagem, na medida em que interfere na compreensão do corpo e dos materiais, abrindo possibilidades para a ação deste corpo, o que desencadeia os modos de uso. O capítulo se divide em três subcapítulos, respectivamente apresentando seus projetos em ordem cronológica: Pleats Please (1989), A-POC (1998) e 132 5 ISSEY MIYAKE (2010). A modelagem se apresenta como caminho para o processo de criação desse designer de moda que exemplifica, simplifica e embasa a discussão, ao ampliar as variáveis morfológicas do objeto, dando ao usuário liberdade na definição do produto 23 – com a possibilidade de intervir, reformular, reconstruir e adaptar o design, obtendo um vestir em diferentes corpos – das mais jovens às mais senhoras, das orientais às ocidentais, das magras às volumosas, das baixas às altas. Isso pode levar à criação de novas categorias de espaços, na medida em que apresenta revolucionárias transformações em padronizações, estruturas e funcionalidades. A participação da modelagem no processo criativo oferece possibilidades múltiplas de uso. Sendo assim, esta pesquisa considera a modelagem como processo que resulta em roupas arrojadas, com aspecto improvisado, sujeitas às ações inesperadas do corpo. A modelagem, entendida como fator relevante na elaboração e construção de uma roupa, será aqui exemplificada no processo adotado por Miyake – profissional capaz de obter peças conceituais, inovadoras e tecnológicas. 24 1. DESIGN DE MODA E MODELAGEM Para maior clareza quanto à importância da contribuição do designer Issey Miyake para a modelagem, torna-se necessário, primeiramente, compreender o que é a modelagem no design de moda. Para tanto, este capítulo vai abordar conceitos do design, além da reflexão acerca dos contextos e dos processos de modelagem para, então, evidenciar a elaboração das formas de um design que amplie possibilidades ao corpo, em projetos do designer estudado. 1.1 O Design de Moda – conceitos e contextos Segundo Cardoso (2004), a própria palavra design apresenta ambiguidade entre um aspecto concreto de configurar/formar/registrar e a subjetividade contida nas ações de projetar/atribuir/conceber – desde a significação do termo, pode-se observar quão complexo é o design. No entanto, vale pensar que sua história não deve ter como prioridade a transmissão de dogmas que restrinjam a atuação do designer; pelo contrário, favorece situações que ampliem seus horizontes. Observa-se nos contextos e nos processos do design que, de meados do século XVIII a fins do século XIX – com o surgimento do sistema de fábricas e as mudanças nos procedimentos, na organização e tecnologia produtiva, principalmente nos Estados Unidos e em boa parte da Europa –, houve um aumento nos bens de consumo, combinado com a queda em seu custo. Com as novas estratégias de organização industrial, pequenas oficinas foram sendo substituídas por grandes fábricas. Um dos aspectos dessa transição está no uso crescente de modelos ou projetos como base para a produção em série. Nesse contexto, estabeleceu-se uma separação entre os processos de concepção e execução, além da divisão de tarefas, destinada a acelerar o processo produtivo. É relevante destacar o percurso do projeto estabelecido com a contribuição de criadores das diversas áreas do design, que “dedicaram seus esforços à imensa tarefa de conformar a estrutura e a aparência dos artefatos, de modo que ficassem mais atraentes e eficientes” (CARDOSO, 2012, p.16). A mesma preocupação se desdobra no design de moda. Nessa proposição de design, percebe-se uma intenção dos criadores de reconfigurar o mundo, com a adequação dos objetos ao seu propósito. Por volta da década de 1930, o mote “a forma segue a função” (ibid.) se tornaria mais popular. Até então, “forma” e “função” eram vistas como os principais elementos de preocupação do designer. Nas palavras de Cardoso, “muitos artefatos do século XIX que funcionavam bem eram rejeitados pelos funcionalistas, por serem ornamentados” (ibid., p.29). Essa infundada ideia de que o ornamento se contrapõe à funcionalidade prevaleceu durante um bom tempo, até que surgisse o entendimento de que a aparência ou a configuração visual é capaz de expressar conceitos complexos, como sua adequação a um determinado propósito (ibid.). Algumas mudanças se evidenciaram a partir da década de 1970, período em que ganha destaque no contexto da moda a atuação do designer Issey Miyake, nascido no Japão em 1938. Na época, diversos criadores buscaram soluções nos aspectos formais, ocasionando uma reformulação que conviveria com a ruptura. No entanto, para que se compreendam as rupturas, precede a compreensão dos padrões em vigor e do contexto. 26 De séculos em séculos, reelabora-se a modelagem, principalmente no vestuário feminino. No século XVIII, os corpetes eram verdadeiras armaduras de ferro (Figura 1) que chegavam a causar deformações na estrutura óssea feminina, em razão do uso prolongado (Figura 2). Aos poucos, foram sendo substituídos por arcabouços menos rígidos, como barbatanas e entretelas, entre outras (Figuras 3 e 4). Figura 1 - Corpete de ferro. A peça de vestuário feminino (século XVIII) posicionava o corpo de modo ereto e imutável. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 15). Figura 2 - À esquerda: caixa torácica natural; à direita: caixa torácica deformada, demonstrando os danos do espartilho. Fonte: (FORTY, 2007, p. 236). 27 Figura 3 - Camisola 1, circa 1760-1780. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 127). Figura 4 – Modelagem (construção técnica do corpete da camisola da Figura 3). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 126). Houve, também, transformações consideráveis na parte inferior das vestimentas, a saber, as saias, onde as armações em ferro – as chamadas crinolinas – foram apresentando mudanças estruturais no comprimento e volume, como mostram as Figuras a seguir. A Figura 5 traz um vestido do século XVIII, mais precisamente o ano de 1775. Além de um corpete bem justo ao corpo, há uma saia com ancas nas laterais do quadril, a fim de proporcionar volume. Para tal forma, a modelagem exige uma estrutura rígida de armações de ferro, as quais impossibilitam ao corpo liberdade de movimento no espaço. Segundo Castilho, “a arquitetura dos castelos e o mobiliário tinham que ser modificados para que as mulheres com tais vestimentas pudessem ocupar e se locomover nesse espaço” (2004, p.122). E Braga comenta “que ao sentarem num banco de jardim, ocupavam-no praticamente todo” (2004, p.55). Nesse sentido, observa-se uma modelagem distante de ser agradável ao cotidiano, chegando a determinar o alargamento de portas de edifícios e poltronas para adaptação ao vestuário feminino, num ambiente onde a relação entre corpo, espaço e vestuário sustenta-se fortemente pelas relações sociais e culturais. 1 A preocupação com o afunilamento da silhueta era tão obsessiva que a estrutura rígida fazia parte da composição, até mesmo dos trajes de dormir. 28 Figura 5 - Vestido à francesa, 1775. Saias com estruturas rígidas. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 68). A Figura 6 destaca os volumes transpostos das laterais do quadril para a parte traseira. Em aspectos formais, pouco se altera, visto que a estrutura de ferro ainda está presente na composição do vestuário e o corpo permanece inflexível pela limitação de movimentações imposta pela armação. A Figura 7 demonstra a rígida e ereta construção de uma saia, contida na armação de ferro. 29 Figura 6 – Vestido de rua, 1860. Saias com estruturas rígidas. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 232). Figura 7 – Estrutura rígida, de ferro. Armação da saia da Figura 6, 1860. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 275). Ainda no século XVIII, com o mesmo propósito de dar volumes às saias, surgia um novo tipo de armação (Figura 8) – a estrutura de ferro se estreita na barra, concentrando volume traseiro, especificamente na altura do quadril, e salientando uma parte sensual do corpo feminino – as nádegas. Em aspectos construtivos, a modelagem desse vestuário também exige o ferro na composição do suporte, o que dificulta a amplitude de movimentação do corpo. Na Figura 9, vê-se a armação na construção da saia demonstrada na Figura 8. Figura 8 – Vestido à inglesa. Saias com estruturas rígidas. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 97). 30 Figura 9 – Estrutura rígida, de ferro. Armação da saia Figura 8 Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 274). Nas Figuras 10 e 11, observam-se vestidos do século XIX. Na modelagem das saias, os volumes exagerados minguam a ponto de extinguirem as armações de ferro; é quando aumenta o volume dos tecidos e afunila-se a cintura no corpete. Figura 10 – Vestido para recepção, de Charles Frederick Worth, 1892. Saias sem armações de ferro, porém volumosas. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 292). Figura 11 - Vestido para noite, de Charles Frederick Worth, 1894. Saias sem armações de ferro, porém volumosas. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo I, p. 294). Até aqui, foi observada a vestimenta dos séculos XVIII e XIX. Segundo Nery (2009), o vestir permaneceu inalterado por muito tempo, com poucas transformações estruturais. Observam-se os crescentes volumes dos tecidos e as cinturas cada vez mais marcadas, ambos firmemente inseridos na construção, em roupas que provocam movimentações e articulações limitadas do corpo. No século XX, segundo Moutinho e Valença (2000, p. 10), “a moda se democratiza”. Com as transformações inerentes à industrialização, ocorre a quebra de padrões de comportamento, o que dará outros significados ao design de moda. Sendo assim, “os espartilhos são abolidos, as saias encurtam-se, surgem malhas, a indústria têxtil se adapta às fibras sintéticas [...]” (ibid.). Devido às inúmeras novidades, cabe analisar o século XX demarcando períodos, visto que as transformações caracterizam décadas. Nos anos 10, houve uma mudança fundamental nas roupas femininas: [...] os corpetes rígidos e saias em forma de sino foram abandonados em favor de drapeados suaves. As saias ficaram estreitas na barra e, em 1910, mais ainda, tendo como resultado a saia afunilada, que impedia a mulher de dar passos maiores que cinco ou oito centímetros (LAVER, 1989, p. 224). 31 Observam-se na Figura 12 algumas dessas características: os drapeados que substituem saias volumosas e rodadas, além dos incômodos corpetes. A modelagem passa a abrir algumas possibilidades às articulações do corpo, visto que o drapeado permite aderência e/ou afastamento do tecido em relação ao corpo, além da diminuição do peso. Figura 12 – Vestidos de Poiret, anos 10. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 345). 32 [...] ainda na década 10, [...] a moda retoma seu ritmo, “a saia ampla que atravessara a guerra foi substituída pela linha ‘barril’.” O efeito era completamente tubular. As saias ainda eram compridas, mas houve uma tentativa de confinar o corpo em um cilindro. O busto era de menino, e as mulheres começaram até a usar ‘achatadores’, a fim de se adaptarem à moda. [...] (ibid., p.230). Mesmo que a década de 10 apresente indícios de androginia, é nos anos 20 que essa tendência atinge seu apogeu. Um novo tipo de mulher passara a existir: “Todas as curvas – o atributo feminino admirado por tanto tempo – foram completamente abandonadas” (ibid., p. 232). Em meados da década de 20, veio a revolução das saias curtas e, no final do período, mais precisamente em 1929, devido a acontecimentos políticos e econômicos, como a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e a consequente crise econômica que se alastrou pelo mundo, o prestígio e o domínio da alta-costura parisiense sofreram forte abalo (MOUTINHO; VALENÇA, 2000). Nas Figuras 13 e 14, observam-se vestidos de caráter andrógino, datados dos anos 20, com modelagem reta e ausência de pences que permitissem acentuar as curvas do corpo – detalhe concentrado na cintura e no quadril, admitindo o afastamento do tecido no corpo e criando espaços. Figura 13 – Vestido para noite, de Madeleine Vionnet (1922). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 402). Figura 14 – Vestido para noite, de Madeleine Vionnet (1929). Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 458). 33 Com a chegada dos anos 30, a moda feminina abandona o visual andrógino, característico da década anterior, com formas distanciadas das curvas e com uma modelagem que oferecia possibilidades de movimentação do corpo, substituindo-o por roupas mais esculpidas, acentuando os contornos e a sensualidade feminina. Após anos de achatamento dos seios, os corpetes foram substituídos por sutiãs, e as cinturas demarcadas por espartilhos com leves amarrações, conforme Mendes e Haye (2009, pp. 87-88). Para Laver (1989), a ênfase mudou das pernas para as costas, desnudadas até a cintura. De fato, muitos vestidos parecem ter sido criados para ser vistos por trás. Observase também o ajustamento das saias na altura dos quadris, como que para revelar – talvez pela primeira vez na história – a forma das nádegas. A modelagem dos criadores apresenta um design conectado com o contexto. Na Figura 15, observa-se um design de caráter ocidental, característico dos anos 30, demonstrando profundos decotes nas costas, além das silhuetas demarcadas e enfatizadas. Essa modelagem, embora utilizada em tecidos leves e finos como o cetim, apropria-se de um caráter não muito convencional aos aspectos formais, pois pouco ou quase nada se cria de espaços entre a roupa e a estrutura corpórea que proporcionassem praticidade e possibilidades às movimentações do corpo. Figura 15 – Vestidos dos anos 30. Fonte: <http://donajosefinaboutique.blogspot. com/2011/08/anos-30.html>. 34 Figura 16 – New Look de Christian Dior, 1947. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 506). Segundo Mendes e Haye (2009, p. 101), “em tempo de paz, o gasto em moda sempre foi motivado pelo consumo ostensivo; em tempo de guerra, é determinado, em boa parte, pela necessidade”. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres precisavam de peças versáteis. Vários designers de moda de Paris apresentaram modelos enfatizando a praticidade. Para Laver (1989), o início dos anos 40 foi um período de mudanças constantes nos modelos, embora em variações nada radicais, mais contidas em detalhes como cor ou bolsos, pois devido à guerra, os tecidos encontravam-se escassos e regras eram estabelecidas para limitar sua metragem. Em 1945, com o fim do confronto, as lojas parisienses haviam perdido suas clientes americanas. Para voltar a seduzi-las, era necessário fazer inovações. Dior foi quem melhor soube explorar a situação e dar nova feição à alta costura (MOUTINHO; VALENÇA, 2000). A Figura 16 retrata seu famoso “New Look”, em observância à feminilidade resgatada: cintura demarcada e saias com imensa quantidade de tecido, favorecendo a ideia de que, com o final da Guerra, terminara a escassez de matéria prima. Na sequência, anos 50. Esse período marcou o fim do apogeu da alta costura parisiense. Porém, a atmosfera em Paris continuava sofisticada: mulheres deveriam ter a aparência perfeitamente cuidada e o luxo predominava, como se observa na complexidade da modelagem e nos tecidos (Figura 17 e 18). Figura 17 – Vestido para noite, Christian Dior, 1956. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 514). Figura 18 – Vestido de festa, Cristóbal Balenciaga, 1955. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 524). Essa complexidade da modelagem, no caso das Figuras 17 e 18, consiste em construções sob medida, que dificilmente vestirão distintos e diferentes corpos, uma vez que apresentam vestuário que adere ao corpo de modo preciso, além dos adicionais volumes e pesos nas saias, que impossibilitam livres articulações da estrutura corpórea 35 com o vestuário. Contudo, as indústrias de roupas prêt-à-porter se fortalecem e a moda volta-se aos jovens, principalmente nos Estados Unidos, segundo Moutinho e Valença (2000). Já nos anos 60, os jovens procuravam roupas diferentes. O mundo tinha mudado muito: a emancipação feminina havia avançado, a vida estudantil exigia roupas práticas e a juventude norte-americana abriu caminhos. Os cuidados com o corpo se acentuam e começam a proliferar academias de dança e ginástica (ibid.). Até por toda essa mudança, o período foi caracterizado pelo uso das minissaias (Figura 19). “As saias eram mais curtas do que haviam sido durante o século, mesmo nos dias mais loucos da década de 20” (LAVER, 1989, p. 262). Figura 19 - Vestido de André Courrèges, 1967. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 548). 36 Enfim, os anos 70. Segundo Cardoso (2004), essa década foi marcada por grandes e profundas transformações nos âmbitos social, econômico e político, os quais, por conseguinte, interferiram nas atitudes e comportamentos da população. Nesse período, as mulheres foram incentivadas à emancipação, e passaram a compartilhar tarefas até então exclusivas dos homens. As roupas femininas, agora exigidas por certas atividades, demandavam conforto e liberdade de movimentos. É nessa mesma década que surgiriam as propostas de Issey Miyake, como relevantes contribuições para a modelagem, que é o foco desta pesquisa. Em meados desse período, mais precisamente em 1974/75, manifestações de protesto surgem nas ruas de várias partes do mundo. Os jovens estudantes, desempregados – conhecidos como punks – manifestam-se inicialmente nos Estados Unidos e Inglaterra; depois, as ações ecoariam em outros lugares. Vestem trajes rasgados e desconstruídos, a fim de atrair olhares para a declaração da contracultura. Vale ressaltar que, nessa década, o movimento hippie também se expande e alcança dimensões mundiais, a partir de um enfoque no mesmo contexto norte-americano. Os dois movimentos são considerados precursores do encontro Oriente – Ocidente, ocorrido quando os japoneses Kenzo Takada, Issey Miyake, Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto chegaram à França. Na fusão entre os trajes de características japonesas e os ocidentais, cada um a seu modo, abria-se um novo espaço para o corpo em relação à roupa. Vale refletir que, nos trajes japoneses, a dimensão do tecido é fundamental, como os quimonos, que se apoiam sobre o corpo sem o revelar e sem o acentuar. Por seu lado, o Ocidente sempre procurou deixar pouquíssimo espaço entre corpo e roupa, tornando-a justa e demarcando silhuetas (VINCENT, 1989). Enquanto no Japão buscava-se ocultar o corpo, o Ocidente procurava realçá-lo. Conciliando técnicas orientais com o espírito europeu, os japoneses foram responsáveis por conceder uma nova geometria à silhueta. Com base nessa concepção, pode-se destacar, como exemplo nas obras de Issey Miyake, a questão Japão e Ocidente presente nos diversos momentos da produção. Através de suas criações, expressam-se linhas superdimensionadas e mais arquiteturais, que permitem às roupas criar um espaço em torno do corpo. Em cada período, Miyake destaca um aspecto superdimensionado da modelagem. Na Figura 20, observa-se um casaco do final dos anos 70, de caráter amplo e geométrico, no qual pouco se percebe da estrutura do corpo, o que equivale a dizer que a modelagem apresenta aspectos desconstrutivos do corpo, possibilitando um vestir em diferentes dimensões corpóreas, além de proporcionar infinitas movimentações e articulações, sem limitações ao corpo. A Figura 21 aborda a mesma questão, enfatizando formas geométricas e amplitude, no sentido de configurar uma peça de roupa de grande dimensão, se comparada às proporções e estaturas do corpo. Portanto, demonstram-se formas que proporcionam extensos espaços entre o corpo e o tecido, além do destaque às sobreposições na composição do vestuário. Semelhante à figura anterior, a modelagem se adapta ao corpo nas diferentes e distintas proporções, também permitindo circulações infindáveis do corpo no ambiente. 37 Figura 20 – Casaco superdimensionado de Issey Miyake – Primavera-Verão 1976. Fonte: (BENAIN; RIBEIRO, 1999, p.50). Figura 21 - Casaco e saia, amplos e sobrepostos, de Issey Miyake – Primavera-Verão 1984. Fonte: (BENAIN; RIBEIRO, 1999, p. 25). Na Figura 22, observam-se casacos amplos, assimétricos e sobrepostos, datados dos anos 80. A Figura 23 traz um vestido, também da década de 80, com solução projetual semelhante de assimetria e amplitude. Porém, as formas configuram-se num tecido plissado que se expande e se contrai, admitindo ilimitadas movimentações e facilitando o vestir em corpos de tamanhos diversos. Figura 22 – Peças superdimensionadas e sobrepostas de Miyake, 1982. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 68). 38 Figura 23 – Vestido amplo de Issey Miyake, 1985. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 85). Em análise das imagens acima, assim como os contextos até aqui discutidos, percebe-se um design de estrutura ampla, assimétrica e geométrica, com características contracultural e revolucionária: contracultural pela oposição ao consenso em vigor, apresentando formas contrastantes às tradicionais estruturas ocidentais; e revolucionária por projetar designs inovadores, em aspectos formais, que ampliam a possibilidade de uso para todos, em razão das soluções construtivas. Com ele, a roupa caminha com olhos postos na produção industrial flexível, buscando segmentar e adaptar produtos por diferenciação e projetando soluções para o mundo real, contemporâneo e pluralista. Nesse sentido, pode-se observar que, em suas criações, são expressas as raízes ancestrais moduladas ao contexto contemporâneo, visto que apresentam uma modelagem onde o design ultrapassa as fronteiras das nações, do gênero e da estrutura etária. Para Cardoso (2004, p. 206), a contemporaneidade assim se caracteriza: [...] a marca registrada da pós-modernidade é o pluralismo, ou seja, a abertura para posturas novas e a tolerância a posições divergentes. Na época pós-moderna, já não existe mais a pretensão de encontrar uma única forma correta de fazer as coisas, uma única solução que resolva todos os problemas [...] se dispondo a conviver com a complexidade [...]. No convívio com a complexidade de um mundo contemporâneo, Miyake tem a missão de realçar as dimensões sociais da roupa, procurando universalizá-la. São roupas desenhadas para se adaptarem às necessidades, aos vários e distintos propósitos, além da adequação aos corpos de todas as mulheres. Este desafio no projeto e no domínio do material está presente nas experimentações e nas propostas do processo criativo de elaboração da modelagem. Portanto, ele é um dos designers de moda que trazem essa questão da mobilidade do corpo através da modelagem diferenciada, a qual se configura pela reorganização, reformulação e simplificação das normas e padrões tradicionais. Preocupado com a elaboração das roupas, ele desenvolve significativos projetos contemporâneos, os quais são executados através de experimentações e tecnologias. Sendo assim, tais projetos foram selecionados para a pesquisa da contribuição de Issey Miyake para a modelagem no design de moda. Segundo Saltzman (PIRES, 2008, p.307), “o designer é quem percebe os sinais do meio e compromete-se a dar uma resposta através do objeto de design”. Portanto, todo projeto exige uma visão profunda do meio e das circunstâncias nas quais o objeto irá se incluir. Saltzman (ibid.) complementa que cabe ao designer essa função integradora e abrangente de pensar o espaço e dar-lhe coerência, estabelecendo conexões fundamentadas nas reais necessidades do indivíduo inserido nos contextos em que habita. Esse pensar torna-se realizável, na medida em que reflete uma analogia entre a concepção e a materialidade. Portanto, ao expressar a criação para conferir a forma, o designer pode utilizar-se de recursos para comunicar ideias e registrar experiências, os quais vão desde o desenho bidimensional ou tridimensional até a construção de modelos tridimensionais. Tratando de design de moda, Souza (2008) comenta que a forma projetada é a do vestuário, fundamentalmente uma forma têxtil que delimita um espaço para conter o corpo, intermediando a relação do usuário com o entorno. “Criar é formar e lidar com a ocupação do espaço”, contextualiza Souza (ibid., p. 337). “É a partir do corpo que a 39 vestimenta constitui sua forma”. Sendo sua referência, a forma resultante pode traduzir harmonia ou desacordo com o corpo. A capacidade de analisar e articular o tecido e o corpo permite ao designer ampliações no desenvolvimento da criação. Ao configurar a ideia, cabe à técnica da modelagem o desenvolvimento das formas. Durante o processo de construção, é interessante explorar métodos que partam da interação entre o tecido e a dimensão e articulação do corpo. No entanto, ao realizar experimentações com diferentes materiais nos processos da modelagem, criam-se peças com possibilidades infinitas ao corpo/espaço – podem ser esticadas ou dobradas, expandidas ou retraídas, proporcionando soluções esculturais. Este processo criador articulado desde a década de 70 aos dias atuais – de adaptação à multiplicidade de identidades humanas ao longo do tempo, traduzindo momentos flexíveis de fusão cultural – é o resultado de estudos aprofundados das relações entre corpo, espaço e matéria e suas inter-relações, através de muita experimentação com tesoura, réguas retas, curvas francesas, fita métrica, godê, viés, pences, pregas, recortes – materiais tradicionais para execução da modelagem. Essa é uma etapa relevante no design de moda, a qual será discutida mais detidamente no texto a seguir. 1.2 A Modelagem no Design de Moda 1.2.1. Conceitos e contextos “O processo do design começa na proposição de um objeto imaginário e culmina na realização de um objeto material: nasce de uma ideia e se concretiza numa forma” (SALTZMAN, 2008, p.305). Especificamente no design de moda, a forma que se configura a envolver o corpo é a da roupa. Portanto, para o desenvolvimento das formas onde materiais têxteis transformam-se em produtos do vestuário, executam-se técnicas da modelagem – responsável pela projeção da estrutura da roupa, realizando-a numa forma tridimensional. É ela quem percebe e compreende o espaço. Para Jum Nakao, Modelar é a gramática do design de moda... A modelagem é como a estrutura de uma edificação. Resguarda em suas linhas o espaço e conforto para o corpo que nele habitará. É a inteligência do desenhar, a sabedoria do fazer (SABRA, 2009, contracapa). Nesse contexto, pode-se dizer que a modelagem é responsável pela materialização das ideias – é a base do vestuário e uma das etapas mais importantes no desenvolvimento do design. É crucial que o designer aprecie, domine e abrace as técnicas de criação de roupas. Tal conhecimento, segundo Souza (2008), possibilita um estudo mais criterioso a respeito da harmonia entre a estrutura corpórea e a vestimenta, com vistas a aferir o espaço necessário entre o corpo e a forma têxtil, além de discernir sobre relevantes questões que abordam tolerâncias para acomodar as dimensões do corpo e suas 40 possibilidades de movimento. Portanto, quando o designer faz uso desse conhecimento e da interação entre corpo, espaço e tecido como meios de construção da roupa, é capaz de flagrar inovadoras formas e probabilidades de apropriação e uso; de vislumbrar alterações morfológicas, tanto do corpo quanto da roupa, geradas pela interação entre os movimentos físicos e têxteis, além de sugerir formas a partir de formas, em constantes transformações. Antes mesmo de compreender processos de construção desenvolvidos a partir da técnica da modelagem, é preciso enfatizar a relevância e necessidade de domínio do desenho anatômico, uma vez que medidas antropométricas são cruciais para a execução do molde. Segundo Boueri, “todos os designers de moda que pretendem dominar o projeto do vestuário devem adquirir a noção de escala, proporções e dimensões do corpo” (ibid., p. 347). Sabra (2009) argumenta que as populações são compostas por indivíduos de tipos físicos díspares, com proporções diferenciadas em cada segmento do corpo. Assim, observase que medir pessoas não é uma tarefa simples, quando se almeja medidas confiáveis e representativas de uma população, visto que estudos antropométricos confirmam que as dimensões corporais são influenciadas pela alimentação, genética, gênero, idade e até mesmo pelo clima. Com tantos biótipos e proporções corporais, pode-se dizer que padronizar medidas para execução da modelagem com o propósito de vestir os corpos de maneira universal trouxe um desafio para os designers – além do domínio técnico de construções do vestuário, faz-se necessária a compreensão da estrutura corpórea. Figura 24 – Homem Vitruviano – reconstrução das proporções humanas. Por Leonardo da Vinci (1487-1490). Figura humana inscrita em um círculo e um quadrado. Fonte: (VENEZIA, 1996, p. 6). 41 Rosa (2009, p. 27) reflete que “o aparecimento da antropometria na história da civilização não é recente”. As proporções do corpo humano já foram estudadas por artistas, arquitetos, filósofos, teóricos e estudiosos, e observou-se a variedade de dimensões corpóreas, em razão do grande número de etnias distintas. Uma das mais significativas representações das proporções do corpo humano e sua relação é o Homem Vitruviano, elaborado por Leonardo da Vinci, como ilustra a Figura 24. Nessa imagem, observa-se um corpo inserido num quadrado e num círculo, com braços e pernas em movimento, reconstruindo proporções. Ante a premente necessidade de classificar e compreender a etnia conforme sua estrutura física, os estudos se aprofundariam no final do século XIX, principalmente no que se refere ao vestuário. Essas pesquisas impulsionaram e influenciaram especialistas e, de modo peculiar, o alfaiate francês H. Guglielmo Compaign, um dos precursores da antropometria moderna. Em seus estudos, ele desenvolveu um quadro comparativo do crescimento e das idades, ratificando medidas graduais do corpo humano do nascimento à velhice, e a proporção de crescimento das partes do corpo (SABRA, 2009). A partir de então, segundo Boueri, vários métodos de medição do corpo surgiriam, a fim de motivar e possibilitar novos procedimentos criativos e industriais na área de confecção (PIRES, 2008). Portanto, observa-se que: Até a Primeira Guerra Mundial, a fabricação de roupas da moda permaneceu mais ou menos restrita a uma produção artesanal ou semiartesanal, na forma de alfaiatarias [...] É no período entre as duas guerras mundiais que começam a tomar forma a alta-costura2 e a indústria do prêt-à-porter3 (CARDOSO, 2004, p.129). O autor relata dois procedimentos relevantes que interferiram no desenvolvimento e transformações da modelagem: inicialmente, o vestuário se concretizava de maneira artesanal, na forma de alfaiatarias. A Revolução Industrial, associada ao sistema de produção em massa, influenciou o surgimento do prêt-à-porter em meados do século XX – e fez com que o design passasse a projetar, não a partir do corpo de um usuário específico, mas da média de usuários hipotéticos, com uma série de modelos, reflete Saltzman (PIRES, 2008). 2 Na França, o termo “alta-costura” é patenteado e só pode ser usado por empresas que cumpram os requisitos determinados pela Chambre de Commerce et d’Industrie de Paris. Segundo Fischer (2010), apenas se tornam membros os que seguem as regras oficializadas desde 1945, e que só eventualmente sofrem alterações. No restante da Europa, o termo é utilizado livremente para descrever alfaiataria e alta moda. Para Jones (2005), a alta-costura é o topo do mercado da moda e dita os preços mais elevados. Edificada não somente pelas finalizações a mão, mas também pelo sucesso e o prestígio de peças únicas e sob medida, essa linha é vendida a um público abastado e socialmente versátil. Os alfaiates criavam os trajes sob medida, tomando como base as medidas tiradas do cliente com uma espécie de fita ou cordão, e as repassavam para um gabarito, que consistia em um cartão de papel todo marcado. Pelo cartão, o alfaiate traçava no tecido a forma dos trajes. (SABRA, 2009, p. 66). Conforme Sabra, a alfaiataria é a técnica mais antiga, da qual derivam as demais técnicas geométricas. “Os alfaiates combinavam a modelagem plana desenvolvida diretamente sobre o tecido e os ajustes realizados sobre o corpo do usuário” (ibid., p. 98). Aliou-se à antropometria a partir do século XIX, e diversos estudos e sistemas de modelagem criados por alfaiates foram publicados. 3 O prêt-à-porter, do francês, também conhecido como a expressão em inglês ready-to-wear, corresponde a “pronto para vestir” e, na moda, representa “uma ampla variedade de roupas feitas para o mercado de atacado, lojas de departamentos e boutiques de diferentes faixas de preços”, afirma Jones (2005, p. 40). 42 Da alta-costura à indústria do prêt-à-porter, vale ressaltar o surgimento de importantes mutações, principalmente relacionadas à execução das construções do vestuário. Com o desenvolvimento de roupas prontas em escala industrial e em diferentes tamanhos, surgiu a demanda por tabelas de medidas representativas do corpo, servindo de base para a construção das modelagens (SABRA, 2009). Quanto às medições do corpo, Ilda (2005 apud SABRA, 2009, p. 46) as distingue entre “estáticas e dinâmicas”. A primeira, também conhecida como estrutural, diz respeito às medidas com pouco ou nenhum movimento. Já a segunda, funcional, alude às medidas de alcance máximo dos movimentos. No processo da modelagem, as medidas estáticas são fundamentais para o traçado do plano, bidimensional. Porém, com o acréscimo da compreensão das dinâmicas, ou seja, das articulações e movimentações do corpo, obtêm-se formas que, ao longo do processo de experimentação do tecido com o corpo, tornam-se inesperadas, de caráter inovador. Boueri (PIRES, 2008) comenta que essa medição da variedade de formas do corpo humano – o levantamento antropométrico – tem sido praticada pelo escaneamento de imagens do corpo com o uso de tecnologias computadorizadas, como o body scanner. Segundo Sabra (2009), esse método concede ganho de tempo, além de exatidão nos projetos de pesquisa. Uma vez definidas, tais medidas padronizadas tornam-se ponto de partida, interferindo diretamente na construção de vestuário: aplicadas por meios técnicos da modelagem, estabelecem um molde que se torna guia de corte do modelo. Segundo estudos antropométricos voltados para a padronização, dos ocidentais em especial, para melhor adequação aos usuários, as medidas devem ser representativas da grande maioria da população e submetidas a constantes revisões, considerando que vários e distintos valores atribuídos ao corpo alteram medidas e formas. No entanto, ainda que as pesquisas de medição sejam criteriosas, não é possível atribuir uma predominância universal, devido às muitas variações morfológicas do corpo humano. Mesmo com as grandes diferenças antropométricas, Miyake reorganiza o processo de construção e confirma que algumas correlações podem ser feitas para que suas criações, em aspectos formais, sejam utilizadas em múltiplas dimensões corpóreas. Edelkoort confirma esse intuito e soluções concebidos por Miyake, ao caracterizá-los como: “únicos e universais” – criações que “agradaram a milhões de mulheres: às jovens e às idosas, às estudantes e às professoras, às voluptuosas e às magras, bem como às tímidas e às teatrais” (KITAMURA, 2012, p. 29). No tocante à modelagem, o designer propõe projetos que sejam flexíveis em termos de padrões de medida, pois as formas resultantes deste processo atendem vários corpos. Ademais, a adoção deste vestuário também viabiliza uma condição flexível do corpo. 43 1.2.2. Processos construtivos O reconhecimento dos processos construtivos evidencia os aspectos singulares dos projetos do designer. Jones (2005) argumenta que, à primeira vista, o desenho de moldes – a modelagem – pode parecer um assunto monótono, árido e excessivamente matemático, até que a experimentação descubra as possibilidades surgidas de recortes, curvas, linhas e até de ajustes discretos que fazem diferenças significativas no caimento e no equilíbrio de uma roupa. Modelagem plana ou bidimensional e modelagem tridimensional – também conhecida como moulage no francês e draping na tradução inglesa – são os dois modos fundamentais de desenvolver formas e equilíbrio em uma roupa. Estes processos atendem diferentes propostas e, por meio das experimentações, elaboram-se soluções de um design que busca formas de apropriar-se aos distintos padrões do corpo. Rosa (2009) define a modelagem plana como uma arte e técnica conforme os princípios da geometria, para o traçado de diagramas que resultarão em formas a envolver o corpo. Tal procedimento, que possibilita ao designer transformar algo plano (papel ou tecido) em algo volumétrico, adota diversas e distintas ferramentas: tesoura, papel, lápis, borracha, cola, régua reta, curva francesa e esquadro de ângulo reto (90o) e de 45o, alicate de pique, fita métrica, carretilha, entre outros. Embora esses materiais pareçam tradicionais perto de um mundo tecnológico, a Figura 25 apresenta processo de construção que ainda se serve desses recursos para execução dos moldes. Figura 25 - Construção da Modelagem com instrumentos tradicionais. Fonte: (JONES, 2005, p. 143). Tais diagramas são combinações de curvas e retas em planos retangulares, nos quais se aplicam linhas com as medidas do corpo. Como visto anteriormente, estas medidas seguem uma tabela padronizada, concebida a partir do estudo anatômico, originando formas que irão vestir o corpo (ibid.). A Figura 26 demonstra como tirar medidas da 44 circunferência do corpo. Essas medidas estão posicionadas e representadas na imagem por linhas verdes. Já na Figura 27, observa-se o modo de obter medidas referentes ao comprimento do corpo. Figura 26 – Tomada de Medidas da circunferência do corpo. Contornos: 1- pescoço; 2- entrecava; 3- busto; 4- cintura; 5- pequeno quadril; 6- quadril; 7- braço; 8cotovelo; e 9- pulso. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 19). Adaptada pela autora. Figura 27 – Tomada de Medidas do comprimento do corpo. 10- da frente e/ou das costas; 11- altura do joelho; 12- altura do quadril; 13- altura da entre pernas; 14- altura cintura-chão; 15- ombro; 16- cotovelo; e 17- braço. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 18). Adaptada pela autora. As medidas do corpo são transpostas manualmente para o papel, de maneira planificada. São vários e distintos os métodos desenvolvidos para tal procedimento e consistem no modo como se dá essa transposição para o plano, ou seja, é uma explicação, um passo a passo dessa transferência. Em análise da Figura 28, observa-se o esboço de um diagrama que se refere à base4 de blusa. Ao lado, segue a representação de uma estrutura corpórea. Nota-se que as As bases de modelagem são moldes sem apelo estético, normalmente sem folgas e sem margens para costura, pois servem de 4 ponto de partida para o desenvolvimento de modelagens mais complexas. Pode-se dizer que as bases são a ‘segunda pele’ do corpo, ou seja, elas devem reproduzir fielmente as medidas de um determinado tamanho de manequim da tabela de medidas e conter marcações dos pontos anatômicos e linhas referenciais do corpo. [...] O teste dos moldes básicos é imprescindível para que os modelos derivados destes não apresentem problemas” (SABRA, 2008, pp. 78-79). 45 linhas horizontais do traçado correspondem às linhas de contorno do corpo: cabeça, pescoço, cintura, pequeno quadril e quadril. Algumas linhas horizontais equivalem às linhas de largura do corpo, como as entrecavas da frente e das costas. Já as linhas verticais referem-se às linhas de comprimento do corpo: meio da frente, meio das costas, altura do busto, altura do pequeno quadril, altura do quadril, altura do joelho e altura até o chão. No entanto, há uma linha vertical que corresponde à linha da largura do corpo, relativa à abertura do busto. Figura 28 – Linhas correspondentes do corpo e base de blusa. Transposição das medidas reais do corpo para o papel. Fonte: (FISCHER, 2010, pp. 22-23). Adaptada pela autora Esse mesmo procedimento de transferência das medidas reais do corpo para o papel através da técnica da modelagem bidimensional acontece nas construções de outras bases: de saia (Figura 29), calça (Figura 30), mangas (Figura 31) e golas (Figura 32). Na Figura 29, observa-se o diagrama da base de uma saia. Para tal construção, não há a necessidade de todas as medidas do corpo; tanto porque, tradicionalmente, a saia posiciona-se da cintura para baixo. Porém, sempre haverá a necessidade das medidas da circunferência e do comprimento. No caso, as circunferências referem-se às medidas da cintura, pequeno quadril e quadril. Quando se trata das medidas de comprimento, inserem-se também a altura do pequeno quadril, altura do quadril e altura do joelho, conforme imagem (Figura 29). A Figura 30 exemplifica a base de calça. Posiciona-se na parte inferior do corpo. Nesse sentido, bastam as medidas de circunferência e comprimento do corpo da cintura para baixo. Portanto, para execução do traçado, são necessárias as medidas da cintura, pequeno quadril, quadril, joelho, tornozelo, assim como a altura do pequeno quadril, altura do quadril, altura do joelho e por fim, altura cintura-chão. 46 Figura 29 – Diagrama da base de saia – Frente e Costas. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 20). Figura 30 – Diagrama da Base de Calça – Frente e Costas. Fonte: (Elaborada pela autora). Em cada base traçada, verifica-se seu posicionamento ao vestir um corpo para, então, estabelecer medidas necessárias para a construção. A Figura 31 refere-se ao diagrama da base da manga. Pelo fato de vestir o braço, suas medidas consistem na circunferência e comprimento do braço. Esse diagrama demanda a altura do braço e do cotovelo, o contorno do cotovelo e do pulso, além das medidas da cava, obtidas pela base de blusa configurada. Figura 31 – Diagrama da Base de Manga. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 27). Figura 32 – Diagrama da Base de Gola. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 45). 47 Já a Figura 32 ilustra o diagrama da gola. Por posicionar-se no pescoço, as medidas necessárias consistem no contorno do pescoço e na altura da gola. Esta medida, especificamente, depende das variações de modelos, podendo ser estreita ou larga. Com as medidas aplicadas para o desenvolvimento de moldes básicos, ou seja, finalizada a construção do diagrama, inicia-se o processo de interpretação do molde. Conforme Sabra (2008), a modelagem básica sofre leituras individualizadas, de acordo com a metodologia empregada na sua construção. É nesse momento que a modelagem plana se torna mais criativa – até então, a base representava apenas o mapeamento do corpo em complexos cálculos e sem folgas para movimentação. Nas obras desenvolvidas por Miyake, observam-se características assimétricas. Esse caráter assimétrico justificase principalmente pelo fato de ele propor uma solução de vestuário a serviço de uma filosofia de moda contemporânea. Para Jones (2005, p. 109), O foco de um modelo assimétrico geralmente requer um detalhe menor em outra parte da roupa para fazer eco e criar equilíbrio. Não olhamos as roupas só na frente e nas costas, mas também de outros pontos de vista. Todos os aspectos devem cumprir o princípio de equilíbrio ou nos dizer algo sobre sua falta de respeito à ordem, como na moda japonesa e belga pós-moderna. Em análise da construção, Jones (ibid.) afirma que a estrutura física do corpo humano é simétrica em torno de um eixo vertical. Portanto, mesmo que a assimetria esteja relacionada à desordem e desconstrução, é preciso equilíbrio e, mais ainda, conhecimento antropométrico, pois até peças desestruturadas se constroem sobre a dimensão de uma massa corpórea estruturada. A Figura 33 ilustra as etapas de construção do molde de uma saia e a configuração no tecido. Mesmo que a intenção seja assimétrica e desconstruída, a modelagem parte de um molde básico da saia, com medidas precisas do corpo, além de métodos de construção. Tecnicamente, adverte-se que, para alcançar equilíbrio de vestibilidade, as peças superiores dependem da referência da circunferência do busto, assim como as peças inferiores adotam como medida principal a circunferência do quadril e cintura. Jones (ibid.) alude à ideia de que equilibrar os efeitos das linhas do modelo é uma das primeiras tarefas ao rascunhar roupas. Diferentes reações emocionais e psicológicas se exprimem sob as linhas, onde se criam ilusões tanto amplas quanto estreitas, podendo enfatizar ou disfarçar traços. Tratando de Miyake, Benain (1999, p. 11) considera que “com ele, as linhas se movem, ondulam, são figuras livres num espaço indefinido entre Oriente e Ocidente, arte e moda, instante e eternidade...”. Mais uma vez, transgride tradições metodológicas da modelagem, pois, em oposição à rigidez do vestuário ocidental, cria formas atemporais e livres. Sendo assim, permite ao corpo flexibilidade e compartilha sensações. Tudo parece feito com graça sobrenatural, a inteligência de um corpo jamais curvado, jamais rijo, sempre atento [...], os vestidos deslizam, os tecidos se sobrepõem, as mudanças são percebidas imediatamente. [...] É como um esboço. Sente-se a força do traço, mas tudo pode mudar (ibid., p. 9). 48 Figura 33 – Construção de uma saia assimétrica a partir da Base de Saia. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 33). Até aqui, discutem-se técnicas da modelagem bidimensional que, tradicionalmente, a partir de medidas pré-estabelecidas em uma tabela e pela aplicação dos métodos, constroem diagramas básicos. Porém, Duarte e Saggese (2009, p.53) afirmam que “nem sempre a modelagem é representada sobre bases de corpo, mas sempre tendo como referência as medidas do corpo”. A modelagem proposta por Miyake, como sustentam as Figuras 34 e 35, apresenta características geométricas baseadas em circunferências de objetos e figuras, além das dobraduras de origamis (Figura 36). Figura 34 – Vestido de forma geométrica, no caso, circular. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 411). Figura 35 – Vestido Circular Pleats Please. Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 111). Figura 36 – Vestido Construído sobre formas geométricas quadradas. Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 127). 49 No entanto, já se observa uma reorganização das formas – uma construção transgressora em oposição a métodos tradicionais da modelagem, visto que, mesmo não construídas a partir de uma base de corpo, que esboçaria curvas e contornos (Figura 37), as peças derivam do conhecimento do corpo e sua ocupação do espaço (Figura 38), somados à sua interação com o tecido. Figura 37 – Modelagem Geométrica circular, configurada a partir da base do corpo. Fonte: (Elaborada pela autora). Figura 38 – Modelagem geométrica circular – configurada por meio da ocupação do corpo no espaço. Fonte: (Elaborada pela autora). A Figura 39 apresenta uma peça de roupa que, em aspectos formais, remete à construção da modelagem geométrica baseada em circunferências. Na Figura 40, observa-se uma das possibilidades de uso da roupa. Figura 39 – Peça geométrica, circular. Fonte: (KITAMURA, 1990, p. 121). 50 Figura 40 – Uma das possibilidades de uso da peça circular. Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 92). Pode-se dizer que, mesmo não configuradas a partir do diagrama de base da modelagem bidimensional, as peças se estabelecem por meio do conhecimento do corpo em interação com o tecido no espaço. Portanto, discute-se a segunda técnica fundamental no desenvolvimento do equilíbrio e formas, que é a modelagem tridimensional. Esse processo envolve experimentações concretas, e suas variadas facetas podem ser vistas por diferentes ângulos. Segundo Souza (PIRES, 2008), a moulage exige raciocínio espacial, por ser técnica que permite desenvolver formas diretamente sobre o corpo. Não é obrigatório o recurso de um corpo vivo, podendo ser ele representado por um busto-manequim com medidas anatômicas. Entendendo o corpo como suporte, essa técnica promove a relação com o tecido e lida com medidas de comprimento, profundidade e largura. Tal aproximação permite novas soluções, além de favorecer diversas possibilidades e metodologias construtivas para modelagem plana. Ideias se materializam e geram-se formas têxteis, as quais, ao longo do processo de construção, podem ser transformadas e reformuladas. Nesse contexto, a configuração tridimensional é ressaltada pela sua linguagem – linhas, planos, volumes, proporções e texturas, num processo dinâmico e criativo, pois o fato de visualizar situações reais de uso possibilita criar formas e dar significados aos elementos que vão formar o vestuário, conforme reflete Souza (ibid.). As Figuras 41 e 42 exemplificam a prática da modelagem tridimensional de esculpir o tecido sobre o corpo, em busca de formas. O entendimento do tecido e a percepção do comportamento do material levam ao conhecimento da sua relação com o corpo no espaço. A realização do projeto do design de moda surge em decorrência da experimentação, e a interação adequada entre os elementos mostra-se cada vez mais útil para o dimensionamento dos produtos. Esse conjunto de ações proporciona grande domínio e conhecimento do corpo, além de promover a familiaridade com suas proporções e morfologia. Figura 41 – Construção do vestuário por meios técnicos da modelagem tridimensional. Fonte: (JONES, 2005, p. 147). 51 Figura 42 – Peças desenvolvidas por meio da experimentação da modelagem tridimensional. Fonte: (JONES, 2005, p. 147). Justificadamente, o designer japonês conquistou seu espaço nas formas. Nessa dimensão antropométrica, ele cria, recria, transforma e produz peças com estruturas de características predominantemente desconstrutivas, minimalistas e assimétricas, aptas a serem vestidas por corpos distintos. Tais aspectos são identificados nas Figuras 43, 44 e 45, as quais ilustram peças criadas por Miyake. A Figura 43 exemplifica peças dos anos 80. Segundo Ceia (2010), o termo desconstrução surge como crítica ao estruturalismo e depois, entre as décadas de 70 e 80, os debates se ampliam e discute-se como movimento de rupturas. Migrando o conceito para o design de moda, essas peças referem-se à desconstrução da dimensão corpórea, visto que a amplitude da forma distorce a estrutura anatômica e pouco ou quase nada das formas do corpo pode ser observado. Porém, pode-se também transportar tal desconstrução para o processo construtivo, visto que, na prática, transgride e desestrutura métodos tradicionais utilizados para elaboração das formas. Pelo fato de ser superdimensionada, a roupa permite vestir inúmeras proporções, além de conceder mobilidade ao corpo – são peças minimalistas, gerando roupas geométricas com cortes geométricos, de estruturas simples, sem rigidez e constrição do corpo. Já a configuração assimétrica refere-se às diferenças e distorções das formas, sejam elas no comprimento ou na lateral, visto que os dois lados são distintos. As propostas de minimalismo, assimetria e desconstrução encontram-se também nas Figuras 44 e 45, num projeto construtivo que tem como paradigma a dimensão do corpo interagindo com o tecido, à medida que se criam espaços. Estas estruturas permitem que o corpo faça movimentos exploratórios, conforme representado nas imagens, onde o usuário estende e distancia braços e pernas. 52 Figura 43 – Estruturas desconstrutivas, minimalistas e assimétricas, de Miyake. Coleção Primavera-Verão 1984. Fonte: (MOUTINHO e VALENÇA, 2000, p. 255). Figura 44 – Estrutura minimalista de Miyake. 1985. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 108). Figura 45 – Desconstrutiva forma de Miyake. Fonte: (PENN, 1988, p. 15). Uma das principais incumbências do profissional de modelagem é “dominar a relação das duas e três dimensões dos produtos, bem como dos conceitos de plano e volume, molde e forma, roupa e corpo”, conforme propõe Sabra (2009, p. 83). Enfatizase a relevância deste conhecimento técnico, na medida em que amplia possibilidades criativas no processo da modelagem. 53 Na Figura 46, observam-se dobraduras com referência à prática de origamis que, em segundos, desconstruídas, assumem a forma de roupas. Em aspectos formais, essa prática de construção geométrica e assimétrica é uma das correlações no vestir das distintas dimensões corpóreas, visto que, em sua configuração, criam-se espaços entre o corpo e a roupa. Além de universalizar o grupo de usuários, essas criações multiplicam a perspectiva de usos, abrindo possibilidades de interação com o corpo. Figura 46 – Transformação das formas bidimensionais em peças tridimensionais. Fonte:<http://ffw.com.br/noticias/moda/japones-legendario-cria-roupas-origami-digitais-em-novoprojeto/>. Segundo Saillard (KITAMURA, 2012, pp. 48-49), estas peças parecem ter alguma forma própria de inteligência e entendimento como ingredientes básicos. Nas imagens, nota-se também uma construção de movimentos esculpidos em torno do corpo. Essas possibilidades de movimentação apenas se tornam eficazes quando experimentadas pelo usuário. Tendo em vista a existência do corpo e suas articulações, é preciso compreender a estrutura do tecido e de que maneira, juntos, eles se comportam. Para tanto, Fischer (2010, p. 64) menciona que “o corte de uma roupa em relação ao sentido do fio5 afetará a forma como o tecido se comportará no corpo”. 5 No cruzamento de fios para formação do tecido, o fio disposto verticalmente corresponde ao comprimento do tecido e refere-se ao urdume. A borda longitudinal é chamada de ourela. O fio horizontal corresponde à largura e é chamado trama. A estrutura do tecido pode ser modificada por alterações em padrões no cruzamento do fio de urdume e o fio da trama. Normalmente, o fio segue os fios de construção de um tecido, em especial os de urdume. Ele também pode ser marcado atravessado, ou seja, paralelamente em relação aos fios da trama, ou a 45o em relação ao fio de urdume, conhecido como fio enviesado (SABRA, 2009, p.93) 54 Observam-se na Figura 47 as três maneiras de cortar uma peça: no urdume, na trama e no viés. Figura 47 – Posicionamento de fios no tecido – Fio Reto. Fio Atravessado. Fio Viés. Fonte: (FISCHER, 2010, p. 124). Cada posicionamento do fio aplicado na construção propõe distintos caimentos do tecido sobre o corpo. Essa técnica é bastante complexa e o mau uso do fio pode distorcer a peça por completo. À medida que o tecido interage com o corpo, dá ao designer condições para determinar a vestibilidade do produto, bem como identificar a melhor forma de posicionamento, eliminando defeitos relacionados ao caimento. Mais uma vez, observa-se a relevância da modelagem, visto que é preciso relacionar o tecido com o corpo, ao objetivar formas que o envolvam. Se a forma pede determinado tecido ou um tecido exige determinada forma, o que interessa saber é que ambos precisam ser interpretados, explorados, compreendidos. Assim, juntos, permitirão desenvolver formas que proporcionem ao corpo liberdade de uso e movimentações. Num mundo em que a tecnologia se desenvolve constantemente, ela passa a fazer parte também do processo da modelagem. Até mesmo os processos manuais da modelagem – tanto o bidimensional quanto o tridimensional – podem ser transpostos para o sistema tecnológico da modelagem computadorizada. Esse processo diz respeito a um programa computacional conhecido como CAD/CAM 6. Desenvolvido com o propósito de minimizar desperdícios de matéria-prima e tempo, o programa oferece diversas possibilidades de graduação e encaixe dos moldes, além de auxiliar no desenvolvimento da modelagem, segundo Sabra (2009). Cardoso (2004) sustenta que, por mais opções que ofereça determinado programa desenvolvido para a modelagem, a maioria deles opera a partir de menus de 6 Computer-Aided Design/ Computer-Aided Manufacturing 55 comandos, o que torna cada vez mais difícil pensar em possibilidades não incluídas no cardápio oferecido. Ainda assim, Souza (PIRES, 2008, p.340) observa que até mesmo a “bidimensionalidade é, às vezes, uma limitação enganosa quando falamos da vestimenta”, pois tende a privilegiar uma única vista do produto, geralmente a parte frontal. Para a autora, “é fundamental a exploração de possibilidades no campo tridimensional”, o que evidencia que a distinção na construção está na pesquisa de processos da configuração poética da modelagem. Issey Miyake demonstra intimidade com a técnica e, ao trabalhar a modelagem, consegue liberdade na construção. No entanto, trata o processo de modelagem pelo viés da criatividade, pois este entendimento da construção, o equilíbrio e a proporção como um todo, podem ser vistos, discutidos e modificados. Mesmo que, para alguns, a tecnologia computadorizada bloqueie a criatividade, Miyake se utiliza do processo como meio de desenvolvimento de formas surpreendentes. Preocupado em construir a partir de experimentações tecnológicas, ele consegue elaborar formas que tornam o usuário um protagonista. Até pelo processo tecnológico, ele é capaz de quebrar regras e reorganizar construções. Figura 48 – A-POC – Primavera-Verão 1999. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II). 56 Analisando a Figura 48, percebem-se, em azul, metragens de tecido. Ao olhar atentamente, nota-se que ele tem traçadas marcações da modelagem; no caso, várias partes de moldes. Cabe ao usuário inteirar-se das formas e vesti-las da maneira que preferir – não é mister fazer uso de todas as partes, mas, caso queira, nada impede que sejam sobrepostas. Por outro lado, por que não utilizar poucas partes e, a cada dia, acrescentar mais? Essa proposta de metamorfose da roupa, ou seja, através de uma única forma adotar vários usos, apresenta a reorganização da modelagem também por meios tecnológicos. Com Miyake em sua preocupação exacerbada com um mundo contemporâneo, a forma, o corte e a construção da roupa foram sendo codificados, tornando-se menos complexos e mais mutantes. Baudot (2000, p. 8) descreve os projetos dos designers japoneses – Kenzo Takada, Rei Kawakubo, Yohji Yamamoto e Issey Miyake: “desabrocharam, confundiram-se e harmonizaram-se às múltiplas tendências do prêt-à-porter dos costureiros e dos criadores da moda”. E complementa, dizendo que eles se infiltraram nos desfiles parisienses em meados da década de 70, causando sensações de choque e estranheza, provocando rupturas e revolucionando a moda com formas que até hoje influenciam essa tendência desconstrutiva e simplificada. A modelagem, responsável pela construção das formas, é de grande importância para a configuração do vestuário. Inicialmente desenvolvida sob medida e com técnicas manuais e tradicionais da alfaiataria, passa por necessárias e significativas transformações, reorganizações e reformulações expressas e observadas por Issey Miyake de maneira arrojada. Aqui foram discutidos conceitos da modelagem, processos de construção e respectivas técnicas executivas. No entanto, apontam-se problemas no processo da modelagem, categorizados pela padronização de medidas, estruturação e realização de formas criativas que possibilitem liberdade de uso no corpo. Preocupado em solucionar tais questões, Miyake, conhecedor das técnicas e tendo vivenciado o processo de estudos bi e tridimensionais, se apossa desses espaços e avança em direção às construções universais e revolucionárias, “transformando o universo da arte num terreno de experimentações” (KITAMURA, 2012, p. 260). Os próximos capítulos abordam a influência deste designer no contexto e estabelecem uma aproximação com seus trabalhos mais contemporâneos – Pleats Please, A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE, além de discutir um design de moda que reflete um mundo de liberdade e movimento, traduzido nas formas anárquicas geradas em experimentações envolvendo corpo, espaço e tecido. 57 2. O IMPACTO DO DESIGN DE ISSEY MIYAKE o design da modelagem deleitável Abordando o design, o design de moda e os processos da modelagem em face do contexto e suas influências, este capítulo fundamenta a reflexão acerca dos projetos de modelagem propostos por Miyake, cujas soluções causam certo impacto no ambiente da moda e enfatizam sua atuação. Aqui, será discutido o impacto de seu design na moda, pela análise de contextos e de seu trabalho desde a década de 70, com ênfase em três projetos desenvolvidos nos anos de 1989, 1998 e 2010, baseados na elaboração da roupa. Nascido no Japão em 1938, Miyake apresentou sua primeira coleção em Nova Iorque no ano de 1971, e em Paris no ano de 1972. Porém, foi em 1973 que impôs sua marca registrada, pela relação entre um tecido bidimensional e um corpo em três dimensões – a essência de seu processo em design (FUKAI, 2006). Issey Miyake formou-se na Givenchy após os ensinamentos da École de la Chambre Syndicale de la Haute Couture, em Paris. Através de uma vivência quase artesanal, cultiva a capacidade de dimensionar suas criações em escala mais genérica. Foi com esse intuito que pesquisou com olhos postos no desenvolvimento dos seus projetos em design, considerando o corpo, estimando os gestos, observando os diferentes estilos de vida para tornar seu design relevante (KITAMURA, 2012). Castilho complementa que: Pensar a modelagem é pensar o gesto, a construção e a arquitetura de nossos corpos. Não é a técnica, mas o contexto que aqui se revela na construção de valores que envolvem, se sobrepõem, edificam corpos que transitam nas diferentes culturas, invadem diferentes espaços, propagam valores e formas de ser e estar no mundo (SABRA, 2009, segunda contracapa). Assim aconteceu com Miyake, que reinventou as roupas femininas segundo os seus próprios padrões. Utilizou-se de técnicas, mas não somente. Observa a multiplicidade de identidades humanas que mudam ao longo do tempo, de acordo com as épocas, traduzindo momentos flexíveis de fusão cultural. Segundo Saillard (KITAMURA, 2012, p. 49), “o conceito de forma fluida e de arquitetura móvel é uma forma de lidar com a situação”. Miyake recorre a técnicas como as do corte, opondo-se aos métodos que regulam as roupas no Ocidente (Figura 49). As técnicas de modelagem com apoio de bases planas, essenciais para a moda tradicional, são muitas vezes reduzidas à expressão mais simples, e é essa característica que favorece a sua criação. Na Figura 49, identifica-se o superdimensionamento da roupa em relação ao corpo. Esta amplitude das formas desenvolvida por Miyake, se comparada à estrutura do corpo, simplifica e, de certa forma pelo exagero, opõe-se às técnicas tradicionais da modelagem ocidental, as quais impõem construções rígidas, que provocam limitações à movimentação do corpo. Compreender o dimensionamento das formas e a maneira como expressam significados é importante para entender a reorganização do design no mundo e o impacto do design de Issey Miyake na moda. 59 Figura 49 – Macacão de Issey Miyake, 1983. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 37). Cardoso (2012) entende a “forma” sob três aspectos: aparência, configuração e estrutura. Embora, em seu texto, ele use um edifício para exemplificar a forma, esse mesmo pensamento pode ser migrado para a indumentária. Ao tentar explicar a construção de uma roupa segundo o processo de modelagem, pode-se pontuar que são necessárias, no mínimo, três dimensões: vista de frente, vista de costas e vista lateral, para que o observador tenha uma noção do objeto e possa traduzir plenamente o que se define como forma. No entanto, Cardoso reflete que essas informações são insuficientes. Para ele, a forma tem outros aspectos, como “[...] cor, textura, escala, tamanho, posição e contexto, sentido espacial e de movimento, que só podem ser compreendidos por experiências diretas” (ibid., p.32). Transpondo essas questões para a modelagem, a forma obtida no processo de criação do design de moda tem participação do corpo no entendimento e experimentação com o tecido, posto que o corpo apresenta dimensões anatômicas ligadas a tamanhos e escalas. Além do sentido espacial, inerente às movimentações, ao estático, às posições e contextos, o material – no caso, o tecido –, alia-se às cores e texturas. 60 Segundo Saltzman (PIRES, 2008, p. 309): [...] toda forma implica determinada função (de proteção, adorno, valorização da silhueta ou adaptação a situações da vida cotidiana) [...], adaptar-se a certas situações do contexto requer um ajuste na forma do vestir. Assim, é essencial considerar que refletir sobre a função da indumentária implica pensar na conduta corporal, no desenvolvimento tecnológico próprio do design (...) e no modo de apropriar-se, (...) ampliar os limites e as possibilidades de uso e utilidade das peças de roupa. A autora confirma que toda forma implica funções. Em um dos exemplos, ela cita a adaptação à vida cotidiana e complementa que essa condição exige pensar no comportamento do corpo, de modo a apropriar-se do design. Ampliam-se limites e possibilidades de uso da roupa, além das constantes alterações de movimentação do corpo para um mundo contemporâneo, pela reorganização e reformulação construtiva, resultando em uma modelagem deleitável. Forty (2007) complementa essa ideia de um design ideal para a vida cotidiana com algumas considerações estabelecidas nos anos 70, mas que refletem nos tempos atuais de modo intenso, especialmente na saúde, estética e moda, entre outras: [...] procurava evitar toda a compressão: não se devia usar espartilhos, nem sapatos e botas de bico fino, e se recomendava que todas as roupas fossem suspensas dos ombros, não da cintura, quadris ou joelhos. [...] alguns reformadores do vestuário especificavam que as roupas deviam ser leves, com não mais de três quilos de peso, e havia concepções sobre os melhores materiais a serem usados (FORTY, 2007, p. 234). Percebe-se que, historicamente, como observado em síntese no primeiro capítulo, o corpo foi modulado através da roupa, em função dos valores estabelecidos por determinada cultura. Em diferentes épocas, a roupa submeteu o corpo em um espaço rígido, apertando os órgãos internos, a estrutura óssea, a carne, a ponto de modificar formalmente a superfície corporal. Para Saltzman, o contrassenso é que, se o design – no caso, o vestuário – tende a um maior conforto e funcionalidades, o corpo ideal proposto pela cultura se tornou tão restrito que grande número de potenciais usuários fica excluído, já que os cortes e a modelagem não os privilegiam (PIRES, 2008). Portanto, a partir do sistema de produção em massa – o prêt-à-porter, já apresentado aqui – o design passou a ser projetado com base em uma média hipotética das proporções do corpo dos usuários. E observa-se a dificuldade no desenvolvimento da modelagem para abranger diferentes etnias, escalas e proporções corpóreas, visto que as medidas pré-estabelecidas para construção ficam incertas. Assim se fundamenta o impacto do design de Issey Miyake na moda. Suas invenções estão entre as mais autênticas no domínio do vestuário. Em seu percurso, de caráter intelectual, arquitetônico e contemporâneo, uma coleção é o resultado da anterior; uma 61 ideia sugerida para uma estação materializa-se na estação seguinte. Com ele, o design de moda reflete um mundo de liberdade e movimento, traduzido nas formas anárquicas geradas pela experimentação que vincula corpo, espaço e tecido. As Figuras 50 e 51 demonstram um design de liberdade, com amplos espaços entre o tecido e o corpo, proporcionando movimentações de abre e fecha, sobe e desce do corpo. As formas resultantes desse processo penderam dos ombros, e a ausência de curvas afuniladas da cintura, substituídas por folgas e distanciamento do corpo, gerou um design de acolhimento da movimentação, continuamente reconfigurado. Figura 50 – Roupa assimétrica de Issey Miyake, 1984. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 9). Figura 51 – Vestido de Miyake, 1984. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 59). Por recursos que permitem criar movimentos de expansão e redução para liberar a adaptação da roupa ao corpo, permitindo que as peças se ajustem em corpos de diferentes tamanhos, gêneros, idades e silhuetas, Miyake faz uso de pregueados, drapeados, plissados e torceduras nos tecidos. Através dessas inovações flexíveis, elabora verdadeiras esculturas, muito leves, articuladas com a anatomia, que interagem com o usuário, permitindo movimentos e expressões do corpo. Pode-se considerar que a roupa, criada por Miyake, em seu processo de uso, experimentação e interação com o corpo, modifica o reconhecimento do espaço. A cada vivência, surgem novas possibilidades relativas à comunicação não verbal, expressões sentimentais e movimentações do corpo; é um vivenciar de situações traduzidas na modelagem dos trabalhos de Miyake, ou seja, no projeto da modelagem. Nesse contexto, pode-se considerar que as formas são passíveis de mudança e adquirem novos significados. Embora a mudança no uso não altere a forma da roupa, ela passa a expressar outras interpretações, conforme o modo de uso e o espaço em que está inserida. 62 Miyake (apud BENAIN, 1999, p. 15) diz: “com espírito e modéstia, faço apenas a metade do caminho. Quem usa minha roupa percorre a outra metade.” Com isso, ele amplia o entendimento das formas complexas que possibilitam infinitos modos de uso. Por um lado, elas concretizam os conceitos por trás de sua criação: obedecem a uma lógica construtiva, qual seja a soma das ideias de um projeto e seus materiais em experimentação com o corpo e o espaço. Por outro lado, as roupas são passíveis de adaptação pelo uso e sujeitas novas percepções, conforme a experiência do vestir. Ainda assim, Miyake (KITAMURA, 2012, p. 37) reflete que buscava: “[...] desenvolver roupas com base em teorias de tecnologia e engenharia modernas, interessava-me aprofundar o potencial, não da moda, mas das roupas enquanto produto”. Nesse contexto, o designer de moda nota alguns paradigmas de suas criações a fim de elaborar formas que permitam ao usuário continuidade no processo construtivo. Primeiro, quando Miyake usa a expressão “aprofundar-se ‘não na moda’”, nos leva à reflexão de que, hoje em dia, a roupa, referida como moda no sentido de identificação de gênero, idade, status, etnia, costume e efemeridade, adquire valores e significados que amanhã podem ser outros. O material pode se tornar algo imaterial – cair em desuso, e logo, em descarte. A intenção de preservar a roupa, tornando-a parte da história pessoal, no sentido de a peça permanecer com o usuário por vários anos de sua vida, faz com que Miyake a interprete como produto, para que adquira formas inovadoras, tanto funcionais quanto estéticas, atemporais e universalizadas. Depois, quando ele relata que as roupas são baseadas em teorias de tecnologia e engenharia contemporâneas, observa-se a relevância da modelagem no processo de desenvolvimento do design de moda, uma vez que engenharia e modelagem são responsáveis pela concretização das formas. Para tanto, Miyake desenvolve estudos aprofundados acerca das construções, em especial a roupa. Em suas apresentações, destaca-se uma arquitetura do devir, procurando variações e possibilidades enquanto mantém a continuidade – um trabalho em que o processo e o material (tecido) colidem, se sobrepõem e se fundem como camadas de uma surpreendente estrutura que se desdobra em outras formas, como contornos que respondem a outros contornos. Em uma declaração acerca de seu interesse e propósito ao criar e construir a roupa, Miyake reflete: “O que me faz ir em frente? Uma garota bonita que vejo na rua. Digo a mim mesmo: ‘Por que ela não se interessa por mim?’ Penso nela e a história começa...” (apud BENAIN, 1999, p.7). E Miyake reflete: Sempre acreditei que as roupas deviam ser anônimas. Nem sequer me importa que as pessoas as reconheçam ou não como sendo feitas por mim. Ainda assim, e sendo apenas produtos, devem levar liberdade àqueles que as envergam. Faz parte da nossa missão, enquanto designers, trabalhar com manufaturas que nos permitam criar roupas em materiais que proporcionem a quem as veste liberdade de expressão [...] (KITAMURA, 2012, p.46). Em ambas, reafirma-se o primeiro sentido ao esboçar uma criação – intimamente ligado ao usuário. No entanto, Miyake entende que a roupa não é apenas o vestir, mas uma extensão do corpo. Para ele, a roupa transmite sensações de afeto, proteção, conforto, 63 como se já fizesse parte do corpo, e não algo passageiro e propenso ao descarte. Nesse contexto, cabe ressaltar o que se refere às soluções esculturais, como a contundente narração de Edelkoort (2012), quando aborda o vestir – não o mero vestir, mas a sensação de vestir uma peça feita por Issey Miyake: O vestido cai facilmente dos meus ombros e transforma-se numa forma livremente flutuante que pressinto mais do que sinto. Enquanto caminho, esta massa ultraleve, cor de terra e multi-plissada movimenta-se mais do que eu a movimento. A cada passo, o vestido transforma-se de acordo com as suas próprias regras, adquirindo a forma de um balão, modificando o contorno da minha silhueta. Ela sobe e desce à minha volta, conferindo um movimento inesperado ao meu andar. Quando salto, a peça de roupa desafia a gravidade e despe-me por uma fração de segundo, criando rebuliço (KITAMURA, 2012, p. 18). Observa-se que o diferencial está na maneira como a peça se ajusta ao corpo, assumindo suas formas. No entanto, as roupas, em articulação com os distintos contextos, transformam a sua configuração para cumprir uma série de exigências práticas, estéticas e protetivas. O caimento de uma roupa é um componente essencial: é do interesse do criador de moda inteirar-se das proporções naturais e médias da massa corpórea do seu usuário. Esse conhecimento da dimensão do corpo, em comunicação com tecidos tecnológicos, configura-se em formas excepcionais que permitem, interferem e abrem possibilidades ao usuário – possibilidades que aludem ao uso, expressões e movimentações. Não é à toa que muitos consideraram Miyake irreverente, revolucionário e assumidamente artístico, e suas obras marcam um ponto importantíssimo na ruptura dos padrões vigentes. Jones descreve a moda no momento em que surge Miyake: Era algo exigente, intransigente e de vanguarda: formas soltas, longas e esculturais que tinham pouca relação com as formas do corpo, cores escuras, bainhas inacabadas, às vezes coleções inteiras em preto, com rasgos e buracos remanescentes do angustiado estilo punk, e tecidos incomuns, porém altamente tecnológicos e inovadores (JONES, 2005, p. 47). Antes mesmo de conquistarem Paris após a apresentação de coleções em desfiles, Baudot (2000) relata que os japoneses – Kenzo, Yamamoto, Kawakubo e Miyake – colocaram a imprensa mundial diante de um impasse: dar crédito ou não à hipótese de mudança no sistema da moda; em resposta imediata, foram ridicularizados por alguns e rejeitados por outros. Contudo, no dia seguinte, o jornal Libération trazia a manchete: “A moda francesa tem seus mestres: os japoneses” (ibid., p. 11). Os japoneses influenciaram a moda, inicialmente, com suas proposições estéticas pela redução de elementos no resultado visual – “less is more” (“menos é mais”). Todavia, traduziam em suas linguagens de moda o máximo através do mínimo, na simplicidade de cortes, acabamentos e cores, reflete Braga (2004) – proposta de um processo de construção peculiar, obtendo formas e soluções inusitadas. 64 Citado e considerado por Baudot (2000) como grande arquétipo e arqueólogo do vestuário de registro simplificado, Miyake explora campos de criação, na busca por romper com uma concepção de normas e padrões construtivos do design do vestuário, revolucionando códigos de sedução, redefinindo a relação com o corpo, para objetivar uma forma inusitada em face da incompreensão quase geral. Ligado à contracultura, advogando ampla rejeição ao consumismo, alimenta um desejo de inventar novas formas, transformando o “vestir” num terreno de experimentações. O design se estrutura em propostas a acomodar-se em corpos distintos e variados, solucionando um vestir para todos, e também em uma única forma em constante transformação, desdobrando-se em vários modelos a se apropriar, além das funcionalidades mutantes, criando soluções do tipo “faça você mesmo”. Nesse contexto, Issey Miyake pode ser apontado como um dos designers recriadores do vestuário no século XX, com extensão até o século XXI. No percurso de seu trabalho, nada está fixo, e ele esboça o corpo numa variedade de formas geométricas, concebendo-o de modo a transgredir limites e costumes, Oriente e Ocidente, idade e gênero, onde o tecido e o corpo já não lutam, e renasce o despojamento estrito e harmonioso. Percebe-se, então que, a partir de meados dos anos 90, Miyake desenvolve projetos com um design que permite a intervenção criativa do usuário – A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE – permitindo um sortimento de resultados, em função da composição entre as peças. Graças a experimentações do corpo com o material no espaço, configuram-se criativas peças com a possibilidade de metamorfose, podendo ser dobradas e desdobradas, assumindo efeito escultural e expandindo-se em três dimensões. Apresenta-se também uma modelagem que, através de exemplos das soluções de Issey Miyake, proporcionará a análise técnica das contribuições de um design impactante, que interfere de maneira significativa no processo da modelagem no design de moda. 2.1 Pleats Please O projeto Pleats Please é elaborado em um contexto no qual se pode aferir a criação das formas com o intuito de uso universal além do conforto proporcionado à vida cotidiana. Criados em 1989, seus “plissados” deram a volta ao mundo, dos museus às butiques, das passarelas às ruas, [...], em favor do prazer de uma roupa tão confortável quanto um moletom, mas dez vezes mais leve (BENAIN, 1999, p. 5). Na década de 80, Miyake teve a incumbência de vestir o Ballet de Frankfurt, de William Forsythe. Ele conta que se recorda perfeitamente de quando os bailarinos realizaram as provas em seu estúdio. Vestindo suas criações, imediatamente ganhavam movimento (Figura 52). Por brincadeira, homens experimentavam peças das bailarinas. Ignoravam instruções e dançavam como lhes apetecia (Figura 53). Pareciam mover-se num abandono alegre que lhes permitia fazer a seu gosto. (KITAMURA, 2012, pp.38-39) 65 Figura 52 – Bailarino vestido de Pleats Please. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 43). Figura 53 – Elementos do Ballet de Frankfurt, dirigido por William Forsythe, posam com peças Pleats Please, 1996. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 47). Observa-se nas imagens abaixo (Figuras 54 e 55), o modo como a peça Pleats Please se acomoda no corpo dos bailarinos. A leveza do material plissado, em interação com o corpo, proporciona articulações extremas no espaço. Figura 54 – Possibilidades de movimentações que Pleats Please permite ao corpo. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 173). Figura 55 - Possibilidades de movimentações que Pleats Please permite ao corpo. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 183). A partir desse entendimento, o processo criativo se iniciava, desenvolvendo-se o projeto e surgindo uma modelagem que atendia às inquietações de Miyake: “Se bailarinos de tão diferentes estaturas e tipos corporais estavam a gostar tanto de vestir as minhas roupas, por que não haviam elas de produzir o mesmo efeito nas pessoas comuns?” (KITAMURA, 66 2012, p.39). Este pensamento reavivou a resolução – fazer roupas tão universais quanto os jeans e as t-shirts. Observa-se que o encontro com os bailarinos conseguiu engendrar uma forma de criar seu próprio caminho. As movimentações exploratórias do corpo apresentam possibilidades ao design; as roupas podem ser facilmente vestidas e assentam bem em qualquer pessoa, permitindo constantes transformações no uso. Portanto, a ideia se desenvolve, ganha forças e, em 1993, nasce uma linha independente de produtos sob a designação Pleats Please. O verbo “to please”, em português, traduz-se como “agradar”. Já o termo Pleats refere-se às pregas, em português. O nome surge naturalmente: “pleasing pleats” – “pregas agradáveis”. “A Pleats Please é uma obra de dimensões consideráveis que, durante quase duas décadas, investigou e explorou a natureza das pregas e as suas implicações no envolvimento, no colapso e na revelação do corpo em movimento” (ibid., pp. 26-29). Preguear é reduzir, remover, dobrar, até restar apenas uma estreita coluna. Desdobrar, por sua vez, é estender, aumentar, ganhar volume e velocidade. Dobrar, desdobrar, redobrar, transformando o tecido em uma estrutura flexível, criando uma assinatura marcante no design contemporâneo. Essa possibilidade de o material retrair-se e expandir-se evidencia uma das contribuições fundamentais do design de Miyake, visto que a técnica concede vestibilidade a corpos de múltiplas dimensões. O mundo que ele mostra nunca parece entravado, costurado, constrangido. Poucos botões, nada de tendências, apenas respostas, às vezes em forma de questões. Para onde vamos? Para algum lugar feito de lembranças novas, de movimentos esculpidos em torno do corpo, valendo-se de uma matéria camaleônica [...] (BENAIN, 1999, p. 7). Nessa declaração, soma-se outra solução desenvolvida por Miyake – uma modelagem flexível, num caminho de constante transformação. As peças se transformam com o passar das horas; os tecidos se sobrepõem, os vestidos deslizam e as mudanças vão sendo percebidas. É como um esboço onde tudo pode mudar. O próprio Miyake complementa: E sempre que as vejo no corpo de alguém, numa rua qualquer do mundo, fico satisfeito pela forma como parecem se fundir com o ambiente circundante. As roupas Pleats Please são “roupas globais”, que se afirmaram no cotidiano das pessoas, tornando-se quase uma segunda pele (KITAMURA, 2012, p. 46). Assim, confirma-se a vocação do projeto Pleats Please de oferecer um design universal – pelo uso em díspares etnias, leves, numa modelagem flexível e deleitável, voltada à vida cotidiana, adequando-se às diferentes atividades, das mais simples às mais extremas. As Figuras 56 e 57 demonstram o uso da roupa Pleats Please, confirmando o intuito e a solução de uma modelagem propícia a vestir, sem restrições. As imagens a seguir comprovam as soluções construtivas criadas por Miyake, visto que a flexibilidade e livre mobilidade do corpo proporcionadas pelo vestir Pleats Please faz-se presente no cotidiano de pessoas das mais distintas etnias e atividades. 67 Figura 56 – Pleats Please em uso nas diferentes etnias. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 216). Figura 57 – Pleats Please em uso nas diferentes etnias. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 217). As Figuras 58 e 59 destacam homens e mulheres de etnia indiana cumprindo atividades rotineiras, como a pesca. Observam-se as necessárias e constantes movimentações do remo, como o levantar, sentar, esticar, retrair. Percebe-se a praticidade da roupa Pleats Please, vinda da proposta de uma modelagem geométrica, e inversa a métodos tradicionais. Figura 58 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 463). 68 Figura 59 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 475). Ainda na Índia, as imagens a seguir ilustram outras atividades exercidas com o vestir Pleats Please. A Figura 60 refere-se à atividade artesanal, especificamente, bordados manuais, com suas movimentações também extremas, visto que demanda movimentos de abre e fecha braços, estica e comprime o corpo, além da observância de que a forma está interagindo com corpos de dois gêneros: homem e mulher. Já na Figura 61, observa-se outra atividade num outro ambiente, porém destaca-se a posição de agachamento da mulher – liberdade e possibilidades de mudanças constantes e ilimitadas da movimentação do corpo. Figura 60 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 474). Figura 61 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Índia. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 479). A Figura 62 aborda questões do uso da roupa desenvolvida por Miyake, que ultrapassa fronteiras, em distintas culturas e corpos, voltada ao uso cotidiano. Portanto, uma atividade já discutida anteriormente – a pesca – ressurge, vestindo corpos de outra etnia, em outro país – Quênia, com destaque para a proposta de Miyake e sua roupa flexível derivada do efeito das pregas em interação com a modelagem simples e geométrica, oposta à construção e estrutura rígida do ocidente. Na Figura 63, o Pleats Please chega à China: corpos de dimensões mais estreitas e miúdas, bastante distintas daquelas da Índia e até mesmo do Quênia – praticamente opostas. Contudo, Pleats Please se dissemina graças a experimentações da relação entre corpo, espaço e matéria, reformulando e reorganizando técnicas da modelagem com propostas solutivas. A imagem traz um chinês num percurso ciclístico com leveza e ilimitadas articulações proporcionadas ao corpo pela Pleats Please. 69 Figura 62 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – Quênia. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 497). Figura 63 – Pleats Please em uso nas atividades cotidianas – China. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 522). Para muitas pessoas, estas roupas nômades funcionam como uma t-shirt ou um par de calças; um artigo de viagem inevitável, um inesquecível vestido, um agasalho imprescindível, que nos segura e nos protege. Contudo, como reflete Edelkoort, as pessoas são diferentes, e há muitas para quem estas pregas agradam por ser excêntricas, únicas e padronizadas, revestidas, ou por vezes até cortadas a laser, transformando-se em rendas contemporâneas (KITAMURA, 2012, p. 26). Para Miyake, “o poder do design é fazer produtos que vão se tornar anônimos” (apud BENAIN, 1999, p.7). Por essa razão, elaborou processos construtivos inteiramente novos. Nem alta-costura, nem moda, as Pleats Please são simplesmente roupa. Roupas que abraçam e acomodam-se no corpo, de tal forma que criam vínculos. Tornam-se familiares, como se fossem uma extensão do corpo, de tão atemporais e flexíveis. Assim, seu propósito essencial é conceder o melhor vestir aos distintos corpos, invadindo diferentes espaços. Por outro lado, disseminam um projeto inovador criado por Miyake, diferentes das peças de vestuário que são desenvolvidas para ser da moda, extinguindo-se a cada estação, com características temporais e efêmeras. “Ao lançar a Pleats Please por todo o mundo, sinto que me tornei, finalmente, designer”, relata Miyake (KITAMURA, 2012, p. 46). 2.2 A-POC (A Piece of Cloth) No cenário contemporâneo, o design de Miyake torna-se cada vez mais uma referência marcante, especialmente para as reflexões sobre uma modelagem deleitável, 70 confortável e flexível, que permite ao corpo intervir nas funcionalidades da roupa com possibilidades frequentes de transformação. Para Saltzman, A transformação demanda a passagem de uma dada forma a outra forma, e essa passagem é a que define uma nova missão para o design. Se a forma é a solução de um problema e o contexto é o fator que o propõe, a transformação é o recurso que possibilita ampliar a solução e resolver diferentes problemas, manifestos ou implícitos. Isso significa pensar numa forma que possa conter muitas formas ao mesmo tempo. (PIRES, 2008, p. 308). Miyake sempre foi um designer político e independente. Ele ignora o calendário inflexível da moda, que exige uma nova coleção a cada primavera e outono. Em vez disso, cria roupas de caráter atemporal – prevalece a missão de encontrar novas formas de fazer as coisas (SCANLON, 2004). Nesse sentido, tratando de moda, o “fazer as coisas” envolve processos construtivos para configuração da roupa. E a modelagem é etapa responsável por essa construção. Issey Miyake faz uso de seu academicismo, ou seja, explora o conhecimento técnico construtivo que adquiriu ao longo de sua formação, e o soma à experiência profissional. Com isso, ostenta novas virtudes, esculpe novos contornos do corpo, gerando espaços na relação com o tecido, num esforço de transportar suas peças para o terreno do cotidiano, do mundo contemporâneo; envolve novos sistemas de criação e intencionalmente os materializa. Em 1998, ficou interessado em malhas tubulares e iniciou pesquisas sobre a forma de aplicar os recursos funcionais voltados à malharia. Segundo Kitamura (2012), as pesquisas na área têxtil que Miyake desenvolveu serviram como propósito libertador para os gestos e ajudaram a aperfeiçoar os seus talentos de escultor. Com determinação, criava-se A-POC. Chamado A-POC, o nome abrevia o termo “A Piece of Cloth”. Em português, corresponderia a “um pedaço de tecido”. Intrinsecamente ligado à missão, filosofia e conceitos de design de Miyake, o projeto é baseado em um único pedaço de tecido que permite criar roupas com inúmeras variações. A-POC caracteriza-se como um método revolucionário de construir e obter formas; consiste em uma malha dupla cuja elasticidade e potencial de aderência ao corpo são aproveitados ao máximo. Diversas formas geométricas se organizam no espaço – largura e comprimento possuem marcações no tecido através de linhas pontilhadas, e permitem ao usuário cortar as partes e compô-las a gosto, de acordo com sua necessidade ou desejo (Figura 64). Tudo depende de como o tecido é cortado – camisas, saias, até mesmo uma única peça de vestuário pode emergir – e inclusive o comprimento das mangas fica a critério do usuário. Quando os pedaços de tecido são sobrepostos ao corpo, eles parecem ganhar vida, acentuando a figura do usuário (MIYAKE DESIGN STUDIO OFFICIAL SITE, 2009). 71 Figura 64 - Conceitos da A-POC – formas demarcadas no tecido a fim de compor a roupa. Fonte: <http://serurbano.wordpress.com/2009/12/18/dialogo-brasiljapao/>. Figura 65 – Permutações possíveis a partir de um único pedaço de tecido. Fonte: <http://mds.isseymiyake.com/mds/en/ collection/>. A Figura 65 exemplifica a proposta A-POC de forma concisa e imagética. Atrás de cada figura humana representada, veem-se gradativamente partes do tecido em processo de desconstrução da roupa, chegando, no final da série, ao corpo nu emoldurado pela malha intacta. Assim, observam-se na Figura 66 abaixo, corpos que se apropriaram das diferentes e mais variadas formas estabelecidas em um único pedaço de tecido desenvolvido pelo projeto A-POC. Figura 66 – Infinitas peças se configuram a partir de um único pedaço de tecido – A-POC. Fonte: <http://www.todayandtomorrow.net/2007/06/12/a-piece-of-cloth/>. 72 Miyake afirma: “Eu pretendo continuar a desenvolver peças de vestuário com uma gama de possibilidades, nas quais o usuário possa criar uma variedade de designs”. (apud TRENDS IN JAPAN, 1999, tradução nossa). O designer procederia da mesma forma com a sua coleção “132 5 ISSEY MIYAKE“, a qual será discutida a seguir. Segundo Saillard, “a coleção foi, não só uma surpresa, como, repentinamente, tornou obsoleta a moda até então em vigor” (KITAMURA, 2012, p. 49). 2.3 132 5. ISSEY MIYAKE Issey Miyake tem sido inovador na moda. Desde que assumiu a função de designer, passou a explorar novas maneiras de fazer roupas, a fim de torná-las mais eficientes, acessíveis e contemporâneas. Ele lidera o Reality Lab 7, um consórcio de jovens designers que “desafia, explora e celebra as infinitas possibilidades da criatividade” (THOMAS, 2010, tradução nossa). Na busca por inovações, tecnologias, formas e resultados, as muitas experimentações levaram a um novo projeto em 2010, mais precisamente no dia 7 de setembro: o método tecnológico denominado 132 5 ISSEY MIYAKE. Figura 67 – Dobraduras bidimensionais que transformam em peças tridimensionais do vestuário. Fonte:<http://thrucolorfuleyes.wordpress.com/2010/11/24/issey-miyakes-origami-collection-132-5-is-totally-magical/>. 7 Formado em 2007, hoje tem oito membros. O Reality Lab é um projeto baseado no princípio de colaboração e trabalho em equipe. Seu objetivo é, através da pesquisa, explorar o futuro de fazer coisas. Procura sempre criar produtos que reflitam aquilo de que as pessoas precisam, e também encontrar novas formas de estimular a produção criativa (DEZEEN MAGAZINE, 2010, tradução nossa). 73 O próprio nome faz alusão a todo o conceito da marca (Figura 67): o número 1 representa o tecido, num único pedaço. O número 3 justifica a forma tridimensional, que se reduz a duas dimensões (o número 2, que vem em seguida). O espaço que antecede o número 5 não é gratuito: refere-se ao tempo que as pessoas ocupam desdobrando as formas planas ou bidimensionais e transformando-as em roupas, e também ao tempo que usam para vesti-las. Já o número 5 se traduz como quinta dimensão, referindo-se ao momento em que a peça é usada e ganha vida pela comunicação entre pessoas (Em física, a quinta dimensão é hipotética, subsequente às três dimensões espaciais e à quarta, que é o tempo) (TALL, 2010). Segundo Thomas (2010), o projeto começou despretensioso. Um dos designers membros do laboratório de Miyake, navegando pela internet, deparou-se com o trabalho de um cientista da computação, o japonês Jun Mitani, que elabora programas para construção de formas geométricas tridimensionais a partir de um pedaço de papel. Curioso acerca dos processos construtivos, ele transpôs o sistema para a área do vestuário, de modo que formas geométricas tridimensionais se configurassem a partir de um pedaço de tecido, em vez de papel. E a equipe embarcava nessa nova aventura de pesquisa – o projeto que viria a ser batizado 132 5 ISSEY MIYAKE, no qual surgiu uma linha de roupa origami (Figura 68) e eco-consciente, sendo que as formas com dobraduras são executadas num tecido fino produzido a partir da reciclagem de garrafas plásticas PET (TALL, 2010). Figura 68 - Origami - Dobraduras em papel. Fonte: (SOUZA, 2006, p. 73). O design está integrado, ultrapassando as fronteiras das nações, do gênero e da estrutura etária. As roupas e os espaços de vivência vão se fundir numa arquitetura, convertendo-se numa peça que nos irá abraçar gentilmente (KITAMURA, 2012). As criações de Miyake extrapolam qualquer enquadramento, enraizando-se em inúmeras possibilidades. Ele se assume como um designer, cujo campo de ação acabou por centrar-se na elaboração de roupas. Esses trabalhos constituem significativas soluções no processo construtivo, visto que, através de técnicas da modelagem, ele reorganiza, reformula e simplifica processos, no intuito de criar formas inovadoras e revolucionárias – “Um para todos e... todos em um”– discutidas, tecnicamente, no capítulo 3 a seguir. 74 3. CONTRIBUIÇÕES DE ISSEY MIYAKE um para todos, e... todos em um Issey Miyake propõe uma forma que vista todos os corpos, sem restrição de gênero, etnia, estatura, peso... – Um. Para todos. De outro lado, vários modelos que se encaixam numa única peça, metamorfoseados – Todos em um. Como atividade que requer método e planejamento, o processo da modelagem resulta em produtos derivados de experimentações que vão sendo propostas ao longo da construção. A princípio, a roupa esboçada é compreendida, executada, manipulada e explorada e, finalmente, se torna um produto de múltiplas possibilidades de uso e interação com corpos distintos. Portanto, entre os projetos de Issey Miyake que contribuíram para ampliar a visão da relevância da modelagem no design de moda, inserem-se aqui, para análise técnica, seus três trabalhos contemporâneos fundamentais, conhecidos como Pleats Please (1989), A-POC (1998) e 132 5 ISSEY MIYAKE (2010), os quais serão apresentados e discutidos a seguir. 3.1 Pleats Please Para Miyake, “[...] um simples lenço, dobrado em quatro e pregueado num determinado ângulo, deu vida a uma nova técnica de conceber pregas, técnica através da qual era possível criar roupas com formas absolutamente novas” (KITAMURA, 2012, p. 34). Sendo uma espécie de ingrediente básico, estas peças têxteis parecem mesmo possuir mente própria, pois servem a um enorme grupo de mulheres, transgredindo limites e comportamentos do corpo com roupa. Dialogam com elementos do Oriente e Ocidente na execução do projeto, e ampliam a questão da idade e gênero. Nada está fixo, mas em troca constante. Esboça-se o corpo numa variedade de formas geométricas. Nas palavras de Edelkoort, “As formas geométricas funcionam como corpos flexíveis e esticados no espaço, que originam uma superfície moduladora” (KITAMURA, 2012, p. 26). Diferente dos métodos tradicionais de construção da modelagem bidimensional que trabalha a partir de bases, incidindo na transposição de medidas precisas do corpo para o papel planificado, as contribuições de Miyake partem de estruturas geométricas onde, entre linhas, rabiscos e esboços, moldam-se inovadoras e surpreendentes formas, tendo como paradigma apenas a coexistência do corpo no espaço e sua relação com o tecido. As figuras a seguir apresentam criações desenvolvidas com base na interação dos plissados com estruturas geométricas. Observa-se que a peça da Figura 69 surge de uma construção geométrica – o círculo. Já as demais (Figuras 70 e 71) não se definem apenas numa representação geométrica, na mistura dos componentes da geometria elementar. Essa é uma das técnicas de construções que Miyake utiliza a fim de configurar formas universais. Mesmo que se construa de maneira geométrica, há uma necessidade de compreender o dimensionamento do corpo humano. Afinal, a peça se configura para melhor vestir, e vestir um corpo. 76 Figura 69 - Vestido geométrico Pleats Please de Miyake. Fonte: (HOLBORN, 1995, p.11). Figura 70 – Vestido geométrico Pleats Please de Miyake, 1990. Fonte: (KITAMURA, 1999, p.5). Figura 71 – Vestido geométrico Pleats Please de Miyake, 1991. Fonte: (KITAMURA, 1999, p.7). Tecnicamente, a modelagem é a estrutura da roupa. É ela que, quando bem executada, dará a forma, o caimento perfeito e os volumes. Etapa fundamental na concretização da criação do designer, o amplo conhecimento dessa arte possibilita soluções na interpretação dos modelos que serão produzidos (ROSA, 2009). Rosa considera que o projeto da modelagem está atrelado aos materiais utilizados e às soluções estruturais que eles permitem; afinal, existe uma estreita relação entre o material proposto e a silhueta pretendida. 77 Nas palavras do designer japonês Yohji Yamamoto, em videodocumentário realizado por Wim Wenders em 1989: Eu começo com o tecido, a matéria-prima, o toque. Depois, passo para as formas, porque... é como ... não sei, o que sustenta o que? Talvez as formas exijam certo material... ou certos materiais exijam uma forma adequada. Não sei o que vem primeiro e o que vem depois (WENDERS, 1989). Pode-se considerar que o tecido exige determinada forma, assim como uma forma estabelece uma textura – ambos caminham juntos. Portanto, a técnica da modelagem, na busca por configurar estruturas, se aplica em conformidade com a interação entre tecido e corpo no espaço. Tradicionalmente, no processo da modelagem, o modelo da peça desenvolve-se a partir de uma base, que no caso, tratando-se de uma regata, é a base de blusa (Figura 72). As pregas são desenvolvidas primeiramente no molde (Figura 73). Dobra-se o papel em efeitos sanfona, dando-lhes largura e profundidade. Após essa construção, esticamse e abrem-se as pregas até permitir novamente a planificação (Figura 74). As marcações de piques e furos são feitas no papel, sinalizando e demarcando pregas. Posteriormente, estende-se o molde sobre o tecido e começa a etapa do corte. Com o tecido cortado e demarcado, vem o processo de montagem – a costura. É então que a prega se configura, se fecha, se move. Observa-se o passo a passo nas imagens a seguir. Figura 72 – Modelagem da regata desenvolvida a partir do diagrama da Base de Blusa. Fonte: (Elaborada pela autora). 78 Figura 73 – Distribuição da largura das pences no molde da regata. Fonte: (Elaborada pela autora). Figura 74 – Modelagem da Regata – Largura e profundidade das pences. Fonte: (Elaborada pela autora). No caso da Pleats Please, o processo de construção se reorganiza, e a execução é feita de maneira inversa às técnicas tradicionais da modelagem. Utiliza-se tecido pregueado, sem a necessidade de desenvolver pregas na fase de molde. Inicialmente, as pregas se constituem no tecido para então construírem formas pela técnica da modelagem. Dessa maneira, estudos e técnicas têxteis se fortificam e criam-se linhas vincadas que lhes aplicam pregueados quando se dobram meticulosamente as roupas – basta alterar ligeiramente o centro da dobra para criar variações divertidas. As roupas assim concebidas assumem formas difíceis de definir. Segundo Miyake, através desse processo de dobrar e aplicar pregas na roupa, descobrem-se possibilidades infindáveis de construções quanto às variações de formas (KITAMURA, 2012). Nas imagens, observam-se as etapas de construção das peças Pleats Please. Vale ressaltar que as pregas são desenvolvidas e fixas nos tecidos; portanto, não há a necessidade de introduzi-las no molde. A sequência de um processo tradicional parte da modelagem, que é desenvolvida sobre a base de um corpo com medidas reais, o corte, e finalmente a montagem (costura). Já no processo do Pleats Please, de modo inverso, é preciso desenvolver a modelagem (Figura 75), o corte, a montagem (Figura 76) e, por fim, preparar a peça costurada (Figura 77) para inserir as pregas (Figura 78). No entanto, observa-se que a execução das pregas deixa de pertencer ao processo da modelagem e passa a ser aplicada na fase final com as técnicas de tecelagem, sendo ambas desenvolvidas no tecido (Figura 79). 79 Vale ressaltar que como a peça montada ainda irá passar pela etapa de encolhimento ao submeter-se às pregas, é preciso uma reorganização quanto à construção das formas. A modelagem é desenvolvida com a medida de um corpo amplificado (Figura 80). Nesse caso, é preciso analisar quanto as pregas irão reduzir seu tamanho para, então, iniciar o processo de construção. Figura 75 – Corte no tecido. Modelagem com medidas amplas do corpo. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 59). Figura 78 – Etapas do Plissado. Fonte: (KITAMURA, 2012, pp. 73 e 74). 80 Figura 76 – Costura da peça ampla. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 66). Figura 77 – Preparação da peça costurada para o plissado. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 67). Figura 79 – Regata plissada Fonte: (KITAMURA, 2012, pp. 75 e 287). Figura 80 – Peça ampla. Modelagem ampla, antes do processo de redução do plissado. Fonte: (KITAMURA, 2012, p. 261). Nesse conceito transcrito nas pregas, de “zigue e zague”, característico de contrair e expandir o tecido, permite-se pensar a roupa num sentido mais amplo de uso, visto que, juntamente com estruturas geométricas, podem-se vestir diferentes dimensões corpóreas. Miyake, com grande conhecimento das técnicas da modelagem, acaba simplificando processos construtivos. Sendo assim, não há necessidade de transpor todas as medidas exatas do corpo, muito menos repensar e preocupar-se com medidas distintas do corpo quanto a etnia, hábitos como alimentação, atitudes, características do lugar, até mesmo interferências climáticas. No entanto, torna-se relevante compreender as articulações do corpo e sua relação com o tecido. A Figura 81 demonstra a simplificação de uma construção de caráter geométrico sobre um tecido plissado. Pouco ou quase nada se percebe da estrutura, do contorno ou da dimensão de um corpo humano. No entanto, retângulos, quadrados, triângulos e círculos estão presentes e são notórios. Destaca-se uma construção transgressora, desestruturada, que elabora construções geométricas sem necessidade do traçado do diagrama da base do corpo, conforme se executa na técnica da modelagem plana. Apenas se inclui como paradigma a coexistência entre o corpo e sua ocupação no espaço – configura-se através da experimentação do tecido com o corpo, a qual remete à técnica da modelagem tridimensional. Nesse caráter de roupa simples, que parece completamente sem efeito, com poucos detalhes, é onde o mistério aumenta. Uma peça despojada e reta não é desenvolvida com base num corpo hipoteticamente congelado: é o resultado de muito trabalho, pesquisa e experimentação do corpo, assim como sua ocupação no espaço, interagindo com materiais têxteis, manuseados com tesouras, réguas, curvas francesas, fita métrica para inserção ou isenção de pences, pregas, recorte; enfim, detalhes adicionais que permitam a configuração das surpreendentes formas (DUARTE; SAGGESE, 2008). 81 Mesmo que contornos, alturas, larguras e comprimentos do corpo estejam representados num caráter geométrico elementar, há o conhecimento da proporção e das medidas, assim como há o domínio das técnicas aplicadas nos processos da modelagem, em razão da preocupação com as aberturas para vestir um corpo. Portanto, vê-se um triângulo para colocação da cabeça e aberturas nas laterais para os braços. Mesmo que a abertura do pescoço seja estreita, o tecido plissado de efeito sanfona permite a ampliação e diminuição das pregas a fim de proporcionar vestibilidade às dimensões distintas do corpo, além de melhor caimento e conforto, como se pode analisar na Figura 82. Figura 81 – Vestido Geométrico – estrutura retangular de Miyake, 1990. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 14). Figura 82 – Vestido geométrico – retangular – em uso. Miyake, 1990. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 90). As mesmas construções geométricas, com aberturas para inserção dos braços, cabeça e corpo de diferentes estaturas e dimensões, se ilustram nas Figuras a seguir. Observa-se na Figura 83, uma peça confeccionada em modelagem geométrica, acomodada no corpo na Figura 84, demonstrando uma das possibilidades de uso. A mesma proposta construtiva é apresentada na Figura 85 e demonstra um modo de vestir na Figura 86. 82 Figura 83 – Vestido - Estrutura geométrica de Miyake, 1990. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 44). Figura 84 - Vestido geométrico da figura 83, em uso. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 90). Figura 85 - Vestido - Estrutura geométrica de Miyake, 1991. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 7). Figura 86 - Vestido geométrico da figura 85, em uso. Fonte: (KITAMURA, 1999, p. 46). 83 Figura 87 - Vestido - Estrutura geométrica – círculo - de Miyake, 1991. Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 11). Figura 88 - Vestido geométrico da Figura 87, em uso. Fonte: (HOLBORN, 1995, p. 13). Na Figura 87, observa-se uma peça do vestuário, mais precisamente um vestido, que se configura a partir de um círculo. A forma geométrica desenvolveu-se em interação com o material têxtil plissado. Camadas e camadas de tecido se sobrepõem durante o processo, a fim de atingir um determinado comprimento para vestir os corpos. O fato de o plissado e formas geométricas fazerem parte da composição garante que a peça vestirá distintas dimensões corpóreas, e permitirá ao corpo constantes movimentações e infinitas articulações, lembrando que tais soluções estão integradas nas contribuições de Miyake. Segundo Heinrich (2005, p. 27), “a locomoção e os movimentos do corpo são regidos pelas articulações, proporcionando equilíbrio”. E complementa, afirmando que o corpo se mantém em equilíbrio nas diferentes posições. Para a autora, o quadril é responsável por reger organizadamente os membros inferiores ao andar, e acomodá-los ao sentar. Na região torácica, o ombro é considerado fundamental e também responsável pelo equilíbrio e movimento, neste caso, dos membros superiores. Observa-se a importância da modelagem no design de moda, e a relevância do domínio das técnicas construtivas para execução da roupa, adquiridas por Miyake e reconhecidas em suas coleções. Com ele, em análise técnica da modelagem, observase que o equilíbrio da roupa pendura-se a partir do ombro. Determinado por Miyake, este membro fundamental acondiciona a roupa, permitindo ao corpo flexibilidades. Nota-se também que a abertura central, em círculo, é a que permite o vestir, pois é por essa abertura que ocorre a passagem do corpo para a roupa apoiar-se no ombro, acomodando-se e interagindo. 84 Para tal, o círculo posicionado no meio deve ter no mínimo, a medida da maior circunferência do corpo. Quanto à distância do círculo central ao círculo da extremidade, refere-se à medida do comprimento que se pretende no modelo da roupa. Sendo assim, torna-se necessário esse conhecimento para aferir a quantidade de camadas que será suficiente. E confirma-se a transgressão dos métodos tradicionais da modelagem, visto que também não se constroem bases, tornando-se necessária uma medida de contorno do corpo (a maior) e uma medida do comprimento (do corpo ou da roupa). A montagem se executa em alternâncias para que a forma bidimensional caminhe ao campo tridimensional. Portanto, ao conectar camadas, a primeira camada se conecta com a segunda a partir da costura com a extremidade dos círculos maiores. E segue: a segunda com a terceira, com emendas na extremidade dos círculos menores, e assim sucessivamente – a terceira com a quarta, a quarta com a quinta, alternando círculos maiores e menores, até a construção do vestuário, conforme Figura 88. Em análise do Pleats Please, Benain (1999, p. 9) declara: “Enquanto passam os modelos plissados, [...] costuras se fundem com o movimento do braço. Ele se levanta, desfaz uma gola, enruga uma seda, enrola as mangas, desloca as silhuetas, troca cores.” Com ele, as peças rapidamente se metamorfoseiam. As linhas se movem, ondulam e são livres num espaço indefinido, entre Oriente e Ocidente. Segundo Miyake, “a tradição do vestuário ocidental me parecia rígida demais. Quis criar coisas que fossem livres, mental e fisicamente a um só tempo” (ibid., p. 11), sendo que o aspecto físico diz respeito às formas do vestuário. Enquanto “a roupa ocidental é cortada, modelada com base no corpo, a roupa japonesa com base no tecido” (ibid., p. 12). Em vez de Miyake escolher uma das duas técnicas, interessou-se pela coexistência entre o tecido e o corpo, os quais se tornam uma só coisa por meio do movimento. Esse processo construtivo, já mencionado aqui, destaca soluções nas formas geométricas, proporcionando liberdade de uso e flexibilidade aos diferentes usuários. O aspecto de conceito, em análise projetual de Miyake, refere-se às criações que permitam ao usuário vesti-las como preferir, como queira expressar-se, tendo liberdade de uso no ambiente que pretenda. Segundo Edelkoort, “todos transformaram estas pregas, dando-lhes, agora, outra dimensão” (KITAMURA, 2012, p.26). Portanto, o fato de a roupa, por meio das transformações das pregas, permitir ao usuário outras dimensões a apropriar-se, confirma-se e faz sentido quando Miyake relata que faz apenas a metade do caminho e a outra metade pertence a quem veste (apud BENAIN, 1999). 3.2 A-POC (A Piece of Cloth) Até aqui, discutiu-se uma modelagem enfatizada por Miyake que transgride métodos tradicionais de construção por meio da técnica de modelagem, seja ela bidimensional ou tridimensional. Formas geométricas e amplas são conferidas às proporções do corpo. Em observância ao processo de trabalho de Miyake, enfatiza-se que, a princípio, a tecnologia esteve voltada somente aos materiais têxteis, onde se desenvolvem plissados permanentes que viabilizam o uso por distintos corpos, e que significativamente interferem e alteram na elaboração construtiva da roupa. 85 Com a chegada do A-POC, em 1998, a tecnologia abandona a função ligada exclusivamente à elaboração dos têxteis e passa a integrar também a construção da modelagem da roupa. Assim, configura-se um design tecnológico num conceito de design aberto, possibilitando a intervenção do usuário. Na proposta do projeto A-POC, chama atenção o sistema de produção seriada computadorizada, que une o desenvolvimento têxtil ao surgimento da peça. Tal proposta permite criar diversos e distintos resultados, em função da composição entre as partes demarcadas no tecido. O projeto é uma mistura de tricô e tecnologia inovadora. A tecnologia do computador, combinada com técnicas tradicionais têxteis e os processos da modelagem, cria um vestuário com tamanhos originais em um tubo circular. (TRENDS IN JAPAN, 1999). Conforme Scanlon, esse processo quebra uma das regras fundamentais da física da moda: corte e costura. Normalmente, as roupas são feitas por fios em tecido e, em seguida, cortadas conforme a referência de um molde. Por fim, são costuradas para criar uma peça de vestuário. Mas o método A-POC não requer costura. A linha simplesmente entra no tear e o vestido sai. De um tubo de tecido achatado emerge uma camisa, saia, calças, blusa ou até mesmo um vestido ou bolsa, que necessita apenas ser cortado ao longo do fino contorno já costurado no tecido. Nesse sentido, observa-se que o tecido pode ser cortado naturalmente, sem que desenrole ou descosture (SCANLON, 2004). Tradicionalmente, quando se elabora um molde e estende no tecido, efetua-se o corte e, posteriormente, surge a necessidade da costura para montagem e configuração da peça. Ainda na etapa do corte, percebe-se que a parte cortada no tecido logo se decompõe por meio do desfiado, caso o tecido seja plano. Se for de malha, o efeito é enrolado, propiciando certo encolhimento. Portanto, às vezes, é preciso fazer a junção imediata das partes. No caso do tricô interagindo com meios tecnológicos da modelagem, conforme desenvolvido no projeto A-POC, as formas da roupa se constroem simultaneamente com a formação do tecido, eximindo-se de costura. As partes são simplesmente cortadas e vestidas. Isso se deve ao fato que, ao compor o tecido por métodos tecnológicos, elaboram-se estreitos e apertados fios, semelhantes ao ponto de costura, contornando as partes demarcadas que, numa composição entre si, configurarão as peças do vestuário. A Figura 89 mostra uma das lojas de Issey Miyake que fornece peças criativas desenvolvidas segundo a A-POC. Penduradas em cabides, veem-se algumas roupas já criadas dentro da variedade de formas oferecidas ao usuário. Outros cabides expõem um único pedaço de tecido (malha) com as demarcações de partes a serem recortadas conforme o desejo do corpo que irá vesti-lo, proporcionando liberdade de uso. Enquanto as araras expõem peças já finalizadas (recortadas e montadas) e peças a serem criadas, observa-se uma mesa sobre a qual uma televisão transmite a imagem do tecido com os contornos das formas e exemplifica composições e sobreposições possíveis. Na Figura 90, nota-se a execução de um processo construtivo no qual o usuário atentamente recorta as partes e as compõe conforme sua escolha. 86 Figura 89 – Loja da A-POC em Aoyama. O Computador descreve como as peças da A-POC são produzidas. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. Figura 90 – Execução da roupa A-POC. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. Cortada com precisão, seguindo as linhas pontilhadas, a roupa está preparada para vestir o corpo. Porém, jamais está finalizada, uma vez que permite constante transformação. A cada parte acrescentada, modificam-se modelos e criam-se inovadoras e surpreendentes formas. A Figura 91 ilustra uma composição que veste um manequim. Em análise, notam-se as costuras embutidas. 87 Figura 91 – Experimentações para configuração da roupa A-POC. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. O corte disponível ao usuário através das linhas pontilhadas é demarcado rente à costura e na parte externa. Já nos orifícios que posicionam os braços, cabeça e o próprio corpo, é possível cortar rente às linhas, sem necessidade de costura, uma vez que essas áreas devem ser abertas para passagem dos membros. Observa-se na Figura 92 um exemplo desse processo – uma blusa. Figura 92 – Exemplificação das linhas pontilhadas para o corte de determinada forma A-POC, no caso, uma blusa. Fonte: (Elaborada pela autora). 88 Em análise técnica do processo construtivo, Miyake possui domínio tanto das formas quanto dos tecidos. Estes são formados em equipamentos – teares – controlados por computador, cujas alavancas movem fios para cima e para baixo, de um lado para outro, em grande velocidade. Parceiro da tecnologia, “Miyake descobriu como usálos para tecer roupas prontas em vez de tecidos” (MIYAKE DESIGN STUDIO OFFICIAL SITE, 2006, tradução nossa). Nesse sentido, há uma máquina digital chamada Jacquard – um anexo de tear – que automatiza padrões de tecelagem. Em vez de usar a máquina conforme sua função original, a equipe da A-POC planejou e readaptou-a para criar costuras embutidas. Além disso, emprega o Jacquard para produzir desenhos complexos e experimentar radicalmente com todas as variáveis possíveis, especificamente nos aspectos formais (ibid., 2006). A-POC é uma ideia que derruba totalmente padrões construtivos tradicionais. É feita em uma sequência na qual o fio literalmente entra na máquina e ressurge tecido, com formas e costuras (DESIGN BOOM, 2001). Conforme citações anteriores, é necessário ressaltar que a forma se configura a partir da relação entre tecido, espaço e corpo. Não se sabe o que vem primeiro, se a forma pede determinada textura ou se um tecido exige uma forma específica. Fato é que ambos caminham juntos para configurar-se num design inovador e revolucionário. Essas características justificam-se pelo fato de Miyake reelaborar, reformular, reorganizar e reinventar métodos construtivos que interagem na configuração da roupa (já costurada) com o tecido (enquanto fios). Ao elaborar formas em tecidos que permitem elasticidade, simplifica-se a modelagem, abandonando complexos cálculos e construções. No projeto A-POC, desenvolve-se tecido – a malha, a qual garante elasticidade em razão dos fios que a compõem. Estendendo-se e reduzindo-se, assim como os efeitos dos plissados nas técnicas do Pleats Please, ela facilita a vestibilidade em corpos de diferentes dimensões. Semelhantes às soluções formais da Pleats Please, as peças em A-POC também estabelecem características geométricas. Demarcadas no tecido, são adaptáveis a qualquer parte do corpo, e a qualquer corpo. Como são adequáveis a qualquer parte do corpo, exige-se uma modelagem simples, de preferência geométrica, onde pouco ou quase nada se destaca nos contornos da silhueta. Assim, uma determinada forma tem possibilidade de uso nas diversas partes do corpo. Na Figura 93, observa-se uma composição que se configurou numa peça utilizada como saia. No entanto, em análise, notam-se alguns punhos como partes integrantes. Essa parte, geometricamente formal, poderia ser usada na parcela superior do corpo, como blusa, para passagem dos braços, ou até mesmo como manga. Por outro lado, afirmar que são adaptáveis a qualquer corpo também corresponde a dizer que vestem corpos de diferentes etnias, estaturas, dimensões, enfim, seja qual for o motivo da distinção. 89 Figura 93 – Composição das partes demarcadas, resultantes em uma peça do vestuário, mais precisamente, saia. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. A Figura 94 demonstra a construção da modelagem no projeto A-POC. Como primeiro passo, esboça-se o molde no papel. Tradicionalmente, o processo é executado pela técnica da modelagem bidimensional. Figura 94 – Modelagem para o projeto A-POC. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. Porém, os métodos construtivos se reorganizam, reformulam e simplificam. A modelagem demonstrada não parte necessariamente de uma base de corpo. Observase uma construção geométrica, ampla, justamente para vestir inúmeros corpos. Exemplifica-se essa construção da modelagem: A base de blusa (Figura 95) é exatamente a medida de um corpo transcrito no papel. Portanto, é considerada a transferência do corpo real em forma de desenho. 90 Figura 95 – Diagrama da base de blusa – Frente e Costas. Fonte: (Elaborada pela autora). Figura 96 – Base de Blusa confeccionada, de Martin Margiela. Fonte: (FUKAI et al, 2006, Tomo II, p. 665). Em análise, verifica-se que a base da frente difere da base das costas, uma vez que as mulheres possuem volumes dos seios. Uma das distinções refere-se ao posicionamento, largura e comprimento das pences, sinalizadas para serem fechadas quando da confecção, para que a peça adira ao corpo. Uma vez fechada, a vestimenta se ajusta, contornando a estrutura anatômica, conforme a Figura 96. Por serem desenvolvidas a partir de uma tabela de medidas padronizadas, as bases dificilmente vestirão diferentes corpos, uma vez que essas padronizações são préestabelecidas por região, e não universais. Miyake, preocupado em criar as tais peças universais, encontra resposta na construção das formas geométricas que tampouco exigem os diagramas de bases com cálculos matemáticos complexos. Simulam-se nas Figuras 97 e 98 as etapas construtivas da modelagem representada na Figura 94. Primeiramente, ilustra-se a modelagem executada a partir do diagrama das bases. Observa-se que mesmo que a base da frente difira da base das costas, o molde resultante, geométrico, permite semelhanças entre essas duas partes. Além disso, percebe-se a amplificação da forma, se comparada aos diagramas de bases. Nesse sentido, a construção é simplificada, visto que apenas linhas proeminentes compõem a configuração do traçado. Isso é observado na Figura 99. 91 Figura 97–Construção da Modelagem A-POC a partir do diagrama da base de blusa - Frente. Fonte: (Elaborada pela autora). Figura 98 - Construção da Modelagem A-POC a partir do diagrama da base de blusa - Costas. Fonte: (Elaborada pela autora). Figura 99 - Construção da Modelagem A-POC a partir das linhas proeminentes – circunferência e comprimento. Fonte: (Elaborada pela autora). Em vez de retraçar a base com todas as medidas do corpo – o que dificulta a construção – evita-se complexos cálculos, pelo simples traçado das linhas guias, as quais se referem às linhas de contorno e comprimento, sem necessidade de desenhar o corpo. Porém, vale ressaltar a relevância do domínio das construções tradicionais para que se desconstruam, reformulem e reorganizem métodos construtivos. Uma vez configuradas, as linhas guias são digitalizadas e aplicadas no tecido ainda em estruturação. Enquanto posicionam-se nos tecidos, as marcações das costuras embutidas seguem junto com os moldes. 92 As Figuras 100 e 101 mostram o tecido com as marcações dos moldes e costuras. Acima do tecido demarcado, veem-se os moldes desenvolvidos, antes mesmo de serem digitalizados, confirmando a transferência real dos moldes para o tecido. Figura 100 – Modelagem transposta para o tecido por meios tecnológicos – A-POC. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. Figura 101 - Modelagem transposta para o tecido por meios tecnológicos – A-POC. Fonte: <http://androniki.com/A-POC%202004/index.htm>. 93 Pense que a modelagem acontece de maneira aberta, e que as formas propiciam diferentes peças, as quais podem ser utilizadas de vários modos. Por meio da experimentação, o corte revela as estruturas e a inversão da utilização da peça, que transforma saia em blusa ou vestido em calça. Ou ainda, quem sabe, uma manga em gola. A Figura 102 sintetiza o passo a passo da composição das partes em peça do vestuário, pela intervenção do usuário. Observa-se que o design proposto resulta numa blusa sem golas e mangas curtas, que inicialmente, esboçava-se num único pedaço de tecido, com golas e mangas compridas. Figura 102 - Execução de uma blusa por meios técnicos A-POC. Fonte: <http://www.designboom.com/eng/funclub/apocshop.html>. Na Figura 103, em plena passarela, a roupa se forma e se transforma, evidenciando um design que permite a intervenção do usuário, à medida que cria peças de funcionalidades mutantes, propensas a se desconstruírem e reformularem, devido à criação de uma modelagem demarcada no tecido, em formas distintas e variadas, oferecendo liberdade para que o usuário se aproprie dos modelos. Figura 103 – Execução em desfile de uma calça, por meios técnicos A-POC. Fonte:<http://web-japan.org/trends 00/honbun/tj990618.html>. 94 Figura 104 – Exposição A-POC Metragens de tecidos, configuram-se em peças do vestuário. Fonte: <http://thecolorainbow. wordpress.com/2010/10/05/apocdesigns/>. A imagem (Figura 104) expõe a proposta A-POC, demonstrando que um tecido assume os mais variados modelos, e que distintos corpos apropriam-se a seu gosto. Vale ressaltar que não se trata simplesmente do uso, mas da realização de estruturas vestíveis, pois a planificação do tecido, ao interagir com o corpo no espaço, ganha diferentes formas tridimensionais. 3.3 132 5. ISSEY MIYAKE Segundo Mello, [...] através de uma análise do usuário contemporâneo, observa-se que existe uma forte interferência dos modismos sobre a forma de viver que é sugerida pela mídia. Não é difícil notar que os hábitos, os costumes e a estética ocidental nunca estiveram tão influenciados pelos valores orientais, [...]. (PIRES, 2008, p. 89) Nesse contexto, complementa Saillard (KITAMURA, 2012, pp. 48-49) que “tratava-se, sobretudo, do momento certo para inventar uma solução em matéria de vestuário a serviço de uma filosofia de moda contemporânea”. Para Mello (PIRES, 2008, p. 89), “o designer de moda Issey Miyake, [...] desde as últimas décadas do século XX, tem influenciado a cultura e, por que não dizer, até redirecionado o design ocidental”. Não se pode afirmar que os japoneses sejam responsáveis por uma mudança de comportamento, mas o fato é que, no âmbito internacional, os criadores – Miyake entre eles – graças a experimentações com o material, desenvolveram peças que se metamorfoseiam, que podem ser dobradas ou esticadas, gerando um efeito escultural ao expandir suas formas no campo tridimensional (ibid., p. 102). Assim, no ano de 2010, desenvolve-se um dos projetos mais incríveis no quesito de construções revolucionárias com possibilidades mutantes de uso, que partem de dobraduras bidimensionais, transformando-se em surpreendentes roupas tridimensionais. Essa construção é possível graças a um programa computadorizado de modelagem, projetado por Mitani, denominado ORIPA 8, que projeta formas tridimensionais das roupas, inserindo padrões de vincos semelhantes a origamis. Na Figura 105, verificam-se quatro janelas abertas em ordem construtiva. Acima, à esquerda, um quadrado – inseridos nele, vê-se um desenho composto por linhas que representam os vincos. Na sequência, acima, à direita, em outra janela, surgem as linhas e desenho finalizados. Abaixo à esquerda, vê-se uma suposta configuração do design, que parte de uma forma geométrica quadrada. Na última janela, abaixo e à esquerda, 8 Software de desenho dedicado a projetar os padrões de dobras do origami. A característica particular do ORIPA é o cálculo da forma dobrada a partir do padrão. Primeira versão lançada em 2005 (MITANI, 2012, tradução nossa). 95 observa-se o design final tridimensional, demonstrando posicionamento e sentido (para baixo ou para cima, para a esquerda ou para a direita) dos vincos. Figura 105 – Aplicação das dobraduras por meios digitais. Fonte: <http://mitani.cs.tsukuba.ac.jp/oripa/>. Conforme Tall (2010), tudo sempre deriva de um único pedaço de tecido, que é dobrado em um plano de 10 modelos básicos (formas dobradas). Alguns dentre os 10 podem ser vistos nas Figuras 106 a 111. Figura 106 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-byissey-miyake/>. 96 Figura 107 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-byissey-miyake/>. Figura 108 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-byissey-miyake/>. Figura 109 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-byissey-miyake/>. Figura 110 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-byissey-miyake/>. Figura 111 – Modelo básico de dobraduras bidimensionais. Fonte: <http://www.dezeen.com/2010/10/05/132-5-byissey-miyake/>. Dobradas, “as roupas são agradáveis formas geométricas planas e arredondadas, como estrelas e redemoinhos” (THOMAS, 2010, tradução nossa). Os vincos acentuados no tecido são flexíveis, mas permanentes, de modo que, ao abrir a roupa, emerge uma forma multifacetada em 3D, definida pelo usuário de maneira bem próxima à customização (TALL, 2010). Portanto, ao desdobrá-las, os multifacetados tubos podem ser usados nos mais variados modelos de vestuário, fazendo uso das diferentes escalas e combinações. Podem também converter-se em saias, vestidos, blusas, camisas. Existem muitas outras variações das roupas, visto que são criadas em diferentes tamanhos de uma mesma forma, e em diferentes combinações de formas. Na intenção de tornar os tubos mais versáteis, Miyake, estrategicamente, coloca encaixes e marcações, o que possibilita ao usuário alterar temporariamente a forma da peça, criando mangas e até mesmo pernas da calça (Figuras 112 e 113). 97 Figura 112 - Calça geométrica (origami). Dobrada, ainda em forma bidimensional. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-isseymiyake-autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashioninvention/>. Figura 113 - Calça geométrica (origami), da Figura 112, em uso. Desdobradas, em formas tridimensionais. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-isseymiyake-autumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashioninvention/>. Na Figura 112, podem-se ver os tubos considerados versáteis, de modo bidimensional que, ao vestir um corpo (Figura 113), configura-se em uma confortável forma tridimensional, a calça. A Figura 114 desvenda a transformação de uma forma geométrica quadrada, planificada, à medida que ela se converte em um vestido escultural e tridimensional. Observa-se que uma única peça de tecido é dobrada em forma de quadrado. Vincos se formam por meio tecnológico, graças ao programa computadorizado desenvolvido para criação de dobraduras de origamis adaptados à modelagem do design de moda. Os quadrados são sobrepostos em sequência, por tamanhos – do maior para o menor, sendo a medida máxima pertencente à base. Na extremidade superior do quadrado, vê-se uma tira que, puxada para cima, faz surgir uma forma tridimensional: a forma do vestido; e a própria tira toma o formato de uma alça, sem permanecer meramente como um instrumento que intermediasse a transformação do bidimensional ao tridimensional. Devido ao domínio técnico de construção, e principalmente da necessidade de equilíbrio, Miyake insere a alça como uma das partes fundamentais do vestuário, visto que a roupa, por ser dimensionada em comparação ao corpo, sustenta-se pela alça para se posicionar no ombro. A forma, neste caso, um vestido, é produzida pelas dobras e determinada por triângulos que compõem a estrutura. Um suave movimento faz surgir uma enorme extensão de tecido, transformando-o automaticamente em um vestido escultural. Num simples tecido dobrado que se desembrulha em algo como um cone, é projetada uma forma para vestir intencionalmente um corpo humano. Portanto, Miyake funde a matemática da dobradura com técnicas da modelagem, em especial a geométrica, para configuração da roupa. 98 Figura 114 - Calça geométrica (origami). Dobrada, ainda em forma bidimensional. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyake-autumnwinter-2012-origami-tributeto-the-fashion-invention/>. Nesse sentido, observa-se que a 132 5 ISSEY MIYAKE, fundada em 2010, é também uma extensão natural do trabalho recente de Miyake, em especial da Pleats Please e A-POC, roupas tubulares feitas de uma única peça de tecido (THOMAS, 2010). Roupas em forma de tubos: caracterizam-se por um eixo vertical de comprimento variável que, horizontalmente e de maneira circular, possuem medidas de contorno que podem ser referidas como diâmetros, em termos matemáticos. Exemplifica-se na Figura 115: Figura 115 – Medidas do corpo para execução de modelos tubulares. Fonte: (Elaborada pela autora). 99 Transportando para o vestuário, visto que a peça destina-se a vestir um corpo, o diâmetro refere-se às medidas do contorno do corpo, assim como o eixo vertical remete às medidas de comprimento do corpo ou da peça a ser criada. Nesse sentido, discute-se a relevância do domínio da modelagem para concretização do design. Mesmo que as roupas resultem em peças tubulares para vestir diferentes corpos, sua construção parte de formas geométricas, especificamente o quadrado (Figura 116). Figura 116 – Vestido geométrico, no caso, quadrado. Ainda em forma bidimensional. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyakeautumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. Figura 117 - Vestido geométrico, no caso, quadrado. Desdobrado, em forma tridimensional. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyakeautumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. Na imagem, observam-se dobraduras de tecido em camadas, que remetem a vários quadrados de diferentes tamanhos inseridos num quadrado maior, em sequência escalonada. Na extremidade superior, o quadrado de menor tamanho e algumas tiras – as alças. Ao puxar as tiras, os quadrados se desdobram, criando peças com formato de tubos – um vestido tubular (Figura 117). Propício a vestir um corpo, o menor quadrado, localizado na extremidade superior (Figura 116), também no corpo, posiciona-se na parte superior. Portanto, a medida desse quadrado específico deve prever no mínimo a medida do contorno da cabeça, somada a espaço para folgas. Mesmo que, na construção, as medidas decorram de modo inferior ao necessário para provocar o vestir, Miyake nunca se esquece de sua proposta de um design para todos, estabelecendo um melhor vestir. Assim, não diferente dos projetos anteriores aqui discutidos, as formas desenvolvidas no projeto 132 5 ISSEY MIYAKE, se configuram, principalmente, a partir da interação com tecidos que possuem elasticidade ou técnicas pelas quais eles se expandem e se contraem. Com certas intervenções da 100 superfície têxtil, é possível a flexibilidade do corpo, além de permitir o uso de maneira ampla nos diferentes corpos. Na base do quadrado, impõe-se uma medida maior, visto que é por onde vai passar o corpo. No entanto, conforme medidas antropométricas analisadas a partir da tabela de medidas (Figura 118), o contorno do quadril caracteriza-se pela maior medida de circunferência do corpo. Assim, o quadrado da base deve ter, no mínimo, a medida do contorno do quadril com o acréscimo de folgas para permitir mobilidade e conforto ao usuário (Figura 119). Uma vez que a peça permite a passagem do quadril, as demais partes do corpo a vestem com facilidade e de maneira acessível. Figura 118 – Tabela de medidas antropométricas padronizadas. Fonte: (SABRA, 2009, p. 74). Adaptada pela autora. Figura 119 – Exemplo da aplicação das medidas do corpo para um quadrado bidimensional. Fonte: (Elaborada pela autora). Figura 120 – Linhas proeminentes do corpo. Fonte: (Elaborada pela autora). 101 Na Figura 119, veem-se quadrados com as medidas proeminentes do corpo. Isso embasa a simplificação dos métodos construtivos, uma vez que, pela técnica da modelagem, não há necessidade do traçado de diagramas de bases: apenas as linhas guias do corpo, referentes à circunferência e comprimento, como demonstra a Figura 120. Uma vez definidas, as medidas são transpostas para o quadrado, conforme imagem anterior (Figura 119). A equipe projeta formas tridimensionais, utilizando o aplicativo CG9. É através dessa parceria que se estabelecem os vincos. Em seguida, usam os diagramas para fazer formas 3D a partir de papel, e estudam maneiras de eles poderem voltar a ser dobrados em formas planas. Para tanto, é necessário incorporar “linhas de dobra” e “linhas de corte”, não incluídos nos diagramas CG originais (DEZEEN MAGAZINE, 2010). Portanto, a experimentação que relaciona tecido, corpo e espaço é fundamental para o processo, pois é preciso olhar para cada peça de roupa pelo ponto de vista construtivo. Mesmo que tradicionais, são a técnica e o domínio da modelagem que solucionam questões do corte, montagem e costura, além da vestibilidade, conforto, estética e criativas permutações proporcionadas ao usuário. Figura 121 - Blusa geométrica (origami), no caso, quadrado. Dobrado, ainda em forma bidimensional. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyakeautumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. 9 Figura 122 - Blusa geométrica (origami) da Figura 121, em uso. Desdobrada, em forma tridimensional. Fonte: <http://edelscope.com/2012/06/21/132-5-issey-miyakeautumnwinter-2012-origami-tribute-to-the-fashion-invention/>. Software para criar formas geométricas que contém formas tridimensionais com eixo de simetria. As suas características são orientadas para a criação das formas ao dobrar uma folha de papel (DEZEEN MAGAZINE, 2010, tradução nossa). 102 As Figuras 121 e 122 exemplificam a construção bidimensional que, a partir de formas geométricas e técnicas de dobradura, transformam-se em esculturais peças do vestuário à medida que se desfraldam. Mais uma vez, observa-se que a peça parte de uma construção geométrica (Figura 121). O quadrado adquire vincos e dobraduras por meios tecnológicos. Pelo fato de vestir a parte superior de um corpo, no caso, com o comprimento desde os ombros até aproximadamente a altura do quadril, observam-se as poucas camadas de dobraduras sobrepostas no quadrado bidimensional. Essa compreensão de medidas apenas torna-se possível quando o designer domina os processos construtivos da modelagem. E vale lembrar que “o processo de desenvolvimento de uma peça do vestuário se inicia a partir da observação do corpo, do seu mapeamento, e termina com a aprovação do próprio corpo”, segundo Santos (SABRA, 2009. p. 39). Nesse sentido, tal domínio técnico é o que faz Miyake utilizar-se do ombro como suporte da vestimenta, conferindo equilíbrio ao corpo (Figura 122). A roupa, ao apoiar-se no ombro e apresentar amplitude formal, permite a flexibilidade na movimentação. Tais processos construtivos – transgressores e tecnológicos – possibilitam ao usuário a intervenção na roupa, podendo vesti-la de infinitas formas, pela vestibilidade em estruturas corpóreas distintas e variadas – desde as mais magras e baixas às mais altas e salientes, tanto as mais novas quanto as mais experientes, além de a modelagem proporcionar ao corpo flexibilidade no espaço. 103 Considerações Finais Com o propósito de discutir a modelagem no design de moda e sua inserção no processo criativo, exemplificando com a análise de peças com estruturas inovadoras, esta dissertação proporcionou-nos uma oportunidade de reflexão, conjugada com nossa experiência prévia – ligada à prática e ao ensino da modelagem – e às leituras e debates que guarneceram o curso de pós-graduação stricto sensu em design. Tal visão se ampliou até a perspectiva de uma modelagem sem amarras, pronta a vestir corpos distintos em várias espacialidades e com perspectiva de constante transformação. Analisando a relação entre corpo, tecido e espaço, esta dissertação enfoca as criações de Issey Miyake e sua relevância para o desenvolvimento das formas. No que tange a modelagem, seu trabalho denota dificuldades surgidas em vários momentos, tanto do vestir quanto da construção de moldes. A pesquisa aponta questões sobre o papel da modelagem e reconhece, nos projetos selecionados para este fim, as particularidades da construção da roupa de Issey Miyake. Um dos questionamentos referia-se ao vestir, posto que, em certo período e ainda hoje, roupas com estruturas rígidas apertam silhuetas, demarcando contornos e acentuando curvas. Tecnicamente, formas com tais características – adotadas no ocidente – requerem complexos métodos e cálculos para construção da modelagem, e enfrentam problemas com respeito à padronização de medidas. Ao lembrar que os corpos ao redor do mundo se distinguem significativamente em termos de proporções e estaturas, torna-se difícil que uma variedade deles se encaixe em tais estruturas rígidas e anatômicas. Adicionalmente, essa modelagem não permite flexibilidade do corpo, tendo sua movimentação limitada no espaço, muitas vezes impossibilitando o cumprimento de atividades cotidianas. Nesse sentido, ao observar os trabalhos realizados por Miyake – Pleats Please, A-POC e 132 5 ISSEY MIYAKE – notam-se os espaços criados entre roupa e corpo; e as diferentes técnicas que proporcionam e permitem flexibilidade, além da facilidade na movimentação do corpo no espaço. Estruturalmente inversos aos métodos tradicionais, estes projetos incluem inovadoras construções de características menos complexas, que solucionam as dificuldades inerentes às padronizações, possibilitando vestir os mais variados e distintos corpos. Tal procedimento, especificamente no projeto Pleats Please com a técnica do plissado que se amplia e se reduz, sugere uma modelagem deleitável e flexível, que rompe barreiras quanto a estaturas e proporções corpóreas. Já o A-POC, com a mesma finalidade de propor algo brando, aceitável e com soluções construtivas e significativas, apresentou uma modelagem de caráter geométrico que se constrói juntamente com o tecido e, semelhante ao efeito do plissado, possui característica de amplitude e diminuição, proporcionando o fácil vestir a diferentes corpos. No projeto 132 5 ISSEY MIYAKE, não diferente, o designer produziu uma modelagem geométrica por meios tecnológicos, com grande conhecimento e domínio das técnicas construtivas, reorganizando e renovando métodos na execução do processo da modelagem. Nesse projeto, as roupas adquirem formas inusitadas, desenvolvidas por técnicas de dobraduras, que lhes permitem a 105 expansão e a compressão – os espaços distanciam o corpo da roupa e possibilitam uma modelagem flexível ao corpo e vestibilidade às inúmeras proporções. Todos esses aspectos identificados, complexos tanto para o usuário quanto para o designer, despertaram o interesse de Miyake, que saiu em busca de soluções vestíveis. E já na década de 1970, ele começava a romper com princípios encapsulados e a propor o inusitado, suprindo aspectos de uso e aspectos construtivos. Os desdobramentos dessa iniciativa resultaram eficazes para quem veste, para quem cria e para quem produz. A lida com essa ocupação do espaço, essa proximidade entre corpo e materiais têxteis, junto com a tecnologia – vínculos bastante intensificados e prioritários na criação de Miyake – permitiu a esse designer de moda buscar novas soluções de construção, viabilizando a produção de roupas mais elaboradas. Assim, a modelagem conquistou importância no processo criativo, e ele passava a criar vida no espaço amorfo, introduzindo movimento onde existia rigidez, com um trabalho pleno de peças conceituais, inovadoras e tecnológicas. Em Pleats Please, observou-se a identificação e acomodação a diversas etnias, ao vestirem a roupa criada por Miyake. Sendo assim, notou-se que o usuário utilizava o vestuário no modo flexível de entendimento do espaço. Essa livre possibilidade de manipulação pelo usuário se deve ao fato de Miyake construir uma modelagem ampla e de caráter inovador. Tal processo se concretiza no conhecimento, planejamento e domínio das técnicas construtivas, juntamente com as exigências de um mundo contemporâneo. No A-POC, mais do que nunca, o usuário é quem ornamenta seu corpo. É ele quem constrói sua roupa conforme as demarcações sugeridas por Miyake. E é Miyake quem propõe diversas possibilidades para que o usuário encontre diversidade em uma única peça, podendo compô-la nos mais variados modelos. Finalmente, esse intuito de uma modelagem inovadora, conceitual, inconstante e flexível se traduz no projeto 132 5 ISSEY MIYAKE, onde dobraduras bidimensionais transformam-se em tridimensionais posicionadas no corpo conforme o desejo do usuário. É um processo de manifestação que procura a multiplicidade de variações e de possibilidades, um trabalho em que o processo e o material colidem, se fundem e se sobrepõem como camadas de uma nova e surpreendente forma. A contemporaneidade foi, assim, alimentada por um desejo de reinventar formas, transformando o universo da moda num terreno de experimentações. E Miyake é contemporâneo, na medida em que recorre a técnicas da modelagem, opondo-se aos métodos construtivos tradicionais e às formas que regulam as roupas no Ocidente. As técnicas de modelagem com o apoio de bases planas, essenciais para a moda tradicional, são muitas vezes reduzidas à mais simples configuração e expressão, resultando em peças geométricas que favorecem e caracterizam sua criação. Assim, em sua ânsia por novas dimensões e novos modos de expressar a contemporaneidade, Miyake escolheu o caminho da transformação e da inovação na elaboração das formas. Ele não hesita em reduzir velhas ideias a cinzas, assegurar-se da dissolução de regras construtivas e de conceitos preconcebidos de vestuário, em sua busca pelo design para um público universal – que o próprio designer chama de o design para todos. 106 O que se procurou refletir e demonstrar com a presente pesquisa diz respeito ao entendimento da modelagem como processo fundamental na criação e desenvolvimento do produto de moda. A relevância desse conhecimento ganha volume na medida em que são propostas soluções, exemplificadas na observação das peças, num exercício de tradução, de aproximação com o reconhecimento da técnica. Na análise das criações de Miyake, a modelagem que se vê é simplificada e elimina a complexidade construtiva. Assim, procuramos despertar o interesse do leitor pelo assunto, abandonando a perspectiva de um planejamento metodológico árduo, complexo, e abraçando um campo necessário de domínio, com aplicações talvez consideradas simples, na medida em que apresentam medidas básicas e linhas proeminentes, produzidas com a experimentação e a pesquisa. Tais exercícios de experimentação se traduzem em formas surpreendentes, quiçá inexistentes. Esperamos que esta análise do trabalho de Miyake sob o viés da modelagem possa abrir caminhos para outros trabalhos, permitindo a aproximação do processo construtivo, e a interpretação da modelagem como experimentação fundamental, solutiva e prática deleitável para configuração de inovadoras formas. 107 Referências Bibliográficas BAUDOT, F. Moda do Século. 4. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008. ______. Yohji Yamamoto. São Paulo: Cosac Naify, 2000. BENAIN, L. Issey Miyake. São Paulo: Cosac Naify, 1999. BENAIN, L.; RIBEIRO, E.A. Issey Miyake. São Paulo: Cosac Naify, 1999. BOUERI, J. J. Sob medida: antropometria, projeto e modelagem. In: PIRES, D. B.(org.) Design de moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008. pp. 347-369. BRAGA, J. História da Moda. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004. CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012. ______. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Blucher, 2004. CASTILHO, K.; MARTINS, M.M. 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Acesso em: 27 abr. 2013. 115 Figura 124 – Imagem da retranca do capítulo 01 Fonte: Disponível em: <http://aneclecticeccentric.wordpress.com/tag/issey-miyake/>. Acesso em: 27 abr. 2013. 116 Figura 125 – Imagem da retranca do capítulo 02 Fonte: Disponível em: <http://mgnsw.org.au/uploaded/Exhibitions/GREAT%20COLLECTIONS/Image1_Miyake_1.jpg>. Acesso em: 27 abr. 2013. 117 Figura 126 – Imagem da retranca do capítulo 03 Fonte: Disponível em: <http://www.katep.it/2866/02-architettura-design/fashion-pleats-please-issey-miyake-taschen/ attachment/mi_miyake_pleats_please_08/>. Acesso em: 27 abr. 2013. 118