DIAGNÓSTICO DAS INFECÇÕES RELACIONADAS AOS CATETERES VASCULARES CENTRAIS NO HIAE Introdução O diagnóstico clínico da infecção da corrente sangüínea relacionada ao cateter vascular (ICS-RC) é muitas vezes difícil. Em muitos casos este diagnóstico é superestimado, resultando na remoção desnecessária do cateter e no uso abusivo de antimicrobianos. Os marcadores clínicos apresentam uma pobre correlação, não sendo em muitos casos suficiente para estabelecer o diagnóstico, em virtude da sua pouca sensibilidade e especificidade. Febre, associada ou não a calafrios, é um marcador bastante sensível, porém, pouco específico, especialmente em pacientes graves em unidades de terapia intensiva para predizer se esta infecção está relacionada ao cateter vascular. Por isso os exames microbiológicos podem auxiliar neste diagnóstico. Definições comumente utilizadas nas infecções relacionadas a cateteres vasculares Termo Colonização do cateter Flebite Descrição 3 Crescimento significativo de microrganismo em cultura quantitativa (>10 UFC/segmento de cateter) ou semi-quantitativa (>15 UFC/segmento de cateter). Inflamação local, com induração, eritema, calor, edema e pus em torno do local de saída do cateter (especialmente em infecções venosas). Para cateteres de longa permanência - Infecção do sítio de saída É um tipo de infecção relacionada aos cateteres tunelizados, cuja saída é através da pele. Caracteriza-se pela presença de eritema, calor ou induração dentro de 2cm do sítio de saída, na ausência de infecção concomitante da corrente sangüínea, com ou sem pus no local. - Infecção do túnel Dor, eritema ou induração ao longo do túnel do cateter e acima de 2cm do seu óstio de saída, na ausência de infecção concomitante da corrente sangüínea. Os sinais locais de inflamação podem estar ou não acompanhados de secreção purulenta. - Infecção da bolsa Presença de pus na bolsa subcutânea de um cateter totalmente implantado (port), que pode estar associado a ruptura espontânea, drenagem ou necrose da (“pocket”) pele subjacente, na ausência de infecção concomitante da corrente sangüínea. ICS* relacionada a Há crescimento do mesmo microrganismo nas culturas da solução de infusão e contaminação da nas hemoculturas colhidas por meio de punção periférica, sem outro foco de solução de infusão infecção. ICS relacionada ao Isolamento de bactéria ou fungo em uma ou mais hemoculturas colhidas por cateter punção periférica em um paciente que possui um cateter vascular, que apresenta sinais clínicos de infecção (febre ou hipotermia, calafrios, hipotensão, taquicardia 1 ou leucocitose) na ausência de outro foco infeccioso e um dos seguintes: - isolamento do mesmo microrganismo (bactéria ou fungo) em hemoculturas e na ponta do cateter vascular; - hemoculturas quantitativas coletadas simultaneamente através do cateter e por punção periférica, com crescimento superior a 5:1 na amostra coletada através do cateter; - hemoculturas coletadas simultaneamente através do cateter e por punção periférica, com detecção mais precoce do crescimento de microrganismos (>2h) na amostra coletada pelo cateter. Diagnóstico microbiológico A remoção e cultura do cateter vascular foram durante muito tempo o padrão-ouro para o estabelecimento do diagnóstico de infecção relacionada a cateter, especialmente em cateteres venosos centrais (CVCs) de curta permanência. A principal limitação da cultura da ponta do cateter é a necessidade da remoção do cateter para a realização do exame. Isto resulta freqüentemente na remoção desnecessária de cateteres. Alguns estudos demonstram que apenas 20% a 25% dos cateteres removidos com suspeita de infecção realmente eram os responsáveis pelo processo infeccioso. Tornaram-se necessários métodos para estabelecimento deste diagnóstico “in situ”, sem requerer a retirada do cateter. Portanto, atualmente o diagnóstico laboratorial pode ser dividido em técnicas que necessitam da retirada do cateter e técnicas conservadoras, que são realizadas na presença do cateter, buscando obter o diagnóstico sem a sua remoção. Diagnóstico laboratorial das ICS relacionadas a CVC Técnicas que envolvem a retirada do CVC Técnicas conservadoras, que mantém o CVC “in situ” - Semi-quantitativa (Maki, roll plate ou - Hemoculturas pareadas rolamento do cateter) - Diferencial do tempo de positividade - Quantitativa (vortex, sonicação) (hemoculturas qualitativas) - Hemoculturas quantitativas 2 1) Técnicas que envolvem a retirada do cateter Cultura da ponta do cateter A técnica laboratorial mais amplamente utilizada para o diagnóstico de infecção relacionada ao cateter é a semi-quantitativa, na qual é realizado o rolamento de um segmento do cateter na placa de ágar e após a incubação por 48 horas a 37ºC é realizada a contagem do número de colônias. Técnica semi-quantitativa (Maki) As técnicas quantitativas exigem o flush do segmento do cateter com um caldo de cultura, o vortex ou sonicação em caldo, seguido pela diluição seriada e a semeadura em placa de ágar sangue. a) Colocação do cateter em um caldo b) Vortex b) Semeadura em caldo O crescimento de ≥15 ufc (unidades formadoras de colônias) na técnica semi-quantitativa e ≥103 ufc/mL na técnica quantitativa, acompanhado de sinais e sintomas de infecção, é indicativo de infecção relacionada ao cateter vascular. O valor preditivo das técnicas quantitativas e semi-quantitativa pode depender do tipo e do local de inserção do cateter, da metodologia utilizada e da fonte de colonização do cateter. Por exemplo, para um cateter recentemente inserido (há menos de uma semana) a 3 colonização comumente microbiana por germes colonizantes da pele do paciente ocorre ao longo da superfície externa do cateter. Nesta situação, a técnica semi-quantitativa (“roll plate” ou por rolamento do segmento do cateter em placa) poderá ser mais sensível na identificação desta colonização. Para cateteres com maior tempo de permanência (inseridos há mais de uma semana) a disseminação intra-luminal de microrganismos é o principal mecanismo de colonização, podendo ser a técnica semi-quantitativa menos sensível. Neste caso, pode ser mais sensível obter amostras das superfícies externa e interna do cateter, como ocorre nas técnicas quantitativas. 2) Técnicas conservadoras Descreveremos abaixo as técnicas conservadoras disponíveis no HIAE. Diferencial do tempo de positividade (DTP) – hemoculturas pareadas O DTP é obtido a partir dos métodos de monitorização contínua de crescimento de microrganismos na corrente sangüínea (tais como BACTEC®, BactAlert®) e compara o tempo de positividade de hemoculturas qualitativas de amostras colhidas pelo CVC e por punção venosa periférica. Equipamentos automatizados a) BACTEC ® Foto dos frascos b) BacT/ALERT® Interpretação dos resultados: Nos equipamentos automatizados a multiplicação de bactérias ou fungos nos frascos é detectada quando um determinado valor de corte relacionado ao metabolismo e o número de microrganismos é alcançado. O racional do DTP é de que quanto maior o inóculo bacteriano, mais rapidamente o valor de corte é alcançado e, conseqüentemente, mais rapidamente a multiplicação bacteriana é detectada. Este método foi inicialmente avaliado em pacientes com câncer, mostrando ser um método simples e confiável para o diagnóstico “in situ” das ICS-RC. 4 O valor desta técnica provavelmente é maior em pacientes com CVC de longa permanência, em virtude da via endoluminal ser a rota predominante de colonização destes cateteres, enquanto nos CVCs de curta permanência há o predomínio da superfície externa do cateter como via de colonização e infecção. Outra questão freqüente é a necessidade de coleta de amostras de todas as vias do CVC quando este apresenta múltiplos lumens. Esta resposta envolve o estabelecimento da importância de cada lúmen na patogênese da ICS-RC. Dobins et al. estudando CVCs de triplo lúmen, observaram que na coleta randômica de apenas um dos lumens em CVCs causadores de ICS-RC, houve apenas 60% de chance de detectar a colonização do CVC. Portanto para estes autores cada lúmen deveria ser considerado como possível fonte de ICS-RC. Mas não há ainda na literatura consenso sobre este aspecto. Hemoculturas quantitativas Na maioria dos estudos, quando a amostra obtida do CVC fornece um resultado com crescimento 5 a 10 vezes superior a amostra periférica, isto é preditivo de ICS-RC. Por outro lado, quando a fonte da bacteremia não é o cateter, a contagem de microrganismos é semelhante nas duas amostras. As hemoculturas quantitativas pareadas para o diagnóstico de ICS-RC foram validadas inicialmente para CVC de longa permanência e mais recentemente, para CVC de curta permanência em unidades de terapia intensiva. Em um estudo de meta-análise, realizado por Safdar et al., recentemente publicado, avaliando os testes diagnósticos para ICS-RC, as hemoculturas quantitativas pareadas foi o método associado a maior acurácia, seguido pela hemocultura qualitativa colhida pelo cateter e o teste da acridina orange. Interpretação dos resultados A ) METODOLOGIA NÃO CONSERVADORA Coleta de 2 amostras através de punção periférica E Retirada do cateter suspeito com processamento de 5 cm do segmento distal através de cultura semi-quantitativa pela metodologia de Maki ou quantitativa. *Se houver crescimento do mesmo agente em pelo menos uma das amostras e no segmento do cateter (> 15 U.F.C.) é provável que seja ICS-RC. 5 *Se houver crescimento em pelo menos uma das amostras e a cultura do segmento do cateter é negativa poderá ser ICS-RC caso o isolado seja Staphylococcus aureus ou Candida spp e na ausência de qualquer outra fonte de infecção identificável. *Se houver não houver crescimento em nenhuma amostra de hemocultura e a cultura do segmento do cateter é positiva:sugere colonização do cateter. *Se as amostras de hemocultura e as culturas dos segmentos dos cateteres forem negativas: a ICS- RC é improvável B ) METODOLOGIA CONSERVADORA Coleta de pelo menos 2 amostras de hemocultura, sendo uma delas do ponto periférico e outra de um ponto central. Estas amostras devem ser colhidas sequencialmente. *Se houver crescimento do mesmo agente nas duas amostras: sugestivo de ICSRC, na ausência de qualquer outra fonte de infecção identificável. *Se houver crescimento do mesmo agente nas duas amostras e o par colhido pelo cateter torna-se positivo em um período igual ou acima de 120 minutos é sugestivo de ICSRC, na ausência de qualquer outra fonte de infecção identificável ( se o diferencial no tempo de positividade for inferior a 120 minutos a ICSRC também é possível caso haja crescimento do mesmo microrganismo com o mesmo perfil de susceptibilidade nas duas amostras). * Se houver crescimento do mesmo agente nas duas amostras e o par colhido pelo cateter tem um crescimento de Unidades Formadoras de Colônia (U.F.C.) quantificado em cinco vezes ou mais em relação a amostra colhida no ponto periférico. na ausência de qualquer outra fonte de infecção identificável. *Se houver crescimento somente na amostra colhida do cateter: o resultado é inconclusivo para diagnóstico de ICSRC e sugere colonização do cateter ou contaminação durante a coleta da amostra. *Se houver crescimento somente na amostra colhida do ponto periférico: o resultado é inconclusivo e sugestivo de ICSRC caso haja crescimento de Staphylococcus aureus ou Candida spp na ausência de qualquer outra fonte de infecção identificável. Para que a infecção seja documentada seria necessário a recuperação do mesmo microrganismo na cultura da ponta do cateter processada através de método quantitativo ou semi-quantitativo 6 ou ainda, a positividade de outra amostra de hemocultura colhida pelo cateter ou periférica, com a recuperação do mesmo microrganmismo ou na ausência de qualquer outra fonte de infecção identificável. *Se as duas amostras de hemocultura forem negativas: a ICSRC é improvável. 7 SUSPEITA DE INFECÇÃO DE CORRENTE SANGUÍNEA RELACIONADA AO CATETER A RETIRADA DO CATETER É POSSÍVEL? Sim Não Coletar a amostra de um ponto periférico e enviar cateter para cultura Hemoculturas pareadas de um ponto periférico e através do cateter central Hemo a cateter positivos Amostras do cateter central e ponto periférico positivas Sugestivo de ICSRC principal/ se a hemo do cateter positiva < 120 ´em relação ao periférico Provável ICSRC Hemo positiva e Cateter negativo Amostras do cateter central e ponto periférico positivas Sugestivo de ICSRC principal/ se a hemo do cat tem quant. >5 vezes Inconclusivo em relação ao cateter Hemo negativa e Cateter positivo Sugere colonização Somente amostra do cateter positiva Inconclusivo para ICSRC e sugere colonização ou contaminação ou Hemo e cateter negativos ICSRC é improvável Somente amostra do ponto periférico positiva Inconclusivo para ICSRC Valorização depende do agente. 8 Referências Beekmann SE, Henderson DK. Infections caused by percutaneous intravascular devices. In: Mandell GL, ed. Principles and practice of infectious diseases. 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