ANGELA RODRIGUES IUNG A CONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA DE AÇÕES AFIRMATIVAS IMPLEMETADO PELA UFSC Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior. São José 2008 2 ANGELA RODRIGUES IUNG A CONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA DE AÇÕES AFIRMATIVAS IMPLEMENTADO PELA UFSC Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: São José, novembro de 2008 Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior UNIVALI – Campus de São José Orientador Prof. MSc. Rodrio Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José Membro Prof. MSc. Daniel Lena Marchiori Neto Membro 3 Dedico este trabalho as minhas mães queridas, Menar e Fabiane que sempre me apoiaram e me incentivaram nos momentos em que mais precisei, nunca deixando que eu desistisse. Principalmente pela confiança em investir na minha educação. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me dado à oportunidade de estudar. Agradeço a todos os meus os meus familiares, em especial ao meu grande companheiro Mauricio pelo apoio, carinho e paciência dispensados, principalmente pela compreensão nos momentos de ausência. Agradeço ao meu orientador, Luiz Magno por sua dedicação e por ter despendido seu tempo em minha formação acadêmica. 5 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. São José, 31 outubro de 2008. Angela Rodrigues Iung 6 RESUMO O programa de ações afirmativas implementado pela Universidade Federal de Santa Catarina não fere o principio constitucional da igualdade preconizado na Constituição Federal de 88. A CF obriga o estado a criar mecanismos destinados a erradicar a pobreza e as desigualdades sociais. Não obstante, as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil legitimam as ações voltadas a erradicar todas as formas de discriminação e desigualdade social. Ademais, o sistema implementado será constitucional se os critérios estabelecidos identifiquem os beneficiários como passíveis de proteção. A UFSC no seu primeiro vestibular elegeu como destinatários do programa de ações afirmativas os negros, os indígenas e os alunos provenientes de escola pública. No primeiro vestibular restou demonstrado que as desigualdades de acesso de fato diminuíram e parte das ações foram implementadas, diga-se a reserva de vagas e os cursinhos preparatórios oferecidos pela instituição, estão de acordo com o que preconiza a Constituição Federal. Em relação as demais ações não há possibilidade de avaliação tendo em vista que é o primeiro vestibular da instituição com tal política. Palavra-chave: principio da igualdade - ações afirmativas – universidades públicasUFSC 7 ABSTRACT The program of affirmative actions implemented by the Federal University of Santa Catarina does not injure the constitutional beginning of the equality extolled in the Federal Constitution of 88. The CF obliges the state to create mechanisms destined to eradicate the poverty and the social inequalities. Nevertheless, the international obligations assumed by Brazil legitimize the actions turned to eradicate all the forms of discrimination and social inequality. Besides, the implemented system will be constitutional if the established criteria identify the beneficiaries as susceptible to protection. UFSC in his first college entrance exam, elected as participants, of the program of affirmative actions, the black men, the natives and the students which used to study in public school. In the first college entrance exam it remained demonstrated that the inequalities of access in fact were reduced and part of the actions were implemented, such as the reserve of vacancies and the preparatory courses offered by the institution, those are according to what extols the Federal Constitution. Referring to other actions there aren’t any possibilities of evaluation insofar as it is the first college entrance exam of the institution with such politics. Key- words: Principle of the equality - affirmative actions – public universities-UFSC. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10 1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA ............................................ 12 1.1 IGUALDADE EM SENTIDO FORMAL........................................................................ 12 1.1.1 Evolução Histórica do Principio da Igualdade ...................................................... 12 1.1.2 Igualdade Como Dever de Tratamento Igualitário................................................ 15 1.1.3 Discriminações Constitucionais: Fator de Discriminação e Desequiparação Proporcional ................................................................................................................. 17 1.2 IGUALDADE EM SENTIDO MATERIAL..................................................................... 24 1.3 TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA.................... 26 2 SISTEMA DE COTAS NO ENSINO SUPERIOR DO BRASIL ............................... 31 2.1 A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL........................ 31 2.1.1 Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial .................................................................................................... 31 2.1.2 Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatadas................................................................................................................. 35 2.1.3 Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial..................... 37 2.1.4 Estatuto da Igualdade Racial ............................................................................... 39 2.2 MÉRITO X AÇÃO AFIRMATIVA................................................................................. 41 2.3 POLÍTICA DE COTAS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DO PAÍS......... 47 2.4 CRITÉRIOS ADOTADOS NAS DIFERENTES INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS DO BRASIL ................................................................................ 52 2.4.1 NEGRO e NEGRO/PARDO ................................................................................. 52 2.4.3 INDÍGENA ........................................................................................................... 56 2.4.4 ESCOLA PÚBLICA.............................................................................................. 58 2.4.5 ORIGEM GEOGRÁFICA ..................................................................................... 60 3 ANÁLISE DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA IMPLEMENTADA PELA UFSC61 3.1 CONTEXTO DE CRIAÇÃO E ATUAÇÃO DA COMISSÃO ......................................... 61 3.2 PRINCIPAIS ELEMENTOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA DEFINIDA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC........................................... 63 3.2.1 Dos Beneficiários................................................................................................. 64 3.2.2 Tipos de Políticas Implementadas ....................................................................... 64 3.2.3 Mecanismo de Reserva de Vagas ....................................................................... 65 9 3.2.4 Processo Classificatório....................................................................................... 66 3.3 A BATALHA JUDICIAL TRAVADA EM RELAÇÃO AO VESTIBULAR 2008-1 DA UFSC ......................................................................................................................................... 66 3.3.1 Dificuldade de identificar o negro e racismo......................................................... 68 3.3.2 Autonomia universitária ....................................................................................... 70 3.3.3. Principio da igualdade......................................................................................... 71 3.3.4 Cotas para egressos de escola pública ............................................................... 74 3.3.5 QUADRO SÍNTESE DAS DECISÕES ................................................................. 74 3.3.6 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES.................................... 76 3.4 ANÁLISE DA EXECUÇÃO DO PLANO DE AÇÃO AFIRMATIVA ............................... 83 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 90 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 93 10 INTRODUÇÃO A presente monografia decorre de um assunto que esta em discussão em todo o território nacional: as ações afirmativas. Com a implementação por algumas universidades públicas do país dessas medidas especiais, o tema está na pauta do dia. O problema da desigualdade social do país é alarmante, criar programas e ações com o intuito de propiciar igualdade de oportunidades aos grupos marginalizados da sociedade cria um campo de discórdia entre vários setores da sociedade. Em Santa Catarina após o primeiro vestibular da Universidade Federal com a implementação de programas de ação afirmativa, o tema ganhou maior projeção, principalmente quando se remete ao sistema de reserva de vagas. Muitos são os argumentos contrários e favoráveis à utilização desta política pública, a opção por este estudo é oportuna visto que no Judiciário o debate tem se intensificado, sendo que os estudos voltados a esta temática se apresentam como uma importante contribuição para um assunto que gera tanta polêmica. O objetivo deste trabalho consiste em investigar a constitucionalidade do programa de ações afirmativas implementado pela UFSC, assumindo como pressuposto de que a questão não pode ser enfrentada de maneira simplista e absoluta. Especificamente trata de investigar se tais ações que permitem o acesso privilegiado de determinados grupos vulneráveis ao ensino superior ofendem o principio da igualdade presente na Constituição Federal de 88, levando em consideração que o próprio texto constitucional permite certas discriminações positivas. O método utilizado para a confecção deste trabalho é o dedutivo, tendo em vista que se parte de uma premissa maior que é o principio da igualdade passando para uma premissa menor que é a avaliação da constitucionalidade do programa de ações afirmativas implementado pela UFSC. O trabalho é dividido em três capítulos quais sejam: o principio da igualdade e ação afirmativa, o sistema de cotas no ensino superior do Brasil e a análise da política de ação afirmativa implementada pela UFSC. 11 No primeiro capítulo, será apresentado o principio da igualdade, a forma como essa temática era tratada nos tempos mais antigos até sua evolução para os dias atuais, tendo em vista que sua concepção inicial que era puramente formal passou a tomar outra perspectiva, agora além de obrigar ao Estado que proporcione tratamento igualitário aos indivíduos perante a lei (sem concessão de privilégios) passa a ser obrigação do estado proporcionar condições para a supressão das barreiras que impedem a existência de condições materiais entre os indivíduos. Não obstante, será demonstrado as situações em que a Constituição permite tratamento diferenciado entre indivíduos sem ofensa ao principio igualitário. Ainda é apresentado o conceito de ações afirmativas e o contexto em que se insere. Demonstrando suas características e formas de implementação. O segundo capítulo destina-se a apresentar a trajetória da política de ação afirmativa que está sendo implementada no Brasil, seu contexto nacional e internacional, bem como as propostas e projetos de lei que apóiam essa temática. Ademais, será brevemente a questão do mérito como forma de acesso ao ensino superior, analisando se as cotas violam ou não tal principio. Será feito ainda um breve panorama das instituições públicas do país que estão implantando ações afirmativas, bem como serão apresentados os critérios adotados por estas instituições para proceder o tratamento diferenciado. Com efeito, será apresentado quais os tipos de ações que estão sendo aplicadas, suas principais características. O terceiro capítulo será destinado a analisar o sistema de cotas implementado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Inicialmente se demonstrará a atuação da Comissão criada pela Universidade para averiguar as possibilidades de implementação do sistema, bem como as características e os elementos da política de ação afirmativa implementada. Será trazido a baila a discussão que vem ocorrendo no Poder Judiciário, apontando como vêm se posicionamento nessa temática. Por fim, será feita a analise da política implementada, levando em conta o primeiro vestibular realizado pela instituição, para verificar se as cotas que estão sendo implentadas estão de acordo com o que preconiza a Constituição Federal de 88. Este estudo tenta apresentar-se como uma contribuição para o debate que esta ocorrendo em todos os setores da sociedade. 12 1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA Neste primeiro capítulo será apresentado o principio da igualdade, a forma como essa temática era tratada nos tempos mais antigos até sua evolução para os dias atuais, tendo em vista que sua concepção inicial que era puramente formal passou a tomar outra perspectiva, agora além de obrigar ao estado que proporcione tratamento igualitário aos indivíduos perante a lei (sem concessão de privilégios) passa a ser obrigação do estado proporcionar a igualdade material (de fato) entre os indivíduos. Não obstante, será demonstrado as situações em que a Constituição permite tratamento diferenciado entre indivíduos. Outra questão importante que será tratada neste capítulo diz respeito às ações afirmativas, suas características e formas de implementação. 1.1 IGUALDADE EM SENTIDO FORMAL 1.1.1 Evolução Histórica do Principio da Igualdade A temática da igualdade vem sendo discutida desde os tempos mais antigos. A idéia de igualdade apresenta registros entre os pensadores da Grécia Clássica e Roma Antiga, sendo disseminado a partir das Revoluções dos séculos XVII e XVIII (SILVA, 2003, p. 330). Na modernidade a noção de igualdade estava intimamente ligada à idéia do liberalismo, da dissolução dos sistemas absolutistas. Em nível constitucional, a França foi o primeiro país a formalizar a idéia jurídica da igualdade, estampando no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a idéia em sentido formal de igualdade, concretizando no plano-jurídico-positivo um poderoso instrumento contra os privilégios pessoais e contra a hierarquização das classes sociais (CASTRO, 2005, p. 358), os direitos fundamentais tornaram-se assim, oponíveis e exigíveis nos moldes dos demais 13 direitos constitucionais, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana (SELL, 2002, p. 40). O liberalismo francês preconizava a abolição dos privilégios pessoais, atribuídos a nobreza e ao clero, tentando impor limites à atuação abusiva do Estado, tendo como único foco o combate às agressões provenientes do Estado, impedindo que o legislador tratasse desigualmente os iguais, era a exigência de simples igualdade entre os sujeitos de direito diante da ordem normativa, impedindo a criação de tratamento legislativo diverso para idênticas ou assemelhadas situações de fato (CASTRO, 2005, p. 359). Todavia, a regra igualitária nasceu individualista no tocante à distribuição da riqueza e dos meios de sobrevivência no convívio social, era necessário apenas que a lei fosse igual para todos, ou igual para os iguais, a não adoção de privilégios bastava, os direitos se reduziam a liberdade, segurança e propriedade (PIOVESAN, 2003, p. 192). O ideal de igualdade que se conseguiu concretizar foi a puramente formal, Carlos Roberto Siqueira de Castro traz “sua função, destarte, não era outra senão a de permitir que a liberdade capitalista pudesse operar como força motriz do desenvolvimento sócio econômico - em linha de crescente acumulação de riqueza – dando a cada um o que é seu, por direito de herança ou conquista” (2005, p. 359), nesse sentido traz Sandro César Sell (2002, p. 42): Era mais simples, e politicamente conveniente, atribuir igualdades formais a todos e fazer vistas grossas às diferenças materiais verificadas entre os diferentes grupos da sociedade. Afinal, a burguesia, mentora intelectual dos novos direitos, queria que estes formassem a base de um mundo que os protegesse, e não de um mundo que os eliminasse enquanto classe privilegiada na sociedade. Ao Estado era requerido uma obrigação negativa, a este cabia apenas não conceder privilégios, não era uma obrigação do Estado proporcionar aos cidadão igualdade de condições, assim, o liberalismo francês não conseguiu impedir que emergissem as diferenças sociais e as discriminações. Os avanços dos movimentos socialistas em prol da redução das injustiças sociais fez resultar o conflito entre a limitada noção da igualdade jurídica francesa e o desejo de igualdade real, a igualdade de fato (material) entre os homens no meio social (CASTRO, 2005, p. 359). Assim, torna-se importante e necessário repensar o valor da igualdade, a fim de que as especificidades e as diferenças sejam 14 observadas e respeitadas, somente mediante essa nova perspectiva é que se concretizou o processo de multiplicação dos direitos humanos, com a conseqüente extensão da titularidade desses direitos (PIOVESAN, 2003, p. 193). A tradução de direitos humanos em normas constitucionais fez com estes se tornassem em tese, oponíveis e exigíveis nos moldes dos demais direitos constitucionais (CANOTILHO, 2004, p. 403). Os direitos fundamentais têm sido tradicionalmente entendidos como direitos de defesa, cujas funções principais são: limitar a ingerência do poder público na esfera individual; atribuir ao indivíduo poder para exercer os direitos que sob a rubrica dos fundamentais foram constituídos, desta forma, tanto o Estado quanto a sociedade, são tidos como pacientes do comando constitucional de tratamento isonômico e não atentatório a dignidade dos indivíduos em geral (SELL, 2002, p. 40). Cumpre mencionar, que uma das funções dos direitos fundamentais é o combate a toda forma de discriminação (CANOTILHO, 2004, p. 403). No Brasil, a primeira Constituição, de 1824, apenas remetia o legislador ordinário à equidade, veio a República e na Constituição de 1891, previu-se de forma categórica que todos eram iguais perante a lei, eliminando-se privilégios, tais como foros de nobreza, extinguiram-se as ordens honoríficas e todas as prerrogativas e regalias a elas inerentes, permanecendo, todavia, com uma igualdade puramente formal, a Constituição de 1934 dispôs também que todos seriam iguais perante a lei e que não haveria privilégios nem distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, classe social, riqueza, crenças religiosas, etc.; nas constituições de 1937 e 1946 reafirmou-se o principio da igualdade1. Nesse momento, em 1948, deu-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem declarando “todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião púbica ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”, a partir daí no cenário 1 Constituição de 1937 - Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1º) todos são iguais perante a lei; Constituição de 1946 - Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º Todos são iguais perante a lei. 15 nacional surgiram às primeiras leis penais sobre discriminação (FARIAS DE MELLO, 2002, p. 15). A Constituição de 1967 não trouxe inovações, restringiu-se a garantir a igualdade puramente formal, previu-se, no entanto, que a discriminação racial seria punida por lei. A Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil em 19682 contribuiu para a idéia de que não seria tolerada discriminação (FARIAS DE MELLO, 2002, p. 15). Nesse contexto, de igualdade puramente formal, os constituintes de 1988 sinalizaram uma mudança de postura, já no preâmbulo da Constituição ao se comprometem a instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, garantindo a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, e principalmente a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade. Logo em seu primeiro título a Constituição de 88 trouxe como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. O principio da igualdade veio previsto no rol dos direitos fundamentais, “art. 5º: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”. A supressão das desigualdades veio consagrar o principio da igualdade tanto em seu sentido formal quanto em seu sentido material. Cumpre ressaltar que o artigo 5°, XLII, trouxe a pratica do racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. 1.1.2 Igualdade Como Dever de Tratamento Igualitário A igualdade descrita no caput do artigo 5º, da CF/88 trouxe a proibição para o Estado de estabelecer qualquer tipo de distinção ao editar uma lei, garantindo aos 2 Ratificada em 27 de março de 1968, a Convenção passou a vigorar no país a partir de 4 de janeiro de 1969 (Decreto nº 65.810 - de 8 de dezembro de 1969). 16 cidadãos tratamento jurídico igualitário (fato que vincula a igualdade ao principio da legalidade). Nesse sentido, Bandeira de Mello assinala: “O alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia” (2005, p. 9). Desta feita, pode-se concluir que a redação constitucional que traz o principio da igualdade é voltado tanto para o legislador, quanto para o aplicador do direito, servindo o principio isonômico como limitador do poder legislativo (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 9). Nesse ínterim, leciona Canotilho (2004, p. 417): Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei. A lei, ela própria, deve tratar igualmente todos os cidadãos. O princípio da igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o a criação de um direito igual para todos os cidadãos. O conteúdo político-ideológico absorvido pelo principio da igualdade e assimilado pelos sistemas normativos vigentes assinala que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas sim, instrumento regulador da vida em sociedade que necessita tratar eqüitativamente todas as pessoas (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 10), fato este que vincula a igualdade com o direito à liberdade. Bandeira de Mello assinala que: “a igualdade é o principio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos” (2005, p. 23). Não é permitido que o legislador edite lei que apresente disciplinas diversas para situações equivalentes, estabelecendo, por conseqüência, a vedação de discriminações, proteção que se apresenta de forma genérica e abstrata (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 10). Todavia, verifica-se a necessidade de conferir a certos grupos, uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Nesse aspecto, o tratamento isonômico associa-se à finalidade da aplicação da lei e não às diferenciações efetivamente feitas (SELL, 2002, p. 43). Significando que a diferença não seria mais utilizada para aniquilação dos direitos, mas sim para a promoção de tais direitos (PIOVESAN, 2003, p. 195). Tais proteções não se apresentam como um descumprimento ao artigo 3º, IV da Constituição, pois tal artigo implica em uma postura positiva do Estado, designando um comportamento ativo na busca da concretização da igualdade positivada no texto constitucional (MENEZES, 2007, p. 236). 17 Nesse mesmo norte, Celso Ribeiro Bastos conceitua a igualdade formal como: “o direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância com os critérios albergados ou a menos não vedados pelo ordenamento constitucional” (1989, p. 7). 1.1.3 Discriminações Constitucionais: Fator de Discriminação e Desequiparação Proporcional Considerando que a igualdade pressupõe diferenciações (CANOTILHO, 2004, p. 418), a Constituição de 1988 trouxe dispositivos específicos que adotam como sujeito de direito, aquela parcela da população que apresenta certas peculiaridades como, por exemplo, a prerrogativa dos Deputados e Senadores prevista no artigo 53 do texto Constitucional, institui que estes sujeitos são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Nada mais justo caso contrário, comprometeria seu papel de representantes dos interesses da população, bem como, entravaria seu trabalho. Outra forma de discriminação justificável é a que determina proteção especial a crianças e adolescentes (artigos 203, II e II; 227)3, é notória a necessidade de amparo a esses sujeitos, pois, se apresentam mais vulneráveis diante da outra parcela da população. Outra situação pertinente seria o caso de uma lei fiscal impositiva da mesma taxa de imposto para todos os cidadãos ser formalmente igual, porém seria profundamente desigual quanto ao seu conteúdo, pois equipararia todos os 3 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 18 cidadãos, independentemente dos seus rendimentos, dos seus encargos e da sua situação familiar (CANOTILHO, 2004, p. 418)4. Nesses exemplos pode-se perceber diferentes necessidades, uma de interesse público da população e outra devido ao desequilíbrio que de fato existe entre certas pessoas, desta feita, conclui-se que a lei é fonte de discriminações, a característica funcional da lei é ser discriminatória (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 9): Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo, profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre os distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que tem no direito geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o principio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis arbitrárias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a tarefa do órgão do Poder Judiciário (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 66). Pimenta Bueno faz um alerta (1857 apud BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 18): “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”. Nesse contexto, surge, necessariamente, a indagação feita por Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 11) “afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no principio constitucional da 4 Cumpre destacar, que a Constituição Federal de 1988 trouxe o princípio da capacidade contributiva no artigo 145 § 1º que estabelece: sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Segundo Leandro Paulsen (2006, p.71): “decorre deste princípio, basicamente, que o Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, de maneira que nada deve ser exigido de quem só tem para sua própria subsistência, a carga tributária deve variar segundo as demonstrações de riqueza”. 19 isonomia?” (2005, p. 11), o que permite instituir a uns a rubrica de iguais e a outros de desiguais, qual é o critério (fator) sem agravos a isonomia que autoriza distinguir pessoas e situações para fins de tratamento jurídico diverso? (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 11). Para responder este importante questionamento torna-se, segundo Bandeira de Mello (2005, p. 11), importante a análise de três critérios, que, cumulativamente, devem ser obedecidos para que a diferenciação procedida seja adequada ao conteúdo do principio da igualdade formal. O primeiro diz com o elemento tomado como fator de desigualação; o segundo, a correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado, o terceiro reporta-se à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 21). Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 7) traz: Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. a) Fator de Discriminação Segundo Bandeira de Mello (2005, p. 23) para análise do fator de discriminação é necessário que sejam obedecidos dois requisitos: A lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser tolhido pelo regime peculiar O traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para assujeitá-las a regimes diferentes. Considerando que a igualdade tem como objetivo propiciar garantia individual contra perseguições e tolher favoritismos, a lei que singularize o destinatário está fora do que determina o principio da igualdade, porém, sem agravos à isonomia, a lei pode atingir uma categoria de pessoas ou então se voltar para um só indivíduo se em tal caso visar a um sujeito indeterminado e indeterminável no presente (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 25). Para melhor entendimento é necessário analisar a classificação das normas jurídicas quanto a sua estrutura (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 25). A norma é 20 geral quando se apanha uma classe de sujeitos, opondo-se a individualização, que se volta a um único sujeito, uma lei é abstrata quando supõe situação reproduzível, diferente do concreto que é relativo a uma situação única, sem hipotetizar sua renovação (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 26). Assim, uma lei geral e abstrata não ofende o principio da igualdade quando a norma se aplica a uma classe de pessoas com uma situação reproduzível (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.26), por exemplo, uma lei que concedesse isenção tributária federal aos pequenos agricultores que habitem regiões atingidas por secas ou excessos de chuva prejudiciais a sua atividade de plantio, lei constitucional, ainda, uma norma que reserve X% das vagas nas universidades a estudantes negros não é considerada inconstitucional, pois, abarca situação que se aplica a uma classe de pessoas e não aquela pessoa, bem como, é uma situação perfeitamente reproduzível (SELL, 2002, p. 45). Desta feita, conclui-se que, uma norma que individualize seu destinatário de forma tão detalhada que impossibilite sua reprodução, se apresenta como uma ofensa ao principio isonômico, mesmo que a repetição não seja logicamente impossível, a possibilidade remota de ocorrer torna essa norma agressora à igualdade, pois criaria um regime de privilégio a uma única pessoa (SELL, 2002, p. 45). Porém há situações em que a lei permite o benefício de uma única pessoa, somente se, no momento da edição da lei, o futuro beneficiário for indeterminado ou indeterminável, o que afasta a idéia de uma lei editada para beneficiar uma pessoa especifica. Uma lei que fosse elaborada hoje que oferecesse determinado benefício ao primeiro tenista brasileiro que fosse o número um do mundo, segundo o ranking tal, apresenta uma ofensa ao principio isonômico por ser esta pessoa nos dias de hoje perfeitamente determinável, porém se esta mesma lei fosse editada quando nenhum tenista brasileiro aproximava-se desta possibilidade estaria plenamente de acordo com o principio isonômico (SELL, 2002, p. 45). Bandeira de Mello afirma que: "sem agravos a isonomia a lei pode atingir uma categoria de pessoas ou então voltar-se para um só indivíduo, se em tal caso, visar a um sujeito indeterminado e indeterminável no presente" (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 25). Também, uma norma, que não seja geral, mas que seja abstrata não fere o principio da igualdade, a repetibilidade da aplicação da lei a isenta de tal 21 inconstitucionalidade, pois a protege da acusação de conceder privilégio a um único indivíduo previamente determinado, como, por exemplo, uma norma que conceda um prêmio todo ano ao melhor aluno do curso, pode ser qualquer indivíduo (SELL, 2002, p. 46). Não obstante, tratando-se de regra concreta, destinada a evento não repetível, só será inconstitucional se for também individual e com destinatário certo, se não individualizar previamente o sujeito não fere a isonomia (SELL 2002, p. 46). Perante a isonomia, é inadmissível também, discriminar pessoas, situações ou coisas mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes, as classificações devem fazer referência a discrímens pessoais apenas, assim, o fator tempo jamais será um critério diferencial5, aquilo que é igual para todos não pode ser tomado como critério de diferenciação, aquilo que é diferençiável, por algum traço ou aspecto desigual pode ser diferençado (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p.32). Assim, o que pode ser tomado como fator de discriminação é o acontecimento transcorrido em certo tempo, pois as diferenças de tratamento só se justificam perante situações diferentes. Em situações qualificadas, a lei apanhou algum ou alguns pontos de diferença a que atribuiu relevo para fins de discriminar situações, inculcando a cada qual efeitos jurídicos correlatos e, de conseguintes desuniformes entre si (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p 34). Nesse sentido, elucida Bandeira de Mello (2005, p. 35): O que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuam em si e a correlação entre o tratamento desequiparador e os dados diferenciais radicados nas coisas...donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. Só se tem por lesado o princípio constitucional da igualdade quando o elemento discriminador não se encontre a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, desta feita, é constitucional se a norma se adaptar às finalidades encapadas pelo Texto Maior, implícitas ou explícitas (que pode caso das ações afirmativas, promover a igualdade social), agora se a lei não for implícita ou explicitamente acolhida ou rejeitada pela constituição, esta norma será considerada neutra e para 5 “Tempo, só por só, é elemento neutro, condição do pensamento humano e por sua neutralidade absoluta, a dizer, porque em nada diferencia os seres ou situações, jamais 22 um juízo de constitucionalidade não será suficiente o manuseio do texto constitucional, será mister ir a cata de valores dominantes e das concepções vigentes à época (BASTOS, 1989, p. 10), nesse sentido leciona Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 10): É por ser este caminho que se dá a constitucionalização de certas discriminações outrora repelidas. Da mesma forma, distinções que em épocas pretéritas eram tidas por razoáveis perdem esta qualidade em face da evolução axiológica do meio cultural. Desta feita, verifica-se que o elemento discrímen é uma decorrência do elemento finalidade devendo ser escolhido em função deste (BASTOS, 1989, p. 10). Nesse ínterim, Celso Bastos se manifestou: “uma vez definida a finalidade, o discrímen há de ser aquele que delimite com rigor e precisão quais as pessoas que se adaptam à persecução do telos normativo” (BASTOS, 1989, p. 10). Nesse contexto, tem-se que o fator de discrímen deve ser legítimo, ou seja, o problema da isonomia só pode ser resolvido a partir da consideração do binômio elemento discriminador - finalidade da norma (BASTOS, 1989, p. 9), como por exemplo, se o elemento discriminador é a raça, a finalidade da norma tem que ser relevante, promover igualdade. No sistema de cotas adotado em algumas faculdades públicas do país, o fator que une os desiguais é a diferença da qualidade de ensino, neste caso, elegeuse como critério que diferencia os estudantes o fato de terem estudado em escola pública ou particular. Considerando que, na atual realidade brasileira o que se verifica é que, enquanto alunos provenientes de escola particular têm uma maior possibilidade de ingresso em uma universidade pública, o mesmo não se verifica em alunos provenientes de escola pública, pois o ensino é, em geral, de qualidade inferior. Ou ainda, em concursos públicos para policiais exigem vigor físico, mesmo a constituição não permitindo a discriminação em concurso público para deficientes físicos, nesse caso o discrímen é legítimo, pois não haveria como permitir o acesso dos deficientes, devido à necessidade da profissão. pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, 23 b) Correlação Lógica Entre Fator de Discrímen e a Desequiparação Procedida Após a análise do elemento fator de discrimen, verificou-se que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, todavia, não é no traço de diferenciação que se deve buscar algum desrespeito ao principio isonômico (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 17), Bandeira de Mello (2005, p. 17) explica esta questão: As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição. Esse critério de verificação consiste em avaliar se há uma justificativa racional para atribuir tratamento jurídico diferenciado em função do fator de discriminação eleito, a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 39). Nesse ínterim, traz Bandeira de Mello (2005, p. 39): A lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada. Por exemplo, sabemos que é vedada distinção em função do sexo, assim, não pode ser procedida distinção entre homens e mulheres para uma vaga em concurso público, todavia, se a vaga diz respeito a serviço de carregamento de produtos de grande peso, que na prática não é possível à realização por mulheres, não há que se falar em desobediência ao principio da igualdade, pois é uma função que necessita de força masculina. O que deve verificar é se existe a correlação lógica entre o fator tomado como discriminatório e os efeitos atribuídos. c) Consonância da Correlação Lógica com os Interesses Absorvidos no Sistema Constitucional Este último critério determina que não pode ser utilizado qualquer elemento para proceder discriminações legais, não basta estabelecer racionalmente um nexo sob pena de violência a regra da isonomia” (MELLO, 2005, p. 32). 24 entre a diferença e um conseqüente tratamento diferenciado, requer-se, que o vínculo demonstrável seja compatível com os interesses acolhidos no sistema constitucional (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 42). Bandeira de Mello (2005, p. 42) demonstra esta questão: Não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a lei distinga situações sem ofensa à isonomia. Também não é suficiente o poder-se argüir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico que autoriza desequiparar, mas tão só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí, ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário. Em relação a este critério a Constituição Federal de 88 determina em que situações poderá haver as desigualações como, por exemplo, na proteção aos idosos, prevista no artigo 230 onde fica determinado que é dever da família, da sociedade e do Estado o amparo as pessoas idosas, pois é evidente que há um nexo de causalidade entre a idade avançada e a conseqüente necessidade de tratamento diferenciado a estas pessoas. A Constituição assegura que aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (§ 2° do referido artigo). 1.2 IGUALDADE EM SENTIDO MATERIAL A progressiva ampliação dos direitos humanos fez com que o princípio da igualdade perca seu caráter estritamente individualista, segundo Flávia Piovesan (2003, p.193), torna-se “necessário repensar o valor da igualdade, a fim de que as especificidades e as diferenças sejam observadas e respeitadas”. O principio igualitário muda seu objetivo. Se antes objetivava a legitimação de um Estado com a mínima interferência nas relações intersubjetivas, sustentado pela idéia de igualdade natural de todos, hoje se torna uma diretriz de equalização nas relações, deixando de ser uma vinculação negativa e passando a ser positiva, na medida em que obriga, não só o legislador, mas também o operador do direito, a tomar medidas que equilibrem essas relações que não podem ser socialmente equilibradas, sem qualquer intervenção estatal protetiva (NOYA, 2005). 25 Nesse contexto, emerge o conceito de igualdade material, sendo aquela que busca uma igualdade real e efetiva a todos, perante todos os bens da vida (SILVA, 2003, p. 33), tendo por finalidade a busca pela equiparação dos cidadãos sob todos os aspectos, até mesmo jurídico. Compartilha desse mesmo entendimento Daniel Sarmento (2006, p. 141): A isonomia prometida pela Constituição de 88 não é apenas formal. Ela não representa só um limite, mas configura também verdadeira meta para o Estado, que deve agir positivamente para promovê-la, buscando a redução para patamares mais decentes dos níveis extremos de desigualdades presentes na sociedade brasileira, bem como a proteção dos mais débeis, diante da opressão exercida pelos mais fortes no cenário sócio-econômico. Importante trazer à baila as palavras do jurista português Guilherme Dray (1999 apud GOMES 2003, p. 19): A concepção de uma igualdade puramente formal, assente no princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não era, por si só, suficiente para tornar acessíveis a quem era socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Importaria, pois, colocar os primeiros ao mesmo nível de partida. Em vez de igualdade de oportunidades, importava falar em igualdade de condições Essa nova concepção de igualdade, baseada na justiça social, obrigou o Estado, a ter uma atitude positiva diante das desigualdades existentes, devendo este estabelecer bases mais éticas e justas para a convivência social no país, com respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais (SARMENTO, 2006, p. 141). Ao invés de se preocupar apenas com o tratamento igualitário, como na igualdade formal, passa a ter importância os seus resultados concretos desta tipificação legal. Requer-se também a viabilidade para que todos os cidadãos tenham acesso a todos os bens da vida, como educação, saúde, trabalho, lazer, previdência, etc. Essa nova visão trouxe a possibilidade de proteger os interesses das pessoas menos favorecidas, “na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e Sociedade” (GOMES, 2003, p. 21). 26 A igualdade material tem assento em vários dispositivos da Constituição, dentre eles, importante citar o artigo 3º6da Carta Magna, que obriga o estado a erradicar a pobreza, a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais, “o que se mostra em plena consonância com o modelo social pluralista adotado pela Constituição” (SARMENTO, 2006, p. 142). Contudo, na prática, o que se verifica é que as desigualdades em nosso país se apresentam de maneira marcante. Assim, pode-se concluir que o problema consiste em promover o bem de todos e isso incumbe em implantar uma justiça distributiva igualdade de oportunidades), ou seja, promover a inclusão social7. Nesse sentido, leciona Joaquim Barbosa Gomes (GOMES, 2003, p. 20): Da transição da ultrapassada noção de igualdade ‘estática’ ou ‘formal’ ao novo conceito de igualdade ‘substancial’ surge à idéia de ‘igualdade de oportunidades’, noção justificadora de diversos experimentos constitucionais pautados na necessidade de se extinguir ou de pelo menos mitigar o peso das desigualdades econômicas e sociais e, conseqüentemente, de promover justiça social. Assim, essa nova perspectiva resultou no surgimento, em diversos ordenamentos jurídicos nacionais e no Direito Internacional de políticas sociais de apoio e de promoção de determinados grupos socialmente fragilizados (GOMES, 2003, p. 20), esses grupos serão os destinatários dessas novas políticas sociais. 1.3 TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA Ações afirmativas são espécies de políticas públicas, que por sua vez, se caracterizam pelo forte intervencionismo estatal8, que são definidas como 6 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 7 “As sociedades que primam pelo respeito aos direitos de seus membros são, de regra, muito mais estáveis, seguras, harmônicas e prósperas do que aquelas em que tais direitos são sistematicamente violados”. (SARMENTO, 2006, p. 71). 8 Intervencionismo nesse tópico não é com relação a intervenção na atividade privada, mas sim um intervencionismo voltado ao bem estar social (Estado Social de Direito) que se volta tanto para a ação de indivíduos e organizações quanto para as ações do próprio estado. (BUCCI, 2002, p. 247). 27 “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” (BUCCI, 2002, p. 241)9. As ações afirmativas, originariamente, foram implementadas pelo governo dos Estados Unidos da América, a partir de meados do século XX, mas hoje já é adotada em diversos países europeus, asiáticos e africanos, com as devidas adaptações à realidade do país (GOMES, 2003, p. 37). As ações afirmativas, segundo Joaquim Barbosa Gomes se definem como (GOMES, 2001, p. 40): Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bem fundamentais como a educação e o emprego. Renata Malta Vilas Boas (2003, p. 57) conceitua ações afirmativas como: “um conjunto de medidas especiais e temporárias tomadas ou determinadas pelo Estado com o objetivo específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história da sociedade”. Essas políticas representam uma mudança na postura do Estado frente aos grupos minoritários, ao invés de apresentar políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo puramente proibitivo, que apenas ofereciam às vítimas uma reparação do dano, passou-se a implementar mecanismos de inclusão social, que visam a efetiva igualdade de oportunidades a que todos os cidadãos tem direito (GOMES, 2001, p. 41). Ademais, essas políticas são concebidas como forma de promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante de uma sociedade (ROCHA 1985 apud GOMES, 2001, p. 42), todavia, as ações afirmativas não apresentam objetivo único, além do ideal da igualdade de oportunidades essas políticas visam “induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, aptas a subtrair do imaginário coletivo a idéia de 9 As políticas públicas se exteriorizam através de planos (leis), e podem ter caráter geral, regional ou setorial, no plano se estabelecem os objetivos dessa política, os instrumentos para sua realização e condições de implementação, essa é fase mais importante, pois é onde se vai definir o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos e prioridades das políticas e onde se tem a participação de agentes públicos e privados. (BUCCI, p. 259). 28 supremacia e de subordinação de uma raça em relação à outra, do homem em relação à mulher” (GOMES, 2001, p. 44). A implementação das ações afirmativas apresenta efeitos positivos para uma sociedade, estas são capazes de implementar certa diversidade e uma maior representatividade dos grupos minoritários nos mais diversos domínios de atividades públicas e privadas do país, tendo em vista que esses grupos normalmente não são encontrados em posições de domínio no mercado de trabalho nem em atividades estatais, assim, além de propiciar diversidade elimina barreiras que os grupos marginalizados encontram ao tentar ingressar em uma melhor oportunidade de emprego por exemplo (GOMES, 2001, p. 48). Joaquim Barbosa Gomes afirma que “agir afirmativamente significa zelar pela pujança econômica da nação”, considerando, que oferecer oportunidades efetivas de educação e emprego a todos os segmentos da sociedade propicia um país com grande competitividade, produtividade e mão de obra qualificada (GOMES, 2001, p. 48). Assim, as ações afirmativas cumpririam o objetivo de criar personalidades emblemáticas, ou seja, a possibilidade de mobilidade social das minorias, através de políticas positivas, o que tornaria um exemplo para a sociedade que vê personificada a possibilidade de acesso a uma vida melhor (GOMES, 2001, p. 49). Ademais, as sociedades que respeitam os direitos de seus membros apresentam-se mais estáveis, seguras e harmônicas favorecendo o bem estar geral (SARMENTO, 2006, p. 71). No que tange à fundamentação das ações afirmativas são diversos os seus postulados filosóficos, sendo que tais postulados são filiados ao pensamento liberal onde se encontra de um lado a Justiça Compensatória (que visa compensar os séculos de discriminação)10, e de outro, a Justiça Distributiva (partilha de riquezas e recursos)11. 10 Joaquim Barbosa Gomes entende que as sociedades que por longo tempo adotaram políticas discriminatórias de um ou vários grupos ou categorias de pessoas devem corrigir os efeitos perversos de uma discriminação passada (2001, p. 62). 11 “A tese distributivista propõe a adoção de ações afirmativas, que nada mais seria do que a outorga aos grupos marginalizados, de maneira eqüitativa e rigorosamente proporcional, daquilo que eles normalmente obteriam caso seus direitos e pretensões não tivessem esbarrado no obstáculo intransponível da discriminação” (GOMES, 2001, p. 68). 29 Em ambos fundamentos filosóficos os objetivos das ações afirmativas se vislumbram na igualdade de tratamento e de oportunidades e na eliminação ou mitigação das discriminações raciais, sexuais, etc. (SANTOS, 2003, p.99). Adotar estas políticas consiste em aplicar uma norma jurídica discriminatória que só será aceita se tiver por objetivo beneficiar as partes mais desfavorecidas, assim como deve assegurar que o tratamento diferenciado possua a mínima diversidade de discriminação possível para atingir ao fim visado (SELL, 2002, p. 55). No Brasil, após a Constituição de 1988, as ações afirmativas ganharam força, pois a Carta Magna trouxe uma série de garantias fundamentais e proteções aos grupos minoritários. O sistema de cotas é o tipo de ação afirmativa mais conhecida no Brasil, segundo Joaquim Barbosa Gomes além das cotas pode ser entendido como ação afirmativa o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e incentivos fiscais. “A ação afirmativa não se confunde nem se limita às cotas” (GOMES, 2003, p. 53), ela atinge os portadores de deficiência, mulheres, crianças, negros e idosos. No Brasil alguns grupos considerados minoritários receberam e recebem mais atenção no que tange a inclusão social. É o caso dos portadores de necessidades especiais12 e das mulheres13, pois estes grupos já contam com o reconhecimento de suas necessidades pela população, ou pela maioria dela pelo menos. Na educação o sistema de cotas atinge duas minorias, diga-se: os negros e os alunos oriundos de escola pública. Todavia, quando se fala nos negros a aceitação não é tão simples assim, primeiro porque não há um efetivo 12 Os portadores de necessidades especiais dispõe de uma de uma série de proteções com a finalidade da inclusão social, tais como a obrigatoriedade do estabelecimento de cotas para os cargos ou empregos públicos (artigo 37, VIII CF), possibilitar o acesso e o uso daquilo que é rotineiramente usado pela população em geral, assim como previsto no artigo Art. 2º da Lei 7853/89: Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bemestar pessoal, social e econômico. 13 As mulheres contam com expressas garantias constitucionais como a igualdade perante os homens, proteção do mercado de trabalho (artigo 6º, XX), igualdade de direitos e deveres no que tange à sociedade conjugal (artigo 226, § 5º). Ainda de grande importância se pode citar a Lei Maria da Penha (11340/06) que trouxe específica proteção à mulher contra a violência doméstica. 30 reconhecimento da discriminação existente, bem como, não se aceita como legítima uma ação afirmativa para esta parcela da sociedade14, pois não é tão clara a idéia que os afros-descendentes fazem parte de uma minoria que carece de proteção. As políticas de ação adotadas por várias instituições visam a promoção de grupos desprivilegiados, a redução das desigualdades, ao aumento da mobilidade social e a formação de elites que expressem a diversidade de cada nação e para isto é necessário focalizar segmentos específicos da sociedade que sofreram e sofrem discriminações de diferentes formas. Implementar as cotas significa reconhecer que essas discriminações existem e de que é preciso combatê-las do ponto de vista social, político, econômico e educacional (BUCCI, 2002, p. 253). 14 Uma pesquisa realizada por alunos do curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina indicou como é a receptividade de estudantes da UFSC ao regime de cotas da instituição. Dos resultados obtidos extrai-se: 60,74% dos opinantes são contra qualquer tipo de cota no vestibular, 8,15% são a favor de cotas para negros enquanto que 34,01% são a favor das cotas socioeconômicas, e 8,96% são a favor das cotas para deficientes (BURGASRDT, 2008). 31 2 SISTEMA DE COTAS NO ENSINO SUPERIOR DO BRASIL Neste capítulo será apresentada a trajetória da política de ação afirmativa que está sendo implementada no Brasil, seu contexto nacional e internacional, bem como as propostas e projetos de lei que apóiam essa temática. Ademais, será abordada brevemente a questão do mérito como forma de acesso ao ensino superior, analisando se as cotas violam ou não tal principio. Ainda um breve panorama das instituições públicas do país que estão implantando as ações afirmativas. Por fim, será apresentado quais os tipos de ações que estão sendo aplicadas. 2.1 A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL 2.1.1 Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Após o término da Segunda Guerra Mundial, frente às atrocidades cometidas, a comunidade internacional vislumbrou a necessidade de reiterar o reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, criou-se então uma nova ordem internacional de proteção a esses direitos (PIOVESAN, 2007, p. 135). Cumpre destacar, a carta da ONU de 1945, que estabelece em seu artigo 55 que os Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sendo que em 1948 a declaração Universal dos Direitos Humanos, vem definir o rol dos direitos e liberdades fundamentais, consagrando conseqüentemente valores básicos universais (PIOVESAN, 2007, p. 136). Todavia, a declaração não apresentou força jurídica obrigatória15 assim, após larga discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e a observância dos direitos nela previstos, firmou-se o 32 entendimento de que a Declaração deveria ser “juridicizada” sob a forma de tratado internacional, juridicamente vinculante e obrigatório (PIOVESAN, 2007, p. 157). Nesse ínterim, em 1966 foram elaborados dois tratados internacionais distintos que incorporam os direitos constantes na Declaração Universal, quais sejam: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIOVESAN, 2007, p. 136). A partir daí, outras declarações e convenções foram elaboradas, algumas trazendo novos direitos, outras foram trazidas para tratar de determinados grupos caracterizados como vulneráveis, o sistema internacional passa reconhecer direitos endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às vitimas de tortura e de discriminação racial, entre outros (PIOVESAN, 2007, p. 184). Nesse sentido, elucida Flávia Piovesan (2007, p. 185): A esfera internacional, se numa primeira vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção geral, genérica e abstrata refletindo o próprio temor da diferença (que na era Hitler foi justificativa para o extermínio e a destruição), percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determinados grupos uma tutela especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação desses direitos mas, ao revés, para a promoção desses direitos. É nesse contexto que se apresentam os sistemas especiais16 de proteção aos direitos humanos: a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a mulher, a Convenção sobre os Diretos da Criança, a Convenção contra a Tortura, dentre outros (PIOVESAN, 2007, p. 187). A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial foi adotada pela ONU em 21 de dezembro de 1965 e se apresentou como um código de atuação e de conduta para os Estados integrantes, criando um parâmetro internacional para a proteção dos direitos humanos, com o conseqüente reconhecimento universal desses direitos (PIOVESAN, 2007, p. 158). 16 Os sistemas geral e especial se complementam, pois o sistema geral protege o individuo genérica e abstratamente sendo que o sistema especial de proteção é voltado a prevenção da discriminação ou a proteção de pessoas ou grupos de pessoas particularmente vulneráveis, merecedores de tutela especial (PIOVESAN, 2007, p.184). 33 Cumpre destacar que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965)17, a existência desse instrumento internacional revela um grande avanço no combate à discriminação no país (PIOVESAN, 1996, p. 367). A Convenção traduz o consenso da comunidade internacional acerca da urgência em se eliminar o racismo e ao mesmo tempo, promover a igualdade material substantiva. Através da Convenção se busca a proteção dos valores da igualdade e tolerância, baseados no respeito à diferença consagrando a idéia de que a diversidade étnica - racial deve ser vivida como equivalência e não como superioridade ou inferioridade (PIOVESAN, 1996, p. 367). Em seu preâmbulo a Convenção reafirma o propósito das Nações Unidas que é a promoção e respeito universal dos direitos humanos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião. Enfatiza os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos que proclama que todos os seres nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sem distinção de qualquer espécie ou raça, cor ou origem nacional, bem como assinala que qualquer doutrina baseada em diferenças raciais é cientificamente, falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, inexistindo justificativa para a discriminação racial em teoria ou prática, em lugar algum. Fundamentalmente, a Convenção objetiva erradicar a discriminação racial em todas a suas formas e manifestações, como também, estimular estratégias de promoção da igualdade. É uma combinação da proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo, sendo essenciais às estratégias capazes de incentivar a inserção e a inclusão social dos grupos historicamente vulneráveis (PIOVESAN, 1996, p. 367). Logo em seu primeiro artigo, a Convenção define juridicamente o conceito de discriminação racial: Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, 17 Assinada em New York, em 07/03/1966, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 23 de 21/06/1967, e ratificada pelo Brasil em 27/03/1968. Entrou em vigor em 04/01/1969, sendo promulgada pelo Decreto nº 6581 de 08 de dezembro de 1969. 34 econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública. Importante trazer a baila o parágrafo quarto deste mesmo dispositivo: Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos (grifo nosso). Nesse sentido, as ações afirmativas voltadas a construir uma igualdade material não são consideradas discriminação racial, de acordo com expressa disposição convencional. A convenção traz uma série de obrigações aos Estados-partes, por exemplo, o comprometimento em adotar uma política de eliminação da discriminação racial e promoção da igualdade, sendo que estes estados devem eliminar em seus territórios todas as praticas de segregação racial. Ademais, o artigo 6º traz o dever do estado de assegurar a qualquer pessoa que estiver sob sua jurisdição, proteção e recursos eficazes perante os tribunais nacionais contra quaisquer atos de discriminação racial ou ainda o direito de pleitear reparação justa e adequada por qualquer dano decorrente de discriminação. Permite ainda, que cada Estado-parte favoreça as organizações e movimentos multirraciais, bem como outros meios próprios para eliminar as barreiras entre as raças e a desencorajar aquilo que tenda a fortalecer a divisão racial. O artigo 7º traz importante dever: Os Estados - partes comprometem-se a tomar as medidas imediatas e eficazes, principalmente no campo do ensino, educação, cultura, e informação, para lutar contra preconceitos que levem à discriminação racial e promover o entendimento, a tolerância e a amizade entre nações e grupos raciais e étimos, assim como propagar os propósitos e os princípios da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e da presente Convenção (grifo nosso). 35 Em relação ao impacto que a Convenção tem no Direito Brasileiro, observase que esta introduz relevantes mecanismos internacionais de monitoramento dos direitos que enuncia, exigindo do Estado Brasileiro, por exemplo, a apresentação de relatórios que evidenciem o modo pelo qual o Brasil tem conferido cumprimento aos dispositivos da Convenção (PIOVESAN, 1996, p. 367). A convenção de 1965 estimulou o aperfeiçoamento legislativo sobre a matéria. A Constituição Federal de 1988 asseverou como um dos seus objetivos fundamentais a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem comum, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, III, IV) bem como em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII estabelece que: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, ainda, “a prática do racismo constituiu crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão”, transformando o racismo em crime (PIOVESAN, 1996, p. 367). No que tange às legislações infraconstitucionais, destacam-se as leis n. 7716/89 e 9459/97. A primeira define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, tipificando condutas que obstem o acesso a serviços, a cargos e empregos em razão de preconceito. A segunda lei acrescentou a proibição de discriminação em razão da etnia, religião e procedência nacional, acrescentando ainda um parágrafo ao artigo 140 do código Penal prescrevendo pena de reclusão se o crime de injúria consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. 2.1.2 Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatadas Após a terceira Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatadas, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, os governos e organizações da sociedade civil, de todas a partes do mundo, se comprometeram a elaborar medidas globais contra o racismo, discriminação, a intolerância e a xenofobia. 36 O programa de ação18 elaborado após a Conferência traz orientação a todos os Estados para que se oponham ao racismo “declaramos que todos os seres nascem livres e iguais em dignidade e direitos e têm o potencial de contribuir construtivamente para o desenvolvimento e bem-estar de suas sociedades” (item 7 da Declaração e Programa de Ação da Conferência). Não obstante, cumpre mencionar o item 18 do programa de ação da Conferência: Enfatizamos que a pobreza, o subdesenvolvimento, a marginalização, a exclusão social e as disparidades econômicas estão intimamente associadas ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlatada, e contribuem pra a persistência de práticas e atitudes racistas as quais geram mais pobreza. O documento oficial brasileiro apresentado pela Delegação Brasileira propõe a adoção de cotas ou outras medidas afirmativas para garantir o acesso de negros às universidades públicas brasileiras (FOLHA ON LINE, 2001). Outra proposta do documento é a recomendação para que o Estado brasileiro reconheça que a escravidão de africanos e indígenas configuraram violações aos direitos humanos fundamentais, não determina obrigatoriedade de reparação pecuniária para os descendentes de negros e indígenas, mas propõe medidas reparatórias por meio de políticas públicas de superação das desigualdades (FOLHA ON LINE, 2001). O documento traz ainda proposta para combate à discriminação no mercado de trabalho, estabelecendo para tanto a alteração de critérios de desempate em licitações públicas onde seria considerada vitoriosa a empresa que tiver mais negros, homossexuais e mulheres em diversos níveis de hierarquia (FOLHA ON LINE, 2001). Em seu item 99 o plano solicita aos Estados que implantem políticas e medidas de ação, incluindo as ações afirmativas para assegurar a não discriminação relativas ao acesso a educação, emprego, moradia, saúde, etc. Cumpre mencionar, que o documento apresenta recomendações para combater a discriminação contra portadores de deficiência, mulheres, africanos e indígenas. 18 O programa de ação elaborado na Conferência de Durban foi adotado em 8 de setembro de 2001. Disponível em: http://www.lpp-urej.net/olped/documentos/1693/pdf, acesso em 28/10/2008. 37 2.1.3 Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) foi criada pelo Governo Federal no dia 21 de março de 2003 (Lei nº 10.678/03), com a missão de estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no País (SEPPIR). A SEPPIR é primeiro órgão governamental voltado para o acompanhamento e realização de ações afirmativas governamentais, a criação deste órgão decorre da obrigação internacional assumida pelo Brasil de promover mecanismos institucionais para que os compromissos internacionais se materializem no campo interno. Seus principais objetivos são: promover a igualdade e a proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos afetados pela discriminação e demais formas de intolerância, com ênfase na população negra; acompanhar e coordenar políticas de diferentes ministérios e outros órgãos do Governo Brasileiro para a promoção da igualdade racial; articular, promover e acompanhar a execução de diversos programas de cooperação com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais; promover e acompanhar o cumprimento de acordos e convenções internacionais assinados pelo Brasil, que digam respeito à promoção da igualdade e combate à discriminação racial ou étnica; auxiliar o Ministério das Relações Exteriores nas políticas internacionais, no que se refere à aproximação de nações do Continente Africano (SEPPIR). A SEPPIR é composta por um Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial (CNPIR) que por sua vez, é um órgão colegiado de caráter consultivo que tem como finalidade propor, em âmbito nacional, políticas de promoção da Igualdade Racial com ênfase na população negra e outros segmentos raciais e étnicos da população brasileira. Além de combater o racismo, o CNPIR tem por missão propor alternativas para superar as desigualdades raciais, tanto do ponto de vista econômico quanto social, político e cultural, ampliando, assim, os processos de controle social sobre as referidas políticas (SEPPIR). A SEPPIR utiliza como referência política o programa Brasil sem Racismo, que abrange a implementação de políticas públicas nas áreas do trabalho, emprego, 38 renda, cultura, comunicação, educação, saúde, terras de quilombos, mulheres negras, juventude, segurança e relações internacionais (SEPPIR). Nesse ínterim, em 20 de novembro de 2003, foi lançada a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial – PNPIR (instituída pelo Decreto nº 4.886/03), onde o Governo Federal assume o compromisso de direcionar suas ações e incentivar os diversos segmentos da sociedade e esferas de governo a pautarem suas atuações na busca da eliminação das desigualdades raciais no Brasil, através das ações afirmativas, da igualdade de oportunidades e das políticas de governo de promoção da igualdade racial (SEPPIR). Cumpre destacar que, recentemente (10/09/08), Brasil e Estados Unidos se reuniram para discutir o Plano de Ação Conjunta para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e a Promoção da Igualdade. O Plano de Ação Conjunta foi assinado em 21 de março de 2008, em Brasília, pelo ministro Edson Santos e a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, sendo que o objetivo principal do protocolo é a cooperação entre os dois países por meio de intercâmbio e troca de experiências (SEPPIR). A cooperação ocorre nas áreas da educação, cultura, esporte, justiça, trabalho e saúde. Especialmente na área da educação, foco deste estudo, a cooperação se dará de várias formas: fortalecimento do intercâmbio entre universidades brasileiras e universidades historicamente negras dos Estados Unidos; fortalecimento do intercâmbio com centros de documentação e bibliotecas universitárias; cooperação para divulgação da cultura e da história africanas no Brasil e nos Estados Unidos; apoio à preparação de candidatos negros ao ingresso na carreira diplomática; promoção da participação das minorias no processo político – programa internacional de visitantes; intercâmbio na área de empreendimento da juventude negra brasileira; cooperação com a Associação Nacional pela Igualdade de Oportunidades na Educação Superior (grifo nosso); entre outros (SEPPIR). Ainda, no campo internacional, a SEPPIR através de seu ministro se reuniu junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratar do Anteprojeto de Convenção Interamericana contra o Racismo e toda forma de Discriminação e Intolerância, uma versão final do anteprojeto esta em exame para ser submetida à Assembléia Geral da OEA. 39 2.1.4 Estatuto da Igualdade Racial Em 2000 foi proposto pelo Deputado Paulo Paim, o projeto de lei n. 3198/2000, que institui o Estatuto da Igualdade Racial com o objetivo de combater a discriminação e as desigualdades raciais que atingem os afro-brasileiros19. O artigo 1º apresenta o conceito de discriminação20, de políticas públicas21 e traz disposições sobres ações afirmativas: § 5º: para efeito deste estatuto, consideram-se ações afirmativas os programas e medidas especiais adotados pelo Estado para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. Ressalta o dever do estado e da sociedade em garantir a igualdade de oportunidades, adotando como diretriz político-jurídica além das normas constitucionais e garantias fundamentais, a reparação, compensação e inclusão das pessoas que foram vítimas da desigualdade e a valorização a diversidade racial (grifou-se, artigo 2º e 3º). O artigo 4º do estatuto determina como será promovida a participação dos afro- brasileiros, em condições de igualdade de oportunidades na vida econômica, social, política e cultural do País. Ressalte-se o parágrafo único deste artigo: Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em imediatas iniciativas reparatórias, destinadas a iniciar a correção das distorções e desigualdades raciais derivadas da escravidão e demais práticas discriminatórias racialmente adotadas, na esfera pública e na esfera privada, durante todo o processo de formação social do Brasil e poderão utilizar-se da estipulação de cotas para a consecução de seus objetivos (grifou-se). Estabelece ainda, medidas de proteção e inclusão relativas à saúde, educação, cultura, esporte, lazer, direito à liberdade de consciência e crença, livre 19 Artigo 1º, § 3 º: Para efeito deste Estatuto, consideram-se afro-brasileiros as pessoas que se classificam como tais e/ou como negros, pretos, pardos ou definição análoga. 20 Artigo 1º, § 1º: Para efeito deste estatuto, considera-se discriminação racial toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos, de liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública. 21 Artigo 1º, § 4º: Para efeito deste estatuto, consideram-se políticas públicas as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições intitucionais. 40 exercício dos Cultos Religiosos, trata ainda em capítulo especifico sobre questões relativas à terra e ao mercado de trabalho. Prevê a criação e um fundo de promoção da igualdade racial para a implementação de políticas públicas voltadas aos afro-brasileiros, gerando mais oportunidades nas áreas da educação e emprego. Em relação ao sistema de cotas determina a reserva mínima de 20% das vagas para a população afro-brasileira relativas aos concursos públicos em todas as esferas da administração pública, nos cursos de graduação em todas as instituições de educação superior e nos contratos de financiamento estudantil (FIES) (artigo 52). Ademais, estabelece que todas as empresas com mais de 20 empregados deverão manter uma cota de 20% para trabalhadores afro-brasileiros (artigo 53). Estabelece alteração ao artigo 10 da lei 9504/1997, onde acrescenta que todos os partidos deverão reservar o mínimo de 30% para candidaturas de afrobrasileiros (artigo 54). Determina que todos os filmes, programas e peças publicitárias veiculados pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens de pessoas afrobrasileiras em proporção não inferior a 20% do número total de atores e figurantes. Em relação ao sistema de cotas o Senador Paulo Paim (2000) justifica a proposta como uma forma de minimizar os efeitos do preconceito sobre as populações discriminadas “sabemos que nossas universidades e nosso mercado de trabalho são freqüentados por uma maioria esmagadora de brancos”. No que tange ao acesso a justiça o Estatuto traz disposição especifica, destaca-se a criação de varas especializadas para o julgamento das demandas criminais e cíveis originadas de legislação antidiscriminatória e promocional da igualdade racial. Importante trazer a baila as palavras do Senador Paulo Paim quando de sua apresentação do Estatuto em 07/06/2000: Não queremos a cultura afro-brasileira vista, sentida e experimentada somente nas práticas religiosas, música ou alimentação. Queremos a cultura do negro inserida nas escolas, no mercado de trabalho, nas universidades, pois o negro faz parte do povo brasileiro. Cultivar as raízes da nossa formação histórica evidentes na diversificação da composição étnica do povo é o caminho mais seguro para garantirmos a afirmação de nossa identidade nacional e preservarmos os valores culturais que conferem autenticidade e singularidade ao nosso País. 41 Atualmente este projeto já foi aprovado no Senado e está em tramitação na Câmara dos deputados22. Não obstante, esta em discussão o projeto de lei n. 3627/0423, que estabelece a reserva de 50% das vagas das instituições federais de ensino superior público para alunos oriundos do ensino médio público, segundo o rendimento do aluno durante o ensino médio e dentro destes 50%, seria reservado percentual proporcional à população de negros e indígenas de cada estado para estudantes auto declarados negros ou indígenas. Este projeto de lei já foi aprovado em três comissões da Câmara Federal e está em plenário24. 2.2 MÉRITO X AÇÃO AFIRMATIVA Tradicionalmente, o ensino superior é estruturado a partir de critérios meritocráticos e o vestibular sempre foi considerado, por excelência, o mais efetivo e igualitário instrumento para seleção dos candidatos que demonstrariam a aptidão para o ingresso nos ensino superior. Ademais, a Constituição Federal de 88 traz em seu artigo 208: “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ....V- acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”, desta forma o sistema de cotas não estaria violando o principio meritocrático? A meritocracia pode ser definida como “um conjunto de valores que postula que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser conseqüência do mérito de cada um, ou seja, do reconhecimento público da qualidade das realizações individuais” (BARBOSA, 1999, p. 22). Essa forma de entender o mérito valoriza e avalia as pessoas independentemente de suas trajetórias, não atribuindo 22 De acordo com a tramitação de proposições da Câmara dos deputados, este projeto esta na mesa diretora. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=307731 acesso em 25/08/08. 23 Oriundo do projeto de lei 79/99 de autoria da deputada Nice Lobão. 24 Este projeto possui dez emendas, estando desde 20/01/2006 em plenário para votação. Módulo de tramitação de proposições da Câmara dos deputados. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=307731, acesso em 25/08/08. 42 importância a variáveis sociais, como origem, posição social, etc., “por essa lógica, o progresso e o fracasso das pessoas são vistos como diretamente proporcionais aos talentos, às habilidades e ao esforço de cada um, independentemente do contexto” (BARBOSA, 1999, p. 26). No vestibular se aplica o conceito acima citado. Entram na instituição os alunos mais hábeis e mais aptos, independente da forma como conseguiram tal habilidade ou aptidão. Se considerarmos que o concurso vestibular é aplicado a todos em igualdade de condições, o mérito como forma de acesso à universidade seria perfeitamente aceito. Com efeito, o mérito é prática que não deve ser eliminada, mas sua aplicação deve ser revista, tendo em vista que esta forma de acesso privilegia aqueles que têm melhores condições financeiras. A questão do mérito acaba sendo colocada como uma das principais razões pelas quais há forte oposição em relação à adequação de políticas de ação afirmativa, contrapondo essa questão a educadora Raquel Coelho Lenz César, Coordenadora do Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro traz (2004, p. 33): Esse é um problema que toca num dos pontos paradoxais da sociedade brasileira que defende a tese da racionalidade das relações e oportunidades sociais, ao mesmo tempo em que reproduz a distribuição de benefícios segundo concepções da elite patrimonialista. Assim, é que a questão do mérito agrada não só ao senso comum que ignora a exclusão promovida pelo sistema cego de vestibular e pelas demais barreiras visíveis e invisíveis que excluem o individuo discriminado, como também é apoiada por alguns educadores para quem a etilização do conhecimento é tão natural quanto o é a desigualdade do país. De acordo com o artigo 206 da CF/88 “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, destaca-se que o sistema de cotas não viola tal condição. Considerando que a prova prestada (vestibular) para o ingresso nas instituições é a mesma para todos os candidatos seja cotista ou não, tampouco, há dispensa de fazer a prova, as provas são obrigatórias e a mesma prova é aplicada para todos os candidatos “absolutamente, sob o ponto de vista formal todos participam igualmente (...) ora, não basta que todos os candidatos se submetam à mesma prova, assegurando-lhes igualdade formal! É necessária a igualdade material, efetiva, ou seja, que todos tenham a oportunidade de realmente disputar 43 uma vaga em uma universidade pública e gratuita!” (BRASIL. JFSC. ACP n. 2008.72.00.000331-6. Juiz Federal Rafael Serlau Carmona, j. 24/09/2008). A igualdade material de condições não há, pois se sabe que os alunos que ocupam as vagas nos cursos mais disputados são oriundos de escola particular, bem como se sabe que a qualidade de ensino de escolas públicas não é a mesma das particulares. Vejamos (MIRANDA apud BRASIL. JFSC. ACP n. 2008.72.00.000331-6. Juiz Federal Rafael Serlau Carmona, j. 24/09/2008): A Constituição não se cinge a estatuir uma igualdade formal e uma selecção adequada ao interesse geral da colectividade. Exige, além disso, a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema (...) ou (para parafrasear o que se lê no art. 20°, n° 1, 3ª parte, a respeito do acesso à justiça) que a todos que tenham capacidade não seja denegado o acesso ao ensino superior por insuficiência de meios econômicos. Nisto reside a terceira regra constitucional sobre a matéria. Nesse ínterim, outra questão a ser levantada é se a admissão de candidatos a partir de critérios diferenciados poderia colocar em xeque este sistema meritório admitindo candidatos potencialmente “menos aptos” aos estudos superiores. Opositores do sistema de cotas sustentam que sua adoção eliminaria o mérito e o conhecimento prévio, premiando os menos capazes (HIRSCHMAN, 1992 apud MARENCO, 2007). A avaliação que o vestibular faz não é de todo eficiente em aferir mérito, já que nem sempre os melhores colocados nos testes de admissão serão os profissionais mais qualificados “o mérito do vestibular nem sempre define o mérito profissional. Primeiro pela própria mecânica excludente do sistema. Segundo, porque não impossibilita que os alunos tenham bom desempenho nas matérias especificas de sua habilitação profissional” (CESAR, 2004, p. 33). Ademais, os cotistas se submetem as mesmas provas que qualquer outro aluno e assim como eles também estão submetidos à nota de corte, ou seja, devem atingir o mínimo de pontos para classificação, um nível de conhecimento é exigido. Com efeito, deve ser lembrado que o vestibular é um sistema classificatório que precisa identificar pequenas diferenças que sejam capazes de estabelecer uma ordem de candidatos para que ocupem as poucas vagas disponíveis (CIÊNCIA HOJE, 2005). Cumpre mencionar, pesquisa realizada pela Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp - Comvest concluiu que alunos ingressantes através do 44 Programa de Ações Afirmativas apresentaram maior rendimento acadêmico do que os demais alunos25. O referido estudo também avaliou o avanço médio de posição dos alunos do PAAIS em relação aos demais. Os cursos que tiveram maior avanço de posição foram Engenharia Mecânica e Medicina (33 posições), isso significa que um aluno do PAAIS concluiu o primeiro semestre letivo destes cursos 32 posições na frente da posição de que ele ocupava na lista do vestibular (PEDROSA, 2004). Na Universidade Federal do Rio de Janeiro esses dados se repetem de acordo com pesquisa realizada na Instituição os alunos com as melhores médias finais no vestibular não apresentam o mesmo desempenho durante o curso da graduação, isso nos leva a concluir que alunos com bom desempenho no vestibular não implica em qualidade de ensino (CIÊNCIA HOJE, 2005) Em relação ao impacto social da medida essa mesma pesquisa concluiu que a reserva de 20% das vagas para alunos que cursaram todo o ensino médio nas escolas públicas levaria ao ingresso de maiores proporções de alunos oriundos de famílias de baixa renda, especialmente nos cursos de alta demanda (CIENCIA HOJE, 2005): Em termos de inclusão social, sistema de reserva de vagas baseados na ampliação dos anos de escolaridade na rede pública seriam mais eficazes que aqueles baseados em reservas de proporções maiores para alunos que cursaram somente o ensino médio em escolas públicas (.....)sistemas de acesso diferenciado poderiam trazer para as universidades em geral, e para a UFRJ em particular, benefícios que têm sido pouco apreciados nas discussões sobre o tema, em geral devido a preocupação com os riscos de queda de qualidade dos cursos. A maior diversidade social e étnica dos alunos certamente contribuiria para enriquecer as discussões tão características da vida universitária, com pontos e vista que se encontram hoje sub-representados ou mesmo ausentes dos espaços onde tais debates são travados. A desembargadora Maria Lucia Luz Leiria, quando do julgamento da Apelação 20087200002254-0, se manifestou de forma clara no tocante à alegação de que não há ofensa ao sistema meritório, do corpo do acórdão extrai-se: Primeiro, porque, ao estabelecer que o "acesso aos níveis mais elevados do ensino" é realizado "segundo a capacidade de cada um" o dispositivo constitucional, reproduzindo, em parte, o art. 26.1 da 25 Em 29 cursos, os alunos do PAAIS tivera uma melhora em relação ao desempenho no vestibular, bem como um rendimento acadêmico médio maior dos que os demais. Por exemplo, nos cursos de Física noturno o rendimento foi 14,4% maior, engenharia agrícola 11,5% maior, tecnologia em construção civil 9,3% (PEDROSA, 2004). 45 Declaração Universal dos Direitos Humanos, não estabeleceu o "mérito" como critério único e distinto para acesso ao ensino superior. Segundo, porque é o sistema fixado pela Universidade, nos editais de vestibular, que estabelece as bases nas quais o mérito do candidato será avaliado. Previsões similares, em relação aos concursos públicos, por exemplo, ao estabelecer percentual de 10% para portadores de necessidades especiais, nunca foram tidas como violadoras do "mérito", independentemente do fato de estarem previstas na Constituição. A previsão, pois, de reserva de vagas não rompe com o sistema de mérito: busca, ao contrário, estabelecer critérios conjugados de inclusão social para seu aperfeiçoamento e alteração. Terceiro, porque as universidades estabelecem "nota de corte" para preenchimento de vagas, ou seja, os candidatos, independente de estarem ou não incluídos no sistema de cotas, devem atingir uma nota mínima. Quarto, porque, estabelecendo a reserva de vagas, com um sistema universal e outro de "inclusão social", não há porque afirmar-se que o candidato "cotista" retira vagas que "são de direito" de determinado vestibular. Estão concorrendo por sistemas diferentes e a vagas distintas. Ademais, os vestibulares têm previsto que no caso de nãopreenchimento de vagas para "negros e pardos" estas são revertidas para as de "inclusão social" e não havendo candidatos para estas, a reversão para o "sistema universal". Desta forma, não atingida a "nota de corte", o acesso não será dado nem a "cotistas" nem a candidatos do "sistema universal". Quinto, porque inexiste algo que constitua "mérito" em abstrato. A própria alegação de que o mérito somente pode ser aferido pelo "vestibular" implicaria constitucionalizar este procedimento de seleção, como se fosse a única possibilidade de ingresso universitário ou que o modelo não pudesse ser alterado. Neste sentido, o jusfilósofo Ronald Dworkin, ao alertar que não há nenhuma combinação de habilidades e qualidades e traços que constitua 'mérito' em abstrato, salientava, por exemplo, a diferença para definir "qualificações" em concursos de beleza, em programas de perguntas e respostas, premiações de livro, premiações por coragem ou para escolha de um médico. Segundo ele, ninguém escolhe um médico "em homenagem às suas habilidades ou para recompensá-lo por curas passadas: escolhe o médico que espera fazer melhor por ela no futuro, e só considera o talento inato ou as realizações anteriores do médico, porque, e na medida que, sejam indicadores do valor do médico para ela no futuro". A competição por vagas na universidade, no seu entender, é uma competição deste último tipo: "os responsáveis pelas admissões não devem oferecer as vagas como premiações por realizações ou trabalhos passados, nem como medalhas por talentos ou virtudes inerentes: seu dever é escolher um corpo discente que, no todo, venha a dar a maior contribuição possível às metas legítimas que a instituição definiu" (A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 569). Sendo pagas pela comunidade, as universidades e faculdades têm "responsabilidades públicas: devem escolher metas que beneficiem uma comunidade muito mais ampla do que os seus próprios corpos docente e discente" ( idem, p. 569). 46 A doutrina, nos Estados Unidos, há muito rechaçou a alegação de que a correção de injustas passadas tinha o condão de atingir "vítimas inocentes". Neste sentido, tem-se entendido, com base em Ronald Ficus e Ronald Dworkin, que "não há vítimas inocentes com direitos violados, mas sim benefícios indevidos decorrentes do racismo. A questão correta, portanto, não é de desprezo do mérito da vítima inocente, mas sim de evitar privilégios indevidos decorrentes da histórica supremacia branca. Trata-se de proteger o direito dos indivíduos negros a concorrerem aos benefícios sociais de forma equânime, livres na medida do possível da injustiça estrutural que decorre do racismo e de seus efeitos" (RAUPP RIOS, Roger. Ações afirmativas no Direito Constitucional brasileiro: reflexões a partir do debate constitucional estadunidense. IN: SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição e direitos fundamentais. V. I, tomo I. Porto Alegre: do Advogado, 2005, p. 290). Ao passo que pessoas negras foram e são sistematicamente prejudicadas no acesso ao ensino superior, "muitos brancos obtiveram vagas universitária graças ao privilégio ligado à sua condição racial- circunstância que excluía e continua alijando da disputa pelas vagas um grande número de pessoas" ( idem, p. 301). Sexto, porque a alegada objetividade na escolha dos candidatos selecionados, ainda que possa e constitua a melhor forma de seleção, não pode olvidar o fato de que o componente subjetivo na escolha dos temas, formulações de problemas, tipos de raciocínio e outros fatores contribuem para que sejam aferidos determinados conhecimentos ou estabelecidos determinados resultados. Assim, por exemplo, a formação legalista tem repercutido na formulação dos concursos públicos, "em que as provas também reproduzem o paradigma normativista do direito, com questões que exigem, muitas vezes, apenas domínio técnico das leis e das decisões judiciais", o que tem marcado, inclusive, não só a primeira fase de seleção para ingresso nas magistraturas, mas também as etapas subseqüentes, em que "o candidato poderia demonstrar um conhecimento interdisciplinar e crítico" (SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007, p. 82). (TRF4. AP. n. 20087200002254-0, j. 26/09/08 – grifo nosso). Desta feita, pode-se verificar que o mérito não pode ser utilizado como argumento contra o sistema de cotas, tendo em vista que existe ainda uma aferição dos mais aptos, todavia, a continuidade desta forma de acesso sem a reserva de vagas, da possibilidade de ingresso somente àqueles que possuem condições financeiras de freqüentar cursinhos e se preparar para o vestibular. 47 2.3 POLÍTICA DE COTAS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DO PAÍS. As ações afirmativas estão em debate no cenário nacional há algum tempo, sendo discutidas as possibilidades e os limites das políticas públicas de inclusão social. Baseadas na autonomia universitária que lhes confere o artigo 207 da CF26, diversas universidades federais, estaduais e uma municipal estão adotando as ações afirmativas. Cumpre destacar que, no estado do Rio de Janeiro há uma lei estadual que determina a implementação do sistema, nesse caso não é a universidade baseada na sua autonomia que implementa as cotas. Após um levantamento feito pelo Laboratório de Políticas Públicas da UERJ (Universidade do estado do Rio de Janeiro) mostrou que 51 instituições públicas oferecem por meio de cotas ou de bonificação no vestibular, acesso diferenciado a alunos negros, de escolas públicas, deficientes ou indígenas. Isso significa que mais da metade das universidades estaduais do país (51%) possuem sistema de cotas. Não obstante, das 53 universidades federais do país, 22 têm ações afirmativas (GOIS, 2008). Além das universidades há também centros universitários e Cefets (Centro Federal de Educação Tecnológica) que estão implantando as ações. O estado do Rio de Janeiro foi o primeiro do país a implantar o sistema de cotas. Desde 2003, após ser promulgada a Lei 4151/03, o sistema de cotas para ingresso nas Universidades Públicas Estaduais é obrigatório. De acordo com a lei o sistema de reserva de vagas da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) visa garantir o acesso de estudantes carentes. A lei determina que, nos primeiros cinco anos de sua vigência, as universidades reservarão 45% no mínimo de vagas, sendo 20% para alunos oriundos de escola pública, 20% para negros e 5% para pessoas com deficiência, integrantes de minorias étnicas, filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares 26 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, traz em seu artigo 51 “as instituições de educação superior credenciadas como universidades, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta os efeitos desses critérios sobre orientação do ensino médio, articulando-se com os órgãos normativos do sistema de ensino”. 48 e de inspetores de segurança e administração penitenciária mortos em razão do serviço (alteração deste tópico foi dada pela Lei 5074 de 17/07/2007). A Universidade de Brasília – UnB também foi uma das pioneiras na adoção do sistema de cotas. A justificativa apontada pela universidade foi a seguinte (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA): A constatação de que a universidade brasileira é um espaço de formação de profissionais de maioria esmagadoramente branca, valorizando assim apenas um segmento étnico na construção do pensamento dos problemas nacionais, de maneira tal que limita a oferta de soluções para os problemas de nosso país. A política foi implantada pela universidade em junho de 2004 e faz parte do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UnB e será aplicada por um período de 10 anos, sendo que um dos seus principais objetivos é o enfrentamento de um quadro de desigualdades raciais. Foram reservadas 20% das vagas em cada um dos cursos oferecidos pela Instituição sendo que para concorrer às vagas o candidato deverá se autodeclarar negro e passar por uma banca avaliadora. Todavia, para ser aprovado deve obter, no mínimo nota maior que zero na prova de língua estrangeira, 10% da nota na prova de Linguagens e Códigos e Ciências Sociais, 10% da nota na prova de Ciências da Natureza e Matemática, 20% da nota no conjunto das provas (UNIVERSIDADE DE BRASILIA). Na Universidade de Campinas – Unicamp, criou-se o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), com o objetivo de tornar o vestibular mais justo a proposta se apresenta de forma um pouco diferente das outras instituições, os candidatos que tiverem cursado o ensino médio em escolas públicas têm direito a 30 pontos extras e os negros 40 pontos27. Cumpre mencionar, que na Unicamp até o vestibular de 2004 (antes das ações) 28% dos alunos eram oriundos de escolas públicas enquanto que em 2005 (já com as ações) o percentual subiu para 34%, sendo que nos cursos mais 27 Os estudantes que optarem pelo PAAIS na inscrição para o vestibular receberão automaticamente 30 pontos a mais na nota final, ou seja, após a segunda fase. Candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas terão, além dos 30 pontos adicionais, mais 10 pontos acrescidos à nota final (UNICAMP-COMVEST). 49 concorridos como Medicina, por exemplo, a participação saltou de 10% para 31% (LOBO, 2006, p. 34)28. Na Universidade Estadual de Londrina/PR, desde 2005, ocorre a aplicação das ações afirmativas, baseada no seu Estatuto que descreve como finalidade da Instituição propiciar condições para a transformação da realidade, visando a justiça e equidade social (artigo 3º, inciso IX, do Estatuto). A Universidade reserva 20% das vagas de cada curso para alunos oriundos de Instituições Públicas de Ensino e 20% para candidatos que se autodeclararem negros29 ou pardos e cumulativamente oriundos de escolas públicas de ensino, por um período de 7 anos30. A Universidade Federal do Paraná estabelece cotas para pessoas portadoras de deficiência física, auditiva, visual e mental. Não obstante, no país há uma universidade municipal que também implementa o sistema de cotas. Desde a sua origem o Centro Universitário de São José/SC – USJ aplica o sistema de cotas, nesta Instituição 70% das vagas são reservadas para alunos oriundos da rede pública do município 31. Cumpre esclarecer, que as universidades onde o percentual de vagas é reservado a um grupo são as mais comuns, sendo que apenas sete instituições adotam o sistema da bonificação (sem percentual de vagas preestabelecidas). No caso dos negros (somatório dos auto declarados pretos e pardos) restou constatado que 33 instituições têm políticas voltadas para eles e 18 não, sendo que o critério da autodeclaração é o mais utilizado, onde é o próprio candidato quem define qual a sua etnia ou da cor da pele. A seguir apresenta-se uma tabela com as instituições que implementaram o sistema de cotas no país: INSTITUIÇÃO TIPO DE AÇÃO AFIRMATIVA Cotas para deficiente e/ou escola pública* RIO DE JANEIRO Universidade Estadual do Rio de Janeiro 28 X Bônus** Indígenas*** Negros**** X X Ao final do primeiro semestre depois de quatro meses na universidade os egressos de escola pública se encontravam à frente dos colegas vindos de escolas particulares em mais de 29 cursos (LOBO, 2006, p. 35). 29 Uma Comissão foi criada para homologar a matrícula dos candidatos autodeclarados negros. 30 Resolução CU n. 78/2004, assinada pela Reitora Pofessora Lygia Lumina Pupatto em 23/07/2004. 31 A destinação de 70% das vagas tem relação direta com o número de alunos matriculados em São José: 78% nas escolas públicas e 22% nas particulares. 50 (UERJ) Universidade do Norte Fluminense (UENF) Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo) Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro (Faetec) Universidade Federal Fluminense (UFF) MINAS GERAIS Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Universidade Federal de Juiz de Fora SÃO PAULO Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Faculdade de Medicina S. J. do Rio Preto (Famerp) Universidade de São Paulo (USP) Universidade Federal do ABC (UFABC) Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) Centro Universitário de Franca (Facef) Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) ESPÍRITO SANTO Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) AMAZONAS Universidade do Estado do Amazonas (UEA) PARÁ Universidade Federal do Pará (UFPA) Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) TOCANTIS Universidade Federal do Tocantis (UFT) DISTRITO FEDERAL Universidade Federal de Brasília (UnB) Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS-DF) GOIÁS Universidade Estadual de Goiás (UEG) MATO GROSSO Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 51 MATRO GROSSO DO SUL Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) ALAGOAS Universidade Federal de Alagoas BAHIA Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Universidade Federal da Bahia (UFBA) Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet-BA) MARANHÃO Universidade Federal do Maranhão (UFMA) PARAÍBA Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) PERNAMBUCO Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco (Cefet-PE) RIO GRANDE DO NORTE Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (Cefet-RN) PIAUÍ Universidade Federal do Piauí (UFPI) SERGIPE Centro Federal de Educação Tecnológica do Sergipe (Cefet-SE) PARANÁ Universidade Federal do Paraná (UFPR) Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Universidade Estadual de Londrina (UEL) Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) RIO GRANDE DO SUL Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 52 Universidade Estadual do Rio Grande do X Sul (UERGS) Universidade Federal de Santa Maria X X (UFSM) SANTA CATARINA Universidade Federal de Santa Catarina X X X (UFSC) Centro Universitário de São José (USJ) X Fonte: Laboratório de Políticas Públicas da Uerj * Cotas: sistema onde há reserva de um percentual de vagas na universidade para um determinado grupo (em regra para alunos provenientes de escola pública). * Bônus: política que oferece a um grupo específico pontos a mais no vestibular, mas sem reservar um percentual de vagas. *** Negros: universidades que optaram por reservar um percentual de vagas aos estudantes que se autodeclararem pretos ou pardos. 2.4 CRITÉRIOS ADOTADOS NAS DIFERENTES INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS DO BRASIL Este item tem o intuito de identificar as razões materiais que são comumente usadas pelas universidades para estabelecer os critérios quando da implementação do sistema de cotas. 2.4.1 Negro Após a extinção da escravidão no Brasil com a promulgação da lei Áurea (1888) o negro alcançou a igualdade jurídica, todavia, mantinha-se não só a desigualdade econômica e social entre brancos e negros, mas ainda a antiga ideologia que definia bem a diferença entre os dois reservando ao negro uma posição de submissão (VALENTE, 1999). Escravizados por mais de 400 (quatrocentos) anos e falsamente libertados em 1888, após muitos embates e negociações, negros e mestiços tornaram-se “cidadãos” brasileiros, por decreto da noite para o dia, sendo verdadeiramente, em sua esmagadora maioria, abandonados pelos seus antigos proprietários e pelo Estado a sua própria sorte (PEREIRA DA SILVA, 2005, p. 12). 53 Nascia uma massa de quase 1,3 milhão de marginalizados e desempregados, sem alfabetização, sem participação política, sem propriedades, sem poder econômico, não houve uma preocupação em inserir socialmente esses ex-escravos, resultando em um agravamento de seus problemas sociais que foram tão graves que prejudicam até hoje suas gerações (PEREIRA DA SILVA, 2005). A inserção do negro na ordem social o colocou como sub-cidadão no conjunto dos demais grupos étnicos existentes (PEREIRA DA SILVA, 2005) Um forte agravante que piorou ainda mais a situação do negro foi a política de imigração de trabalhadores europeus, uma das inovações no mundo capitalista. Para o negro não havia emprego, pois todas as terras agrícolas já estavam ocupadas pelos imigrantes que tinham mão de obra mais qualificada. Os negros que viviam na cidade encontravam-se agora perambulando pelas ruas como mendigos e começaram a habitar cortiços que deram origem as favelas, ocupando as funções mais modestas onde eram mal remunerados (VALENTE, 1999). Com a falta de trabalho inicia-se a reprodução da deterioração do nível de vida do negro, sendo ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalhador livre, gerando um estrutura de privilégios a favor da população branca (VALENTE, 1999). Assim, para os brancos admitirem o negro como cidadão implicaria na perda desses privilégios, o preconceito e a discriminação ganham espaço como meios de defesa dos brancos para manter seus privilégios (VALENTE, 1999). Darcy Ribeiro elucida essa questão (1995, p. 231/232): Examinando a carreira do negro no Brasil se verifica que, introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à execução de tarefas mais duras, como mão-de-obra fundamental de todos os setores produtivos. Tratado como besta de carga exaurida no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de exploração que, embora melhores que a escravidão, só lhe permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que continuava sendo principalmente o de animal de serviço. (grifo-nosso) Em todos os países, os descendentes dos africanos escravizados continuam sendo, ainda, as grandes vítimas dos preconceitos e discriminações, alimentados por uma ideologia racista que, embora hoje não existe oficial e institucionalmente em 54 nenhum pais do mundo, existe ainda na sociedade (preconceito velado) (PEREIRA DA SILVA, 2005). As tentativas de tirar a população negra brasileira da marginalização se iniciaram quase um século depois da assinatura da Lei Áurea. Durante todo esse período, o país convive com o mito da democracia racial, que seria caracterizado pela inexistência de conflitos raciais e pela igualdade de direitos entre os cidadãos, todavia, o que se constata na sociedade brasileira é o conflito racial aberto e velado (PEREIRA DA SILVA, 2005). Renata de Malta Vilas Boas (2003, p. 58) elucida a questão do negro no país: A forma brutal como eles (afros-descendentes) ingressaram no Brasil, arrancados de suas famílias, instalados nas piores condições possíveis e libertos da noite para o dia, sem qualquer preparo, atenção e cuidados, sempre foram tratados de forma desumana e até hoje a sociedade, de forma geral associa o afro-descendente a tarefas consideradas subalternas, de menor importância. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em recente publicação onde apresenta uma análise das condições de vida da população brasileira em 2007, dentre 187,2 milhões de habitantes do país (2006), 49,7% se de declararam brancos, 6,9% pretos e 42,6% pardos32. Dentre os indicadores sociais apresentados pelo IBGE (PNAD, 2006) destacam-se dois conjuntos devido a sua relevância para este estudo: os que se referem à educação e os que dizem respeito à participação econômica das pessoas. Em relação à educação, as taxas de analfabetismo e de freqüência escolar apresentam diferenças significativas entre os níveis apresentados pela população branca e os da população preta e parda. Em 2006, o Brasil possuía cerca de 15 milhões de analfabetos dentre eles os negros e pardos representavam 10 milhões. As taxas de analfabetismo para a população de 15 anos ou mais de idade foram de 6,5% para brancos e de mais que o dobro, 14%, para pretos e pardos. 32 A principal fonte de informação para a construção dos indicadores foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD para o ano de 2006, cuja cobertura abrange todo o Território Nacional. A característica cor ou raça foi declarada pelas pessoas com base nas seguintes opções: branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, coreana etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia). 55 No que tange à média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais de idade mostra mais uma vantagem para os brancos que possuem 8,1 anos de estudos, enquanto que pretos e pardos apresentam 6,2 anos33. No que diz respeito à freqüência escolar, em idades entre 18 e 24 anos, mostra também significativas diferenças entre os grupos analisados, o percentual de brancos que aparecem como estudantes de nível superior é de 56% enquanto que o de pretos e pardos alcança 22%, demonstrando a grande diferença de acesso e permanência dos grupos raciais neste nível de estudo34. Importante ressaltar que no Brasil, em 2006, apenas 8,6% da população possuía nível superior de escolaridade, desse conjunto 78% eram de cor branca, enquanto os de cor preta, 3,3%, e os pardos, 16,5%. O pesquisador José Luiz Petruccelli (2004, p. 22) demonstra como a desigualdade entre brancos e negros no acesso ao ensino superior não tende a mudar: É necessário alertar para o fato de que se continuar a proporcionalidade de representação racial no nível superior como tem sido até agora – 1 estudante negro em cada 5 estudantes que freqüentam alguma universidade, no total de menos de 1 milhão e meio de ingressos por ano nas universidades publicas e privadas, mais de 1 milhão de jovens negros com nível médio concluído, entre 18 e 24 anos, continuarão a serem excluídos no ensino superior no país. Associado a estas desigualdades educacionais, os rendimentos médios percebidos por pretos e pardos se apresentam sempre menores que os dos brancos, todavia, as diferenças de rendimentos não podem ser explicadas pelas desvantagens de escolaridade da população de cor ou raça preta e parda, pois, comparando os rendimentos por cor ou raça dentro dos grupos com igual nível de escolaridade, constata-se a persistência do efeito racial, enquanto os negros recebem cerca de 1,8 (salário-mínimo) os brancos 3,4, quase 40% a mais do que os pretos e pardos35. 33 Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo as Grandes Regiões – 2006. 34 Percentual dos estudantes de 18 a 24 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo o nível de ensino freqüentado - Brasil - 2006. Incluindo as pessoas sem declaração de anos de estudo,bem como Graduação, Mestrado e Doutorado. 35 Rendimento médio mensal de todos os trabalhos, em salários mínimos, das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, com rendimento de trabalho, por cor ou raça, segundo as Grandes Regiões – 2006. 56 Em relação à distribuição de renda as desigualdades também aparecem, comparando a distribuição dos grupos entre os 10% mais pobres e entre o 1% mais rico demonstra que, entre os mais pobres os brancos alcançaram 26,1% do total e entre os que estavam na classe mais favorecida eles representaram quase 86% dos mesmos. Por sua vez, os pretos e pardos eram mais de 73% entre os mais pobres e somente correspondiam a pouco mais de 12% entre os mais ricos36. Para fins e demonstração da desigualdade na representação por grupos de cor no ensino superior, o Brasil no ano de 2000 contava com aproximadamente 284 mil médicos, sendo que destes 86% se declaravam da cor branca “um percentual bem acima da média nacional de 54% da população total nesse grupo de cor” (PETRUCCELLI, 2004, p. 28). Um aspecto importante que deve ser apontado diz respeito à dificuldade de identificação do negro, pois, sabe-se que o Brasil é um país que tem como característica a miscigenação. Vejamos (SCHREIDER, 1963 apud BRASIL. JFSC. MS n. 2007.72.00.011867-0. Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j.29/11/07) : O diagnóstico fundado na morfologia e na constituição corporal não autoriza a identificação de raça. Basta dizer que, muitas vezes, o tipo étnico árabe, ou hindu, tem idênticas características do africano, sem que ninguém, nem mesmo o especialista em classificação étnica, para fins terapêuticos ou médicos, tenha condições de atestar a raça por intermédio de uma aferição visual. Esta é uma das críticas do sistema, pois, nas universidades em que o sistema de cotas é para negros é utilizado o critério da auto-declaração que posteriormente é validado ou não por uma Comissão. Como será definido quem é negro e quem não é? 2.4.3 Indígena A história do índio no Brasil é lamentável, pois, foram usados como mão de obra, sendo caçados e colocados na posição de escravos37. Cumpre trazer a balia o relato produzido por Darcy Ribeiro: 36 Distribuição do rendimento mensal familiar per capita das pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento de trabalho, entre os 10% mais pobres e o 1% mais rico, em relação ao total de pessoas, por cor ou raça - Brasil – 2006. 37 A Constituição de 1988 reconheceu a permanente diversidade e especificidade cultural dos índios. Em seu artigo 231, impõe ao Poder Público o reconhecimento, respeito e 57 Em cada século e em cada região, tribos indígenas virgens de contato e indenes de contágio foram experimentando, sucessivamente, os impactos das principais convulsões e pestes da civilização, e sofreram perdas em seu montante demográfico que jamais se recuperaram. O efeito dizimador das enfermidades desconhecidas, somado ao engajamento compulsório da força de trabalho e ao da deculturação, conduziram a maior parte dos grupos indígenas à completa extinção. Em muitos casos, porém, sobrevive um remanescente que, via de regra, corresponde àquela proporção de um por 25 da população original. Atualmente os índios vivem nos mais diversos pontos do território brasileiro e representam, em termos demográficos, um pequeno percentual da população brasileira (0,8%)38. Após a Constituição Federal de 88, o critério de identificação do índio mudou, não mais é utilizado aquele trazido pelo Estatuo do Índio, vigora o critério da auto-identificação étnica. Ou seja, um grupo de pessoas pode ser considerado indígena ou não se estas pessoas se considerarem indígenas, ou se assim forem consideradas pela população que as cerca (FUNAI). Cumpre destacar, que assim como o negro (incluindo os pardos) os indígenas representam uma pequena parcela entre graduandos universitários, enquanto que os brancos são uma maioria esmagadora. Esta desigualdade de representação se manifesta também de forma exacerbada no ensino médio reproduzindo a lógica de exclusão social predominante em múltiplos aspectos da sociedade brasileira (PETRUCCELLI, 2004, p. 7). De acordo com o Censo Demográfico de 2000 enquanto 13.701.803 da população branca de 18 ou mais anos de idade aparece com o nível médio concluído, os indígenas representam pouco mais de 45.000. A cada grupo de 100 pessoas 67,6 brancos concluíram o ensino médio sendo que os indígenas 0,2 (nem ao menos um chega a completar o ensino). proteção aos modos de vida dos índios: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. 38 A principal fonte de informação para a construção dos indicadores foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD para o ano de 2006, cuja cobertura abrange todo o Território Nacional. A característica cor ou raça foi declarada pelas pessoas com base nas seguintes opções:branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, coreana etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia). 58 Outro dado relevante diz respeito aos 4,8 milhões de pessoas de 25 anos ou mais de idade com nível superior concluído, pois se verificou que 83% desse contingente são brancos e apenas 0,1% são indígenas. Na Universidade Estadual de São Paulo (USP) os estudantes de cor branca representavam 70,7%, negros 4,4%, sendo que os indígenas representavam apenas 0,2%, o que demonstra a situação de desigualdade que o indígena se encontra em relação aos outros segmentos da sociedade (GUIMARÃES, 2001). Nesse ínterim, as ações afirmativas tem o objetivo de construir a igualdade e resgatar a dívida que a sociedade brasileira tem com a população indígena. Permitir o aumento de oportunidades no ensino superior público faz com que se tenha uma maior democratização econômica e étnico-racial no acesso e permanência no ensino superior o que é uma tarefa da universidade pública (COMISSÃO). 2.4.4 Escola Pública O acesso ao nível superior de ensino, tanto na graduação quanto na pós graduação constituiu uma das grandes demonstrações da discriminação no que diz respeito a discriminação por cor ou raça sofrida pela população do país (PETRUCCELLI, 2004, p. 17). Diante do limitado número de vagas oferecidas pelo ensino superior pelas universidades públicas do país, os estudantes que almejam continuar seus estudos além do nível médio faz com que os alunos direcionem seus estudos para enfrentar as provas do vestibular (PETRUCCELLI, 2004, p. 17). “As provas de exame vestibular para o ingresso nas universidades públicas passaram a ser realizadas....num contexto de grande desigualdade de formação motivadas principalmente pela renda familiar” (GUIMARÃES 2003 apud PETRUCCELLI, 2004, p. 19). Vários fatores influenciam o desempenho escolar diferenciado, tais como renda familiar, necessidade de trabalhar durante os estudos, tipo de escola média freqüentada dentre outros, além desses existem os fatores subjetivos “experimentados por grupos em situação social subalterna que remetem a evidencia 59 inconteste de elementos de racismo introjetado interferindo nos resultados dos grupos raciais de indígenas, pardos e pretos” (PETRUCCELLI, 2004, p. 27). Diversos estudos comprovam o grave estado de concentração da riqueza e da renda gerada no Brasil, dentre os 1% mais ricos do país 88% são da cor branca enquanto que entre os 50% mais pobres representam menos de 37%. Enquanto os mais pobres gastam maior parte de seu orçamento familiar com alimentos básicos, remédios, aluguel e transporte urbano, deixando para educação menos de 1,4% do seu orçamento, os mais ricos comprometem até 4% da sua renda com educação39 “sendo assim, pode-se constatar como os rendimentos auferidos pelos diferentes estratos econômicos agem conjuntamente com as características de cor ou raça na seleção das pessoas de 25 anos e mais de idade que chegam a concluir algum curso universitário no país” (PETRUCCELLI, 2004, p. 38)40. Desta forma, concluiu-se que o processo para aprovação no vestibular tem intima ligação com a escolarização e a vida das pessoas. O ensino médio participa deste processo fazendo, em um primeiro momento, uma triagem seletiva, nos moldes gerais da discriminação socioracial que opera no pais, determinando as proporções dos estudantes que conseguem finalizar, ou não, os estudos (PETRUCCELLI, 2004, p. 26). Logo em seguida, o total dos que completaram o ensino médio se constitui em dois tipos de demanda para o acesso a universidade, uma primeira demanda que apenas consegue completar este nível de estudos e uma outra demanda composta por aqueles que estão em condições mais apropriadas para continuar avançando nos seus estudos (PETRUCCELLI, 2004, p. 26). De acordo com o Censo Escolar de 2007 no Brasil, estão matriculados 52.969.456 estudantes na educação básica, sendo que 46.610.710 em escolas públicas e 6.358.746 em escolas privadas. Esses dados demonstram que a maioria da população do país freqüenta escolas públicas, seria normal que as universidades públicas tivessem na sua maioria alunos provenientes de escolas públicas, porém, na pratica não é isso que 40 “Pesquisa do Núcleo de Apoio a Estudos da Graduação, NAEG, da USP,mostra eu só uma rua nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, tem mais ingressantes na Universidade que 74 bairros periféricos da zona sul da cidade, entre 1995 e 2004. Um pequeno número de bairros em volta de centro, que compreendem apenas 19,5% da população de São 60 ocorre, na maioria das vezes a maioria dos alunos é proveniente de escolas particulares, o que demonstra que a qualidade de ensino, aliado a renda de caracteriza como fator determinante para o acesso a instituições públicas de ensino. Isso pode se demonstrado quando observamos a origem dos alunos classificados no vestibular. Na Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, de acordo com a Comissão Permanente do Vestibular da UFSC (Coperve) no ano de 2004, somente 26,6% dos classificados eram alunos provenientes do ensino público. No caso de se considerar os candidatos que realizaram o ensino fundamental e médio em escolas públicas esse percentual cai para 19,1% (COMISSÃO). No caso da Universidade de São Paulo (USP) após a implementação do sistema de cotas a participação dos alunos oriundos de escola pública aumentou de 24,7% em 2006 para 26,7% em 2007. (AGÊNCIA USP). Assim, pode ser constatado que os segmentos mais ricos da sociedade são os que se beneficiam do ensino superior gratuito, desta forma, as ações afirmativas se justificam pois, não se pode admitir que todo o investimento da sociedade no ensino superior público seja endereçado apenas a alguns grupos, prevalecendo certos grupos sobre outros. 2.4.5 Origem Geográfica Outro critério utilizado para desigualação é a origem escolar cumulada com a origem geográfica. O Centro Universitário de São José possui o sistema de cotas sociais reservando 70% das vagas para alunos das escolas públicas (municipal, estadual, federal) situadas no município de São José. Nesse caso especifico o aluno deverá ter realizado o ensino médio todo em escola pública situada na cidade. A justificativa da universidade cinge-se no fato de que no município 78% dos matriculados encontram-se nas escolas públicas enquanto que 22% nas particulares. Paulo, açambarca 70,3% do total de vagas, enquanto que aos bairros periféricos, contendo 80,5% da população total da cidade, cabem 29,7% da vagas” (PETRUCCELLI, 2004, p. 42). 61 3 ANÁLISE DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA IMPLEMENTADA PELA UFSC O terceiro capítulo será destinado a analisar o sistema de cotas implementado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Inicialmente se demonstrará a atuação da Comissão criada pela Universidade para averiguar as possibilidades de implementação do sistema, bem como as características e os elementos da política de ação afirmativa implementada. Será trazido a baila a discussão que vem ocorrendo no Poder Judiciário, com seu atual posicionamento. Por fim, será feita a analise da política implementada, levando em conta o primeiro vestibular realizado pela instituição, para verificar se as cotas que estão sendo implentadas estão de acordo com o que preconiza a Constituição Federal de 88. 3.1 CONTEXTO DE CRIAÇÃO E ATUAÇÃO DA COMISSÃO Na Universidade Federal de Santa Catarina desde o vestibular realizado no ano de 2007 que as ações afirmativas estão sendo aplicadas. Com o objetivo de construir uma proposta que inscreva a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em uma agenda contemporânea de valorização e promoção da diversidade no ambiente acadêmico/social, foi criada em 03/04/2006, pela Portaria 195/GR/2006, a Comissão para ampliação do acesso com diversidade socioeconômica e étnico-racial da UFSC (COMISSÃO, 2006, p.1). Composta por 19 membros41 a Comissão realizou várias atividades. Organizou o Seminário “Cotas e Ações Afirmativas”, em 01/06/2006, para discussão e fundamento de ações afirmativas, estruturou um grupo de trabalho específico 41 A Comissão é composta por representantes dos centros de ensino da UFSC, COPERVE, Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia, APUFSC, Sindicato dos Trabalhadores da UFSC (SINTUFSC), Indígenas e Movimento Negro. 62 sobre a educação indígena, lançou na Internet sua página www.acoesafirmativas.ufsc.br, abrindo forte discussão sobre o tema para colher subsídios para implementação de uma política de inclusão. (COMISSÃO, 2006, p. 1). A Comissão analisou dados sobre as desigualdades no ensino superior da Universidade, trazendo a seguinte afirmação: a situação de desequilíbrio é tão grave que, se fossem reservadas 100% das vagas de todos os cursos superiores de medicina para negros, demoraria 25 anos para que houvesse uma proporção equivalente entre os médicos negros e brancos no Brasil. Importante ressaltar, que a Comissão realizou estudos sobre o possível impacto das diferentes propostas para ampliação do acesso ao ensino público, verificando, que a duplicação do número de vagas ou ainda a reserva de 50% dessas vagas para egressos do ensino médio público não alterariam o perfil étnicoracial dos alunos (COMISSÃO, 2006, p. 1). Restou constatado pela Comissão que nos cursos menos concorridos42 o percentual de classificados vindos do ensino médio público chegava a 45% enquanto nos cursos como Administração, Engenharia de Automação e de Alimentos, Jornalismo e Medicina (os mais concorridos) esses alunos representam menos de 10% (COMISSÃO, 2006, p. 7). Quando a análise passa a considerar o aspecto étnico-racial a situação se agrava, em 2006, 8,15 % dos candidatos se declararam pardos e 2,21% pretos, dentre os pardos 7,58% se classificaram enquanto que apenas 1,05% dos autodeclarados pretos conseguiram a classificação (COMISSÃO, 2006). Nesse contexto, dada a seletividade socioeconômica e étnico-racial presente na UFSC medidas de ação afirmativa são propostas para promover a diversidade. A Comissão enfatiza que a formação dos graduandos será melhor em um ambiente de diversidade, preparando os acadêmicos para uma sociedade cada vez mais sensível às diferenças, pois, a qualidade do ensino está vinculada à valorização da diversidade no ambiente de ensino. Desta feita, a Comissão (2006, p. 7) enfatiza a necessidade das ações afirmativas: As ações afirmativas têm o objetivo de construir maior igualdade e resgatar essa dívida que a sociedade brasileira tem com esses segmentos da população. Permitir que o aumento de oportunidades 42 De acordo com a COPERVE os cursos menos concorridos são: Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Filosofia, Física Licenciatura, Geografia, Serviço Social, Letras Espanhol e Italiano. 63 no ensino superior público se combine com maior democratização econômica e étnico-racial no acesso e permanência no ensino superior é uma tarefa da universidade pública. 3.2 PRINCIPAIS ELEMENTOS DA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA DEFINIDA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC Inicialmente cumpre transcrever o conceito do Programa de Ações Afirmativas editado pela Comissão de Acesso e Diversidade Socioeconômica e Étnico Racial: Um conjunto de ações e procedimentos referentes à preparação para o acesso à universidade; à política de acesso propriamente dita mediante o sistema de reserva de vagas para candidatos oriundos da rede pública de ensino, negros e indígenas; à política de permanência na universidade; e à política de acompanhamento da inserção sócio-profissional dos alunos egressos da Universidade. A referida Comissão entende que esta proposta do Programa de Ações Afirmativas da UFSC procura expressar o compromisso de uma instituição pública que exige responsabilidades institucionais em resposta aos cenários de desigualdades socioeconômicas e raciais que imperam na sociedade (2006, p. 8) O Programa de Ações Afirmativas apresenta os seguintes objetivos: Promover uma formação humana e anti-racista com impacto nos currículos das carreiras profissionais a partir de uma política de acesso, de permanência e de inserção sócio-profissional dos/as alunos/as da universidade; implantar uma política pública de ação afirmativa, de inclusão de alunos oriundos da rede pública de ensino, negros e indígenas numa instituição de ensino superior com alta qualidade de ensino, pesquisa e extensão; direcionar investimento público para diminuir os efeitos das desigualdades e discriminações socioeconômica e étnico-racial no ensino superior, oportunizando o acesso e a permanência na Universidade de segmentos historicamente excluídos e discriminados; contribuir para o desenvolvimento de estratégias institucionais compatíveis com os desafios criados nas IES, a partir da implantação de sistema de reserva de vagas para acesso de estudantes oriundos da rede pública de ensino, negros e indígenas. O Programa de Ações Afirmativas da UFSC foi criado em 10/07/2007 pelo Conselho Universitário da UFSC que através do seu Presidente, Professor Lúcio José Botelho, editou a Resolução Normativa n. 008/CUN/2007 que estabelece a 64 natureza, finalidade, vinculação e as disposições gerais do sistema implementado pela Instituição. A finalidade do programa de ações afirmativas implementado constitui-se, segundo a Resolução, em um instrumento de promoção dos valores democráticos, de respeito à diferença e à diversidade socioeconômica e étnico-racial, mediante a adoção de uma política de ampliação do acesso aos seus cursos de graduação e de estímulo à permanência na Universidade. 3.2.1 Dos Beneficiários O programa se destina aos estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituição de ensino público, bem como aos estudantes que pertençam ao grupo racial negro, e aos estudantes que pertençam aos povos indígenas. 3.2.2 Tipos de Políticas Implementadas A Resolução Normativa 008/CUN/2007 especifica as ações orientadoras do Programa que devem ser implementadas pela Universidade, tais como: preparação para o acesso aos Cursos de Graduação da Universidade43, acesso aos cursos de graduação da Universidade44, acompanhamento e permanência do aluno na Universidade45, acompanhamento da inserção sócio-profissional dos alunos egressos da Universidade46, ampliação de vagas nos cursos de graduação e criação de cursos de graduação noturno47. 43 A UFSC possui o pré vestibular solidário o cursinho da UFSC surgiu para atender a necessidade de estudantes que não dispõem de recursos financeiros para freqüentar cursos preparatórios para o vestibular. 44 Política de reserva de vagas que será tratado no próximo item. 45 A Comissão propõe a ampliação do número de bolsas de estudo. 46 Política ainda não implementada. 65 3.2.3 Mecanismo de Reserva de Vagas Para a implementação da ação afirmativa de acesso aos cursos de graduação da Universidade será destinado 30% (trinta por cento) das vagas do vestibular, em cada curso, que serão distribuídas da seguinte forma: 20% (vinte por cento) para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e 10% (dez por cento) para candidatos auto declarados negros, que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino. No que tange à reserva para negros, a Resolução determina que os candidatos devem possuir fenótipos que os caracterizem na sociedade como pertencentes ao grupo racial negro (Art. 8º), devendo comprovar no ato da matricula a condição de pertencente ao grupo racial negro. Ressalte-se que os candidatos que se auto declararem negros e forem classificados no vestibular poderão ser submetidos à entrevista por comissão institucional que decidirá se atendem aos requisitos estabelecidos para a modalidade de vaga para a qual optaram (art. 8º § 2º). Em relação aos candidatos pertencentes aos povos indígenas serão criadas 5 (cinco) vagas suplementares, que serão preenchidas pelos candidatos melhor classificados no vestibular (o candidato escolhe o curso ficando limitado 2 vagas em cada um). Para preencher a vagas pertencentes aos povos indígenas o candidato deverá preencher o formulário de inscrição do vestibular informando qual o grupo indígena a que pertence, à sua situação lingüística, à descrição da sua história de vida e as expectativas em relação ao curso que deseja freqüentar. A comprovação de pertencente ao grupo indígena dar-se-á no ato de matrícula sendo que os candidatos poderão ser submetidos à entrevista por comissão institucional, que decidirá se atendem aos requisitos estabelecidos para a modalidade de vaga para a qual optaram. A resolução prevê a criação de uma Comissão Institucional com a finalidade de acompanhar o programa de ações afirmativas e proceder à avaliação e 47 Política ainda não implementada. 66 proposição de mecanismos relacionados às distintas dimensões e aos seus resultados. 3.2.4 Processo Classificatório Em 30/07/2007 a COPERVE lançou o primeiro edital da Universidade com a reserva de vagas, destaca-se que neste ano o edital lançado (para ingresso em 2009) os parâmetros de distribuição e reserva de vagas se repetem (Item 4 do edital 04/COPERVE/2008). Nos dias 10 a 12 de dezembro deste ano se realizará o segundo vestibular da UFSC observando-se o Programa de Ações Afirmativas criado pela Resolução Normativa N° 008/CUn/2007. Importante destacar que as ações afirmativas no acesso à universidade têm se mostrado um eficiente mecanismo de construção da diversidade. Os candidatos escolhidos são sempre os melhores classificados em vestibulares dentre os oriundos de escolas públicas e negros, ou em processos seletivos especiais, no caso de indígenas (COMISSÃO, 2006, p. 12). 3.3 A BATALHA JUDICIAL TRAVADA EM RELAÇÃO AO VESTIBULAR 2008-1 DA UFSC O primeiro vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina fomentou muitas discussões, tanto na sociedade e no espaço universitário entre os discentes e docentes, como no judiciário. Nesse ínterim, o Ministério Público impetrou Ação Civil Pública com pedido de liminar visando a suspensão o sistema de cotas implementado pela UFSC, tal liminar em primeira instância foi deferida. 67 Todavia, a Universidade Federal impetrou Agravo de Instrumento com o intuito de suspender a liminar, obteve êxito em seu pleito e manteve os sistema de cotas no vestibular 200848. Cumpre destacar que em 26/09/2008, foi proferida a sentença da referida Ação Civil, vejamos49: JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos e, efetivando as normas constitucionais, CONDENO a UFSC a criar tantas vagas suplementares quantas forem necessárias para atingir aqueles percentuais de 20% e 10% mencionados no art. 6° da Resolução CUn 08/2007, que institui o "Programa de Ações Afirmativas". CONDENO ainda a UFSC, SEM PREJUÍZO DO SISTEMA DE COTAS, a RECLASSIFICAR, a partir do Vestibular 2008, inclusive, os candidatos não-cotistas considerando a totalidade das vagas disponibilizadas nos cursos para os quais concorrem, procedendo-se às suas convocações para matrícula de acordo com suas novas classificações, juntamente com os convocados pelo Programa de Ações Afirmativas. CONDENO por fim a UFSC, representada por seu Reitor, a efetuar a RECLASSIFICAÇÃO E CONVOCAÇÃO, 60 dias após o trânsito em julgado desta sentença, dos candidatos que deixaram de ser convocados a partir do Vestibular 2008 (JFSC. ACP n. 2008.72.00.000331-6, juiz Rafael Serlau Carmona, j. 26/09/2008). De outro norte, o Judiciário também proferiu decisões favoráveis as cotas: A ordem constitucional instituída possui como objetivos fundamentais republicanos, além da garantia do desenvolvimento nacional, a construção de uma sociedade não apenas solidária e livre, mas também justa (...) A prevalência dos fundamentos declarados e a perseguição incessante dos objetivos expressamente discriminados, na Constituição Federal de 1988, legitimam a instrumentalização por meio de políticas públicas que procurem, a um só tempo, resgatar a desigualdade histórica na formação da nacionalidade e promover permanentemente a integração social (...) A prevalência do indivíduo branco de matriz européia se mantém, durante séculos, perpetuando-se entre várias gerações, mediante a marginalização das camadas negras e indígenas e o impedimento de naturalmente terem acesso aos bens, aos serviços, aos valores e aos direitos disponíveis de modo mais facilitado àqueles que exerceram continuadamente, em maior ou menor grau, o poder dominante. Sob essa ótica, a ação afirmativa é operador efetivo da consecução dos objetivos republicanos, no sentido de promover a autorizada vontade do legislador constituinte de modificar o contexto social de acentuada disparidade (...) 48 Agravo de Instrumento n. 200772000139052 julgado no TRF 4ª Região. Destaca-se que tal ação ainda está pendente de julgamento no TRF 4ª Região – Apelação-reexame necessário. 49 68 Na medida em que são fixados critérios válidos para corrigir as distorções do sistema, toda ação administrativa encontra respaldo na índole constitucional (....) Gozam as universidades de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (art. 207 da Constituição Federal). Assegurou-lhes o constituinte originário, portanto, liberdade para disporem sobre sua organização interna, formulação de planos de ensino, destinação das verbas e forma de selecionar os estudantes. Submetem-se, assim, ao princípio da legalidade, mas prescindem, por outro lado, de lei formal que discipline o modo pelo qual devam selecionar seus alunos. A regulamentação de tal questão, como disse acima, está compreendida no âmbito da autonomia universitária. É perfeitamente possível, assim, que as universidades o façam por resolução, o que no caso concreto é o caminho natural de prenderem-se ao princípio da legalidade. A este não apenas dizem respeito as normas derivadas de lei formal, mas também o conteúdo de atos normativos compatíveis às disposições constitucionais (...) (JFSC. MS n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/2008). De acordo com pesquisa realizada na Justiça Federal de Santa Catarina entre os meses de novembro de 2007 a junho de 2008 verificou-se que foram interpostas 54 ações contra o sistema de cotas da Instituição, sendo uma ação civil pública e 53 mandados de segurança. Várias são os argumentos apresentados, vejamos os mais debatidos. 3.3.1 Dificuldade de identificar o negro e racismo Uma das questões mais debatidas diz respeito à dificuldade de identificar o negro, a crítica é feita no sentido de que como será possível uma comissão dentro da universidade verificar a veracidade da declaração do candidato negro, analisando se o fenótipo do candidato se enquadra ou não nas características da raça negra, tendo em vista que não se pode olvidar que no Brasil a miscigenação faz parte da cultura dificultando enormemente a distinção entre negros e não negros ou negros e brancos apenas pela aparência, o que pode levar a erro, pois, é possível um descendente preponderantemente da raça negra possuir fenótipo europeu ou viceversa. 69 O fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele, por sua vez, apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades. A ciência contemporânea aponta que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro, branco ou pardo, especialmente no Brasil em que a população resulta da imigração de diversas origens (JFSC, MS n. 2007.72.00.014625-1, Juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, j. 30/01/08). O magistrado Paulo Henrique de Carvalho considera a reserva de vagas, por si só discriminatória. “A reserva de vagas com base no fenótipo da pessoa, então fere de morte a idéia de igualdade, pois privilegia não os que pertencem à raça negra, mas os que parecem a ela pertencer” (JFSC. MS n. 2008.72.00001706-6, j. 14/02/2008). O Juiz Federal Carlos Alberto Costa Dias considera que o negro não é inferior para ser tutelado, afirma que a escravidão do "negro" no Brasil teve conseqüências para a desigualdade social, mas que não admite a afirmação de que após a abolição se iniciou um processo irreversível de mobilidade social, desacredita na inferioridade do negro após a abolição da escravatura. “Não se sustenta, portanto, a tese de que a escravidão teria deixado indelével a dívida histórica com a raça "negra". Se há dívida social - como de fato há - não é exclusivamente com o negro, mas com toda a universalidade dos que estejam socialmente em desvantagem” (JFSC, MS n. 2007.72.00.011867-0, j. 29/11/07). Outro ponto de argumentação diz respeito de considerar que o desempenho do candidato "negro" ou pardo não é absolutamente equivalente à melhoria do seu padrão de educação e de renda, que a discriminação racial não é fator direto de obstáculo do acesso ao ensino. O mesmo magistrado continua sua argumentação afirmando que a solução é a melhora da qualidade do ensino, aumentando o número de vagas nas escolas públicas de ensino público médio e fundamental, de forma igualitária e universal, de modo a tornar também universal e igualitário o ensino universitário: Diga-se o óbvio: atribuir título de Bacharel ao "negro" não significa eliminação do racismo e não tem o condão de abrir - por si só oportunidade ao mais desfavorecido. Da forma preconizada pela Universidade Federal de Santa Catarina, não causaria surpresa se o ingresso do auto-denominado "negro" se transformasse em mais um fator de acirramento das relações inter-raciais, por ser - por si só discriminatório no sentido negativo (JFSC, MS, n. 2007.72.00.011867-0, Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j. 29/11/07). 70 O magistrado Osni Cardoso Filho que decide favoravelmente as cotas, discorre a cerca dos fundamentos e objetivos expressamente trazidos na Constituição Federal de 1988, considera que tais fundamentos legitimam a instrumentalização por meio de políticas públicas que procurem resgatar a desigualdade histórica na formação da nacionalidade, bem como com o intuito de promover a integração social. Que a sociedade é caracterizada pela flagrante desigualdade e pela injustiça manifesta, que sob esse ponto de vista, não é equivocada a existência de ação afirmativa com o intuito de restaurar situações sociais perdidas no tempo, como no caso das populações indígenas e negros que tratados como animais a sociedade só lhes permitia e permite a integração na condição de subproletariado. Prossegue argumentando sobre a existência do racismo, que se perpetua por vária gerações, mediante a marginalização desses individuo com o conseqüente impedimento de naturalmente terem acesso aos bens, aos serviços, aos valores e aos direitos disponíveis de modo mais facilitado àqueles que exerceram continuadamente, em maior ou menor grau, o poder dominante. Que as políticas públicas (ações afirmativas) se baseiam em uma justiça compensatória, podendo também ser entendida a ação afirmativa como meio prospectivo de “equalização de oportunidades para o fim de congregar participativamente num ponto futuro todos os que, no momento de sua implantação, estão privados de partilhar os benefícios sociais existentes e as conseqüências de seu usufruto, por involuntária segregação das parcelas sociais a que pertencem” (JFSC, MS n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08). 3.3.2 Autonomia universitária Nesse ínterim, outra questão que causou muitas discussões diz respeito a autonomia universitária, ou seja, a possibilidade da instituição do regime de cotas por meio de regulamentação universitária. O magistrado Cláudio Roberto da Silva se manifesta no sentido de considera que a universidade não tem competência para sem Lei Federal autorizadora, criar ou restringir direitos ou deveres por Resolução, o que consideram inconstitucionalidade 71 formal, sobretudo quando se considera que a reserva de 20% das vagas aos "candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino", tendo em vista que não pode automaticamente serem colocados tais candidatos dentre as "pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos", pois não há Lei assim conceituando “tenho que padece de vício de legitimidade a Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, ao introduzir as reservas de vagas para determinadas classes de candidatos, presente a competência privativa da União Federal para legislar acerca de diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CF/88)” (JFSC, MS n. 2008.72.00.000742-5, Juiz Federal Cláudio Roberto da Silva, j. 20/05/08). Ademais, nos termos do art. 37 da CF/88 a Administração Pública direta e indireta está adstrita ao princípio da legalidade, dentre outros, estando a autonomia administrativa da Universidade restrita ao seu próprio funcionamento, não podendo estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária (JFSC, MS n. 2007.72.00.014625-1, Juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, j. 30/01/08). Não obstante, contrariando o exposto acima entende Osni Cardoso Filho que de acordo com o artigo 207 da CF/88 as universidades tem liberdade para disporem sobre sua organização interna, formulação de planos de ensino, destinação das verbas e forma de selecionar os estudantes: É perfeitamente possível, assim, que as universidades o façam por resolução, o que no caso concreto é o caminho natural de prenderem-se ao princípio da legalidade. A este não apenas dizem respeito as normas derivadas de lei formal, mas também o conteúdo de atos normativos compatíveis às disposições constitucionais (JFSC, MS n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08. 3.3.3. Principio da igualdade A grande discussão sobre a implementação do sistema de cotas gira em torno do principio da igualdade. Vejamos os principais argumentos apresentados. O magistrado Carlos Alberto da Costa Dias aduz que o edital publicado pela UFSC ao eleger como fator de discrímen a qualidade de "ser negro", não resiste ao controle de razoabilidade e proporcionalidade. Que não esta sendo respeitado o requisito da adequação, tendo em vista que o edital do concurso vestibular não é o 72 meio normativo próprio para fomentar o objetivo de não-discriminação no acesso do denominado "negro" ao ensino superior. A título de perseguir o objetivo não-discriminatório, em realidade, a norma discrimina os estudantes "negros", por serem "negros", que concorrem em igualdade de condições, sob o critério de mérito, ao acesso à universidade, sem que este fator: "ser negro", seja o motivo pelo qual não têm acesso ao ensino universitário (JFSC,MS n. 2007.72.00.011867-0, Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j. 29/11/07). Traz ainda que o melhor meio para fomentar a não-discriminação seria a criação de mais vagas e a melhoria da qualidade do ensino a todos aqueles que desejem o ensino universitário, não somente ao denominado "negro", exclusivamente por ser "negro". Ao analisar o requisito da proporcionalidade alega que a limitação do número de vagas a candidatos "não-negros" em favor dos "negros" não é condizente com a idéia de assegurar o direito fundamental de acesso ao ensino universitário em igualdade de condições, pois, “a reserva de vagas aos auto-denominados "negros" implica diminuição da oferta geral de vagas no ensino público gratuito e subtrai, com isso, direito subjetivo e fundamental dos "não-negros" que, em princípio, têm capacidade e habilitação para cursar o estudo universitário". Admite que é possível a discriminação positiva desde que o fator de discrimen não seja arbitrário, para o magistrado ser negro não é o motivo determinante de inferioridade intelectual. Admitir que o fator de discrímen - ser negro - seja, como política pública, determinante da dificuldade do acesso ao ensino é, por si só, mais do que discriminatório, é estigmatizante, e não tem, como demonstrarei no momento próprio, amparo na literatura especializada (...) o ensino é serviço público e deve ser, por isso, universal e igualitário. Não se nega que é sedutora, para não dizer demagógica, a idéia de se prover ensino público da população "negra", saneamento básico da população "negra", abastecimento de luz da população "negra", necessidades de água da população "negra", enfim, todas as necessidades básicas do "negro", mas isso não significa que os demais brasileiros devem deixar de ter acesso ao ensino, à luz, à água, ao esgoto, enfim, a todos os serviços públicos, em favor do "negro" (JFSC,MS n. 2007.72.00.011867-0, Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, j. 29/11/07). . Por fim, considera que discriminação imposta pelo sistema de cotas para o ingresso em Universidade, chamada "positiva" sob o aspecto dos candidatos beneficiados, se manifesta restritiva ou "negativa" para os demais diante da 73 conseqüente diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando diretamente o princípio da igualdade assegurado no art. 5º da CF/88. Em contrapartida o Juiz Osni Cardoso Filho entende que o sistema de cotas esta em plena consonância com o principio da igualdade, tendo em vista que as ações afirmativas são expedientes essenciais na concretização da igualdade, pois buscam a igualdade material50 preconizada na Carta Magna. Que a compreensão do princípio da igualdade deve ser no sentido de entregar a todos os candidatos, no caso concreto, a idêntica chance de acesso ao ensino superior, com a abstração do fato de sempre ter havido, nos concursos vestibulares, uma extraordinária diferença entre candidatos por razões notoriamente identificáveis. Em qualquer atividade humana na qual se queira estabelecer de fato a igualdade, por força de uma pretendida equiparação, desde logo cumpre eliminar as naturais diferenças que poderiam ocasionar uma vantagem indevida de uns em relação a outros, existentes ainda que sob a aparente impressão de equânime concurso. Até então seria mais provável afirmar, sim, a violação ao princípio da igualdade, pois sempre foi totalmente desigual o acesso às salas universitárias (JFSC, MS. n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08) De um lado, estudantes originários de escolas particulares, bem mais preparados tecnicamente, inclusive com reforço de cursinhos pré-vestibulares. Do outro, alunos vindos de escolas públicas, com as deficiências que até hoje não foram supridas, em sua generalidade com muito menores condições de êxito em qualquer vestibular (JFSC, MS. n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08). Do ponto de vista da classificação racial, destacam que os aprovados sempre foram predominantemente brancos. “Poderia ser objeto de desafio a quem tenha nível superior, a indicação nominal de amigos, colegas de turma, ou mesmo conhecidos, feitos na vida acadêmica”(JFSC, MS. n. 2008.72.00.000611-1, Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 17/10/08). Assim, considera que na medida em que são fixados critérios válidos para corrigir as distorções do sistema, toda ação administrativa encontra respaldo na índole constitucional. 50 Os magistrados apresentam ampla argumentação no que tange ao histórico do principio da igualdade, o que jáfoi tratado no primeiro capitulo desta monografia. 74 Por fim, refere que a Constituição Federal de 1988 ao estabelecer a igualdade das pessoas perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, bem como vedar qualquer preconceito de raça, cor, sexo, idade e outras formas de discriminação, não impede a desigualação nem a utilização desses elementos como forma de promover a isonomia. 3.3.4 Cotas para egressos de escola pública No tocante à reserva para os candidatos egressos do ensino público, as argumentações os magistrados se manifestam no sentido de que a iniciativa da universidade deveria estar amparada em Lei. (JFSC, MS n. 2007.72.00.014625-1, juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, j. 30/01/08). Os argumentos favoráveis já foram apresentados acima (autonomia das universidades). Cumpre destacar que das 54 ações impetradas 12 foram em favor da Universidade e em 4 o Tribunal julgou procedente assim como 14 estão ainda pendentes de julgamento seja em sede de apelação no Tribunal Regional Federal da 4 Região ou na Vara Federal para sentença. Dessas 14 ações pendentes de julgamento, em primeiro grau 12 foram julgadas procedentes. Algumas perderam o objeto devido à segunda chamada dos candidatos e/ou desistência (18). Ocorreram 6 indeferimentos da inicial sem julgamento do mérito. Em alguns casos a ação foi julgada procedente e não ocorreu a execução da sentença pois o candidato não se classificou. Desta forma, pode-se concluir que a jurisprudência não tem se apresentado de maneira uniforme aparecem decisões nos dois sentidos e em números praticamente iguais, o que demonstra o quanto esta questão é polemica. 3.3.5 Quadro Síntese das Decisões A seguir será apresentado um quadro síntese das decisões proferidas em cada processo impetrado perante a Justiça Federal de Santa Catarina: 75 N. processo 200872000003316 Ação ACP 200872000021069 200872000019117 200872000018812 200872000018782 MS MS MS MS 200872000018770 MS 200872000018356 200872000017601 200872000017066 200872000016487 MS MS MS MS 200872000015355 200872000015008 MS MS 200872000014855 200872000014454 200872000011404 200872000011398 200872000011313 200872000147528 MS MS MS MS MS MS 200772000147346 200772000147292 200772000147334 200772000147322 200772000146482 MS MS MS MS MS 200772000146718 MS Sentença de mérito, procedente determinando a UFSC que aumente o numero de vagas primeiro grau deferiu liminar TRF modificou, homologada desistência Primeiro grau indeferiu liminar TRF manteve, concluso para sentença Primeiro grau deferiu liminar, sentença homologou pedido de desistência Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve decisão, apelação pendente Primeiro grau indeferiu liminar, sentença modificou decisão, apelação modificou decisão primeiro grau. Primeiro grau indeferiu liminar, concluso para sentença Primeiro grau indeferiu liminar, sentença manteve Primeiro grau deferiu liminar, extinto sem julgamento mérito, desistencia Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação manteve pois aluno já esta freqüentando as aulas Primeiro grau indeferiu liminar, sentença manteve Primeiro grau deferiu liminar, sentença extinguiu sem julgamento mérito morte do titular Primeiro grau deferiu liminar, sentença modificou Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente Primeiro grau indeferiu liminar, sentença manteve Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação nega seguimento Primeiro grau deferiu liminar, sentença procedente, apelação pendente Primeiro grau deferiu liminar, sentença procedente, perda objeto Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente o Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente Primeiro grau deferiu liminar, sentença sem julgamento do mérito autor pediu extinção Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação modificou 200772000146603 200772000146597 200772000146287 200772000146226 200772000146251 200772000146238 200772000145726 200772000144618 200772000118670 200872000009355 200872000007450 200872000007425 200872000006949 200872000005696 200872000006111 200872000004382 MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS Indeferiu inicial, MS julgou extinto sem julgamento mérito, desistência Indeferiu inicial, julgou extinto sem julgamento mérito, desistência Primeiro grau deferiu liminar, homologada desistência Primeiro grau deferiu liminar, perda objeto Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, sem apelação Primeiro grau deferiu liminar, sentença revogou liminar, perda objeto Primeiro grau deferiu liminar, sentença manteve, apelação pendente j Indeferiu inicial, julgou extinto sem julgamento mérito, desistência Liminar indeferida, Sentença procedente, apelação pendente Liminar deferida, sentença manteve, perda objeto Liminar deferida, sentença manteve, apelação negado provimento Liminar deferida, sentença manteve, apelação pendente julgamento Liminar deferida, sentença manteve, apelação pendente julgamento Sentença procedente Liminar deferida, sentença improcedente Sentença procedente, apelação pendente julgamento 76 200872000004370 200872000003286 200872000003341 200772000154806 200772000153322 200772000150977 200772000150217 200772000149513 200772000148600 200772000147796 200772000147784 200772000147802 200772000147840 200772000147772 MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS MS Liminar deferida, sentença improc. Sentença procedente, perda objeto Liminar deferida, sentença procedente, apelação pendente Liminar deferida, sentença procedente, apelação modificou Liminar deferida, sentença improcedente Liminar deferida, sentença procedente, perda objeto Liminar deferida, sentença procedente, apelação modificou Liminar deferida, sentença procedente, apelação improcedente Liminar deferida, homologada desistência Liminar deferida, sentença procedente, desistência Liminar indeferida, sentença sem julgamento mérito desistência Liminar indeferida, sentença sem julgamento mérito desistência Liminar indeferida, sentença sem julgamento mérito desistência Liminar deferida, homologada desistência 3.3.6 O Posicionamento dos Tribunais Superiores Inicialmente cumpre mencionar que no Supremo Tribunal Federal não foram encontradas manifestações no que tange ao sistema de cotas, todavia, este Tribunal já se manifestou de forma favorável às ações afirmativas: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº 7853/89. DECRETOS Nº 3298/99 E 5296/2004. 1.O candidato com visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é o “melhor”. 2. A visão univalente – comprometedora das noções de profundidade e distância – implica limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos. 3. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. 4. Recurso ordinário provido (STF, ROMS 26.071-1/DF, Rel. Ministro Carlos Ayres Britto, j. 13/11/07-grifo nosso). Com efeito o STF ao tratar do inciso VIII do art. 37 da Constituição, afrimou: "que reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica configuraria política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros de uma sociedade fraterna que a Constituição idealiza a partir das disposições de seu preâmbulo e acrescentou-se a esses fundamentos o valor social do trabalho" (STF.RMS 26.071/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 13/11/2007, Informativo 488). 77 Nesse mesmo norte, o STF, na ADIN 1.276-2/SP, analisando legislação do Estado de São Paulo, que concedia incentivo fiscal a pessoas jurídicas que possuam empregados com mais de quarenta anos, entendeu inexistir ofensa aos princípios da igualdade e da isonomia. Nos termos do voto da Min. Ellen Gracie (Relatora), tal violação não estava caracterizada, porque a legislação "procurou atenuar um quadro característico do mercado de trabalho brasileiro: os obstáculos para que as pessoas de meia-idade consigam ou mantenham seus empregos. Pretende, assim, compensar uma vantagem que, notadamente, os mais jovens possuem no momento de disputar vagas no mercado de trabalho." Ou seja, apesar de ainda não ter se pronunciado sobre o sistema de cotas nas universidades, há expresso reconhecimento de que a instituição de políticas de ação afirmativa é compatível com o texto constitucional. Já o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado de forma favorável ao sistema de cotas: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DO CERTAME. DESCUMPRIMENTO DE LEI ESTADUAL. RESERVA DE VAGAS PARA AFRO-DESCENDENTES. CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE A AUTOMIA UNIVERSITÁRIA SOBREPORSE À LEI. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. 2. A Lei Estadual que prevê a reserva de vagas para afro-descendentes em concurso público está de acordo com a ordem constitucional vigente. 3. As Universidades Públicas possuem autonomia suficiente para gerir seu pessoal, bem como o próprio patrimônio financeiro. O exercício dessa autonomia não pode, contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem a Constituição e as Leis. 4. A existência de outras ilegalidades no certame justifica, in casu, a anulação do concurso, restando prejudicada a alegação de que as vagas reservadas a afro-descendentes sequer foram ocupadas. Recurso desprovido (STJ. RMS 26089/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 12/05/08 – grifo nosso). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem de forma geral se manifestado favoravelmente ao Programa de Ações Afirmativas implementado pelas universidades. Recentemente a Desembargadora Federal Maria Lucia Luz Leiria proferirou julgamento favorável ao referido programa: 78 DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÕES AFIRMATIVAS. "COTAS" NAS UNIVERSIDADES. CRITÉRIO RACIAL. DISCRIMINAÇÃO. ISONOMIA. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. MÉRITO UNIVERSITÁRIO. 1.POLÍTICAS AFIRMATIVAS. Conjunto de políticas públicas e privadas, tanto compulsórias, quanto facultativas ou voluntárias, com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e outras intolerâncias correlatas. Técnicas que não se subsumem ao sistema de cotas, ainda que com elas sempre relacionadas. 2.INEXISTÊNCIA DE BASE LEGAL. Previsão expressa no Plano Nacional de Direitos Humanos, no Plano Nacional de Educação e nas Leis nº 10.558/2002, que criou o programa "Diversidade na Universidade" e Lei nº 10.678/2003, que criou Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Autorização, por via legal, para implementação, pelo Poder Executivo, de políticas afirmativas. Previsão em tratados internacionais. 3. CONSTITUIÇÃO. Previsão expressa no tocante à mulher ( art. 7º, XX) e a portadores de necessidades especiais ( art. 37, VIII), a sinalizar baliza fundamental para aplicação do princípio da igualdade jurídica. Legislação infraconstitucional que estabeleceu cotas para candidaturas de mulheres, para portadores de necessidades especiais em concursos públicos e dispensa de licitação. 4. TRATADOS INTERNACIONAIS. Reconhecimento pelo Brasil da competência do Comitê Internacional para eliminação da discriminação racial. Internalização da Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial. Recepção dos tratados internacionais anteriores à EC 45/2002, com status supralegal ou de materialmente constitucionais, jurisprudência ainda não definida no STF, mas a indicar a possibilidade de constituírem "bloco de constitucionalidade", a ampliar núcleo mínimo de direitos e o próprio parâmetro de controle de constitucionalidade. 5. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Revisão dos parâmetros clássicos, de forma a reconhecer sua dupla faceta: a) proibição de diferenciação, em que "tratamento como igual significa direito a um tratamento igual"; b) obrigação de diferenciação, em que tratamento como igual significa "direito a um tratamento especial". Rompimento com a visão clássica, de forma que a igualação jurídica se faça, constitucionalmente, como conceito positivo de condutas promotoras desta igualação. 6. DISCRIMINAÇÃO. Conceito internalizado pelo Decreto nº 65.810/69, reconhecendo diferenciações legítimas e afastando propósitos e efeitos de anular reconhecimento de direitos em pé de igualdade em razão de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. Quadro cultural brasileiro complexo no que diz respeito ao reconhecimento da existência do próprio racismo, com a ideologia do "branqueamento" e o "mito da democracia racial". Informes internacionais questionando a dificuldade do aparelho estatal em reconhecer e promover atitudes antidiscriminatórias. Reconhecimento, por outro lado, de que a regra aparentemente neutra pode produzir discriminação, que a Constituição proíbe. 7. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Art. 207, V, CF. Previsão constitucional regulamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tendo como norte "as normas gerais da União" e do "respectivo sistema de ensino", podendo ser ampliadas ou reduzidas as vagas ofertadas. 79 8. SISTEMA MERITÓRIO. A previsão constante no art. 208, V da Constituição não estabeleceu o "mérito" como critério único e decisivo para acesso ao ensino superior, nem constitucionalizou o sistema do Vestibular. Existência de "nota de corte", a demonstrar que o mérito é conjugado com outros critérios de índole social e racial. Inexistência de "mérito" em abstrato. 9. AUTODECLARAÇÃO. Critério que não é ofensivo nem discriminatório em relação aos "negros", porque: a) já é adotado para fins de censo populacional, sem objeções; b) utilizado amplamente no direito internacional; c) guarda consonância com os diplomas legais existentes; d) constitui reivindicação dos próprios movimentos sociais antidiscriminação. 10. DISCRÍMEN RAÇA. Possibilidade admitida quando agir "não para humilhar ou insultar um grupo racial, mas para compensar desvantagens impostas contra minorias". Congruência com os ditames constitucionais de vedação ao racismo, na ordem interna e externa, de modo a indicar: a) no aspecto negativo, a necessidade de impedir qualquer conduta, prática ou atitude que incentive, prolifere ou constitua racismo; b) no aspecto positivo, um mandamento de otimização de medidas cabíveis e possíveis para erradicação de tal prática. Inexistência de "raças" a indicar, contudo, a necessidade de censura ao "racismo". Inteligência da decisão do STF no HC 82.424/RS. Preconceito, no Brasil, de fundo distinto daquele praticado nos EUA e África do Sul ("preconceito de marca" ao invés de "preconceito de origem"), a indicar a inaplicabilidade, aqui, das discussões sobre percentuais de genes africanos, europeus ou indígenas. 11. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Aplicação aos atos de todos os poderes públicos, vinculando legislador, julgador e administrador, mas com extensão e intensidade distintas conforme se trate de atos legislativos, da administração ou da jurisdição. Limites de "conformação" do administrador e do legislador a reduzir a análise de todas as possibilidades de escolhas postas à disposição. Verificação de: a) adequação, que não constitui o dever de escolher o meio mais intenso, melhor e mais seguro, mas sim a anular o ato somente quando a inadequação for evidente e não for, de qualquer modo, justificável; b) necessidade, em relação ao meio eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos; c) proporcionalidade em sentido estrito, comparando a importância da realização do fim e a intensidade da restrição de direitos fundamentais. Metas fixadas para educação nacional pelo Legislativo com duração de dez anos, passíveis de revisão. Não-comprovação de que as premissas para instituição de critérios de "inclusão social"- ampliação do acesso para estudos de ensino público e autodeclarados negros, promoção da diversidade étnico-racial no ambiente universitário, educação de relações étnico-raciais - não são critérios adequados, necessários e proporcionais para os fins constitucionais de repúdio ao racismo, redução das desigualdades sociais, pluralismo de idéias, garantia de padrão de qualidade do ensino, defesa e valorização da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, valorização da diversidade étnica e cultural e promoção do bem de todos, "sem preconceitos de raça e cor e quaisquer outras formas de discriminação". Percentuais de cotas que não constituem patamar elevado, seja porque 87% da oferta de vagas vem do ensino público médio e fundamental, seja porque a população negra brasileira é 80 superior ao percentual estabelecido nas cotas. Reconhecimento de que os programas deixam sempre à disputa livre da maioria "a maior parcela de vagas", como forma de "garantia democrática do exercício de liberdade pessoal e realização do princípio da não-discriminação" (Carmen Lucia Antunes) (TFR4. AP. n. 2008.71.00.002254-0, Des. Federal Maria Lucia Luz Leiria j. 16/10/08 – grifo nosso) De igual forma, o desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon profere decisão com a afirmação de que: "É simplismo alegar, em relação ao tema sub examine, que a Constituição proíbe discrimen fundado em raça ou em cor”, prossegue sua argumentação referindo que a partir da declaração dos direitos humanos, buscou-se proibir foi à intolerância em relação às diferenças, o tratamento desfavorável a determinadas raças, a sonegação de oportunidades a determinadas etnias. Não obstante, ao estabelecer como meta a eliminação dos diversos tipos de discriminação, a Carta Constitucional enseja que as ações afirmativas façam parte do arcabouço jurídico pátrio. Afirma ainda, que não se trata de reparar no presente uma injustiça passada, “a injustiça está presente nas universidades, formadoras das elites, habitadas por esmagadora maioria branca. Permissa maxima venia, não há como deixar de dizê-lo, ver a disparidade atual e aceitá-la comodamente é uma atitude racista em sua raiz”. Aduz que as cotas nas universidades não constituem a única providência necessária, todavia, não são mero paliativo, “creio que uma elite nova, equilibrada em diversificação racial, contribuirá em muito para a construção da sociedade pluralista e democrática que o Brasil requer” (TRF4. AC n. 2008.71.00.002236-9, Des. Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 19/09/08). O referido magistrado no corpo do acórdão supra citado traz a seguinte decisão que transcrevo por considerar de importante valia para o tema: A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdades. República não combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação. Nesse cenário sóciopolítico e econômico, não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe buscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa 81 história pelas mãos calejadas dos discriminados (...) O único modo de deter e começar a reverter o processo crônico de desvantagem dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente, sobretudo naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior poder de multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema de cotas se torna inevitável. Na medida em que não poderemos reverter inteiramente esta questão a curto prazo, podemos pelos menos dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na reduzida elite pensante do país. O descortinamento de tal quadro de responsabilidade social, de postura afirmativa de caráter nitidamente emergencial, na busca de uma igualdade escolar entre brancos e negros, esses parcela significativa de elementos abaixo da linha considerada como de pobreza, não permite que se vislumbre qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3.708/01, inclusive no campo do princípio da proporcionalidade, já que traduzem tão somente o cumprimento de objetivos fundamentais da República (Agr. Inst. nº 2003.002.04409 da 11ª Câm. Cível do TJ/RJ, 16-10-2003, rel. Des. Cláudio de Mello Tavares). Traz a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: ADMINISTRATIVO. VAGA E MATRÍCULA NO CURSO DE MEDICINA, DE VESTIBULANDO NÃO CLASSIFICADO EM RAZÃO DO SISTEMA DE COTAS. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. O art. 207, da CR/88, consagra o princípio da autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades. A Resolução 37/04, do Conselho Universitário da apelada, está sem dúvida legitimada por esse cânone constitucional. Por conseguinte, é lícito à recorrida cotizar as vagas oferecidas à seleção de candidatos como lhe aprouver, desde que não vulnere, como não está a vulnerar "in casu", nenhuma outra regra matriz da Constituição. (TRF4, AMS 2005.70.00.006966-8, Relator Valdemar Capeletti, j. 25/10/2006) MANDADO DE SEGURANÇA. INGRESSO VIA VESTIBULAR. MATRÍCULA. SISTEMA DE COTAS SOCIAIS. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. Tendo em vista a discricionariedade da Administração e o fato da reserva de vagas em favor de afro-descendentes e de egressos de escolas públicas ter previsão editalícia, ausente a fumaça do bom direito para a concessão da liminar requerida. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 2005.04.01.011275-1, Relator Fernando Quadros da Silva, j. 18/12/2006). Importante trazer a baila, entendimento da Desembargadora Federal Maria Lucia Luz Leiria no tocante à objeção de a condição de acesso ser a autodeclaração argumenta que tal critério é legítimo tendo em vista ser o mesmo amplamente aceito para fins de estatísticas e censos do IBGE, sendo também utilizado no direito 82 internacional guardando também consonância com inúmeros diplomas legais51, não obstante, este critério foi amplamente reivindicado pelos movimentos indígenas e negros, em âmbito nacional e internacional: Não constituindo, um demérito ou uma nova forma de intimidação para o "reconhecimento de identidade negra". Aqui, aliás, uma triste ironia: a crítica à autodeclaração vem conjugada ao esquecimento de que, no Brasil, a condição de "negro" é uma "heterodefinição". Como diz Hédio Silva Júnior, ex- secretário de Justiça do Estado de São Paulo, ´sempre que foi para discriminar, as pessoas nunca tiveram dúvida sobre quem é negro e quem é branco. Agora, quando se discutem políticas de inclusão, surge este debate falso´ (TRF4. AP n. 20087200002254-0, Desembargadora Maria Lucia Luz Leiria, j. 26/09/08). A constitucionalidade das cotas também já foi objeto de apreciação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde tem se posicionado de forma clara sobre a constitucionalidade da medida: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. VESTIBULAR. SISTEMA DE COTAS. CONSTITUCIONALIDADE. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da Quarta Região tem reconhecido a constitucionalidade do sistema de cotas sem quaisquer limitações (TRF4.Apelação em MS nº 2007.72.00.014671-8/SC, rel. Marcelo de Nardi, j. 19/06/08). ADMINISTRATIVO. EXAME VESTIBULAR. SISTEMA DE COTAS RACIAIS E SOCIAIS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. DIREITOS FUNDAMENTAIS. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. A partir da declaração dos direitos humanos, buscou-se proibir foi a intolerância em relação às diferenças, o tratamento desfavorável a determinadas raças, a sonegação de oportunidades a determinadas etnias. Basta olhar em volta para perceber que o negro no Brasil não desfruta de igualdade no que tange ao desenvolvimento de suas potencialidades e ao preenchimento dos espaços de poder. O artigo 207 da Constituição Federal consagra a autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades, sendo lícito, portanto, à recorrida estabelecer sistema de cotas para as vagas oferecidas à seleção de candidatos como lhe aprouver, desde que não afronte, como não está a afrontar no caso em tela, nenhuma outra regra matriz da Constituição. Ademais, com relação à alegação de violação ao princípio da isonomia, cabe esclarecer que a igualdade somente pode ser cotejada entre pessoas que estejam em situação equivalente, sendo levados em consideração os fatores ditados pela realidade econômica e social, que influem na capacidade dos candidatos para disputar vagas nas universidades públicas. Assim, não se há de reconhecer quebra de 51 Um exemplo de dispositivo infraconstitucional é Decreto nº 4.887, de 20-11-2003, em relação aos quilombolas, que em seu art. 2º estabeleceu "segundo sua auto-atribuição". 83 igualdade no ato administrativo realizado pela parte apelada. O interesse particular não pode prevalecer sobre a política pública; não se poderia sacrificar a busca de um modelo de justiça social apenas para evitar prejuízo particular. (TRF4, AC 2005.70.00.003167-7, Relator Vânia Hack de Almeida, j. 07/02/2007). 3.4 ANÁLISE DA EXECUÇÃO DO PLANO DE AÇÃO AFIRMATIVA Este tópico será destinado a avaliar os resultados do vestibular da UFSC para ingresso em 2008, fazendo um contraponto com a referida resolução com o intuito de verificar se o PAA esta de fato cumprindo seus objetivos. Para tanto serão utilizados os dados fornecidos pela COPERVE através do relatório técnico do vestibular 2008. Cumpre mencionar que alunos auto-declarados negros devem possuir fenótipos que o caracterizem na sociedade como pertencentes ao grupo racial negro, considerados pela Universidade os pretos e pardos. a) Das inscrições Neste ano o vestibular teve 29193 inscritos, sendo que desses 4098 foram classificados (4095 vagas oferecidas nos 65 cursos e mais três vagas suplementares para indígenas). Não obstante, verificou-se que a implementação do PAA não alterou o número de inscritos negros e indígenas. Enquanto no ano de 2007 foram 95 indígenas inscritos no ano de 2008 esse numero caiu para 54, em relação aos negros o número de inscritos teve pequeno aumento, 3005 candidatos no ano de 2007 e 3104 no ano de 2008. Em relação a origem escolar, o numero de inscritos oriundos de escolas privadas apresentou pequena queda, enquanto que as inscrições dos alunos de escola pública aumentou, 700 alunos a mais inscritos. b) Dos classificados Em relação aos aprovados as diferenças começam a aparecer, pois apesar do numero de inscrições ser praticamente o mesmo o número de classificados foi seis vezes maior em relação aos pretos que no ano de 2007 representavam 37 das 84 3920 vagas e em 2008 passaram a ocupar 258 das 4098 vagas, no que tange aos pardos foram 83 aprovados a mais. Todavia, destaca-se que nem todos os candidatos negros concorreram às vagas reservadas pelas cotas dos 652 aprovados 253 não eram optaram pelo programa. Os indígenas apresentaram pequena queda, no ano de 2007 foram 11 aprovados e em 2008 restaram aprovados 7 candidatos. Antes da analise dos resultados obtidos pelos alunos oriundos de escola pública, cumpre esclarecer que devido ao fato da reserva de 10% para negros ser cumulada com a origem escolar, diga-se oriundo de escola pública, os dados pertinentes à origem escolar dos classificados incluem os negros. Os alunos de escola pública apresentaram significativa mudança em relação a sua representação dentre os classificados, no ano de 2007 eram 699, sendo que no ano de 2008 foram aprovados 1203 candidatos, destaca-se que nesse mesmo vestibular os alunos provenientes de outra origem escolar se classificaram 2895 um número ainda bastante grande se levarmos em consideração que Santa Catarina possui mais alunos matriculados em escolas públicas do que em escolas privadas. Vejamos a tabela que demonstra a distribuição dos candidatos inscritos e classificados por tipo de escola ensino médio: Inscritos Nº % 1 - Todo em Escola Pública 9522 32.62 2 - Todo em Escola Particular 15948 54.63 3 - Maior parte em Escola Pública 1782 6.10 4 - Maior parte em Escola Particular 1774 6.08 5 - Escolas Comunitárias 23 0.08 6 - Outros 144 0.49 Total 29193 Fonte: Comissão permanente do vestibular, vestibular 2008. Tipo Escola Classificados Nº % 1442 35.19 2244 54.76 185 4.51 208 5.08 2 0.05 17 0.41 4098 - Analisando separadamente a situação dos negros observou-se que no ano de 2007 foram 83 classificados e oriundos de escola publica enquanto que no ano de 2008 esse número triplicou, a raça negra oriunda de escola pública agora conta com 289 classificados. Mesmo quando o aluno negro é proveniente de escola privada a classificação aumentou, agora conta com 98 classificados a mais em relação ao ano de 2007. 85 Considerando que o PAA tem o objetivo de promover uma formação humana e anti-racista através da inclusão de alunos oriundos da rede pública de ensino, negros e indígenas numa instituição de ensino superior com alta qualidade de ensino, pode-se concluir que este objetivo vem sendo em parte concretizado pois, de fato houve um número relativamente maior de alunos provenientes de escola pública, negros e ocupadas as vagas destinadas aos indígenas. Não obstante, devido ao fato de ser o primeiro vestibular com este sistema não é possível avaliar os impactos relativos à exclusão do racismo. Todavia, destaca-se que a real oportunidade dessas minorias ao ensino superior diminuiu a desigualdade desses grupos no que tange ao acesso, pois, sem preparação para o vestibular não seria possível competir com alunos com maior poder aquisitivo, criando assim um ambiente universitário com diversidade socioeconômica e étnico-racial, o que faz com que a missão institucional da Universidade seja cumprida, qual seja, a construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade de vida. c) Da distribuição das vagas Outro aspecto importante a ser demonstrado diz respeito à ocupação das vagas pelos alunos provenientes de escola pública, negros e indígenas nos cursos mais concorridos, o que antes era uma exceção, ou melhor dizendo era quase impossível tais alunos, com renda baixa e conseqüentemente pouca qualidade de ensino freqüentarem esse cursos. Os cursos mais concorridos no vestibular de 2008 foram administração noturno, arquitetura e urbanismo, ciências Biológicas, direito, engenharia mecânica, jornalismo, medicina (40 candidatos por vaga, negros 6 candidatos por vaga e pardos 19 candidatos por vaga), oceanografia e odontologia. Nesses cursos todas as vagas oferecidas pelo sistema de cotas foram ocupadas, exceto no curso de engenharia mecânica que no caso de reserva para negros das 10 vagas reservadas 4 foram ocupadas. No total de 414 vagas oferecidas 323 foram ocupadas pelos candidatos auto declarados negros o optantes do PAA, as demais vagas (91) foram ocupadas pelos candidatos da classificação geral. Vejamos os cursos em que as vagas não foram ocupadas: 86 Total de Total de Vagas Oferecidas Vagas Ocupadas ADMINISTRAÇÃO - DIURNO 9 8 AGRONOMIA 9 4 ARTES CÊNICAS - HAB. EM TEATRO 3 2 CIÊNCIAS CONTÁBEIS - DIURNO 8 3 CIÊNCIAS CONTÁBEIS - NOTURNO 8 6 CIÊNCIAS ECONÔMICAS - DIURNO 9 4 CIÊNCIAS SOCIAIS - DIURNO 4 1 CINEMA 3 2 DESIGN 6 4 ENGENHARIA DE ALIMENTOS 5 4 ENGENHARIA DE AQÜICULTURA 6 3 ENGENHARIA DE MATERIAIS 6 2 ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CIVIL 4 1 4 3 ENGENHARIA DE PRODUÇÃO ELÉTRICA ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MECÂNICA 4 2 ENGENHARIA ELÉTRICA 10 7 ENGENHARIA MECÂNICA 10 4 FARMÁCIA 12 10 FILOSOFIA - VESPERTINO/NOTURNO 4 0 FÍSICA - BACHARELADO - DIURNO 5 1 FÍSICA - LICENCIATURA - NOTURNO 7 2 HISTÓRIA - DIURNO 5 4 LETRAS - LÍNGUA ALEMÃ 4 2 LETRAS - LÍNGUA ESPANHOLA 4 1 LETRAS - LÍNGUA FRANCESA 4 1 LETRAS - LÍNGUA ITALIANA 4 2 LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA 8 2 LETRAS - SECRETARIADO EXEC. INGLÊS 4 3 MATEMÁTICA - LICENC. - DIURNO 7 1 MATEMÁTICA E COMPUT. CIENTÍFICA 3 1 ZOOTECNIA 6 4 Fonte: Comissão permanente do vestibular, vestibular 2008. Curso Em relação às vagas reservadas a alunos oriundos de escola pública todas as vagas foram ocupadas em todos os cursos. No que tange aos indígenas os cursos em que as vagas foram ocupadas foram: 1 curso de direito noturno, 1 curso de enfermagem e 1 no curso de engenharia sanitária e ambiental. 87 d) Da pontuação Nesse aspecto será demonstrado a média da pontuação que os candidatos classificados alcançaram: Curso Negros ADMINISTRAÇÃO - DIURNO ADMINISTRAÇÃO - NOTURNO AGRONOMIA ARQUITETURA E URBANISMO ARTES CÊNICAS - HAB. EM TEATRO BIBLIOTECONOMIA - NOTURNO CIÊNCIAS BIOLÓGICAS CIÊNCIAS CONTÁBEIS - DIURNO CIÊNCIAS CONTÁBEIS - NOTURNO CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO CIÊNCIAS ECONÔMICAS - DIURNO CIÊNCIAS ECONÔMICAS - NOTURNO CIÊNCIAS SOCIAIS - DIURNO CIÊNCIAS SOCIAIS - NOTURNO CINEMA DESIGN DIREITO - DIURNO DIREITO - NOTURNO EDUCAÇÃO FÍSICA - BACHARELADO EDUCAÇÃO FÍSICA - LICENCIATURA ENFERMAGEM ENG. DE CONTROLE E AUTOMAÇÃO ENGENHARIA CIVIL ENGENHARIA DE ALIMENTOS ENGENHARIA DE AQÜICULTURA ENGENHARIA DE MATERIAIS ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CIVIL ENGENHARIA DE PRODUÇÃO ELÉTRICA ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MECÂNICA ENGENHARIA ELÉTRICA ENGENHARIA MECÂNICA ENGENHARIA QUÍMICA ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL FARMÁCIA 42.32 41.88 44.75 48.84 34.42 35.15 45.86 54.92 38.29 48.11 39.91 48.14 40.83 42.76 34.85 40.80 51.95 49.82 44.21 37.34 38.27 45.14 43.06 47.52 46.68 42.87 58.17 Escola Pública 50.74 60.58 55.43 62.28 56.41 47.20 63.20 56.39 60.85 60.60 47.35 53.24 43.28 58.52 59.52 62.62 64.41 65.76 57.55 54.29 55.39 62.78 60.69 58.55 46.45 55.19 51.78 Não Indigenas optantes 66.42 67.26 59.16 72.94 57.86 47.26 71.75 59.55 60.92 69.02 65.06 62.87 59.90 59.23 69.46 68.32 77.93 76.39 44.87 60.65 55.75 58.73 34.49 78.44 71.01 69.14 59.57 72.55 70.74 - 44.70 59.03 70.01 - 60.94 52.41 75.46 - 50.43 50.08 52.44 42.51 45.24 61.96 67.91 63.88 59.48 60.56 72.60 79.12 75.80 71.94 64.96 30.12 - 88 57.18 FILOSOFIA - NOTURNO 37.65 FILOSOFIA - VESPERTINO/NOTURNO 52.16 FÍSICA - BACHARELADO - DIURNO 59.51 49.14 51.35 FÍSICA - LICENCIATURA - NOTURNO 52.65 GEOGRAFIA - DIURNO 44.87 54.74 GEOGRAFIA - NOTURNO 43.34 54.93 56.77 HISTÓRIA - DIURNO 45.12 51.65 HISTÓRIA - NOTURNO 38.91 JORNALISMO 43.94 64.55 LETRAS - LÍNGUA ALEMÃ 31.34 47.70 LETRAS - LÍNGUA ESPANHOLA 50.55 50.76 52.03 LETRAS - LÍNGUA FRANCESA 61.24 LETRAS - LÍNGUA INGLESA 38.34 57.43 LETRAS - LÍNGUA ITALIANA 53.61 47.50 LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA 38.27 49.42 53.38 LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA - NOT. 48.69 LETRAS - SECRETARIADO EXEC. 54.44 45.11 INGLÊS MATEMÁTICA - LICENC. - DIURNO 41.20 40.78 53.00 MATEMÁTICA - LICENCIATURA - NOT. 44.85 MATEMÁTICA E COMPUT. CIENTÍFICA 43.76 48.64 MEDICINA 52.41 75.31 NUTRIÇÃO 41.80 61.97 OCEANOGRAFIA 36.62 56.07 ODONTOLOGIA 41.07 62.35 PEDAGOGIA 40.09 47.40 PSICOLOGIA 47.08 59.74 QUÍMICA 43.02 55.18 SERVIÇO SOCIAL - DIURNO 40.23 46.61 SERVIÇO SOCIAL - NOTURNO 36.22 50.01 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO 40.83 63.72 NOTURNO ZOOTECNIA 37.86 48.28 Fonte: Comissão permanente do vestibular, vestibular 2008. 57.66 52.69 62.41 48.48 58.00 57.24 62.81 60.28 72.98 49.13 51.06 54.21 59.72 50.79 50.48 53.10 - 55.19 - 47.03 53.45 59.55 83.17 67.16 69.70 70.33 47.54 65.44 61.35 44.08 47.28 - 67.14 - 54.43 - A partir dessa tabela constata-se que nos cursos mais concorridos a média obtida pelos candidatos não optantes do PAA foi de 19 pontos a mais no vestibular. Não obstante, em alguns cursos como ciências contábeis, ciências sociais, física bacharelado e letras língua espanhola a pontuação média foi muito próxima. Nos cursos de serviço social, física licenciatura, letras língua francesa e italiana a pontuação média dos optantes pelos PAA foi superior. 89 A partir dos dados coletados foi possível constatar que das cinco políticas trazidas pela Resolução para serem implementadas pela Universidade Federal duas estão sendo aplicadas. A política de preparação para o acesso na universidade esta sendo aplicada através do pré-vestibular da UFSC, que surgiu para atender a necessidade de estudantes que não dispõem de recursos financeiros para freqüentar cursos preparatórios para o vestibular. O mecanismo de reserva de vagas fez com que alunos oriundos de escola publica e negros tivessem real acesso aos cursos mais concorridos, neste último vestibular pode-se perceber que a desigualdade de oportunidade de acesso diminuiu. Os alunos atingidos pelas cotas agora tem reais possibilidades de igualdade de acesso aos ensino superior público. No que tange ao acompanhamento e permanência do aluno, bem como acompanhamento para egressos ainda não há dados estatísticos nesse sentido, pois, apenas há um semestre que a instituição tem implementada a política. Em relação a ampliação das vagas e criação de cursos noturnos ainda não há de fato ações da universidade. 90 CONCLUSÃO A questão das ações afirmativas é tema bastante controverso, de pronto concluiu-se que a argumentação de que a existência in abstrato de tais ações é inconstitucional não se sustenta. A Constituição Federal de 88 trouxe como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. A supressão das desigualdades veio consagrar o principio da igualdade tanto em seu sentido formal quanto em seu sentido material. O principio da igualdade passa a ter outro objetivo além de obrigar que todos sejam tratados de maneira igualitária perante a lei, agora traz também por finalidade a busca pela equiparação dos cidadãos sob todos os aspectos, embasando a implementação de políticas públicas que visem atingir a igualdade de fato entre os indivíduos. Ademais, a obrigação de erradicar as desigualdades também encontra respaldo nas obrigações internacionais assumidas pelo Brasil. O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tal instrumento internacional busca a erradicação de todas as formas de discriminação, como também, visa estimular estratégias de promoção da igualdade material entre os grupos marginalizados. Considerando que as ações afirmativas são medidas especiais tomadas pelo Estado com o objetivo específico de eliminar as desigualdades sociais acumuladas no decorrer da história, elas se tornam plenamente constitucionais. A reserva de vagas nas instituições universitárias faz parte de uma política pública implementada pelo Estado com o intuito de compensar os séculos de discriminação, bem como, distribuir as riquezas e recursos que os grupos marginalizados teriam direito caso não sofressem tal discriminação. As cotas adotadas por várias instituições visam a promoção de grupos vulneráveis, a redução das desigualdades e o aumento da mobilidade social . Todavia, para que a discriminação procedida seja adequada ao conteúdo do princípio da igualdade preconizado no texto constitucional, o critério definido para a 91 identificação dos grupos menos favorecidos deve apresentar justificativa para o específico tratamento jurídico diferenciado. Para a implementação do sistema de cotas a justificativa é montada a partir de um estudo social da realidade fática do país, especificamente do estado ou município onde aquele sistema será aplicado. No caso do negro, o critério é legítimo tendo em vista que este sofre a discriminação racial oriunda de um passado escravocrata que impossibilitou sua ascensão social. Acabando por ocupar as posições mais desprivilegiadas da sociedade, sendo-lhe reservado os empregos subalternos e sendo-lhe negado o acesso à educação de qualidade. Os alunos egressos de escola pública também são eleitos como beneficiários do sistema de cotas. Analisando o histórico das universidades públicas nos últimos anos constatou-se que a maioria esmagadora das cadeiras universitárias é ocupada por alunos egressos de escolas privadas, que os prepara para o vestibular nas carreiras mais privilegiadas. Ademais, o fato de o ensino público fundamental e médio do país não ter o objetivo de aprovar alunos no vestibular aliado a uma qualidade de ensino inferior em comparação àquela oferecida pela escola particular torna legítima a eleição desses alunos como pertencentes ao grupo minoritário que carece de proteção. Outro critério estabelecido diz respeito aos indígenas, esse grupo é legítimo beneficiário do sistema de cotas, os índios na sua grande maioria não são alfabetizados, encontram-se em precárias condições de vida, tampouco têm acesso à educação em uma instituição de ensino superior público. A constitucionalidade do sistema de cotas também fica evidenciado a partir do fato de que a medida tem caráter temporário, as políticas cessam a partir do momento em que se evidencia que tais ações cumpriram seus objetivos, elas perdem sua legitimidade. Atualmente as ações afirmativas vem sendo implementadas pelas universidades públicas, que por sua vez editam sua forma de acesso com base na autonomia universitária que lhes confere a Constituição Federal de 88. Todavia, está em tramitação o projeto de lei n. 3198/2000 que visa estabelecer que todas as instituições universitárias do país devem reservar 20% das vagas para afrodescendentes. 92 No que tange ao projeto de lei, há sérias dúvidas quanto a sua legitimidade, pois a eleição dos critérios para desigualação depende das necessidades que cada estado ou município enfrentam. É fato que a realidade vivida no Norte do país não é a mesma vivida no Sul, as necessidades são diferentes, uma lei que determine reserva especifica de vagas pode vir a eivar de inconstitucionalidade tais políticas de inclusão. Um estudo sobre as universidades do país que já implementaram o sistema demonstrou que cada uma implantou um plano de ações afirmativas diferenciado, com reservas maiores ou menores, sem reserva com sistema de bônus, etc. Tal fato demonstra que para a constitucionalidade das ações a autonomia mostra-se essencial. No que tange ao Programa de Ações Afirmativas implementadas pela Universidade Federal de Santa Catarina, até o momento não se pode levantar contra ele nenhum óbice, todos os dados disponíveis até o momento demonstram que a reserva de vagas alterou a composição sócio-economica e étnico-racial dos alunos que ingressaram no primeiro semestre de 2008. Neste primeiro semestre ingressam na universidade mais alunos de escola pública do que em todos os anos anteriores, bem como o número de negros aumentou de forma significativa. Com efeito, ainda não é possível avaliar se a longo prazo esses bons resultados vão se manter. Em relação às demais ações propostas como o acompanhamento e permanência do aluno, bem como acompanhamento para egressos ainda não há dados estatísticos nesse sentido, pois, apenas há um semestre que a instituição tem implementada a esta política. Por fim, em relação à ampliação das vagas e criação de cursos noturnos ainda não há de fato ações da universidade. A constitucionalidade do programa é evidente a universidade está cumprindo seu objetivo de forma legítima, o sistema tem se apresentado de forma diminuir as desigualdades existentes, compensando aqueles que necessitam. 93 REFERÊNCIAS AGÊNCIA USP. Universidade pode aumentar bônus para alunos de escola pública. UOL. Canais de Conteúdo: Educação, 19/10/2007. Disponível em http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=12971&codtipo=26&canal=ed ucacao, acesso em 27/10/08. BARBOSA, Lívia. Igualdade e Meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988/1989. BRASIL. Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em httt://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/seppir/. Acesso em 10/09/08. BUCCI, Maria Paula Dallari. 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