ORIENTAÇÕES ACERCA DA APLICAÇÃO DA LEI 12.994 DE 2014 Consultam-nos as secretarias municipais de saúde acerca da aplicabilidade imediata da Lei 12.994/14 que altera a Lei 11.350/06 para instituir o piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias Primeiramente, cabe destacar os principais pontos da lei: 1. O Piso Nacional criado corresponde ao vencimento inicial dos ACS e ACE (Art. 9º-A). Desse modo, o valor fixado não contempla eventuais adicionais ou outras espécies remuneratórias, mas é relativo apenas ao vencimento base. 2. O valor do piso fixado é referente à carga horária de 40h (Art. 9º-A). 3. A lei estabelece que a jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas exigida para garantia do piso salarial deve ser integralmente dedicada a ações e serviços de promoção da saúde, vigilância epidemiológica e combate a endemias, em prol das famílias e comunidades assistidas, dentro dos respectivos territórios de atuação (Art. 9º-A, § 2º). 4. Há obrigatoriedade de paridade entre remuneração de ACS e ACE (Art. 9ºG). 5. Permanece vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos epidêmicos, na forma da lei aplicável. Essa proibição já vigora desde 06 de outubro de 2006, data da publicação da Lei n° 11.350/2006 (Art. 16). 6. O Art. 9o-C, dispõe sobre a competência da União para prestar assistência financeira complementar no valor de 95% (noventa e cinco por cento) do piso salarial fixado; 7. O § 1o do mesmo artigo autoriza o Poder Executivo federal, por decreto, a fixar os parâmetros referentes à quantidade máxima de agentes passível de contratação com o auxílio da assistência financeira complementar da União. Ou seja, ainda que o gestor local decida por um quantitativo de agentes, caberá à União dizer com quantos ela poderá cooperar prestando assistência financeira complementar. Note-se que a própria lei menciona (Art. 9º, § 5o) que até a edição do decreto serão aplicadas as normas vigentes para os repasses de incentivos financeiros pelo Ministério da Saúde. Desse modo, a inexistencia do dereto não obsta o pagamento do piso salarial no valor fixado pela lei. 8. A lei também estabelece a necessidade de comprovação do vínculo direto dos ACS e ACE, regularmente formalizado, conforme o regime jurídico adotado, para fins de prestação de assistência financeira complementar pela União, o que significa um condicionamento para recebimento dos recursos da assistência complementar; 9. O vinculo direto exigido significa que esses profissionais deverão ser vinculados ao ente público sem intermediários. Os vínculos poderão ser estatutários ou celetistas, com a Administração Direta ou indireta (autarquias, fiundações públicas, inclusive as de direito privado), O que não será considerado para fins de repasse da assistência financeira complementar são os contratos realizados com entidades privadas (OS, OSCIPs, por exemplo), ainda que para o exercício de atividades no serviço publico; 10. Além da assistência financeira complementar, a Lei 12.994/14 criou um incentivo financeiro para fortalecimento de políticas afetas à atuação de agentes comunitários de saúde e de combate às endemias. Ao Poder Executivo federal caberá fixar em decreto os parâmetros para concessão desse incentivo e o seu valor mensal por ente federativo, considerando sempre que possível, as peculiaridades do Município. 11. Importante destacar que esse Incentivo, ao contrário da assistência financeira complementar, não está atrelado ao pagamento do piso salarial ou de qualquer outro valor diretamente aos agentes, mas sim ao fortalecimento de políticas afetas à atuação desses profissionais; 12. A lei também estabelece diretrizes que deverão ser obedecidas na elaboração dos Planos de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. No entanto, o dispositivo da lei que fixava o prazo de 12 (doze) meses para elaboração desses planos de carreira foi VETADO sob o argumento de violação ao princípio da separação dos poderes previsto no art. 2o da Constituição da República. 13. Do mesmo modo foi VETADO o dispositivo (art. 9º-B) que tratava dos reajustes anuais para a preservação do poder aquisitivo do piso salarial; 14. Esses vetos presidenciais ainda serão apreciados pelo Congresso Nacional. Adentrando especificamente à questão da aplicabilidade da Lei, cumpre esclarecer que ela não faz menção em nenhum dos seus dispositivos acerca de um prazo para o início do pagamento do piso salarial, nem tampouco menciona em seu dispositivo final o início de sua vigência em data distinta da data de publicação. Desse modo, não existe vacatio legis, o que significa que a Lei 12.994 está em pleno vigor. No entanto, é preciso observar que em razão de outros normativos, nesse caso a própria Constituição entre outros, o cumprimento imediato da lei pode não ser possível, sob pena de ofensa à Constituição e legislação infraconstitucional. A Constituição, em seu artigo 169 assim dispõe: Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. § 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (...) O referido dispositivo constitucional é detalhado na Lei Complementar nº 101 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) - nos seguintes termos: Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1o do art. 169 da Constituição; II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo. (...) Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. § 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se: I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício; II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema conforme segue: “Insuscetível de dúvida se revela também a jurisprudência quanto à necessidade de prévia dotação orçamentária para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, bem como autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias, como dispõe o art. <169> da CF: (...).” (ADI 541, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 105-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.) (…) "Constitucional. Resolução administrativa do Tribunal Regional do Trabalho que institui gratificação de representação a ser calculada com a incidência da parcela autônoma de equivalência. DL 2.371/1987. Caracterizado aumento salarial sem a devida reserva legal e sem prévia dotação orçamentária. Inteligência dos arts. 96, II, b, e <169>, §1º, CF. Precedentes. Liminar deferida." (ADI 2.104-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 4-5-2000, Plenário, DJ de 20-10-2000.) Desse modo, entendemos que os municípios, ao adequarem a remuneração dos Agentes Comunitários de Saúde e de Combate à Endemias ao que dispõe a Lei 12.994/14, não poderão desconsiderar os mencionados dispositivos constitucionais e legais e, dessa maneira, precisarão, além de outras medidas, atentar para a existência de prévia dotação orçamentária e de previsão na Lei Orçamentária Anual e as demais exigências constantes da LRF. Assim, considerando não somente a Lei 12.994/14, mas também todo o ordenamento jurídico que rege a Administração Pública, os municípios devem iniciar todos os processos necessários para a efetivação do piso salarial conforme previsto na Lei, mas atentando também às demais normativas. Destaque-se que nesse processo para a efetivação do piso salarial dos ACS e ACE conforme definido em lei, os municípios deverão estar atentos aos seguintes aspectos: 1) Nos termos da Legislação local, a necessidade de estabelecimento em lei e aprovação na Câmara de Vereadores dos novos valores que serão pagos aos Agentes Comunitários de Saúde e de Combate à Endemias a partir da fixação do piso salarial em R$ 1.014,00; 2) Apresentação dos estudos de impacto financeiro e orçamentário (Art. 15, 16 da LRF), lembrando que o aumento de remuneração deve ser analisado como despesa de caráter continuado do Art. 17 da LRF; 3) Prévia dotação orçamentária e adequação das lei orçamentárias para efetivação da despesa; 4) De igual modo deverá ser analisado o impacto frente ao limite prudencial da despesa com pessoal (Art. 22, Parágrafo Único da LRF) e mesmo o limite máximo do Poder Executivo (Art. 30, III, “b” da LRF), pois o descumprimento desses dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal acarreta responsabilização do gestor e, extrapolado o limite, deverão ser adotadas medidas com vistas à readequação dos gastos com pessoal (Art. 169, §§ 3º e 4º da Constituição Federal)1. Brasília, 25 de julho de 2014. 1 Art. 169 (...) § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não estáveis. § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.