Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 34 REMANESCÊNCIA DE MARCAS ORAIS EM TEXTOS ESCOLARES ESCRITOS Marilze Tavares (UFGD) Marineide Cassuci Tavares (UEMS) RESUMO: Fala e escrita são duas modalidades distintas da língua, cujas características devem ser analisadas tendo em vista um contínuo e não uma dicotomia. No entanto, é preciso considerar que, em determinados textos escritos, a presença de marcas de oralidade não é adequada, enquanto em outros, ainda que escritos, essas marcas podem constituir importantes recursos de construção de sentido. Neste trabalho analisa-se um conjunto de textos escritos por alunos de Ensino Fundamental com o objetivo de verificar quais marcas de oralidade estariam presentes de forma inadequada nesses textos e quais as mais frequentes. PALAVRAS-CHAVE: oralidade, escrita, textos escolares. ABSTRACT: Speech and writing are two distinct modalities of language, whose characteristics must be analyzed to a continuous and not a dichotomy. However, it is important to consider that, in certain texts, the presence of marks of orality is not appropriate, while in others, even when written, these marks may be important resources for the construction of meaning. In this work, we analyze a set of texts written by elementary school students with the purpose to verify which marks of oral communication would be present in an inappropriate way in these texts and what are the most frequent. KEYWORDS: orality, writing, school texts, Elementary School Introdução Os primeiros estudos sistematizados sobre a língua têm início na Antiguidade, sendo que os registros mais antigos referem-se aos trabalhos dos hindus, que se debruçaram principalmente na compreensão de textos sagrados. Pãnini, no século V a.C., organiza a primeira gramática de que se tem notícia, na qual faz uma descrição detalhada do sânscrito, antiga língua sagrada. Já no ocidente, por volta do século III a. C., os precursores sobre as reflexões em torno da linguagem foram os gregos, que realizaram seus estudos com base na Filosofia, e, em consequência disso, não se tem, ainda, uma visão científica e focada na língua em si mesma. Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 35 Por meio dos trabalhos que os gregos haviam desenvolvido, os latinos realizaram estudos sobre sua própria língua, sendo comum a afirmação de que não avançaram muito e seu modelo de descrição linguística é baseado na que os gregos já haviam organizado. Para este trabalho, importa registrar que nos estudos realizados desde a Antiguidade até o período que em se destaca o método comparativista, ou seja, os estudos linguísticos até o século XIX sempre tomaram como ponto de partida a língua escrita, ficando a língua falada em segundo plano. Essa opção, obviamente, acabou influenciando a postura e a prática de quem trabalha com o ensino de língua. Por diversas razões a escrita sempre teve lugar privilegiado na escola. Somente com o desenvolvimento dos estudos da Dialetologia e da Sociolinguística, já no século XIX, que a modalidade falada da língua começa a ser tomada como objeto de estudo. Isso não significa, no entanto, que a mudança na prática de ensino da língua ocorreria de forma automática. Em outras palavras, a oralidade continuou, ao que consta, com pouco espaço no ensino de língua materna. Neste trabalho, pretende-se refletir sobre o fato de que quando, ao estudante, é dada a possibilidade de refletir e entender que fala e escrita são duas modalidades igualmente importantes e que existem características comuns entre as duas, mas também características próprias de cada uma, sua competência comunicativa poderá ser ampliada mais satisfatoriamente. Considerando a hipótese de que os estudantes do ensino fundamental apresentam dificuldade no que se refere à consciência das distinções entre fala e escrita, o objetivo desse trabalho é diagnosticar quais características de oralidade são mais empregadas inadequadamente em textos escritos produzidos em ambiente escolar. Ainda que existam várias pesquisas já concluídas (artigos, monografia, dissertações...) a respeito das relações entre fala e escrita, inclusive no contexto escolar, um diagnóstico como o que resulta de um trabalho como este será sempre útil, uma vez que propõe uma reflexão que poderá auxiliar na prática docente. Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 36 Fala e escrita: algumas relações Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, documentos oficiais que têm o objetivo de orientar o ensino no Brasil, asseguram: No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falarem certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa – dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem (PCNs, 1998, p.31). Para aprender a “adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo”, os estudantes necessitam saber que existem diferenças, por exemplo, entre a modalidade escrita e a modalidade falada da língua. Uma das distinções mais evidentes é que na fala, o planejamento é local, já que o texto é construído durante o processo de formulação. Nesse sentido, é natural que um mesmo conteúdo seja repetido mais de uma vez e de diferentes formas a depender da reação do ouvinte – tudo para que a interação seja garantida. Já um texto escrito pode ser planejado previamente, e por isso é possível apagar ou substituir palavras e expressões quantas vezes o autor julgar necessário. Ainda sobre a questão do planejamento das duas modalidades, Galembeck (1997, p. 76), acrescenta: (...) o texto falado é planejado localmente, no momento de sua execução: nele o planejamento e a execução se confundem. Esse fato faz com que o texto falado apresente pausas indicativas de planejamento, as quais funcionam como ‘brechas’ para que o ouvinte possa tomar a palavra. Dessa forma, no ensino de língua materna, é preciso considerar que a fala é diferente da escrita sob muitos aspectos; mas uma influencia a outra, especialmente a fala na escrita. E isso pode ser um problema, se a fala interferir de forma inadequada nos textos que devem, essencialmente, se constituir com as características da modalidade escrita. Segundo Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 37 Marcuschi, “a escrita, enquanto manifestação formal dos diversos tipos de letramento, é mais do que uma tecnologia”. O autor considera ainda que, em uma sociedade como a nossa, atualmente, seja nos centros urbanos ou em áreas rurais, a escrita é um bem indispensável para enfrentar situações do cotidiano. “Neste sentido, pode ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo moderno” (2001, p.16). O fato de este trabalho centrar-se no diagnóstico de marcas da oralidade em textos escritos não significa, em nenhuma medida, que se está valorizando a escrita em detrimento da oralidade. Na verdade, entende-se que, ainda que a avaliação que dela foi feita, a tenha conferido um status mais elevado, não há nenhuma característica imanente à escrita que a torna superior à fala. A esse respeito, após expor o que frequentemente se tem dito sobre a escrita, Marcuschi declara de forma objetiva a sua posição: “Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários” (p. 22). Assim, uma e outra possuem funções e usos distintos, e é nesse sentido que os PCNs esclarecem: Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que aqui se chama de competência lingüística e estilística. (PCNs, 1998, p. 23) Quanto mais os estudantes – ou mesmos usuários da língua de modo geral – forem conscientes no tocante às diferenças entre, por exemplo, a norma considerada culta e a considerada popular, o estilo formal e o estilo informal, a modalidade falada e a modalidade escrita, mais opções de escolha terão e, em consequência, mais competentes no que se refere ao uso da língua serão. Dessa forma, sendo o foco do trabalho a interferência inadequada da oralidade em textos escritos pelos estudantes, será útil então, propor que reflitam sobre as características de cada modalidade. Conforme já mencionado, a forma do planejamento é o ponto de partida para se analisarem as outras distinções, uma vez que as repetições, as digressões, as pausas, os truncamentos – exemplos de características da fala – estão associados ao planejamento. Assim, em um texto escrito, não sendo recursos expressivos e, portanto, intencionais, o autor Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 38 pode, a partir de revisão e reescrita, eliminar o que for capaz de perceber como marca imprópria para um texto escrito. Além da questão do planejamento, outra característica bastante distintiva entre fala e escrita é a forma de interação de cada uma. No primeiro caso, a interação ocorre face a face, ou seja, os interlocutores estão na presença um do outro; já no segundo caso, a interação ocorre, mas, geralmente, há que se considerar a distância espaço-temporal. De acordo com Fávero, Andrade e Aquino (1999, p.74), “para o estabelecimento das relações entre fala e escrita (...), é preciso considerar as condições de produção”. As autoras apresentam essas condições em um quadro que está, ligeiramente adaptado, reproduzido a seguir. Fala Escrita Interação face a face Interação à distância Planejamento simultâneo à produção Planejamento anterior à produção Criação coletiva, passo a passo Criação individual Impossibilidade de apagamento Possibilidade de revisão Impossibilidade de consulta a outros textos Possibilidade de consulta Possibilidade de reformulação pelos Possibilidade de reformulação apenas pelo interlocutores escritor Acesso imediato às reações do interlocutor Impossibilidade de acesso imediato às reações do interlocutor Marcas do processo de criação à mostra Marcas do processo de criação ocultas; mostrase apenas o resultado Na sequência, apresentam-se os aspectos metodológicos deste trabalho. Considerações sobre os textos escolares analisados O corpus deste trabalho se constitui por 100 textos produzidos por alunos do Ensino Fundamental, do 6º ao 9º ano, recolhidos por uma professora de língua portuguesa de Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 39 uma escola da rede pública municipal de Dourados – MS, cujo nome não será revelado. De acordo com a professora, as redações são resultados de uma atividade rotineira de sala de aula, ou seja, não foram coletados especificamente para servirem aos objetivos deste trabalho. Quando os textos foram solicitados à professora, ela informou que já tinha em seu armário uma quantidade razoável e gentilmente os deixou à disposições para serem fotocopiados; explicou que pretendia corrigi-los e devolvê-los aos alunos em breve. Os alunos, autores dos textos, apresentam características socioeconômicas semelhantes: a maioria é filho de pais com escolaridade média ou baixa, que são trabalhadores no comércio ou na indústria, por exemplo. Os textos recolhidos, que compõem o corpus deste trabalho, foram numerados de 01 a 100, e os nomes de seus autores não serão utilizados. Após cada trecho transcrito como exemplo, segue o número que identifica o texto e o ano escolar do autor, por exemplo: (texto 04, 6º ano). Convém mencionar que algumas marcas de textos essencialmente falados, como pausas e alongamentos, não se verificam nos textos escritos (a menos que o autor, queira produzir determinado efeito de sentido com isso). Na amostra analisada também não se verificaram digressões, o que pode ser explicado pelo fato de que os estudantes produziram textos muito curtos, e, ao que parece, procurando obedecer ao comando da professora. Se considerarmos, porém, como marcas de oralidades em textos escritos a repetição, o emprego de marcadores conversacionais, a ausência de pontuação, o uso de expressões tipicamente orais, as inadequações morfossintáticas, a escrita fonética, a presença de fenômenos que denotam variação linguística e são comuns na fala coloquial (como, por exemplo, apócope ou queda do /r/ final, eliminação de marcas redundantes de plural, neutralização das vogais /e/ e /i/, /o/ e /u), o resultado surpreende: todos os textos analisados, independentemente do ano escolar de seu autor, apresentam remanescências de oralidade. Em nenhum dos textos, essas marcas parecem ter finalidades estilísticas, ou seja, não foram utilizadas conscientemente com o objetivo de produzir determinados efeitos de sentido, o que poderia demonstrar competência no uso da língua. A seguir, apresenta-se uma relação de exemplos de trechos dos textos dos alunos nos quais pode ser observada ao menos uma marca de oralidade. É preciso esclarecer que, em alguns casos, há várias marcas no mesmo trecho. No que se refere às questões de inadequação Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 40 quanto às convenções ortográficas, serão destacadas apenas aquelas que podem ser influenciados pela oralidade. Seguem os exemplos: 1) Nossa tem muita jente que fala o que você pensa ele ficam eles ficam brincando você nunca vai sair da escola. É mais eu sou brasileiro e nunca desisto (texto 05, 7º ano). 2) Bom eu gostaria muito de ter uma oficina mecânica para motos por que é meu sonho, desde pequeno eu gosto de moto então agora que eu tenho tanta adimiração por moto então eu quero ter minha mecânica de moto (texto 06, 8º ano). 3) Eu gostaria de abrir meu próprio restaurante ganha bastante dinhero e ajuda todos que acreditaram que eu seria capaz de conceguir (texto 07, 8º ano). 4) E levar a minha vida bem de boa com minha mulher e meus filhos sempre perto da minha família viajando e curtindo a vida (texto 08, 8º ano). 5) A professora, também é muito legal o nome dela é Solange. A professora tem vez que brinca com agente (texto 12, 7º ano). 6) Era uma vez um cachorrinho que não tinha familia (...) Mas so que um dia que uma familia ficaram com do dele e levaram ele pra casa e deram comida para ele deram banho fizeram tratamento e ele fico gordo forte e viveram felizes para sempre (texto 31, 6º ano). 7) Em um dia o macaco fez uma armadilha fez um buraco na porta da casa da velha e colocou folhas em cima e chamou a velha lá de fora e a véia saiu e caiu no buraco a véia falou macaco me tira da qui o macaco falou aguenta velhinha que eu já vou aí (...) (texto 32, 6º ano). 8) A amizade é uma coisa que tem que ser verdadeira mas tem algumas pessoas que tem a amizade muito falsa (texto 37, 6º ano). Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 41 9) Eu tenho vários objetivos para o futuro: Para 2011: Irei fazer uma prova para ganhar bolsa de estudo no Objetivo, pois eles treina para o vestibular da Federal (texto 41, 9º ano). 10) Pra mim ter amizade é muito importante para mim agora amizade para mim é uma coisa de muito valor que nos não arruma em qualquer lugar (...) amigos são aqueles que nós não vive sem (texto 42, 7º ano). 11) Não quero ficar dependendo dos outros para nada, por isso que eu quero isso para mim para que as pessoas olhem e falem, tenho orgulho dessa menina, pois se esforsou muito (texto 45, 8º ano). 12) Agora eu sei oque eu quero fazer, mas eu ainda acho que quando eu crescer eu vou ser ou professor ou talvez quem sabe um veterinário (...) mas se surgir uma profissão que eu goste aí não sei o que eu vou fazer quando crescer (texto 49, 9º ano). 13) E pra tudo isso tenho que pedir a deus que me de força pra alcançar todos os meus objetivo. E parte mais importante, ajudar a minha família que foram as pessoas que mais me ajudarão e apoiarão eu quando eu mais precisei (texto 50, 7º ano). 14) Bom, isso foi um resumo da minha história, o que pretendo ser, o que pretendo pra mim. (texto 62, 8º ano). 15) Para chegar em qualquer lugar tenho que batalhar e estudar muito. Pretendo ser uma grande pediatra, mas sei que para chegar lá vou te que ter muita força de vontade (62, 8º ano). 16) Meu objetivo maior é me formar na faculdade (...) e ter uma situação estável me casa (texto 63, 8º ano). 17) Se eu for fazer uma facudade, eu vou querer fazer Educação Física, aí eu ia me casar cedo porque eu não quero ser igual a minha mãe eu quero ter mais de um filho (texto 65, 8º ano). Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 42 18) Bom, eu ainda não pensei muito no que eu quero para o meu futuro (texto 65, 8º ano). 19) E talvez mais pra frente vou prestar vestibular para outra coisa que eu goste (Texto 66, 9º ano). 20) A minha professora ela é muito especial para todos nós por que sem o português nós não sabe de nada minha melhor aula é português e matemática (texto 85, 6º anos). 21) Não gosto de apilidos e nem de fofocas. Eu espero do futuro muinta paz, amor, carinho. Eu espero que eu passe de ano (texto 88, 6º ano). 22) Pretendo trabalha em uma empresa que meche com microcomputador e eu vou criar um microsoft de utima geração (texto 89, 8º ano. 23) A Maria Eduarda tem duas amiga que se chama Flavia e daiane um dia a Flávia chamou a Daiane para ir no rodeio de Dourados (...) No outro dia ela falou que foi no rodeio e aí eu falei: Você não ia ir mais no rodeio? Flavia disse: Agente foi meia noite. Aí eu falei que não queria mais a amizade dela (texto 90, 6º ano). 24) Eu vou gostar muinto da aula de inglês e de todas as aula (texto 92, 6º ano). 25) O meu nome tá ali em cima bom eu moro no Isidro Pedroso nunca reprovei agora estou no 6º ano (texto 96, 6º ano). Nos trechos apresentados, um dos problemas mais recorrentes é a ausência ou inadequação dos sinais de pontuação. Como se sabe, a expressividade da língua oral se constitui, sobretudo, por meio de pausas, entonações, gesticulações, expressão facial. Isso é possível, como já mencionado neste trabalho, porque os interlocutores estão “em presença”, ou seja, a interação ocorre em concomitância de espaço e de tempo. Já na língua escrita grande parte da expressidade dar-se-á pelo uso adequado da pontuação. Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 43 A análise do material demonstra que grande parte dos estudantes tem dificuldades com a pontuação, principalmente, quando deseja reproduzir discursos diretos. Na amostra transcrita, essa dificuldade foi observada mais significativamente nos trechos 01, 02, 07, 10, 25. A transferência de expressões típicas da oralidade ou de gíria para a modalidade escrita também foi um fenômeno comum observado nos corpus em análise. Nos trechos verificou-se, por exemplo, o uso das seguintes expressões: “bem de boa” e “curtindo a vida”, “muito legal”, “só que um dia”, “mais pra frente”, “chegar lá”, respectivamente nos trechos 04, 05, 06, 15, 19. As formas reduzidas são muito frequentes na língua falada, o que não constitui problema, inclusive porque essa modalidade é mais dinâmica. O uso em textos escritos que requeiram o mínimo de formalidade, no entanto, é desaconselhável. O emprego de “pra” foi verificado nos trechos 10, 13, 14 e 19, e o uso de “tá” no trecho 25. A utilização de marcadores conversacionais ou de marcas interacionais também foi verificada nos textos escritos dos estudantes. Foram observados os seguintes: “nossa”, no trecho 01; “bom”, nos trechos 02, 14 e 18; “aí” nos trechos 12, 17 e 23. Registrase que o marcador conversacional “aí” também é utilizado como recurso para dar continuidade ao texto, o que poderia ser feito com conjunções. Os estudantes devem ser advertidos, porém, que a conjunção “e”, quando muito repetida nos textos escritos, também denota falta de habilidade quanto ao uso de elementos de coesão, o que se observa nos trechos 4, 6, e 7. Ainda que tenha ocorrido apenas em um dos trechos selecionados (trecho 25), é importante mencionar que o uso de alguns dêiticos também demonstra a falta de habilidade dos estudantes no que se refere às distinção entre fala e escrita. Quando o aluno escreve “O meu nome tá ‘ali’ em cima”, não se está levando em conta o fato de que elementos expressos por dêitico fazem sentido apenas no contexto físico da oralidade, e por isso há que se considerar que o leitor não está presente ou que o texto pode ser lido em outro momento e em outro local. Nesse caso, faz-se útil discutir com os alunos as diferenças nas “condições de produção” dos textos falados e escritos. Alguns equívocos ortográficos se constituem como fenômenos fonoortográficos e podem ser associados à questão da oralidade, é o que ocorre nos seguintes Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 44 trechos: 07, “da qui”, 12, “oque”, 23 “agente”. No primeiro caso, observa-se uma segmentação vocabular inadequada e no segundo e no terceiro, ocorre o inverso, ou seja, trata-se de “juntura intervocabular”. Da mesma forma, isto é, a fala também influencia as falhas ortográficas nos trechos 21, “apilidos” e “muinta”; 17, “facudade”; 22, “utima”. O que ocorre com o primeiro vocábulo é comum porque, na língua portuguesa falada na maioria das regiões do Brasil, é normal a redução do “e” para “i” (assim como de “o” para “u”) em alguns contextos fonológicos, originando o que os linguístas chamam de harmonização vocálica ou de neutralização. No caso de “muinta”, a consoante inicial, que é nasal, acaba influenciando também a nasalização da vogal. O aluno, no entanto, deve ser alertado para o fato de que, de acordo com a convenção ortográfica não se pode inserir o “n” no registro escrito. A ausência do “l” em “facudade” e “utima” também demonstra que se transferiu para a escrita o que se tem com frequência na fala. Muitas pesquisas sobre línguas faladas já comprovaram que a ausência do “r” é um fenômenos normal na fala dos brasileiros, de todas as classes sociais e em todas as regiões. A esse respeito, transcrevem-se as palavras de Bortoni-Ricardo (2004, p. 85): “(...) o /r/ pós-vocálico, independentemente da forma como é pronunciado, tende a ser suprimido, especialmente nos infinitivos verbais (correr > corrê; almoçar > almoçá; desenvolver > desenvolvê; sorrir > sorri)”. A autora explica ainda que quando o fonema é suprimido, a sílaba final fica mais alongada e mais intensa. Dessa forma, o estudante, que não ouve, nem usa mais esse fonema na fala, acredita, inconscientemente, que ele também é dispensável na escrita, como se verificou nos trechos 03, “ganha” (ganhar), 15, “te” (ter), 2, “trabalha” (por trabalhar). Pode-se afirmar que os casos de segmentação inadequada, junção inter-vocabular, redução ou supressão de letras evidencia o que se poderia chamar de uma escrita fonética, u seja, o aluno escreve da maneira como ele ouve e fala. No que se refere às inadequações morfossintáticas, as ocorrências mais significativas nos trechos selecionados são as inadequação quanto à concordância verbal padrão, que foram observadas no trecho 01, “eles fica”, no trecho 06, “uma familia ficaram com do dele”; no trecho 10, “nós não arruma em qualquer lugar” e “nós não vive sem”, no trecho 20, “nós não sabe de nada”. Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 45 A esse respeito, observa-se que as pesquisas sobre língua falada no Brasil também apontam para uma simplificação dos paradigmas verbais, sobretudo na língua falada, em momentos não monitorados. Nesse caso, assim como em outros já descritos neste trabalho, o importante é discutir com o aluno sobre a existência de um registro oral, coloquial, nãomonitorado (aquele que ele já domina) que se opõe a outro, escrito, que pode necessitar de mais formalidade e monitoração (aquele que a escola pretende que ele domine). O estudante deve saber que ter habilidades no uso dos dois registros é ter sua competência de comunicação ampliada. Ao se encerrar a análise dos trechos, é preciso registrar que, obviamente, nem todas as marcas de oralidade do conjunto composto pelos 100 textos recolhidos foram exemplificadas, inclusive, nos trechos selecionados, seria possível destacar outros indícios de oralidade que não foram aqui analisadas. Tratou-se, portanto, de fornecer apenas uma amostra do que ocorre na escrita de alunos do ensino fundamental. Essa amostra também tem o valor de diagnóstico. Considerações finais É possível concluir que, ainda que, na escola, o trabalho com a modalidade escrita sempre tenha ocupado um espaço superior em relação à fala, é na produção escrita (provavelmente de todos os gêneros) que os estudantes mostram-se mais inseguros ou apresentam as maiores dificuldades. Convém registrar, que um dos estudantes do 7º ano, tendo apresentado um texto muito curto, na mesma folha deixou o seguinte recado para a sua professora: “Professora, me desculpa, mas só consigo escrever isso”. O mesmo aluno talvez não tenha dificuldades para falar. Por essa razão, o professor necessita ter consciência e conhecimento dos problemas dos estudantes em relação à produção escrita e deve ter condições de sistematizar ou classificar as dificuldades para, a partir daí, organizar as atividades adequadas. Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2004, p.100), lembra que “(...) os chamados erros que nossos Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 46 alunos cometem têm explicações no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Portanto, podem ser previstos e trabalhados por meio de uma abordagem sistêmica”. Uma das propostas mais difundidas por pesquisadores que se ocupam desse tema é o que Marcuschi (2002) chama de retextualização, ou seja, atividades ou exercícios de transformação entre as modalidades. Assim, poderiam ser eficientes atividades de elaboração textual, que partissem de situações de fala, para gradativamente, alcançarem a produção escrita. Convém lembrar que o inverso, isto é, a conversão da escrita em fala, já é comum uma vez que constantemente as pessoas lêem jornais, revistas, textos da internet e contam oralmente e espontaneamente o que leram. Exercícios como esse, segundo Favero, Andrade e Aquino (1999, p. 83), fariam com que os alunos percebessem efetivamente como se constroem e se formulam esses textos. Essas autoras inclusive dão exemplos de aplicação dessas operações de transformação de texto falado em textos escritos como sugestão de atividade para sala de aula. Outra possibilidade é a reescrita, isto é, quando já se tem um texto que nasceu escrito, mas com características indevidas de fala, após as orientações do professor, o aluno poderá reescrevêlo, tentando aproximá-lo mais dos padrões da escrita. Acredita-se que se os alunos entenderem o processo de construção de cada texto, terão dado muitos passos em direção ao aprendizado da produção de textos adequados às diferentes exigências com as quais terão que se deparar durante sua vida prática. Referências bibliográficas (citadas e consultadas) BORTONI-RI CARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. BRASIL, Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa, Brasília, 1998. Web Revista Diálogos & Confrontos Revista em Humanidades ISSN - 2317-1871 | VOL 01 – 2º Semestre – JUL - DEZ 2012 47 FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C.V.O. e AQUINO, Zilda G.O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 1999. HALLIDAY, M.A.K. Spoken and written Language. Oxford: Oxford V. Press, 1989. HILGERT, José Gastón. A paráfrase: um procedimento de constituição do diálogo. São Paulo: s.c.p., 1989 (Tese de doutorado apresentada à Universidade de São Paulo). MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1986. ____________. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. PRETI, Dino (org.). Análise de textos orais. 5. ed. São Paulo: Humanitas, 2001. RAMOS, Jânia M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1997.