Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: constituição de grupos colaborativos Ana Maria Porto Nascimento1 GD7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática Resumo Esse projeto de pesquisa insere-se na linha de pesquisa Educação em Ciências e Matemática, no eixo de interesse: Educação Matemática – aprendizagem e formação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília-UnB. O foco é a formação do professor alfabetizador na área de matemática. Defende-se a tese de que a dinâmica do trabalho de pesquisa colaborativa pode constituir um espaço de formação continuada dentro da instituição escolar, pois oportuniza ao professor produzir conhecimentos, suprir lacunas conceituais, definir instrumentais metodológicos e articular a formação e a atuação pedagógica por meio da construção de atividades de ensino específicas para a alfabetização em matemática. O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar as articulações entre a formação continuada e a atuação pedagógica, constituídas na dinâmica do trabalho de pesquisa colaborativa. E, como objetivos específicos, pretende-se: (i) promover reflexões sobre o trabalho do professor no processo de alfabetização matemática; (ii) analisar as possibilidades da adoção de uma postura investigativa pelo professor alfabetizador; (iii) analisar as possíveis mudanças que ocorrem na práxis do professor alfabetizador em matemática, por meio da pesquisacolaboração-formação.; (iv) produzir conhecimentos teórico-metodológicos, por meio da construção de atividades de ensino, referentes ao campo da alfabetização matemática. Adotou-se como referenciais teóricos e metodológicos estudos sobre: a formação do professor que ensina matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a alfabetização matemática e a pesquisa colaborativa em Educação Matemática. Palavras-chave: Formação continuada. Professor dos anos iniciais. Alfabetização matemática. Pesquisa colaborativa. Introdução O ingresso na carreira de magistério superior com atuação no Curso de Pedagogia, responsável pela disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática, oportunizou a vivência de inúmeras experiências de produção de conhecimentos nessa área, tanto no estudo e planejamento de aulas, quanto no desenvolvimento dessas aulas junto ao grupo de graduandos, professores em exercício e futuros professores. Essas experiências permitiram conhecer o processo de ensino e de aprendizagem em matemática, em que o sujeito de aprendizagem era o licenciando, que resignificava os conteúdos 1 Universidade de Brasília (UnB), e-mail: [email protected], orientador: Cristiano Alberto Muniz. matemáticos a serem ensinados e, ao mesmo tempo, elaborava atividades de ensino para promover a aprendizagem de seus alunos (no caso do professor em exercício) ou futuros alunos (professores em formação inicial). A realidade da aprendizagem em matemática dos licenciandos em Pedagogia é conhecida pelos pesquisadores em educação matemática, principalmente os que se dedicam a formação de professores, tanto inicial quanto continuada, como Nacarato (2006), Passos(2009), Curi (2005), Fiorentini (2003; 2004). A relação entre os licenciandos em Pedagogia e a matemática não é muito harmoniosa, o que traz consequências para a sala de aula em que o pedagogo assume o papel de professor. As crenças, concepções e atitudes desse professor criam obstáculos a sua atuação nessa área (CURI, 2005). Essa realidade é preocupante, pois o licenciando em Pedagogia será responsável pela formação da criança no inicio de seu processo de escolarização. Os contatos iniciais da criança com a matemática, no espaço escolar, serão mediados por esse profissional. Quais as atividades de ensino serão propostas por esse professor ao grupo de crianças? De que forma as aprendizagens que acontecem nas situações cotidianas serão consideradas e incorporadas às atividades de ensino? De que forma um professor que teve lacunas em sua formação matemática, em toda a sua trajetória escolar, pode promover aprendizagens matemáticas que sejam produtivas para a criança? Qual formação o pedagogo tem para alfabetizar a criança na área de matemática? Durante o curso de mestrado, tive a oportunidade de permanecer, por seis meses, em uma classe de alfabetização, para acompanhar e apoiar o trabalho de uma professora licenciada em pedagogia. Na época, o foco foi a mediação do professor no processo de construção de conceitos matemáticos. Os resultados mostraram uma estreita relação entre a ação do professor e a ação da criança. À medida que a ação da professora pautou-se em evidências de aprendizagem, as atividades propostas tornaram-se mais produtivas e significativas para a criança. Tal fato provocou mudança de postura do professor e maior envolvimento da criança. Acredito que a compreensão do modo como o sujeito mobiliza conceitos em diferentes situações contribuiu para a mediação pedagógica. O processo de pesquisa transformou-se em um espaço de formação para a professora e para a pesquisadora. Naquela oportunidade (durante a pesquisa de mestrado), ao estar bem próxima da professora, foi possível perceber as lacunas conceituais existentes em sua formação matemática. Essas lacunas criavam obstáculos à proposição de situações problema e a crença na complexidade da área de matemática produzia limites à ação da professora. Essas impressões felizmente mudaram à medida que o trabalho de pesquisa avançou. (NASCIMENTO, 2002). Em outras experiências de formação inicial e continuada de professores em exercício, foi possível perceber as mesmas lacunas conceituais e as mesmas limitações quanto à proposição de atividades desafiadoras para a criança. Mas, ao mesmo tempo, viu-se que colocar-se ao lado do professor, mostrar-se parceiro, ajudá-lo a superar as lacunas conceituais, apoiar a sua ação pedagógica e construir junto com ele atividades de ensino produtoras de aprendizagem é algo viável. Acredita-se que é possível promover reflexões e mudanças na práxis do professor por meio da inserção do pesquisador e do desenvolvimento de uma postura investigativa do professor alfabetizador, fortalecida pelas ações de pesquisa-colaboração-formação. Nesse contexto, coloca-se uma questão fundamental: A pesquisa colaborativa, ao possibilitar a parceria entre os pesquisadores e os professores, poderá criar um espaço de formação continuada, em que conhecimentos teórico-metodológicos serão produzidos de modo a aperfeiçoar o trabalho do professor e, consequentemente, qualificar a aprendizagem da criança? Defende-se a tese de que a dinâmica do trabalho de pesquisa colaborativa pode constituir um espaço de formação continuada, dentro da instituição escolar, e ela oportuniza ao professor produzir conhecimentos, suprir lacunas conceituais, definir instrumentais metodológicos e articular a formação e a atuação pedagógica por meio da construção de atividades de ensino específicas para a alfabetização matemática. O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar as articulações entre a formação continuada e a atuação pedagógica, constituídas na dinâmica do trabalho de pesquisa colaborativa. E, como objetivos específicos, pretende-se: (i) promover reflexões sobre o trabalho do professor no processo de alfabetização matemática; (ii) analisar as possibilidades da adoção de uma postura investigativa pelo professor alfabetizador; (iii) analisar as possíveis mudanças que ocorrem na práxis do professor alfabetizador em matemática, por meio da pesquisa-colaboração-formação.; (iv) produzir conhecimentos teórico-metodológicos, por meio da construção de atividades de ensino, referentes ao campo da alfabetização matemática. Os referenciais teóricos e metodológicos adotados, neste trabalho, são as pesquisas sobre a formação do professor que ensina matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvidas por pesquisadores como: Curi (2005), Fiorentini (2003, 2004), Serrazina (2007), Nacarato (2006), Ponte (1995, 2003); além das pesquisas sobre alfabetização matemática, presentes nos trabalhos de Danyluk (1998), Nunes (2005), Zunino(1995), e sobre pesquisa colaborativa em Educação Matemática, presentes nos estudos de Fiorentini (2004, 2005), Borba (2004). Alfabetização matemática Entende-se a infância como categoria social, em que a criança é um ser histórico, cultural e social de direitos, envolvida no meio em que vive. A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos convida à construção de um trabalho pedagógico que estabeleça a interface entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, assegurando a continuidade do desenvolvimento da criança e, ao mesmo tempo, propiciando formas de promover sua inserção em outra etapa da vida escolar: o Ensino Fundamental. Essa etapa é o fundamento de uma construção que se estenderá por vários anos, na perspectiva de permitir ao cidadão sua integração em diferentes práticas sociais e educacionais. Para Cury (2002, p.171): “a educação infantil é a base da educação básica, o ensino fundamental é o seu tronco e o ensino médio é seu acabamento e é de uma visão do todo como base que se pode ter uma visão consequente das partes”. Em se tratando de Educação Matemática, é nessa fase da Educação Básica que a criança constrói e sistematiza os conhecimentos que lhe possibilitam agir e tomar decisões em situações problemas do cotidiano e, ao mesmo tempo, cria uma base que servirá de referência na formação de conceitos matemáticos mais complexos em anos posteriores. O documento Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental apresenta duas maneiras de compreender o termo alfabetização. Inicialmente, pode-se pensar que em “um sentido stricto, alfabetização seria o processo de apropriação do sistema de escrita alfabético”. Porém, é necessário que a criança avance rumo a uma alfabetização em sentido lato e possa conhecer as práticas, usos e funções da leitura e da escrita e isso exigirá um trabalho com todas as áreas curriculares e em todo o processo do Ciclo de Alfabetização. Assim, como afirma esse documento, “a alfabetização em sentido lato se relaciona ao processo de letramento envolvendo as vivências culturais mais amplas” (BRASIL, 2012, p. 27). Especificamente, acerca da educação matemática, Fonseca (2014, p. 31), no caderno de apresentação do Pnaic/Matemática, define que a alfabetização matemática preocupa-se com: As diversificadas práticas de leitura e escrita que envolvem as crianças e nas quais as crianças se envolvem no contexto escolar e fora dele, refere-se ao trabalho pedagógico que contempla também relações com o espaço e as formas, processos de medição, registro e uso das medidas, bem como estratégias de produção, reunião, organização, registro, divulgação, leitura e análise de informações, mobilizando procedimentos de identificação e isolamento de atributos, comparação, classificação e ordenação . O entendimento da alfabetização em um sentido amplo exige diferenciadas competências do professor, que é responsável em pensar as atividades de ensino para esse fim. Isso reforça a necessidade de ações de formação continuada que auxiliem na construção dessas competências, por meio da pesquisa, da ação-reflexão-ação. O estudo realizado por Danyluk (2002) é tomado como referência, pois a autora, da mesma forma como se pretende neste trabalho, desenvolveu na escola uma pesquisa sobre alfabetização matemática, a qual definiu como: “os atos de aprender a ler e a escrever a linguagem matemática usada nas primeiras séries da escolarização. Ser alfabetizado em matemática entender o que se lê e escrever o que se entende a respeito das primeiras noções de aritmética” (p.14). É possível que o envolvimento na pesquisa e a realização de um estudo mais detalhado sobre a formação de conceitos matemáticos no ciclo de alfabetização venha a contribuir na constituição de um referencial teórico e metodológico para o professor alfabetizador. Este, mesmo envolvido em um conjunto de fatores adversos no contexto escolar, terá um maior domínio sobre a sua ação de ensinar e, provavelmente, maior clareza sobre suas formas de mediação nos processos de aprendizagem. A formação continuada do professor alfabetizador em matemática Observa-se que desenvolvimento profissional e formação de professores foram temas recorrentes no discurso acadêmico, nas últimas duas décadas do século passado, gerando debates e muitas publicações, tanto no Brasil quanto em outros países. Silva (2008, 2011), em um estudo sobre as perspectivas na formação de professores, destaca que o estudo do campo de formação de professores exige o conhecimento mais profundo de algumas propostas de formação, principalmente suas bases epistemológicas e o contexto histórico em que foram produzidas. Inicialmente, observa-se que há uma ilusão de que o professor pode conscientizar-se de suas práticas por meio da pesquisa/reflexão e, desse modo, criar condições de transformarse e melhorar a qualidade da aprendizagem. O problema desse modo de pensar reside no fato de que a questão está em focar o indivíduo e não a classe, ignorar os diferentes fatores implicados na instituição escolar, na profissão docente, na organização administrativa das Secretarias de Educação, na valorização da profissão pela sociedade e pelo próprio professor. Na perspectiva critico-emancipatória adotada por Silva (2008, 2011), pensa-se a formação de professores em um processo de reflexão coletiva. A formação de professores é um processo contínuo de desenvolvimento profissional e político- social, que não se constrói em alguns anos de curso, nem mesmo pelo acúmulo de cursos, técnicas e conhecimentos, mas pela reflexão coletiva do trabalho, de sua direção, seus meios e fins, antes e durante a carreira profissional. (SILVA, 2011, p.15) Nessa perspectiva, são princípios fundantes de um projeto de formação de professores: a) a categoria trabalho, b) a relação teoria e prática, c) a pesquisa na/da formação e, d) a função docente. Ao pensar-se na categoria de trabalho docente na discussão de um projeto de formação de professores, não se pode deixar de considerar a materialidade do trabalho docente. E ao pensar a relação teoria e prática na formação de professores - a práxis - devese considerar que teoria e prática são indissociáveis. Uma práxis transformadora só acontece se realmente houver uma unidade entre teoria e prática, pois a teoria torna possível conhecer a realidade e enxergar possibilidades de transformação; por sua vez, é a prática que materializa essa transformação. E, ao refletir sobre a função docente – ensinar – observa-se que a discussão da função social do professor não acontece desconsiderando-se a totalidade da relação trabalho e educação, nem tampouco desconexa do contexto social. Silva (2011) afirma que: O trabalho educativo é, portanto, a produção e reprodução do indivíduo humano e, ao mesmo tempo, a produção e reprodução do gênero humano. Tendo em vista a contradição presente no ato educativo, a função docente é vista aqui como exercício profissional e também humano; é próprio do trabalho docente produzir, de maneira intencional, necessidades cada vez mais elevadas em si próprio e em seus alunos, entrando em contato com o não cotidiano através da produção mais elevada pelo gênero no campo intelectual, não como um mero instrumento de adaptação, mas como uma condição imprescindível para mudança. (p.23-24) Deve-se considerar que a função social do professor relaciona-se a da escola que é uma instituição social com um importante papel na sociedade. Nela o professor exerce a função de ensinar, não mais na ideia de passar informações, pois no contexto atual as informações estão disseminadas; seu trabalho transforma-se em possibilitar o conhecer. Enfim, merece um estudo mais profundo a questão da pesquisa como elemento de formação, ainda mais quando esse projeto de pesquisa tem como princípio fundamental a constituição de um grupo de pesquisa colaborativa. A respeito da pesquisa, Silva (2011) defende-a no sentido estrito relacionado ao campo da ciência. Para a autora, o professor pesquisador “será um pesquisador formado como qualquer pesquisador, rigidamente, nos fundamentos teórico-metodológicos da investigação cientifica” (p.29). Ao considerar relevante tal afirmação, torna-se necessário refletir sobre o espaço que é dado à pesquisa nos projetos de formação de professores. E esse será um dos aspectos estudados para compor o referencial de análise neste trabalho, inclusive o modo como a pesquisa é definida nos documentos oficiais, como as Diretrizes Curriculares para Formação de Professores da Educação Básica. Como afirmado anteriormente, pretende-se conseguir a inserção do pesquisador no espaço da escola, mas buscar, de acordo com as ideias de Silva (2008, 2011), incentivar o professor alfabetizador a tornar-se um pesquisador, de modo a construir, com o grupo de professores, uma postura investigativa que seja fortalecida pelas ações de pesquisacolaboração-formação. Especificamente, na área de educação matemática, encontra-se em Muniz (2009) um estudo sobre o significado das notações matemáticas construídas pelas crianças, na perspectiva do professor tornar-se um pesquisador, aprendendo a valorizar a produção das crianças e a identificar nessa produção um modo de fazer matemática. Em um texto produzido por Muniz (2008) sobre políticas públicas e formação inicial e continuada de professores que ensinam matemática, o autor indica que já se encontram alguns resultados, mesmo que parciais, que mostram indícios de mudança de crenças em relação à matemática. A leitura do texto convida-nos a “refletir sobre possibilidades e limites das políticas públicas voltadas para as formações iniciais e continuadas de professores, no caso específico, daqueles que ensinam matemática” (p. 3). Nesse mesmo texto, o autor, após analisar algumas produções do GT19 da Anped, ressalta a necessária atuação do educador matemático nos cursos de formação de professores, pois, de acordo com seu entendimento, esse profissional tem um perfil adequado para: Transformar a qualidade da formação, trazendo o eixo formador para os reais contextos da práxis. Os educadores matemáticos revelam possuir uma importante capacidade de reconfiguração dos projetos de formação, bem como suas implementações. Os estudantes de licenciatura e de pedagogia podem, não apenas por meio do ensino, mas também por ações de extensão contínuas, e de convivência com a pesquisa sob orientação de docentes da área de educação matemática, desenvolver outras concepções acerca da matemática, seu valor formativo, cultural e social. (MUNIZ, 2008, p. 24) O estudo de Reis e Fiorentini (2007) discute a formação, tanto inicial quanto continuada, como integrante do desenvolvimento profissional. Ela é vista como um processo que ocorre em múltiplas instâncias: na participação em congressos, palestras, cursos; ela acontece durante a leitura e o estudo de livros; ela ocorre na concepção e desenvolvimento de projetos de pesquisa, durante a docência nos diferentes níveis de escolarização, nas trocas de experiências entre professores; ocorre também quando da observação, reflexão e análise da própria prática docente; em reflexões sobre experiências passadas e presentes, como estudante e como professor; entre muitas outras situações. Nesse contexto, observa-se que a prática passa a ser concebida como elemento valioso para o desenvolvimento profissional, tendo a teoria, a pesquisa e a colaboração como mediação (FIORENTINI; NACARATO, 2005). Quanto aos professores, estes “deixam de ser vistos como meros receptáculos de formação, passando a ser vistos como profissionais autônomos e responsáveis com múltiplas potencialidades” (PONTE, 1995, p.195). Ainda sobre a formação de professores, destaca-se o estudo realizado por Nacarato e Paiva (2006) em que as autoras indicaram que “o grande desafio posto aos pesquisadores e formadores de professores é distinguir as fronteiras entre as metodologias de formação docente e a pesquisa sobre formação docente” (p. 9-10). Em uma das pesquisas analisadas por Nacarato e Paiva (2006), encontra-se o trabalho de Manrique e André (2006) que tratam da relação com o saber, na perspectiva de Bernard Charlot (2005). Essa é uma questão que merece atenção, principalmente ao realizar pesquisa sobre a formação do professor que ensina matemática, uma área de conhecimento que ainda é vista como difícil e de aprendizagem complexa e, consequentemente, o ensino nessa área é muito problemático. Isso pode ser comprovado por meio de avaliações como PISA, PROVA BRASIL, entre outras, que mostram resultados negativos. À discussão sobre a relação entre o professor e o saber, podem ser acrescentadas as ideias de Shulman (1986) que, em seu modelo de representação dos saberes docentes, distingue: (i) conhecimento do conteúdo; (ii) conhecimento do conteúdo no ensino; (iii) conhecimento pedagógico. Especificamente, o conhecimento do conteúdo no ensino é subdividido entre três categorias: - conhecimento sobre a matéria; conhecimento didático da matéria; conhecimento curricular da matéria. Essas categorias podem direcionar o estudo sobre o conhecimento do professor na área de matemática, da mesma forma como procedeu Curi (2005) em pesquisa que teve como um dos objetivos investigar e examinar conhecimentos para ensinar a disciplina, bem como as crenças e atitudes que intervêm na formação de professores polivalentes. Pesquisa colaborativa Sabe-se que a pesquisa colaborativa insere-se na definição de pesquisa qualitativa e, assim, por ser esse projeto específico do campo de Educação Matemática, tomou-se como referência para definição da metodologia de pesquisa os estudos de Borba (2004) sobre pesquisa qualitativa em Educação Matemática, de Fiorentini (2004, 2005) e de Ibiapina (2008) sobre pesquisa colaborativa. Fiorentini (2004) discute aspectos característicos e constitutivos do trabalho colaborativo e indica que a voluntariedade, a identidade e a espontaneidade são princípios fundamentais nas culturas de colaboração. Em relação a essa mesma temática, Fiorentini (2004, p.53) afirma que: A vontade de querer trabalhar junto com outros professores, de desejar fazer parte de um determinado grupo, é algo que deve vir do interior de cada um. Em outras palavras, um grupo autenticamente colaborativo é constituído por pessoas voluntárias, no sentido de que participam do grupo espontaneamente, por vontade própria, sem serem coagidas ou cooptadas por alguém a participar. As relações no grupo tendem a ser espontâneas quando partem dos próprios professores, enquanto grupo social, e evoluem a partir da própria comunidade, não sendo, portanto reguladas externamente, embora possam ser apoiadas administrativamente ou mediadas/assessoradas por agentes externos. (FIORENTINI, 2004, p.53) Buscar-se-á a aproximação do grupo de professores na escola e a evolução de uma prática cooperativa para uma prática colaborativa, nos termos definidos por Fiorentini (2004). Isso leva algum tempo e ocorrerá à medida que os integrantes do grupo se conheçam, adquiram autonomia, exponham os seus interesses e mobilizem-se na busca de apoio e de parceiros. Ainda segundo Fiorentini (2004), os motivos que levam os professores a buscar parceiras são variados, entre eles destacam-se a vontade de enfrentar colaborativamente os desafios da inovação curricular na escola, a busca do próprio desenvolvimento profissional e o desenvolvimento de pesquisa sobre a própria prática. Essa atitude é resultado do sentir-se incompleto enquanto profissional e poderá ocorrer ao perceber-se a necessidade do outro para dar conta da complexa tarefa docente. Procedimentos metodológicos Inicialmente, será feito um levantamento de pesquisas sobre a formação continuada de professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sobre a possibilidade da formação dar-se por meio da constituição de grupos de pesquisa colaborativa, na instituição escolar. Pretende-se identificar, em projetos de curso de formação de professores, o espaço e o tempo dedicados ao estudo do processo de alfabetização matemática e também identificar de que modo a formação para a pesquisa é definida na legislação que trata da formação inicial do professor, pois um dos objetivos é possibilitar o desenvolvimento de uma postura investigativa no professor alfabetizador. Definiu-se como espaço de pesquisa uma escola pública e como sujeitos da pesquisa os professores que atuam em classes de alfabetização. As indicações metodológicas específicas encontradas em Ibiapina (2008) ajudarão a definir algumas etapas fundamentais da pesquisa colaborativa, bem como os instrumentos metodológicos. Os professores, ao engajarem-se em um processo de pesquisa colaborativa, serão convidados a vivenciar um processo reflexivo que exigirá a inserção tanto no conhecimento teórico quanto no mundo da experiência. A formação que se pretende proporcionar pela pesquisa tomará como eixo a reflexividade critica que, segundo Ibiapina (2008), irá tornar a observação do contexto da ação docente mais objetiva. E, para operacionalizar a reflexividade no contexto de uma pesquisa colaborativa, a autora sugere quatro ações: a descrição, a informação, o confronto e a reconstrução. No desenvolvimento dessas ações, será possível estabelecer o diálogo entre pesquisador e professores, na perspectiva de que esses são partícipes da investigação de modo que se espera gerar um movimento formativo, mesmo que não institucional. Referências BERTONI, Nilza Eigenher. Pedagogia: Educação e linguagem matemática II: Numerização. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. BORBA, Marcelo de Carvalho; ARAÚJO, Jussara de Loiola (Orgs.). Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. Belo Horizonte- MG: Autêntica, 2004. BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. 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