CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA – Lúcio Cardoso
Na Chácara dos Meneses, em Vila Velha, cidade imaginária
da Zona da Mata mineira, mora uma família tradicional, de
origem sul-mineira. Ele é composta pelos irmãos Demétrio,
que se casou com Ana; por Valdo, que se casará com Nina;
por Timóteo, solteirão – provavelmente homossexual -, pois
usava os vestidos e jóias de sua falecida mãe, Malva, e se
identificava com a tia-avó, Maria Sinhá, sujo retrato ficava no
porão. Essa mulher gostava de vestir de homem e cavalgava,
dando chicotada nos escravos. Morava ainda na chácara a
governanta de origem inglesa, Betty. A história se passa,
supostamente, na primeira metade do século XX. Essa
família exibe provas de decadência econômica.
Rupturas com a tradição
•O incesto
•A sexualidade
•O exotismo do comportamento de Timóteo e Maria Sinhá
•A ausência de religiosidade
•A frieza das relações
•A falta de prestígio social que a família passa a ter
Os irmãos Meneses: DEMÉTRIO
As esposas: ANA
- VALDO -
TIMÓTEO
NINA
Objeto do desejo adúltero
– O jardineiro ALBERTO
ANDRÉ: filho de NINA e VALDO ou de ANA e ALBERTO?
PAI DE NINA – um militar paralítico x CORONEL ABREU
GONÇALVES – contador de histórias emocionantes que pedia algo
em troca para contar o final.
NINA – seduzidos, os personagens passam a ter por ela os
sentimentos mais antagônicos, como amor, afeição, ódio, culpa,
remorso, medo, angústia, entre tantos outros.
Surge para romper com valores arraigados e promover o “pecado”.
Casa-se com Valdo. A violeta que o jardineiro Alberto deixava para
Nina é uma simbologia da própria expressão da existência
humana, que é bela e frágil, repleta de gozo e luto. Morre de câncer.
ANA – lamenta com Pe. Justino a sua vida que deixara de existir ao
se casar com Demétrio. É Nina que desperta esse questionamento,
por isso a odiava, invejava e a desejava por perto, pois era a única
forma de experimentar o prazer da vida, a vitalidade do corpo, a
existência do desejo.
OS IRMÃOS MENESES – FAMÍLIA TRADICIONAL MINEIRA, FALIDA.
VALDO – ofuscado e suplantado pelo autoritarismo de Demétrio, pela
sedução de Nina, pela determinação de André e pela indiferença de Ana.
Irmão submisso, pai ausente, marido enganado, cunhado distante. Todas as
limitações vividas por Nina tornaram-no mais ciente de suas limitações, de
seus medos, de sua impotência. Tenta o suicídio quando Nina se vai pela 1ª
vez para o RJ.
DEMÉTRIO – voz da liderança dos Meneses, não aparece como narrador
polifônico o que justifica sua incapacidade de se expressar, de revelar suas
emoções ao narrar suas falhas. Esconde-se atrás de uma aparência, vive em
função da opinião pública; está na eterna espera de um dia o Barão visitar a
Chácara dos Meneses.
TIMÓTEO– imagem monstruosa e hiperbólica que assombra os familiares da
Chácara. Ele é o distúrbio. Homossexual. Deveria ser escondido, apagado.
“Optou” por ficar recluso no quarto. Nutria desejos pelo jardineiro Alberto.
Ele se vestia de mulher, colocava a roupa e as jóias da mãe, mas se
espelhava na ancestral Maria Sinhá – que se vestia de homem e fazia longos
estirões a cavalo, ela acabou morrendo abandonada num quarto escuro da
velha Fazenda Santa Eulália, na Serra do Baú.
ANDRÉ – a identidade isolada, introspectiva e sombria; desde a
infância e durante a adolescência, só se modificará com o
retorno de Nina a Vila Velha. Em seus 16 anos era uma sombra
ilhada na arquitetura opressora da Chácara. Nina vê nele a figura
de Alberto, o jardineiro que suicidou depois da partida dela. Ela
seria a mãe de André, mas isso não impede o suposto incesto.
Depois será revelado, por Ana, que André era filho de Ana com
Alberto e não de Nina e Valdo. Mesmo sabendo disso Ana não se
intimida a seduzi-lo, já que ele fizera o incesto com a suposta
mãe, por que não com a tia. Mas André recusa.
ALBERTO – o jardineiro. Torna-se amante de Nina, por isso
passa a ser percebido por Ana, que também terá um caso
extraconjugal com ele. Também será objeto de desejo de
Timóteo.
PADRE JUSTINO – personagem tão dilacerado quantos os
demais no que diz respeito ao caráter antitético da condição
humana. Sente-se impotente em ajudar os outros sobre a verdade
de Deus e a existência do diabo, bem como sobre a luta entre o
bem e o mal que perpetua no interior de cada ser.
FARMACÊUTICO AURÉLIO – narrador que relata o que ouvira de
Valdo sobre a relação entre o pai de nina e o Coronel Amadeu
Gonçalves
MÉDICO DR. VILAÇA– narrador. Médico de Vila Velha, mas na
fase terminal de Ana vem um especialista do Rio de Janeiro.
BETTY– a governanta.
DECADÊNCIA DA TRADIÇÃO MINEIRA X DECADÊNCIA DA FAMÍLIA TRADICIONAL MENESES
CHÁCARA DOS MENESES
No dizer de Lúcio Cardoso: “No título, CASA está no sentido de
família, de brasão. ASSASSINADA quer dizer atingida na sua
pretensa dignidade, pelo pecado. Eis o ponto nevrálgico do
drama: o pecado.”
A casa, no romance, é cárcere, é túmulo, é sede de muitos
tumultos. Abriga as sementes do mal, inveja, adultério, incesto,
quase necrofilia, sugestões de assassinato, suicídio...
O processo de ANTROPOMORFIZAÇÃO da Chácara aparece em
inúmeros trechos da obra retratado pelos próprios personagens
que vivem nela ou que rapidamente a visitam.
Ana refere-se à casa como uma “entidade viva”, o mesmo é feito
pela governanta Betty, que a retrata como um “corpo vivo”. O
médico de Vila Velha a descreve como uma lenda que sintetizava a
“alma dos Meneses”
A chácara dos Meneses assume valor alegórico, pois representa
não apenas um lugar, mas todo um espaço social e cultural: a
tradição mineira conservadora preconceituosa, hipócrita,
preocupada excessivamente com a opinião pública.
Há algumas alusões bíblicas para contrapor o inferno da
moralidade em relação ao prazer praticado no paraíso.
Nina ira desestruturar a tradição arraigada com seu jogo de
sedução, a sua beleza e o seu fascínio – atributos que levaram
todas aquelas figuras petrificadas pela monotonia e pelo
moralismo a se libertarem do isolamento em que viviam, da apatia
que os consumia.
POLIFONIA DOS NARRADORES
Os 56 capítulos do romance não são relatados por narrador
onisciente, pois são ocupados por 10 narradores que têm
uma visão apenas parcial do que verdadeiramente ocorreu na
chácara dos Meneses.
Esses narradores fazem suas confissões através de diários,
cartas, narrativas e depoimentos. São: André, Ana, Valdo,
Betty, Padre Justino, Nina, o farmacêutico Aurélio, o médico
Dr. Vilaça, Timóteo e o Coronel Abreu Gonçalves.
Demétrio não fala, sabemos dele pela versão dos outros e
pelo discurso direto dele na versão dos outros. Demétrio
confunde-se com a casa, e a casa não fala. Outra que nada
enuncia é o jardineiro Alberto.
O leitor vai se deparar também com uma sutil presença no
livro: a figura de alguém responsável pela elaboração da
obra, de um ser que, literalmente, “montou” o livro,
organizou os relatos, colheu os depoimentos e as narrativas,
inserindo-os de forma descontínua e anacrônica no corpo do
romance.
Quem seleciona os diários e as cartas deixa claro na
narrativa, por meio de considerações metalinguísticas, o
processo de reescrita ou de releitura dos narradorespersonagens sobre os próprios relatos. Ao longo do romance
encontramos trechos entre parênteses e em itálico que fazem
considerações sobre o ato da escrita dos enunciadores da
trama.
1. ANDRÉ – 11 capítulos: 1, 17, 20, 21, 25, 26, 36, 38, 41, 43 e
48. Embora na época da morte de Nina ele tenha apenas 15
anos, o seu discurso no diário sugere uma pessoa mais
madura.
2. ANA – 10 capítulos: 8, 14, 15, 27, 29, 31, 33, 40, 45 e 47.
narrativa em forma de confissão, primeiramente destinada ao
padre Justino e depois a qualquer interlocutor. Registra em
suas confissões falas que escutara de Nina e Alberto, e entre
Nina e André.
3. VALDO – 9 capítulos: 10 (carta a Nina), 22 (carta a Pe.
Justino); os demais depoimentos: 37, 44, 46, 49, 51, 53, 55.
4. BETTY – 5 capítulos: 4, 9, 12, 23 e 34. escreve um diário. É
um texto mais realista, objetivo e informativo do que os
demais.
5. PADRE JUSTINO – 5 capítulos: 16, 28, 30, 32 e 56. O último
do romance é feito como um pós-escrito de uma carta, em
que o pároco faz alusão à pessoa que tem interesse em
reunir todos os manuscritos sobre a tragédia da Chácara dos
Meneses.
6. NINA – 5 capítulos: (os dois primeiros são cartas
destinadas a Valdo, e os três restantes, cartas destinadas ao
coronel) 2, 6, 18, 19 e 35.
7. FARMACÊUTICO AURÉLIO – 4 capítulos: 3, 7, 11 e 50. Há
no relato deste um dos raros momentos em que se acena pra
aspectos políticos, provavelmente situados nos anos 30.
8. MÉDICO DR. VILAÇA – 4 capítulos: 5, 13, 24 e 42.
9. TIMÓTEO – 2 capítulos: 52 e 54. Narrativa em forma de
diário.
10. CORONEL ABREU GONÇALVES – somente no capítulo
39. Narra em forma de depoimento.
As narrativas
cronológica:
se
reagrupam
em
uma
temporalidade
Do capítulo 2 ao 16 – os episódios centram-se na primeira
temporada de nina em Vila Velha.
Do capítulo 17 ao 37 – há o relato da segunda temporada de
Nina na chácara dos Meneses.
O capítulo 38 – assinala a curta viagem de Nina ao Rio.
O último bloco vai do capítulo 41 ao penúltimo, o de número
55 – ligado à agonia e morte de Nina.
A abolição de linearidade da narrativa propicia a qualquer
acontecimento narrado a possibilidade ser enriquecido por
uma série de outras informações.
Há constantes retornos ao passado e imbricamentos de
ações, de tal maneira que é possível, em um certo ponto da
narrativa, acompanhar os episódios de forma cronológica, já
que a estrutura de conjunto respeita a cronologia.
A narrativa, portanto, se organiza de forma não linear, com
uma estrutura descontínua devida à inserção de relatos em
flashback, que são montados por aqueles que conheceram
superficialmente Nina ou que conviveram intimamente com
ela.
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Crônica da Casa Assassinada - slide