CasoClínico
Interface entre a síndrome de
Chiari e a
sintomatologia facial
BELMIRO CAVALCANTI DO EGITO VASCONCELOS1 | LIVIA MIRELLE BARBOSA2 | JOÃO LUIZ G. C. MONTEIRO2 |
MARIANA VASCONCELOS CRUZ GOUVEIA2 | LUCIANO CRUZ DE BARROS CALDAS2
RESUMO
A Síndrome de Chiari descreve malformações nas quais pode ocorrer uma herniação do
cerebelo ao longo da medula. Os sintomas iniciais podem ocorrer na infância, mas na
maioria dos casos os sintomas aparecem entre os 30 e 50 anos de idade. Os pacientes
podem apresentar cefaleia, cervicalgia, dor em face, atroia das papilas linguais, disfagias, perda sensorial ao longo da distribuição do nervo trigêmeo, nistagmo, além de
paresia em membros inferiores. O objetivo desse trabalho é descrever o caso de uma paciente portadora da síndrome de Chiari tipo I apresentando sintomas faciais. Esse caso
destaca a importância do conhecimento da síndrome, para um diagnóstico diferencial
das patologias orais e maxilofaciais.
Palavras-chave: Malformação de Arnold-Chiari. Dor facial. Nervo trigêmeo.
1
Professor Doutor da disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de
Odontologia de Pernambuco / Universidade de Pernambuco.
2
Residente do serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração
(Recife/PE).
Como citar este artigo: Vasconcelos BCE, Barbosa LM, Monteiro JLGC, Gouveia MVC, Caldas LCB.
Interface entre a síndrome de Chiari e a sintomatologia facial. J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2015
maio-ago;1(2):50-3. DOI: http://dx.doi.org/10.14436/2358-2782.1.2.050-053.oar
Enviado em: 19/11/2014 - Revisado e aceito: 24/04/2015
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros,
que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de
suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.
Endereço para correspondência: Belmiro Cavalcanti do Egito Vasconcelos
Av. General Newton Cavalcanti, 1650 - Tabatinga - Camaragibe / PE - CEP: 54.753-220
E-mail: [email protected]
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J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2015 maio-ago;1(2):50-3
Vasconcelos BCE, Barbosa LM, Monteiro JLGC, Gouveia MVC, Caldas LCB
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente do sexo feminino, com 50 anos de idade,
encaminhada pelo serviço de Neurocirurgia do Hospital da Restauração (Recife/PE) ao ambulatório de Cirurgia Bucomaxilofacial do mesmo hospital, com queixa principal de dor facial há alguns meses. Ao analisar
seu prontuário, veriicou-se tratar de uma portadora da
malformação de Chiari tipo I, com histórico de cirurgia
(craniectomia occipital) no ano de 2000 e em acompanhamento ambulatorial pela equipe de Neurocirurgia.
A paciente negou outras doenças de base ou hábitos
como tabagismo, uso de bebidas alcoólicas, onicofagia
ou apoiar a mão em região auricular
No exame físico, veriicou-se dor à palpação na ATM
direita (Fig. 1) e músculo masseter direito, queixas de hipoacusia, disfagia e cervicalgia, além de dor ao realizar
abertura bucal. A paciente relatou usar ciclobenzaprina (10mg duas vezes ao dia) e baclofeno.
No exame da radiograia panorâmica (Fig. 2), observam-se côndilos mandibulares bem posicionados nas
cavidades glenoides e sem alterações estruturais signiicativas. Observou-se, ainda, dentes presentes com sinais
radiográicos de perda de suporte ósseo e doença periodontal. Não foram observados sinais radiológicos de lesão periapical, e os seios maxilares não demonstraram
presença de processo inlamatório.
A paciente desse relato de caso já havia sido submetida a procedimento neurocirúrgico de craniectomia occipital (Fig. 3), entretanto, continuou com sintomatologia
dolorosa em face. Por isso, a equipe de Neurocirurgia manteve o acompanhamento ambulatorial com a paciente.
INTRODUÇÃO
As malformações de Arnold-Chiari são um grupo de
condições — originalmente descritas em 1891 e 1896,
por Hans Chiari e Julius Arnold — em que há herniação
de estruturas cerebelares, envolvendo ou não o tronco cerebral. Estão subdivididas em cinco tipos1: o tipo zero, no
qual há alteração da heterodinâmica do líquido cefalorraquidiano no nível do forame magno; o tipo I, no qual há
protrusão caudal das tonsilas cerebelares maior que 5mm,
por debaixo do forame magno; o tipo II, onde há herniação caudal por meio do forame magno do vérmis cerebelar, porção inferior do tronco cerebral e quarto ventrículo,
e pode, ainda, ocorrer com múltiplas anomalias de fossa
posterior e cerebrais, associadas com a hérnia; o tipo III,
no qual há encefalocele occipital com parte das anomalias
intracranianas associadas à Chiari do tipo II; e o tipo IV,
onde há hipoplasia grave ou aplasia de cerebelo, associada
à fossa posterior com pequeno tamanho.
A malformação do tipo I se destaca pela gravidade
de seus sintomas. Os sintomas iniciais podem ocorrer na
infância, mas, na maioria dos casos, os sintomas aparecem entre os 30 e 50 anos de idade. É encontrada com
mais frequência em mulheres, acompanhadas de manifestações motoras, sensoriais e autonômicas como cefaleia occipital, atroia muscular e parestesia das extremidades superiores, que se agravam pela lexão, extensão
cervical ou tosse2. Sua prevalência é difícil de deinir, pois
existem muitos casos assintomáticos, o que torna escassa a informação epidemiológica3.
O padrão de hereditariedade é complexo. Parece
existir uma contribuição genética para um considerável
número de casos, provavelmente por subdesenvolvimento do osso occipital e da fossa posterior (segmento mesoblástico do mesoderma para-axial – defeito neuroectodérmico), o que é suportado pela sua coexistência com
doenças mendelianas associadas a anomalias ósseas4.
Os casos adquiridos resultam de trauma, tumores crâniocervicais ou outras lesões cerebrais e medulares cervicais5.
Pacientes com síndrome de Chiari podem apresentar cefaleia, cervicalgia, dor em face, atroia das papilas
linguais, disfagias, perda sensorial ao longo da distribuição do nervo trigêmeo, nistagmo e paresia em membros inferiores6.
O objetivo do presente trabalho é descrever o caso
de uma paciente portadora da síndrome de Chiari tipo I
apresentando sintomas faciais, destacando-se a importância do conhecimento da síndrome para um diagnóstico diferencial com patologias orais e maxilofaciais.
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DISCUSSÃO
A Síndrome de Chiari é uma anomalia congênita
caracterizada pela herniação do cerebelo, ponte e bulbo
para a porção cervical da medula; doenças que envolvem a junção crânio-vertebral podem causar alterações
hidrodinâmicas no interior do crânio, produzindo cefaleia, cervicalgia e dor facial ao longo da distribuição do
nervo trigêmeo7,6.
As dores ao longo da distribuição do nervo trigêmeo
podem estar associadas a mudanças na pressão intracraniana presentes na síndrome de Chiari, e isso afetaria o
trato trigeminal, que corre dorso-lateralemente à medula8. A herniação do cerebelo ao longo da medula talvez interrompa a transmissão nervosa adequada de ibras que
medeiam dor e temperatura, resultando no déicit sensorial presente em portadores da síndrome de Chiari6.
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Peñarrocha et al.9 descreveram um caso de um paciente com dor orofacial, no qual, primeiro, foram pesquisadas causas relacionadas a focos dentários e articulação temporomandibular. Inicialmente, foi realizado
o tratamento endodôntico de um pré-molar superior
esquerdo, pois se achou que esse dente era o causador
das dores faciais. Após três meses, o paciente não relatou melhora no quadro doloroso e reportou ampliação
de sintomatologia dolorosa à região lateral esquerda de
pescoço. Foi realizada uma ressonância magnética da
região de cabeça e pescoço, a qual revelou a herniação
do cerebelo; a paciente foi, então, diagnosticada com
uma malformação de Chiari. Após encaminhamento
ao neurocirurgião, foi realizada a cirurgia para alargamento do forame magno. Dois anos após a cirurgia, a
paciente não mais relatou dores faciais.
Figura 1: Fotografia de perfil da paciente com queixa álgica em região
de ATM direita.
CONCLUSÕES
Por meio do caso aqui apresentado, destaca-se a
importância da realização de um excelente exame físico
em pacientes que apresentam sintomatologia dolorosa
orofacial, com o intuito de se fazer um diagnóstico diferencial com as doenças neurológicas, corroborando a
importância de uma equipe multidisciplinar no tratamento desses pacientes.
Agradecimentos
Agradecemos à toda a equipe que compõe o serviço
ambulatorial de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital
da Restauração (Recife/PE).
Figura 2: Radiografia panorâmica dos maxilares, descartando causas
dentárias ou de seio maxilar.
ABSTRACT
Interface between Chiari Syndrome and orofacial
symptoms
Chiari’s malformation is described as an herniation
of cerebellar structures along the spinal cord. Initial
symptoms may occur in childhood, but in most cases
symptoms appear between 30 and 50 years of age. Patients may present headache, neck pain, facial pain, atrophy of tongue papillae, dysphagia, sensory loss along
the distribution of trigeminal nerve, nystagmus and
paresis of the lower limbs. he aim of this paper was to
report a case of a patient with Chiari’s syndrome presenting orofacial symptoms. his case highlights the
importance of knowledge on the syndrome to perform
a diferential diagnosis with oral and maxillofacial pathologies. Keywords: Arnold-Chiari malformation.
Facial pain. Trigeminal nerve.
Figura 3: Ressonância nuclear magnética em reconstrução tridimensional, mostrando elementos da fossa craniana posterior.
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