Justiça João Vieira de Almeida, Luís Cortes Martins Lisboa, 21 de Setembro de 2006 I. Radiografia da situação actual da Justiça em Portugal PORTUGAL TEM UM ELEVADO NÚMERO DE PROCESSOS A ENTRAR NO SISTEMA JUDICIAL Registando um aumento exponencial nos últimos dois anos Número de casos levados a tribunal, por cada 100.000 habitantes (2002) # 20.000 14.500 15.000 10.000 7.904 6.230 5.000 3.036 0 3.365 3.381 3.567 3.711 4.197 4.255 4.591 6.300 6.732 7.145 6.540 4.770 2004 Aus Rep Che Ale Gre Fra Hol Fonte: European Judicial Systems 2005 (CEPGJ) Esp Fin Din RU Hun Ire Ita Pol Por -3- ACRESCE QUE OS PROCESSOS CÍVEIS E OS PROCESSOS PENAIS TÊM UMA DURAÇÃO EXCESSIVA 35 Duração média das acções em 30 2004 (meses) 32 31 25 25 21 21 20 15 12 11 10 10 Bloqueamento das decisões com acumulação de graves custos para as empresas e cidadãos 5 0 Divórcios/ Separações Outras acções declarativas Inventários Total Acções declarativas Falências/ recuperações empresas Fonte: Ministério da Justiça 2004 Total Justiça Cível Total Acções executivas Total Justiça Penal -4- O RESULTADO É UM AUMENTO DO NÚMERO DE PROCESSOS PENDENTES % do total de processos pendentes Número de processos pendentes (milhões) 2 1,83 2 7 3 2 1 24 Mais de metade das pendências penais dizem respeito a inquéritos • Processos ainda em investigação 66 2/3 das pendências cíveis são acções executivas • Onde já não se discute a existência do direito 1,18 1 1 1 0,64 1 0 0 0 1995 2000 2005 Cível Penal Trabalho Fonte: Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça (www.gplp.mj.pt/estjustica/) Outros -5- MESMO APÓS O RECONHECIMENTO DO DIREITO, 40% DOS PROCESSOS DE COBRANÇA DE DÍVIDA NÃO TÊM EFICÁCIA PRÁTICA Acresce que as acções executivas demoram em média 31 meses Distribuição da 100 eficácia dos 90 processos após reconhecimento 80 do direito (%) 70 39 60 50 42 3 47 11 40 30 58 20 Sensação generalizada de insatisfação e descrédito do sistema judicial em Portugal, com tendência para o agravamento, acrescido de uma demora inaceitável de 31 meses nas acções executivas 10 0 Pagamento Pagamento Pedido Pedido integral integral parcialmente insatisfeito voluntário coercivo satisfeito Fonte: Ministério da Justiça 2002 Total Sem efectivação ou apenas parcial Direitos reintegrados -6- ESTADO DA JUSTIÇA AFECTA TANTO OS CIDADÃOS COMO AS EMPRESAS Sensação generalizada de descrédito... Sensação de impunidade e falta de responsabilização.... ... geram frustração e falta de confiança no sistema judicial ... afectando cidadãos e empresas Cidadãos acabam por dar menor valor ao cumprimento das obrigações Agentes económicos não sentem terreno fértil para investir em segurança -7- II. Principais causas do estado da Justiça PRINCIPAIS CAUSAS DO ESTADO DA JUSTIÇA EM PORTUGAL Demasiados processos a entrarem no sistema... 1 ... têm uma duração excessiva... 3 Factores sociológicos 2 Falta de recurso a vias alternativas de resolução de litígios ... e mesmo após decisão não se assiste à efectivação do Direito 4 5 Insuficiência/má afectação e gestão de recursos técnicos e humanos 6 Falta de eficácia na fase coerciva Processo judicial demasiado burocrático e ineficiente Sistema não valora a eficiência e meritocracia -9- DETALHE DAS CAUSAS DA PROCURA EXCESSIVA 1 Factores sociológicos Falta de 2 recurso a vias alternativas de resolução de litígios • Elevado índice de desvalorização do valor do cumprimento das obrigações potenciado pela situação de crise económica do País • Uso do sistema judicial para atrasar esse cumprimento • Aumento da criminalidade por razões de factores sociais diversos • Maior recurso aos tribunais devido a uma maior consciencialização dos direitos dos cidadãos • Falta de incentivos legais, fiscais e outros para promover a arbitragem e mediação • Falta de visibilidade e prestígio de centros institucionalizados de arbitragem e mediação e ausência de cultura apropriada dos utilizadores e operadores do sistema judicial • Insuficiente auto-regulação (com algumas excepções) - 10 - DETALHE DAS CAUSAS DA INEFICIÊNCIA 3 4 Insuficiência/ má afectação e gestão de recursos técnicos e humanos • Afectação de juízes desajustada ao número de processos - média de processos por juiz no círculo de Lisboa > 4.500, nos círculos da Maia, Oeiras e Porto >3.000, enquanto média do país de cerca de 1.000 • Aumento exponencial do número de processos não foi acompanhado com reforço ou redistribuição dos meios humanos e técnicos - juízes, pessoal administrativo e recursos tecnológicos insuficientes ou mal geridos • Recursos e meios para a investigação criminal insuficientes • Carga burocrática excessiva e rigidez inerente ao funcionalismo público • Deficit de gestão e autonomia de recursos dos tribunais - responsabilidade da gestão financeira dos tribunais é central - juízes têm necessidade de executar trabalho administrativo, desviando-os da sua actividade essencial de julgar Processo judicial demasiado burocratizado e ineficiente • Inexistência de controlo/avaliações intermédias para garantir que os processos sigam o seu rumo cumprindo todos os requisitos formais para a sua decisão efectiva (e não burocrática) • Inexistência prática de obrigação de cumprimento de prazos nas decisões dos tribunais • Carácter burocrático do processo facilita o recurso a expedientes dilatórios • Inexistência de uma cultura de eficiência e pragmatismo Sistema não valora a eficiência e meritocracia • Critérios de promoção e avaliação dos magistrados não promovem eficiência do processo, nem qualidade da decisão - juízes sem incentivos para promover a qualidade do processo e interesse do cidadão (excesso de decisões de carácter formal) - promoções não incentivam esforço ou mérito • Deficit de sancionamento disciplinar nas profissões jurídicas 5 - 11 - DETALHE DAS CAUSAS DA FALTA DE EFECTIVAÇÃO DO DIREITO 6 Falta de eficácia na fase coerciva •Falta de meios para agilizar a acção executiva -tribunais de execução em falta ou insuficientemente preparados •Grande percentagem de crédito incobrável, o que inviabiliza o efeito prático da execução •Sistema jurídico demasiado formal não sanciona devida e atempadamente fenómenos de evasão/incumprimento -falências fraudulentas/uso ilegítimo da personalidade colectiva/outras - 12 - III. Propostas para melhorar o desempenho da Justiça em Portugal PROPOSTAS CONCRETAS DE ACTUAÇÃO 1 2 3 4 5 Motivar a consciência cívica Desjudicializar o sistema Reforçar e reordenar meios Dotar o processo judicial de eficiência e qualidade Descorporativizar as profissões jurídicas - 14 - DETALHE DAS PROPOSTAS CONCRETAS DE ACTUAÇÃO (I) 1 Motivar a consciência cívica Maior investimento em formação humana e cívica • A nível do ensino, nas escolas e universidades • A nível profissional, nas empresas 2 Prosseguir o esforço de desjudicialização, já iniciado pelo Governo, de todos os casos de “litígio de massa”, a serem tratados administrativamente, ou em Tribunais “ad hoc” • Impactando cerca de 30% dos casos dos tribunais • Criar mecanismos e meios que fomentem o recurso à arbitragem e à mediação • Aprovação de uma lei geral de mediação de conflitos e promoção efectiva dessa prática - ainda marginal em Portugal, mas com impacto significativo noutros países resolvendo até 50% dos casos na área comercial que, desta forma, não entrariam nos tribunais • Aperfeiçoamento da actual lei de arbitragem Desjudicializar o sistema Fomentar a criação de instituições privadas de auto-regulação • Replicando modelos existentes noutras áreas empresariais e sectores de actividade Introduzir benefícios fiscais para incentivar indivíduos e empresas • Na prevenção e desjudicialização de litígios • Na contratação de garantias contratuais adequadas (v.g. garantias bancárias isentas de imposto de selo) • No recurso a meios alternativos de resolução de conflitos Sancionar mais severamente o recurso abusivo ao sistema judicial 3 Reforçar e reordenar meios Reafectar os recursos disponíveis através de novo desenho do Mapa Judiciário (medida já anunciada pelo Governo), adequando o número de recursos disponíveis ao número de processos • Contingentação de processos e sua redistribuição em função das cargas de trabalho e disponibilidade dos Tribunais Introdução de gestores profissionais de tribunais responsáveis pela gestão do orçamento, do pessoal administrativo e da qualidade (fluidez e resultados processuais adequados) Reforçar meios para a investigação criminal, por um lado, e para a acção executiva, por outro - 15 - DETALHE DAS PROPOSTAS CONCRETAS DE ACTUAÇÃO (II) Criar um workflow standardizado para todo o processo judicial aplicável, segundo a lei das grandezas, a cerca de 80% dos casos Os restantes 20% correspondentes a casos complexos teriam um regime especial com igual preocupação de eficiência Avaliação Distribuição Avaliação Análise Decisão complexidade de processos performance 4 Entrada do processo Dotar o processo judicial de eficiência e qualidade Processos iniciados por ordem entrada Avaliação progresso QUALIDADE: Gestor responsável pela gestão dos níveis de serviço, do pessoal administrativo e do orçamento • SEM BUROCRACIA: Trabalho administrativo dos juízes eliminado TRANSPARÊNCIA: Sistemas de informação acompanham todo o processo Responsável Pontos críticos Juiz Gestor tribunal/Juiz Juiz/Gestor tribunal Juiz Inspector Processos catalogados por nível de complexidade Avaliação da capacidade das secções consoante o número e complexidade de processos • Flexibilidade, preservando o juiz natural Avaliações de progresso (e não mérito) aleatórias e despoletadas após atraso relativamente ao tempo expectável do processo Decisão com tempo expectável associado a complexidade Avaliação com base no respeito dos níveis de serviço, qualidade da decisão e eficiência do processo do ponto de vista do cidadão Assegurar níveis de serviço ao cidadão para acções mais comuns (v.g. divórcios, despejos, incumprimento de contratos promessa, cobrança de dividas) - 16 - DETALHE DAS PROPOSTAS CONCRETAS DE ACTUAÇÃO (III) 5 Descorporativizar as profissões jurídicas Formação • Promover parte da formação em comum a juízes, magistrados do MP e advogados Acção disciplinar • Tornar eficiente e célere a acção disciplinar em todas as profissões jurídicas, reformando os respectivos órgãos disciplinares Gestão de carreiras • A promoção na carreira das magistraturas deve assentar em critérios claros de mérito e eficiência • Reforço de meios e dignificação das funções de avaliação dos magistrados Organização • Reforço do prestígio dos órgãos de cúpula das magistraturas (CSM e CSMP) sob presidência do Presidente da Republica e com estrutura mais aberta a não magistrados (assegurar maior representatividade da sociedade civil) • Maior abertura da carreira da magistratura a não juízes (à semelhança dos sistemas anglo-saxónicos) • Publicitação das decisões disciplinares e dos processos de promoção dos magistrados de forma a garantir a transparência Transparência • Regulamentação mais detalhada da publicidade na advocacia permitindo conhecer índices apropriados de desempenho e assegurando adequada protecção do consumidor - 17 -