X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS NA EDUCAÇÃO BÀSICA:
UTOPIA OU POSSIBILIDADE?
Ana Maria M. R. Kaleff
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
Resumo: Apresenta-se uma reflexão sobre a pertinência da inclusão de conteúdos
introdutórios às geometrias não-euclidianas na educação básica, a qual pode ser
considerada como uma utopia ou como uma possibilidade. Tal inclusão extrapola o âmbito
da Matemática, alcançando as políticas educacionais orientadoras da escola e da formação
do professor. Com essa reflexão, busca-se repensar o ensino da geometria escolar com
vistas a se levar o aluno, ainda no Ensino Médio, a observar outros conteúdos geométricos
para além dos conhecimentos e paradigmas propostos por Euclides. Apresentam-se
aspectos da história das geometrias e duas diferentes concepções de práticas pedagógicas: a
vigente nas licenciaturas e a proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Abordamse as conseqüências dessas concepções para o ensino das geometrias, euclidiana e nãoeuclidianas. Seguem-se observações sobre a importância das imagens visuais e mentais, e
da utilização de diferentes linguagens para representar conceitos matemáticos em uma
sociedade cada vez mais influenciada pelas mídias visuais. Finaliza-se apresentando
algumas tentativas de inclusão dessas geometrias na escola básica e como elas se
encontram nos livros didáticos do Ensino Médio mais requisitados pelas escolas públicas.
Palavras-chave: Educação Básica, Geometria Euclidiana; Geometrias não-Euclidianas;
Livros didáticos.
INTRODUÇÃO
O objetivo da presente contribuição é apresentar uma reflexão sobre a pertinência
da inclusão de conteúdos das geometrias não-euclidianas na educação básica. Esta reflexão
não se restringe ao âmbito do conhecimento matemático, mas envolve implicações para as
políticas educacionais que orientam tanto a ação docente nas escolas como a orientação
pedagógica subjacente às práticas vigentes na formação do professor de Matemática.
Para essa reflexão, serão consideradas algumas implicações relacionadas a duas
concepções de práticas pedagógicas, a que habitualmente se encontra nos cursos de
licenciatura e outra decorrente de uma proposta governamental para a orientação da ação
do professor na escola básica. Cada uma dessas práticas interfere em como são utilizadas
as figuras no ensino das geometrias, euclidiana e não-euclidianas. Por outro lado,
analisam-se aspectos relacionados ao papel das imagens visuais e mentais na história da
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construção dos conceitos matemáticos. Para efeito de ilustração, são apresentados alguns
modelos de geometrias não-euclidianas possíveis de serem utilizados na escola. Segue-se
uma súmula dos resultados de dois estudos realizados na UFF nos quais se analisou como
se encontram os conteúdos não-euclidianos nos livros recentemente mais solicitados ao
Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE), através do Programa Nacional do
Livro do Ensino Médio (PNLEM).
O SURGIMENTO DAS GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS
Desde a época em que foi elaborado, aproximadamente 300 a.C., até o século XIX,
o método axiomático desenvolvido por Euclides em Os Elementos foi muito bem
considerado entre os filósofos e matemáticos. Não se pode colocar em dúvida que essa
obra representa a contribuição mais importante da Antiguidade para o desenvolvimento das
Ciências, pois a geometria euclidiana (GE) tornou-se a forma de os estudiosos,
interessados em entender a natureza e o meio ambiente, descreverem e apresentarem as
características do nosso universo físico. A GE é considerada como uma janela para o
entendimento do mundo a nossa volta (MLODINOV, 2004). No entanto, o Quinto
Postulado da Geometria Euclidiana sempre foi alvo de críticas, devido a ser uma
afirmação de redação muito elaborada e de difícil interpretação, como aponta a primorosa
tradução de Irineu Bicudo:
E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos interiores e
do mesmo lado menores do que dois retos, sendo prolongadas as duas
retas, ilimitadamente, encontrarem-se no lado no qual estão os menores
do que dois retos (EUCLIDES, 2009).
Muitos estudiosos da História das Ciências e da Matemática consideram que a
forma moderna de raciocínio científico surgiu com a criação das geometrias nãoeuclidianas no início do século XIX, por meio das várias tentativas dos matemáticos de
negar o Quinto Postulado e não mais de tentar demonstrar a sua veracidade como se fosse
um teorema. Esse postulado é encontrado nos livros-textos atuais em uma versão bem
simplificada do século XIX, devida ao matemático e físico John Playfair, a saber: em um
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plano e por um ponto não pertencente a uma determinada reta, passa uma e somente uma
reta paralela à reta considerada.
Os esforços mal sucedidos para provar esse postulado, a partir de outros quatro
originalmente considerados por Euclides, perduraram durante mais de 2000 anos. Na
primeira metade do século XIX, vários matemáticos como Karl Frederich Gauss em 1824,
Nicolai Lobachevsky em 1829, Janos Bolyai em 1832, Georg Bernhard Riemann em 1854
e posteriormente Eugenio Beltrami, Jules-Henri Poincaré e Felix Klein concluíram que a
pretendida demonstração não era possível.
Foram esses estudiosos que nos permitem, nos dias de hoje, olhar para além da
janela aberta pelos conhecimentos e paradigmas propostos por Euclides, pois a negação do
Quinto Postulado teve como conseqüência a descoberta da geometria hiperbólica (em
cujos modelos existem mais de uma paralela a uma determinada reta) e da geometria
elíptica (na qual não existem retas paralelas), e o surgimento de uma variedade de sistemas
axiomáticos dedutivos alternativos ao euclidiano, conhecidos como geometrias nãoeuclidianas (GNE). Essa descoberta representa um marco histórico no desenvolvimento
das Ciências, pois é, “nada menos que uma revolução na geometria. Com o passar do
tempo foi provado que os efeitos da descoberta não foram menos profundos em outros
ramos da matemática, da física e da filosofia” (GANS, 1973, p. 4).
Foi através das novas geometrias que os cientistas iniciaram a busca por explicar o
mundo físico dos nossos dias, por meio de ferramentas teóricas modernas ligadas à Teoria
da Relatividade. Essa grande abertura científica e filosófica, trazida pelo surgimento das
GNE às idéias euclidianas e às de Newton relacionadas à Física, que fez com que os
conceitos anteriores ao século XIX fossem considerados insuficientes para a representação
dos fenômenos físicos. Embora, até então, o conhecimento descrevesse as regularidades do
meio ambiente, os antigos conceitos geométricos não descreviam tão bem as formas
fragmentadas e irregulares, como aquelas normalmente encontradas na natureza.
Foi a partir da descoberta das novas teorias geométricas que os meios científicos
buscaram entender a geometria do universo e suas medidas, tentando decifrar os enigmas
das formas microscópicas às macroscópicas, para entender melhor as leis que regem o
Universo e o Cosmo, a aleatoriedade e o Caos (PENROSE, 1996).
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Por outro lado, no final do século XIX, também se tornaram conhecidos alguns
sistemas axiomáticos interessantes, criados a partir de conjuntos finitos e com poucos
elementos arbitrários. Os modelos desses sistemas negam o Segundo Postulado de
Euclides, o qual solicita que se considere poder sempre “também prolongar uma reta
limitada, continuamente, sobre uma reta” (EUCLIDES, 2009). Em alguns desses modelos,
os agrupamentos com exatamente três elementos distintos são tratados como retas ou
linhas, cujas relações são estabelecidas por meio de poucos axiomas, que negam esse
postulado, ou seja, não permitem que sempre se trace uma linha reta continua, na direção de
si mesma, até onde se queira. Esse tipo particular de constituição teórica possui as
características do que se conhece nos dias de hoje como sistema axiomático de geometria
finita. Ainda em 1898, Gino Fano, estabeleceu um modelo dessas geometrias com 7 pontos
e um outro, surgido em 1906, é devido ao matemático John. W. Young. O estudo desses
sistemas finitos é fundamental para a Matemática Discreta, Análise Combinatória,
Estatística e Teoria dos Grafos, e são importantes para os dias atuais, pois, por exemplo,
permitem o estabelecimento de logísticas na engenharia de transportes, tanto em situações
relacionadas ao controle do curso de aviões como no estabelecimento de linhas de metrôs,
ruas e avenidas nos grandes centros urbanos.
Após as descobertas iniciais, passaram-se muitos anos, para que outros conceitos
surgissem e permitissem descrever melhor ainda os objetos de nossa realidade, ou seja,
aqueles objetos naturais com formas repetitivas irregulares, tortuosas ou salientes. Em
meados do século XX, o matemático Benoit Mandelbrot (1924 - ) inventou o conceito
denominado fractal. Este termo vem de duas palavras latinas fractus e frangere que
significam quebrar e partido, e refere-se às características naturais dos objetos que
parecem fragmentados, irregulares e partidos, cuja dimensão pode ser expressa por um
número não inteiro, fugindo da noção de duas e três dimensões referentes aos objetos do
plano e do espaço euclidianos. Desde então, aquela geometria que trata mais propriamente
dos objetos naturais é denominada geometria fractal e vem se consolidando como nova
área da Matemática devido ao desenvolvimento dos computadores e de novas teorias
advindas da Física, Biologia, Astronomia e outras Ciências.
Resumidamente, o surgimento das novas geometrias trouxe à luz uma importante
característica da própria Matemática que até o século XIX era pouco percebida, ou seja, a
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de que Matemática é um sistema de conhecimentos construídos através da história, sujeito
a
reformulações
e
transformações,
cujas
afirmações,
frente
a
determinados
questionamentos, geram revisões de seus próprios conceitos, acarretando novas teorias
matemáticas. Em sua origem, foram os processos de negação do Quinto Postulado
euclidiano que deram origem à criação de novas teorias matemáticas e ao grande
desenvolvimento da Matemática do século XX e do atual.
O SURGIMENTO DE UMA UTOPIA NO ENSINO E DE UM QUESTIONAMENTO
Pode-se dizer que, a partir do momento histórico da criação das GNE, também
surgiu uma maneira inovadora de se criar conhecimentos científicos, qual seja, a de se
desenvolver um novo conhecimento a partir da negação de outro previamente instituído.
Seria utopia, no entanto, afirmar que nos cursos de formação de professores de
Matemática, o momento histórico da criação das GNE tem sido tratado pedagogicamente
com a atenção que merece, dando-se oportunidade ao licenciando para que observe e
pratique esta forma de se conceber e instituir uma nova teoria matemática e, também, de
analisar as implicações teóricas envolvidas.
Cabe lembrar que, desde os anos 90, existem estudos internacionais que ressaltam
explicitamente a importância de se considerar, no ensino, a inclusão de outras geometrias
além da GE. Portanto, há mais de uma década, existem propostas que buscam,
sensibilizar colegas das universidades para um fato, considerado
essencial e necessário, tanto à pesquisa matemática, quanto para o
ensino: o de um conhecimento profundo e critico da geometria
elementar, incluindo o reconhecimento da importância do papel da
habilidade da visualização, os fundamentos das geometrias não–
euclidianas, bem como suas aplicações, seus aspectos epistemológicos,
históricos e didáticos (MAMMANA e VILLANI, 1998, p.326. Tradução
livre da autora).
Tudo indica que, no Brasil, a grande maioria dos cursos de licenciatura, além de
passarem ao largo de um bom ensino de GE e da habilidade da visualização, muito menos
levam em conta procedimentos didáticos que permitem ao futuro professor analisar e
comparar sistemas axiomáticos diversos, com outras regras e interpretações. Ou seja,
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práticas que levem o licenciando para além dos postulados e paradigmas gráficos
euclidianos. Isso tudo, portanto, leva a uma pergunta muito importante:
 Estariam os professores de Matemática aptos a levarem outras geometrias para
suas salas de aula?
Dentre as muitas evidências do pouco preparo dos professores para o ensino das
novas geometrias, encontram-se as advindas de uma pesquisa realizada pela autora do
presente artigo envolvendo um questionário sobre a formação e os conhecimentos
geométricos desses profissionais. Essa pesquisa envolveu 53 professores do ensino básico,
com experiência profissional média de cerca de 10 anos. No questionário, em que se usou
o termo axioma em substituição ao de postulado, como habitualmente se encontra nos
livros-didáticos atuais, observou-se que aproximadamente 7% dos participantes afirmaram
“não saber o que seja o plano euclidiano”. Cerca de 18% admitiram “desconhecer os
axiomas relativos a este plano”, enquanto 20% afirmaram “ignorar o que seja o quinto
axioma de Euclides”. Ainda observou-se que aproximadamente 34% declararam “não
saber o que sejam geometrias não-euclidianas” ou que “desconhecem outra geometria
além da euclidiana”, enquanto que pouco mais da metade dos participantes afirmaram
“não ter estudado geometrias não-euclidianas no respectivo curso de graduação”
(KALEFF, 2007).
Como se apresenta a seguir, esse desconhecimento das geometrias vem ter ampla
influência na prática do professor de Matemática.
AS GEOMETRIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Inicialmente, cabe lembrar que, nos cursos de formação de professores, na
introdução aos modelos mais elementares de GNE, geralmente adotam-se procedimentos
pertinentes a uma concepção de prática de ensino considerada como formalista. Nestes
casos, geralmente o aluno da licenciatura é introduzido em sistemas axiomáticos como um
conjunto formado por regras e axiomas, cujos elementos e termos geométricos não
possuem o significado euclidiano conhecido desde os gregos, ou seja, não apresentam os
paradigmas visuais gráficos euclidianos. As regras e axiomas apresentam termos e palavras
que a priori não pressupõem qualquer significado e os procedimentos lógicos arrolados nas
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atividades são os de prova e demonstração de teoremas, os quais não incluem o uso de
figuras.
Em alguns destes casos, a palavra reta refere-se a conjuntos quaisquer de pontos,
podendo até ser finitos. A palavra ponto se refere a elementos quaisquer (LOPES, 1962;
CASTRUCCI, 1978; BARBOSA, 1995). Deste modo, conforme cada interpretação
considerada para o sistema axiomático, esses termos não assumem mais os significados
euclidianos habituais, como, por exemplo, o de reta infinita (de número de pontos e
comprimento infinitos). Por outro lado, também é pressuposto que o licenciando domine as
técnicas de inferência relacionadas ao raciocínio lógico e aos procedimentos de
demonstração. Nestes procedimentos, não se deve levar em conta as imagens obtidas por
meio da visão e advindas da observação de representações gráficas, sendo somente
admissível a utilização de técnicas relativas a procedimentos inferenciais próprios
expressos e uma linguagem discursiva (o português, no Brasil, ou uma linguagem
simbólica). Nesses casos, retas paralelas não devem ser interpretadas como eqüidistantes,
mas sim, como um conjunto de pontos que não se interceptam.
Cabe lembrar ainda que, essa maneira formalista de se proceder nos cursos de
Matemática tem origem no Movimento Matemática Moderna, o qual, no final da década de
1950, veio alijar a percepção visual do processo educacional preconizando que deveriam
ser privilegiadas características do raciocínio lógico-dedutivo, ligadas às linguagens
simbólicas. Até antes dessa época, a GE era ensinada nas escolas de maneira dedutiva e a
partir dos 13 anos, dando-se prioridade às deduções e provas. Porém o desenho geométrico
também era intensamente trabalhado, pois compunha boa parte da grade curricular.
Por outro lado, nas duas últimas décadas, observa-se uma retomada da utilização de
desenhos e figuras nas salas de aula. Isto é, registra-se um retorno a uma concepção escolar
imagística, que adota a observação de figuras no desenvolvimento do raciocínio
matemático do aluno. Fato esse, cada vez mais acentuado pela aplicação dos recursos
advindos da informática, pois hoje, não se pode negar, vive-se em uma sociedade
predominantemente visual. No Brasil, essa abordagem imagística seria decorrente dos
princípios norteadores sobre os quais se fundamentam os Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN (BRASIL, 1998) para o ensino fundamental, os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 2000) e o conjunto de sugestões de
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práticas
educativas
complementares
denominado
Orientações
Educacionais
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio - PCN+
(BRASIL, 2002). Esses documentos resgatam o papel das imagens no ensino da
Matemática, portanto, da importância dos desenhos, figuras e gráficos na formação do
conhecimento do aluno.
Essas duas maneiras de conceber o uso das imagens gráficas advindas das
tendências formalista e imagística não são inócuas, tanto no âmbito da formação dos
professores como no da escola, e trazem amplas conseqüências para a política educacional.
Essas se refletem na elaboração dos currículos e dos livros didáticos, no desempenho do
professor na sala de aula e no desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. No que se
segue, apresenta-se uma reflexão sobre as conseqüências dessas práticas no que concerne
às GNE.
ABERTURAS PARA SE IR ALÉM DA JANELA DE EUCLIDES
A ênfase na retomada do papel das imagens para a organização dos currículos se
apresenta nos Parâmetros, principalmente nos PCN+. Nesses, a geometria é tratada como
um tema cujo papel estruturante pode levar o aluno do Ensino Médio a olhar para além da
janela de Euclides, ou seja, a poder desenvolver habilidades relativas a medidas e
grandezas, permitindo-o a avançar na percepção do processo histórico de construção do
conhecimento matemático para além do euclidiano. Segundo essas orientações, é
“[...] especialmente adequado mostrar diferentes modelos
explicativos do espaço e suas formas numa visão sistematizada da
geometria com linguagens e raciocínios diferentes daqueles
aprendidos no ensino fundamental com a geometria clássica
euclidiana “(BRASIL, 2002, p. 125).
Ainda, segundo os PCN+, ao aluno deve ser dada a oportunidade de perceber como
a ciência Matemática valida e apresenta seus conhecimentos, bem como ela auxilia no
desenvolvimento do pensamento lógico-dedutivo e no entendimento de aspectos mais
estruturados da linguagem simbólica matemática. Essa maneira de orientar a aprendizagem
não visa à memorização de um conjunto de postulados e de demonstrações, mas busca
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levar o aluno a perceber representações matemáticas diferentes para um mesmo conceito,
bem como a entender que uma afirmação matemática é considerada verdadeira por ser o
resultado de uma dedução lógica. Esta, se apresentando na forma de um encadeamento
lógico e como consequência de outras proposições provadas previamente a partir de um
conjunto de afirmações (postulados ou axiomas), aceitas como verdadeiras.
De forma bem direta e objetiva, em um documento regional, as Diretrizes
Curriculares da Educação Básica - Matemática - do Estado do Paraná apontam que nos
ensinos fundamental e médio, “[...] o conteúdo estruturante geometrias se desdobra nos
seguintes conteúdos: Geometria Plana; Geometria Espacial; Geometria Analítica, e
noções básicas de Geometria não-euclidiana.” (PARANÁ, 2008, p.55). Particularmente,
em relação ao Ensino Médio, destacam que os estudos das noções de geometrias nãoeuclidianas devem ir além daqueles modelos cuja origem deve-se à negação direta do
Quinto Postulado. Consideram que além das geometrias hiperbólica e elíptica, a geometria
dos fractais deve também ser abordada, pois esta abre oportunidade para a exploração do
floco de neve e da curva de Koch; do triângulo e do tapete de Sierpinski, conduzindo o
aluno a refletir e observar o senso estético presente nessas entidades geométricas,
estendendo-o para as suas propriedades.
Pelo exposto e enfatizado pelos documentos citados, é desejável que na educação
básica o aluno seja confrontado com uma quebra de paradigmas para além da pura
memorização, por meio do reconhecimento da importância das figuras, bem como do
entendimento de outras linguagens gráficas e de uma introdução ao raciocínio lógicodedutivo não-euclidiano. Portanto, é desejável que se apresente a concepção imagística na
sala de aula acompanhada de procedimentos que levem ao desenvolvimento de recursos
por meio de inferências lógicas. Essa intenção vem valorizar a diversidade no tratamento
do conhecimento geométrico na escola e abrir portas para a inclusão de modelos
introdutórios às geometrias não-euclidianas, indo-se para além do vislumbrado através da
janela de Euclides.
O PODER DAS IMAGENS E A QUEBRA DE PARADIGMAS
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Antes de se exemplificar modelos introdutórios às GNE, é preciso ser enfatizado
que, na história das geometrias, foram registradas grandes dificuldades quando os
estudiosos tentaram passar das concepções euclidianas para as abstrações não-euclidianas,
pois as imagens visuais, percebidas do mundo real, sempre influenciaram a representação
dos conceitos geométricos. Essa influência perdurou durante mais de 2000 anos, até o
surgimento dos modelos axiomáticos das GNE. Estes modelos foram os primeiros
conjuntos de regras matemáticas passíveis de interpretações e representações gráficas, na
forma de desenhos, que não correspondiam ao esperado pela percepção visual. Portanto,
modelos que fogem ao conhecimento gerado pelo senso comum.
A importância de se trabalhar as GNE, até mesmo na escola e, principalmente, no
âmbito da licenciatura, reside no fato dessas teorias possibilitarem a quebra de paradigmas
e padrões visuais, trazendo o visualmente inesperado para a sala de aula e a oportunidade
de criação de novas imagens e conceitos. Ou seja, de possibilitar trazer padrões de
desenhos e relacioná-los a expressões e palavras com outros significados além dos
euclidianos, unindo-se aspectos geométricos aparentemente antagônicos, quando
apresentados em diferentes linguagens e em outros registros gráficos de representação.
Quem não se lembra da imagem de uma reta linear, continua e paralela ao plano do
chão, quando ouve o termo reta? Quem não imagina dois segmentos retilíneos
eqüidistantes quando ouve a expressão retas paralelas? Como mostra a pesquisa realizada
na UFF, imagens como essas surgem e impregnam a nossa mente de maneira espontânea.
Interferir e quebrar com tais procedimentos mentais, tão poderosos e comuns a todos, se
apresenta como um árduo trabalho para a escola...
Se for considerado o comportamento do professor, a inclusão dos novos
conhecimentos geométricos na escola pode não se realizar, pois, até mesmo no âmbito da
formação continuada, se apresenta uma ampla variedade de dificuldades ligadas a essas
imagens, ao uso da linguagem e à resolução de problemas introdutórios às GNE, as quais
se refletem no desempenho profissional, como constatado nas porcentagens apresentadas
anteriormente, advindas da pesquisa realizada pela autora (KALEFF, 2007).
No que se segue, apresentam-se alguns modelos de GNE que tanto podem ser
introduzidos no ensino básico como vir a ajudar o professor a transformar os seus próprios
conhecimentos. Esses modelos visam a preparar o profissional para melhor entender como
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o aluno pode ter o comportamento geométrico influenciado por essas imagens na criação
de novos conceitos e nos estudos futuros mais avançados em Matemática.
MODELOS DE GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS: POSSIBILIDADES
Existe uma variedade de exemplos de modelos de GNE que permitem ao
licenciando e ao professor observar situações introdutórias e a complementaridade entre
aspectos ligados a ambas as concepções didáticas, imagística e formalista. Por exemplo,
em alguns desses modelos podem ser vistos até mesmo desenhos de circunferências que
são denominadas retas, ou mesmo traços, na forma de segmentos lineares retilíneos finitos,
que apesar de não conservarem a mesma distância são denominados retas paralelas.
Muitos exemplos interessantes de representações de retas com aparência visual inesperada
podem ser encontrados na literatura. Entre os modelos introdutórios mais sugestivos estão
alguns de geometrias hiperbólicas: o circulo cujas retas são cordas, criado por Klein; o do
circulo cujas retas são circunferências ortogonais e o do semiplano superior, ambos
criados por Poincaré. Neste último, as retas são ou semicircunferências com centro em um
ponto da reta que determina o semiplano, ou semiretas com origem nela e perpendiculares
à ela (FRANCO DE OLIVEIRA, 1995; KALEFF, 2005).
Figura 1 Exemplos de retas no modelo de Klein e nos de Poincaré.
Entre os sistemas possíveis de serem levados para a escola, cabe lembrar outra
geometria, criada com fins didáticos e designada em inglês por Taxicab Geometry. Em
língua portuguesa, designada por Geometria do Motorista do Táxi, Pombalina, do Taxista,
ou ainda do Táxi, a qual tem por base teórica a adaptação de uma métrica particular e
pertencente a uma família de espaços métricos criados pelo matemático Hermann
Minkowski, ainda no século XIX.
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São vários os motivos que levam os educadores matemáticos a proporem o ensino
da Geometria do Táxi (GT) nas escolas. Nessa direção, ela pode ser apresentada com a
intenção de se integrar a Matemática ao cotidiano do aluno e para a formação do cidadão,
pois se apresenta em todos os lugares, não podendo, portanto, deixar de ser encontrada no
espaço das salas de aula e até das ruas. Assim sendo, a GT modela mais fielmente uma
geografia urbana do que a própria GE.
Na GT, se calcula a distância entre dois pontos por meio da soma de dois valores
numéricos absolutos, isto é, medindo-se o comprimento dos menores caminhos percorridos
- em trechos horizontais e verticais, considerados segundo um determinado referencial respeitados os limites físicos das construções, estabelecidos por meio de ruas, paralelas ou
perpendiculares entre si. Por outro lado, na GE, considera-se a distância (euclidiana) entre
dois pontos como sendo o comprimento do segmento de reta que os une, obtida, portanto,
com o auxilio do Teorema de Pitágoras.
Embora a GT pouco difira conceitualmente da GE, pois o faz apenas pela
modificação da definição de distância, esse pequeno detalhe matemático, apresenta uma
grande diferença, quando observado do ponto de vista da concepção imagística para a sala
de aula. Ou seja, as diferenças dos traçados gráficos das figuras, em ambas as geometrias,
permitem ao aluno observar variações das formas e tamanhos entre os desenhos
padronizados da GE e aqueles das novas figuras na GT. Essas variações de traçados dos
desenhos podem ser percebidas até mesmo por jovens adolescentes. Por exemplo, o
conceito circunferência, ainda que apresente uma mesma definição nas duas geometrias,
permite duas formas de traçado. Na GE, como curva padrão e redondinha e, outra, na GT,
como um quadrado.
A GT permite ainda se chegar à negação de um dos axiomas euclidianos de
congruência, o conhecido como LAL, tal seja: Se dois triângulos ABC e DEF têm lado,
ângulo e lado consecutivos respectivamente congruentes, então estes dois triângulos são
congruentes.
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E
C
F
D
B
A
<A = <D = 90°
Segmentos
Distância do Táxi
AB
dT (A,B)
dT = 4
BC
dT (B,C) = 8
AC
dT (A,C) = 4
DE
dT (D,E) = 4
EF
dT (E,F) = 4
DF
dT (D,F) = 4
Figura 2 Exemplo de duas figuras na GT que negam o axioma LAL.
Cabe lembrar como essa peculiar GT está ligada a algumas experiências brasileiras
já realizadas para o ensino das GNE, desde a última série do ensino fundamental até o
curso superior. Ela é tratada por Kaleff e Nascimento (2004), que, de uma maneira muito
concreta, mostram que a GT pode ser modelada por meio de uma maquete de um bairro.
Por sua vez, Fossa (2003) e Noronha (2006) apresentam extensas coleções de atividades
para a sala de aula envolvendo o traçado de uma cidade e o desenho de redes. Uma rede
quadriculada dá origem à chamada geometria urbana e uma rede isométrica à geometria
isoperimétrica. Com base em uma pesquisa bem fundamentada na experimentação, com
vistas à construção do entendimento dos conceitos de circunferência e elipse a partir da
intuição, Noronha apresenta uma proposta de ensino para o 4° ciclo do ensino fundamental
baseada na modelagem matemática dessas duas geometrias e na resolução de problemas.
Existem outras GNE que têm sido pesquisadas com vistas ao ensino. É o caso da
geometria da esfera, com sua interdisciplinaridade intrínseca à geografia, cuja aplicação ao
ensino fundamental é proposta por Martos (2002), em estudo baseado em uma experiência
envolvendo também turmas da 9ª série. Neste estudo, o uso de vários materiais
manipuláveis possibilita modelar a reta na forma de um círculo máximo, bem como
comparar distâncias e medidas de ângulos na GE e na geometria esférica. Para tanto,
Martos utiliza uma esfera de Lénárt (LÉNÁRT, 1996).
As experiências relatadas mostram que existem caminhos para que outros sistemas
geométricos além do euclidiano possam ser introduzidos até mesmo nas escolas de ensino
básico. Tal possibilidade, no entanto, está vinculada ao livro didático, ou seja, à principal
ferramenta utilizada na sala de aula pelos professores desse nível escolar. Dessa forma,
uma nova pergunta se coloca:

Como os livros didáticos tratam as GNE?
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Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
AS GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS NOS LIVROS DIDÁTICOS
Os modelos finitos de Young e Fano podem ser encontrados principalmente entre
os autores brasileiros pioneiros dos tratamentos axiomáticos que modificam os axiomas
euclidianos, como os já mencionados Lopes, Castrucci e Barbosa; no entanto, isso não
acontece nos livros para o Ensino Médio. É preciso ser ressaltado que, em Portugal, as
geometrias finitas apareceram nos livros didáticos para esse nível de ensino já no final da
década de 1990 (JORGE et al, 1999).
Por outro lado, a tão instigante GT já foi introduzida no Brasil por Antônio J. L.
Bigode, com o nome de geometria do taxista, em livro didático para a antiga 8ª série, atual
9º ano do Ensino Fundamental (BIGODE, 2002). No entanto, em relação aos livros
didáticos para o Ensino Médio recentemente mais solicitados ao PNLEM pelas escolas
públicas, isso ainda não acontece, como foi observado em dois estudos realizados na UFF.
Nesses, analisaram-se as três coleções de livros didáticos mais pedidas pelos professores
em 2006 e 2008.
Entre as coleções escolhidas em 2006, foram analisadas as duas primeiras:
Matemática Aula por Aula (BARRETO FILHO & SILVA, 2003) e Matemática (DANTE,
2004). Entre as mais solicitadas em 2008, foi analisada a terceira Matemática (DANTE,
2008), a qual apresenta os conteúdos das três séries do Ensino Médio em um único
volume. Os resultados dessas análises estão resumidos em Kaleff e Franca (2008) e em
Kaleff e Morett (2010), respectivamente.
Nos volumes 1 e 2 da coleção Matemática Aula por Aula, foi verificada a presença
de uma mesma citação relativamente a retas paralelas, na qual os autores fazem menção à
existência das GNE e da sua importância no desenvolvimento da Matemática, nos textos
introdutórios aos capítulos Progressões e Retomando Progressões, respectivamente. O
segundo volume se encerra com outra citação, no contexto de A geometria no mundo
científico. A narrativa dessa citação é muito semelhante à anterior e também trata somente
do aparecimento histórico das GNE. O livro faz menção a uma reportagem da revista
Superinteressante que considera os fractais como A matemática do delírio.
Na segunda coleção Matemática, foram encontradas quinze citações referentes às
retas paralelas e uma às GNE. Em relação a essas geometrias, a coleção apresenta, sem
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muito destaque, e em uma seção destinada à leitura complementar, um resumo histórico
sobre a GE e o surgimento das GNE. O texto considera o Quinto Postulado como vigamestra da geometria euclidiana, explicando ainda que foi a partir da desconsideração
desse postulado que surgiram os novos sistemas geométricos não-euclidianos. Embora o
livro reconheça o surgimento dessas outras geometrias como determinante para o avanço
das ciências, essa coleção também não traz nenhuma atividade didática que permita ao
aluno vivenciar alguma noção não-euclidiana. Isso poderia ser realizado, por exemplo, no
primeiro volume, no capítulo Funções, no qual é proposto um exercício que trata de
coordenadas geográficas e faz referência à superfície e ao globo terrestre. No entanto, nem
a geometria esférica e nem as suas retas, na forma de circunferências máximas, são
tratadas, ainda que sejam utilizados termos geométricos como o de paralelos geográficos.
Por sua vez, o mesmo autor da coleção anterior, na versão editada em volume único
para 2008, apresenta postura semelhante, exibindo somente uma referência histórica sobre
o surgimento das GNE. Nesse volume não há menção aos fractais.
Dos estudos realizados, pode-se afirmar que os livros didáticos apresentam uma
louvável preocupação em seguir as orientações dos PCN, PCNEM e PCN+, quando se
referem às GNE em citações históricas motivadoras para o desenvolvimento de outros
conteúdos matemáticos ou em exercícios de aplicação. Embora os livros não tenham a
preocupação em introduzir conteúdos de outras geometrias além da GE. Pode-se afirmar
que lamentavelmente os autores não se preocupam em explorar desenhos que chamem a
atenção do aluno para a existência de outras representações gráficas, o que viria a
potencializar a quebra dos padrões e paradigmas visuais euclidianos. Tudo indica que, no
caso das GNE, os autores de livros didáticos muito contribuiriam se viessem a repensar e
reconsiderar como apresentam os novos conteúdos geométricos.
Com base nas pesquisas aqui relatadas, acredita-se que os livros deveriam
considerar as dificuldades relacionadas às representações euclidianas, bem como as
diversas formas gráficas pelas quais os novos conteúdos geométricos não-euclidianos
podem ser representados. Tal exercício não se constitui em mais um revisitar de noções e
partes lógicas constitutivas da Matemática, independentes das representações e linguagens,
mas, requer também a consideração daquelas dimensões advindas das relações entre o
ensino e a aprendizagem. Pelo apresentado, as concepções imagística e formalista,
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consideradas por alguns meios acadêmicos como antagônicas, poderiam ser tomadas como
complementares quando se tratam das práticas pedagógicas que visam a levar o professor e
o aluno para além das concepções geométricas euclidianas elementares.
Resumidamente, para se ir além da utopia e se ter a possibilidade de introduzir as
GNE na escola básica, é necessário que sejam consideradas as pesquisas realizadas pelos
educadores matemáticos que vêm tratando das maneiras de se apresentar conteúdos
geométricos a crianças e adultos. É necessária a cooperação de todos, não só no nível da
formação do professor, mas também no dos autores dos livros didáticos para que os
professores e alunos possam entender e ultrapassar as dificuldades inerentes ao processo de
aprendizagem, para que se possa vir a ter a possibilidade de enxergar para além dos
padrões euclidianos e da janela aberta por Euclides.
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