UM OLHAR INVESTIGATIVO SOBRE A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA
NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS.
LUGLE, Andreia Maria Cavaminami – UEL
[email protected]
AGUIAR, Beatriz Carmo Lima de – UEL
[email protected]
Eixo temático: Formação de professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho tem como objetivo investigar e analisar a concepção de infância dos docentes
regentes do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos e as experiências infantis que
são oportunizadas nestas turmas. Partimos da seguinte problemática: Qual a concepção de
infância dos docentes regentes do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos? Como
está sendo a experiência da infância nestas turmas? A proposta teve origem a partir do GEPEI
(grupo de estudos de Pesquisa em Educação e Infância). Motivadas pelos estudos sobre a
implantação do Ensino Fundamental de nove anos, nos propomos a investigar junto aos
docentes a temática subsidiando assim a compreensão sobre quem é esta criança que está
sendo inserida nesse contexto. Iniciamos a coleta de dados através de um questionário semiaberto, junto a cinco professores de duas escolas públicas e três professores que atuam em
duas escolas da rede privada, sendo as instituições localizadas no município de CambéParaná. As questões foram analisadas à luz da teoria e serão o eixo norteador para a segunda
etapa da pesquisa, uma observação in-locus. Ressaltamos que este trabalho está em
andamento, com análises preliminares. Com os dados já obtidos podemos constatar que há
ainda um longo caminho a percorrer nos estudos sobre a temática apresentada, e sobretudo,
precisamos respeitar a singularidade da infância no âmbito escolar.
Palavras-chave: Infância. Docência. Ensino Fundamental de nove anos.
Introdução
Desde a aprovação da Lei n°11.274/2006 que retrata a inclusão da criança com seis
anos de idade no ensino fundamental, muito se tem discutido sobre o assunto em questão.
Professores, pedagogos e demais profissionais da educação procuram sociabilizar
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informações e conhecimentos a respeito da inclusão da criança de seis anos de idade nesta
nova modalidade.
Em janeiro do presente ano, tivemos a oportunidade de dialogar com estudantes,
docentes e pedagogos da rede municipal e privada sobre as orientações pedagógicas do
Ensino Fundamental de Nove anos. Muitas indagações, angústias e desejo de desenvolver um
trabalho pedagógico condizente com a proposta da nova lei permearam as discussões destes
encontros.
Entre tantas discussões e indagações, percebemos que poderíamos colaborar com a
formação de professores neste novo processo de ensino. A idéia desta pesquisa surgiu no
GEPEI (Grupo De Estudos De Estudos e Pesquisa em Educação e Infância) por meio das
discussões sobre a infância e a infantilização do trabalho docente. Neste contexto, nos
propomos a investigar a concepção de infância dos docentes regentes do primeiro ano do
Ensino Fundamental de nove anos e as experiências da infância que são oportunizadas nestas
turmas.
Elaboramos como metodologia de trabalho uma pesquisa qualitativa utilizando como
um dos instrumentos a aplicação de um questionário semi-aberto com questões que permitam
ao educador refletir sobre a sua concepção de infância e qual o seu olhar sobre a presença da
infância no âmbito escolar. Escolhemos como sujeitos co-participantes deste processo cinco
professores da rede municipal e três professores da escola privada da cidade de CambéParaná. Acreditamos que com estes dados, discutidos teoricamente, teremos um suporte para
a segunda etapa da pesquisa.
A segunda etapa desta pesquisa será realizada no segundo semestre de 2009.
Consistirá em um contato mais próximo com os professores e a sala de aula, durante três dias
de observação.
O referencial teórico e a análise dos dados têm como referência autores como Arroyo
(2004), Benjamin (2002), Friedmann (2005), Postman (1999), Rousseau (1968) dentre outros
e os documentos disponíveis pelo Ministério da Educação sobre o Ensino Fundamental de
nove anos. No primeiro momento realizamos um breve relato sobre a implantação do Ensino
Fundamental de Nove Anos e algumas orientações pedagógicas que permeiam o novo ensino
e posteriormente construímos um “Olhar reflexivo sobre a Infância”. Esta primeira discussão
acerca do questionário aplicado aos docentes regentes do primeiro ano foi muito importante,
6440
pois possibilitou-nos uma visão sobre a concepção de infância deste docente que foi nomeado
para reger a turma do primeiro ano.
Ensino Fundamental De Nove Anos: Novas Perspectivas E Novos Olhares
Muito se tem discutido sobre o Ensino Fundamental de nove anos: polêmicas, dúvidas,
incertezas, regram a atuação docente do professor dos anos iniciais deste novo ensino.
A implantação da Lei n° 11.274/2006 instituiu o Ensino Fundamental de nove anos
com a inclusão da criança com seis anos de idade. Desta forma o Ensino Fundamental será
organizado em 2 etapas: cinco anos iniciais (faixa etária de 6 a 10 anos) e 4 anos finais (faixa
etária de 11 a 14 anos) (BRASIL, 2006).
Esta nova lei tem como objetivos: “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem
no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de
ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade”
(BRASIL,2004, p.14).
De acordo com o documento “Ensino Fundamental de Nove anos: Orientações
pedagógicas para a inclusão da criança de seis anos de idade” (BRASIL, 2006), a inclusão da
criança com seis anos de idade beneficiará, em especial, a criança pertencente à classe
popular.
A idéia é possibilitar a esta criança o ensino obrigatório aos seis anos de idade,
retirando-a das ruas ou de outros afazeres que não condizem com sua responsabilidade. E
mais, ingressando mais cedo no sistema de ensino a criança terá a oportunidade de
desenvolver e trabalhar alguns pré-requisitos necessários e importantes para a construção do
conhecimento futuro. Pesquisas apontam que alunos que ingressaram antes dos sete anos em
instituições escolares apresentaram maiores resultados e prosseguiram nos estudos (BRASIL,
2006).
Isso significa que o ingresso desta criança no ensino fundamental não é uma medida
meramente administrativa – como alerta Brasil (2004) - torna-se necessário um estudo e um
(re)planejar das ações institucionais, de todos os envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem destes alunos. Um (re)planejar que envolve um trabalho coletivo na elaboração
das propostas pedagógicas, rever os ambientes, os espaços, tempos, materiais, conteúdos,
avaliação e reformulações metodológicas para receber esta “nova criança”.
De acordo com Brasil (2004, p.17):
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[...] Isto porque a adoção de um ensino obrigatório de nove anos iniciando aos seis
anos de idade pode contribuir para uma mudança na estrutura e na cultura escolar.
No entanto, não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e
atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de
organização dos conteúdos em um Ensino Fundamental de nove anos, considerando
o perfil de seus alunos.
Este novo acolhimento da criança de seis anos de idade no ensino fundamental, nos
remete a um novo olhar pedagógico. Conciliar atividades escolares respeitando o
desenvolvimento social, cognitivo, motor e afetivo destas crianças são os pressupostos deste
processo de inclusão. Para isso torna-se necessário discutir e conhecer “quem são estas
crianças? Quais seus interesses e necessidades?”
Segundo Brasil (2004, p.19):
A idade cronológica não é, essencialmente, o aspecto definidor da maneira de ser da
criança e de sua entrada no Ensino Fundamental. Com base em pesquisas e
experiências práticas, construiu-se uma representação envolvendo algumas das
características das crianças de seis anos que as distinguem das de outras faixas
etárias, sobretudo pela imaginação, a curiosidade, o movimento e o desejo de
aprender aliados à sua forma privilegiada de conhecer o mundo por meio do brincar.
Nessa faixa etária a criança já apresenta grandes possibilidades de simbolizar e
compreender o mundo, estruturando seu pensamento e fazendo uso de múltiplas
linguagens. Esse desenvolvimento possibilita a elas participar de jogos que
envolvem regras e se apropriar de conhecimentos, valores e práticas sociais
construídos na cultura. Nessa fase, vivem um momento crucial de suas vidas no que
se refere à construção de sua autonomia e de sua identidade.
Olhar para o mundo com os olhos de criança pode nos revelar uma outra forma de
perceber a realidade, aponta Kramer (2006). Desta forma, para elaborar uma proposta
pedagógica nesta perspectiva de trabalho torna-se essencial considerar a infância como eixo
primordial, como ressalta o documento sobre as orientações pedagógicas do Ensino
Fundamental de nove anos (2006).
O documento acima citado aponta alguns aspectos indispensáveis para prática
pedagógica deste novo ensino fundamental destacando temas sobre a infância, o brincar, o
desenvolvimento da criança de seis anos, as áreas do conhecimento, a questão da
alfabetização, a organização do trabalho pedagógico e avaliação.
Em todos os momentos de leitura destes artigos percebemos a preocupação dos autores
em enfatizar o respeito pela infância desta criança. Infância caracterizada pela criação,
imaginação, fantasia, brincadeiras, características específicas desta fase que contribuem para a
compreensão de mundo e apropriação de conhecimentos específicos e científicos pela criança.
6442
Nas palavras de Nascimento (2006, p. 31):
As crianças possuem modos próprios de compreender e interagir com o mundo. A
nós, professores, cabe favorecer a criação de um ambiente escolar onde a infância
possa ser vivida em toda a sua plenitude, um espaço e um tempo de encontro entre
os seus próprios espaços e tempos de ser criança dentro e fora da escola.
Na verdade, o grande desafio é “pensar sobre a infância na escola e na sala de aula
[...]” (NASCIMENTO, 2006, p.30). Os reflexos desse olhar podem ser fatores primordiais
para o desenvolvimento da criança de seis anos de idade que agora tem a possibilidade de um
ano a mais no sistema de ensino. Precisamos olhar a criança e compreender sua infância.
Um Olhar Reflexivo Sobre A Infância
Ressaltamos que a discussão aqui proposta, está pautada na concepção de infância dos
docentes. Mas por que este recorte? Porque esta é uma das primeiras preocupações apontadas
no documento “Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de
seis anos de idade” (BRASIL, 2006).
Neste contexto, torna-se necessário fazer uma breve explanação sobre o conceito de
infância. É fato que nós, educadores, que convivemos com as crianças diariamente, já temos
concepções construídas a seu respeito. Se fosse solicitado a nós caracterizar estas crianças,
certamente usaríamos uma série de adjetivos para descrevê-las. Certamente, a maioria deles,
faria “referência aos aspectos da inocência, fantasia ou espontaneidade, que segundo nossas
visões, lhe são próprios” (AZEVEDO; SILVA, 1999, p. 34).
Para muitos indivíduos, falar de infância tem um significado de saudades e
lembranças. Na fase adulta, quando colocamos a estes indivíduos o exercício de se reportar a
sua infância e relatar fatos marcantes, damos a eles um desafio. Desafio este que os leva a
outra dimensão onde deverão buscar na memória acontecimentos, fatos, ações ocorridas no
período da infância. Deste modo,
[...] muitos de nós, de gerações passadas e de infância já longínqua, podemos falar
de um tempo gostoso, em que brincávamos felizes, sob os olhares vigilantes de
nossos pais. De um tempo em que subíamos nas árvores para colher jabuticabas,
amoras, mangas, laranjas, pitangas, romãs, etc. em que andávamos a cavalo na roça;
colhíamos ovos nos matos; brincávamos de roda, de pique, de chicotinho queimado,
de boneca, de “farwest”, de médico, de papai e mamãe, bombeiro, professora... Em
que rolávamos, felizes, pelas areias das praias e nos deslumbrávamos com o impacto
das ondas do mar... Em que fazíamos “piqueniques”; nos banhávamos em cachoeiras
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e rios de águas límpidas; ouvíamos discos de estorinhas, com o papai fazendo
suspense, diante de nossos olhos e ouvidos atentos: “Lá vem o lobo...”; em que
fazíamos “comidinha” e costurávamos roupas de boneca, aos pés da mamãe, que
batalhava na máquina de costura; em que saíamos, aos domingos, toda a turma,
mamãe carregando a sacola do bebê e com um pela mão e papai com os mais novos
no colo, para passarmos o dia na casa dos amigos, dos tios e dos compadres; em que
esperávamos, ansiosos, pelo seriado da matinê dos domingos... (TELES, 1999, p.9).
Neste momento de lembranças da infância vivida, aparecem comentários como:
saudades daquele doce de abóbora da vovó; as artes realizadas às escondidas com o melhor
amigo da escola; as brincadeiras na rua até tarde da noite; os jogos e brincadeiras realizados
coletivamente; o brinquedo tão desejado que um dia recebeu; o doce simples comprado na
mercearia da esquina, que parecia o melhor do mundo!
Ao propor as educadoras que participaram desta etapa da pesquisa que escrevessem
sobre as lembranças da infância, a educadora 1 destacou mais os aspectos das brincadeiras. 1E
1 – “eu me lembro das brincadeiras (casinha, bets, bola queimada, elástico, pega-pega) e da
professora do pré”; E 2 – “lembro do meu colégio, dos sabores, dos cheiros e dos amigos
que tinha”; E 3 – “das brincadeiras e brinquedos que eram bem diferentes”.
Para muitas pessoas, há saudades desse período da vida e quando esta infância é
relembrada, parece que foi um momento mágico. De acordo com Chalita, este de fato é:
um tempo marcado pelo encantamento da atmosfera onírica que rege a primeira e
mais importante fase de nossas vidas. Uma época singular, rica, pessoal e
intransferível. Período que representa uma galáxia em meio a todos os outros
milhões de sistemas estelares produzidos pela fértil imaginação infantil (CHALITA,
2003, p. 09).
No entanto, será que a sociedade atualmente vê esta fase como sendo singular? Por
que muitos pais desejam acelerar o processo de infância? Por que insistem em colocar os
filhos no Ensino obrigatório com apenas cinco anos de idade? Por que a agenda de muitas
crianças está superlotada? O que estamos fazendo com as nossas crianças?
E ainda restam outras questões: Será que enquanto educadores respeitamos esta
infância? Possibilitamos uma experiência da infância na instituição escolar? Criamos espaço
1
E 1- Para simplificar a palavra educadora, utilizaremos a letra E seguida de seu número de identificação.
Esta estratégia garante que as educadoras participantes tenham a sua identidade preservada.
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para atividades lúdicas? Permitimos a criança rir, se expressar sem medos? As nossas ações
são permeadas pelo respeito e pela afetividade? Temos a plena consciência de que são muitos
os questionamentos levantados e de que não há ainda respostas para todos eles. No entanto,
enquanto educadores, ou melhor, enquanto sociedade, devemos buscar estas respostas em
respeito as nossas crianças, pois como nos afirma Arroyo (2004, p. 22) “esta responsabilidade
é coletiva, é dos profissionais da educação, da sociedade e do governo.”
De acordo com Batista (2009, p.19) deixamos de ser criança por um simples desejo da
nossa sociedade. O ser adulto, na nossa sociedade é algo sério. É preciso “deixar certas
“coisas” e “costumes” de criança de lado, para não sermos chamados de “infantis” ”. Na visão
da autora este:
tom pejorativo dado à palavra “criança” e à infância nos permite concluir
equivocadamente que criança e infância significam algo ruim e que, em
determinados momentos, devemos superar, esquecer, apagar de nossa mente.
Vivemos uma infância de 12 anos. Boa ou ruim, devemos esquecê-la para nos tornar
“adultos” (BATISTA, 2009, p. 19).
Hoje, no século XXI, tratamos a criança, como criança? Está a infância desaparecendo
como se questiona Postman (1999)? De acordo com o nosso olhar, com a nossa perspectiva de
como a criança é tratada em nossa sociedade, às vezes acreditamos que sim, outras vezes
observamos as crianças resistindo a esta “adultização” que queremos impor a elas e isto faz
com que alguns admitam que a infância não está desaparecendo. Na perspectiva de Faria
(2001, p.72), ao invés de falarmos em um desaparecimento da infância, poderemos falar em
uma nova descoberta de infância.
Entendemos deste modo que esta necessidade que há de compreender a criança,
implica em caracterizá-la concreta e historicamente. Sendo fundamental para isso,
desvendar as relações entre os condicionamentos sociais, políticos, econômicos e
culturais, das quais emerge o conceito de criança. A idéia de que existe uma criança
única, abstrata, desvinculada da realidade e da dinâmica da sociedade não pode ser
sustentada (BATISTA, 2009, p. 20).
Nesta mesma perspectiva, entendemos também que falar em infância, no singular, é
uma prática que deve ser repensada, isto é, defendemos a idéia de que é preciso refletir sobre
a pluralidade da infância. Sendo assim,
6445
Ao contribuir para desmistificar um conceito único de infância, chamando a atenção
para o fato de que existem infâncias e não infância, pelos aspectos sociais, culturais,
políticos e econômicos que envolvem essa fase da vida, os estudos de Ariés apontam
a necessidade de se desconstruir padrões relativos à concepção burguesa de infância.
Esse olhar para a infância possibilita ver as crianças pelo que são no presente, sem
se valer de estereótipos, idéias pré-concebidas ou de práticas educativas que visam a
moldá-las em função de visões ideológicas e rígidas de desenvolvimento e
aprendizagem (NASCIMENTO, 2006, p. 27).
Ao iniciarmos uma reflexão de como se constrói o sentimento de infância, notamos
que nas sociedades antigas, a criança se desenvolvia em um meio amplo, junto aos parentes,
vizinhos, etc e à “família não era atribuída uma função afetiva” (AZEVEDO; SILVA, 1999,
p. 34).
Na sociedade medieval o sentimento de infância não existia e esta “não reconhecia
essa especificidade da vida da criança” (AZEVEDO; SILVA, 1999, p. 34). Vemos que a
infância era uma fase bem reduzida, pois enquanto a criança fosse muito pequena e frágil, ela
não podia ainda “misturar-se à vida dos adultos, mas tão logo começasse a andar sozinha e a
desempenhar pequenas tarefas, a criança se confundia com os adultos” (AZEVEDO; SILVA,
1999, p. 35).
Com o início da era moderna, com relação ao aspecto afetivo, algumas modificações
marcam este período, sendo que hoje a família se coloca como a única estrutura onde se
processam contatos afetivos. Deste modo, este “fechamento é também responsável pelo grau
de ansiedade que a família concentra hoje em relação ao cuidado com suas crianças: o sentido
de proteção. A criança passa nesse momento a absorver as cargas de frustração e cobrança dos
pais” (AZEVEDO; SILVA, 1999, p. 37).
Segundo Batista (2009) é exatamente na contemporaneidade que os pais ou
responsáveis revelam insegurança e incertezas, cada vez maiores, do seu papel na orientação
das crianças. Neste clima de dúvidas, os pais quando observam os seus filhos, passam a fazer
comparações entre uma criança e outra e se preciso for, mentem a idade do seu filho caso ele
ainda não consiga realizar uma proeza que o filho do vizinho já faz. Além disso, muitos
acreditam que seu filho apresenta um “problema” de desenvolvimento.
Observamos que esta ansiedade também é revelada quando o pai se pergunta: o que
ele vai ser quando crescer? Na atualidade, esta pergunta é feita pelos pais cada vez mais cedo.
Este fato fica evidente na fala da educadora dois ao analisar que as crianças ainda vivenciam a
6446
infância no âmbito escolar, “porém as cobranças nas crianças estão a cada dia iniciando
precocemente, tendo assim, perdido um período muito importante na vida” (E 2).
Diante disso, como fica a criança que não consegue corresponder a esta expectativa da
família? Que implicações isto tem para a sua auto-imagem? Para a sua auto-estima?
De acordo com Azevedo e Silva (1999, p.37), toda esta carga emocional se manifesta
de alguma maneira na escola, que precisa e “deve pensar formas de considerá-las em suas
propostas e currículos”. Entendemos que esta também pode ser uma oportunidade para que a
escola dialogue com a família a respeito das expectativas desta referente ao 1º ano do Ensino
Fundamental de nove anos. O que estes sujeitos pensam deste novo processo? Quais são as
cobranças que eles fazem aos filhos? Por que alguns pais optam por matricular a criança de 5
anos no Ensino Fundamental? Que compreensão estes sujeitos tem sobre a infância?
Certamente este debate e estas reflexões não aconteceriam sem conflitos, pois o que
está no cerne da questão são concepções a respeito da criança, da infância e de seu
desenvolvimento. Mas mesmo diante de um possível conflito com a família, nós acreditamos
no caminho de uma educação compartilhada. Entendemos que essa “pressa” em fazer com
que a criança cresça, não é a melhor solução, pois essa ansiedade se “transforma em
procedimentos imediatistas, que muitas vezes não consideram a infância” (BATISTA, 2009,
p. 29).
Torna-se nítido que a noção de infância como a compreendemos hoje ainda é um
conceito relativamente novo. Segundo Postman (1999, p. 11) a “infância não tem mais do que
cento e cinquenta anos”.
De acordo com Batista (2009, p.24) é a partir de Rousseau que a “infância ganha
valorização e reconhecimento como uma época peculiar da vida do ser humano”.
Rousseau acredita que a:
humanidade tem seu lugar na ordem das coisas; a infância tem o seu na ordem da
vida humana; é preciso considerar o homem no homem e a criança na criança.
Assinar a cada um seu lugar e nele fixá-lo, ordenar as paixões humanas segundo a
constituição do homem é tudo o que podemos fazer para seu bem-estar (1968, p. 6162).
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Torna-se evidente nessas afirmações de Rousseau, que ele era contra a teoria do
homúnculo, pela qual a criança era vista como um adulto em miniatura. Já Manacorda (1996,
p. 240) afirma que Rousseau é considerado um dos pais da pedagogia moderna.
Acreditamos que Rousseau revolucionou a abordagem da pedagogia, privilegiando a
abordagem que Manacorda (1996) denomina de “antropológica”, isto é, tendo como foco, o
sujeito, o homem, a criança, golpeando assim, a abordagem “epistemológica”, centrada na
transmissão do “saber à criança como um todo já pronto. Pela primeira vez, ele enfrenta com
clareza o problema, focalizando-o “do lado da criança”, considerada não somente como
homem in fieri, mas propriamente como criança, ser perfeito em si” (MANACORDA, 1996,
p. 242). Essas idéias colocadas por Manacorda (1996) ficam evidentes no seguinte trecho de
O Emílio:
Não se conhece a infância: com as falsas idéias que dela temos, quanto mais longe
vamos mais nos extraviamos. Os mais sábios apegam-se ao que importa que saibam
os homens, sem considerar que as crianças se acham em estado de aprender. Eles
procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que esta é antes de ser
homem. Eis o estudo a que mais me dediquei a fim de que, ainda seja meu método
quimérico e falso, possam aproveitar minhas observações [...]. Começai, portanto
estudando melhor vossos alunos, pois muito certamente não os conheceis e se lerdes
este livro tendo em vista esse estudo, acredito não ser ele sem utilidade para vós
(ROUSSEAU, 1968, p. 6).
Sabemos que muitas visões de infância podem existir e coexistir. Sendo assim, na
contemporaneidade o que marca a infância? O documento “Ensino fundamental de nove anos:
orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade” (BRASIL, 2006), aponta uma
possível direção. A saber, ele apresenta a importância da ludicidade para a criança envolvida
neste processo. Este posicionamento é bem claro em um dos artigos deste documento
elaborado por Kramer (2006). A referida autora ainda defende a presença do lúdico, das
brincadeiras, tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental.
Defendemos aqui o ponto de vista de que os direitos sociais precisam ser
assegurados e que o trabalho pedagógico precisa levar em conta a singularidade das
ações infantis e o direito à brincadeira, à produção cultural tanto na educação infantil
quanto no ensino fundamental (KRAMER, 2006, p. 20).
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Por entender que esta reflexão se torna enriquecida com as falas dos sujeitos, vale
acrescentar a visão de duas educadoras a respeito da vivência da infância no âmbito escolar e
também do lúdico nesta implantação do ensino fundamental de oito para nove anos de
duração – E 1 -“na escola onde leciono, sim, todos os dias a proposta de ensino evidencia o
lúdico como norteador da prática”. Por outro lado, a educadora três apresenta uma visão
oposta deste processo. Afirmando que as crianças não vivenciam a infância no âmbito escolar,
“principalmente agora, com o ensino fundamental de 9 anos, percebemos que a infância está
ficando mais curta. Com o currículo escolar cada vez mais exigente, a criança não em muito
tempo para brincar, pois muitas vezes, o professor se vê obrigado a cumprir o programa” (E
3).
Neste contexto, certamente podemos afirmar que “o ser criança está aliado à presença
do aspecto lúdico, não exatamente à sua quantidade ou ao tempo despendido para, mas à sua
qualidade, entendendo-a como subjetividade” (BATISTA, 2009, p. 33).
Sendo assim, que tendências na contemporaneidade direcionam o modo como
enxergamos a criança? Atualmente uma das tendências é enxergá-la como “alguém que
possui identidade, vivências e lógica de pensamentos próprios, e não como alguém apenas a
ser preparado para a vida futura, antecipando-se a juventude e a vida adulta” (BATISTA,
2009, p. 34).
No nosso entendimento, as brincadeiras fazem parte desta vivência. Mesmo que parte
da sociedade atribua um baixo status social ao brincar, vendo-o muitas vezes como perda de
tempo. Precisamos enquanto educadores, pesquisadores, defender o uso desta prática na
instituição escolar. E mais do que isso, é preciso aprofundar o estudo sobre esta temática, pois
se acreditarmos que a ludicidade é desnecessária tanto na educação infantil, quanto no Ensino
Fundamental, certamente esta concepção trará implicações sobre a constituição da infância.
Diante dessas reflexões, uma questão ainda persiste: será que estamos conseguindo
olhar para nossas crianças como crianças? Existe de fato este esforço de nossa parte?
Friedmann (2004/2005, p.13) apresenta um posicionamento preocupante a este respeito, isto
é, “a nossa sociedade está abafando a alma, o ser das crianças, esta tirando-lhes a
oportunidade de serem elas mesmas”.
6449
Consideramos que é inconcebível que nossa sociedade, nossa cultura esqueça que
precisa de crianças. “Mas está a caminho de esquecer que as crianças precisam de infância.
Aqueles que insistem em lembrar prestam um nobre serviço” (POSTMAN, 1999, p.167).
Enquanto educadoras e pesquisadoras, nos colocamos em oposição a uma tendência que
apressa a infância, que “abafa a infância”. Desejamos fazer parte do grupo que insiste em
lembrar que criança é criança e precisa desfrutar plenamente de sua infância mesmo com sua
inserção obrigatória no Ensino Fundamental.
Ainda Concluindo...
Inicialmente tivemos contato com a equipe pedagógica da Secretaria de Educação do
Município de Cambé que demonstrou que esta proposta era bem vinda neste momento de
tantas inquietações sobre a temática em questão.
Posteriormente, propomos dialogar com os pedagogos, diretores e professores das
escolas participantes da pesquisa com o objetivo de esclarecer a proposta de trabalho e
convidá-los a serem colaboradores desta pesquisa. Pensamos que este diálogo permitiria uma
maior abertura entre pesquisadores e sujeitos participantes da pesquisa, pois consideramos
que este trabalho se pauta em uma metodologia dialética. Partimos de um contexto novo
(Ensino Fundamental de nove anos), buscamos estudar e conhecer teoricamente sobre o
assunto verificamos junto aos docentes indagações e voltamos a discutir a temática,
almejando com este trabalho subsidiar futuramente a prática pedagógica destes profissionais.
Alguns dados já foram levantados em um primeiro contato com os docentes e
percebemos que há algumas indagações sobre a metodologia desenvolvida no primeiro ano.
Em alguns momentos evidenciou-se uma preocupação em “dar conta” do conteúdo em si e
não uma preocupação pautada em conciliar aprendizagem e necessidades específicas do
desenvolvimento desta criança.
A entrevistada E3 relata que no âmbito escolar “a infância está cada vez mais curta”.
Essa afirmativa nos remete a uma indagação: será que está mais curta porque aceleramos o
ritmo da criança e não permitimos que a mesma explore e experiencie seus conhecimentos? O
que significaria dar conta do conteúdo? Que conteúdo é esse tão temido e que deve ser
cumprido sem um olhar mais significativo sobre quem é essa criança?
6450
Em conversa informal com uma das educadoras, a mesma relatou que gosta muito de
trabalhar com jogos e brincadeiras e que percebeu que as atividades lúdicas vivenciadas
possibilitaram a compreensão de muitos conceitos e conhecimentos abstratos que eram
trabalhados posteriormente. Porém a sua inquietação ainda era: “será que estou no caminho
certo?”
De acordo com nossos estudos realizados até o momento sobre a infância precisamos
afirmar à esta educadora que a metodologia utilizada por ela até então, condiz com a
necessidade destas crianças. Trabalhando desta forma possibilitamos aos alunos uma vivência
concreta, uma construção de estratégias, hipóteses e argumentações que auxiliam a criança a
compreender o mundo que a cerca.
Segundo as concepções de infância das educadoras co-participantes desta pesquisa, a
infância é um dos momentos inesquecíveis, gostosos de serem lembrados e degustados. Assim
não são esquecidos os amigos, as travessuras, as “artes”, o bolo gostoso da vovó, o olhar
atento da professora, as brincadeiras no parque com os amigos. Essas vivências são suportes
para construções futuras.
Deste modo nos permitimos refletir e olhar para infância com um gostinho de “quero
mais”, de permitir que nossas crianças experimentem ser crianças, que não nos preocupamos
em antecipar ações não pertinentes a esta infância, pois toda e qualquer experiência infantil
será fruto de muitas compreensões de mundo.
Aos docentes regentes do primeiro ano do ensino fundamental, fica o convite para
olhar para estas crianças como crianças e que não se permita encurtar essa fase tão
significativa de aprendizagens e descobertas. Ser professor desta fase é ver, considerar a
infância e permitir que ela favoreça o processo de ensino e aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
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BATISTA, Cleide Vitor Mussini. Entre Fraldas, mamadeiras, risos e choros: por uma
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6451
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Fundamental. Brasília: FNDE, 2004.
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anos de idade. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Departamento de
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um olhar investigativo sobre a concepção de infância no