PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA DENISE GIAROLA MAIA A CONSTITUIÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE O ÚLTIMO ANO DO ENSINO MÉDIO NO TEXTO MULTIMODAL DE CAMISAS DE FORMATURA SÃO JOÃO DEL-REI ABRIL DE 2012 DENISE GIAROLA MAIA A CONSTITUIÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE O ÚLTIMO ANO DO ENSINO MÉDIO NO TEXTO MULTIMODAL DE CAMISAS DE FORMATURA Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura. Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social. Orientador: Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo. SÃO JOÃO DEL-REI ABRIL DE 2012 DENISE GIAROLA MAIA A CONSTITUIÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE O ÚLTIMO ANO DO ENSINO MÉDIO NO TEXTO MULTIMODAL DE CAMISAS DE FORMATURA Banca Examinadora _____________________________________________________________________ Profa. Dr. Eliana da Conceição Tolentino - UFSJ _____________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Carmem Aires Gomes - UFV _____________________________________________________________________ Profa. Dra. Dylia Lysardo Dias - UFSJ _____________________________________________________________________ Profa. Dra. Eliane da Conceição Tolentino - UFSJ Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Letras ABRIL DE 2012 AGRADECIMENTOS Agradeço aos professores Doutores do Programa de Mestrado em Letras (PROMEL) da Universidade Federal de São João del-Rei pela oportunidade de realizar esta pesquisa e pela introdução aos teóricos e pesquisadores de outras linhas dos Estudos Discursivos, Estudos Culturais e Estudos da Comunicação Midiática; à agência de fomento Capes/REUNI e aos colegas de turma, com os quais aprendi a olhar mais criticamente para vários outros artefatos culturais e midiáticos e pude conviver durante esse momento de formação e crescimento acadêmico e que, de certo modo, passam agora a fazer parte destas minhas memórias. Durante a elaboração desta dissertação, foi essencial o apoio de diversas pessoas, de modos totalmente diferentes. Assim, meus agradecimentos ao orientador Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo pela leitura atenciosa de meus textos, sugerindo alterações, correções - todas muito bem explicadas (jamais me esquecerei da oração subordinada adverbial reduzida de gerúndio) – e direcionando meu olhar para as questões culturais e para a multimodalidade presente no texto das camisas de formatura e pelo auxílio em outras atividades acadêmicas, como apresentações de trabalhos em congressos e estágio docente. Ao meu pai Nilson, que, com seu conhecimento das estradas e direção, levoume às cidades nas quais as camisas de formatura foram coletadas, facilitando este trabalho. À minha irmã Débora, que disponibilizou os “equipamentos” necessários (carro e câmera fotográfica) para a realização da primeira fase desta pesquisa. À direção das escolas, aos professores e alunos e também aos amigos, em especial, à Anninha, Solange e Natália, que se dispuseram a recuperar as camisas de formatura para a composição do material de análise. Ao Pedro Gevaerd pela tradução do resumo (abstract) e Prof. Tibúrcio pela revisão da dissertação. E também ao Daniel, João Bosco e Lucimara, com os quais, em conversas informais, observando as fotografias das camisas, fizeram-me perceber informações importantes contidas nos detalhes das imagens. iv Agradeço ainda à minha mãe, Marilene, ao Thiago, à Daiane, à Auxiliadora e ao GPP (Grupo de Partilha de Profissionais) que mais de perto acompanharam meus anseios e minhas angústias no decorrer do Mestrado. A todos vocês, muito obrigada! Sobretudo, louvo a Santíssima Trindade que desde o princípio me assistiu nessa iniciativa, abençoando e iluminando minhas decisões. v RESUMO A presente dissertação tem como objeto de pesquisa o gênero camisa de formatura e o propósito de analisar as representações discursivas sobre o terceiro ano, no texto multimodal que o compõe. Para isso, foram coletadas camisas produzidas em escolas (públicas e privadas) de cidades mineiras e feito o recorte das duas temáticas com maior recorrência: o processo seletivo do vestibular e o terceiro ano como uma vitória. Para o entendimento sobre o que é representação social, foi realizada uma revisão de literatura, desde seu surgimento na Sociologia, com Durkheim (2007a, 2007b), passando por Weber (2003), Marx (1989), e pela Psicologia Social, com Moscovici (2009), até aos estudos da linguagem e do discurso. A pesquisa se filia a esta última perspectiva, na qual os discursos são vistos como que trazendo à tona certas representações sociais. Trabalhos como o de Bakhtin (1988, 2000), Foucault (2009a, 2009b) e Fairclough (2001a, 2005) foram essenciais nessa fundamentação teórica. Como metodologia, foi adotado o quadro tridimensional da Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2001a), sendo que, para análise textual, foi utilizada a Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday e Matthiessen (2004), no que diz respeito à metafunção ideacional da oração verbal, a qual é investigada através do sistema de transitividade. A Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuven (2006) também foi utilizada quanto ao significado representacional dos elementos visuais. Os dados e resultados da análise mostraram que há uma escolha por processos materiais e também por estruturas narrativas. Isso porque os alunos acreditam que a educação formal lhes dá condições para fazer e realizar ações no mundo em que vivem. Assim, eles são agentes desses processos e identificados como vencedores e super-heróis. Além disso, há várias construções metafóricas nessas camisas, que vão ao encontro de um discurso da competitividade e de uma cultura de valorização da educação e meritocracia. Palavras-chave: representação discursiva, multimodalidade, camisa de formatura. vi ABSTRACT This dissertation has as the object of research the graduation T-shirt genre and the purpose of analyzing the discursive representations of the third grade of high school in the multimodal text that composes it. For that, T-shirts, produced in public and private schools, have been collected in some Minas Gerais’ towns and a clipping of the two themes with greater recurrence has been made: the “vestibular” selection process and the third grade completion as a victory. For the understanding of what the social representation is, a literature review since its emergence in sociology, has been made, Durkheim (2007a, 2007b), then, in Weber (2003), Marx (1989), and Social Psychology, with Moscovici (2009), up to the language and discourse studies. This research is related to this latter perspective in which discourses are seen as bringing out social representations. Researches of Bakhtin (1988, 2000), Foucault (2009a, 2009b) and Fairclough (2001a, 2005) have been essential in this theoretical framework. As methodology, the three dimensional framework of Critical Discourse Analysis of Fairclough (2001a) has been adopted, and for textual analysis, the Systemic Functional Grammar of Halliday and Matthiessen (2004) has been used, regarding its ideational metafunction of verbal clause, which is investigated through the transitivity system. The Grammar of the Visual Design of Kress and van Leeuven (2006) has been also used, regarding the representational meaning of the visual elements. The analysis data and results showed that there is a choice for material processes and also narrative structures, because the students believe that formal education gives them conditions to do and perform actions in the world they live in. Thus, they are agents of these processes in which they identify themselves as winners and superheroes. In addition, there are several metaphorical constructions in these Tshirts which reinforce a discourse of competitiveness and a culture that appreciates education and meritocracy. Keywords: discursive representation, multimodality, graduation T-shirt. vii LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Quantidade de processos em camisa de formatura com temática do vestibular ................................................................................................................. 124 Gráfico 2 - Quantidade de processos em camisa de formatura com a temática do terceiro ano como vitória .......................................................................................... 124 viii LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Estrutura narrativa não transacional ......................................................51 Ilustração 2 - Estrutura narrativa transacional .............................................................51 Ilustração 3 - Estrutura narrativa de reação transacional ............................................52 Ilustração 4 - Estrutura narrativa de reação não transacional .....................................53 Ilustração 5 - Estrutura narrativa de fala .....................................................................53 Ilustração 6 - Estrutura narrativa de conversão ...........................................................54 Ilustração 7 - Estrutura conceitual classificacional ......................................................55 Ilustração 8 - Estrutura conceitual analítica .................................................................56 Ilustração 9 - Estrutura conceitual simbólica ...............................................................56 Ilustração 10 - Circunstância.......................................................................................57 Ilustração 11 - Aviso escolar sobre a vestimenta dos alunos ......................................62 Ilustração 12 - Camisa de formatura com estilo feminino ............................................66 Ilustração 13 - Camisa “Terceirão 2009” .....................................................................71 Ilustração 14 - Camisa com mensagens visuais .........................................................73 Ilustração 15 - Camisa de formatura com formato de camisa de futebol .....................73 Ilustração 16 - Camisa de formatura com formato de página do Google .....................73 Ilustração 17 - Camisa “Vestibulandos, CUIDADO...FERAS A SOLTA” ......................74 Ilustração 18 - Camisa “ABDUziram o 3ºB. PARA UM NÍVEL SUPERIOR” ................75 Ilustração 19 - Camisa “Skola desce quadrado mas sai formado!!! 3ÃO 2010 A causa e a solução de todos os nossos problemas ...................................................................76 Ilustração 20 - Camisa “O que iremos fazer hoje? Primeiro vamos conquistar o vestibular... ...depois conquistaremos o mundo!” ........................................................76 Ilustração 21 - Camisa “A emoção é forte. Não chegamos ao fim... ...mas ao início de uma longa caminhada.” ..............................................................................................77 Ilustração 22 - Camisa “Muitos duvidaram. Poucos acreditaram... aí vai o resultado: este ano estarei formado!” ..........................................................................................77 Ilustração 23 - Camisa “Perder o último ano? Nem pensar!” .......................................78 Ilustração 24 - Camisa “O estudo é a luz da vida... ...então pare de estudar e economize energia.” ...................................................................................................78 Ilustração 25 - Camisa “Entramos forçados, ficamos pirados, estamos formados” .....79 Ilustração 26 - Camisa “Matamos nossos professores... De orgulho.” ........................79 Ilustração 27 - Camisa “Corremos, lutamos, suamos... E conseguimos cruzar a linha de chegada!” ...............................................................................................................80 Ilustração 28 - Camisa “Estou indo mas deixarei saudades” .......................................80 ix Ilustração 29 - Camisa “Na vida temos que ultrapassar muitos obstáculos... Estamos chegando à reta final de apenas um deles.” ...............................................................81 Ilustração 30 - Camisa “Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, então... sai da frente que a vaga é minha!” ..............................................................................81 Ilustração 31 - Camisa “Estamos em alta velocidade... ...Para chegar a universidade!” ...................................................................................................................................82 Ilustração 32 - Layout da frente de uma camisa de formatura.....................................87 Ilustração 33 - Camisa “O rabo ajuda... mas sem a cabeça não entra!!” .....................90 Ilustração 34 - Camisa Metáfora da Reprodução ........................................................91 Ilustração 35 - Camisa Google ....................................................................................92 Ilustração 36 - Profissões de sucesso .........................................................................92 Ilustração 37 - Camisa “Estou vendendo meu rasta... ...passei no vestibular!”............97 Ilustração 38 - Camisa “Correndo do Cursinho. Cada gota vale a pena!”....................98 Ilustração 39 - Camisa “Este ano vamos tomar todas... as vagas do vestibular!” ...... 100 Ilustração 40 - Camisa “E depois que o baile acabar... ...vamos nos encontrar logo mais! Nosso sonho não vai terminar!” ....................................................................... 101 Ilustração 41 - Camisa “Quer pagar quanto? ...Nada. Federal é de graça.” .............. 103 Ilustração 42 - Camisa “Passar no vestibular é o que você deseja, ou seja...” .......... 104 Ilustração 43 - Camisa “Chegar até aqui não foi fácil!!! ...C tentou... o C cansou... e o C conseguiu!!! Viu só... o C é fera!!!” ............................................................................ 106 Ilustração 44 - Camisa “Vestibular é fácil... ...É só eliminar os concorrentes”............ 108 Ilustração 45 - Camisa da metáfora do ingresso no ensino superior através do vestibular .................................................................................................................. 109 Ilustração 46 - Camisa “Vestibular é uma carniça” .................................................... 110 Ilustração 47 - Camisa “Não fique de bob... ...eira. Depois do vestibular quem é do [nome do colégio] aparece!”...................................................................................... 111 Ilustração 48 - Camisa “Não temos o quarteto mágico... Mas nosso time é campeão!!!” ................................................................................................................................. 113 Ilustração 49 - Camisa “Não somos super-heróis mas vencemos o 3º” .................... 114 Ilustração 50 - Camisa “Walking to university “Ou encontramos a fórmula ou a inventamos”” ............................................................................................................. 115 Ilustração 51 - Camisa “VIVO estudando Claro que vou passar TIM vejo na Federal Oitário!” ..................................................................................................................... 116 Ilustração 52 - Camisa “Não somos apenas seres que pensam... ...mas que transforma seus pensamentos em realidade!” ............................................................................ 118 Ilustração 53 - Camisa “Não nos pergunte se somos capazes... ...apenas nos dê a missão” ..................................................................................................................... 119 x Ilustração 54 - Camisa “Não há derrota que derrote quem nasceu para vencer!” ..... 120 Ilustração 55 - Camisa “Com você, em todos os momentos!” ................................... 122 Ilustração 56 - Camisa do vestibular com um conflito do Oriente Médio ................... 123 Ilustração 57 - TROPA DE ELITE conquistando territórios ....................................... 127 Ilustração 58 - Camisa “Eu não enfrento a concorrência Eu a esmago” .................... 129 Ilustração 59 - Camisa da metáfora da competitividade ............................................ 130 Ilustração 60 - Camisa “Passar no vestibular não é para qualquer um... ...ou você pensa que é fácil concorrer com a gente?” ............................................................... 134 Ilustração 61 - Camisa metáfora da caça .................................................................. 135 Ilustração 62 - Camisa da superioridade dos alunos de uma escola de rede privada. ................................................................................................................................. 136 Ilustração 63 - Camisa “Depois do vestibular... ...quem é do [nome do colégio] aparece!!!” ................................................................................................................ 137 Ilustração 64 - Camisa da aprovação do aluno de uma escola da rede provada....... 138 Ilustração 65 - Camisa “Sabe porque o 3ºA vai passar no vestibular? Porque somos brasileiros e não desistimos nunca!” ......................................................................... 139 Ilustração 66 - Camisa “Chegou o vestibular... Sigam-me os bons!”. ........................ 141 Ilustração 67 - Camisa “Com a gente, não vai ter prorrogação... daqui sairemos campeões.” ............................................................................................................... 144 Ilustração 68 - Camisa “Salve a seleção dos alunos vencedores... ...e junte-se a nós para o grito da vitória, a taça do estadual é nossa!!!” ................................................ 144 Ilustração 69 - Camisa “Montamos as melhores estratégias, driblamos nossos adversários... ...e no fim nosso gol é de cabeça. Nossa defesa é o ataque!!!” .......... 146 xi QUADRO Quadro 1 - Configuração dos elementos da estrutura visual do gênero Camisa de Formatura do Terceiro Ano .........................................................................................71 xii LISTA DE TABELAS Tabela da quantidade e porcentagem de camisas de formatura coletadas por cidade e instituição no Estado de Minas Gerais ........................................................................41 Tabela dos processos materiais em camisas sobre a temática do vestibular ..............96 Tabela dos processos materiais em camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória ............................................................................................................... 106 Tabela dos processos relacionais em camisas sobre a temática do vestibular ........ 108 Tabelas dos processos relacionais em camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória ............................................................................................................... 112 Tabelas dos processos comportamentais em camisas sobre a temática do vestibular ................................................................................................................................ 115 Tabelas dos processos comportamentais em camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória ..................................................................................................... 117 Tabelas dos processos mentais em camisas de formatura ...................................... 118 xiii SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................16 CAPÍTULO I – AS REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS ...........................................23 1.1. Origem do conceito de representação: uma perspectiva filosófica e sociológica .25 1.2. O conceito de representação social na perspectiva da Psicologia Social .............27 1.3. Um enfoque sobre as representações discursivas ...............................................33 CAPÍTULO II – METODOLOGIA DE ANÁLISE ...........................................................40 2.1. Contexto de pesquisa ..........................................................................................40 2.2. Coleta das camisas de formatura.........................................................................40 2.3. Seleção do material de análise ............................................................................42 2.4. Procedimentos de análise ....................................................................................43 2.4.1. O quadro tridimensional da Análise Crítica do Discurso ....................................43 2.4.1.1. A análise textual.............................................................................................44 2.4.1.1.1. A Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) e a metafunção ideacional: o sistema de transitividade ............................................................................................45 2.4.1.1.2. A Gramática do Design Visual (GDV) e o significado representacional .......49 2.4.1.1.3. A representação dos processos e participantes no evento social................58 2.4.1.2. A análise da prática discursiva .......................................................................59 2.4.1.3. A análise da prática social..............................................................................59 CAPÍTULO III – A CAMISA DE FORMATURA DO TERCEIRO ANO..........................61 3.1. O vestuário como recurso semiótico e como suporte ...........................................61 3.2. O gênero camisa de formatura.............................................................................68 3.3. O texto multimodal da camisa de formatura .........................................................83 CAPÍTULO IV – A CONSTITUIÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE O ÚLTIMO ANO DO ENSINO MÉDIO NO TEXTO MULTIMODAL DE CAMISAS DE FORMATURA ...................................................................................................................................95 4.1. Aplicando os pressupostos da GSF e da GDV para a análise do texto multimodal da camisa de formatura ..............................................................................................96 4.2. As representações discursivas presentes nos textos multimodais das camisas de formatura .................................................................................................................. 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 156 ANEXOS................................................................................................................... 160 15 INTRODUÇÃO Inicio esta dissertação retornando a alguns momentos de minha formação superior na Universidade Federal de Viçosa que revelam o meu interesse pelas camisas de formatura do terceiro ano como objeto de pesquisa. Tudo começou no segundo semestre de 2006, quando cursei a disciplina Tópicos Especiais em Linguística com ênfase nos gêneros discursivos, ministrada pela Prof.ª Dra. Maria Carmem Aires Gomes. Na ocasião, a professora havia sugerido a leitura do texto Os gêneros do jornal: questões de pesquisa e ensino, de Adair Bonini (2005), o qual me inquietara quanto à distinção entre gênero e suporte. Para refletir sobre essa questão, comecei a enumerar exemplos em que pudesse distinguir o gênero e seu suporte e, assim, cheguei à camiseta1 com dizeres estampados. Na discussão do texto, em sala de aula, levantei esse exemplo da camiseta, perguntando à professora se essa seria um suporte. Desta interrogação surgiu um artigo de conclusão da disciplina, no qual discutia sobre as camisas de formatura de terceiro ano. Mas, por que as camisas de formatura de terceiro ano? Quando informei a Prof.ª Maria Carmen sobre meu interesse em pesquisar as camisetas com dizeres estampados, no trabalho final da disciplina, ela me questionou sobre qual camiseta eu iria analisar, se seria camiseta dos cursos de graduação, de divulgação de festas etc. Então, lembrei-me da camisa de formatura da turma de minha irmã, que achava muito criativa e engraçada. Era uma camiseta azul com a imagem do escudo do SuperHomem, a frase2 “Não basta ser herói tem que ser aluno” e a lista com o nome dos formandos e professores. Desse modo, pensei em pesquisar esse tipo de camiseta, uma vez que as achava criativas, e também por sua produção ser uma prática bastante comum no final do ensino médio e por elas manterem certas regularidades na composição visual. Como, nesse primeiro texto, havia deixado algumas lacunas, as quais precisariam de mais fundamentação teórica, Maria Carmen convidou-me a transformar esse artigo em um projeto de pesquisa. Em 2007, iniciamos esse estudo, fomentado 1 No decorrer desta dissertação, usaremos os termos “camiseta” e “camisa” para nos referirmos, respectivamente, à vestimenta que serve de suporte para alguns gêneros e à forma dos alunos se interagirem em uma situação especifica, isto é, ao gênero discursivo. Geralmente, denomina-se por “camisa” o modelo aberto na parte frontal, com botões e colarinho, e “camiseta”, o modelo em formato de “T”. O termo “camisa de formatura” refere-se ao gênero estampado na vestimenta (suporte) com esse último formato, e não ao primeiro. 2 Manteremos o termo “frase”, utilizado pelos alunos, para designar um dos elementos que compõe a estrutura do texto multimodal da camisa de formatura, juntamente, com o desenho, a lista com os nomes dos alunos e professores. Contudo, todos esses elementos são tomados como enunciados cujo sentido é apreendido a partir do contexto histórico e situacional, no qual foi produzido, e que mantém um diálogo com outros enunciados. (cf. Bakhtin, 1988; 2000) pela CNPq/PIBIC, cujo resultado, posteriormente, tornou-se o tema de minha monografia para obtenção do grau de Licenciatura em Letras, intitulada Camisas de formatura: gênero discursivo ou suporte?. No decorrer da pesquisa na iniciação cientifica, a mensagem contida no texto desse gênero começou a chamar a minha atenção, despertando meu interesse pelas questões discursivas. Além disso, nos Simpósios de Iniciação Científica de que participei apresentando esta pesquisa, os professores presentes sempre assinalavam para os discursos veiculados nas camisas de formatura. Portanto, pretendo, nesta dissertação, mudar a perspectiva pela qual tenho tratado as camisas de formatura, atentando para as representações discursivas contidas nos textos multimodais desse gênero. Esta dissertação, A constituição das representações sobre o último ano do Ensino Médio no texto multimodal de camisas de formatura, está vinculada à linha de pesquisa Discurso e Representação Social, do Programa de Mestrado em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei, cujo problema central é o estudo dos processos de representação social em práticas discursivas e textuais, com o objetivo de refletir sobre as relações entre discurso, sociedade e cultura. Desse modo, a escolha do texto multimodal das camisas de formatura, como objeto de investigação de práticas discursivas, faz-se pertinente por diversos motivos. Primeiro, pela integração dos elementos verbais e visuais para a construção do sentido do texto. Como defende van Leeuwen (2006), o sentido é construído através de uma complexa interação semiótica; assim, os pesquisadores da área das Ciências Humanas e Sociais que têm como objeto de pesquisa práticas discursivas devem atentar para a conjuntura do verbal e visual nos artefatos que estudam. Além disso, pesquisadores da Semiótica Social, como Kress e van Leeuwen (2006), ressaltam que os modos semióticos possuem uma base social. Portanto, propõem que haja uma leitura e interpretação crítica também dos outros modos semióticos que estão presentes na interação verbal, pois os sentidos, as representações sociais, as relações de poder e hegemonia também são construídos nessas linguagens. Nesse sentido, este estudo busca colaborar com essas reflexões acerca do texto multimodal. Em segundo lugar, pelo fato de o texto da camisa de formatura permitir o acesso a uma forma de compreender o mundo de um determinado grupo, quais sejam as representações sociais (re)produzidas nesses discursos sobre o terceiro ano, o processo seletivo de vestibular, a instituição escolar, os professores e a educação formal, de modo geral. 17 É nas práticas sociais e nos rituais que identificamos as representações sociais – formas de conhecimentos que nos auxiliam a compreender o mundo que nos cerca. Práticas sociais e rituais envolvem linguagem; logo, é pela linguagem que nos apropriamos das regras, as crenças e valores do grupo do qual fazemos parte, é através dela que também encontramos explicações para as nossas experiências com o mundo e com as pessoas. Assim, entendemos as representações discursivas como discursos que se configuram como sistemas de crenças, conhecimento e ideologias que são constituídas nas práticas sociais pelas instituições e grupos, como o Estado, a escola, a Igreja, a família e a mídia. Essas representações discursivas corroboram para a manutenção ou a mudança das estruturas sociais. Finalmente, por um terceiro motivo, que é a recorrência de camisas que tratam da temática do processo seletivo do vestibular. O ensino médio situa-se na mediação entre a educação básica e a formação profissional stricto sensu. Essa etapa escolar possui funções como a preparação para a continuidade de estudo e a preparação para o mercado de trabalho. É ainda função da escola a de formar os intelectuais que serão responsáveis pela hegemonia, consciência e função nos campos econômico, social e político. O ensino escolar passou por nove reformas, mas suas características continuam sendo o ensino fundamental, seguido do ensino médio propedêutico e completado pelo superior, este, sim, dividido em ramos profissionais, sendo que, para alcançar este último, o estudante tem que ser aprovado em um exame de admissão, o vestibular. Só assim, no final de um mínimo de 15 anos, é que o sujeito3 tem acesso à certificação superior que lhe abre as portas para o mercado. Porém, essa entrada na universidade nem sempre acontece, devido ao baixo financiamento do Estado para atender à demanda que cresce. Desse modo, as instituições escolares têm se preocupado em uma formação que permita que seu aluno seja aprovado no vestibular. Nossa hipótese é de que há um hibridismo nas camisas de formatura com essa temática. Tomemos, por exemplo, algumas frases estampadas nesse tipo de camisa: “Depois do vestibular quem é do (nome da instituição)4 aparece”, “Se nosso próximo desafio é o vestibular, então já me 3 Nesta dissertação, há momentos em que utilizamos o termo “sujeito” para designar os alunos, a turma do terceiro ano, ou seja, como modo de retomar aqueles que produziram a camisa de formatura, e também o empregamos no sentido de “pessoas”, como no caso acima. 4 Buscamos não mencionar os nomes das instituições, dos profissionais e alunos que aparecem nas camisas de formatura e, nas fotografias, colocamos um efeito “desfoque” nos locais onde aparecem essas informações - embora em muitos casos seja quase impossível não fazer menção à instituição, até porque algumas análises mostraram que essa se torna uma informação necessária para a compreensão do texto multimodal. Em algumas camisas, a logomarca, ou o desenho da fachada da instituição, a caricatura e desenhos dos profissionais e dos alunos é um participante representado, ou então, o próprio nome do colégio é mencionado na frase, para criar certo humor. 18 sinto calouro!”. Portanto, cabe analisar de forma mais crítica as mensagens vinculadas nessas camisas, as quais parecem apontar para um discurso da competitividade, tão presente nas sociedades capitalistas, e para uma cultura meritocratica. Nosso objetivo geral, nesta dissertação, é analisar os textos multimodais das camisas de formatura, buscando identificar as representações discursivas que são constituídas nesses discursos sobre o terceiro ano; ou seja, como as turmas de terceiro ano significam esse momento de conclusão da educação básica, através dos elementos verbais e visuais presentes na camisa de formatura? Que valores, conhecimentos e crenças eles (re)produzem? Essas são questões que pretendemos discutir nessa pesquisa. Quanto aos objetivos específicos, pretendemos (i) descrever o texto da camisa de formatura como um texto multimodal, no qual o sentido é realizado por mais de um modo semiótico; (ii) analisar o texto multimodal da camisa de formatura, em termos de seu significado representacional. O sistema de transitividade foi eleito como categoria para verificar as escolhas realizadas pelos sujeitos para representar suas experiências de mundo por meio de suas ações, comportamentos, sentimentos, relações e falas; (iii) interpretar as mensagens dos textos multimodais das camisas de formatura, a partir do seu contexto-histórico e cultural, buscando identificar os enunciados que estão relacionados de forma explícita ou implícita, através da intertextualidade e interdiscursividade, bem como as metáforas que são construídas sobre essa fase que estão vivenciando. Para alcançar esses objetivos, dividimos esta dissertação em cinco capítulos. O capítulo inicial, As representações discursivas, está dividido em três tópicos. No primeiro, apresentamos um panorama do surgimento do conceito de representação coletiva de Durkheim (2007a, 2007b), e algumas considerações de outros pesquisadores como Max Weber (2003) e Marx (1989), que também buscaram investigar como é construída a relação entre indivíduo e sociedade. No segundo, expomos a noção de representação social de Moscovici (2009), dentro da perspectiva da Psicologia Social, e discutimos os pontos em que esta abordagem difere das anteriores ou se assemelha a elas e em que sentido os estudos linguísticos e discursivos colaboram para se pensar esse fenômeno. As representações discursivas podem ser vistas como discursos que se configuram como sistemas de saberes, crenças, valores, visões de mundo que orientam os sujeitos a como agirem e se relacionarem com o mundo e as pessoas. É pelo discurso que os sujeitos se posicionam na sociedade, partilhando ou confrontando sentidos para os aspectos do mundo - haja vista que a sociedade é heterogênea. Desse modo, através dos discursos podemos identificar as 19 representações sociais que os grupos têm ou constroem sobre suas experiências no mundo, sendo que elas podem ser identificadas pela maneira como usamos os sistemas léxico-gramaticais da língua. Então, no terceiro tópico, trazemos os estudos de autores como Bakhtin (1988), Foucault (2009a, 2009b), Fairclough (2001a, 2005) e Halliday e Matthiessen (2004), com os quais podemos refletir sobre a função representativa da linguagem e o discurso como representação. O segundo capítulo descreve o percurso metodológico adotado para a análise do texto multimodal da camisa de formatura. Primeiramente, apresentamos o contexto onde realizamos a pesquisa, em termos de localização espaço-temporal das camisas de formatura, que constituem o material de pesquisa desta dissertação. Em seguida, relatamos como fizemos a coleta desse material. E, por fim, expomos qual foi o critério que adotamos para a seleção das camisas a serem analisadas. Logo após esta explanação, acerca do material de pesquisa, discorremos sobre os procedimentos de análise. Adotamos como método o quadro tridimensional da Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2001a5; 2005), na qual o evento discursivo é analisado sob três dimensões: texto, prática discursiva e prática social. A dimensão textual consiste de uma análise descritiva dos aspectos linguísticos do texto. Para esta descrição do texto verbal, adotamos a Gramática SistêmicoFuncional de Halliday e Matthiessen (2004), no que diz respeito ao sistema de transitividade, responsável pela metafunção representacional da oração. Já para a análise do visual, recorremos à Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen (2006), quando os autores tratam sobre o significado representacional da imagem, identificando se os elementos representados compõem uma estrutura narrativa ou conceitual. Já a dimensão da prática discursiva e da prática social são, respectivamente, análises interpretativa e explicativa do texto e de sua relação com a estrutura social e cultural em que está inserido. Desse modo, o texto multimodal da camisa de formatura foi analisado sob essas três dimensões, separadas aqui por um critério didático, mas que ocorrem simultaneamente, conforme explica Fairclough (2001a). 5 Apesar de utilizarmos vários trabalhos da teoria do discurso de Fairclough, na versão mais antiga (Fairclough, 2001a) é que encontramos uma exposição e explicação do caminho metodológico selecionado para a análise do discurso aqui empreendida, sem contar que ele faz uma revisão de estudos importantes para a discussão sobre linguagem, sociedade e ideologia. Já na versão de [2003] 2005, encontramos um maior tratamento do texto e do arcabouço teórico, as categorias linguísticas para operar a análise textual. A parte em que trata do discurso enquanto representação também foi bastante significativa para a discussão nesta dissertação. A ACD, em trabalhos como o de Fairclough (2001b), tem enfocado, de forma especial, na prática social e nas tendências do discurso, a saber: tecnologização, comodificação e democratização. 20 O terceiro capítulo, A camisa de formatura do terceiro ano, possui três subdivisões. Na primeira, fazemos uma breve revisão sobre o vestuário, tratando-o sob duas perspectivas: como um recurso semiótico, conforme Barthes (2005) e van Leeuwen (2006), e enquanto suporte, de acordo com Marcuschi (2003)6. Geralmente, os estudos sobre o vestuário partem da discursão acerca de se ele tem a finalidade de proteção, adorno ou pudor; no entanto, o interessante é perceber quando o uso de certos trajes passa a se inserir em um sistema normativo e consagrado pela sociedade e a adquirir certos significados. Assim, sob uma perspectiva semiótica, o vestuário é tido como uma linguagem. Por outro lado, o vestuário ainda pode ser descrito em termos de suporte incidental, isto é, que não foi desenhado para essa finalidade, mas que, por uma situação, passou a fixar certos gêneros. A camiseta é o vestuário que melhor permite a fixação dos gêneros, devido ao seu formato. Na segunda, descrevemos a camisa de formatura como um gênero discursivo que tem como suporte a camiseta (Bakhtin, 2000; Fairclough, 2005; Maia, Gomes, 2007). Certas instituições de ensino médio permitem que as turmas do terceiro ano elaborem uma camisa em comemoração à formatura e que pode ser vestida durante o ano letivo, ao invés do uniforme, diferenciando-as das demais turmas de outras séries. Com isso, os alunos consolidaram um estilo, um conteúdo, uma forma de interagir com os membros da comunidade escolar e também com toda a sociedade - ao vesti-las, os alunos estão fazendo circular os textos contidos nelas, em várias esferas públicas e privadas. Portanto, é nesse momento que definimos os elementos que compõem a estrutura visual da camisa de formatura, seu propósito comunicativo, os sujeitos envolvidos nessa interação (leitor virtual dessas camisas), seu estilo, pré-gênero, e também agrupamos as temáticas recorrentes – pelo menos aquelas que foram identificadas no material de análise selecionado para esta dissertação. Finalmente, na terceira subdivisão, descrevemos o texto da camisa de formatura como multimodal. Fazemos uma breve discussão dos estudos de autores como Hodge e Kress (1988), van Leeuwen (2005; 2006), Norris (2004a; 2004b), Carmo (2009) e Kress e van Leeuwen (2006), sobre a importância da análise do visual, como dos outros modos semióticos (gestual, sonoro etc.), para uma compreensão que se pretende mais global sobre o sentido construído no texto. Apresentamos algumas camisas de formatura para exemplificar como os elementos verbais (escritos) e visuais (desenhos, cor da camisa) são indispensáveis no processo de interpretação da mensagem. 6 Marcuschi (2003) foi o pioneiro a tratar a questão do suporte, contudo, há outros trabalhos mais recentes que investigam esse assunto, tais como o de Bezerra (2006; 2007), Távora (2008) e Simões (2010). 21 No quarto capítulo, A constituição das representações sobre o último ano do ensino médio no texto multimodal de camisas de formatura, apresentamos os dados e resultados obtidos na análise do texto multimodal das camisas cujas temáticas de maior recorrência foram o vestibular e a conclusão como uma vitória. Para isso, dividimo-lo em dois tópicos. No primeiro, Significado ideacional: criando uma representação da realidade, fazemos uma descrição dos recursos léxico-gramaticais e visuais utilizados para a construção da mensagem, ou seja, verificamos as escolhas realizadas pelos sujeitos, dentro do sistema de transitividade, para representar verbalmente suas experiências de mundo, por meio dos vários tipos de processos, a saber: material, comportamental, mental, verbal, relacional e existencial. E também examinamos como os elementos visuais se articulam para construir estruturas sejam essas narrativas ou conceituais, que representam visualmente os participantes desempenhando uma ação ou revelando um significado, atributo ou classificação. Atrelados a essa descrição, realizamos uma análise mais interpretativa do texto multimodal dessas camisas, considerando a dimensão da prática discursiva, no que diz respeito às relações intertextuais e interdiscursivas existentes nos enunciados. No segundo tópico, As representações discursivas presentes nos textos multimodais das camisas de formatura, buscamos discutir sobre as metáforas que aparecem nas camisas de formatura, já que essas estruturam um modo de pensar e agir. Desse modo, pretendemos fazer uma análise mais explicativa, em que a dimensão da prática social seja mais enfatizada, já que os recursos semióticos (imagem e linguagem verbal), presentes nessas camisas, acabam vinculando questões culturais, institucionais e ideológicas. Por fim, fazemos algumas considerações sobre o presente estudo acerca das representações discursivas do último ano do ensino médio nos textos multimodais das camisas de formatura, pontuando as questões que foram discutidas ao longo desta dissertação, tal como a construção da identidade dos alunos formandos como “vitoriosos” e “heróis”, e da instituição onde eles estudam como produtora dessas pessoas que venceram todas as adversidades, durante a trajetória escolar, conquistando o diploma, e que são aprovados no vestibular. 22 CAPÍTULO I AS REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS Todos nós nascemos em um momento específico e em uma determinada comunidade, crescemos e aprendemos com os membros mais velhos uma língua, alguns costumes, mitos e crenças do grupo no qual situamos. Dentro dessa comunidade, organizada de maneira peculiar, desenvolvemos certas atividades e interagimos com os outros, estabelecendo certas relações sociais. Desse modo, dizemos que somos sujeitos sociais, históricos e culturais. Como sujeitos socioculturais, situados historicamente, relacionamo-nos com o mundo material, social e psicológico, isto é, o mundo interior do pensamento, sentimento e emoção. Relacionamo-nos também com os outros ao nosso redor. Todas as nossas experiências com o mundo e as pessoas são significadas através da linguagem, mais especificamente, no Discurso7, entendido como um dos momentos da prática social, responsável pela construção do sentido (semiose). Em outras palavras, o sentido é produzido na e pela linguagem, seja ela verbal (oral e escrita), imagética, gestual, musical, entre outras; partilhado, negociado, constado e aceito pelos membros dessa comunidade nos momentos de interação, isto é, nas práticas discursivas. (cf. Faiclough, 2003) Diferentes sujeitos podem produzir, em suas interações, diversos sentidos para as experiências que têm com o mundo e com as pessoas, pois se relacionam de modo distinto com eles, uma vez que os veem por meio de suas lentes socioculturais e históricas. Além disso, é por meio desses sentidos construídos que somos identificados e identificamos as pessoas. A identidade não é vista como algo acabado e fixo, mas como algo móvel, ou seja, “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2006, p. 13). Ou seja, a identidade não é algo que 7 Discurso com letra maiúscula foi usado para referir ao substantivo abstrato, e não a discursos, com letra minúscula, que se refere ao substantivo plural, como forma de significar as experiências, a partir de uma perspectiva particular. está no material genético do ser humano, mas algo que está situado nas práticas sociais, que é construído na interação discursiva, entre o Eu e o Outro, na qual o mundo e as pessoas são significados. As representações são históricas e situadas. Isso significa que o sujeito pode ser representado de forma diferente no espaço-tempo. “A moldagem e a remoldagem de relações espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representações têm efeitos profundos sobre a forma como as identidades são localizadas e representadas.” (HALL, 2006, p. 71) Isso sugere, então, que a forma como o sujeito se identifica e é identificado varia, de acordo com as representações que são construídas em dada sociedade e cultura, em um determinado momento histórico, acerca do que se é; do que é desejável e indesejável; bom e mal; normal ou anormal, e assim por diante. É com respeito ao conceito de representação que tratamos com maior profundidade neste capítulo. Primeiramente, apresentamos um breve panorama do surgimento do conceito de representação coletiva e social, destacando alguns autores dentro da Filosofia, Sociologia e Psicologia Social que buscaram investigar como é construída a relação entre sujeito e sociedade. Em seguida, discutimos como os estudos linguísticos e discursivos abordam a questão da representação, que está diretamente relacionada a essa maneira como apreendemos e significamos o mundo, as pessoas e os fatos, através dos nossos discursos, e no que essa abordagem discursiva difere das apresentadas nos tópicos 1 e 2 ou se assemelha a elas. Na abordagem dos estudos discursivos, à qual nos filiamos para o estudo das representações sociais, no texto multimodal da camisa de formatura, o interesse é analisar o Discurso, enquanto prática social, que constitui linguisticamente (e por que não, através também de outras modalidades semióticas) essas formas de conhecimento sobre o mundo – as representações sociais. A realidade social é uma construção coletiva. Ao descrevermos certos fatos, nossos enunciados não representam o real, mas uma versão que fazemos dele, de acordo com nossos propósitos e posicionamentos no mundo (crenças, conhecimentos etc). Desse modo, não há discurso neutro que apresente os objetos sobre os quais falamos, sem um posicionamento, sem uma apreciação avaliativa, sem que nosso dizer retorne a outros discursos para respondê-los. Afinal, cada escolha que fazemos dos recursos linguísticos de que dispomos para interagir (re)produz certos significados sociais, situados culturalmente e historicamente. (cf. Bakthin, 1988; 2000) 24 1.1. Origem do conceito de representação: uma perspectiva filosófica e sociológica Conforme Minayo (2003), o conceito de representação não é novo. Diversos autores buscaram investigar o problema das construções simbólicas sobre o real, dentre os quais ele destaca Durkheim, considerado precursor, com seus estudos sobre as representações coletivas. Assim, o conceito de representação emerge na Sociologia, quando Durkheim (2007a) faz a distinção entre as representações individuais, que, para ele, pertencem ao domínio da Psicologia, e as representações coletivas, que seriam do domínio da Sociologia. Para Durkheim (2007b), as representações coletivas são um fenômeno que é geral, comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, a maior parte deles. É um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles, tais como as crenças e as práticas transmitidas pela geração anterior, que são respeitadas por serem revestidas de autoridade e são transmitidas pela Educação e pela moral. Sendo assim, as representações coletivas são categorias de pensamento através das quais uma sociedade elabora e expressa sua realidade. Essas categorias não são universais e nem dadas a priori, mas emergem dos fatos sociais8. Estes são as bases para tais “maneiras de fazer” e “maneiras de ser” coletivas. (Durkheim, 2007b, p. 11) As representações conservam as características da realidade social. Uma vez constituídas, tornam-se realidades parcialmente autônomas. Portanto, representações novas podem surgir de outras representações, e não necessariamente da estrutura social. (Durkheim, 2007a, p. 44) De acordo com Minayo (2003), Max Weber é outro autor que trabalha o conceito de representação, porém emprega outros termos como “ideias”, “espírito”, “concepções”, “mentalidade”, muitas vezes, de maneira equivalente. Para Max Weber (2003), a vida social possui um significado cultural que é dado tanto pela base material 8 Para Durkheim (2007b), existem certos fenômenos que se distinguem dos fenômenos naturais, os quais ele denominou de fatos sociais. Fato social é um construto humano, uma forma de agir, de pensar e de sentir que se impõe aos homens como algo exterior, isto é, algo que não nasce com eles e não brota de um sentimento interno que se impõe no exterior; e que exerce certa coerção sob o grupo. O sujeito, segundo ele, deve se submeter às convenções do mundo, observar os costumes, como, por exemplo, a maneira de se vestir do grupo. Apesar de o indivíduo não ser obrigado a seguir tais comportamentos, é algo que não tem como ser diferente, sua força é forte, porque, mesmo que este indivíduo tente violá-los, isso se dá através da luta (contra eles), já que colocam resistência. Em geral, o fato social é, nas palavras do autor, “toda maneira suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.” (DURKHEIM, 2007b, p. 13) [itálico do autor] 25 como pelas ideias, isto é, as representações são pontos de vistas que emergem de uma relação de condicionamento mútuo entre as ideias com a base material. Max Weber (2003) não nega que o modo como se organiza a economia tenha efeito sobre as diversas outras formas da vida social. Ele observa que os fenômenos da vida religiosa, a orientação do gosto estético de uma dada época, por exemplo, são também economicamente condicionados. Contudo, considera que não é apenas o poder econômico o fator determinante na formação das ideias. Para ele, as representações teriam uma relativa autonomia. Segundo Minayo (2003), Wax Weber propõe ainda o conceito de “visão de mundo” para mostrar que cada sociedade, para se manter, necessita de uma concepção de mundo abrangente sobre certos temas, como, por exemplo, o trabalho. Em Marx podemos pensar a questão da representação quando ele relaciona as ideias com a base material. Em A ideologia Alemã, ele (1989) faz uma crítica aos filósofos alemães de seu tempo que acreditavam que as pessoas tinham certas ideias sobre o mundo, sendo estas invenções humanas. Para esses filósofos, as pessoas estariam enganadas e aprisionadas por tais ideias falsas. Assim, era preciso libertá-las dessas ideias, ou representações religiosas9. Tal pensamento apresentava-se para época como algo revolucionário. Como observa Marx (1989), esses filósofos lutavam contra essas representações, propondo outra interpretação. Segundo Marx (1989, p. 12), as bases das representações “são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação.” Os indivíduos encontram meios de existência na natureza; no entanto, para sua sobrevivência, precisam produzir ou reproduzir esses meios, criando assim um modo de vida, que revela o que eles são, o que e como produzem. Então, para Marx (1989), as representações que os indivíduos fazem de si mesmos, ou que outros fazem deles, partem dessa relação com a natureza e com os outros, de suas atividades reais, de sua produção, de seu comércio, de sua organização política e social, em outras palavras, do modo de produção de sua vida material. Portanto, é a vida que determina a consciência (concepção materialista), e não o contrário (concepção idealista). Além disso, essa consciência manifesta na linguagem, que surge da necessidade de intercâmbio com os outros, isto é, da necessidade de estabelecer relações com o outro, relações sociais. 9 No início, consideravam-se apenas as experiências místicas e religiosas como representações, sendo essas tidas como ideias e conhecimentos inventados por algumas pessoas para engarem as outras e fazê-las pensarem e agirem de acordo com o interesse daquelas. 26 Para Marx (1989), os pensamentos da classe dominante, daquela classe que detém os meios de produção, são os pensamentos dominantes. Estes apresentam os interesses dessa classe como se fossem de interesse coletivo, de modo que, para haver mudança no pensamento, é necessária uma luta, sendo que a classe que deseja tomar lugar daquela que domina deve conquistar o poder político e econômico, apresentar seus interesses como sendo de interesse comum e dar a seus pensamentos a forma de universalidade. Como vemos, em Marx (1989), as representações estariam diretamente relacionadas às condições sociais, pois resultam das relações entre as classes e o poder. 1.2. O conceito de representação social na perspectiva da Psicologia Social O conceito de representação social é introduzido por Moscovici (1961)10, em sua obra, La Psychanalyse: son image et son public, na qual divulga seu estudo sobre as representações da Psicanálise, em textos informativos que circulavam na sociedade parisiense da época. A partir desse estudo, ele percebe que a Psicanálise era representada diferentemente pela mídia. Por exemplo, a imprensa católica estabelecia uma relação de assimilação, em que os psicanalistas eram vistos como padres, os pacientes como penitentes e a terapia como uma confissão, enquanto a imprensa marxista estabelecia uma relação de contraste e de rejeição. (Farr, 2003) Desse modo, Moscovici (1961) afirma que as representações não são as mesmas para todas as pessoas, pois dependem do conhecimento popular e do contexto sociocultural. Segundo Moscovici (2009), nos estudos iniciais sobre as representações, concebiam-se as crenças e superstições, partilhados por milhões de pessoas, como quimeras, ilusões, e consideravam que, quando as pessoas se reuniam em grupos, elas agiam de forma irracional, estereotipada, e que elas não conseguiam perceber os erros11 dessas formas de pensamento. Estabelecia-se, assim, uma dualidade entre indivíduo e sociedade, e representações como um conceito que obscurecia a realidade. Contudo, o problema, para Moscovici (2009), não é estabelecer a supremacia de uma forma de perceber o mundo, como o conhecimento popular (senso comum), a experiência mística, ou o conhecimento cientifico, mas investigar por que a 10 MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF, 1961. 11 Na verdade, esses primeiros pesquisadores, presos às suas próprias representações sociais, não conseguiam analisar as representações dos outros grupos sem fazerem juízos de certo ou errado, cometendo assim muitos equívocos, como, por exemplo, a de considerarem que apenas as sociedades fechadas possuem representações. 27 sociedade cria tais crenças e ideias, independentemente de estarem corretas ou não, e por que elas são aceitas e transmitidas de uma geração a outra. [...] uma sociedade não poderia ser definida pela simples presença de um coletivo que reune indivíduos através de uma hierarquia de poder, por exemplo, ou através de intercâmbios baseados em interesses mútuos. Certamente existem poder e interesse, mas para serem reconhecidos como tais na sociedade devem existir representações ou valores que lhes dêem sentido e, sobretudo, que se esforcem para que os indivíduos convirjam e se unam através de crenças que garantem sua existência comum. Isso tudo é guiado por opiniões, símbolos e rituais, isto é, por crenças e não apenas pelo conhecimento e pela técnica. As opiniões pertencem a uma ordem diferente: crenças sobre a vida em comum, sobre como as coisas devem ser, sobre o que se deve fazer; crenças sobre o que é justo, o que é verdadeiro e o que é belo, e ainda outras coisas, todas produzindo um impacto nos modos de se comportar, de sentir ou de transmitir e permutar bens. (MOSCOVICI, 2009, p. 173) Desse modo, o conceito de representação social surge nesse pano de fundo onde crenças, ideias, valores, comuns a todos, servem para manter os indivíduos em grupo, unidos a uma “paixão comum” que é transmitida de uma geração a outra. Ninguém é como um Adão que percebe o mundo, desprovido de uma ideia, de um valor. As pessoas percebem o mundo a partir de um modo comum de vida que orienta como seres e objetos devem ser classificados e julgados. “Um homem que não pensa com conceitos não seria um ser social. Restrito apenas a percepções individuais, ele não seria diferente de um animal.” (DURKHEIM, [1912]199512 apud MOSCOVICI, 2009, p. 180) As crenças e conhecimentos têm sua origem na interação, são materializados em estruturas especificas (clãs, Igrejas, movimentos, famílias) e adotados pelos indivíduos, e incorporados em suas ações, exercendo uma coerção sobre eles. (cf. Althusser, 199213) As representações religiosas eram consideradas como pensamentos primitivos, e dessa forma as representações coletivas eram estudadas em sociedades fechadas e sem ciência. No entanto, a ciência, como percebe Moscovici (2009), é também uma forma de perceber o mundo, ou seja, é para ele também uma representação social. Segundo Farr (2003, p.46), Moscovici, como vimos, parte de Durkheim, contudo, substituindo representações coletivas por representações sociais. Para Moscovici, as representações estão presentes tanto “no mundo” quanto “na mente”, e elas devem ser pesquisadas em ambos os contextos. Jodelet (2005, p. 43) explica que a Psicologia Social, na qual Moscovici está inserido, situa-se na interface entre o 12 DURKHEIM, Émile. The Elementary Forms of the Religious Life. Nova Iorque: Free Press, [1912] 1995. 13 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal, 1992. 28 psicológico e o social, cabendo-lhe o desafio de “pensar o social como cognitivo e as propriedades da cognição como algo social, pensar a parte afetiva do pensamento social.” Conforme Duveen (2009), a separação feita por Durkheim entre representações individuais e coletivas deve-se a um esforço de tentar estabelecer a Sociologia – termo optado pelo autor, ao invés de Psicologia Social, para eliminar qualquer confusão com a Psicologia - como uma ciência autônoma. A sociologia de Durkheim orienta-se para aquilo que faz com que a sociedade se mantenha coesa; nesse sentido, as representações coletivas recebem um papel significativo em sua teoria sociológica, devido a seu poder de obrigar, integrando e conservando a sociedade. Já os estudos de Moscovici, dentro da Psicologia Social, por outro lado, interessam-se na construção das representações. Portanto, o primeiro observa as representações como formas estáticas de compreensão coletiva, que exerce uma coerção, enquanto o segundo observa e tenta investigar a heterogeneidade das ideias coletivas dentro das sociedades modernas, assim vistas de forma mais dinâmica, “como uma ‘rede’ de idéias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas livremente e, por isso, mais móveis e fluidas”. (MOSCOVICI, 2009, p. 210) Se no Feudalismo a legitimação da crença e do conhecimento era regulada pelas instituições centralizadoras da Igreja e do Estado, nas sociedades modernas esta legitimação é descentralizada e já não precisa da intervenção divina; além disso, novas formas de conhecimentos e crenças são produzidas pela ciência e difundidas pelos meios de comunicação. A legitimação torna-se parte de uma dinâmica social complexa e contestada, na qual diferentes grupos procuram estabelecer uma hegemonia. Moscovici (2009, p. 49) justifica o termo “representação social”, e o define como Se, no sentido clássico, as representações coletivas se constituem em um instrumento explanatório e se referem a uma classe geral de idéias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), para nós, são fenômenos que necessitam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. É para enfatizar essa distinção que eu uso o termo “social” em vez de “coletivo” Portanto, representações sociais são formas de compreender e agir no mundo, e que emergem nas inter-relações sociais, sugerindo que as pessoas e os grupos não são receptores passivos, mas que pensam, produzem e comunicam suas próprias 29 representações, que têm impacto nas relações sociais, nas escolhas que fazem, na educação dos filhos, entre outros. Moscovici (2009) identifica duas funções das representações: (i) convencionalizar os objetos, pessoas e acontecimentos, ou seja, colocá-los em categorias; mesmo que eles não se ajustem exatamente ao modelo, tornamo-los parecidos para que haja compreensão; e (ii) prescrever, isto é, impor-se sobre nós como uma força irresistível. Isso porque nossa maneira de pensar depende dessas representações, já que há uma ideia preexistente que decreta o que deve ser pensado. Aceitamos as representações como realidades inquestionáveis, mas que, com o tempo, podem tornar-se ilusões, ainda que pareçam corresponder àquilo que vemos, uma vez que observamos as aparências, que nem sempre condizem com a realidade. Por exemplo, ainda temos a impressão de o Sol girar em torno da Terra, mas, na realidade, é a Terra que gira em torno do Sol, assim esta representação questiona e torna ilusória a primeira. “Por que criamos nós essas representações?”, esta questão, levantada por Moscovici (2009, p.53), tem como reposta o propósito de tornar familiar algo não familiar. As representações servem como critérios para avaliar o que é incomum, anormal, aquilo que não deveria ser como é. A alteridade é rejeitada, porque ameaça nosso universo consensual, isto é, “locais onde todos querem sentir-se em casa, a salvo de qualquer risco, atrito ou conflito. Tudo o que é tido ou feito ali, apenas confirma as crenças e as interpretações adquiridas, corrobora, mais do que contradiz, a tradição.” (MOSCOVICI, 2009, p. 56) Os psicanalistas, por exemplo, no início da Psicanálise na França, eram comparados aos padres, e os pacientes aos penitentes. Assim, o que era desconhecido foi incluído em uma categoria familiar. Desse modo, podemos dizer que as representações sociais são [...] formadas através da influência recíproca, através de negociações implícitas no curso das conversações, onde pessoas se orientam para modelos simbólicos, imagens e valores compartilhados específicos. Nesse processo, as pessoas adquirem um repertório comum de interpretação e explicações, regras e procedimentos que podem ser aplicadas à vida cotidiana, do mesmo modo que as expressões linguísticas são acessíveis a todos. (MOCOVICI, 2009, p. 208) Nesse sentido, Moscovici (2009) entende por “compartilhado” algo que foi construído através da comunicação e não o fato de serem comuns e autônomas. Segundo Moscovici (2009), existem dois processos que geram representações sociais, a ancoragem e a objetivação. O primeiro diz respeito ao fato de classificarmos e darmos nome a alguma coisa para que se torne familiar. Quando classificamos algo, 30 “nós o confinamos a um conjunto de comportamentos e regras que estipulam o que é ou não é permitido, em relação a todos os indivíduos pertencentes a essa classe.” (MOSCOVICI, 2009, p. 63) Essas classificações se realizam comparando as pessoas a um protótipo, ou seja, selecionamos uma característica e a usamos como uma categoria, quando é positiva a aceitamos, quando é negativa a rejeitamos. Ao classificamos, acabamos por nomear. Quando nomeamos algo, segundo Moscovici (2009, p. 66), “nós o libertamos de um anonimato perturbador, para dotá-lo de uma genealogia e para incluí-lo em um complexo de palavras especificas, para localizá-lo, de fato, na matriz da identidade de nossa cultura.” [grifo do autor] Desse modo, damos uma identidade àquilo que não estava identificado. Quanto ao processo de objetivação, para Moscovici (2009, p.71-72) este é “descobrir a qualidade icônica de uma idéia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substância.” Por exemplo, quando comparamos Deus a um pai, reproduzimos o conceito deste naquele, transformamos o que era abstrato em algo concreto. Assim, fazemos conhecidas as coisas a partir do que já é conhecido. Até o momento, vimos que essas perspectivas sobre a representação social revelam um sujeito, posicionado no mundo cuja maneira de perceber os objetos, os fatos e as pessoas baseia-se nas formas de conhecimento do grupo do qual é membro. Assim, as representações discursivas que são construídas pelos alunos no texto multimodal das camisas de formatura do terceiro ano podem revelar parte da sociedade e cultura em que esses sujeitos estão inseridos, ou seja, quais são suas crenças, valores e conhecimentos acerca dos vários temas abordados, tais como a conclusão do ensino médio, o processo seletivo do vestibular e assim por diante, bem como a maneira como eles identificam a turma, os professores e a instituição escolar em que estudam. Contudo, a representação coletiva de Durkheim (2007a) possui uma visão determinista, pois, como expusemos, para ele, as representações exercem uma coerção nos sujeitos. De fato, como veremos no próximo tópico, os sujeitos são interpelados por essas representações, mas podem resistir a elas, pois não são sujeitos passivos. Por isso, Moscovici (2009) apresenta as representações como algo móvel, e observa que a sociedade é heterogênea, ou seja, os grupos não pensam e agem da mesma forma. Marx (1989) contribuiu para se pensar a questão da luta social. Conforme Minayo (2003, p. 105), “enquanto a classe dominante tem suas ideias elaboradas em sistemas – ideologia, moral, Filosofia, metafísica e religião – as classes dominadas também possuem ideias e representações que refletem seus interesses, mas numa 31 condição de subordinação.” Para Marx (1989), a classe dominante, para alcançar seus fins, precisa apresentar seus interesses como sendo de todos, tomando suas ideias como ideias universais. Contudo, as representações não devem ser vistas simplesmente como um problema de classe, já que também envolvem questões de gênero, etnia, e assim por diante. De acordo com Minayo (2003), as representações são imagens construídas sobre o real e se manifestam na linguagem, tomada como forma de interação social. As representações expressam as contradições e os conflitos, presentes nas condições em que foram engendradas, isto é, expressam a natureza contraditória da organização em que os sujeitos estão inseridos, o que de certa maneira vai ao encontro do que expõe Moscovici (2009) sobre as diversas crenças e conhecimentos que diferentes grupos têm sobre o mundo. “Todos nós aceitamos, sem dúvida, a idéia de que os conteúdos e sentidos representados variam dentro da mesma sociedade, da mesma cultura, como acontece também com seus meios de expressão linguística.” (MOSCOVICI, 2009, p. 213) Potter (2005) comenta que, apesar de a Psicologia Social dar mais ênfase à representação do que qualquer outra abordagem na Ciência Social, essa teoria preocupa-se com o papel da representação social em ajudar as pessoas a perceber o mundo como algo seguro e ordenado, e a promover a comunicação entre elas. Sobre as representações sociais, Moscovici (2009, p. 212) ainda diz que [...] não é mais adequado considerar as representações como uma réplica do mundo ou como um reflexo dele, não apenas porque essa concepção positivista é uma fonte de numerosas dificuldades, mas também porque as representações evocam igualmente o que está ausente desse mundo, elas o constituem mais do que o simulam. [...] Penso que a maioria da 14 pesquisa sobre discurso realizada por Billig (1987) , Potter & Litton 15 não contradiz a teoria das representações sociais. Pelo (1985) contrário, ela a completa e aprofunda esse seu aspecto. [...] não hesito, portanto, em traçar o que aprendemos sobre retórica, sobre narrativas linguísticas, como sendo muito estreitamente relacionadas às representações sociais. [grifo nosso] Moscovici (2009) afirma que as representações sociais não são um reflexo do mundo, mas elas ajudam a constituí-lo, e que os estudos sobre discurso não contradizem a Teoria da Representação Social, isso porque também os discursos são pontos de vista e ideias distintas que diferentes grupos têm acerca do mundo, e, portanto, a realidade é constituída diferentemente, ou que nos permitiria dizer que não 14 BILLING, Michael. Arguing and Thinking: a Rhetorical Approach to Social Psychology. Cambridge: Cambridge University Press. 1987. 15 POTTER, Jonathan.; LITTON, Ian. Some problems underlying the theory of social representations. British Journal of Social Psychology, 24, p. 81-90, 1985. 32 existe uma, mas, várias realidades, de acordo com os discursos que vão sendo moldados sobre essa. Assim, com base nos estudos de Bakhtin (1988) sobre a linguagem e nos pressupostos da Gramática Sistêmico-Funcional e nos estudos discursivos da Análise Crítica do Discurso, discutiremos, a seguir, que, em nossas interações, estamos, a todo o momento, produzindo e negociando significados, retomando certos discursos, seja para afirmá-los ou contestá-los, contribuindo para mudança ou manutenção desses sistemas de crenças. Não é que as representações sejam “falsas ideias”, mas se tornam perigosas, quando utilizamos os sistemas da linguagem para representar os eventos com aparente imparcialidade, ou naturalização de certos eventos, reafirmando o poder e as representações sociais de certos grupos. Então, há uma necessidade de uma análise crítica da maneira como os sujeitos utilizam a linguagem para representar os eventos sociais, seus processos (ações) e seus participantes, construindo imagens do real. Para Potter (2005), a linguagem não apenas transmite representações sociais, mas também constrói essas representações sociais, pois é através da categorização que se constrói um sentido específico para algo. Desse modo, ao analisarmos os textos multimodais das camisas de formatura, atentaremos em como a linguagem reflete mas também ajuda a criar o real, e, além disso, como os recursos linguísticos e outros recursos semióticos são usados para representar um evento, de maneiras distintas ou não, pelas turmas de terceiro ano. 1.3. Um enfoque sobre as representações discursivas Todos esses autores anteriormente citados concordam que é através da linguagem que as representações sociais tomam corpo, isto é, se materializam. Em um enfoque linguístico e discursivo, ao qual nos filiamos, as representações sociais são concebidas como elementos históricos e culturais que se manifestam no discurso. Como ponto de partida para esta discussão, tomaremos os estudos de Mikhail Bakhtin (1988), um importante filósofo da linguagem do século XX, acerca do dialogismo e da palavra como signo social e ideológico. Uma das críticas pontuadas por Bakhtin (1988) diz respeito à psicologia e à filosofia idealista da época que concebiam a consciência como algo do interior e na qual a ideologia estaria inserida. Segundo o autor (1988, p. 48), “uma das tarefas mais essenciais e urgentes do marxismo é construir uma psicologia verdadeiramente objetiva. No entanto, seus fundamentos não devem ser nem fisiológicos nem biológicos, mas SOCIOLÓGICOS”. [caixa alta do autor] Desse modo, elabora uma 33 conjetura de consciência, fundamentada nos aspectos sociológicos, que rompe com os aspectos fisiológicos e biológicos e se relaciona ao contexto social e ideológico e não a processos internos. Para Bakhtin (1988), a consciência só pode surgir e agir como realidade, mediante a sua encarnação material na linguagem. Toda atividade mental do indivíduo estaria centrada na palavra, na mímica, constituindo-se, portanto, no “discurso interior”. Como a palavra é social, assim também, a consciência só poderia ser social, uma vez que nosso pensamento é moldado por ideias preexistentes. A palavra direciona modelos de valor a respeito de como o mundo é, deveria ser e de como torná-lo melhor ou pior, levando aos apelos e às crenças sobre quem e o que é bom ou errado, normal ou anormal, aceitável ou não. Quando grupos de pessoas ou instituições negociam sentido, também negociam questões sociais de importância moral. [...] cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão, como produto da interação viva das forças sociais. (BAKHTIN, 1988, p. 66) O sentido da palavra é visto, então, como algo que pode ser negociado, contestado e mudado pelos indivíduos na interação social. No entanto, segundo Gee (2008), essa negociação não ocorre sempre, porque em muitos casos convencionamos os sentidos para apaziguar as relações - ainda que em algum momento esses possam ser rompidos. Assim, tornamos parte dessas convenções quando interagimos com os outros e fazemos parte de grupos e instituições. Estes últimos, por exemplo, são responsáveis por controlar, como também negociar o sentido das palavras que, portanto, é social e cultural. A palavra é também um “fenômeno ideológico por excelência” (BAKHTIN, 1988, p. 36), devendo ser colocada em primeiro plano no estudo das ideologias. Ela reflete e refrata uma realidade. Reflete porque tenta representar as coisas no mundo, mas refrata porque essa representação não é “real”, “verdadeira”, e sim distorcida. Afinal, relacionamo-nos diferentemente com o mundo e, portanto, temos diferentes pontos de vista, isto é, maneiras de representá-lo. Desse modo, a palavra viva, isto é, em seu uso nas diversas práticas sociais, torna-se essa arena, na qual lutam certos valores, pontos de vista, crenças e ideologias. Desse modo, como observa Bakhtin (1988), o locutor não usa a língua como sistema de formas normativas, ele a usa para suas necessidades enunciativas. Então, o centro da língua reside na nova significação que essas formas adquirem no 34 contexto, e não sua conformidade. Gee (2008) comenta que muitas pessoas e até alguns linguistas acreditavam que as palavras possuíssem sentidos fixos e que poderíamos apreendê-los consultando o dicionário, ou que o sentido das palavras estaria na cabeça de cada um, como um conceito. Para ele, as palavras se parecem mais como entradas enciclopédicas do que com definições do dicionário, pois estão conectadas ao conhecimento e às crenças, encapsuladas em modelos culturais, que permitem que as pessoas entendam diferentemente as palavras em diferentes contextos e ainda que entendam os novos usos das palavras para contextos novos. Nesse sentido, para o locutor, o que interessa é a palavra variável e flexível, e não enquanto algo estável e sempre igual a si mesmo. Isso vale para o receptor, pois a tarefa de interpretação não resulta do reconhecimento da forma, mas da compreensão da significação no contexto. Bakhtin (1988) diz que há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis, isto é, a palavra é polissêmica. São constituídas pelas diversas enunciações. Elas evocam outras vozes. Nesse sentido, a palavra é sempre dialógica (cf. Bakhtin, 1988). A comunicação verbal (ou a interação verbal) não é simplesmente a produção fônica de mensagens pelo locutor, ouvidas por um parceiro passivo que compreende os sons enunciados. Mas toda enunciação realiza-se numa situação comunicativa imediata, num determinado contexto histórico-social e por sujeitos com propósitos comunicativos que agem e interagem entre si. Na comunicação verbal, têm-se pelo menos dois participantes, aquele de quem parte a mensagem, o Eu, e para quem a mensagem é destinada, o Tu. A mensagem, entendida como o texto, é sempre responsiva, isto é, responde a algo dito anteriormente e provoca uma resposta, que pode ser imediata ou não, verbal ou uma ação. Assim, aquele que recebe a mensagem participa ativamente do processo de comunicação verbal. Além disso, quem são os parceiros, onde eles estão, sobre o que falam, com qual propósito se interagem, entre outros, é fundamental para o acabamento do enunciado, ou seja, para o como a mensagem será construída. O produto da enunciação é o enunciado. Segundo Bakhtin (2000), o enunciado difere da frase - sequência de palavras organizadas conforme a sintaxe. Ele é uma unidade de significação e que depende do contexto situacional, histórico e cultural para ser compreendido. É por isso também que nenhum enunciado é exatamente igual ao outro, ou seja, mesmo que o indivíduo repita diversas vezes um mesmo conteúdo, seus enunciados serão construídos de maneiras distintas. Ou mesmo que a estrutura 35 seja a mesma, ele pode ser interpretado diferentemente, conforme os propósitos, a situação, os interlocutores presentes nela e assim por diante. Contudo, esses enunciados trazem consigo outros enunciados. Então, quando falamos ou escrevemos, estamos sempre respondendo a algo que já foi dito por outro, retornando um dizer seja para refutar, confirmar, ou completá-lo. Em outras palavras, nossos enunciados estão sempre associados a outros enunciados, não somos os primeiros a tratar sobre determinados temas. Portanto, nossos enunciados antecipam e procedem outros enunciados. (cf. Foucault, 2009a) Ao produzimos certos enunciados, estamos nos posicionando a partir de um determinado lugar, de uma determinada formação social. Assim, nossos discursos, isto é, “um conjunto de enunciados, na medida em que se apóiam na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2009a, p. 132), estão sempre associados a outros discursos, pré-existentes ao nosso dizer, e que direcionam nossa maneira de falar e de nos relacionar com o mundo e os outros. Para Foucault (2009a), portanto, não devemos tratar os discursos apenas em seu aspecto linguístico e isoladamente da situação de produção, mas como um conjunto de enunciados, produzidos em um determinado contexto e formação social, que está relacionado a outros enunciados, e que constitui os objetos de que falam: [...] uma tarefa inteiramente diferente, que consiste em não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. (FOUCAULT, 2009a, p. 55) (grifo nosso) Na citação acima, como já mencionamos, Foucault (2009a) defende a ideia de que a palavra institui a coisa, ou seja, são os discursos que instituem os objetos e os sujeitos de que falam. Assim sendo, os objetos e os sujeitos só existem a partir do momento em que são constituídos por uma prática dentro de uma sociedade. Por exemplo, podemos dizer que as identidades dos sujeitos, ou seja, as categorias de gênero, raça, etnia, idade, profissão, entre outras são construções discursivas. (cf. Benwell e Stokoe, 2006) É um conjunto de práticas discursivas que ditam o como se comportar, se vestir etc que constitui o que é, por exemplo, “ser mulher” em um determinado contexto sociocultural e histórico, uma vez que as práticas discursivas podem sofrer mudanças ou variar conforme uma cultura e outra. Ou ainda, fazendo o percurso inverso, podemos dizer que o signo linguístico “mulher” nos remete a certos valores, práticas discursivas, modelos culturais de um grupo de indivíduos ou de uma instituição. Assim, podemos ter vários discursos do que é ser “mulher”, isto é, que 36 descreve essa identidade, de acordo com as formações discursivas, às quais esses discursos se filiam. Os sujeitos, que já nascem dentro da uma sociedade, com estruturas estabelecidas, e como membros de um grupo, de uma instituição, são interpelados pelos discursos, isto é, tendem a aceitar o discurso do mesmo, adequando seu dizer ao já-dito, aos dizeres do outro, ao modo de perceber a realidade daquele grupo ou instituição. (cf. Arthusser, 1992) Para Foucault (2009b, p. 8-9), “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos”. Desse modo, os discursos podem ser interditados: “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim não pode falar de qualquer coisa”. (FOUCAULT, 2009b, p. 9). Os estudos de Foucault (2009a) acerca do discurso e também a perspectiva constitutiva do mesmo são significativos, uma vez que contribuíram para o descentramento do sujeito, fazendo emergir a concepção do sujeito constituído e fragmentado16. Contudo, na visão de Fairclough (2001a), tais estudos devem ser avaliados. Para ele, os sujeitos podem aceitar ou rejeitar essas interpelações, pois, não são totalmente passivos, como descreve Foucault (2009a). [...] os sujeitos sociais constituídos não são meramente posicionados de modo passivo, mas capazes de agir como agentes e, entre outras coisas, de negociar seu relacionamento com os tipos variados de discurso a que eles recorrem. (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 87) À medida que nos inserimos em grupos e instituições, que vamos interagindo com os outros em nossas atividades sociais, deparamo-nos com enunciados que constituem maneiras de pensar, dizer e agir sobre determinados aspectos do mundo. Assim, vamos sendo constituídos na e pelas práticas discursivas. Contudo, essa relação é sempre dialética, pois o sujeito é moldado pelas práticas, mas também as remodela e as reestrutura. 16 A concepção de sujeito e a questão da identidade passaram por certas mudanças. Segundo Hall (2006), podem ser enumerados três momentos: (i) o sujeito do Iluminismo; (ii) o sujeito sociológico e (iii) o sujeito pós-moderno. A princípio, acreditava-se que a posição do sujeito, isto é, sua identidade era divinamente estabelecida e não era sujeita a mudança. Assim, tinha-se a noção de uma identidade unificada e singular. Mas, com a transição do feudalismo para a modernidade, caracterizada pela mudança no modelo econômico, pelo ceticismo metafísico e pelo avanço da ciência, surge à noção de sujeito racional e centrado. Compreende-se, mais tarde, com o surgimento da sociologia, que esse sujeito é social, uma vez que é localizado e definido nas estruturas. Há uma relação entre duas entidades, o individuo (interior) e a sociedade (exterior), uma vez que sua identidade é formada através da relação social. Contudo, em um último estágio desta conceptualização, ocorre uma descentralização do sujeito, ou seja, o sujeito não tem uma identidade, mas várias identidades, às vezes contraditórias. 37 Fairclough (2005), partindo da Linguística Sistêmico-Funcional, adota o princípio de que o sistema de uma língua está diretamente relacionado às necessidades sociais e pessoais dos indivíduos. Mas quais seriam as funções básicas da linguagem em relação ao nosso ambiente social? Para Halliday e Matthiessen (2004), a linguagem é multifuncional. Ao estudarem a gramática da língua inglesa, esses autores (2004) postulam que a oração possui três metafunções. Para eles, a oração é sempre atuação. Através da língua atuamos nas relações sociais, interagimos com as pessoas ao nosso redor. A oração é também uma proposição, isto é, nos informamos ou questionamos sobre algo, damos ordem ou fazemos uma oferta, e expressamos nossa apreciação ou atitude sobre o que nos é destinado e ao que estamos falando. Esta função corresponde à metafunção interpessoal. Ao mesmo tempo, quando usamos a língua damos sentido às nossas experiências. Não há nenhuma faceta da experiência humana que não possa ser transformada em sentido. Na oração são representados participantes, processos (algum feito, acontecimento, dito, entre outros) e circunstâncias. Segundo Halliday e Matthiessen (2004), alguns recursos da léxico-gramática são responsáveis por essa função, a qual eles denominaram de metafunção ideacional e que pode se distinguir em dois componentes, experimental e lógico. O componente experimental revela a linguagem como organização de experiências de mundo (participantes, processos e circunstâncias). O componente lógico expressa as relações lógicas entre complexos oracionais e grupos nominais. As relações entre as orações se dão por um grau de interdependência (taxe) ou relações lógico-semânticas. A gramática ainda revela um terceiro componente, a metafunção textual, responsável pelo sistema de informação e de organização da mensagem e coesão das orações. Portanto, toda oração é multifuncional, ou seja, constituída em três linhas metafuncionais de sentido: (i) metafução interpessoal (oração como troca); (ii) metafunção ideacional (oração como representação), e (iii) metafunção textual (oração como mensagem). Com base nas formulações da Teoria Sistêmica-Funcional, Fairclough (2005) postula que o Discurso configura-se de três significados distintos, mas simultâneos: (i) acional (corresponde à função interpessoal e função textual); (ii) representacional (corresponde à função ideacional) e (iii) identificacional (corresponde à função interpessoal). Fairclough (2005, p. 124), ao tratar do significado representacional, define discurso “como formas de representar os aspectos do mundo – os processos, relações 38 e estruturas do mundo material, do mundo mental dos pensamentos, sentimentos, crenças e assim por diante, e do mundo social”17. Podemos pensar o discurso como representando algum aspecto particular do mundo (seus principais temas) e representando-o sob uma perspectiva (pontos de vista). Um mesmo aspecto do mundo pode ser representado diferentemente, isso porque as representações estão associadas de acordo com a relação social entre o indivíduo e o mundo e as outras pessoas, de sua posição social e suas categorias de identidade. Então, “diferentes discursos são diferentes perspectives do mundo18”. (FAIRCLOUGH, 2005, p.124) Ainda devemos considerar que, além de representar o mundo concreto, por exemplo, como ele é, os discursos também podem projetar possibilidades diferentes da realidade, ou seja, podemos ter alguns discursos relacionados com projetos de mudança do mundo. Para Fairclough (2005), os diferentes discursos e a maneira como eles se relacionam dentro de um texto (seja completando, competindo, ou dominando o outro) revelam as relações entre as pessoas. Estas podem manter-se distantes, cooperar, competir, dominar ou procurar mudar a maneira como elas se relacionam. Sob essa perspectiva, consideramos que as representações sociais manifestam em discursos que, por sua vez, se configuram como saberes, crenças, valores, visões de mundo que orientam os sujeitos a como agirem e se relacionarem com o mundo e as pessoas. É pelo discurso que os sujeitos se posicionam na sociedade, partilhando ou confrontando sentidos para os aspectos do mundo - haja vista que a sociedade é heterogênea. Assim, o termo representações discursivas diz respeito aos discursos que evocam certos modos de representar (ou seja, diferentes formas de pensar e de agir) os aspectos do mundo social e psicológico e que são partilhados por um grupo e materializados na linguagem, nas mais diversas práticas discursivas e textuais. 17 Minha tradução de “ as ways of representing aspects of the world – the processes, relations and structures of the material world, the ‘metal world’ of thoughts, feelings, beliefs and so forth, and the social world”. 18 Minha tradução para “different discourses are different perspectives on the world”. 39 CAPÍTULO II METODOLOGIA DE ANÁLISE 2.1. Contexto da pesquisa Para esta pesquisa, utilizamos camisas de formatura confeccionadas por turmas do terceiro ano do ensino médio de algumas cidades do estado de Minas Gerais, tais como Alfenas, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Viçosa, São João del-Rei, Ouro Preto, Lavras, Uberlândia, Diamantina e Itajubá, e certos distritos ou cidades localizadas próximas dessas cidades, durante um período de 20 anos, ou seja, entre os anos de 1990 e 2010. 2.2. Coleta das camisas de formatura Nosso material de análise é composto por fotografias e arquivos no formato Corel Draw de camisas que foram confeccionadas por turmas de terceiro ano do ensino médio de instituições mineiras de ensino, localizadas, como acima citado, em algumas cidades do Estado. O motivo pelo qual escolhemos tais cidades é que elas possuem instituições de ensino nas duas categorias administrativas: pública, mantidas pelo Poder Público Estadual (escolas estaduais) e pelo Distrito Federal (colégios de aplicação das universidades federais e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs), e privado, nas diversas categorias, como particulares em sentido estrito, filantrópicas, confessionais, entre outras, permitindo o nosso acesso a vários grupos de segmentos distintos da sociedade. Além disso, essas cidades possuem universidades e faculdades federais e particulares ou ficam próximas delas, bem como de institutos de cursos técnicos, ampliando assim o universo de expectativas dos alunos em relação à saída da escola. Iniciamos a coleta do material de análise no segundo semestre de 2009 e terminamos em dezembro de 2010. Esta coleta foi realizada da seguinte maneira: primeiramente, fizemos uma lista com os nomes, endereços e telefones das instituições de ensino médio e lojas de confecção de camisetas promocionais localizadas nas cidades mencionadas. Em seguida, entramos em contato com as direções dessas instituições de ensino e os proprietários das lojas por telefone e email. E, então, conseguimos fazer uma relação das lojas de confecção que oferecem esse tipo de serviço e que podiam disponibilizar os arquivos dos modelos das camisas. Igualmente, identificamos as instituições onde as turmas de terceiro ano costumam confeccionar suas camisas de formatura, já que algumas instituições de ensino não autorizam a sua produção e o seu uso ou então passaram a proibir devido ao tipo de mensagens que eram divulgadas nelas. Após esse levantamento, agendamos uma data e fizemos uma visita às instituições de ensino e lojas de confecção para fotografar as camisas de formatura e copiar os arquivos com os modelos. Todavia, pudemos observar que é muito raro as instituições possuírem um arquivo desse material; apenas duas escolas visitadas o possuíam. Assim, com o apoio da direção escolar, entramos em contato com exalunos e professores que pudessem ainda guardar essas camisas. Muitos professores tinham camisas de várias turmas de anos diferentes. Portanto, foi o contato direto com os ex-alunos e professores que viabilizou o acesso a essas camisas. Dessa forma, conseguimos compor um arquivo com registros de 338 camisas de formatura. Tabela de quantidade e porcentagem de camisas de formatura coletadas por cidade e instituição no Estado de Minas Gerais Cidades Número de instituições visitadas Quantidade de camisas coletadas Alfenas Belo Horizonte Diamantina Juiz de Fora Lavras Itajubá Ouro Preto São João del-Rei Uberlândia Viçosa Distritos e outras cidades próximas Total 6 10 4 4 7 4 2 6 14 5 16 39 16 20 18 22 10 4 68 67 37 37 338 Durante a visita, surpreendemo-nos ao descobrir que algumas instituições particulares confeccionam e distribuem as camisas de formatura para os alunos do 41 terceiro ano. Estes, geralmente, as vestem no dia do processo seletivo do vestibular para serem identificados como alunos de tal instituição. Em outra instituição particular visitada, os alunos recebem uma camisa para usarem no dia do vestibular e, depois que o resultado é divulgado, aqueles que são aprovados recebem uma camisa para usarem no dia do trote e ainda outra camisa cuja mensagem é sobre essa aprovação. A elaboração da camiseta em outra instituição particular também ocorre de modo diferente. Nesta, é promovido um concurso de desenho nas turmas de terceiro ano. Aquele mais votado é estampado na frente da camisa, e atrás, a lista com as assinaturas dos alunos. Em todas as camisas desta instituição a que tivemos acesso, essa imagem é sempre um desenho criado a partir da logomarca do colégio. Visitamos também algumas instituições onde os alunos preferem criar uma camisa “mais limpa”, isto é, sem muitos elementos, às vezes apenas uma cor ou uma gola que a diferencie da camiseta do uniforme escolar, e um dizer, como “terceirão”, “formandos”, “concluintes”, “3º ano”, acompanhado do nome da turma, ou somente do nome do dono da camisa. Algumas turmas preferem ainda colocar o nome do curso, ou da área em que irão prestar o vestibular. 2.3. Seleção do material de análise Para a seleção das camisas que seriam analisadas neste trabalho, utilizamos como critério de escolha a temática. Desse modo, analisamos apenas as camisas com as duas temáticas mais recorrentes, que são o processo seletivo do vestibular (incluímos, na análise, as camisas sobre competitividade que estão diretamente associadas a essa temática dos concursos e vestibular) e a formatura como uma grande conquista. Observamos ainda que, independentemente da categoria administrativa da instituição, se pública ou privada, ou do espaço geográfico em que se localizam as instituições, essas são temáticas abordadas pelas turmas dessas diferentes instituições. 42 2.4. Procedimentos de análise 2.4.1. O quadro tridimensional da Análise Crítica do Discurso Como metodologia de análise das camisas de formatura, adotaremos os procedimentos propostos pela Análise Crítica do Discurso (doravante ACD), de Norman Fairclough (2001a; [2003] 2005), que pretende ser uma Teoria Social do Discurso orientada textualmente para estudiosos das Ciências Humanas e Sociais, já que geralmente esses são confrontados com questões sobre a linguagem e trabalham com materiais linguísticos, sejam textos escritos ou orais. A ACD parte da perspectiva funcionalista19 de que a linguagem não é suficiente em si e que possui funções que são externas ao sistema, sendo essas responsáveis pela organização interna do sistema linguístico, tal como em Halliday e Matthiessen (2004). A linguagem em uso, seja falada seja escrita, vista como prática social, é definida por Fairclough (2001a) como Discurso. Há uma relação dialética entre o Discurso e a estrutura social, ou seja, o Discurso constitui o social e vice-versa. Ele é o momento da prática social20, juntamente com a atividade material, o fenômeno mental (crenças, valores, desejos e ideologia) e as relações sociais (luta hegemônica e poder). É por isso que, ao analisar o momento discursivo, segundo Fairclough (2005), podemos perceber e investigar as relações sociais, as ideologias, os sistemas de conhecimento e crenças, já que esses diversos momentos da prática social acontecem simultaneamente. A ACD, além de uma teoria, configura-se também como um método, no qual é possível investigar como os sistemas linguísticos funcionam na representação de eventos, na construção de relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias. Em Discurso e Mudança Social, Fairclough (2001a) propõe um quadro tridimensional de análise, isto é, um quadro de análise do discurso, orientado tanto linguística como socialmente para o estudo das mudanças sociais. Nesse quadro, o 19 De acordo com Neves (2004), existem vários modelos funcionalistas, alguns mais conservadores, que criticam o formalismo, mas sem propor uma alternativa de análise; outros, mais moderados, que, além de apontar as inadequações do formalismo ou do estruturalismo, apresentam uma análise funcionalista da estrutura; e os mais extremados, que negam a linguagem como um sistema estrutural. Entre esses modelos funcionalistas encontra-se a “gramática sistêmica funcional” desenvolvida por Halliday. Esta recebe o nome de “sistêmica” porque compreende a gramática como uma série de estruturas sistêmicas, o que implica escolha, e “funcional”, porque procura explicar as (meta)funções das categorias gramaticais dentro dos sistemas. 20 Prática social é um modo de ação, situado historicamente e constituído socialmente, que produz identidades, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença. 43 autor reúne três tradições analíticas, indispensáveis na análise do Discurso: (i) análise textual e linguística, (ii) a tradição macrossociológia de análise da prática social e (iii) a tradição microssociológica. Desse modo, cada evento discursivo deve ser analisado sob três dimensões, as quais Fairclough (2001a) separa por uma questão metodológica, sendo elas o texto, a prática discursiva e a prática social. 2.4.1.1. A análise textual Na dimensão textual da análise do discurso é realizada uma descrição dos elementos linguísticos. A análise textual pode ser organizada a partir das categorias de vocabulário (lexicalização, sentido das palavras e metáforas), gramática, coesão e estrutura textual. Para a análise dos recursos léxico-gramaticais, Fairclough (2001a, p. 105) sugere o trabalho de Halliday, o qual apresenta uma gramática “particularmente útil à análise de discurso”. É com base nessa Gramática Sistêmico-Funcional (Halliday; Matthiessen, 2004) que Fairclough (2005) postula que o Discurso realiza três tipos de significados simultaneamente: (i) acional (correspondente à metafunção interpessoal e textual), no qual agimos e interagimos através dos gêneros discursivos; (ii) representacional (que corresponde à metafunção ideacional), pelo qual posicionamos como sujeitos e representamos o mundo, e (iii) identificacional (correspondente à metafunção interpessoal), no qual se configuram as identidades no Discurso. De acordo com os objetivos propostos neste trabalho, analisamos as frases das camisas de formatura através do significado representacional. Como categoria analítica, optamos pela gramática no que diz respeito ao sistema de transitividade, pelo fato de ele possibilitar uma análise das experiências de mundo dos sujeitos, representadas nos textos das camisas de formatura, por meio de suas ações, comportamentos, sentimentos, relações e falas. Assim, para um maior detalhamento sobre o sistema de transitividade, recorremos à Gramática Sistêmico-Funcional (Halliday; Matthiessen, 2004), e apresentamos, no tópico seguinte, os tipos de processos, participantes e circunstâncias, presentes em um evento discursivo. 44 2.4.1.1.1. A Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) e a metafunção ideacional: o sistema de transitividade Halliday e Matthiessen (2004) afirmam que a oração (unidade principal da gramática) enquanto representação revela-nos as seguintes informações: quem fez, o quê, para quem, sob quais circunstâncias (como, quando e onde). O sistema de transitividade é responsável por construir as experiências humanas que podem ser de dois modos: (a) aquela que ocorre fora, no mundo ao nosso redor; ou (b) aquilo que experimentamos dentro de nós mesmos, no mundo da consciência (incluindo percepção, emoções e imaginação). A forma prototípica dessa experiência de fora é aquela da ação e eventos, isto é, coisas acontecem e pessoas fazem coisas. Já a experiência interna é uma espécie de repetição da externa, recordando, reagindo ou refletindo-a. Nesta metafunção ideacional, a oração pode ser vista como tendo três elementos principais: os processos, os participantes e as circunstâncias21. Processos são geralmente realizados por verbos, participantes pelo sujeito e/ou objeto (direto ou indireto) do verbo, e circunstâncias pelos vários tipos de elementos adverbiais, como, por exemplo, os advérbios de tempo, lugar etc. Há vários tipos de processos, tais como (i) material: responsável pela construção da experiência externa; (ii) comportamental: que representa a manifestação externa do trabalho interior, a ação externa do processo de consciência e do estado fisiológico; (iii) mental: é a construção da experiência interior da emoção; (iv) verbal: expressa as relações simbólicas construídas na consciência humana e atuadas na forma de linguagem, como falar e significar; (v) relacional: que identifica e classifica os participantes, e (vi) existencial: processo pelo qual o fenômeno é reconhecido como ser, existir e acontecer. De acordo com cada processo teremos também participantes distintos. Vejamos, então, cada processo em sua particularidade. O processo material é responsável pela construção da experiência externa. São processos do fazer e do acontecer, ou seja, expressam a noção de que alguma entidade “faz” algo para outra. Assim, podemos fazer as seguintes perguntas: O que X fez? O que X fez para Y? O que aconteceu com X? Orações materiais não representam necessariamente eventos concretos ou físicos. Podem representar feitos e acontecimento abstratos. Em relação aos participantes, estes podem ser (i) ator, aquele que faz o ato; (ii) meta, a coisa afetada/modificada, ou a quem a ação é dirigida; (iii) beneficiário, aquele que recebe 21 Utilizaremos nas análises e nos exemplos dados, as seguintes marcações: (i) negrito para os processos; (ii) sublinhado para os participantes e (iii) itálico para as circunstâncias, a fim de diferenciá-los. 45 a ação; (iv) cliente, presente em processos materiais que denotam criatividade. Isso ocorre porque esse participante representa a entidade para quem alguma coisa é feita, criada ou transformada; e (v) extensão: é aquele participante que não sofre alteração com o processo, mas que exerce duas funções: (i) definir seu escopo e (ii) reafirmar, ou continuar o processo. Abaixo, alguns exemplos desse tipo de processo (em negrito) e participantes (sublinhados): 22 A) Pais (ator) dão (processo material) nota (meta) para escola pública brasileira (beneficiário) . B) Plano nacional (cliente) será criado (processo material) para fortalecer extensão universitária . 23 O processo metal é aquele relacionado ao sentido. Esse tipo de processo se refere a ações que não se dão no mundo material, mas no fluxo de nossos pensamentos, isto é, está centrado em nossas experiências no mundo interior, da nossa consciência. Assim, são classificados em processo metal de: (i) emoção/ feição: relacionados aos sentimentos (detestar, odiar, amar). Revelam um grau de afeição; (ii) cognição: relacionados à decisão e compreensão (saber, entender, decidir); (iii) desejo (querer, desejar) e (iv) percepção: relacionados à observação de fenômenos (sentir). Os participantes desse tipo de processo são o experienciador, participante humano, que sente (deseja e percebe), isto é, aquele em cuja mente o processo está se realizando; e o fenômeno, aquilo que é sentido, pensado e desejado. Por exemplo: 24 C) Índios (experienciador) querem (processo metal de desejo) resgate cultural (fenômeno) . Já o processo comportamental refere-se aos processos fisiológicos e psicológicos. Esses processos estão entre os materiais e os mentais. Assim, processos comportamentais como olhar, assistir, encarar e preocupar-se estão mais próximos de ações mentais, enquanto processos como dançar, respirar e deitar estão mais próximos de ações materiais. Os participantes são definidos como comportante, aquela entidade que realiza o processo, e fenômeno, aquilo que é realizado pelo comportante. 22 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3081&catid=201>. dia 21 de nov. de 2011. Acessado 23 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=noticias&Itemid=86>. Acessado dia 21de nov.de 2011. 24 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2201&catid=206>. dia 21 de nov. de 2011. Acessado 46 D) Adolescentes (comportante) ouvem (processo comportamental) lendas urbanas (fenômeno) no 25 estande do MEC na bienal. O processo verbal é tido como aquele processo do dizer. Ele é muito importante para textos com tipos narrativos, no qual são reportados os dizeres, seja em discurso direto (o que foi dito é reproduzido de forma integra e explicita), ou em discurso indireto (o que é dito é retomado de forma implícita). Nesse caso, temos (i) o dizente, aquele que realiza o processo; (ii) o receptor, para quem a mensagem é direcionada; (iii) o alvo, a entidade que é atingida pelo processo, e (iv) a verbiagem, a mensagem propriamente dita. Alguns exemplos: E) Material pedagógico pode estar até no quintal (verbiagem), diz (processo verbal) professora 26 (dizente). F) 27 Voluntários do fórum (dizente) contam (processo verbal) rotina (verbiagem) O processo existencial representa algo que existe ou acontece. Geralmente, esse tipo de processo ocorre com os verbos como haver, existir e ter. O único participante é o existente. O restante pode ser circunstância. Esse tipo de processo está relacionado a processos meteorológicos. 28 G) Quantos polos da UAB (existente) existem (processo existencial) atualmente no pais? Por fim, o processo relacional é aquele do ser, ter e pertencer. Elas servem para caracterizar e identificar. Ambas as experiências interna e externa podem ser construídas por orações relacionais, mas elas moldam essa experiência como ser mais do que fazer e sentir. Elas podem ser de três tipos: (i) intensivo: onde X é (ou está) em A; (ii) circunstancial: onde X é (ou está) em A; e (iii) possessivo: onde X tem (ou possui) A. Cada um desses tipos pode ainda ser classificado de dois modos: 25 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5767&catid=210>. dia 21 de nov. de 2011. Acessado 26 Exemplo extraído do stite do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16783:material-pedagogicopode-estar-ate-no-quintal-diz-professora&catid=218>. Acessado dia 21 de nov. de 2011. 27 Exemplo extraído do stite do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12037&catid=222>. Acessado dia 21 de nov. de 2011. 28 Exemplo extraído do stite do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12834:quantos-polos-da-uabexistem-atualmente-no-pais-&catid=189:uab>. Acessado dia 21 de nov. de 2011. 47 (a) atributivo: refere-se às qualidades, e a oração é irreversível. Neste processo, temos portador + processo + atributo (processo relacional intensivo e/ou circunstancial) ou possuidor + processo + possuído (processo relacional possessivo); e (b) identificativo: refere-se à classe, a oração é reversível e pode ser transformada em oração passiva. Logo, temos: valor + processo + característica (processo relacional intensivo e/ou circunstancial) ou possuído + processo + possuidor (processo relacional possessiva). 29 H) Meio ambiente (portador) é (processo relacional intensivo atributivo) tema (atributo) na TV Escola. I) Tocantins (valor) é (processo relacional intensivo identificativo) o terceiro estado a ter conselho 30 indígena (característica). J) Documentário sobre Paulo Freire (portador) está (processo relacional circunstancial atributivo) no 31 portal Domínio Público. K) Colégio Pedro II (possuidor) tem (processo relacional possessivo atributivo) tradição em filosofia 32 (possuído). Quanto às circunstâncias, estas estão associadas aos processos, indicam local de um evento no espaço e tempo, seu modo ou sua causa. Elas são realizadas por advérbios e locuções adverbiais. Esses elementos expressam, assim, ideias que respondem às questões: como, quando, onde, como e por quê. Vejamos alguns exemplos (os elementos circunstanciais estão em itálico): L) 33 Nove instituições repetem nota baixa por dois anos seguidos (circunstância de extensão/temporal). 34 M) Lula inaugura campus no DF (circunstância de localização/espacial). 29 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12174:meio-ambiente-e-temana-tv-escola&catid=210>. Acessado em 21 de nov. de 2011. 30 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2224&catid=206>. dia 21 de nov. de 2011. Acessado 31 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8154&catid=210>. em 21 de nov. de 2011. Acessado 32 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12137:colegio-pedro-ii-temtradicao-em-filosofia&catid=211>. Acessado dia 21 de nov. de 2011. 33 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14227:nove-instituicoesrepetem-nota-baixa-por-dois-anos-seguidos&catid=212> . Acessado dia 21 de nov. de 2011. 48 Halliday e Matthiessen (2004, p. 262-263) listam os vários tipos de circunstâncias e suas subdivisões, tais como (i) extensão: espacial (distância) e temporal (duração e frequência); (ii) localização: espacial e temporal; (iii) modo: meio, qualidade e comparação; (iv) causa: razão, propósito e benefício; (v) contingência: condição, concessão e falta; (vi) acompanhamento: comitativo e aditivo; (vii) papel: guisa e produto; (viii) assunto. Desse modo, a análise dos elementos léxico-gramaticais, em termos de transitividade, pretende revelar a função ideacional da linguagem, indicando que tipos de conhecimentos ou crenças são produzidos e, portanto, que representação da realidade o texto oferece. Contudo, uma ênfase apenas no verbal limitaria nossa compreensão das representações construídas nas camisas de formatura, uma vez que elas são produzidas na integração entre os elementos verbais e visuais - isso porque os textos das camisas de formatura são multimodais. Assim como o verbal, as imagens também são capazes de representar ações sociais ou atributos dos participantes. Desse modo, investigaremos quais são os processos e como os participantes são representados também através das imagens. Para isso, articularemos o arcabouço da Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen (2006) à análise textual da ACD, já que aquela também se fundamenta nos pressupostos gramaticais da Gramática Sistêmico-Funcional hallidayana. 2.4.1.1.2. A Gramática do Design Visual (GDV) e o significado representacional Kress e Leeuwen (2006) compreendem que as imagens também desempenham esses três significados: (i) representacional, que descreve os participantes da ação, observando se estes são interativos, construindo uma estrutura narrativa, na qual a imagem apresenta vetores indicadores de ação, ou representados, construindo uma estrutura conceitual, onde há exposição hierárquica dos participantes; (ii) interacional, que descreve a interação social, percebendo se a imagem provoca demanda ou oferta, de que ângulo e como o participante é representado, por exemplo, de corpo inteiro, da cintura para cima etc.; e (iii) composicional, que apreende de que maneira os elementos que constituem a imagem se integram a uma proposição coesa e coerente, através dos lugares específicos em que os elementos estão dispostos na imagem - topo, base, direita e 34 Exemplo retirado do site do MEC (Ministério da Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12127:lula-inaugura-campusno-df&catid=209>. Acessado dia 21 de nov. de 2011. 49 esquerda, centro ou margem -, dos elementos que são usados para chamar a atenção, tais como o plano, o tamanho, contrastes e tons de cores, tamanho e tipo de letra, e por fim as conexões ou desconexões dos elementos que compõem a imagem, como linhas, bordas, ou outras espécies de divisórias. Mais especificamente sobre o significado representacional, Kress e van Leeuwen (2006) explicam que esse consiste no modo como a linguagem visual configura como um meio de representação da experiência. Assim, como a linguagem verbal, a linguagem visual possui meios de representar objetos em sua relação com o mundo, que pode ser de dois tipos: (i) estruturas narrativas: transacionais, ou transacional bidirecional, e não transacionais; e (ii) estruturas conceituais: classificatórias, analíticas e simbólicas. Enquanto padrões conceituais representam participantes em termos de sua classe, estrutura ou significado, os padrões narrativos servem para apresentar o desdobramento de ações e eventos, e processos de mudança. Assim, a diferença entre essas duas estruturas, a narrativa e a conceitual, depende da presença ou ausência de vetores. Vetores são linhas visíveis ou imaginárias indicadoras de processos, tais como de ação, de reação, de pensamento e de fala, formados pelos corpos, ou membros, ou ferramentas em ação. A cada vetor associam-se participantes. Estes são pessoas ou objetos representados na imagem e que participam de algo e são nomeados segundo a função que exercem nos processos em que participam. Além dos participantes representados, isto é, aqueles que estão presentes na imagem, existem também os participantes interativos. Estes são aqueles que observam as imagens e que podem interagir ou não com os participantes representados. Nas estruturas narrativas, os participantes estão conectados por vetores, ou seja, eles são representados como fazendo algo por ou para os outros. De acordo com as ações que exercem, podemos classificar as estruturas narrativas em quatro tipos: (i) de ação, (ii) de reação, (iii) de fala; (iv) de conversão. Nas estruturas narrativas de ação, os acontecimentos do mundo material são descritos ou apresentados. Seus participantes são o ator, participante de quem o vetor parte, e o alvo, participante que é atingindo pelo vetor. Esse tipo de estrutura envolve os processos materiais e comportamentais, e podem ser de dois tipos: (i) não transacional: a ação não é feita para alguém ou algo; ela corresponde ao verbo intransitivo. Assim, possui apenas um participante, o ator; (ii) transacional: a ação é feita para alguém ou algo. Neste caso, corresponderia aos verbos transitivos. Têm-se aqui pelo menos dois participantes, o ator e o alvo. Neste caso, a ação pode ser ainda bidirecional, no qual o participante é ator e alvo da ação. Vejamos alguns exemplos. 50 Ilustração 1 - Estrutura narrativa não transacional 35 Traçamos na ilustração acima algumas setas indicadoras de ação, que partem dos braços dos participantes representados, os dois jovens. Estes são os atores desta estrutura narrativa de ação que é não transacional porque essa ação não atinge nenhum outro participante. Já na imagem da ilustração seguinte, os vetores que saem da perna do participante representado, o apresentador de televisão Tadeu Schmidt, na letra (A), atingem outro participante na cena, que é a bola de futebol. Tadeu Schmidt é o ator e a bola o alvo. Na letra (B), podemos observar que dos braços dos dois jovens partem vetores. Nesse caso, os dois participantes representados são ator e alvo ao mesmo tempo. Assim, dizemos que é uma estrutura narrativa transacional bidirecional. Ilustração 2 - Estrutura narrativa transacional 35 36 HORA, Ane; ROLY, Giulia. [sem título]. Boa forma, São Paulo, ano 25, n. 6, jun. 2010, p. 4. 36 MORAES, Nana. [sem título]. Cláudia, São Paulo, ano 49, n. 6, jun. 2010, p. 102. PARENTE, Chris. [sem título]. [sem título]. Cláudia, São Paulo, ano 49, n. 6, jun. 2010, p. 104. 51 Em todas as ilustrações é como se os participantes representados tivessem sido fotografados em meio a uma ação. Nas estruturas narrativas de reação, o vetor é formado pela direção do olhar de um ou mais participantes representados. Esse tipo de estrutura envolve processos mentais. Quanto aos participantes, são o reator, aquele participante que olha, podendo ser um ser humano, animal, ou qualquer objeto, desde que tenha olhos e seja capaz de expressão facial, e o fenômeno, aquilo para que ou aquele para quem se está olhando. Contudo, se o processo mental for definido por um balão indicativo de pensamento, os participantes são o experienciador, aquele de quem parte o balão, e fenômeno, o que está inserido no balão. Também pode ser transacional ou não transacional. Na primeira, o olhar do participante se dirige ao fenômeno que, por sinal, está na imagem. Na segunda, o olhar se dirige para algo fora da imagem. Como não há o fenômeno, temos que imaginar para quem o participante está olhando. As ilustrações (3) e (4) correspondem a esse tipo de estrutura de reação. Em (3), o participante representado, o guarda, olha para o motoqueiro, outro participante representado na cena. Este também volta um olhar para o retrovisor da motocicleta que reflete a imagem do guarda. A estrutura é narrativa de reação transacional, porque dos olhos dos participantes partem vetores de ação, sendo que o fenômeno para o qual o olhar é lançado está em cena. 37 Ilustração 3 Estrutura narrativa de reação transacional Ainda nessa ilustração, há mais uma estrutura narrativa de reação, formada pelo balão de pensamento. Neste caso, o fenômeno é o balão e o experienciador o motoqueiro. 37 GONÇALVES FILHO, Aurelio; TOSCANO, Carlos. Física para o ensino médio. São Paulo: Scipione, 2002, p. 216. (Série Parâmetros) 52 Já na ilustração (4), logo abaixo, a estrutura de reação é não transacional, porque não sabemos para o que o participante representado, a criança, direciona seu olhar, isto é, o fenômeno está fora da cena. Ilustração 4 - Estrutura narrativa de reação não transacional 38 Já as estruturas narrativas de fala são muito comuns nas histórias em quadrinhos. São dizeres representados por balões. Assim, temos como participantes o dizente, participante do qual emana o balão que indica a fala, e o enunciado, conteúdo inserido no balão. Por exemplo: Ilustração 5 - Estrutura narrativa de fala 38 39 MASTERFILE. [sem título]. Cláudia, São Paulo, ano 49, n. 6, jun. 2010, p. 90. 39 BERTOLDI, Odete; RAUTER, Jacqueline. Ciências & sociedade: a aventura do corpo, a aventura da vida, a aventura da tecnologia. São Paulo: Scipione, 2000, p. 269. 53 Por fim, a estrutura narrativa de conversão é aquela que envolve uma mudança de status do participante, o retransmissor, que é ao mesmo tempo alvo de uma ação e ator de outra. Esse tipo de estrutura visual é típico de diagramas que representam eventos naturais, como ciclo da água, metamorfose dos anfíbios (ilustração 6), mas também pode ser aplicado em (inter)ações humanas. Ilustração 6 - Estrutura narrativa de conversão 40 Em relação às estruturas conceituais, essas são correlacionadas aos processos relacional e existencial. Podem ser de três tipos: (i) processo classificacional, (ii) processo analítico e (iii) processo simbólico. No primeiro, os participantes se relacionam entre si de forma taxonômica, sendo subordinados uns aos outros por um tema, uma categoria em comum. Já no segundo, os participantes representados são apresentados por uma estrutura de parte e todo, sendo um deles o portador, o todo, e o outro o atributo possessivo, a parte, enquanto os processos simbólicos dizem respeito ao que um participante significa ou é. Igualmente, há dois participantes: participante cujo sentido ou identidade é estabelecido na relação, o portador, e participantes que representam o sentido ou identidade, o atributo simbólico. Alguns exemplos: 40 GAIANOTTI, Alba. Biologia para o ensino médio. São Paulo: Scipione, 2002, p. 168. 54 Ilustração 7 Estrutura conceitual classificacional 41 Na ilustração (7), podemos observar que não há vetores; os participantes aqui representados, tais como pinça, tesoura, cabo de bisturi, bacaus, porta-agulha, cubas, clamps intestinal, afastadores, estão agrupados em uma ordem. Cada um deles se relaciona a outro, formando, portanto, o conjunto dos instrumentos cirúrgicos. Também não há vetores na ilustração (8). Nela, o participante, o corpo humano (todo), é representado por seus atributos possessivos (partes), os órgãos, tais como a boca, a língua, as glândulas salivares, o esôfago, o estomago, o fígado, a vesícula biliar, o pâncreas, o intestino delgado, o intestino grosso, o apêndice e o ânus. Cada um desses órgãos é também representado, em termos de sua localização no corpo e como responsáveis pelo sistema digestório humano. 41 VENDRAMINI, Mônica. [sem título]. In: BERTOLDI, Odete; RAUTER, Jacqueline. Ciências & sociedade: a aventura do corpo, a aventura da vida, a aventura da tecnologia. São Paulo: Scipione, 2000, p. 103. 55 Ilustração 8 - Estrutura conceitual analítica 42 Também na ilustração (9), os participantes representados, os automóveis, são vistos não como desempenhando uma ação, mas como criando um significado. Os automóveis enfileirados e estáticos representam um engarrafamento no trânsito, cena muito comum nos grandes centros urbanos. Ilustração 9 - Estrutura conceitual simbólica 43 42 BERTOLDI, Odete; RAUTER, Jacqueline. Ciências & sociedade: a aventura do corpo, a aventura da vida, a aventura da tecnologia. São Paulo: Scipione, 2000, p. 34. 43 VESENTINI, José. Sociedade & espaço: Geografia geral e do Brasil. 43. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 346 56 Quanto às circunstâncias, Kress e van Leeuween (2006) dizem que são participantes que podem ser retirados sem afetar a proposição básica realizada na narrativa, apesar de que seu apagamento pode causar uma perda de informações. Ilustração 10 - Circunstância 44 A ilustração (10) é uma publicidade de uma marca de calçados, City Shoes. Nela, o participante que corresponde à circunstância é o ambiente (interior de um imóvel com janelas bem grandes), onde se encontra a jovem portando roupas de grife e o calçado da marca anunciada (estrutura conceitual analítica). A circunstância de localização relaciona-se com essa jovem como um participante que Kress e van Leeuwen (2006, p. 72) nomeia de cenário. Podemos observar que o cenário é o participante que está em desfoque, mais escuro e em segundo plano, nesta fotografia. 44 CITY SHOES. [publicidade]. Cláudia, São Paulo, ano 49, n. 6, jun. 2010, p. 29. 57 2.4.1.1.3. A representação dos processos e participantes no evento social Em relação ao significado representacional, Fairclough (2005) postula que os discursos são analisados, em termos das escolhas que são feitas dos recursos léxicogramaticais de um texto, para representar os processos e participantes em um evento social. De acordo com o autor, os eventos sociais podem trazer diversos elementos. Eles incluem formas de atividade, pessoas (com crenças, desejos, valores, histórias) e objetos; tempo e espaço; linguagem (e outros tipos de semioses). Desse modo, ele ressalta que o analista deve preocupar-se não apenas com aquilo que foi dito no discurso, mas também com o que não foi dito, ou seja, com aquilo que foi excluído, ou silenciado, na representação dos eventos sociais. Por exemplo, a nominalização é a conversão de um verbo em uma palavra substantiva, semanticamente um processo em entidade. Nesse sentido, a nominalização45 causa a perda de alguns elementos nas orações – tempo e modalidade -, e também envolve a exclusão de participantes. Assim como há escolhas nas representações dos processos, também há escolhas nas representações dos atores sociais46. Atores sociais são geralmente os participantes das orações, apesar de não serem todos os participantes atores sociais – eles podem ser objetos físicos também. A maneira como eles são apresentados acontece, por exemplo, através (i) da inclusão ou exclusão; mencionado através de pronomes ou substantivos; (ii) da construção das orações na voz ativa ou passiva, na qual o participante é ou o agente, ou o beneficiário, ou o afetado pelo processo; (iii) da pessoalidade ou impessoalidade; (iv) da nomeação ou classificação, isto é, pelo nome ou categoria; (v) da referência ao indivíduo ou ao grupo, de modo específico (referindo se a um grupo) ou genérico (a classe em geral). Distinções também podem ser observadas na representação do tempo e lugar, entre a representação de localização e representação de extensão (duração e distância). Atentamos também para os efeitos implicados nas escolhas feitas, em relação à forma como os processos e participantes foram representados, na combinação do texto verbal e visual, uma vez que o participante pode ser excluído do verbal, mas incluído no visual, ou então, pode haver vetores na imagem, enquanto há ausência de processos no texto verbal, isto é, apenas frases nominais, revelando, assim a 45 A nominalização é um tipo de metáfora gramatical, de acordo com Halliday e Matthiessen (2004), na qual ocorre a substituição de uma classe ou estrutura gramatical por outra, isto é, onde os processos são representados como “coisas” e expressam, assim, relações e não ações. 46 Essa é uma leitura a partir da Representação dos Atores Sociais de Theo van Leeuwen (1996); contudo, o que adotamos é uma perspectiva a respeito, tal qual Fairclough (2005) fez, e não propriamente a teoria proposta por aquele. 58 importância da intepretação integrada dos elementos verbais e visuais apresentados no texto das camisas de formatura. Assim, de forma integrada, o material de análise será, na dimensão textual da análise, descrito através do significado representacional. 2.4.1.2. A análise da prática discursiva Na dimensão da prática discursiva, a análise preocupa-se mais com a interpretação do texto. Conforme Fairclough (2001a), o evento discursivo é analisado, a partir de suas condições sociais de produção, distribuição e consumo textual. Segundo Meurer (2005, p. 100), essa dimensão da análise da prática discursiva busca “investigar os recursos sociocognitivos de quem produz, distribui e interpreta textos: quem escreve para quem, em quais circunstâncias, por quê? Além disso, que aspectos de intertextualidade e interdiscursividade se manifestam no texto?”. Desse modo, o texto é analisado em sua relação à prática discursiva que o define como gênero e discurso. Assim, buscamos analisar os textos das camisas de formatura a partir das suas condições de produção, distribuição e consumo: quem os produziu, em quais circunstâncias, para quem, com quais propósitos e, além disso, com quais textos dialogam. 2.4.1.3. A análise da prática social A dimensão da análise da prática social consiste na explicação de como os textos são investidos de aspectos sociais ligados a questões ideológicas e hegemônicas. Fairclough (2001a) compreende como ideologia as significações ou construções da realidade que são constituídas nas várias práticas discursivas e que podem produzir, reproduzir ou transformar as relações de dominação e subordinação, sendo que as ideologias se tornam mais eficazes quando elas atingem certo status de “senso comum”, isto é, quando são naturalizadas. Segundo Fairclough (2001a), algumas explicações sobre a ideologia consideram que o evento é uma reprodução da estrutura social. Contudo, se considerássemos tal fato, haveria sempre a reprodução ideológica e nunca espaço para a transformação social. Desse modo, ele prefere adotar a concepção de que a ideologia está localizada tanto na estrutura quanto na prática discursiva em que ambos possuem uma relação dialética: 59 [...] tanto nas estruturas (isto é, ordens de discurso) que constituem o resultado de eventos passados como nas condições para os eventos atuais e nos próprios eventos quando reproduzem e transformam as estruturas condicionadoras. (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 119) Assim, Fairclough (2001a) assume uma postura diferente com relação à interpelação do sujeito pelas ideologias. Para o autor, por exemplo, a teoria althusseriana exagera na constituição ideológica do sujeito, subestimando a capacidade de ele agir individualmente ou coletivamente como agente. A partir da noção de hegemonia, desenvolvida por Gramsci (1971)47, Fairclough (2001a) afirma que os sujeitos são posicionados ideologicamente, mas são também capazes de agir e, consequentemente, de reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras. Portanto, ele vê a hegemonia como “liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade.” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 122) Portanto, os textos são investidos ideologicamente, à medida que incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. Desse modo, na análise da prática social, conforme Meurer (2005, p. 102), fazemos os seguintes questionamentos: “Como o texto contribui – conscientemente ou não por parte de seus atores e usuários – para a (re)produção, manutenção ou mudança de certas práticas sociais?” e “Como o texto coopera com a reprodução e manutenção ou como desafia a mudança de certas ‘realidades’?”. Segundo Fairclough (2001a), é comum atribuir aos sentidos das palavras o caráter ideológico e, de fato, eles são ideológicos; no entanto, é necessário considerar também outros aspectos semânticos, que podem servir como categorias analíticas para a investigação da ideologia no discurso, como as pressuposições, as metáforas e a coerência. Nesse sentido, buscamos também investigar as questões culturais e ideológicas implicadas nos textos das camisas de formatura, se estes contribuem para silenciar a existência de outras realidades. Embora essas três dimensões tenham sido aqui separadas, é importante ressaltar que os três níveis de análise se completam e não devem ser vistos de forma estanque. Além disso, ao contemplá-las, buscamos realizar uma análise crítica do texto que não consiste apenas em descrever a sua estrutura linguística, mas também interpretar e explicar o texto, em sua relação com a estrutura social e a cultura em que está inserido. 47 GRAMSCI, Antonio. Selections from the prison notebooks. Londres: Lawrence and Wishart, 1971. 60 CAPÍTULO III A CAMISA DE FORMATURA DO TERCEIRO ANO 3.1. O vestuário como recurso semiótico e como suporte Para que as pessoas se vestem? De acordo com Barthes (2005), alguns estudiosos discutem a respeito se as pessoas se vestem com a finalidade de proteção, já que as vestes as protegem das temperaturas climáticas; pudor, pois, em diversas sociedades, elas se vestem para esconder as partes do corpo, especialmente, os órgãos genitais; e ainda por um terceiro motivo, relacionado a uma espécie de adorno, como nas tribos indígenas ou mesmo nas sociedades urbanizadas, nas quais as pessoas vestem vários objetos para se enfeitar, se embelezar etc. Barthes (2005), ao contrário, parte para uma perspectiva mais semiótica do vestuário. Para este autor, os indivíduos podem usar certo tecido para proteger o corpo ou um objeto para se enfeitar, mas o interessante é perceber quando o uso de certos trajes ou acessórios passa a se inserir num sistema formal normativo e consagrado pela sociedade e adquirir certos significados. Neste sentido, a indústria da moda48, as tradições, as religiões influenciam no modo como os indivíduos se vestem, estabelecendo certas regras. Por exemplo, certas instituições escolares exigem que as camisas dos alunos estejam dobradas para dentro da calça. Não usá-la dessa maneira é infringir a regra estabelecida e ser vista com uma pessoa desleixada e indisciplinada. É o que podemos observar na ilustração (11), que consiste de uma fotografia tirada de um aviso afixado na porta de entrada de uma instituição escolar onde coletamos o material de análise desta pesquisa, em que se encontra o seguinte dizer: 48 A indústria da moda, de acordo com Stefani (2005), pode ser influenciada por diversos fatores: (i) pelas mídias, como o cinema, a novela, mais especificamente pelo figurino dos personagens; (ii) por influência dos grupos, podendo este ser um grupo primário (família, amigos, pessoas mais próximas), ou por um grupo secundário (grupos religiosos, associações, estilistas); (iii) pelas tribos, tais como os hippies, punks, skatistas e (iv) pela publicidade e consumo. • “Aviso. Não será permitida a entrada de alunos usando bonés, toucas, brincos, piercings, colares ou outros acessórios, que o tornarem incompatíveis a condição de alunos. A direção.” Ilustração 11 - Aviso escolar sobre a vestimenta dos alunos O aviso diz respeito à vestimenta dos estudantes. Há, muitas vezes, um confronto entre a direção escolar e os estudantes, quando eles chegam à escola e são impedidos de entrar porque estão vestidos sem o uniforme, com calçados abertos e com acessórios (no caso dos meninos que estiverem com brincos, bonés etc.). Desse modo, a vestimenta, especificamente o uniforme, é considerada um fator que pode determinar e fazer com que certos papéis sociais do sujeito sejam reconhecidos, tal como o de estudante, além de vincular aquele sujeito a uma instituição. A vestimenta, então, passa a ser descrita não apenas como uma peça de roupa, mas como um recurso semiótico. Van Leeuwen (2006, p. 3) define recursos semióticos como [...] as ações e os artefatos que usamos para nos comunicar, sejam eles produzidos fisiologicamente – com nosso aparelho vocal, com os músculos que usamos para criar expressões faciais e gestos, etc. - ou por meio de tecnologias – com caneta, tinta e papel; com hardware e software de 49 computador, com tecidos, tesouras e máquinas de costura, etc. Assim, a maneira como usamos as vestimentas produz significados que são estabelecidos, partilhados e reconhecidos pelos membros de determinada 49 Minha tradução de: “[…] as the actions and artifacts we use to communicate, whether they are produced physiologically – with our vocal apparatus; with the muscles we use to create facial expressions and gestures, etc. – or by means of technologies – with pen, ink and paper; with computer hardware and software; with fabrics, scissors and sewing machines, etc.” (VAN LEEUWEN, 2006, p. 3) 62 comunidade, e que, portanto, são culturais e também ideológicos. É como mostra o exemplo citado por van Leeuwen (2006) sobre duas comunidades rurais dos Estados Unidos, que vivem isoladas de outras comunidades e se negam a ter acesso à mídia, preservando os modos tradicionais de se vestir, isto é, ao irem para as compras, os membros dessas comunidades buscam escolher aquelas roupas que estão de acordo com os valores da religião que seguem. Assim, as mulheres jovens e solteiras podem vestir roupas mais ajustadas, pois essas comunidades entendem que elas precisam atrair um marido, mas, depois do casamento, esperam que elas passem a usar roupas mais soltas. Além disso, a maneira de se vestir está diretamente relacionada à identidade. O conceito de identidade é relacionado a estilo. (Fairclough, 2005; van Leeuwen, 2006) Estilos constituem o aspecto discursivo de maneiras de ser, identidades. Quem nós somos é, em parte, uma questão de como falamos, escrevemos, fazemos algo. Estilos estão relacionados à identificação, isto é, à maneira como as pessoas se identificam e como são identificadas pelos outros. O processo de identificação se dá através das representações, isto é, dos sentidos, com os quais podemos nos identificar, e que constroem identidades. Archer (2000)50, de acordo com Fairclough (2005), diz que as pessoas são posicionadas involuntariamente como “agentes primários”, por causa de como nascem, o que as impossibilita, em um primeiro momento, fazer escolhas quanto ao gênero e classe social. Contudo, podem transformar sua condição nesse posicionamento, a partir da capacidade de se tornarem “agentes incorporados”. Para Archer (2003), o termo agente, apesar de empregado no singular, denota sempre uma coletividade ou grupo que compartilha a mesma escolha de vida. O agente primário é um agente involuntário cuja subjetividade humana torna-se enredada na estrutura social e cultural. Desde seu nascimento ele é marcado por uma posição que o faz agente (grupo ou coletividade na mesma posição ou situação) do sistema sociocultural no qual nasceu. Isso significa que somos seres involuntariamente situados, por exemplo, falamos português antes de nós decidirmos qual língua gostaríamos de falar. Conforme Archer (2003), a consciência do Eu começa gradualmente, na infância, a refletir sobre seu posicionamento involuntário, isto é, como o Eu realiza um posicionamento privilegiado ou não frente ao do outro; e sobre objetos e oportunidades, os quais os outros tiveram e Eu não, ou vice versa. Assim, tem-se um Eu que descobre coisas sobre um “me”, objeto da sociedade, pois é meramente parte de um pré-agrupamento coletivo que determina suas escolhas de 50 ARCHER, Margaret. Being Human: The problem of Agency. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. 63 vida. Por outro lado, é também objeto do Eu que tem a capacidade para aprender e refletir sobre isso. Esse Eu pode, então, mudar esse posicionamento através de uma ação diferente e coletiva. Para Archer (2003), apenas aqueles que estão conscientes do que eles querem podem organizar-se de forma a obter esses objetivos e engajar em ações para remodelar ou manter a estrutura social e cultural. A esse tipo de agente, a autora nomeia de agente incorporado. Isso implica que o agente incorporado é ativo e não passivo. Mas a passividade do agente primário pode ser vista como servindo a algum interesse. Então, a passividade pode ser vista em sua relação entre agente primário e agente incorporado. As vestimentas variam de acordo com a idade, o gênero, a etnia, a profissão e até mesmo com a condição socioeconômica. De acordo com Barthes (2005), houve um tempo em que existiam trajes para cada classe social (aristocracia, burguesia, camponesa). Em 1840, por exemplo, quanto mais anáguas tivesse o vestido das mulheres, maior era a situação financeira do marido, visto que a anágua atrapalhava os movimentos do corpo e, portanto, concluía-se que a mulher que a vestia não trabalhava muito nos afazeres domésticos. Após a Revolução Francesa, com o desenvolvimento industrial, o vestuário masculino – que tem uma história um pouco distinta da história do vestuário feminino – tornou-se mais prático, democrático, ou seja, a multiplicidade dos trajes masculinos desapareceu em favor de um único vestuário de origem inglesa. Porém, nessa mesma época, os homens pertencentes à classe alta, para distinguirem-se das massas, passaram a variar os detalhes das vestes e modificar a maneira de atar a gravata ou de usar as luvas, surgindo assim o dandismo. Depois disso, o vestuário masculino não sofreu muitas mudanças como o vestuário feminino; contudo, o fenômeno do dandismo constituiu uma moda jovem, pois, até então, as crianças e os jovens vestiam-se igual aos adultos. Na década de 50, o jeans, a camiseta e o tênis foram consagrados como o vestuário dos jovens. (Barthes, 2005) O movimento feminista também afetou a maneira de se vestir, pois, como as mulheres buscavam conforto para trabalhar e também se igualar ao homem, passaram a adotar como vestimenta a camiseta, que se tornou uma peça unissex. (Joffily, 1988) Já na década de 30, as roupas para as mulheres apresentavam cortes mais masculinizados, por influência dos uniformes dos soldados e, além disso, com Paris dominada pelos nazistas, tinha-se dificuldade para se comprar tecidos; foi nessa época que a mulher, por exemplo, passou a usar a calça comprida. De certo modo, ainda hoje podemos dizer que o status econômico está agregado à vestimenta, no que diz respeito às etiquetas de griffes. Muitas vezes consome-se esse produto não tanto pela utilidade, mas pelo seu significado social, ou 64 melhor, pela maneira que se pretende ser visto (identificado) pelos outros. Neste caso, a diferença é que todos podem ter acesso a essa vestimenta de griffe, enquanto, em outras épocas, a classe média era proibida de se vestir como a nobreza. (cf. Stefani, 2005) Vimos, então, através desse breve percurso histórico sobre a moda, que muitas vezes as pessoas, por nascerem em determinada classe econômica, sociedade, por nascerem homens ou mulheres, eram e são obrigadas a usar um tipo de vestimenta. No caso da comunidade rural, exemplificada em van Leeuwen (2006), as mulheres são agentes primárias, pois são passivas em relação ao uso de suas vestimentas, mas essa passividade serve aos interesses do grupo, o qual se mantém resistente quanto às roupas vestidas pelas mulheres na mídia. Retornando assim à pergunta colocada no início desta seção, podemos dizer que o homem se veste também com a finalidade de significar e de identificar-se e ser identificado com certo grupo de indivíduos, com certa categoria de identidade. Por outro lado, em seus estudos, van Leeuwen (2006) percebeu que o vestuário, assim como as cores, pode significar não especificamente gênero, idade, classe e assim por diante, mas traços, como calmo, aventuroso, sexy, criativo, romântico, entre outros. Portanto, o autor diferencia estilo individual de estilo social. O primeiro referese àquilo que “fazemos da nossa maneira”, um sentimento, atitude sobre o que foi dito, escrito, feito, e que expressa traços da personalidade daquele que fala, escreve, age. O estilo individual existe porque resistimos às regulamentações sociais. O segundo diz respeito ao posicionamento do indivíduo, “quem nós somos” em termos de categorias estáveis como classe, gênero, idade, e “o que fazemos” em termos de atividades regulamentadas socialmente. Por exemplo, em certos eventos, é comum a equipe organizadora e de trabalho vestirem uma camiseta. Muitas vezes, fazem-se modificações no formato dessa camisa, por exemplo, corta-a em gola canoa, ou usase um tamanho mais largo com um cinto marcando a cintura, a fim de expressar um estilo mais feminino, sexy, criativo. Significados podem ser construídos e identidades identificadas não somente pela maneira como nos vestimos, mas também a partir de imagens e inscritos que estampamos nas vestimentas que usamos. Esta dissertação, por exemplo, pretende analisar as mensagens estampadas em camisetas de turma que os alunos confeccionam ao término do ensino médio em comemoração à formatura. Esse tipo de camiseta, de certo modo, permite que a turma seja identificada como aqueles alunos que estão se formando, os alunos da turma do terceiro ano. Isso porque a turma é diferenciada das demais séries, pelo fato de estar vestida com uma camiseta, com cor e modelo, distinta daquela do uniforme. Ao mesmo tempo, muitas alunas ainda 65 modificam a camisa que confeccionam, deixando-a com um aspecto mais feminino. É o exemplo da camiseta abaixo: a dona a cortou e colocou nela algumas fitas, fazendo um laço, revelando assim um estilo mais feminino. Ilustração 12 - Camisa de formatura com estilo mais feminino O vestuário serve, então, como um suporte onde fixamos certos gêneros. Na classificação de suporte de Marchuschi (2003), as roupas são descritas como suporte incidental51, isto é, que por alguma situação específica fixa um texto, mas não é destinado a esse fim de modo sistemático. A camiseta é a que melhor permite a fixação dos gêneros, devido ao seu formato de T52 (do inglês T-shirt), e também por ficar sempre exposta, exceto na época de inverno em certas localidades. Ela tem sido utilizada como suporte para anúncios de campanhas humanitárias e de saúde pública, visando a divulgar ideias e arrecadar fundos com a sua venda, um exemplo é a camiseta do Câncer de Mama53. Também tem sido bastante comum como “ingresso”, ou seja, adquirir uma camiseta-ingresso, ou abadá54 e vesti-la é ter acesso livre em acontecimentos sociais, como ocorre nos blocos de carnaval. Além disso, vem sendo utilizada para estampar retratos de 51 Foi durante a década de 60, nas cidades de Los Angeles e São Francisco, que surgiram as primeiras camisetas estampadas com nomes das estrelas do rock’n roll, imagens de personagens das histórias em quadrinhos e mensagens de protestos contra a Guerra do Vietnã. A partir disso, agências publicitárias passaram a estampar o logotipo das empresas anunciantes em camisetas que eram distribuídas para os consumidores do produto, como estratégia de marketing. 52 A peça pode ter algumas variações, por exemplo, modelos mais largos e afastados no corpo, ou mais ajustados e curtos, como o modelo denominado baby look, ou sem manga, como o modelo da regata. 53 Segundo o site da Hering, a empresa é o representante brasileiro na campanha mundial “Fashion Against Breast Câncer”, lançada pela estilista Ralph Lauren, em 1990. Parte do dinheiro arrecadado com a venda dessas camisetas é repassada para o Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer (IBCC). Disponível em: <http://hering.com.br/blog/?cat=9>. Acessado dia 14 de out. 2010. 54 É uma camiseta sem mangas, muito usada por foliões, como uma espécie de fantasia para pular nos blocos de carnaval. 66 crianças desaparecidas, de pinturas de telas de artes e de imagens de pontos turísticos, sendo comprada pelos turistas como souvenir (uma lembrança do local). Por outro lado, há camisas, cujas mensagens, ao mesmo tempo que promovem certo grupo ou instituição, identificam seus usuários como pertencentes a determinados grupos ou identidades. É o caso das camisetas de turmas, de cursos etc. Essas camisetas trazem estampados dizeres como “Letras UFSJ”, isso faz com que o usuário seja identificado como estudante do curso de Letras e de certa instituição de ensino, a Universidade Federal de São João del-Rei. Sobre o suporte, Marchuschi (2003) ainda diz que ele “não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”. Nesse sentido, não só o gênero tem que se adequar às restrições do suporte como este, devido ao seu formato, impede que alguns gêneros se fixem nele, ou ainda que a recepção da mensagem seja totalmente diferente, como ocorre com a camiseta. O ato de “vestir a camiseta” de um manifesto, evento ou empresa é compartilhar das ideias daquele grupo, é pertencer a ele; desse modo, esse suporte acaba sendo bastante eficiente à medida que, quanto mais pessoas vestem tal camiseta, maior é a divulgação e também a credibilidade da empresa, do movimento, pois não é apenas o anunciante ou o líder quem diz, mas todos aqueles que a vestem; ou melhor, aquele que veste uma camiseta com certa mensagem assume o dizer do outro, toma-o como seu, afirma-o. E, portanto, o efeito gerado seria outro, caso a mesma mensagem estivesse em outro suporte. A camiseta não faz distinção de gênero55, isto é, pode ser usada tanto por homens quanto por mulheres, pessoas de todas as idades e classes, por grande parte dos trabalhadores, pelos estudantes e pelos atletas de algumas modalidades esportivas, como o futebol, o basquete etc. Nela, qualquer pessoa pode estampar uma mensagem, isto é, criar, como é denominada, sua “camiseta promocional” ou “camiseta personalizada”. Esta pode ser confeccionada por processo manual ou digital, em casa ou em empresas especializadas em estamparia em silk-screem. Várias dessas empresas têm sites na internet que oferecem recursos que permitem ao usuário desenhar a camiseta que deseja adquirir. Desse modo, qualquer ocasião, ou data comemorativa é um motivo para criar uma camiseta personalizada. 55 A palavra gênero é utilizada, em vez de “sexo”, uma vez que se entende que as categorias de “masculino” e “feminino” são constituídas nas práticas sociais e não necessariamente pela distinção dos órgãos genitais, ou seja, por uma questão biológica. Esse mesmo termo “gênero” é utilizado, dentro dos estudos linguísticos e discursivos para se referir às formas de interagir socialmente, ou seja, os gêneros discursivos, ou ainda os gêneros textuais. 67 3.2. O gênero camisa de formatura É comum os estudantes, ao final do ensino médio, produzirem uma camiseta personalizada para usarem durante o ano letivo, ao invés da camiseta do uniforme escolar, diferenciando-os dos demais estudantes das outras séries daquela instituição. Não se sabe ao certo quando e onde surgiu essa prática; contudo, nota-se que ela é bastante significativa para os estudantes, pois, além de várias lojas de silk oferecerem esse serviço, especialmente na internet encontram-se vários modelos de camisetas, como também fóruns, onde os estudantes trocam sugestões de frases e de imagens.56 Prioritariamente, o processo de elaboração dessa camiseta segue as seguintes etapas: em um primeiro momento, os alunos da comissão de formatura anotam as ideias de como poderá ser a camiseta. Em um segundo, reúnem-se com os demais alunos em um horário de aula e apresentam os modelos sugeridos, fazendo modificações quando necessárias. Em seguida, escolhem a camiseta que será confeccionada, por meio de uma votação. Mas essa ainda precisa ser aprovada pela direção da escola, que a analisa para certificar-se de que não há nenhum discurso que confronte com os valores transmitidos pela instituição, e que possa denegrir sua imagem e a de seus funcionários. Finalmente, os alunos levam o modelo a uma loja de silk para que a camiseta seja confeccionada. Como observam Maia e Gomes (2007), os alunos, ao tentarem produzir uma camiseta personalizada da turma, em que pudessem ser identificados como formandos, acabaram por estabelecer uma forma de interagir com os membros daquela comunidade, ou seja, criaram um novo gênero discursivo, o qual as autoras denominam de “camisa de formatura”, e que tem como suporte a camiseta. Por gênero discursivo, Bakhtin (1988, p. 43) entende que “cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócioideológica.” Isso significa que toda situação comunicativa possui certas regularidades, ou seja, os enunciados produzidos em uma determinada situação possuem características composicionais, estruturais, temáticas e estilísticas que lhes são comuns. Assim, nosso discurso se molda à situação, a uma forma particular de enunciado, isto é, a um tipo particular de gênero discursivo. 56 Alguns exemplos desses sites e fóruns estão disponíveis em: <http://www.upmasters.com/forum/index.php?showtopic=394>; <http://www.sempretops.com/informacao/frases-para-camiseta-de-formatura-de-3-ano/>; <http://www.camisetas10.com.br/c-30-218/Formandos>. Acessado dia 25 Out.de 2011. Encontramos ainda, na internet, um vídeo sobre as camisas de formatura produzidas em uma instituição escolar. Neste, aparecem algumas turmas vestidas com suas respectivas camisas. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=YkLbJUX5dIg&feature=related>. Acessado dia 25 de Out. de 2011. 68 Os gêneros são definidos, então, como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2000, p. 279) [grifo do autor]. Eles são enunciados ‘relativamente estáveis’, porque, apesar de todo gênero ter suas convenções, são dinâmicos e flexíveis às mudanças históricas e socioculturais, o que pode implicar o surgimento de novos gêneros e desaparecimento de outros. Nessa perspectiva, Fairclough (2005) define os gêneros como os modos de ação e interação historicamente situados, que sofrem mudanças à medida que as práticas sociais vão sendo transformadas. Por meio dos gêneros, agimos na sociedade com propósitos definidos e específicos, estabelecemos certas relações de poder com os outros e comunicamos nossas visões de mundo, crenças e certas posições ideológicas, que podem contribuir para a manutenção ou mudança dos discursos hegemônicos. Para Fairclough (2005), a diversidade dos gêneros é estabelecida em termos de nível de abstração, grau de estabilidade e homogeneidade, e escala de atuação. Os gêneros são definidos em maior e menor grau de abstração. A narrativa, argumentação, descrição e conversação, segundo Fairclough (2005, p.68), “são categorias que transcendem redes particulares de práticas sociais”57, ou seja, são gêneros em alto nível de abstração e que participam da composição de diversos gêneros. Portanto, são definidos como pré-gêneros58. Por outro lado, os gêneros específicos de uma rede de práticas particulares, como a receita, o anúncio, a notícia, são categorias bem mais concretas e recebem a denominação de gêneros situados. Um gênero situado pode ser composto por um ou mais pré-gêneros. É possível num texto identificar um pré-gênero principal e outros pré-gêneros, os quais Fairclough (2005, p.66) nomeia de sub-gêneros. Portanto, um texto é constituído por um gênero principal e por sub-gêneros, que acabam por estabelecer uma espécie de hierarquia. Por exemplo, a narrativa na carta pessoal é o sub-gênero principal, depois seguem a descrição, a exposição, entre outros. Em relação ao grau de estabilidade e homogeneidade dos gêneros, podemos notar que certos gêneros possuem padrões mais rigorosos e fixos. No entanto, há aqueles que são mais criativos e fluidos, como os publicitários. Nestes últimos, a possibilidade de ocorrer um hibridismo, isto é, de o gênero se apropriar das características recorrentes de um outro gênero, é muito maior do que nos primeiros. Assim, a análise da estrutura genérica de um gênero é uma tarefa nem sempre muito fácil. 57 Minha tradução de “are categories which transcend particular networks of social practice”. 58 O conceito de pré-gênero também é tratado em Swales (1990). 69 Segundo Fairclough (2005), as atividades humanas têm um aspecto nãodiscursivo e discursivo. Em alguns casos, o aspecto discursivo é principal e em outras, auxiliar. Em certos gêneros pode-se encontrar uma atividade discursiva especifica com suas próprias propriedades organizacionais, as quais podem ser analisadas separadamente dos elementos não discursivos. Em outros gêneros, no entanto, essa tarefa é mais difícil. Por isso, o gênero é determinado em termos de seus propósitos de atividade. Um gênero pode conter mais de um propósito, mas um é identificado como o principal. Finalmente, os gêneros para Fairclough (2005) também são definidos conforme a escala de atuação nas redes de práticas sociais. Há aqueles que atuam numa escala global, e outros numa escala local. Desse modo, certos gêneros são mais específicos de algumas esferas e são poucos os que têm acesso a eles, como os gêneros da esfera acadêmica, resenha crítica, artigo científico, entre outros. Já alguns gêneros, como a conta de água, luz, telefone, publicidades, convites, documentos (carteira de identidade, certidões, título de eleitor etc.), bula de remédio, receitas culinárias, entre outros, abrangem as redes de práticas sociais e atingem um público maior. A camisa de formatura, enquanto gênero, caracteriza-se como uma forma situada, específica de uma ação e interação, resultante de uma determinada situação comunicativa, vinculada a uma esfera sóciocomunicativa. Ela tem por finalidade comunicativa divulgar sobre o término do ensino médio, ou seja, informar que uma turma do terceiro ano está se formando e, consequentemente, indo embora da escola. Quanto à sua estrutura genérica, a camisa de formatura é visualmente composta por uma frase que quase sempre se inicia na parte da frente e termina na parte das costas, seguida por uma imagem, geralmente desenhos de personagens dos desenhos animados, tais como Os incríveis, Pantera Cor de Rosa, Homem Aranha, Máscara, Pinky e Cérebro, Papa Léguas e Bob Esponja. Na parte das costas, há também uma lista com os nomes dos estudantes e dos funcionários (diretor (a) e professores), além do nome da instituição de ensino, do ano e da série da turma. No entanto, há camisas que não possuem essa configuração bem definida, isto é, uma configuração que apresente todos aqueles elementos que compõem a estrutura visual, dispostos da mesma maneira como foram apresentados no quadro (1). 70 Há camisas que trazem apenas o nome do dono, a série da turma e a frase “formando” ou “terceirão”. Mas, ainda assim, a finalidade da camisa de formatura é mantida, uma vez que a turma divulga a formatura, e o leitor é capaz de identificar o usuário como aluno do terceiro ano. Ilustração 13 - Camisa “Terceirão 2009” Na camisa da ilustração 13, por exemplo, identificamos, na parte da frente, o ano do término do ensino médio, a frase “terceirão”, referindo-se à série da turma. Na parte das costas, há apenas o apelido do dono da camisa, enquanto nas mangas temse estampado o logotipo da instituição escolar. 71 Essas frases “Formados” e “Terceirão” aparecem em algumas camisas, acima da lista dos nomes dos alunos. Encontramos também “aprendizes”, “aluno”, “concluintes”, “sobreviventes”, “tropa de elite” e “turma de elite”, “corporação”, “torturados”, “seleção”, “liga do bem”. A maneira como classificamos os seres faz revelar uma identidade e as crenças que caracterizam as representações sociais dos sujeitos. Assim, há nessas camisas de formatura uma descrição desses sujeitos, pois são nomeados (nomes próprios e comuns), localizados e situados (série da turma e ano da colação) e qualificados. Essa identidade do aluno formando e as mensagens transmitidas nessas camisas são construídas pela integração da linguagem verbal, modalidade escrita, com outros modos semióticos. Geralmente, as camisas possuem uma cor ou um tipo de gola diferente do uniforme escolar, obrigatório para os alunos das outras séries59, o que ajuda a distinguir aqueles alunos que estão do terceiro ano. Além disso, algumas trazem alguma imagem que remete a esse momento que estão vivenciando, tais como as camisas da ilustração 14, nas quais temos a temática do término do ensino médio. Na camisa de cor roxa, a metáfora de escalar até chegar ao topo de um paredão é a ação realizada de estudar com esforço e dedicação, durante todo o ano, para conseguir concluir essa série, o terceiro ano. Os bonecos representam visualmente, portanto, os alunos dessa turma. O último boneco, com os braços levantados para o alto, segurando o capelo e uma bandeira, representa a alegria da vitória, isto é, a alegria de terem conseguido concluir essa etapa da vida escolar. Na camisa de cor branca, temos a colação de grau, representada na imagem de uma placa de sinal de trânsito, com o desenho de um boneco vestido com trajes típicos dessa cerimônia, como o capelo e a beca. 59 É comum no final da última série do ensino fundamental os alunos confeccionarem também uma camisa de formatura. 72 Ilustração 14 - Camisas com mensagens visuais Há também camisas de formatura que são configuradas como camiseta de time de futebol e como página da web, como o site do Google. Ilustração 15 - Camisa de formatura com formato de camisa de futebol Ilustração 16 - Camisa de formatura com formato de página do Google Isso demonstra o quanto a estrutura genérica do gênero camisa de formatura é bastante flexível e dinâmica, permitindo até um hibridismo. 73 No caso da camisa de formatura, a interação entre os sujeitos ocorre a qualquer momento e em qualquer lugar em que é lida, não podendo, em princípio, estabelecer o público desse gênero, já que poderia ser qualquer pessoa, de qualquer idade, sexo ou classe social, que num determinado momento volta sua atenção para ele. Contudo, pelo estudo explanatório das camisas, pelo seu conteúdo, podemos dizer que elas se voltam especialmente para o público jovem, ou melhor, para os estudantes das outras turmas da própria escola ou de outras instituições escolares. Na camisa abaixo, por exemplo, temos como destinatário, identificado no termo que exerce a função de vocativo, “vestibulandos”, pessoas que já se formaram ou estão para se formar, provavelmente, em outra instituição, e que estarão concorrendo com eles por uma vaga no vestibular. Ilustração 17 - Camisa “Vestibulandos, CUIDADO... FERAS A SOLTA” Como muitas vezes os interlocutores se encontram em movimento e também em função da legibilidade, as frases que compõem essas camisas são curtas (estruturas breves, sintéticas), para que possam ser lidas, e atraentes, para chamar a atenção. Assim, muitas possuem um tom bastante humorístico. 74 Ilustração 18 - Camisa “ABDUziram o 3ºB. PARA UM NÍVEL SUPERIOR” Certas frases são modificações de slogans de marcas de produtos ou dizeres proferidos em publicidades, tais como de cerveja, de refrigerante, de cigarro, entre outros, com as quais faz um intertexto. A noção de intertextualidade está presente em Bakhtin (1988), quando trata a questão da polifonia, isto é, a presença de diferentes vozes em um texto, e do dialogismo. Nossos textos são dialógicos à medida que respondem a outros textos e retornam a determinados dizeres do outro, seja para refutá-los seja para completá-los. No final de 1960, Kristeva, com base nos pressupostos de Bakhtin, cunha o termo intertextualidade. Na ACD, a intertextualidade é entendida como a presença de elementos atualizados de outro texto em um texto - as citações. (Fairclough, 2001) Ao relatar um discurso, o fazemos em discurso direto, sendo o dito atribuído ao autor, por meio do uso de verbo dicendi, ou em discurso indireto, através da paráfrase e do resumo, sem que haja a atribuição explícita de quem disse o dito. Por exemplo, na ilustração 19, uma das intertextualidades presentes diz respeito ao comercial da cerveja Skol, que entre os anos de 1997 a 200560, divulgou seu slogan “Skol a cerveja que desce redondo.” Podemos ainda fazer alusão ao dizer “Álcool, a causa e solução de todos os problemas”, do personagem Homer Simpson do desenho animado The Simpson. 60 Disponível em: < http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/banco-de-slogans-produtos-de-a-a-c>. Acessado dia 08 de out. 2011. 75 Ilustração 19 - Camisa “Skola desce quadrado mas sai formado!!! 3ÃO 2010 A causa e a solução de todos os nossos problemas” Às vezes, as turmas estampam certos provérbios, citações de pessoas célebres ou dizeres cristalizados dos personagens dos desenhos animados, como a frase da ilustração 20, que remete à fala inicial dos personagens de desenho animado Pink e Celebro. Ilustração 20 - Camisa “O que iremos fazer hoje? Primeiro vamos conquistar o vestibular... ...depois conquistaremos o mundo!” As camisas de formatura, geralmente, são compostas pelo pré-gênero narrativo. Assim, elas [...] revelam uma situação inicial, apresentada na frente da camisa e uma situação final, nas costas. Há sempre um clímax entre a situação inicial e a final. O clímax representa aqui a quebra ou o corte do enunciado, ou seja, a quebra da expectativa é responsável pela criação da situação de antes e depois e também por provocar uma expectativa no leitor quanto ao desfecho. Geralmente, o clímax ocorre antes ou depois de um operador argumentativo. O uso das seqüências narrativas, na maior parte dos casos, permite que os alunos falem de um antes, relacionado com a preparação para o vestibular ou com as etapas concluídas do Ensino Médio, e de um depois, relacionado com a aprovação no vestibular ou com a saudade que terão dos amigos, após concluída esta etapa. (MAIA, 2008, p.43-44) A seguir, temos um exemplo: 76 Ilustração 21 - Camisa “A emoção é forte. Não chegamos ao fim... ...mas ao início de uma longa caminhada.” Porém, camisas compostas por outros pré-gêneros são identificadas, mas em recorrência menor, por exemplo, o pré-gênero injuntivo. Para a autora (2008), o uso do injuntivo pode ser justificado pelo fato de a conclusão do ensino médio e a aprovação no vestibular serem tidas como difíceis e que, portanto, exigem determinadas ações e comportamentos, tais como disciplina, dedicação, estudo, entre outros. As camisas de formatura veiculam certas representações sociais a respeito de uma variedade de temas sobre a esfera escolar na qual os alunos estão inseridos. Os temas identificados nas camisas que compõem nosso material de análise são os que citaremos a seguir. (A) A conclusão do ensino médio As turmas falam sobre o fato de terem conseguido concluir o terceiro ano, apesar da descrença de alguns em relação a isso. Talvez, parte dessa descrença esteja relacionada ao comportamento indisciplinado da turma. Ilustração 22 - Camisa “Muitos duvidaram. Poucos acreditaram... aí vai o resultado: este ano estarei formado! 77 Sobre essa mesma temática, as turmas revelam uma preocupação com as avaliações, pois precisam obter a nota média para aprovação, e, consequentemente, concluir o ensino médio. Ilustração 23 - Camisa “Perder o último ano? Nem pensar!” Para certas turmas, o término do ensino médio é um alívio, já que não precisarão mais ir à escola. Segundo Zagury (2009), nesta idade, muitos adolescentes mostram um desinteresse pelo estudo, não querendo mais ir à escola. Ilustração 24 - Camisa “O estudo é a luz da vida... ...então pare de estudar e economize energia.” Por causa do desinteresse dos adolescentes em estudar, pais e professores passam a incentivá-los e a expor os benefícios e necessidades da educação formal. Embora a lei não obrigue o ensino médio, os pais querem que os filhos estudem para terem uma condição de vida melhor. Portanto, algumas camisas revelam o estudo e sua conclusão como algo imposto pelos adultos. Uma das frases principais nesse tipo de camiseta é 78 Ilustração 25 - Camisa “Entramos forçados, ficamos pirados, estamos formados.” Em contrapartida, concluir o terceiro ano para algumas turmas não foi algo tão difícil, e que trará orgulho aos pais e professores. Ilustração 26 - Camisa “Matamos nossos professores... De orgulho.” Os alunos se consideram vitoriosos por terem concluído o ensino médio, ou seja, essa é a grande ou a primeira conquista desses adolescentes. Isso porque, mesmo o ensino médio sendo gratuito, nem todos chegam a concluí-lo por diversos motivos: trabalho, distância geográfica da escola ao local onde moram etc. 79 Ilustração 27 - Camisa “Corremos, lutamos, suamos... E conseguimos cruzar a linha de chegada!” (B) Saudade da fase escolar Enquanto algumas turmas se alegram por estarem se formando e saindo da escola, em outras elas expressam a saudade que sentirão da turma, do tempo bom que passaram juntos na escola. Também expressam a saudade que a escola e os demais estudantes sentirão deles. Ilustração 28 - Camisa “Estou indo mas deixarei saudades” (C) A vida como uma luta contínua Nesta temática, as frases tratam do término do ensino médio como o fim de uma luta e o começo de outra, em busca de outros objetivos e metas. Muitos são os obstáculos que eles terão que enfrentar na vida para serem pessoas bem sucedidas. O estudo é apontado como algo que os fará alcançar esse sucesso, é o que lhes permitirá transformar a realidade em que vivem. 80 Ilustração 29 - Camisa “Na vida temos que ultrapassar muitos obstáculos... Estamos chegando à reta final de apenas um deles.” (D) A competitividade fora da escola Algumas camisas tratam sobre a competitividade fora da escola. Elas evidenciam o fato de que só têm oportunidades aqueles que possuem escolaridade, e que a qualidade de vida que temos depende das nossas escolhas e dos nossos méritos. Ilustração 30 - Camisa “Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, então... sai da frente que a vaga é minha!” Assim, essas frases mostram a valorização do estudo por parte desses sujeitos. Podemos notar uma competição entre eles no sentido de determinar qual aluno de qual instituição escolar possui uma melhor qualidade de ensino, qual é o melhor. Algumas frases, nesse sentido, são bastante recorrentes, tais como “Que venham os bons, porque os melhores estão saindo”, “Façam seus últimos pedidos, pois os gênios estão indo embora”, “O mundo precisa de mais gênios humildes [ou, de gênios mais humildes] hoje em dia somos poucos” e “A humanidade está perdendo seus maiores gênios... Aristóteles faleceu. Newton bateu as botas. Einstein passou desta para melhor... e eu não estou passando muito bem hoje!!!”. 81 (E) O Processo Seletivo do Vestibular As frases de camisas de formatura abordam também o tema do vestibular. De certa forma, essa temática é englobada no item anterior, nas frases sobre a competitividade fora da escola. O vestibular é tido como uma competição, já que a demanda é grande enquanto a oferta é pouca, ou seja, a proporção de vagas nas universidades federais e particulares tende a ser menor que a de alunos que se formam anualmente. Ele também está relacionado com a temática da continuidade do estudo, determinada pela LDB/1996 como uma das finalidades do ensino médio. Art. 35 O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; Contudo, nessa série de frases, a referência a essa temática é explícita, uma vez que são empregados léxicos tais como “nível superior”, “vestibular”, “universidade” e as siglas das universidades: “UFV”, “UFMG”, “UFOP”, “UFJF”, entre outras, e pelos elementos visuais: as quatro pilastras e o brasão da Universidade Federal de Viçosa. Ilustração 31 Camisa “Estamos em alta velocidade... ...Para chegar a universidade!” 82 3.3. O texto multimodal da camisa de formatura Agimos e interagimos por meio de um número infinito de gêneros, sendo que nem todos possuem uma nomenclatura ou são objetos de estudo. Como comentamos, Fairclough (2005) aponta para o fato de que as atividades humanas têm um aspecto não discursivo e outro discursivo. Em alguns casos, o aspecto discursivo é principal e em outros, auxiliar. Nos estudos linguísticos e discursivos, estudamos com frequência os aspectos discursivos da prática social no que diz respeito à linguagem verbal (oral ou escrita). Por exemplo, em uma entrevista, analisam-se as tomadas de turnos, os recursos linguísticos empregados, as escolhas que foram feitas em termos gramáticolexicais; contudo, pouca ênfase é dada aos gestos, postura, expressões faciais e distância dos participantes de uma entrevista televisionada, ou mesmo das imagens, da tipologia, layout da página em que uma entrevista foi publicada. Estes também fazem parte da prática discursiva, ou seja, do processo de construção do sentido (momento da semiose). Embora os pesquisadores dessa área reconheçam a importância de analisar os outros modos semióticos para uma melhor compreensão da interação e dos sentidos construídos (Fairclough, 2001a), a ênfase continua sendo a análise do texto verbal na qual a linguagem verbal é vista como desempenhando um papel central na interação. Ou então há pesquisas em que as imagens, os gestos assumem um papel central e a linguagem verbal passa a ser subordinada a esses modos. (Norris, 2004a) Para que não haja a supremacia de um modo semiótico sobre os outros, devemos atentar sempre para a noção de texto multimodal. Mas, antes de entrarmos nesta questão, primeiramente, interroguemo-nos: o que é texto? Segundo Bakhtin (2000, p. 329), “se tomarmos o texto no sentido amplo de conjunto de signos, então também as ciências da arte (a musicologia, a teoria e a história das artes plásticas) se relacionam com textos (produtos da arte).” Em outras palavras, se entendermos por texto tudo aquilo que produz um sentido, então, uma estátua, uma fotografia são também textos. Halliday e Matthiessen (2004, p. 3) definem texto como “qualquer instância de linguagem, em qualquer meio, que produz sentido a alguém que conhece a linguagem.”61 Apesar de tratarem aqui sobre o texto verbal, é uma noção que explora a questão semântica e, por extensão, pode ser aplicada a outras linguagens. Com base na semântica, os autores (2004) veem a gramática como um recurso para a 61 Minha tradução de “any instance of language, in any medium, that makes sense to someone who knows the language.” 83 produção do sentido e propõem uma Gramática Sistêmico-Funcional62; “sistêmica”, porque compreendem a gramática como uma série de estruturas sistêmicas, o que implica escolha, e “funcional”, porque procuram explicar as (meta)funções das categorias gramaticais dentro dos sistemas. Os estudos de Halliday foram de muita influência para os estudiosos da Semiótica Social, que viram neles potencial para entender a linguagem para além do verbal. Hodge e Kress (1988, p. 263), em um estudo inaugural sobre a Semiótica Social, definem texto como “uma série de mensagens à qual é atribuída uma unidade semântica”.63 Assim, texto é uma unidade de sentido, sendo que ele pode ser construído por uma variedade de formas semióticas, que juntas projetam uma versão da realidade. Nesta direção, avançando alguns passos, podemos entender com van Leeuwen (2006) que o sentido é construído através de uma complexa interação semiótica, por exemplo, o texto publicitário não é a soma de textos isolados, do texto visual e do texto verbal, mas sua combinação. Assim, ao invés de separar os vários modos semióticos – imagem, música, entre outros – a tarefa da Semiótica Social, segundo van Leeuwen (2006), é comparar e contrastar os modos semióticos, explorando o que eles têm em comum, bem como no que se diferem, e investigando como eles podem ser integrados em artefatos multimodais e eventos multimodais. Portanto, nós, que temos os textos como nossos objetos de estudo, temos que atentar sempre para o fato de que “qualquer evento comunicativo consiste na relação entre uma multiplicidade de modos de comunicação”.64 (NORRIS, 2004b, p.103) Norris (2004a) explica que em uma interação face a face entre duas pessoas, sentidos são construídos pelos participantes não apenas pela linguagem verbal, ou seja, por aquilo que estão dizendo, mas também pelos movimentos realizados pelos participantes, os quais podem ser percebidos e interpretados. Por exemplo, duas pessoas estão em uma cafeteria conversando. Se um dos participantes voltasse seu olhar para uma janela, supondo que houvesse uma janela ao lado da mesa em que estão sentados, o outro poderia interpretar essa ação como se o parceiro estivesse entediado da conversa, ou desconcentrado. Assim, a análise da interação multimodal, proposta pela autora baseia-se no princípio de que “todas as interações são 62 A primeira versão da Gramática Sistêmico-Funcional é de Halliday (1985). 63 Minha tradução de “a string of mensages which is ascribed a semiosic unity.” 64 Minha tradução de “Any communicative event consists of the interplay among a multiplicity of communicative modes.” 84 multimodais”65 (NORRIS, 2004b, p. 1), e que movimentos, barulhos, objetos materiais podem carregar sentido interacional quando são percebidos por um indivíduo. De acordo com Carmo (2009, p.5), “pode-se considerar um texto multimodal quando seu significado provier e se realizar por meio de mais que um código semiótico.”, como é o caso do texto publicitário, das histórias em quadrinhos, das capas de revista, de charges que têm sido objeto de estudo de diversas pesquisas que buscam investigar a questão do texto multimodal. Kress e van Leeuwen (2006) destacam que a capacidade de produzir e de interpretar textos multimodais possui um papel central na sociedade contemporânea, haja vista que grande parte dos materiais impressos e da mídia eletrônica, tais como jornal, revistas, CD-Room, websites, entre outros, trazem textos que envolvem uma complexa combinação de textos escritos, imagéticos, gráficos e sonoros. Para esses autores, cada um desses modos semióticos possui uma base social; por isso, eles propõem que haja uma leitura e interpretação crítica também dos textos imagéticos, já que percebem que os sentidos, as relações de poder e hegemonia também estão presentes nesse modo semiótico. Às vezes, por exemplo, o texto verbal de uma notícia pode não ter um discurso sexista, porém, o visual que a acompanha, sim. Kress e van Leeuwen (2006) elaboram uma gramática do Design Visual, na qual as imagens não são analisadas em seu aspecto estético, mas na sua dimensão social, política e comunicacional, em que sentidos são atribuídos à maneira como os elementos representados nas imagens se combinam, formando um todo coerente, e interagem com aqueles que as observam. Tal gramática, conforme destaca Carmo (2009), é posteriormente, criticada pelos próprios autores, pelo fato de que eles ainda tinham “um pé no mundo das disciplinas monomodais” (KRESS; VAN LEEUWEN, 200166, p. 1 apud CARMO, 2009), isso porque consideravam que a linguagem e a comunicação visual, ambas podiam realizar o mesmo sistema fundamental de sentido, porém, diferente e independente. (Kress; van Leeuwen, 2006) Assim, van Leeuwen (2005) diz que a comparação de várias gramáticas é um trabalho necessário para sabermos o alcance em que diferentes modos podem fazer o mesmo tipo de atividade comunicativa, mas, ao mesmo tempo, a diferença de uma atividade comunicativa realizada por diferentes modos; além disso, é necessário para investigarmos sobre a integração de diferentes modos em textos multimodais, o que 65 Minha tradução de “All interactions are multimodal.” 66 KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Multimodal discourse: the modes and media of contemporary communication. London: Arnold, 2001. 85 nos permitiria explorar mais a questão da coesão, como, por exemplo, a conjuntura do verbal e visual, sendo possível falar em uma “coesão” entre palavras e imagens. Os gêneros, como vimos, são definidos pela sua função, em termos do que eles fazem, ou seja, são modelos de ação comunicativa e de estratégias e procedimentos para atender a certos propósitos comunicativos. Em relação à análise genérica, van Leeuwen (2005) diz que essa precisa ser modificada quando nós a transferimos do domínio “monomodal”, textos lineares, para o multimodal, textos não lineares. Por texto não linear o autor considera aqueles que têm um primeiro plano visual, não apenas o uso de imagens, mas toda a composição, tipografia e cor; e que permitem múltiplas formas de leitura, independentemente de ser ativado através de tecnologia (pensando aqui nos gêneros fixados em um suporte virtual), ou não. Por exemplo, ao lermos uma notícia, dependendo da disposição dos elementos no layout, bem como seu tamanho, cor etc., podemos, primeiramente, olhar uma fotografia e, em seguida, o título, e, por último, o texto verbal. Assim, em boa parte das camisas, devido ao seu tamanho, a imagem é quase sempre aquele elemento que primeiro “nos salta aos olhos”. De acordo com van Leeuwen (2005), o propósito do gênero é desenvolvido em um texto em diversas etapas, que podem ser realizadas por um modo semiótico específico, dependendo do local de circulação e de fatores culturais, ou por diferentes modos simultaneamente. Por exemplo, uma receita pode trazer a imagem de um prato para já “abrir o apetite” do leitor e persuadi-lo a experimentar. A relação entre os modos dentro de uma etapa pode ser elaborativa ou extensiva. Por elaboração, o autor entende como a atualização de um conteúdo realizado em um modo por outro modo, seja para exemplificar, esclarecer, resumir, o que corresponderia à noção de ancoragem. Na ancoragem, tem-se, por exemplo, o verbal especificando o sentido da imagem, já que esta em muitos casos é polissêmica, embora o oposto também seja possível. (Barthes, 197767 apud Kress; van Leewen, 2006) Já por extensão, entende como um modo adicionando algo novo. (Kress; van Leeuwen, 2006) Discutindo sobre os princípios da multimodalidade e seu impacto na constituição do hidridismo intra e intergenérico, Carmo (2009) faz a seguinte reflexão: De forma integrada, verbal e não-verbal passam a limitar interpretações e fortalecer outras em função de como hibridamente trazem à tona discursos, formas de pensamento e crença na forma de práticas sociais contemporaneizadas, presentificadas por meio do processo de recontextualização. (CARMO, 2009, p. 6) 67 BARTHES, Roland. Image, Music, Text. London: Fontana Press, 1977. 86 Portanto, na verdade, em um texto multimodal, verbal, visual, sonoro e outros modos não produzem um sentido isoladamente, mas o produzem de forma integrada. A análise integrada dos modos semióticos é a melhor forma para se obter uma possível compreensão global da mensagem contida no texto. Por isso, para a análise que pretendemos fazer, nesta dissertação, sobre as representações discursivas contidas nas camisas de formatura, é necessário que levemos em consideração o texto multimodal que constitui esse gênero. O texto da camisa de formatura é composto pela integração de elementos verbais escritos e visuais, os quais são indispensáveis no processo de interpretação da mensagem. Se levássemos em conta apenas um dos modos, por exemplo, se analisássemos apenas as frases, excluindo as imagens, e vice-versa, correríamos o risco de ter demasiadas leituras, enquanto que, na busca de analisar o texto em sua totalidade, as limitamos. Para exemplificar o que estamos dizendo, analisemos os sentidos construídos no texto multimodal da frente de uma camisa de formatura de terceiro ano (ilustração 32). Ilustração 32 - Layout da frente de uma camisa de formatura Fazendo uma breve descrição da composição do layout e trançando duas retas sobre a imagem, permitindo observar em que posições os elementos foram colocados, identificamos os seguintes elementos: mais próximo ao centro da figura, vê-se a frente do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (COLUNI) e um pouco mais acima dele um foguete. Do lado direito, mais na parte superior, em segundo 87 plano, há um morro e em seu topo diversos outdoors, nos quais estão escritas as siglas de algumas universidades, tais como UFES, UNICAMP, UFOP, UFMG, UFJF, UFRJ e PUC. Acima disso, em letras bem grandes, encontra-se o nome desta Instituição de Ensino. Já na parte inferior da imagem, encontram-se algumas pessoas, umas amarradas em foguetes, outras ao lado destes. A imagem mais próxima daquele que observa é a de um rapaz preso a um foguete. O foguete possui o formato de um triângulo, cuja parte pontiaguda está fincada ao solo. Ao lado desta imagem, há uma placa com a sigla da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Poderíamos ter algumas leituras para esta imagem, se não fossem as siglas das universidades, bem como certas informações extratextuais que limitam o sentido e sustentam uma possível interpretação. Sabe-se que o COLUNI é um colégio federal, situado no campus da Universidade Federal de Viçosa. Os jovens que querem cursar o ensino médio nesta instituição são submetidos a um exame de admissão. Muitos deles são atraídos a estudar neste colégio devido à colocação deste no ranking das escolas que têm as melhores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado pelo Ministério de Educação (MEC), e também a maior média de alunos aprovados no processo seletivo do vestibular68. Além disso, vimos que o próprio gênero tem como temática recorrente o processo seletivo do vestibular, visto que um dos objetivos dos alunos do terceiro ano, após a conclusão do ensino médio, é justamente o ingresso ao ensino superior. A partir dessas informações, podemos identificar os participantes dessa cena: os professores são as pessoas que estão ao lado dos foguetes e os alunos, aqueles que estão amarrados neles. Temos duas ações (processos) transacionais diretas sendo realizadas pelos professores, que são, portanto, os atores. A primeira ação é a de “amarrar os alunos aos foguetes” e a segunda, a de “lançá-los”. O destino desses alunos são as universidades, pois a ponta do foguete assemelha-se a uma seta, e, assim, um dos foguetes aponta para o morro onde estão os outdoors com as siglas das universidades e outro para a própria UFV. Portanto, tem-se aqui a metáfora do processo de preparação para o processo seletivo do vestibular. O objetivo desses professores é preparar os alunos para o ingresso ao ensino superior, sendo que muitos irão cursá-lo em outras universidades, enquanto alguns ingressarão nos cursos da UFV. 68 Informações divulgadas no portal do Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/09/12/desempenho-de-estudantes-nas-provas-do-enemtem-evolucao-de-10-pontos-em-um-ano>. Acessado em 10 de out. 2011. E também no site do Globo online. Disponível em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2011/09/escola-publica-com-melhormedia-no-enem-e-de-universidade-de-mg.html>. Acessado em 10 de out. 2011. 88 Neste texto, os alunos acabam expressando que a aprovação no vestibular não é consequência de suas ações, mas das ações de seus professores, ou seja, o mérito é atribuído ao colégio, tanto que este está localizado mais ao centro da imagem. Além disso, o ingresso em outras universidades de ensino superior é representado na imagem como algo mais distante e idealizado, pois é colocado na parte superior ao fundo, enquanto o ingresso na UFV é algo mais próximo e uma realidade mais acessível. Ao mesmo tempo, as universidades ocupam a margem direita, que representam algo que é novo, desconhecido, ao passo que uma parte do colégio também ocupa o lado esquerdo, onde se localizam aquelas informações mais familiarizadas. (Kress; van Leeuwen, 2006) Uma consideração pode ser feita em relação às cores utilizadas. Os alunos optaram pelo preto no verbal e visual, e branco para o fundo. Essa escolha, aqui, talvez, tenha-se dado mais por fatores econômicos, visto que o preço para a confecção varia de acordo com a quantidade de cor que é utilizada: quanto menos cores forem usadas, menor é o preço da camisa. Já a escolha do tecido branco, e não um tecido de outra cor, pode ter sido motivada por questões climáticas, já que o branco absorve menos calor radiante que as demais cores69, e, portanto, usamos roupas com tonalidades mais claras nas épocas de calor mais intenso, como o verão. Porém, em outras camisas, notamos que a escolha das cores é motivada por fatores culturais e também para ajudar na construção do sentido. Por exemplo, numa camisa, a cor escolhida para o fundo, para o tecido, foi a cor preta, reforçando a frase, na qual se lê: “A escola está de luto, pois os melhores estão indo embora” [grifo nosso]. Em certas culturas, como a nossa, o preto expressa nosso sentimento de tristeza pela perda de alguém. Portanto, pessoas vestem-se com roupas pretas em velórios para manifestarem esse luto. Então, o texto ficaria incoerente e não produziria os mesmos efeitos, se os alunos tivessem optado pela cor verde, devido a toda essa carga semântica e cultural também atribuída ao uso de roupas pretas em cerimônias fúnebres. Retornando à ilustração 32, temos, então, um texto, no qual predomina o visual, mas nem por isso, menos complexo, e cujo sentido pode ser construído independente do verbal, não porque está subordinado a este, mas porque a informação dada neste modo interage com a do outro, a fim de construir um todo coerente. Vejamos mais um exemplo, o texto da camisa da ilustração 33, no qual temos, na parte da frente, a frase “O rabo ajuda...” e a imagem de um óvulo, célula 69 Disponível em: < http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=33063>. Acessado em 12 de out. 2011. 89 reprodutora feminina, aqui representada por uma circunferência com um laço cor de rosa, e quatro espermatozóides, células reprodutoras masculinas, representados como um formato de girino, com um boné na cabeça. Os espermatozóides realizam uma ação intransitiva de nadar. Na parte de trás, temos a continuação da frase “mas sem a cabeça não entra!!!”, seguido da imagem da fecundação. Ilustração 33 - Camisa “O rabo ajuda... mas sem a cabeça não entra!! A princípio, pela imagem interpretamos que a frase está se referindo ao processo de fecundação, no qual o espermatozóide precisa do flagelo (cauda), aqui, vulgarmente, denominado de “rabo”, para se movimentar da vagina até ao útero, e dele às trompas, a fim de fecundar o óvulo. São milhões de espermatozóides que o homem libera na ejaculação, durante o ato sexual, mas somente um consegue fecundar o óvulo, ou seja, aquele que for mais veloz e não morrer durante o percurso. Na fecundação, a cabeça do espermatozóide penetra o óvulo e este perde sua cauda. É na sua cabeça que está todo o material genético da célula masculina. Contudo, ao observarmos atentamente a imagem, notamos que um dos espermatozóides carrega uma bandeira, destas que são levantadas para dar a partida e comemorar a chegada de um atleta em competições esportiva e automobilística. É costume também, ao desbravar um lugar, como picos de montanhas, fincar uma bandeira no local. No texto desta camisa, na bandeira está escrito “vestibular”. Observe: 90 Ilustração 34 - Metáfora da Reprodução A metáfora da reprodução é utilizada aqui para representar a competitividade no processo seletivo do vestibular. Temos, então, que os espermatozoides são os alunos que estudam para serem aprovados no vestibular, uma vez que a demanda é muita, enquanto a oferta é pouca. No processo seletivo do vestibular da Universidade Federal de São João del-Rei, do ano de 2011, o curso mais concorrido, por exemplo, foi o de Medicina, em que a relação de candidato/vaga foi de 135,59.70 Por isso, “sem a cabeça”, na qual estaria armazenado o intelecto, o candidato “não entra” na universidade, representada pelo óvulo. Nota-se que, na parte de trás da camisa, não temos mais o laço, mas o capelo. Nestes dois exemplos, podemos observar que os alunos constroem um texto coerente, onde expressam suas vivências e expectativas em relação ao ensino médio, de forma perfeitamente adequada às finalidades do gênero e do suporte em que ele se situa. Assim, estruturas verbais são “economizadas” por estruturas visuais, que, neste gênero e suporte, conseguem captar mais a atenção do destinatário. Por outro lado, elementos linguísticos, tais como certos léxicos, precisam ser expressos para que a imagem não se torne ambígua, para que o destinatário perceba também as metáforas que são construídas no texto. Às vezes, é a imagem que ajuda a evocar um sentido para a palavra, como podemos analisar no texto da camisa da ilustração 35. 70 Informação divulgada no site da UFSJ. Disponível em: <http://www.vestibular.ufsj.edu.br/vestibular_20111.php>. Acessado dia 10 de out. 2011. 91 Ilustração 35 - Camisa Google O texto desta camisa configura-se no formato de uma página do Google. As cores no viés da camisa são motivadas pelas cores da logomarca do Google: vermelho, azul e amarelo. Ao invés do tecido de cor semelhante à da página do Google, opta-se pelo tecido preto, mas, em outras camisas, que apresentam esse mesmo formato, como a da ilustração 16, observamos que o tecido é branco, tal qual a cor da página da internet. A palavra inserida no campo de busca é “sucesso”. Na parte de trás, na parte superior, localiza-se a seguinte frase: “Resultados futuramente encontrados:”, e logo abaixo a imagem de diversos profissionais, seguidos dos nomes dos alunos. Segundo Houaiss e Villar (2009, p.703), o termo “sucesso” tem as seguintes acepções: (i) o que acontece, fato; (ii) bom resultado, triunfo; e (iii) o que alcança êxito ou fama. O vocábulo “Sucesso”, nesta frase, está relacionado aos “bons resultados” na vida profissional, como podemos inferir pela imagem escolhida. Os participantes, aqui, não realizam ações, mas relacionam com seus atributos possuídos. É uma estrutura classificacional (Kress; van Leeuwen, 2006), os quais os classificam em certas profissões. Observe: Ilustração 36 - Profissões de sucesso Assim, pelos objetos e roupas que esses participantes estão portando, podemos associá-los às áreas de Medicina, Engenharia, Odontologia, Licenciatura, Advocacia, Secretariado etc. 92 É interessante destacar o fato de que as profissões representadas na imagem dizem respeito àquelas em que o indivíduo precisa de uma formação superior para exercê-la, tal como Medicina. Fatores sociais e culturais implicam a exclusão de outras profissões como a de pedreiro, empregada doméstica, motorista e tantas outras. Os indivíduos que exercem essas outras profissões não poderiam ser também pessoas bem-sucedidas nas atividades que desempenham? Há de se considerar também algumas camisas onde verbal e visual tentam reforçar a mesma mensagem, como, por exemplo, a camisa da ilustração 25, na qual há uma tentativa de expressar o mesmo conteúdo das estruturas visuais com o verbal. A frase é constituída por uma sequência de eventos: “entrar”, “ficar” e “estar”. Na imagem, essa sequência é representada pelas linhas divisórias dos quadrinhos, responsáveis por desconectar os elementos. Em cada quadrinho ocorre um evento, um após o outro. “Entrar” é um processo intransitivo. O aluno é o agente da ação, contudo, a inserção na escola foi imposta e não voluntária, já que a forma como ele entrou foi “forçada”. Essa ideia também é construída na estrutura visual. Na imagem do primeiro quadrinho temos dois participantes. Ambos exercem um processo: um de “empurrar” e o outro de “impedir” esta ação, o que se conclui que o participante que empurra está obrigando o outro a ir a algum lugar que ele não quer. “Ficar” e “estar” exprimem algo temporal e não um estado permanente, como o verbo “ser”. Os alunos “ficaram pirados”, mas isso não quer dizer que continuam ou continuarão assim. Afinal, essa etapa escolar chegou ao fim. Nesse momento, “estão formados”, mas logo não serão mais vistos como “formados”, mas como trabalhadores, desempregados ou estudantes novamente. A escolha de “formado”, no particípio, pode ter sido motivada pela sonoridade, isto é, para que rimasse com “forçados” e “pirados”. Tanto no segundo quadrinho quanto no último temos apenas um participante. E este não realiza ações. No segundo quadrinho, ele apresenta um estado de cansaço: ombros caídos, boca aberta, pernas bambas, enquanto que no último está mais ereto e, portanto, mais disposto. Além disso, possui um diploma na mão e está vestido com roupas de cerimônia de colação de grau. Assim, os alunos constroem um texto no qual podemos interpretar que a educação formal é tida como uma obrigação e não como um direito do cidadão. E que formar para eles representa um conforto. Tentamos mostrar de forma bastante geral, através dos exemplos, como é relevante para a análise das camisas de formatura considerarmos não só a situação de produção, circulação e consumo deste gênero mas também a integração dos vários 93 modos semióticos que estruturam a mensagem em um todo coerente, a fim de entendermos com mais clareza as mensagens e identificarmos as crenças e os valores que esses textos veiculam. 94 CAPÍTULO IV A CONSTITUIÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE O ÚLTIMO ANO DO ENSINO MÉDIO NO TEXTO MULTIMODAL DE CAMISAS DE FORMATURA Neste capítulo, apresentamos os dados obtidos na análise realizada dos textos multimodais de oitenta (80) camisas de formatura que tratam do processo seletivo do vestibular e a conclusão do terceiro ano – dois temas de maior recorrência no material de análise coletado. No primeiro tópico, fazemos uma descrição dos recursos léxico-gramaticais e visuais utilizados para a construção da mensagem, ou seja, verificamos as escolhas realizadas pelos sujeitos dentro do sistema de transitividade, para representar verbalmente suas experiências de mundo, por meio dos vários tipos de processos, a saber: material, comportamental, mental, verbal, relacional e existencial. E também examinamos como os elementos visuais se articulam para construir estruturas sejam essas narrativas ou conceituais, que representam visualmente os participantes desempenhando uma ação ou revelando um significado, atributo ou classificação. Atrelados a essa descrição, realizamos uma análise mais interpretativa do texto multimodal dessas camisas, considerando a dimensão da prática discursiva no que diz respeito às relações intertextuais e interdiscursivas existentes nas frases presentes nas camisas. No segundo tópico, buscamos discutir sobre as metáforas que aparecem nas camisas de formatura, já que essas estruturam um modo de pensar e agir. Dessa maneira, pretendemos fazer uma análise mais explicativa, em que a dimensão da prática social seja mais enfatizada, já que as formas simbólicas (verbal e visual) presentes nessas camisas acabam vinculando questões culturais, institucionais e ideológicas. 4.1. Aplicando os pressupostos da GSF e da GDV para a análise do texto multimodal da camisa de formatura Para analisar o léxico e a gramática de um texto, Fairclough (2005) usa a noção de transitividade da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday e Matthiessen (2004), através da qual se explora a função ideacional da linguagem, ou seja, como os sujeitos representam o mundo, as pessoas e os objetos com os quais se relacionam. Segundo Halliday e Matthiessen (2004), a oração pode ser vista como tendo três elementos principais: os processos, os participantes e as circunstâncias, sendo que os processos são os elementos centrais do sistema de transitividade. Para marcar os itens lexicais e gramaticais, utilizamos negrito para os processos, sublinhado para os participantes e itálico para as circunstâncias. Os dados da análise do sistema de transitividade serão apresentados, de acordo com o tipo de processo encontrado, através de um quadro com a lista desses processos, de um gráfico com a ocorrência de cada tipo e da discussão de alguns exemplos selecionados – para isso, tivemos que considerar a multimodalidade do texto, já que o sentido é construído na integração dos vários elementos semióticos que compõem a mensagem veiculada nas camisas de formatura. Assim, as imagens foram analisadas com base no significado representacional, conforme a Gramática do Design de Kress e van Leeuwen (2006); contudo, recorremos aos outros significados, tais como composicional e interacional, em alguns casos, em que achamos necessários para uma melhor compreensão do sentido. O tipo de processo mais recorrente no material de análise, em relação à temática do vestibular, foi o processo material, com o total de 60 ocorrências. Tabela dos processos materiais em camisas sobre a temática do vestibular Abduzir Acabar Ajudar Alcançar (2X) Aparecer Chegar (5X) Concorrer Conquistar (2X) Compartilhar Correr Curtir Dar Desistir Driblar Eliminar Encontrar (2X) Enfrentar Entrar Esmagar Fazer (3X) Fechar Garantir Ir (2X) Montar Mover Ocupar (2X) Pagar Passar (7X) Perder Pegar Sair Seguir Superar-se Tentar Terminar Tomar (4X) Unir Vencer Vender 71 Ver 71 O verbo “ver” geralmente é protótipo do processo comportamental; contudo, na camisa em que aparece, ele apresenta outro sentido, que é aproximadamente o de “encontrar”. 96 O sentido empregado de “passar”, nas frases das camisas, é o de “ser aprovado, aceito” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 561). Por exemplo: Ilustração 37 - Camisa “Estou vendendo meu rasta... ...passei no vestibular!” Frase (1): Estou vendendo (processo material) meu rasta... [meta] ...passei (processo material) no vestibular! (circunstância de localização/espacial) Na primeira imagem, temos um participante representado, um rapaz com cabelos com dread (também conhecido por rasta), tipo de cabelo que se tornou bastante conhecido com o movimento rastafári72. Ele também está vestido com uma roupa com três listras, uma vermelha, uma amarela e uma verde. Estas cores representam, respectivamente, o sangue dos mártires, a vegetação e a riqueza do continente africano. Os elementos desta imagem formam uma estrutura conceitual, uma vez que não possui vetores. O participante foi representado dos ombros para cima, como em uma fotografia 3x4, porque o que interessa ser mostrado, na imagem, são seus cabelos, na parte da frente, e a ausência deles, na parte de trás. Há, aqui, uma espécie de construção de um antes e depois que representa o ritual de passagem para o ensino superior, o trote. O trote consiste de brincadeiras e prendas, organizadas pelos estudantes mais antigos, os veteranos, durante uma semana, chamada calourada, no início do semestre, para os recém-chegados às universidades, que são designados como calouros ou bichos. Essas brincadeiras consistem em sujar as roupas dos calouros com tinta, raspar os cabelos dos meninos, fazê-los pedir dinheiro em sinais de trânsito, a fim de organizarem uma festa com o dinheiro arrecadado, entre outras. Às vezes os trotes são violentos e os calouros se sentem humilhados e agredidos, o que tem feito com que muitas instituições sejam contrárias a essa forma de receber os novatos, 72 É um movimento religioso que surgiu na Jamaica, que proclama Hailê Selassiê, imperador da Etiópia, como representação terrena de Deus. 97 buscando, assim, abolir essa prática dentro do campus. Em algumas instituições de ensino superior, o trote é proibido e/ou substituído por um trote solidário, como doação de sangue, e também palestras e dinâmicas promovidos pelos órgãos estudantis. Desse modo, o sujeito “está vendendo seu rasta”, porque este foi cortado no trote que ele recebeu, devido à sua aprovação no vestibular. Temos, nessa camisa, a representação do ingresso na universidade, marcado pelo trote. É essa a experiência que eles vivenciam no final do ensino médio. As camisas de formatura, geralmente, são produzidas, antes de os alunos prestarem o vestibular e/ou serem divulgados os resultados. Desse modo, como o aluno dessa turma pode afirmar que passou no vestibular? Essa camisa foi produzida por uma turma de terceiro ano de uma escola privada. Assim, possivelmente, essa assertiva deve-se à crença de que os alunos que vêm de escola privada são aprovados no vestibular. Sobre essa questão da aprovação no vestibular, os alunos também expressam que esta entrada na universidade deve ocorrer logo após a conclusão do Ensino Médio, conforme podemos notar na camisa seguinte. Ilustração 38 - Camisa “Correndo do Cursinho. Cada gota vele a pena!” Frase (2): Correndo (processo material) do cursinho (meta) Cada gota (possuidor) vale (processo relacional atributivo possessivo) a pena (possuido)! O processo é “correr”, aqui empregado no sentido de “fugir”. De quê? Do cursinho. Os cursinhos têm como objetivo preparar os candidatos para os vestibulares e concursos, revisando todo o conteúdo aprendido durante a educação básica. Fazem cursinho, geralmente, aquelas pessoas que foram reprovados nos vestibulares; porém, há muitos estudantes que ainda no terceiro ano se matriculam nesses cursinhos para 98 se prepararem mais para os exames. Na frase, há o apagamento do ator, isto é, daquele que realiza essa ação, uma vez que o processo está na forma nominal de gerúndio. Ainda na parte da frente, há a caricatura dos alunos dessa turma de terceiro ano. Os elementos formam uma estrutura conceitual simbólica, pois diz respeito ao que os participantes são e, além disso, seus gestos não podem ser interpretados como ações. Os participantes estão de pé por nenhuma outra razão que exibirem a si mesmos como uma turma bastante heterogênea. Cada um é representado com algo que o relaciona a um estilo ou estereotipo, por exemplo, óculos de grau, chapéu de Cowboy, gorro, brinquinho, boné e óculos de sol etc. Um deles é apresentado com um balão de fala, no qual está escrito “falou fessor”. Este dizente é uma variação linguística que identifica tal sujeito a um determinado grupo. Portanto, quem está correndo do cursinho é essa turma. Com isso, pressupomos que eles estão fugindo, na realidade, é da reprovação no vestibular, pois, caso isso venha acontecer, terão que fazer um cursinho no próximo ano. Na parte de trás dessa camisa temos a frase “cada gole vale a pena”. Segundo Houaiss e Villar (2009, p.170), “valer” tem a seguinte acepção: “ter muito valor, importância”. A imagem da parte de trás desta frase é a de uma garrafa com um rótulo, no qual está escrito: “Correndo do Cursinho. Cada gole vele a pena”. Há uma alusão à marca de refrigerante Coca-Cola pela fonte escolhida da letra e pelas cores vermelha e preta. A Coca-Cola é uma das marcas lideres no mercado de bebida (refrigerante) e sua fórmula é um sucesso que não se consegue imitar. Assim, desta garrafa saem diversas bolas, ou seja, gotas do líquido que contido em seu interior. Os elementos formam, assim, uma estrutura narrativa de ação. Em cada uma dessas gotas está escrito o nome de um aluno da turma dos “formandos 2008”, que metaforicamente saem da escola com um conteúdo que vale a pena, ou seja, que é importante, e que é combinado em uma fórmula de ensino e aprendizagem que nenhuma outra instituição consegue imitar ou fazer melhor que a escola onde estuda essa turma. Como foi comentado no capítulo III, as camisas de formatura, geralmente, possuem um frase, que tem início na parte da frente e término na parte das costas. O humor típico das frases dessas camisas, muitas vezes, está relacionado à ambiguidade dos temos. O verbo “tomar” aparece sempre no início da frase, na parte da frente, com o sentido de “engolir o conteúdo de” (Houaiss; Villar, 2009, p. 730), isso porque a informação contida na imagem leva a essa interpretação, uma vez que se tem sempre a imagem de um recipiente ou de alguém segurando um copo ou lata de alguma bebida. Vejamos: 99 Ilustração 39 - Camisa “Este ano vamos tomar todas... as vagas do vestibular!” Frase (3): Este ano (circunstância de localização/temporal) vamos tomar (processo material) todas... As vagas do vestibular! (extensão/escopo) Contudo, ao lermos o restante da frase, atribuímos outro sentido para “tomar” como o de “preencher, ocupar” (Houaiss; Villar, 2009, p. 730). A camisa de formatura, na ilustração (39), é composta pela frase “Este ano tomamos todas...”, seguido de uma imagem de uma abelha (participante), sentada na alça de uma caneca (circunstância), cujo interior está cheio de algum líquido no qual estão imersos alguns nomes de cursos superiores como: Direito, Pedagogia, Odontologia, Nutrição e Medicina. Há um canudinho dentro dessa caneca, usado, provavelmente, para tomar o conteúdo desse recipiente, os cursos superiores. A estrutura narrativa é de reação não transacional, pois há um vetor nos olhos da abelha que observa algo que está fora da cena e que não sabemos de que se trata. Ao lado da caneca aparece a seguinte informação: “3º A”. Na parte das costas dessa camisa, há a continuação da frase “As vagas do vestibular”. A expressão “tomar todas” significa beber bebida alcoólica de forma exagerada. Nesse caso, a surpresa e o humor estão no fato de que o conteúdo que eles tomaram não é uma bebida, e sim as vagas do vestibular de alguns cursos de ensino superior, em outras palavras, os sujeitos preencheram todas essas vagas. Como podemos observar nas frases (1) e (2), não há um termo que represente quem é o ator, mas este é marcado pela desinência verbal, isto é, pela desinência de primeira pessoa do singular, na frase (1), e de primeira do plural, na frase (2). No decorrer do material de análise, observamos que isso é bastante recorrente. Houve 16 ocorrências em que se fez uso da desinência verbal de primeira pessoa do plural, 7 100 em que se optou pela desinência de primeira pessoa do singular. Em duas camisas, a escolha foi pelo pronome pessoal de primeira pessoa do singular (eu) e uma em que foi usado o pronome pessoal de primeira pessoa do plural (nós). É ainda ator dos processos verbais identificados: o Brasil, o vestibular (2X), o baile, nosso sonho, o rabo, os bons, 3ºA, o time (2X), eles e dois corpos. Dessa forma, os sujeitos se inserem em seu dizer ora como parte de uma coletividade, quando faz uso da primeira pessoa do plural, ora de forma singular, quando utiliza a primeira pessoa do singular. Outras marcas de subjetividade podem ser destacadas nas frases, como, por exemplo, o uso dos pronomes possessivos das primeiras pessoas. Os processos que foram listados encontram-se nos seguintes tempos e modos verbais: 16 no presente do indicativo; 6 no pretérito perfeito do indicativo; 10 no futuro do presente do indicativo, sendo 9 locuções verbais formadas pelo verbo auxiliar “ir” no presente do indicativo; 6 no imperativo afirmativo; 3 no imperativo negativo; 6 na forma nominal de gerúndio e 13 na forma verbal de infinitivo, o que revela algo que acontece ou que o sujeito faz habitualmente. Os processos que se encontram no infinitivo apareceram nos seguintes casos: Ilustração 40 - Camisa “E depois que o baile acabar... ...vamos nos encontrar logo mais! Nosso sonho não vai terminar!” Frase (4): 73 ...E {depois que o baile (ator) acabar... (processo material)} ...vamos nos (ator) encontrar [processo material] logo mais! (circunstância de localização/temporal) Nosso sonho (ator) não vai terminar [processo material] A frase, nesta camisa, faz um intertexto com o refrão da música “Nosso sonho”, composta por Claudinho e Buchecha, dois cantores de Funk melódico. “E depois que o baile acabar vamos nos encontrar logo mais!” é, segundo Halliday e Mathiessen 73 Utilizaremos {} (chaves) quando aparecem os casos de oração complexa (Halliday; Mathiessen, 2004) nas frases presentes nas camisas, mas não é objetivo tratá-los com profundidade, em termos desse fenômeno. 101 (2004), uma “oração complexa”. Esse tipo estabelece uma relação lógico-semântica de expansão com a oração principal (Oração complexa, expansão hipotática - oração subordinada adverbial temporal). Na imagem, o baile é o elemento circunstancial. Reconhecemos tal ambiente pelos elementos que o compõem como as luzes coloridas e a multidão. Nesta, destaca-se um participante, o leão. Ele é o participante de maior saliência, pois se situa em primeiro plano, tem o maior tamanho e é representado com mais detalhes, como a vestimenta típica da cerimônia de colação de grau (beca, capelo). Dos membros deste participante saem vetores de ação, indicando que ele está dançando e segurando seu diploma. Assim, a estrutura caracteriza-se como narrativa de ação e representa a comemoração da colação de grau em um baile de formatura. A festa é dos alunos desse colégio cuja logomarca é um leão, participante representado na imagem. De acordo com a frase, depois que esta comemoração acabar, o que irá acontecer é que eles continuarão a se encontrar, ou seja, a conclusão do ensino médio não é representada como o fim desse relacionamento de amizadade. A segunda imagem, na parte das costas, é a de um mapa do Brasil (portator/ todo), na qual estão representadas suas partes, os estados (atributos possessivos). O estado em saliência é Minas Gerais, o qual está colorido de amarelo, enquanto os outros estão em branco. De um ponto especifico do Estado de Minas Gerais partem várias setas, indicando assim uma ação. Nessas setas estão escritas as siglas de várias instituições de ensino superior. Provalvemente, o local de onde partem essas setas é a cidade onde se situa a escola desses sujeitos, que depois de formados têm como propósito ingressar no ensino superior, ou seja, estão saindo da escola e indo para essas universidades, tais como UFSJ, UFOP, UFMG, UFES, UFJF, UFRJ, UFV, UNICAMP, UERJ, USP e UnB. Os sujeitos representam o que irá acontecer com o sonho deles: “nosso sonho não vai terminar”, isto é, o sonho não terminará com a conclusão da educação básica. Portanto, o que acontecerá será a continuação do estudo. Na frase (5), o processo “pagar” é posposto a um processo mental, completando seu sentido, ou seja, exprimindo, assim, o que X deseja fazer. 102 Ilustração 41 Camisa “Quer pagar quanto? ...Nada. Federal é de graça.” Frase (5): Quer (processo mental) pagar (processo material) quanto?...Nada [meta]. Federal (portador) é (processo relacional atributivo intensivo) de graça (atributo)! A frase desta camisa é composta por uma pergunta dirigida ao aluno do terceiro ano, seguida da resposta dada à pergunta realizada, em que o interlocutor afirma que não quer pagar “nada” – há uma elipse de quase todos os elementos linguísticos, ficando apenas o pronome interrogativo (quanto), que diz respeito à informação que se quer saber. Interpretando a última parte dessa frase, podemos dizer que o interlocutor deseja pagar nada pelo estudo superior, pois almeja fazê-lo em instituição federal, na qual o ensino é gratuito. Assim, “federal é de graça” serve como argumento para a resposta dada quanto ao valor. Os sujeitos aqui representam aquilo que eles querem fazer, ou seja, eles desejam cursar o ensino superior em uma universidade federal, ressaltando o aspecto da “gratuidade” (em termos, pois os impostos pagos devem ser retornados ao contribuinte através de investimentos por parte do Governo na área de educação, saúde, segurança pública, entre outras). A universidade é caracterizada pela sua modalidade administrativa “federal”. Trata-se de uma camisa de escola privada; contudo, pelo ensino superior, o sujeito não deseja pagar. Esse desejo pelo ensino gratuito na universidade federal pode ser justificado pelo fato de pesquisas do MEC e o próprio senso comum indicarem que as universidades federais têm ensino de melhor qualidade, devido ao investimento em extensão, pesquisa e ensino. Há uma inversão, pois, no caso, da educação básica, parece que a privada seria considerada melhor, com exceção de alguns colégios federias. Isso (re)produz uma representação que se tem da instituição federal e sobre o ensino. 103 Nessa camisa, há um intertexto com o mascote, o Baianinho, da rede varejista Casas Bahia. Na imagem, ele é representado com um olhar de demanda e fazendo um gesto positivo com sua mão para o observador. Além disso, outro intertexto é o bordão “quer pagar quanto?”, dos comerciais dessa loja. Em geral, nesses comerciais, aparecia um vendedor (Fabiano Augusto) que fazia essa pergunta aos consumidores, e logo em seguida as ofertas da loja eram apresentadas. Nesse caso, Baianinho faz a publicidade de uma instituição escolar. Podemos notar que sua vestimenta (chapéu e camiseta) traz a logomarca e o nome da instituição de ensino, na qual a turma que produziu a camisa estuda. A grande promoção é o ensino, tido como bom por aprovar no vestibular. Portanto, essa mensagem apresenta um sujeito que paga uma escola privada com o desejo de ser aprovado em uma instituição de ensino superior gratuito. Já na parte de trás dessa camisa, os participantes são os alunos desta turma. Eles estão representados somente pelo desenho de seus rostos. Abaixo desta imagem 3x4, há o nome deste participante. Os elementos formam uma estrutura conceitual classificacional, uma vez que cada aluno está subordinado a um tema “formandos”. Em outros casos, há uma descrição do processo, assim, o infinitivo aproximase de um substantivo, como em Ilustração 42 - Camisa “Passar no vestibular é o que você deseja, ou seja...” Frase (6): Passar (processo material) no vestibular (circunstância de localização/espacial) é (processo relacional identificativo intensivo) {o que você (experienciador) deseja (processo mental)}, ou seja... Em destaque (tamanho, plano) temos a imagem de um rapaz, vestido com o uniforme de uma instituição de ensino. Ele segura uma lata de cerveja na mão, a qual é amarela e possui a logomarca da instituição. Dos pés e braço deste participante saem vetores; podemos dizer que ele está correndo. Assim, os elementos formam uma estrutura narrativa. 104 Atrás deste rapaz, em segundo plano, há uma multidão. As pessoas são também atores e o alvo é alcançar/pegar o concorrente. Há uma metáfora indicada no tropeço que os amontoam. Ela indica que essas pessoas não eram superiores e não puderam competir. A particula explicativa “ou seja” se destaca na frase devido ao seu tamanho e também por ser preenchida de cor amarela, mesma cor das reticências e da lata de cerveja amarela da parte de trás da camisa. Desse modo, completamos a frase com o termo “cerveja”, fazendo um intertexto com a música da Ivete Sangalo, “Ou seja cerveja”, trilha sonora de uma publicidade da marca de cerveja Nova Schin. A letra é a seguinte: Sabe a sensação quando alguém te beija? Ou seja, cerveja Sabe aquele sonho que você deseja? Ou seja, Cerveja Uma roda de amigos todos numa mesa Ou seja, Cerveja Uma Nova Schin gelada vindo na bandeja Ou seja, Cerveja Eu brindo sim Eu brindo a alegria numa Nova Schin Eu brindo sim (3X) Como em todos os momentos alegres e bons da vida, sempre se pede uma cerveja para comemorar, a instituição de ensino, representada como uma lata de cerveja em cima de três livros74, é este produto que os alunos consomem e apreciam “sem moderação” neste momento da vida – há a inversão da advertência no final da publicidade de cerveja Nova Schin, “aprecie com moderação”, às vezes seguida por “se for dirigir, não beba”. Os elementos formam uma estrutura conceitual simbólica em que a cerveja significa uma instituição escolar boa, ou seja, que aprova no vestibular, realizando aquilo que se deseja. Em relação às camisas com a temática sobre o terceiro ano como uma vitória, o tipo de processo predominante foi também o processo material, com um total de 29 ocorrências. Segue a tabela com os processos identificados: 74 O número três é bastante significativo, pois remete ao ano que estão cursando, “o terceiro ano do ensino médio”. 105 Tabela dos processos materiais em camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória Alcançar Derrotar Proporcionar Chegar Desistir Provar Conseguir (3X) Embarcar Sair Conquistar (2X) Imitar Trazer Juntar Tentar Lutar (2X) Vencer (8X) Continuar 75 Cruzar Também observamos que, na maioria das frases, os atores dos processos estão implicitos na desinência verbal de primeira pessoa do plural, sendo 12 ocorrências. E quanto ao tempo e modo, há 13 processos no pretérito do indicativo, 4 no presente do indicativo, 1 no futuro do presente do indicativo, 4 no imperativo afirmativo, 1 na forma nominal de gerúndio e 7 no infinitivo. Portanto, aqui, há uma recorrência por relatar aquilo que aconteceu, ou que o sujeito fez. Vejamos um exemplo de processo material em uma camisa sobre a temática do terceiro ano como uma vitória: Ilustração 43 - Camisa “Chegar aqui não foi fácil!!! ...o C tentou... o C cansou... e o C conseguiu!!! Viu só... o C é fera!!!” Frase (7): Chegar (processo material) aqui (circunstância de localização/espacial) não foi (processo relacional atributivo intensivo) fácil!!! (atributo)... o C (ator) tentou (processo material)... o C (comportante) cansou (processo comportamental)... + o C (ator) conseguiu!!! (processo material) Viu (processo comportamental) só... o C (portador) é (processo relacional atributivo intensivo) fera!!! (atributivo) 75 O sentido é de prosseguir. 106 Em uma descrição da composição do layout do texto da parte da frente da camisa, temos: na parte superior, o nome da instituição de ensino, popularmente conhecida como “estadual”, sublinhada duas vezes; abaixo, há uma exclamação “chegar aqui não foi fácil”; ao centro, é apresentada a sequência de três imagens, cada qual com um dizer. Em todas, observamos dois participantes, um passarinho e um gato. Ambos são personagens de um desenho animado, Piu-Piu e Frajola. Os episódios são basicamente Piu-Piu tentando escapar das perseguições do gato Frajola, que quer comê-lo. Embora o passarinho seja muito meigo, ele reage com extrema maldade aos ataques do gato. Na primeira sequência, os participantes constroem uma estrutura narrativa de ação, na qual vetores saem das partes do corpo (patas) de Frajola. Este está com a boca aberta, com as garras levantadas e aproxima-se do passarinho, que está com “as mãos” na cintura, como se estivesse esperando Frajola. “...o C tentou” é a frase que interage com a imagem. Desse modo, “C” refere-se à turma “3ºC”, que é visualmente representada como o gato que persegue sua presa, ou seja, como aqueles que buscam atingir um objetivo, que pode ser: conseguir as médias nas avaliações. Frajola é o ator e Piu-Piu o alvo. Na segunda, o gato está sentado com os braços cruzados, olhando para o passarinho. Há uma estrutura narrativa de reação não transacional, uma vez que o passarinho não retribui o olhar. Este lança um olhar de demanda para o observador e faz um gesto com as mãos, de que não entende por que o gato parou. “...o C cansou” é a frase que interage com a imagem. O sentido criado é de que muitas vezes se “cansa”, isto é, sente-se um esgotamento (físico ou mental) de estudar. Frajola não desiste de seu objetivo: é o que nos apresenta a terceira sequência, na qual, finalmente, Frajola captura Piu-Piu. Ambos olham um para o outro. Há uma narrativa de reação bidirecional, em que os participantes são reator e fenômeno ao mesmo tempo. A frase na parte de trás da camisa é uma conclusão dessa sequência de ações: “O C é fera!!!”. Frajola é fera, isto é, um predador, um animal feroz, enquanto os alunos dessa turma são feras, no sentido de pessoas exímias naquilo que pretendem conquistar. Notamos que, nas frases, dois processos são materiais, o ator está explícito na letra “C” e há o apagamento da meta. Este participante é incluído na imagem; neste caso, capturar o Piu-Piu. O passarinho é a representação do diploma de conclusão da educação básica, aquilo que os alunos tinham como objetivo. Assim como Frajola captura Piu-Piu na última sequência, os alunos obtêm o diploma ao final do terceiro ano. 107 Portanto, ocorre nos casos tratados neste tópico, uma construção da experiência externa, em que os alunos expressam aquilo que eles fizeram, fazem ou farão. Eles são representados como agentes desses processos. Quanto aos processos relacionais, registramos 38 ocorrências nas frases das camisas sobre o vestibular. Os processos utilizados foram os seguintes, como mostra a tabela abaixo. Tabela dos processos relacionais em camisas sobre a temática do vestibular Estar (4X) Tornar-se Ficar (2X) Transformar (2X) Ser (27X) Valer Ter Os processos relacionais servem para caracterizar e identificar. Na frase abaixo, por exemplo, os sujeitos caracterizam o vestibular: Ilustração 44 - Camisa “Vestibular é fácil... ...É só eliminar os concorrentes.” Frase (8): Vestibular (portador) é (processo relacional atributivo intensivo) fácil... (atributo) ... é (processo relacional atributivo intensivo) só eliminar (processo material) os concorrentes (meta) Essa facilidade, expressa na frase (7), deve-se ao fato de que para se ser aprovado, basta eliminar os concorrentes, ou seja, obter uma pontuação maior que os demais candidados que estão prestando esse exame. Na imagem, por exemplo, estão representados os seguintes elementos: um funil, no qual estão várias pessoas, e um rapaz com uma espingarda em uma das mãos e uma faca na outra. Este último é o elemento de maior saliência, pois se encontra em primeiro plano e possui mais detalhes que os demais participantes que estão brigando dentro do funil. 108 Ilustração 45 - Camisa da metáfora do ingresso no ensino superior através do vestibular A cena é bem violtenta e sangrenta. Há um vetor de ação no funil, indicando que algumas pessoas estão conseguindo passar por essa parte mais estreita, como o rapaz armado que acaba de sair dali – observe-se as várias projeções de sua imagem. Para isso, o rapaz teve que “eliminar” aqueles que estavam junto com ele no funil. Podemos notar que sua faca está toda suja de sangue e, na saída do funil, há um pé, e gotas de sangue escorrem do local. Desse modo, há uma estrutura narrativa de ação sendo formada por esses elementos. O ator é o pistoleiro que sai do funil (circunstância de lugar) e que elimina seu concorrente, representado apenas pelo pé ensanguentado (alvo), com suas armas (circunstância de modo/meio). Há ainda um vetor dos olhos do pistoleiro para algo que não está em cena. Suas expressões faciais são de maldade e ódio. Forma-se, assim, uma estrutura narrativa de reação. No funil, ainda são representadas várias pessoas que são também atores, uma vez que de seus membros saem vetores indicando que elas estão bringando entre si. Portanto, uma estrutura narrativa de ação. Há aqui um intertexto com aventuras de faroeste, como sugere a expressão “Bang bang”. É construída, então, a metáfora do vestibular como uma luta. Nas histórias de faroeste, há sempre confrontos entre os colonizadores brancos e os povos indigenas, sendo que estes últimos são sempre vistos como uma ameça. Nesse sentido, podemos fazer uma analogia desta narrativa com o processo seletivo do vestibular. Este é o “faroeste” onde pessoas de diferentes classes, etnias, culturas, vinda de outras cidades e até mesmo outros estados disputam as vagas nos cursos superiores. Geralmente, quem consegue ser aprovado é o “pistoleiro”, isto é, aqueles com condições mais favorecidadas, aqueles que vêm de outra região etc. 109 Ao mesmo tempo, temos a representação do “funilamento” do processo de entrada dos alunos no ensino superior, isso porque a demanda é grande, mas a oferta de vagas é pouca. Então, o processo seletivo do vestibular é classificatório e eliminatório, isto é, mesmo aqueles que tenham conseguido a média necessária para a aprovação no vestibular serão eliminados, caso sua pontuação não corresponda ao número de vagas disponíveis. Vejamos outro exemplo de como o vestibular é identificado nas camisas de formatura. Ilustração 46 - Camisa “Vestibular é uma carniça.” Frase (9): Vestibular (valor) é (processo relacional identificativo intensivo) uma carniça (caracteristica) O texto dessa camisa é composto pela frase “vestibular é uma carniça” e a imagem de um urubu, de algumas moscas e de três livros. Os elementos visuais aqui formam uma estrutura narrativa de ação, pois os riscos tortos indicam movimento das moscas, e as asas sugerem que a ave se prepara para um voo, ou que ela acabou de pousar para se alimentar dos livros. Estes podem construir a metáfora do estudo de coisas antigas a serem deglutidas, ou então, do conhecimento considerado como algo “podre”, uma vez que o urubu é uma ave que se alimenta dos animais mortos e agonizantes. A cor preta desses animais se relaciona com o termo “carniça”, escrito também em preto. É como se esses elementos rimassem, isto é, há uma coerência entre os elementos, eles estão ligados entre si pela cor. (Kress e van Leeuwen, 2006) Os termos “carniça” e “urubu” nos remetem à expressão “igual urubu na carniça”, usada para se referir a uma multidão ao redor de um único acontecimento, pessoa ou objeto, isso porque, quando um animal morto é jogado a céu aberto, diversos urubus ficam sobrevoando o local. Assim, “vestibular é uma carniça”, porque se torna um acontecimento no qual todos se concentram: escolas, cursinho, professores, alunos, 110 pais e a mídia. Na parte de trás da camisa, observamos a lista dos nomes dos alunos, também designados como “3º ano científico 95” e “Urubus 96”, ou seja, são aquelas pessoas que estão “em cima dos livros”, em outras palavras, que estão estudando. Enquanto a frase (ou os elementos linguísticos que a compõem) define o vestibular como um acontecimento em que todos se enfocam, os elementos visuais constroem uma estrutura narrativa que informa aquilo que o participante faz, ou seja, ele estuda. Ilustração 47 - Camisa “Não fique de bob... ...eira. Depois do vestibular quem é do [nome do colégio] aparece!” Frase (10): Não fique de bob... (processo relacional) ...eira depois do vestibular (circunstância de localização/temporal) quem (possuido) é (processo relacional identificativo possessivo) do [nome do colégio] (possuidor) aparece! (processo material) Na imagem da camisa acima temos como participante representado o personagem do desenho animado Bob Esponja. Na imagem da parte da frente, ele é representado apenas pelo rosto, cuja feição é de alegria. Acima deste participante há a frase “Não fique de bob...”, dentro de umas bolas de ar. Elas servem como balões de fala disfarçados por causa do ambiente em que o personagem vive (o fundo do mar). Os alunos aproveitam para fazer um trocadilho com a separação da palavra bobeira, sendo que o início desta é o nome do personagem escolhido pela turma. Bob Esponja é uma esponja marinha que trabalha no Siri Cascudo, uma lanchonete, juntamente com seu vizinho Lula Molusco. No filme, apesar de Bob Espoja ser um adulto, ele age como se fosse uma criança, o que o impede de ser promovido, a princípio, gerente da lanchonete. Sua aventura começa quando a coroa do Rei Netuno 111 é roubada. Bob e seu amigo Patrick partem para resgatá-la, na fenda do Bikini. Lá, eles enfrentam monstros marinhos, vilões e bandidos. Ao retornarem com a coroa, Bob tem suas virtudes reconhecidas pelo patrão, o Sr. Siriquejo. Assim, os alunos aconselham o leitor a não ficar de bobeira, isto é, a não permanecer parado, à toa, sem fazer nada, sem estudar para os exames do vestibular, pois esta não é a atitude deles que, ao contrário, partem para um grande desafio. Já na imagem na parte de trás, Bob Esponja é apresentado de corpo inteiro, sua afeição é de admiração (olhos arregalados e boca aberta), os braços estão levantados e as pernas abertas como se estivesse dando um pulo de comemoração. Há uma estrutura narrativa de ação. A frase é a seguinte: “Depois do vestibular quem é do (logomarca da instituição) aparece!”. Bob esponja comemora, então, a aprovação dos alunos desse colégio no vestibular. São, portanto, seus nomes que aparecem nas listas do resultado desse exame. Embora o vestibular seja tido como uma grande prova e uma desafiadora aventura na vida do formando do ensino médio, sua aprovação permite que ele seja reconhecido no seu grupo social, isto é, na comunidade escolar, conforme acontece na história do personagem “mascote” da turma, Bob Esponja. Há também uma prática bastante comum de afixar na entrada do prédio da instituição escolar uma faixa com os nomes dos alunos que foram aprovados no vestibular, como forma de homenageálos e também fazer uma promoção do colégio. Em relação ao tempo e modo em que foram empregados os processos nesse tipo de camisa, registramos 30 processos no presente do indicativo, 1 no imperativo negativo, 4 no modo do infinitivo e 1 no gerúndio. Isso revela que os sujeitos buscam nessas camisas descrever o que determinado aspecto do mundo, como o vestibular, a universidade é, ou o que é o próximo desafio, aquilo que eles desejam, e assim por diante. Quanto à temática sobre o terceiro ano com uma vitória, registramos 13 ocorrências de processos relacionais com os seguintes verbos: Tabelas dos processos relacionais em camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória Apresentar-se Pertencer Estar Ser (8X) Ter (2X) Os processos encontram-se no presente do indicativo, com 9 ocorrências; no presente do subjuntivo, em 2 casos; e no infinitivo, também 2 vezes. Em geral, os sujeitos expressam o que eles são, como no texto da camisa seguinte: 112 Ilustração 48 - Camisa “Não temos o quarteto mágico... Mas nosso time é campeão!!!” Frase (11): Não temos (processo relacional atributivo possessivo) o quarteto mágico... (possuído) ...Mas nosso time (portador) é (processo relacional atributivo intensivo) campeão!!! (atributivo) Na frase (11), a turma é representada como uma equipe esportiva, isto é, o time da seleção brasileira de futebol. Isso porque essa camisa de formatura possui as mesmas características da composição visual da camiseta do uniforme da seleção: amarela, com detalhes do viés em verde, logomarca da Nike, brasão da seleção e número do jogador. Na parte da frente, os alunos dizem que não têm o “quarteto mágico”. “Quarteto mágico” é uma analogia com uma equipe de super-heróis de histórias em quadrinhos, o “Quarteto fantástico”, que foi utilizada para se referir aos quatro jogadores de futebol com melhor desempenho naquela época. Esses jogadores eram Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano. Acreditava-se que, com esses quatro jogadores, a seleção venceria a Copa do Mundo de 2006. A frase da parte de trás inicia-se com o conectivo “mas”, que expressa uma ideia contrária: esse time é denominado campeão, mesmo sem o quarteto mágico. Acima da lista dos alunos formandos está escrito “seleção [nome da instituição]” e dos nomes dos professores, “comissão técnica”. A construção da metáfora do futebol representa aqui a excelência do ensino oferecido por essa instituição escolar, que possui profissionais que preparam os alunos para essa disputa. O termo “campeão” designa “que(m) se destaca por fazer algo melhor que a maioria”. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 344) Em outras camisas, os atributos que aparecem nas frases para referir aos alunos são “vencedores” e “fera”, esse último, no sentido de “(pessoa) exímia (no que faz)” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p.344) e também em referência ao animal (leão) da logomarca do colégio. Vejamos a camisa abaixo, em que os alunos se caracterizam através de uma negação: 113 Ilustração 49 - Camisa “Não somos super-heróis mas vencemos o 3º” Frase (12): Não somos (processo relacional identificativo intensivo) super-heróis (característica) Mas vencemos (processo material) o 3º (meta) O termo “super-herói” é utilizado para designar: “1 personagem fictício com poderes sobre-humanos, que combate o mal, defende os fracos etc. 2 indivíduo de excelente comportamento, grande coragem etc.” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 706) O texto sugere essa primeira concepção, uma vez que ao centro temos o escudo do Super-Homem, um super-herói de histórias em quadrinhos e também do cinema. Já na parte das costas, estão os nomes dos alunos que estão se formando, denominados como “liga do bem” e ainda o nome dos professores, designados por “super vilões”. A “Liga do bem” é formada por uma equipe de super-heróis, na qual se destacam: Superman (Super-homem), Batman, Mulher Maravilha, Mulher gato etc. Ao mesmo tempo que os alunos negam ser “super-heróis”, consideram a turma como a “liga do bem”. Há aqui a representação discursiva do professor como aquele profissional cruel que quer reprovar os alunos, dando-lhes notas vermelhas, isto é, abaixo da média. Assim, embora não tenham poderes como os super-heróis, esses alunos venceram o terceiro ano e os professores cruéis, em outras palavras, conseguiram concluir essa etapa da vida acadêmica. Os processos comportamentais são os processos fisiológicos e psicológicos. Nas camisas de formatura analisadas, esse tipo aparece bem menos do que os dois processos acima tratados. Nas camisas sobre a temática do vestibular, foram identificados 6 processos ligados a esse tipo. Vejamos: 114 Tabelas dos processos comportamentais em camisas sobre a temática do vestibular Olhar Sugar Viver (2X) To walking (caminhar) Ver Os tempos e modos em que aparecem esses processos são: 1 no presente do indicativo, 1 no futuro do presente do indicativo, 2 na forma nominal de gerúndio e 2 na forma nominal de infinitivo. Tomemos um exemplo: Ilustração 50 - Camisa “Walking to University “ou encontramos uma forma ou a inventamos”” Frase (13): Walking (processo comportamental) to University (circunstância de localização/espacial) “ou encontramos (processo material) uma forma (meta) ou a (meta) inventamos” (processo mental) A primeira oração, escrita em inglês (Caminhando para a Universidade), não apresenta o comportante, uma vez que o verbo está na forma nominal gerúndio, representando assim um processo fisiológico em curso. A imagem que compõe o texto da parte da frente da camisa faz um intertexto com a logomarca de uma bebida escocesa conhecida mundialmente, Jonnie Walker. No início do seculo XX, Tom Brown ilustrou essa imagem de um elegante cavalheiro andando a passos largos. Ela compõe uma estrutura narrativa de ação não transacional, pois, dos pés do participante, o elegante cavalheiro (ator), saem vetores indicadores de ação. Esse cavalheiro sempre aparece nas publicidades desta empresa de uísque, com esse fundo preto e traços dourados. Junto ao desenho tem-se o slogan “keep 115 walking” (Mantenha ou continue caminhando). As publicidades desta marca geralmente estão associadas à ideia de onde nossos passos podem nos levar76, assim como os passos de Jonnie Walker o levaram ao sucesso. Neste caso, a turma faz uma modificação neste slogan, mudando-o para “walking to university”. Assim, cada passo desses alunos tem como destino a universidade. Em outra camisa, os alunos fazem um intertexto com a logomarca de quatro operadoras de telefonia: Vivo, Claro, Tim e Oi, formando assim uma estrutura conceitual classificacional, uma vez que estão subordinados a uma mesma temática. Os nomes dessas quatro operadoras ajudam a construir a frase, onde “vivo” torna-se um processo (verbo), “claro” um advérbio de certeza, “tim”, o pronome pessoal de segunda pessoa do caso oblíquo (te), e com “oi” é formado o vocativo, “oitário”. Vejamos: Ilustração 51 - Camisa “VIVO estudando Claro que vou passar TIM vejo na federal OItário!” Frase (14): VIVO estudando... (processo comportamental) CLARO que vou passar... (processo material) 77 TIM (extensão/escopo) vejo (processo material) na federal (circunstância de localização/espacial) OI tátio! Nessa camisa, os alunos expressam um comportamento que é viver e o modo como eles levam a vida, isto é, “estudando” - o gerúndio pode desempenhar as funções exercidas pelo advérbio e pelo adjetivo. Outro processo, nessa camisa, é expresso pelo verbo “ver”, que é acompanhado pela circunstância de localização espacial. “Na federal” é o local onde 76 Vídeos das publicidades da Jonnie Walker, nos quais podemos observar essa ideia constante dos passos. Disponível em: <http://www.johnniewalker.com.br/nossas-marcas-e-legado/galeria-de-videos#video-1>. Acessado em 29 de nov. de 2011. 77 O processo ver é empregado no sentido de “encontrar”. 116 esses sujeitos verão seus leitores, chamados de “oitários”. Assim, vivem estudando para serem aprovados no vestibular e ingressarem no ensino superior, sendo que este será cursado em instituições federais. Em relação às camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória, encontramos 6 processos comportamentais, cujos verbos são Tabelas dos processos comportamentais em camisas sobre a temática do terceiro ano como uma vitória Cansar Ver Correr Suar Nascer Sugar Aqui, todos os verbos foram empregados no pretérito perfeito do indicativo. Vejamos um exemplo de uma camisa que já foi apresentada no capítulo III: Ilustração 16. Camisa “Corremos, lutamos, suamos... E conseguimos cruzar a linha de chegada!” Frase (16): Corremos (processo comportamental), lutamos (processo material), Suamos... (processo comportamental) E conseguimos cruzar (processo material) a linha de chegada! (meta) A conclusão do terceiro ano é representada como a vitória de uma maratona. Na parte superior da camisa há uma frase, “Corremos, lutamos, suamos e conseguimos cruzar a linha de chegada”. Os sujeitos apresentam suas ações e comportamentos. “Correr” e “suar” são verbos ligados aos processos comportamentais, uma vez que expressam ações fisiológicas. “Suar” é um termo mais informal, pois, em situações mais cerimoniais, utiliza-se “transpirar”. “Suar” representa o esforço empenhado em uma tarefa, ou seja, a conclusão da educação básica. 117 Abaixo da frase, há o desenho de um pódio. O primeiro lugar é ocupado pelo desenho de uma pessoa (imagem do Clip Art, programa da Microsoft Word), vestida com um capelo e com um diploma na mão. Ela está com os braços levantados para o alto, e, ao seu lado, outra pessoa segura seu braço, apresentando-o como o vencedor. Os elementos dessa imagem formam, assim, uma estrutura narrativa de ação em que vetores saem dos braços destes participantes que são atores desses processos. Ao redor dessa imagem há uma espécie de moldura, na qual aparece a palavra “chegada”. Desse modo, os alunos representam o terceiro ano como o fim de uma maratona, na qual são os vencedores, ocupando o primeiro lugar do pódio. Os processos mentais são aqueles relacionados aos pensamentos, sentimentos, desejos e percepções. No material de análise, esse foi o tipo que teve a menor ocorrência, juntamente com o processo verbal, aquele processo relacionado ao dizer, e existencial, aquele do existir. Identificamos 15 verbos relacionados ao processo mental, sendo duas ocorrências com o verbo “acreditar” em uma camisa sobre o terceiro ano como uma vitória e os demais verbos em camisas sobre o vestibular. Em geral, eles estão relacionados a processos cognitivos, do desejo e de percepção. Tabelas dos processos mentais em camisas de formatura Achar Importar Acreditar (2X) Inventar Apreciar (2X) Querer (2X) Aprender Pensar Desejar Saber (2X) Estudar Sentir Abaixo, temos um exemplo de uma camisa em que os alunos usaram o verbo “pensar”. Ilustração 52 - Camisa “Não somos apenas seres que pensam... ...mas que transformam seus pensamentos em realidade!” 118 Frase (17): Não somos (processo relacional atributivo intensivo) apenas seres (atributo) {que pensam... (processo mental)} ... mas {que transformam (processo relacional atributivo intensivo) seus pensamentos (atributo) em realidade! (cinscunstância de papel/produto)} Na primeira parte da camisa, além da frase “não somos seres que apenas pensam”, ou seja, não somos apenas seres pensantes/racionais, há também a imagem de um garoto entre uma pilha de livros de várias disciplinas. O garoto está sentado e com um livro aberto e apoiado em suas pernas. Há uma estrutura narrativa de reação transacional, formada pelo vetor que parte dos olhos do garoto em direção ao livro; ele está estudando. Outra estrutura narrativa é formada pelas reticências e siglas de várias instituições de ensino superior acima da cabeça do garoto, como se ele estivesse pensando nessa próxima etapa da vida acadêmica. A frase da parte de trás começa com o conectivo “mas”, introduzindo a ideia de que, também, são seres que tornam seus pensamentos em realidade. Portanto, a formatura do terceiro ano e o ingresso no ensino superior são ideias que os sujeitos tornam em ações no mundo exterior. No material de análise, apareceram apenas dois verbos relacionados ao processo verbal, que foram “agradecer” e “perguntar”. Ilustração 53 - Camisa “Não nos pergunte se somos capazes... ...apenas nos dê a missão.” Frase (18): Não nos (receptor) pergunte (processo verbal) {se somos (processo relacional atributivo intensivo) capazes... (atributivo)} ...apenas nos (beneficiário) dê (processo material) a missão (meta) Nesta camisa, temos a imagem do personagem Papa-Léguas com um capelo e do seu lado uma bandeira branca, fixada no chão de um outro planeta do sistema solar. Ao fundo, localiza-se a Terra. Desse modo, o universo é a circunstância de localização espacial. Os elementos formam uma estrutura conceitual simbólica, em 119 que Papa-Léguas, em alusão ao primeiro homem a pisar a Lua, é aquele que conquistou o vestibular, conforme escrito na bandeira, e, consequentemente, este outro mundo, que é a universidade. Há um senso comum de que aqueles que vêm de escola pública, que trabalham, que apresentam algum comportamento indisciplinar ou dificuldade em certa disciplina, não têm condição de ser aprovado no vestibular. Nesse sentido, não se precisa ficar interrogando se os alunos dessa turma, que são de uma escola estadual, têm ou não capacidade de ser aprovados no vestibular, mas importa que se lhes dê esta missão. Portanto, a aprovação do vestibular é vista como um missão, ou seja, uma incumbência dada aos alunos. Já o processo existencial teve 2 ocorrências, com o verbo “haver”, tal como no exemplo abaixo: Ilustração 54 - Camisa “Não há derrota que derrote quem nasceu para vencer!” Frase (19): Não há (processo existencial) derrota (existente) {que (ator) derrote (processo material)} {quem (comportante) nasceu (processo comportamental) para vencer! (processo material)} (circunstância de causa/propósito) Na frase (19), os sujeitos negam a existência de uma derrota, ou seja, de uma batalha ou guerra capaz de derrotá-los, pois eles foram destinados a sempre vencer. Contudo, a imagem é a de vários bonequinhos um do lado do outro. Abaixo há uma definição sobre que tipo de sujeito é esse, como, por exemplo, sonhadores, bobos do fundo, copiadores, fofoqueiros, matadores de aula etc. Desse modo, os elementos visuais formam uma estrutura conceitual que representa uma sala de aula com alunos bastante heterogêneos e estereotipados. A cor dourada usada nos bonequinhos é a mesma daquela utilizada no nome do dono da camisa em destaque na parte superior. Cabe ainda ressaltar que há ausência de processos em 17 camisas de formatura. Em alguns casos, houve a elipse do processo, mas, em outros, a preferência é construir as experiências através dos recursos visuais, sendo 120 apresentada uma ou outra palavra a fim de delimitar o sentido, como comentamos no capítulo III. Tomemos alguns exemplos. Ilustração 17. - Camisa “Vestibulandos, CUIDADO... FERAS A SOLTA” Frase (20): 78 Vestibulandos (participante/possuidor), CUIDADO ... (participante/possuído) [Há] 79 Feras a solta (participante/existente) Provavelmente, houve a elipse do processo existencial (verbo “haver”), devido ao estilo das camisas de formatura, nas quais, geralmente, as frases são curtas (estruturas breves, sintéticas), para que possam ser lidas. Nesta frase nominal, a ênfase é dada aos participantes, observe-se que o termo “cuidado” foi escrito em caixa alta para alertar o leitor. A imagem é uma placa que sinaliza que há “feras a solta”. O participante é o leão que caminha e observa algo fora da cena. Portanto, há um vetor que sai de suas patas e de seu olhar, construindo uma estrutura narrativa de ação e outra de reação, na qual o participante é ator da primeira e reator da segunda. Na parte de trás, bem ao centro, encontra-se a logomarca da instituição escolar e ao redor dela os nomes dos formandos. Na logomarca, temos novamente a imagem do leão, olhando com sentido ascendente, o que pode indicar feras decolando em sentido conotativo, alçando voo. A palavra “fera”, além da acepção de “animal feroz” e, aqui, se referir a instituição de ensino, também é usada no sentido de “(pessoa) exímia (no que faz)”. Assim, os sujeitos alertam os candidatos de que há uma turma com um ótimo 78 Trata-se de uma metáfora gramatical, na qual há a normalização do processo “cuidar-se”. 79 Apresentaremos entre [] (barras) os processos que foram apagados. 121 desempenho escolar, disputando o vestibular com eles, o que deve ser motivo de preocupação. Ilustração 55 - Camisa “Com você, em todos os momentos!” Já o texto desta camisa é estruturado da seguinte maneira: há uma divisão entre as informações apresentadas na parte esquerda e aquelas apresentadas na parte direita, a diferença de cor (branca e azul) é responsável por essa configuração dos elementos. O texto não apresenta processos. A ênfase é sobre as circunstâncias espacial (vestibular da UNIFEI – Universidade Federal de Itajubá), temporal (2005, em todos os momentos) e acompanhamento comitativo (com você), sob as quais está o participante (G9). Podemos analisar essa camisa em termos do que é apresentado como dado, isto é, aquelas informações que já são de conhecimento do leitor e que estão localizadas do lado esquerdo, como, por exemplo: o vestibular (para o qual o aluno está sendo preparado) e a logomarca da instituição (instituição onde ele estuda). E aquilo que é apresentado como novo, ou seja, aquelas informações que são desconhecidas, ou apresentadas como polêmicas, que nesse caso são UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá), o ano (2005) e a informação de que a instituição está com o aluno em todos os momentos. Essas informações estão localizadas no lado polêmico, desconhecido, justamente por se tratar da primeira vez que esses alunos participarão do processo seletivo do vestibular, o que pode deixá-los em uma situação de ansiedade e insegurança. Essa camisa foi confeccionada pela própria instituição como forma de mostrar para os alunos que, além de formá-los, ela também está apoiando-os e torcendo por eles nesse momento de transição para o ensino superior. A universidade significa uma realidade totalmente nova para esses estudantes. A marca da instituição 122 que fornece o material didático e o endereço do site da instituição escolar são também apresentados no lado esquerdo. Ilustração 56 - Camisa do vestibular como um conflito do Oriente Médio Nesta camisa, a linguagem visual é predominante; contudo, a construção do sentido se dá na integração com os elementos verbais que aparecem. A imagem apresenta um cenário de guerra. Pode-se determinar que o local onde ela acontece é alguma região do Oriente Médio por causa das dunas que compõem a paisagem geográfica, das vestes de um dos participantes e também por essa ser a região mais conflituosa do mundo. O personagem mulçumano é aqui representado como um homem-bomba, pois possui uma bomba presa à cintura e se prepara em um estilingue para ser lançado como uma “pedra” em um avião, que lança várias granadas sob a região. Mais ao fundo, aparece outro avião. A imagem constrói uma narrativa de ação em que vetores saem da parte pontiaguda das granadas em direção ao chão e também dos pés do homem-bomba, que tenta pegar impulso para se lançar contra o avião. Além disso, há uma estrutura narrativa de fala, construída por um balão de fala. O homem-bomba (dizente) faz uma contagem regressiva “10, 9, 8, 7” (enunciado). Através do termo “vestibular”, nas asas do avião, e as siglas das universidades e faculdades, escritas nas granadas, compreendemos que se trata de uma metafóra do processo do vestibular como um conflito. O texto sugere que a turma de terceiro ano desta instituição está se preparando e em contagem regressiva para o dia dos exames dos vestibulares nas mais diversas universidades. Como diz a expressão popular, eles estão “dando a própria vida” nesta disputa pelo território das universidades. Em síntese, nos textos das camisas de formatura de terceiro que tratam do vestibular, as escolhas realizadas pelos sujeitos dentro do sistema de transitividade para representar verbalmente suas experiências de mundo são por processos materiais. Há um relato do que acontece com eles ou do que eles fazem. E, também 123 por processos relacionais, os quais descrevem e caracterizam certos aspectos do mundo, como o vestibular e a própria turma. No gráfico 1, podemos observar como esses processos são bastante recorrentes nas camisas que compõem o material de análise. Já em relação às camisas com a temática do terceiro ano como uma vitória na vida desses sujeitos, destaca-se, sobretudo, o uso dos processos materiais. Vejamos essa representação no gráfico 2. 124 Desse modo, podemos dizer que os sujeitos relatam aquilo que aconteceu com eles ou o que eles fizeram até esse momento da conclusão do terceiro ano. Essa é representada como uma vitória, porque essa trajetória escolar foi marcada por muito esforço, superação e dedicação desses sujeitos. Quanto aos elementos visuais, observamos que, em grande parte, também apresentam desdobramentos de ações e eventos, isto é, constroem estruturas narrativas. Embora estruturas conceituais, em que os participantes são representados em termos de sua classe ou significado, também foram identificadas. Desta análise realizada, cabe destacar a importância de considerar todos os elementos (visuais e verbais) que compõem as camisas de formatura, como também ativar os conhecimentos contextuais e intertextuais, para que, nessa interação com o texto, possamos construir e atribuir possíveis sentidos para o que foi produzido por esses sujeitos e perceber as representações discurssivas, atreladas nesses textos sobre o vestibular e a conclusão do terceiro ano. Discutiremos essa questão no tópico seguinte. 4.2. As representações discursivas presentes nos textos multimodais das camisas de formatura O ensino médio no Brasil passou por diversas reformas na tentativa de romper com a clássica dicotomia de ensino propedêutico e profissionalizante. Com a Lei n.9 394/96, foram definidas as diretrizes e bases para a Educação Nacional e estabelecidas a universalidade e a democratização do acesso a um tempo maior de escolaridade, como forma de garantir um estudo gratuito e obrigatório, e também de assegurar um conteúdo curricular comum a todas as escolas, mas com possibilidade de uma parte diversificada, a fim de atender às demandas exigidas pelas características regionais ou locais da sociedade. (Franco; Novaes, 2011) Assim, a educação básica é composta pelos anos iniciais (educação infantil), pelo ensino fundamental e pelo ensino médio. Este último é definido no art. 35 da Lei n.9 394 como “etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos”. Entre suas finalidades, o texto destaca: I. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; 125 III. IV. o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (Art. 35, Lei n. 9 394) O inciso I trata da finalidade do ensino médio em oferecer uma formação que permita a continuidade de estudo. De acordo com Franco e Novaes (2011), o motivo pelo qual os jovens cursam o ensino médio parte da crença de que a escola possibilitará melhores oportunidades de “ser alguém na vida” ou de “ingressar no mercado de trabalho”; além disso, outro motivo está relacionado ao desejo de fazer um curso superior. Nas camisas de formatura, também observamos que o ingresso no ensino superior através da aprovação no processo seletivo do vestibular é a temática mais recorrente. Quanto a isso, os sujeitos trazem diversas representações discursivas. No tópico anterior, quando apresentamos algumas camisas de formatura e buscamos interpretá-las, observamos que os sujeitos constroem diversas metáforas para explicar o vestibular, ou ingresso no ensino superior/universidade. Desde a Retórica de Aristóteles, a metáfora é um fenômeno que vem sendo estudado por pesquisadores com diferentes perspectivas e em diversos campos. Quando pensamos na metáfora, logo nos remetemos à noção de uma comparação, na qual propriedades de um elemento (de um nome) são transferidas para outro. No entanto, há autores que veem a metáfora como um recurso que a linguagem oferece para a construção de significados, ou seja, para a produção de sentido nas práticas discursivas. Fairclough (2001a, p.241) considera trabalhos como o de Lakoff e Johnson 80 (1980) sobre metáfora bastante relevantes, pois tratam desse fenômeno não como uma figura de linguagem, própria das produções literárias, mas que faz parte do nosso dia a dia.81 De modo geral, esses dois autores tratam das metáforas conceituais, entendida por eles como aquelas que oferecem um conceito a algo abstrato e que residem na mente e são partilhadas por pessoas de uma mesma cultura. Contudo, essas metáforas circulam verbalmente por meio de metáforas linguísticas ou expressões metafóricas. (Beber-Sardinha, 2008) Os conceitos representados pelas metáforas unem dois domínios diversos, que não possuem nenhuma relação natural entre si e cujos conceitos são independentes, ou seja, podemos nos referir a uma entidade sem fazer alusão à outra. Esses dois 80 LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press, 1980. 81 Essa é uma perspectiva cognitiva sobre a metáfora. 126 domínios são: fonte-alvo. O primeiro é tudo aquilo que é concreto e a partir do qual conceituamos algo. O segundo é aquilo que desejamos conceitualizar. A relação entre fonte-alvo é realizada por mapeamentos, onde fazemos as correspondências entre uma entidade e outra, e pelas inferências feitas a partir do mapeamento. Por exemplo, na ilustração (57), a turma é identificada como o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), retratado no filme “Tropa de Elite”, cujo título se refere a esse tipo de polícia. O processo material “conquistar” pertence ao domínio da guerra e batalha. Então, temos que a obtenção de algo (novos territórios) é resultado de uma batalha vitoriosa. Assim, temos o seguinte mapeamento: o BOPE é a turma de terceiro ano; territórios pode ser um emprego, um curso técnico ou superior. Outras identificações são construídas na lista apresentada com os nomes da turma e dos funcionários. Os mapeamentos, nesse caso, são alunos como soldados; professores como sargentos, e assim por diante, até chegar à maior autoridade escolar, o (a) diretor (a), representado como o coronel. Podemos inferir que há uma hierarquia entre os membros dessa comunidade; a relação estabelecida entre aluno e professor parece ser a de superior e subalterno. E inferimos também que, para obter um emprego ou vaga para um curso superior, é necessário antes concluir a educação básica e, consequentemente, deixar a escola. O processo material “conquistar” está no gerúndio, mostrando algo que está em curso. Aos poucos, a turma vai obtendo aquilo que almeja, como o diploma de conclusão da educação básica, e buscando outros novos objetos de desejo, como um cargo público, um emprego, uma vaga em uma universidade, entre outros, por meio da aprovação no concurso. Ilustração 57 - TROPA DE ELITE conquistando territórios Na perspectiva da ACD, Fairclough (2001a) explica que as metáforas estruturam o modo como pensamos e agimos, e nossos sistemas de conhecimento e crença; portanto, quando significamos algo por meio de uma metáfora e não de outra, 127 estamos construindo uma realidade e não outra. Metáforas podem ser naturalizadas no interior de uma cultura, e as pessoas as utilizam em seus discursos sem perceberem, o que pode ser bastante perigoso, como explica Fairclough (2001). Este autor ainda comenta que “um aspecto da mudança discursiva com implicações culturais e sociais significativas é a mudança na metaforização da realidade.” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 241) As metáforas que utilizamos nos nossos dizeres estão marcadas por um modo de perceber o mundo, portanto, mudanças nas metáforas implicam mudanças nas crenças, ideias e maneira de agir e pensar de uma sociedade e cultura. Muitas vezes, as metáforas identificam modelos culturais (GEE, 1999)82, já que podem estar conectadas a esses por organizarem um número de domínios significantes para uma determinada cultura ou grupo social. Esses são acessados por nós por meio recontextualizam dessas 83 construções metafóricas que extraem, realocam e elementos de domínios diferentes para um terceiro espaço, onde a relação entre os dois faz sentido. Assim, esse terceiro espaço é composto pelos diferentes discursos, trazidos por cada domínio por meio da interdiscursividade, conforme podemos perceber nas análises interpretativas do tópico anterior. Já que as metáforas são culturais e fazem parte do sistema conceitual humano, portanto, as expressões e estruturas metafóricas são motivadas por elas, as quais podem ter sido criadas a partir de domínios diferentes. Isso, para Carmo (2011), implica relacioná-las aos discursos que fazem parte desses domínios e às práticas discursivas onde se situam, e que, por sua vez, dão corpo a essas metáforas. Nesse sentido, para Carmo (2011), o analista buscaria compreender uma estrutura linguística que não pode ser concebida literalmente por meio de seus efeitos de sentido criados no e pelo discurso. Assim, elas seriam entendidas na troca de experiências entre produtores e consumidores de determinados discursos, ou seja, no compartilhamento de elementos distintos, pertencentes a esferas também diferentes da mesma estrutura social e cultural, ou ainda de outras. Algumas estruturas metafóricas que identificamos no material de análise foram (i) a entrada na universidade como partida de futebol; (ii) o vestibular como uma luta, caça; (iii) o vestibular como reprodução da espécie humana; (iv) o vestibular como um processo de afunilamento; (v) a universidade como um obstáculo que o sujeito tem que transpor; (vi) vestibular como um mostro (dragão) que o sujeito tem que vencer; 82 GEE, J. P. An introduction to discourse analysis: theory and method. New York: Routledge, 1999. 83 Entendemos por recontextualização o deslocamento de elementos de uma prática discursiva para outra, gerando novos sentidos. Nos textos das camisas de formatura, podemos observar que essas recontextualizações se dão tanto no verbal quanto visual, devido à multimodalidade, característica do gênero. 128 (vii) a universidade como ponto de chegada de uma embarcação; (viii) vestibular como destruição de um muro; (ix) faculdade como um título conquistado em Copa do Mundo; (x) vestibular como uma carniça; (xi) ensino superior como um arrebatamento por extraterrestres; (xii) vestibular como uma corrida etc. Com isso, temos que aquele que vence é o competidor mais rápido, a melhor equipe, o espermatozoide mais veloz, o guerreiro valente, aquele que rema, aquele que é o predador (o mais forte), e assim por diante. Portanto, podemos perceber que as causas de uns serem aprovados e, consequentemente, entrarem na universidade, ou não, são tratadas como “naturais” ou “congênitas”, ou seja, são aprovados aqueles candidatos que “são bem dotados de conhecimento”, “que têm mais capacidade” ou que “se esforçaram mais que os outros”. É como se todos tivessem a mesma chance e aqueles que conseguem ser aprovados são merecedores de ocupar essas vagas. Na meritocracia, considera-se o mérito um critério para obter cargos em empresas e instituições. Esse mérito pode ser associado à educação, à moral ou à aptidão especifica para determinada atividade. Na nossa sociedade, por exemplo, a forma como os funcionários estatais são selecionados ou a forma como os sujeitos ingressam no ensino superior está relacionada à meritocracia, uma vez que os indivíduos são submetidos a exames, tais como os concursos e os processos seletivos do vestibular. A meritocracia, ao invés de representar uma forma de se evitar a distinção entre gênero, etnia, idade, entre outros, acaba servindo de “pretexto” para as desigualdades, já que aqueles que possuem mais vantagens, realmente são tidos como merecedores, porque as conquistaram pelos seus méritos pessoais. Assim, de acordo com Maia e Carmo (2010), a meritocracia acaba por estimular a competição, o darwinismo social, no qual vencem aqueles que são os melhores, isto é, aqueles que forem classificados na posição referente ao número de vagas disponíveis. Tomemos um exemplo: Ilustração 58 - Camisa “Eu não enfrento a concorrência Eu a esmago” 129 Na parte da frente de uma camisa de formatura (Ilustração 59), há um quadrado onde se localiza uma citação de Charles Revson, um executivo da empresa de cosméticos Revlon e o desenho de um óvulo, célula reprodutora feminina, o qual está vestido com lingerie, mais especificamente, uma cinta-liga, e vários espermatozoides, célula reprodutora masculina, vestidos com um protetor de cabeça usado por boxeadores. Ilustração 59 - Camisa da metáfora da competitividade Os elementos visuais compõem uma estrutura narrativa de ação, pois vários vetores saem dos membros do corpo dos participantes, por exemplo, vetores que saem das mãos e das pernas do óvulo e também vetores que saem dos braços dos espermatozoides (atores) que perseguem o óvulo (alvo). Um deles está abraçado à célula reprodutora feminina, como se a tivesse fecundado. Enquanto os espermatozoides são vários, há apenas um óvulo. Este representa aquilo que é desejado pelo sujeito (um cargo, uma vaga em um curso superior, um diploma etc.). Na imagem, o óvulo corre assustado da disputa entre os espermatozoides. Só um conseguirá fecundar o óvulo que será aquele que não só enfrenta a concorrência, mas a esmaga. O sujeito está na posição de agente do processo material “enfrentar” e “esmagar”, sendo “a concorrência” aquilo que é afetado pelo processo. O sujeito é marcado pelo pronome pessoal “eu”, o que nos leva a pensar no aspecto da individualidade. Há um hibridismo aqui entre dois discursos: o biológico e o capitalista. Os sujeitos constroem uma representação da competição como algo natural, pois a própria Biologia nos mostra isso no processo da reprodução humana, onde nem todos os espermatozoides conseguem fecundar o óvulo. Portanto, a competitividade tão enfatizada no pensamento capitalista/neoliberal é justificada pelas leis do mundo 130 biológico nesta camisa da ilustração 59 e também em outras dentro do material de análise. Contudo, sabemos que muitos não cursam o ensino superior por outras questões relacionadas a conjunturas desiguais que são e foram historicamente produzidas. Conforme explica Guimarães (1984), a palavra vestibular vem do latim vestibulum que significa entrada. Ele é uma espécie de ritual de passagem do ensino médio para o ensino superior. No Brasil colonial, não havia este tipo de seleção, pois não se tinha aqui instituições de ensino superior, e os filhos de família de elite iam para a Europa concluir estudos iniciados com os jesuítas. Essa situação só se inverteu com a chegada da Família Real ao Brasil, ocasionando a fundação do Colégio Pedro II. Então, o País passou a ter um sistema de ensino primário e escolas de ensino superior. Havia uma seleção para a entrada nesses colégios, o que fez surgir, na época, os preparatórios livres, equivalentes aos cursinhos. Em 1911, foi criado o exame vestibular. Mas só em 1925 foi adotado o numerus clausus – número de vagas prefixadas – devido ao aumento dos números de candidatos às vagas. Cinco anos depois, foi criado o Ministério da Educação (MEC), cuja primeira providência foi fazer uma reforma no ensino secundário, que consistia em dois ciclos: o fundamental, equivalente ao primário, com duração de cinco anos, e o complementar, com função de preparar para o exame do vestibular, com a duração de dois anos. Mas em 1942 o ensino secundário passou por outra reforma, dividindo-se em quatro séries iniciais, o ginásio, e mais três anos, o colegial, diversificado em cientifico e clássico. Também foram elaboradas leis orgânicas do ensino industrial, comercial e agrícola. Porém, a entrada no curso superior só era permitida para os portadores de certificados de término do colegial ou para aqueles que realizassem os exames complementares. Nessa época, cada curso superior tinha seu próprio exame vestibular, variando assim as matérias exigidas. Além disso, as provas eram escritas e orais, permitindo o ajustamento entre candidatos/vagas, sendo que o número de excedentes quase não existia. Novamente o ensino passou por reformas, em 1961. O ensino técnico passou a equivaler ao ensino secundário, desde que se incluíssem as disciplinas obrigatórias deste. E, portanto, já não eram mais necessários os exames de complementação para a continuidade do estudo. Nessa época, com o aumento dos candidatos ao vestibular, a prova oral foi substituída pela prova objetiva. Muitas pessoas ficavam excedentes, isto é, conseguiam a nota mínima, mas, na classificação, ocupavam um número além 131 das vagas existentes, o que gerou movimentos de protesto e passeatas cobrando do governo mais vagas no ensino superior. Como solução, o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), elaborou um projeto que se transformou na Lei 5 540/68, na qual a matricula aos cursos de graduação só seria possível desde que o candidato tivesse concluído o colegial ou equivalente e tivesse sido classificado em concurso de vestibular. Para a matrícula no curso superior era necessário que o candidato não tivesse apenas a nota mínima exigida no exame do vestibular, mas que ele estivesse também classificado entre no número de vagas disponíveis. Portanto, desde a sua criação em 1911 até os dias de hoje, o processo seletivo do vestibular passou por diversas reformas, mas continua sendo um sistema de entrada no ensino superior excludente, visto que não há vagas nas universidades federais e particulares para todos. Contudo, discursos como os que tratamos acima tentam ocultar essas políticas educacionais. Às vezes, um candidato não entra na universidade por décimos de diferença do último colocado na lista dos que foram chamados, e isso não pode ser tratado simplesmente como uma questão de incompetência do sujeito. Além disso, as situações socioeconômicas dos candidatos são apontadas como fator para que o rendimento de alguns seja inferior ao de outros, conforme explica Guimarães (1984). Portanto, são questões históricas e culturais que implicam essa competição e não um fator natural. Outra questão que identificamos nas mensagens das camisas de formatura diz respeito à qualidade das escolas. Segundo Guimarães (1984), por volta da década de 60, havia uma desarticulação entre o que era exigido nas provas do vestibular e o que era efetivamente ensinado nos colégios. Além disso, as questões das provas do vestibular exigiam mais memorização do conteúdo que realmente aprendizagem. Então, aqueles que queriam prestar o vestibular tinham que recorrer aos cursos prévestibulares. Mas, com o tempo, a preparação para o ensino superior passou a ser uma preocupação do antigo 2º grau. Também hoje, como estabelece a Lei n.9 394, as escolas de ensino médio têm essa finalidade de preparar os alunos para o ingresso no ensino superior. Além disso, os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa incluem entre os gêneros textuais a serem estudados no ensino médio o gênero prova de concurso, especialmente de concurso vestibular. Com as escolas preparando o aluno para o vestibular, muitos cursinhos transformaram-se em “colégios/cursos” (GUIMARÃES, 1984). É o caso da rede de 132 ensino Anglo e Equipe84 que oferecem ao mesmo tempo a educação básica e o cursinho preparatório para o vestibular. Geralmente, esses estabelecimentos adotam até um material didático próprio. Portanto, esse fato colabora para a manutenção do discurso de que o indivíduo que vem de escola privada e/ou que fez cursinho é aprovado no vestibular. Não podemos deixar de mencionar as publicidades dessas instituições privadas85. Gandin (2000) explica que a crescente publicidade do sistema educacional, ou seja, escolas que para atraírem clientes oferecem em suas propagandas uma educação de qualidade, capaz de proporcionar ao aluno um brilhante e bem sucedido futuro, está diretamente ligada às transformações no mercado de trabalho e à subordinação da educação a este. Cada vez mais nos dizem que a preparação para os melhores postos de trabalho deve iniciar cedo. Este iniciar cedo significa preparar as crianças e os adolescentes para um mercado cada vez mais competitivo, cada vez mais baseado em habilidades que a escola tradicional não trabalha: criatividade, autonomia, iniciativa. (GANDIN, 2000, p. 19) [grifo nosso] Nas camisas de formatura, identificamos mensagens que nos remetem a essa competitividade no campo educacional, como as camisas das ilustrações 37, 40, 41, 43. Fairclough (2001a, p. 255) denomina de processo de comodificação “instituições sociais, cujo propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vêm não obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias”. É como no caso de instituições educacionais que vêm agindo numa perspectiva mercadológica e competitiva, como se a educação fosse um negócio e estabelecendo, por exemplo, uma relação com os alunos como se estes fossem clientes. Para Fairclough (2001b), a cultura contemporânea tem sido caracterizada com uma “cultura promocional” (WERNICK, 1991)86 e “de consumo” (FEATHERSTONE, 1991)87. Essas designações, para o autor, 84 Anglo e Equipe são duas redes de ensino no País. A primeira surgiu, no final do século XIX, em São Paulo, e a segunda, em meados do século XX, em Minas Gerais. Ambas possuem diversas escolas nesses dois estados e em outros, pelo menos, o Anglo. De certo modo, elas podem ser descritas como duas empresas na área da Educação, ao lodo de outras como Objetivo e Positivo, uma vez que oferecem um material didático (apostilas) e metodologia de ensino. 85 As propagandas do Governo, pelo menos as do Estado de Minas Gerais, sobre a Educação Pública, assim como as publicidades das instituições privadas, também “vendem” essa ideia de um ensino público que está progredindo e de alunos que têm apresentado resultados satisfatórios nas avaliações e mesmo no vestibular. 86 WERNICK, A. Promotional Culture. London: Sage, 1991. 87 FEATHERSTONE, M. Consumer Culture and postmodernism. London: Sage, 1991. 133 [...] apontam para consequências culturais da mercantilização e comodificação – incorporação de novos domínios no mercado de bens de consumo (por ex., as “indústrias de cultura”) e a reconstituição da vida social numa base mercadológica – e de uma mudança relativa na ênfase, dentro do mercado da economia, da produção para o consumo. (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 44-45) A generalização da cultura de promoção88 tem como consequência a reestruturação das fronteiras entre as ordens de discurso89 e as práticas sociais. Sobre isso, Fairclough (2001b, p. 44) dá o exemplo dos gêneros de propaganda de consumo que vêm invadindo as ordens de discurso público e serviço profissional, emergindo “gêneros híbridos parcialmente promocionais”. Seria o caso de se pensar, aqui, as camisas de formatura, em que os alunos, além de divulgarem a formatura, acabam criando uma propaganda de suas instituições como aqueles que preparam o indivíduo para a competição dos vestibulares, como aqueles que possuem a melhor equipe de profissionais da educação, preocupados com um ensino que forme o aluno para esse mercado. As turmas buscam, inclusive, dialogar com várias propagandas, como as de refrigerante, cervejas, rede varejista, operadoras de telefonia, como nos mostram as ilustrações 40, 41, 49, 50 etc. Tomemos outra camisa para exemplificar o que estamos discutindo. Ilustração 60 - Camisa “Passar no vestibular não é para qualquer um... ...ou você pensa que é fácil concorrer com a gente?” Na imagem da parte da frente da camisa, observamos os seguintes elementos: uma estrada, uma placa com uma seta indicando vestibular e os personagens de desenho animado Papa-Léguas e Coiote. Nessa imagem, são construídas algumas estruturas narrativas de ação. Podemos dizer que o Coiote (ator) está perseguindo Papa-Léguas (alvo). Também 88 Podemos entender a cultura de promoção como “discurso como um veículo para a ‘venda’ de bens de consumo, serviços, organização, ideias ou pessoas.” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 44) 89 A ordem do discurso de um domínio social pode ser entendida como a totalidade de suas práticas discursivas e as relações entre elas. (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 34) 134 observamos que Coiote (ator) está segurando um taco de beisebol (alvo), no qual está escrito “concorrentes”. Ilustração 61 - Camisa metáfora da caça Papa-Léguas e Coiote são personagens de um desenho animado que se passa em um deserto com muitas rodovias, onde o faminto Coiote sempre fica escondido para tentar capturar o Papa Léguas, quando este passar correndo por ali. Porém, o personagem fracassa em todas as tentativas, pois sua presa é muito astuta e veloz e tem a sorte de conseguir escapar ilesa de todas as armadilhas. Os personagens não têm fala, com exceção do “bip-bip” do Papa-Léguas. Essa informação sobre os personagens é importante, pois nos ajuda a interpretar o possível sentido criado na integração do texto verbal e visual. O PapaLéguas associa-se com os alunos deste colégio, que, na estrutura verbal, estão representados pelo termo “a gente”. Além disso, na imagem da parte das costas dessa camisa, há um placa com a lista dos nomes dos alunos da turma e dos professores. Aqueles são denominados de “os papa-vagas” e estes, de “os mestres”, referindo-se de forma positiva a esses profissionais. “Papa” remete a ave representada na imagem e também ao processo “papar”, usado em linguagem informal para significar: “1 Ingerir (alimento); comer; 2 Ter êxito na busca de; conquistar” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 555). Nesse sentido, os alunos são aqueles que conquistaram as vagas ou que não conseguiram ser eliminados pelos seus concorrentes. Já os concorrentes desses alunos, no processo seletivo do vestibular, são representados pelo participante Coiote, na imagem, e pelo pronome de tratamento, “você”, no verbal. Logo, os sujeitos afimam que ser aprovado no vestibular, tendo como candidato a ser eliminado o Papa-Léguas, “não é para qualquer um”. E, reforçando a argumentação, fazem uma pergunta - introduzida por uma estrutura paratática com conectivo indicador de alternância - ao leitor/concorrente. Conclui-se que todas as tentativas de eliminar essa turma serão fracassadas. Assim, seus concorrentes são tidos como perdedores. 135 Vejamos este outro exemplo. Ilustração 30. - Camisa – Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, então... sai da frente que a vaga é minha! Como observamos, no centro da camisa há o desenho do universo, fundo preto e pontos brancos. Em cima do planeta Terra localiza-se um adolescente, vestido com o uniforme de uma instituição escolar privada, e fora dele, outro jovem. Um vetor sai da mão daquele atingindo este jovem. Portanto, temos uma estrutura narrativa de ação, em que o aluno em cima do planeta Terra é o ator, e o outro, o alvo. Ilustração 62 - Camisa da superioridade dos alunos de uma escola da rede privada A frase desta camisa inicia-se na parte da frente: “Dois corpos não ocupam”, acima do desenho, e “o mesmo lugar no espaço, então...”, abaixo do mesmo. E, termina na parte de trás, “sai da frente que a vaga é minha!”. A primeira parte dessa frase, a qual aparece na frente da camisa, é um intertexto com um princípio da Física da impossibilidade de um lugar no espaço ser ocupado por dois corpos. Esta mensagem também está representada no desenho em 136 que o aluno empurra o outro jovem que sai do planeta Terra, para que somente aquele ocupe o planeta. O texto desta camisa ainda oferece outra informação importante, que é a logomarca de uma instituição de ensino privado estampada na camisa deste jovem em cima do planeta Terra. Este participante, portanto, representa os alunos dessa escola, enquanto o outro os concorrentes no vestibular. Ao primeiro é atribuída a ordem expressa verbalmente pelo imperativo, já que está representado com uma postura imponente: ombros levantados, mão no bolso, rosto virado; além disso, seu tamanho é bem maior que a do outro participante. Outro exemplo que podemos destacar é esta camiseta: Ilustração 63 - Camisa “Depois do vestibular... ...quem é do [nome do colégio] aparece!!!” Na imagem há treze participantes, todos estáticos e apresentados da cintura para cima, de modo que o foco é a feição dos rostos. No grupo, apenas um membro se destaca, pelo fato de estar vestido com uma camisa de cor diferente, por ter o cabelo raspado e o rosto com uma feição de alegria. Além disso, o rapaz está todo sujo de tinta, em sua testa está escrito “calouro”, e a camiseta que ele veste traz a logomarca da instituição de ensino. Portanto, de uma multidão que presta o vestibular é aprovado o aluno dessa escola, onde a turma estuda. 137 Ilustração 64 - Camisa da aprovação do aluno de uma escola da rede privada A imagem reforça a mensagem da frase, pois, do grupo de pessoas, esse estudante é o participante mais saliente e, portanto, aquele que aparece depois do vestibular. Essas mensagens constroem, portanto, uma representação da instituição de ensino como produtora de vencedores - em especial, as escolas privadas, qualificadas como aquelas que possuem excelência de ensino - e como concorrentes com outras. As autoras Franco e Novais (2011), ao discutirem sobre a visão que os alunos têm sobre a escola como um meio de se ascenderem socialmente, afirmam que [...] a maioria das escolas deixa muito a desejar no que diz respeito a seu compromisso com a formação integral de crianças, jovens e adultos. Isso, no entanto, não pode ser considerado uma deficiência exclusiva do ensino público e gratuito. Muitas escolas particulares, vendendo caro o fetiche que incorporam, são igualmente questionáveis quanto à qualidade do ensino que oferecem. No entanto, é preciso levar em conta que, bem ou mal, a escola que está aí e que está sendo oferecida é sempre vista a partir de uma perspectiva positiva e de primordial importância, principalmente, por parte das camadas menos privilegiadas da população. (FRANCO; NOVAES, 2011, p.79) [grifo nosso] Como observamos nessa citação, as autoras colocam em xeque a formação integral oferecida pelas escolas, tanto as públicas quanto as privadas. Assim, também questionamos: o que é escola boa ou ruim? Aquela que aprova no vestibular? O que é aluno bom ou ruim? Inteligente ou não? Será que as escolas criam espaços para a apropriação crítica do conhecimento ou para a reprodução do conhecimento e manutenção de certos discursos ideológicos? Desse modo, que aluno está preparado para o ensino superior? Já dizia Foucault (2009b, p. 44), “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.” Assim como cada resposta dada às 138 questões levantadas, ou cada metáfora construída para explicar o que se pensa a esse respeito, de certa maneira está relacionada a uma posição do sujeito, a um discurso que tenta reforçar ou modificar estruturas existentes e/ou um modo de pensar cultural de uma sociedade e de um grupo. Outro ponto desta análise das mensagens contidas no texto multimodal das camisas de formatura diz respeito ao término do ensino médio como uma vitória, o que não deixa de ser também uma representação discursiva que os alunos constroem para explicar e significar a conclusão da educação básica. Embora a educação seja gratuita, há ainda muitas pessoas que não conseguem concluir todas as etapas da educação básica, especialmente no ensino médio, em que o abandono parece ser maior. Geralmente, as causas estão relacionadas a várias situações, às vezes pelo desinteresse do sujeito e por este não ter apoio da família, pela questão econômica que o obriga a trabalhar, pela distância geográfica entre a escola e o local onde mora, pela precariedade da escola, entre outros. Além disso, muitos ainda são de uma geração cujos pais possuem baixa escolaridade; portanto, concluir a educação básica consiste em uma vitória, no sentido de superação de vida, ou seja, de conseguir atingir uma situação melhor do que a de seus pais e de boa parcela da sociedade. E é superando essas dificuldades que muitos ainda pretendem cursar o ensino superior, como podemos perceber na camisa abaixo: Ilustração 65 - Camisa “Sabe porque o 3º A vai passar no vestibular? Porque somos brasileiro e não desistimos nunca!” A imagem na frente da camisa é a do personagem “Máscara”, representado um pouco acima da cintura. A única ação que ocorre é a de reação, na qual o olhar deste participante se direciona para algo fora da cena. Não sabemos o que ele observa, apenas que isso o instiga. 139 No filme, o Máscara é Stanley Ipkiss, um cara comum, caixa de um banco, que não tinha muito sucesso na vida profissional nem na vida afetiva, até encontrar uma máscara antiga. Todas as vezes que ele coloca a máscara seu cérebro enlouquece, seus desejos mais profundos vêm à tona, tornando-se um homem divertido, atraente e espontâneo. Com a máscara, ele tem a liberdade para fazer o que quer. Então, Stanley começa a se vingar das pessoas e só percebe o mal que estava fazendo no fim do filme, quando resolve destruir a máscara. No desenho desse filme, há algumas pessoas que querem tomar a máscara de Stanley para usar seu poder para o mal. Assim, a máscara no corpo de Stanley, de certa forma, representa o bem. Outro intertexto nesta camisa é com o slogan político “sou brasileiro e não desisto nunca”, de uma propaganda nacional, “O melhor do Brasil é o brasileiro”90, veiculada no ano de 2004 para aumentar a autoestima e o otimismo dos brasileiros. A propaganda exibia a história de superação de algumas figuras públicas, como o jogador Ronaldinho e o cantor Herbert Vianna91. A propaganda, com cerca de um minuto, é uma montagem com fotos, vídeos e manchetes dos momentos de glória, recuperação e superação dessas figuras. Além disso, essas imagens são acompanhadas pela música “Tente outra vez”92 de Raul Seixas. A partir de então, em qualquer situação que um indivíduo esteja tentando conquistar algo mas não consegue, utiliza-se esse slogan. Stanley Ipkiss é um individuo que não consegue progredir na vida e realizar seus desejos, exceto quando está com a máscara que o torna corajoso, forte, divertido e o faz sair-se bem em todas as situações. O Máscara veste-se com um terno amarelo e a máscara é verde – que coincidem com as cores da bandeira nacional93. Assim, todos esses elementos integrados constroem um texto que traz à tona essa representação do brasileiro que não desiste, que é corajoso e divertido. É com 90 Disponível em: <http://www.serpro.gov.br/noticias-antigas/noticias-2004/20040903_11>. Acessado dia 01 de dez. 2011. 91 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=iy8oFq04bas> e <http://www.youtube.com/watch?v=7YRG5m-yc-I&feature=related>. Acessado em 01 de dez. 2011. 92 “Veja!/ Não diga que a canção /Está perdida/ Tenha fé em Deus/ Tenha fé na vida/ Tente outra vez!/ Beba!/ Pois a água viva/ Ainda tá na fonte/ Você tem dois pés/ Para cruzar a ponte/ Nada acabou!/ Não! (2X)/ Oh! (3X)/ Tente!/ Levante sua mão sedenta/ E recomece a andar/ Não pense/ Que a cabeça aguenta/ Se você parar/ Não! (5X)/ Há uma voz que canta/ Uma voz que dança/ Uma voz que gira/ Bailando no ar/ Uh! Uh! Uh!/ Queira!/ Basta ser sincero/ E desejar profundo/ Você será capaz/ De sacudir o mundo/ Vai!/ Tente outra vez!” (Letra da música). Disponível em: <http://letras.terra.com.br/raulseixas/48334/>. Acessado dia 03 de março de 2012. 93 A partir da recontextualização podemos construir essa relação entre os dois domínios, a fim de que o Máscara não seja visto como elemento discrepante no texto, já que o personagem em sua origem não tem nada a ver com as cores brasileiras ou com uma identidade nacional. Contudo, o fato de ele ser um personagem “super-herói” e a máscara transformar o jovem Stanley em um homem simpático, espontâneo, corajoso e desprovido de seriedade, ou seja, com a máscara, ele é alguém bem sucedido, constituem informações importantes para a construção do sentido criado no texto. 140 persistência, autoestima e otimismo que os alunos conseguirão ser aprovados no vestibular e construir suas histórias de superação de vida, pois são brasileiros. A palavra “vitória” é o “1. ato de triunfar sobre um inimigo ou antagonista 2. sucesso alcançado na extinção de uma adversidade ou como resultado de um esforço”. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 774) Assim, a vitória do ensino médio também pode estar relacionada com as várias adversidades as quais os alunos vivenciaram durante a vida escolar, como, por exemplo, baixo rendimento, dificuldades de aprendizagem, conciliação entre trabalho e escola, problemas de saúde e na família, gravidez precoce, ou mesmo pelo fato de terem se dedicado aos estudos, abdicando dos momentos de lazer e sendo perseverantes diante do cansaço, sem contar que há também a representação da escola e dos professores como esse inimigo ou antagonista, como na camisa da ilustração 48. Portanto, há uma identificação nas camisas dos alunos com os personagens heróis dos desenhos animados. Observemos: Ilustração 66 - Camisa “Chegou o vestibular... Sigam-me os bons!” A imagem na parte da frente da camisa é de um coração amarelo e as letras CH. Há um intertexto com a série mexicana Chapolin. Este é um super-herói, porém, fraco, feio, medroso, desajeitado e mulherengo, mas que sempre vence seus inimigos. Ele aparece em cena quando um dos personagens, em perigo, faz a seguinte pergunta: “Oh, e agora, quem poderá me defender?”, à qual ele responde: “Eu”. O personagem veste-se com uma roupa vermelha, dos pés à cabeça, com um escudo amarelo no peito em forma de coração com as iniciais CH em vermelho, e calçados amarelos. Possui duas antenas na cabeça, chamadas de "Anteninhas de Vinil", que detectam presenças de criminosos e outros seres malignos, e ainda possui algumas armas como a Marreta Biônica, Pastilhas Encolhedoras e a Pistola 141 Paralisadora. Assim, a escolha da cor vermelha para o tecido da camisa e a imagem na parte da frente é motivada pela roupa deste personagem. Outra intertextualidade presente é a citação “sigam-me os bons!”, que é um bordão usado por este personagem quando ele se propõe a fazer algo - após acabar de dizê-lo, geralmente, Chapolin acaba cometendo algum acidente ou atrapalhada. Portanto, os sujeitos desta camisa se identificam com esse personagem. Na frase, temos o processo material “chegar”, cujo ator é o “vestibular”. Esses sujeitos estão concluindo o terceiro ano, logo, é hora de prestar o vestibular. Outro processo material identificado é “seguir”, que se direciona para aqueles que são “bons”, e cujo representante afetado é “me”. Desse modo, há um chamamento para aqueles que são bons alunos seguirem Chapolin nessa luta contra o vestibular. Diante desse inimigo, a turma pode ser medrosa, cometer alguns erros e atralhadas, mas acaba obtendo resutados satisfatórios nesse concurso. Os super-heróis, segundo Almeida e Silva (2011), atuam como protagonistas em diversas instâncias comunicativas, além das histórias em quadrinhos, e com propósitos diversificados. Os autores contextualizam que esses personagens começaram a ganhar maior visualidade na década de 30, justamente no momento histórico da Grande Depressão (1929) e da Segunda Guerra Mundial. Essas aventuras ficcionais funcionavam como uma válvula de escape da realidade dura e difícil em que as pessoas viviam e serviam para estimular os soldados norte-americanos em combates contra os nazistas. Conforme Almeida e Silva (2011, p. 150), os super-heróis não são tão “inocentes” quanto parecem ser. Eles não são simplesmente indivíduos com poderes fantásticos, corajosos e afortunados, mas são importantes instrumentos na constituição das representações e crenças. Para esses pesquisadores, o discurso dos super-heróis vem ao encontro do desejo de liberdade das pessoas. Além disso, é nas representações desses super-heróis que as sociedades delineiam suas identidades e objetivos, organizam seu passado, presente e futuro e reconhecem seus inimigos. Nas camisas de formatura, como podemos observar, o discurso dos superheróis ajuda a construir uma identidade para os alunos do terceiro ano. Por um lado, esses são tidos como aqueles que gozam do momento de certa libertação da escola e dos professores. Por outro, são tidos como aqueles que têm uma aventura pela frente e um vilão a ser destruído, que é o vestibular e/ou o candidato concorrente, com o intuito de lutar por uma vida melhor. Temos que o discurso do super-herói na instância da educação parece construir o estudo (e sua continuação ao nível superior) como algo do bem, e aqueles que o seguem como colaboradores para um mundo melhor 142 onde haja um índice menor de violência, desemprego, e assim por diante; daí, então, essa identificação com esses personagens. Há também a construção da identidade dos alunos como um militar, reforçando essa imagem do guerreiro. Consideremos novamente a ilustração 57, a seguir. Ilustração 57 - Camisa “Tropa de elite conquistando territórios” Nesta imagem, os alunos fazem uma comparação da escola com o Exército Militar. Primeiramente, trata-se de uma camisa camuflada, como aquelas vestidas pelos soldados do Exército. Na parte da frente é estampada uma frase: “Tropa de elite conquistando territórios”. Na parte das costas, há os nomes dos alunos, professores (as) e demais profissionais da educação, respectivamente denominados como corporação, sargentos, atiradores, tenente, capitão e coronel. Assim como no Exército, há também uma hierarquia na escola, como foi dito anteriormente a respeito dessa camisa. Além disso, esta pode ser também associada com um lugar da ordem, ou seja, da disciplina e da obediência. Os professores são colocados nessa posição de quem detém o poder, o controle. A turma se identifica com o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), retratado e bem mais conhecido depois do filme “Tropa de Elite”, com o qual a frase faz um intertexto. Na frase, temos “tropa de Elite” como o ator e agente do processo material “conquistar” e como participante meta, “territórios”. A conclusão do terceiro ano é representada como uma conquista por esses alunos, que agora buscam conquistar outros “territórios”, isto é, se inserirem em outras esferas de atividade humana. O terceiro ano como uma vitória é também metaforicamente representado como um campeonato de futebol, no qual, segundo uma das camisas, “não haverá prorrogação”. 143 Ilustração 67 - Camisa “Com a gente, não vai ter prorrogação... daqui sairemos campeões.” Esta é uma das formas mais comuns de decidir o vencedor de uma partida em caso de empate no tempo normal. Acrescenta-se um tempo extra ao jogo, e aquele que conseguir marcar um gol primeiro é o vencedor. Podemos pensar na prorrogação como a recuperação escolar. Geralmente, durante o mês de novembro e dezembro, as escolas entram em um período de recuperação. Os alunos que tiveram um rendimento abaixo das médias previstas têm oportunidade de desenvolver certas atividades, nas quais poderão estudar novamente os pontos mais importantes do conteúdo proposto para aquele ano letivo. Nesta camisa, os alunos concluirão o terceiro ano sem precisar dessa recuperação e sairão da escola como vencedores. Os alunos, portanto, se identificam nessas camisas com a seleção, com os jogadores de melhor destaque no time do Brasil, como o jogador Ronaldinho Gaúcho. Tomemos um exemplo de como é construída essa metáfora da vitória: Ilustração 68 - Camisa “Salve a seleção dos alunos vencedores... ...e junte-se a nós para o grito da vitória, a taça do estadual é nossa!!!” 144 Há na camisa vários elementos que ajudam a construir a representação do terceiro ano como a(s) vitória(s) da Seleção Brasileira em Copa(s) do Mundo. O tecido da camisa é branco, porém, seu viés é verde e amarelo, assim como os elementos linguísticos e visuais e as estrelas são azuis; logo, são usadas as cores da Bandeira Nacional. No texto da parte da frente da camisa há uma frase que saúda a turma do terceiro ano, apresentada como “a seleção dos alunos vencedores”. Ao centro, aparece a taça da Copa do Mundo, na qual está escrito o nome do colégio e o ano “2006”, e de cada lado, há três estrelas, totalizando seis. As estrelas nos uniformes dos jogadores de futebol, geralmente, representam os grandes títulos conquistados por aquele time. Por exemplo, a seleção brasileira, em Copa do Mundo, já ganhou cinco vezes, ou seja, é pentacampeã. Na Copa do Mundo de 2006, se tivesse ido para a final, teria disputado o título de hexacampeã. Abaixo da taça há o escrito: “3º Brasil”. Nota-se que “3ºB” está em verde e “rasil” em amarelo. Essa mudança de cor é para destacar a informação da turma denominada “B”. A taça e as estrelas formam uma estrutura conceitual simbólica, significando que essa vitória é da turma do “3ºB”. Como podemos perceber, nesta escola há mais de uma série de terceiro ano, o que acaba gerando certa competição de qual turma é melhor, em termos de rendimento escolar e disciplina. A seleção brasileira é um dos times com mais vitórias em Copa do Mundo e é composta pelos jogadores brasileiros com melhor atuação no futebol. Assim, ao comparar a turma com a seleção, dois domínios distintos, percebemos com a recontextualização que os alunos fazem isso, nesse sentido de considerá-los bons alunos. Essa metáfora do futebol também está presente nas camisas que tratam do vestibular e da entrada na universidade. Isso é tido como o próximo título a ser conquistado pela turma ou, então, como um gol de cabeça feito por eles. Vejamos: 145 Ilustração 69 - Camisa “Montamos as melhores estratégias, driblamos nossos adversários... ... e no fim nosso gol é de cabeça. Nossa defesa é o ataque!!!” Os elementos visuais dessa camisa constroem uma estrutura narrativa de ação, na qual temos um jogador de futebol (ator), com uniforme da seleção nacional, acertando a bola (meta) com a cabeça. Este participante representa os alunos desta turma, também representados no verbal pela desinência dos processos materiais, “montamos” e “driblamos”, e pelo pronome possessivo “nosso”. O participante cabeceia a bola em direção a quatro pilastras. Essas quatro pilastras representam aquelas que ficam na entrada da Universidade Federal de Viçosa e que, neste contexto, são as traves do gol para onde o participante atira a bola para que ela entre e ele faça um “gol de cabeça”. A imagem das “quatro pilastras” é essencial para a compreensão do sentido construído pela metáfora do futebol nesta camisa de formatura. A turma representa o ingresso ao ensino superior. Assim como a bola que entra no gol, essa turma representa sua entrada na universidade, vista como uma partida de futebol, ou seja, eles precisam desempenhar ações (“montamos” e “driblamos”) que lhes garantam obter uma nota alta para a aprovação e, além disso, realizar bem melhor essas ações do que “os adversários”. A turma diz que “no fim nosso gol é de cabeça”, podemos opor esse “gol de cabeça” (da turma desta camisa) com uma expressão usada pelos candidatos de vestibular e de concursos, quando esses não sabem uma questão e marcam aleatoriamente uma alternativa; dizem, então, que “chutaram a resposta”. A turma entrará na universidade não por acertar as questões no “chute”, mas, de “cabeçada”, ou seja, por saber a resposta correta. O termo “cabeça” pode estar relacionado, aqui, ao “intelecto”, ao “saber”. Assim, esse acerto e, consequentemente, a aprovação darse-ão pelo conhecimento e não pela sorte. A turma faz um intertexto com um ditado popular “nossa defesa é o ataque!”. Para resistir a um inimigo, é necessário criar todo um mecanismo de proteção, ao 146 invés de atacá-lo. Desse modo, o ditado nos ajuda a interpretar que “a defesa”, no sentido de preparação (estudo) para o vestibular é o que permitirá o ataque, ou melhor, uma boa realização da prova e, consequentemente, levar o time, a turma, à vitória, isto é, à aprovação. Como podemos observar, na lista com os nomes, a turma é denominada como “time” e os professores como “técnicos”. Eles são tidos como aqueles que treinam essa turma para o vestibular. Portanto, essa preparação para o concurso vestibular é a própria noção de ensino propedêutico do ensino médio, divulgado no senso comum e nas publicidades de cursinhos e também o lado mecanicista da escola. A Instituição de ensino superior para a qual a turma prestará o vestibular é a Universidade Federal de Viçosa. Nas camisas, aparecem muito as siglas das universidades federais, ou somente o termo “federal”, e siglas de instituições estaduais, já as instituições privadas de ensino superior são praticamente excluídas. Existe um consenso de que as instituições federais possuem uma melhor qualidade de ensino, ao passo que as privadas só estão preocupadas com o capital. Há até uma frase bastante usada pelas pessoas: “Ih! foi mal, a minha é federal”. Esse tipo de generalização é bastante problemático e pode ser questionado. Em síntese, os alunos, inseridos numa sociedade capitalista, representam o vestibular através de várias construções metafóricas que vão ao encontro de um discurso da competitividade e de modelos culturais típicos da sociedade em que vivem. É ainda muito presente nos textos multimodais dessas camisas a construção da identidade do aluno vencedor e do aluno super-herói. Tudo isso, nos leva a refletir sobre até que ponto a meritocracia deixa de fora questões sociais e culturais importantes como os aspectos socioeconômicos das famílias brasileiras, a diversidade cultural de nossos alunos, o grau de instrução dos pais e assim por diante. Embora não possamos fazer generalizações, dentro desse recorte a análise mostrou que as metáforas continuam praticamente as mesmas, colaborando para a manutenção do sistema de crenças desse grupo e - por que não dizer - das mazelas sociais, uma vez que, ao trazer à tona esses discursos ligados à competitividade, à meritocracia, esses alunos os afirmam, ao invés de contestá-los e lutar por uma mudança social e cultural, ou mesmo demostrar um posicionamento mais crítico quanto ao papel da escola e questionador sobre os modos de pensar e agir esperados pelos membros da sociedade em que vivem, ou pelos membros da comunidade escolar de que fazem parte. 147 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta dissertação, buscamos analisar as representações discursivas das turmas de terceiro ano sobre suas experiências em relação à conclusão da educação básica como uma vitória e ao ingresso no ensino superior através do processo seletivo do vestibular, em suas produções, mais especificamente no gênero camisa de formatura. Inicialmente, buscamos compreender o conceito de representação a partir de pesquisadores e teóricos que investigaram sobre como é construída a relação entre sujeito e sociedade e sobre o papel da linguagem na constituição das representações sociais. O estudo inaugural de Durkheim (2007a) sobre representação coletiva é significativo, à medida que nos faz refletir sobre como as pessoas pensam e se comportam, de acordo com as crenças e práticas transmitidas pelos membros do grupo ao qual pertencem. E que essas emergem de fatos sociais, ou seja, da própria estrutura social. Marx (1989) e Max Weber (2003) também irão concordar com a hipótese de que as ideias estão relacionadas com a base material. Max Weber (2003) fala das representações como “visões de mundo”, “concepções”, “ideias”, entre outras. E Marx (1989) contesta a tese de filósofos alemães de que as representações são “ideias falsas”, isto é, ideias que não condizem com a realidade e aprisionam as pessoas. Nesse sentido, encontramos um fio que nos conduz a pensar, conforme Moscovici (2009), que as sociedades são heterogêneas e que cada grupo possui suas representações (aqui, denominadas por esse autor como representações sociais). Assim, não existe uma representação que seja “verdadeira”, mas modos diferentes de agir e significar os aspectos do mundo. Como explica Marx (1989), pode acontecer que um pensamento (ou representação) seja tomado como universal, o que implica um grupo dominado e outro o dominante. Para Marx (1989), os pensamentos da classe dominante, daquela classe que detém os meios de produção, são os pensamentos dominantes. Contudo, as representações não devem ser vistas simplesmente como um problema de classe, já que também envolve questões de gênero, etnia, e assim por diante. E nem os sujeitos são passivos a essas representações, conforme destaca Fairclough (2001a). É claro que, muitas vezes, essas representações estão “camufladas” nas práticas discursivas, ou, em outras palavras, são apresentadas como uma aparente neutralidade e, assim, acabam sendo naturalizadas e ajudando a manter um discurso, isto é, um modo peculiar de significar o mundo e as pessoas, que ajuda a constituir desigualdades sociais e exclusão de grupos minoritários, como a mulher, o negro, a criança, o índio, dentre outros. De acordo com Minayo (2003), as representações são imagens construídas sobre o mundo e as pessoas e nossas experiências com elas, e se manifestam na linguagem, tomada como forma de interação social. É através da linguagem que atuamos nas relações sociais, que interagimos com as pessoas ao nosso redor, que nos informamos e questionamos sobre algo, que damos ordem ou fazemos uma oferta, que expressamos nossa apreciação ou atitude sobre o que nos é destinado e sobre o que estamos falando, e que damos sentido às nossas experiências. (cf. Halliday; Matthiessen, 2004) Como podemos observar, a linguagem é parte irredutível da vida social, dialeticamente interconectada aos aspectos exteriores ao sistema. Fairclough (2001b) entende Discurso (substantivo abstrato) como o uso da linguagem escrita e falada - ele próprio manifesta a vontade de estendê-lo a outras modalidades semióticas - enquanto prática social, como modo de ação. O uso da linguagem é constitutivo, por exemplo, dos sistemas de conhecimentos e crenças. Nesse sentido, consideramos, nesta dissertação, os discursos como sistemas de saberes, crenças, valores, visões de mundo que orientam os sujeitos a como agirem e se relacionarem com o mundo e as pessoas. É pelo discurso que os sujeitos se posicionam na sociedade, partilhando ou confrontando sentidos para os objetos e pessoas. Desse modo, os discursos evocam as representações sociais que os grupos têm ou constroem sobre o real, sendo que essas podem ser identificadas pelas escolhas que fazemos dentro do sistema léxico-gramatical da língua. Contudo, a Análise Crítica do Discurso, como Fairclough (2001a, 2001b, [2003] 2005) pontua, está voltada para uma análise dos aspectos sociais e ideológicos, orientada linguisticamente. Logo, a linguagem verbal é o foco da análise, enquanto outros sistemas semióticos são de certo modo excluídos da análise. Para o objeto de pesquisa desta dissertação, uma analise focalizada no código verbal, em detrimento de sua relação com o visual, limitaria nossa compreensão das representações discursivas constituídas pelos alunos; por isso, foi necessário estabelecer um diálogo desta disciplina com a Semiótica Social, com a qual pudemos expandir nossa concepção de discurso e texto para além da linguagem verbal, entendendo que sentidos também são produzidos pelas escolhas que fazemos dos elementos visuais (cores, fonte da letra, imagens), bem como de outros modos semióticos presentes na interação. Esses modos não devem ser vistos separadamente, mas de maneira integrada, formando um todo coerente. Desse modo, a partir da noção de “texto multimodal” e, consequentemente, da descrição dos recursos léxico-gramaticais, atrelada à análise dos elementos visuais, realizada na dimensão da análise textual, 149 conforme o quadro metodológico da ACD, foi possível identificar e explicar as representações discursivas subjacentes nas camisas de formatura. Utilizamos o termo “representação discursiva” para nos referir aos discursos que se configuram como sistemas de conhecimento e crenças e são construídos nas e pelas práticas discursivas, isto é, nas (inter)ações entre os sujeitos. Segundo Bakhtin (2000), os sujeitos interagem entre si através dos gêneros do discurso. Toda situação comunicativa possui certas regularidades, ou seja, os enunciados, produzidos em uma determinada situação, possuem características composicionais, estruturais, temáticas e estilísticas que lhes são comuns. As camisas de formatura são descritas como um gênero discursivo, pois possuem certas regularidades que permitem que as turmas se interajam com os outros. Normalmente, possuem o seguinte layout: são compostas por uma parte da frente, onde, geralmente, há o início de uma frase e um desenho, e por uma parte das costas, na qual se encontra o término da frase e uma lista com os nomes dos alunos daquela turma e dos funcionários da instituição escolar. Algumas não apresentam todos esses elementos da configuração visual, mas continuam exercendo a função comunicativa do gênero e diferenciando a turma dos demais anos (séries) da escola, devido ao formato diferente da gola, do viés, da cor, entre outros recursos semióticos. Além disso, os alunos, através da confecção dessas camisas - que pode ser tida quase que como um ritual –, acabam por criar um traço de identificação de um grupo. Isso porque o vestuário pode ser descrito como um recurso semiótico, e, portanto, a maneira como vestimos produz certos significados e identifica as pessoas a certa classe, gênero, idade, etnia, profissão etc. O modo de vestir dos jovens, por exemplo, faz parte da sua identidade, como as gírias que eles utilizam para se identificarem e ao mesmo tempo se diferenciarem dos adultos. Nesse caso, os alunos são identificados como a turma do terceiro ano, os formandos; enfim, como aqueles que por estarem no último ano, consequentemente possuem mais conhecimento formal que as demais turmas, o que os faz preparados para enfrentar o mundo competitivo fora da escola. Assim, eles possuem condições de deixar a comunidade escolar e ingressar nas universidades que, para eles, significam um novo universo, agora, muito mais adulto. Portanto, esperamos que esta dissertação possa colaborar para outros trabalhos que pretendam discutir sobre o vestuário e refletir sobre a moda enquanto um discurso que projeta ideias e valores de certo grupo, tal como os punks. Ao abordar as camisas de formatura como gênero discursivo, descrevemo-las como uma nova forma de ação comunicativa cujo propósito de informar e entreter sobre a formatura é desenvolvido em um texto, que pode ser realizado por um ou mais modos semióticos. Geralmente, as estruturas verbais são curtas e há uma preferência 150 pelas estruturas visuais, permitindo, assim, uma melhor legibilidade, devido, especialmente, ao suporte (camiseta) onde o gênero se fixa. Além disso, as mensagens estampadas nas camisas são bastante humorísticas. Em relação a isso, vimos que a intertextualidade é um dos recursos responsável por esse caráter lúdico das mensagens, o que dá a elas certa leveza e também polissemia e ambiguidade. Quanto ao estilo, as camisas são informais e têm como pré-gênero predominante o narrativo. O público alvo são os próprios alunos da instituição onde estudam, ou os alunos de outras escolas, conforme mostrou a análise. Já em relação à temática, elas tratam sobre diversos assuntos relacionados ao momento que estão vivenciando: a transição da educação básica para o mercado de trabalho e o ensino superior. Foram os seguintes os temas identificados nas camisas que compõem o material de análise: conclusão do ensino médio (sob algumas perspectivas: como uma vitória, como um alívio, como um orgulho para os pais, como um momento de stress e preocupação com os resultados das avaliações, sendo a primeira a de maior recorrência); saudade da escola e dos colegas; a vida como uma luta contínua; competitividade fora da escola e o processo seletivo do vestibular. Discutimos que o sentido da mensagem que é veiculada nessas camisas é construído pela integração dos elementos verbais e visuais. Segundo Kress e van Leeuven (2006), igualmente ao verbal, a comunicação visual possui uma base social; então, as imagens também devem ser lidas e interpretadas de forma crítica, a fim de percebermos os sentidos, as relações de poder e as representações sociais construídas nesse modo semiótico. Portanto, buscamos descrever o texto das camisas de formatura como multimodal, cujo sentido é realizado por meio de mais de um modo semiótico. A análise integrada dos modos semióticos é a melhor forma para se obter uma possível compreensão global da mensagem contida no texto. No caso das camisas de formatura, notamos que, se analisássemos apenas as frases, excluindo as imagens, e vice-versa, correríamos o risco de ter demasiadas leituras, ou de não compreender as metáforas presentes. Desse modo, reafirmamos o quanto é importante considerar a situação de produção, circulação e consumo do gênero e sua relação com o suporte, assim como a integração dos vários modos semióticos, que estruturam a mensagem em um todo coerente, a fim de melhor compreender como e o que esses sujeitos expressam, por exemplo, nos textos multimodais das camisas de formatura. Nossas interrogações, ao iniciarmos essa pesquisa das representações discursivas nos textos multimodais das camisas de formatura, eram estas: como as turmas de terceiro ano significam esse momento de conclusão da educação básica, 151 através dos elementos verbais e visuais presentes na camisa de formatura? Que valores, conhecimentos e crenças eles (re)produzem? Pela análise da metafunção ideacional da linguagem, naquela onde os sujeitos representam a realidade e suas experiências de mundo através do sistema de transitividade da língua, podemos identificar as escolhas feitas pelos sujeitos, em relação aos tipos de processos e participantes. Ambas as camisas de formatura sobre a temática do processo seletivo do vestibular e sobre a conclusão do terceiro ano como uma vitória apresentaram maior ocorrência de processos materiais, isto é, aqueles responsáveis pela construção da experiência externa. Como os dados dos gráficos mostram, houve uma ocorrência de 59 processos desse tipo nas camisas de formatura sobre o vestibular e 29 sobre o terceiro ano como uma vitória. Esses são processos do fazer e do acontecer; portanto, os sujeitos expressam a noção de algo que eles fizeram ou fazem, pois são tidos como os atores desses processos, marcados quase sempre pelas desinências verbais ou pelos pronomes retos de primeira pessoa do plural ou singular. Contudo, houve também um número significativo de processos relacionais, ou seja, aqueles do ser, ter e pertencer, os quais servem para caracterizar e identificar. Os gráficos indicam uma quantidade de 38 processos nas camisas com a temática do vestibular e 13 para as camisas do terceiro ano como vitória. Desse modo, nessas camisas, os sujeitos também classificam e caracterizam certos aspectos do mundo e a própria turma e professores, criando assim certa identidade. Já os demais tipos de processo, apresentaram uma baixa ocorrência, como pudemos observar nos gráficos 1 e 2. Cabe lembrar que algumas camisas não possuem processos representados verbalmente, conforme pudemos notar no gráfico 1, o qual registra 17 ocorrências. Também examinamos como os elementos visuais se articulam para construir essas representações das experiências de mundo. Grande parte apresentou desdobramentos de ações e eventos, isto é, de estruturas narrativas, embora estruturas conceituais, em que os participantes são representados em termos de sua classe ou significado, também tenham sido encontradas. Portanto, os sujeitos significam esse momento da transição da conclusão da educação básica para o mercado de trabalho e para o ensino superior, através de seus feitos, como vencer, passar (ser aprovado), lutar, derrotar, eliminar, alcançar, driblar, tomar (preencher vagas), conseguir, entrar etc. No entanto, ação e identificação estão de certo modo atreladas, por exemplo: se ele vence, é o vencedor, se ganha, o campeão. Assim, as ações ajudam a construir a identidade desses alunos e instituições escolares. 152 Consideramos ainda que os alunos utilizam com grande frequência os processos materiais, porque acreditam que a educação formal lhes dá condições para fazer e realizar ações, isto é, agir no mundo em que vivem. Existe implicado nisso, uma necessidade de educação formal que, na realidade, não garante a eles a vitória que aparece nas camisas. Além disso, há várias profissões - ainda que essas não sejam bem valorizadas simbolicamente - que não necessitam dela, e que podem proporcionar também certa qualidade de vida às pessoas, e por que não o sucesso? Para vencer na vida não existe essa condição de educação formal, no entanto, esse modo de pensar mantém as pessoas dentro das escolas e nessa disputa pelas vagas nos cursos superiores, que os alunos tanto representam nas camisas. Mesmo sem saberem o que querem ser profissionalmente, os jovens já pensam no vestibular que terão que prestar ao final do terceiro ano. Geralmente, o que eles esperam da escola é que ela lhes ofereça uma educação formal que os aprove no vestibular. E parece que é isso o que a escola tem feito, já que os alunos comparam os professores aos técnicos de uma equipe, àqueles que estão os lançando para as universidades. Portanto, foi através das escolhas lexicais e imagéticas - nas quais os participantes representados são células reprodutoras, jogadores de futebol, corredores, super-heróis, todos desempenhando certas ações, como: matar um inimigo, sair de um funil, fecundar um óvulo, disputar uma corrida, vencer um dragão, fazer um gol, e assim por diante - que pudemos identificar um modo de pensar e agir, dos sujeitos dessa comunidade acadêmica, subjacente às essas construções metafóricas. Como discutimos, as turmas de terceiro ano representam o vestibular como um processo eliminatório, no qual serão aprovados aqueles que tiverem maior pontuação, preenchendo as vagas disponíveis. Pelo discurso que apresentam as camisas, os alunos aprovados são aqueles que receberam uma boa formação de seus professores e se dedicaram durante o ano e, portanto, são merecedores de continuar o estudo. Sob essa perspectiva parece que todos têm as mesmas oportunidades de cursar o ensino superior, para isso, bastam esforço e mérito pessoal. Contudo, sabemos que nem todos têm acesso a esse ensino devido às conjunturas desiguais que são e foram historicamente produzidas. Desse modo, essa representação discursiva acaba deixando de lado mazelas sociais relacionadas à situação socioeconômica dos candidatos, ao nível de escolaridade dos pais, às politicas educacionais que não conseguem atender uma demanda que cresce, entre outras. Também existe uma preferência dos sujeitos pelas universidades federais, baseada, provavelmente, no senso comum de que essas possuem uma melhor qualidade de ensino, enquanto as privadas se preocupam apenas com capital, em 153 atrair “clientes”. Há uma inversão, pois as escolas de educação básica privadas são tidas como melhores, justamente por aprovarem no vestibular. Assim, as turmas dessas instituições já se consideram aprovadas nesse processo seletivo ou com mais condições de vencer essa competição pelas vagas no ensino superior de instituições públicas. A crença de que “quem vem da escola privada passa no vestibular” é algo que possivelmente veio também sendo construído. A princípio, porque havia uma desarticulação entre o que era cobrado no vestibular e o que era ensinado nas escolas, fazendo com que muitos recorressem aos cursinhos preparatórios, que posteriormente, se tornaram escolas. Depois, pela própria publicidade desses colégios. Cabe ainda ressaltar que a própria noção do que é uma escola com ensino de qualidade ou o que é um bom aluno ou professor está diretamente relacionada a certos discursos, a certos modos de pensar e agir sobre esses temas. Na análise realizada, constatamos que há uma construção da identidade do aluno como vencedor e super-herói e a instituição escolar como produtora desse tipo de aluno, uma vez que é ela que o prepara para a aprovação nos concursos e vestibulares. Os professores são, em algumas camisas, apresentados verbalmente como “o time que garante a vaga”, “técnicos”, “mestres”, e visualmente, como aqueles que estão lançando os alunos em foguetes para as universidades. Por outro lado, há também uma visão da escola como o lugar da ordem, da disciplina e os professores e demais profissionais da educação como aqueles que ocupam um lugar de poder. Nesse sentido, são comparados aos postos de tenente, capitão e coronel. Além disso, são também vistos como os inimigos, os vilões dos alunos. Consideramos que o fato de os alunos se representarem como “vencedores” pode estar relacionado à dificuldade que muitos jovens ainda têm para estudar, sendo que alguns nem conseguem concluir todas as etapas da educação básica. Desse modo, são tidos como vitoriosos porque passaram por certas adversidades durante a trajetória escolar, mas não abandonaram o estudo, ou porque se dedicaram muito para conquistar o diploma. Portanto, os dados e resultados apresentados nesta dissertação nos permitem conhecer a realidade que esses sujeitos constroem desse momento que estão vivenciando. Em geral, para eles, essa trajetória escolar é vista como algo difícil, e o terceiro ano é sua primeira grande vitória; além disso, esse é o momento em que eles devem voltar à atenção para o processo seletivo do vestibular e se prepararem para enfrentar o mundo competitivo que os aguarda fora da escola; é o que também esperam da instituição onde estudam: que lhes dê essa preparação/formação. Esse modo de pensar e agir das turmas de terceiro ano reproduz e mantém um sistema de 154 valores e crenças que permeia uma sociedade capitalista, de cultura meritocratica e promocional. Por fim, é importante destacar que as camisas de formatura que compõem o material de análise foram produzidas durante a transição do século XX para o século XXI. A sociedade de hoje já não é a mesma que a de outrora, uma vez que se tem buscado, através de novas políticas educacionais, uma reforma no ensino e nas leis que o regulamentam, como, por exemplo, a implantação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que é uma tentativa de modificar o processo de entrada na universidade e de propor questões que exigem mais entendimento, reflexão e crítica que a simples memorização do conteúdo. Além disso, diversos pesquisadores têm se dedicado ao estudo de novas abordagens para um melhor sucesso do processo de ensino-aprendizagem. Então, embora, pelo que observamos, as representações antigas sobre o papel da escola e do ensino permaneçam as mesmas, convém desenvolver novas análises sobre as camisas de formatura, pois, em breve, essas mudanças citadas poderão acarretar alterações nas representações discursivas, especialmente no que diz respeito à conclusão do ensino médio, realização do vestibular e ingresso na universidade. 155 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Daniella; SILVA, Jordão. Who's got the power? Uma análise visual da figura do super-herói no texto publicitário. In: CARMO, Cláudio. (Org.). Textos e Práticas de Representação. Curitiba: Honoris Causa, 2011, p. 147-162. ARCHER, Margaret. Being Human: The problem of agency. Cambridge: Cambridge University Press, [2000] 2003. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/70942400/Archer-Being-Human-The-Problem-of-Agency>. Dia 11 de set. 2010. BAKHTIN, Michael. 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Nosso sonho não vai terminar! 161 Quer pagar quanto? ...Nada. Federal é de graça! Passar no vestibular é o que você deseja, ou seja... Vestibular é fácil... ...é só eliminar os concorrentes. Vestibular é uma carniça 162 Não fique de bob... ...eira depois do vestibular quem é do [nome do colégio] aparece! Walking to university! “Ou encontramos uma fórmula ou a inventamos” Vivo estudando claro que vou passar tim vejo na federal... oitário! 163 Correndo do cursinho Cada gota vale a pena! Não somos apenas seres que pensam... ...mas que transformam seus pensamentos em realidade! Não nos pergunte se somos capazes... ...apenas nos dê a missão Passar no vestibular não é para qualquer um... ... ou você pensa que é fácil concorrer com a gente! 164 Vestibular UNIFEI 2005 Com você, em todos os momentos! Balão de fala: “10,9,8,7” Depois do vestibular... ... quem é do [nome do colégio] aparece! Não sou mutante... mas faço parre da evolução... Estou me tornando um x-aluno! 165 Sabe porque o 3ºA vai passar no vestibular? Porque somos brasileiros e não desistimos nunca! Chegou o vestibular... Sigam-me os bons! Montamos as melhores estratégias, driblamos nossos adversários... ... e no fim, nosso gol é de cabeça. Nossa defesa é o ataque!!! 166 Se nosso próximo desafio é o... ...então já me sinto calouro! Vamos tomar... ...seu lugar no vestibular 2011 vamos tomar todas... ...as vagas do vestibular! 167 Tomamos todas... ...até as vagas nas universidades! Estudando compartilhando curtindo vivendo vencendo Entre choros e risos entre brigas e brincadeiras... estamos sempre juntos... a caminhar! UFJF UFMG UFV UFOP Pode não ser a sua... mas é a minha... ...vez de passar no vestibular. 168 É vestibular!!! Vá em frente, alcance sua meta... ...mas não perca o controle! Em 2006 o Brasil se une rumo ao hexa e nós rumo ao tetra. Em busca da 4ª estrela... ...a faculdade! O mais importante na vida não é a situação onde estamos... ...mas a direção para a qual nos movemos UFUturo O ideal da vida não é chegar a ser perfeito, mas sim a simplicidade de ser cada vez melhor ADEUS COLEGIAL OLÁ FACULDADE 169 Para seguir em frente não importa onde estamos... ...mas onde queremos chegar! Obs.: Na seta está escrita a palavra faculdade. “Auto superar-se é saber transformar o medo do fracasso em caminho para a vitória.” Obs.: No centro do alvo está inscrita a palavra UFU. O vestibular está chegando... e dai?...eu sou do [nome do colégio] Vestibulares... chegamos!!! Para sugar sugar todas as suas vagas!!! 170 O desafio é a nossa energia UFOP UFMG UFV USP UNICAMO UFJF ITA UFLA UNIFEI FUNREI FAFEID UFOA UFSCAR UFRJ UERJ Obs: Nesta camisa, aparece o nome do colégio e várias siglas de universidades. Vocês nos verão nas melhores universidades... ou nos piores hospícios, porque de gênio e de louco, todos nós temos um pouco. Obs: os alunos são designados de “pacientes” e os professores de “médicos professores”. Adeus estadual... ...é em alta velocidade que lá vou eu pra federal! 171 Fazemos de tudo para alcançar nossos objetivos!!! Estamos em alta velocidade... ... para chegar a universidade! 3º ano vestibular 2011 Formandos 2011 Odontologia design animação Exatas Educação física 172 As cinco primeiras camisas desta página possuem os mesmos elementos: nome do colégio, logomarca do colégio e da instituição que fornece o material didático, endereço da página da web e o elemento circunstancial “no vestibular”. Elas se diferenciam pelo layout, isto é, disposição desses elementos e pelas cores. 173 Competitividade “Eu não enfrento a concorrência Eu a esmago” (Charles Revson) “O seu erro é a minha vaga!!!” 174 Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço no espaço, então... sai da frente que a vaga é minha! 51 por vaga??? Já passei por coisa pior Eles tentam nos pegar mas... ...sempre ficamos em 1º lugar 175 TerceirÃO ÃO 2010 Curtição dedicação aprovação Aprecie sem moderação tyranossauro Conclusão do terceiro ano como uma vitória Corremos, lutamos, suamos... E conseguimos cruzar a linha de chegada! [nome do colégio] Chegar aqui não foi fácil! ... o C tentou... o C cansou... + o C conseguiu!!! Viu só o C é fera!!! 176 Não temos o quarteto mágico... ...mas nosso time é campeão!!! Não somos super-heróis Mas vencemos o 3º Não há derrota que derrote quem nasceu para vencer! Com a gente, não vai ter prorrogação... daqui sairemos campeões. 177 Salve a seleção dos alunos vencedores 3ºBrasil ... e se junte a nós para o grito da vitória a taça do [nome do colégio] é nossa!!! Estamos aqui para provar que apesar dos obstáculos não desistimos, lutamos, vencemos, por isso, somos vencedores! Com união conseguimos vencer todos os obstáculos que a vida nos proporcionou, por isso... ...hoje somos mais que vencedores!!! 178 “Só o conhecimento traz poder... ...imite-nos e vença!” Agradecemos aos professores e funcionários do [nome do colégio] Mais que um colégio, uma FAMÍLIA! Nosso próximo alvo é conquistar novas vitórias Sugamos tanto conhecimento que... ...alcançamos mais uma vitória. Vencemos a batalha... mas a luta continua! 179 A vitória pertence aquele que acredita nela... ...acreditamos e vencemos! Pra vencer não basta ter excelente ataque... ...tem que ter [nome do colégio] “Por mais árdua que seja uma luta, por mais distante que uma idéia se apresente, por mais difícil que seja a caminhada, existe sempre uma maneira de vencer.” Embarque para férias sem fim... Pois, somos vencedores 180