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Avaliação em Educação
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Cadernos Cenpec 2007 n. 3
!VALIARAAVALIA¿»O
/
tema da avaliação em educação, que tratamos neste terceiro Cadernos Cenpec, é
de enorme relevância. Adentrou a agenda política e seu
debate ganhou cobertura nacional.
Temos a expectativa de que as avaliações assim publicizadas alavanquem o aprimoramento da política de
educação e iluminem caminhos para a promoção de ganhos de aprendizagem dos alunos, da ampliação de sua
participação na sociedade do conhecimento e da busca
de maior eqüidade social.
Sem dúvida, a produção de conhecimento a partir
das pesquisas nacionais deve se concretizar em decisões políticas efetivas que alterem positivamente os resultados escolares e deve ser acessível a todos – comunidade escolar e sociedade. Este é um dos aspectos enfatizados pelos pesquisadores nesta edição: a necessidade de uma divulgação mais esclarecedora e de análises e debates sobre os resultados, suas causas e conseqüências para administradores, diretores, professores, pais e alunos.
Sabemos que o Brasil realizou avanços na educação
básica, mas ainda tem desafios enormes para superar a
herança histórica de exclusão escolar que se reflete numa
alta porcentagem de indivíduos analfabetos funcionais
que apresentam habilidades muito incipientes de leitura, escrita e matemática.
Há boas notícias que nos chegam nos estudos de caso
das escolas que alcançaram os resultados mais positivos
na Prova Brasil, mostrando estratégias, condutas e ações
possíveis para a melhoria da aprendizagem das crianças,
do Norte ao Sul do país. São as boas práticas das escolas inspirando-nos a acreditar no futuro da educação no
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Brasil. Neste momento, além das definições políticas nos
níveis centrais de governo, há um protagonismo fundamental dos sistemas municipais de ensino, em que muitas experiências inovadoras já estão acontecendo.
Sabemos que impactos positivos nos sistemas educacionais resultam de muitas variáveis intervenientes e
dependem de ações diferenciadas e articuladas de várias ordens e dimensões. Infelizmente, há uma tendência danosa, e mesmo ingênua, de se valorizar uma ou
outra variável como responsável pelo mau ou bom desempenho da educação. A situação da educação exige
hoje mais reflexão e compreensão e, sobretudo, a reafirmação da necessidade cívica de se valorizar a educação pública e de se apoiar a escola para que ela promova a aprendizagem dos alunos.
Esperamos, com este número dos Cadernos Cenpec,
apresentar algumas questões que podem desvelar alternativas para a educação no país, pois precisamos ajudar a responder à urgência educacional que os resultados atuais das avaliações apontam e garantir o direito a
uma educação de qualidade a todas as crianças e adolescentes brasileiros.
Procuramos oferecer, ao leitor, as perspectivas da
avaliação em educação com diferentes recortes teóricometodológicos e muitas experiências concretas de uso
das estratégias de avaliação em contextos reais para que
possamos, todos, ampliar o olhar sobre essa realidade
e ajudar a transformá-la.
Maria Alice Setubal
Diretora Presidente do Cenpec
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
3UM¹RIO
editorial
Maria Alice Setubal
Avaliar a avaliação
3
@
artigo
Maria Helena Guimarães de Castro
A árdua tarefa de estabelecer padrões de desempenho escolar
7
debate
Maria do Carmo Brant de Carvalho, José Francisco Soares, Naércio Menezes,
Bernardete Gatti
Avaliação em Educação:
o que a escola pode fazer para melhorar seus resultados?
17
@
comentário: sistema nacional de avaliação da educação básica – saeb
Jorge Kayano 3
Avaliar para que(m)?
42
@
artigo
Terezinha Azerêdo Rios
O que será da avaliação sem a ética?
45
@
relato de prática: projeto estudar pra valer! língua portuguesa
Claudia Petri, Heloísa Trenche
De olhos... e ouvidos no aluno
53
@
artigo
Vera Masagão Ribeiro, Vanda Mendes Ribeiro, Joana Buarque de Gusmão
Indicadores de qualidade mobilizam a escola
59
@
relato de prática: indicadores de qualidade na educação
Waldenir (Nino) Bernini Lictenthaler
Uma ferramenta para a construção da democracia
74
@
artigo
Erika Himmel König
A defesa de uma cultura avaliativa
81
@
relato de prática: pae – programa de aumento da escolaridade
Maria Amábile Mansutti, Liliane Petris
Ensino para jovens em áreas vulneráveis
90
artigo
Maria de Salete Silva
Conhecer as mil faces da escola para ampliar o direito de aprender
97
@
relato de prática: prêmio victor civita educador nota 10
Gabriel Grossi, Regina Scarpa
Não é fácil premiar com justiça
107
@
artigo
Vera Masagão Ribeiro
Estatísticas para melhorar o conhecimento de letras e números
111
@
relato de prática: projeto criança
Ana Luíza Mendes Borges, José Hamilton Maruxo Júnior,
Sônia Maria de Oliveira Nudelman
Uma experiência formativa
120
@
artigo
Ana Maria Falsarella, Vanda Noventa Fonseca
O impacto positivo do Programa Melhoria da Educação no Município
@
estudo de caso: programa educarede
Denise Blanes, Márcia Padilha Lotito, Mílada Tonarelli Gonçalves,
Priscila Gonsales
Internet na escola, escola na Internet
138
@
artigo
Tânia Regina de Souza Romero
Avaliando na perspectiva sociocultural
147
@
relato de prática: prêmio cultura viva
Maria do Carmo Brant de Carvalho
Critérios para premiar tradições brasileiras
@
mosaico
Sites, livros & filmes
156
153
127
6
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Maria Helena Guimarães de Castro*
!¹RDUATAREFADE
ESTABELECERPADRÍES
DEDESEMPENHO
ESCOLAR
!
avaliação educacional, em geral, e a avaliação escolar,
em particular, vêm se revelando instrumentos fundamentais para se elevar a qualidade do ensino. A experiência
internacional, assim como a brasileira, mostra que, para
isso, as ações efetivas são as centradas na aprendizagem
e na escola. Pesquisas recentes, realizadas por diferentes
organismos internacionais — como Unesco - Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico; e Preal - Programa de Promoção da
Reforma Educativa na América Latina e Caribe, entre outros — destacam a importância e as diferentes finalidades
das avaliações educacionais para melhorar a qualidade
do desempenho dos alunos e das escolas.
A realização de avaliações em larga escala, nacionais e internacionais, como forma de conhecer melhor a
dinâmica dos processos e resultados dos sistemas educacionais, é, sem dúvida, uma tendência cada vez mais
presente em países de diferentes culturas e orientações
ideológicas de governo.
Prova disso é a existência de sistemas nacionais de
avaliação em 19 países da América Latina e a sua crescente participação nas avaliações internacionais, como
o PISA - Programa Internacional de Avaliação de Alunos
e o TIMSS - Third International Mathematics and Science Study, conduzido pelo IEA - International Association for the Evaluation of Educational Achievement, ao
* Maria Helena Guimarães de Castro é professora de Ciência Política
da Universidade Estadual de Campinas/Unicamp e pesquisadora
associada do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp. Foi presidente
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais/INEP, de
1995 a 2001, e secretária-executiva do MEC em 2002. Entre janeiro de
2003 e março de 2006, foi secretária estadual de Desenvolvimento
Social do Estado de São Paulo. Foi secretária estadual de Ciência e
Tecnologia de São Paulo em 2006. Atualmente é secretária de estado
de Educação do Distrito Federal.
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Cadernos Cenpec 2007 n. 3
lado de países da União Européia, Ásia, África e América do Norte.
Além disso, observa-se uma tendência mais acentuada para o desenvolvimento de sistemas subnacionais
em todo o mundo, assim como no Brasil.
Esta convergência em torno das avaliações “estandardizadas” origina-se de visões, interesses e perspectivas
distintas quanto ao papel dos sistemas educativos, como
destaca Pedro Ravela (2006), em recente documento do
Preal. Em alguns casos, predominam a preocupação com
a formação cidadã e a consolidação de uma sociedade democrática; em outros, a produtividade da força de
trabalho e a competitividade da economia nacional. Alguns valorizam as avaliações para promover mais oportunidades para o desenvolvimento integral das pessoas
e mais possibilidades de participação na sociedade do
conhecimento; outros consideram a educação de qualidade uma política estratégica para melhorar a eqüidade
e um dos caminhos para superar a pobreza.
Independente das razões que levam à criação de sistemas de avaliação, parece haver consenso quanto ao
seu papel como instrumento para se conquistar mais
qualidade no ensino. Como os resultados da educação
não são diretamente observáveis, nem imediatos, dada
a heterogeneidade do corpo docente e da situação socioeconômica familiar dos alunos, só é possível obter uma
visão geral do desempenho dos sistemas educacionais
mediante uma avaliação externa em larga escala.
Democratização e massificação
No passado recente, media-se a qualidade de um sistema educativo com base nos indicadores de acesso e
permanência na escola, como: matrícula, cobertura, repetência, evasão, anos de estudo etc. O ingresso na educação formal era limitado e a maioria dos pobres estava
praticamente excluída do sistema ou permanecia poucos anos na escola. A entrada e a permanência no sistema eram consideradas sinônimos de aquisição de conhecimento e das competências básicas.
A progressiva universalização do acesso à escola e a
ampliação do número de anos de estudo modificaram essa
situação. Os novos alunos, em geral oriundos de famílias
pobres e mais vulneráveis, chegam ao sistema educativo
em desvantagem em termos de aquisição de bens culturais e de manejo da linguagem oral e escrita. Nesse contexto, a equivalência entre anos de estudo e acesso ao co-
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nhecimento, ao domínio das competências básicas e capacidades simbólicas nem sempre se concretiza. É verdade que a maior permanência nos sistemas educativos
traz alguns benefícios, mas não significa necessariamente que os cidadãos estão aprendendo e incorporando os
conhecimentos, as atitudes e as habilidades necessárias
para o seu desenvolvimento pessoal e social.
Além disso, a democratização da educação provocou também significativo aumento do número de professores, os quais, infelizmente, não contaram com mecanismos que lhes garantissem sua adequação à nova
realidade e a uma boa qualidade de formação. Em geral, o Estado foi omisso na formulação de políticas e no
desenvolvimento de mecanismos de controle da qualidade da formação inicial e de programas de aperfeiçoamento docente.
Nesse quadro, o desenvolvimento de sistemas de informação e avaliação transformou-se em peça-chave dos
processos de reformas educacionais, que tiveram lugar
em diferentes países, especialmente a partir de meados
da década de 1980.
Com o objetivo de subsidiar ações para melhorar a
qualidade do ensino, as avaliações passaram a dar maior
ênfase e divulgação a aspectos centrais do processo de
aprendizagem, procurando responder questões, como:
1. O que os alunos estão aprendendo? Em que medida
os resultados obtidos correspondem ao que se espera deles ao final dos diferentes ciclos ou níveis de
aprendizagem?
2. Qual é o grau de eqüidade observado nos resultados
da aprendizagem? Como estão evoluindo os índices
de aprendizagem entre os diversos grupos sociais?
Como as desigualdades sociais, econômicas e culturais de uma sociedade incidem sobre as oportunidades de aprendizagem?
3. Quais e como os fatores associados afetam, positivamente ou não, os resultados da aprendizagem? Quais
os efeitos da repetência ou do processo de alfabetização nas séries iniciais? Ou do tamanho das turmas,
tipo de formação dos professores, acesso à educação
infantil? Ou da participação dos pais? Como e em que
graus tais fatores afetam a aprendizagem?
4. É possível identificar escolas e professores que conseguem fazer com que todos os alunos aprendam,
mesmo em contextos sociais desfavorecidos? Quais
as características das “boas práticas” que resultam
em bom desempenho?
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
5MSISTEMANACIONALDE
AVALIA¿»OEMLARGAESCALA
PODEPROVERINFORMA¿ÍES
INDISPENS¹VEISPARA
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5. Quais os efeitos das políticas de educação sobre
os resultados da aprendizagem? Em que medida
aspectos como salários, carreira e formação dos
professores incidem sobre os resultados? Qual o
impacto das mudanças curriculares ou mesmo da
aquisição de novos materiais didático-pedagógicos
sobre a aprendizagem?
Em suma, um sistema nacional de avaliação em larga escala pode prover informações indispensáveis para
aprofundar o debate sobre a situação educacional de um
país e mostrar o que os alunos estão aprendendo, ou o
que deveriam ter aprendido, em relação aos conteúdos e
habilidades básicas estabelecidos no currículo. Como os
currículos geralmente são muito extensos, a elaboração
de provas nacionais obriga a se definirem quais aprendizagens devem ser consideradas fundamentais e asseguradas a todos os alunos, o que se aplica também às
avaliações internacionais, que permitem comparações
entre países ou regiões.
No Brasil, o desenvolvimento de um sistema de avaliação da educação básica é bastante recente. Até o início
dos anos 1990, com exceção do sistema de avaliação da
pós-graduação sob a responsabilidade da Capes, as políticas educacionais eram formuladas e implementadas
sem qualquer avaliação sistemática. Não era possível saber se elas produziam os resultados desejados.
Em pouco mais de uma década, foi construído um
complexo e abrangente sistema de avaliação educacional no país, que cobre todos os níveis da educação. Esse
sistema produz informações que orientam as políticas
educacionais em todos os níveis de ensino:
1. Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB
Avalia os sistemas públicos e privados de ensino
fundamental e médio, com base em amostra de alunos e escolas.
2. Exame Nacional de Ensino Médio – ENEM
De caráter voluntário, avalia as competências e
habilidades adquiridas por estudantes que concluíram ou estão concluindo o ensino médio.
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3. Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior
– Sinaes
Engloba a avaliação de desempenho de cursos e
instituições.
4. Prova Brasil
Avalia o universo dos alunos das séries finais dos
ciclos I e II do ensino fundamental obrigatório.
Além das avaliações nacionais, o Brasil passou a
participar de avaliações internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA,
coordenado pela OECD, e o Laboratório de Avaliação
da Qualidade da Educação – LECE, coordenado pela
Unesco/OREALC – Escritório Regional da Unesco para
a América Latina e Caribe, do Chile.
Neste artigo, examino apenas o SAEB e algumas experiências estaduais de avaliação escolar.
O contexto dos anos 1990
No plano educacional, assim como no plano socioeconômico, as diferenças entre estados e regiões brasileiras
são bastante pronunciadas. Em 2004, no estado de São
Paulo, 94% da população com mais de dez anos era alfabetizada, enquanto no estado de Alagoas, apenas 68% o
era. Metade dos trabalhadores da região Nordeste tinha,
no máximo, quatro anos de estudo e apenas 27% completavam oito anos de estudo ou mais, situação oposta
à da região Sudeste, onde mais de 55% dos trabalhadores estudavam durante oito anos ou mais.
Segundo a Constituição brasileira, Governo Federal,
estados e municípios têm responsabilidades distintas e
complementares em todos os setores de políticas públicas, inclusive no educacional. A Lei Magna garante, ainda, ampla autonomia aos estados e municípios para estruturarem os seus próprios sistemas de ensino e estimula a descentralização. Assim, a oferta de educação pública, que já era descentralizada e bastante estadualizada, ganhou novo impulso descentralizador com a Constituição de 1988 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que fomenta a criação de sistemas municipais de ensino. Hoje, existe, no Brasil, um
número quase tão grande de sistemas de ensino quanto de estados e de municípios!
Nesse sistema altamente descentralizado, em um
país marcado por extrema heterogeneidade e desigualdade, foram atribuídas, ao Governo Federal, funções de
regulação e de assistência técnica e financeira a estados
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
e municípios. A legislação em vigor determina também
que cabe ao Governo Federal avaliar a qualidade do ensino em todo o país e em todos os níveis, com o objetivo de definir prioridades e de elevar a qualidade do ensino. É nesse contexto que foi montado o sistema de avaliação do Brasil.
Sistema Nacional de Avaliação
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
- SAEB foi criado e aplicado em caráter experimental
no início da década de 1990, contando com o apoio
financeiro do Banco Mundial. O objetivo do SAEB é
avaliar a qualidade da educação oferecida pelos sistemas de ensino existentes, identificando o que os
alunos sabem e são capazes de fazer nas diferentes
etapas do seu percurso escolar. A partir de 1995, o
SAEB foi reformulado do ponto de vista metodológico e passou a ser regularmente realizado a cada dois
anos em todo país.
O SAEB consiste de questionários aplicados a uma
amostra de professores e diretores de escolas e de provas ministradas a uma amostra de alunos de escolas
públicas e privadas que cursam a última série de cada
ciclo de estudos do sistema de educação básica.
Assim, participam da amostra:
• alunos da 4ª série do ensino fundamental;
• alunos da 8ª série do ensino fundamental, último ano
de educação obrigatória;
• alunos da 3ª série do ensino médio, último ano da
Educação Básica.
A amostra do SAEB é aleatória, baseada nos resultados do Censo Escolar realizado anualmente e na melhor
técnica estatística. Representa os alunos das escolas estaduais, municipais e particulares, urbanas e rurais, de
cada um dos 26 estados da Federação e do Distrito Federal. No SAEB, são testados, a cada dois anos, os conhecimentos dos alunos em Matemática e Língua Portuguesa. Eventualmente, são também testados seus conhecimentos de História, Geografia e Ciências.
Para representar este enorme universo de cerca de 44
milhões de alunos em mais de 200 mil escolas, distribuídas entre uma miríade de sistemas de ensino, a amostra do SAEB 2001 envolveu cerca de 280 mil alunos de
sete mil escolas, localizadas em mais de dois mil municípios em todo o país. Em 2003, foram 300 mil alunos,
6.300 escolas e 17 mil professores.
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Cadernos Cenpec 2007 n. 3
A partir dos resultados dessas provas, os alunos dos
diferentes estados e, dentro de cada estado, das diferentes redes de ensino, são classificados em uma escala de
desempenho que permite identificar aquilo que eles sabem e são capazes de fazer e aquilo que eles não sabem,
mas deveriam saber naquela etapa de seus estudos.
Essas informações são de extrema importância para
que os professores e as autoridades educacionais possam tomar medidas para melhorar o desempenho dos
alunos em suas escolas.
Além de avaliar o nível alcançado pelos alunos, o SAEB
coleta uma série de informações sobre os fatores associados ao desempenho escolar por meio da aplicação de
questionários a alunos, professores e diretores de escola.
Dessa forma, são obtidas informações socioeconômicas,
sobre hábitos de estudo dos alunos, formação e prática
dos professores e sobre a gestão das escolas.
O cruzamento dessas informações com os dados de
desempenho dos alunos permite detectar quais fatores
escolares e extra-escolares exercem uma influência mais
forte, positiva ou negativa, sobre o preparo dos alunos.
Por intermédio do SAEB, já foi possível identificar uma
série de tendências presentes no diagnóstico da educação no Brasil, as quais passaram a orientar a formulação
e reformulação das políticas educacionais.
Por exemplo, o SAEB diagnosticou que, quanto maior
é a defasagem série-idade, pior é o desempenho do aluno. No Brasil, o número de alunos em atraso escolar é
bastante alto devido às altas taxas de repetência. A repetência, que idealmente serviria como uma nova oportunidade para os alunos de fraco desempenho fortalecerem os seus conhecimentos para, posteriormente, prosseguirem seus estudos, tem-se mostrado mais perversa
do que benéfica. Alunos repetentes acabam ficando desestimulados, apresentando desempenho cada vez mais
baixo, até abandonarem a escola.
Os resultados do SAEB indicaram que, para melhorar
o desempenho geral dos alunos, seria necessário reduzir
a defasagem série-idade. Foram criados, então, os programas de aceleração de aprendizagem, voltados para
os alunos com mais de dois anos de atraso. Estes programas, aplicados em diversas partes do Brasil, vêm tendo efeitos positivos na correção do fluxo escolar e na redução das taxas de abandono. Espera-se que, nos próximos anos, esses efeitos positivos também se façam
sentir no desempenho escolar dos alunos.
11
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
O SAEB também constatou que alunos cujos professores receberam formação de nível superior têm melhor
desempenho na avaliação. Por isso, o Ministério da Educação criou incentivos para os professores obterem uma
formação adequada.
Quanto à influência da escola sobre o desempenho
dos alunos, o SAEB percebeu que certos estilos de gestão do diretor e a participação dos pais na vida da escola têm efeito positivo. Para elevar o desempenho escolar nas regiões menos favorecidas, foi criado um projeto, com financiamento do Banco Mundial (Fundescola),
voltado para o desenvolvimento das escolas.
Na avaliação desse projeto, utilizaram-se os resultados do SAEB e, mais uma vez, emergiu uma correlação significativa entre o desempenho escolar e a forma de gestão da escola, confirmando a tendência anteriormente identificada. Alunos de escolas que participaram do projeto Fundescola tiveram um desempenho
superior nos testes do SAEB em relação aos alunos de
outras escolas, com características similares, que dele
não participaram.
Avaliações estaduais
Embora o SAEB não apresente resultados por escola,
e sim por sistemas de ensino em cada estado, as informações que ele reúne permitem identificar claramente que tipo de escola favorece um bom desempenho de
seus alunos nos testes. Esse fato, por si só, já indica o
caminho a ser seguido pelos sistemas de ensino, a fim
de elevar a sua qualidade.
No entanto, o SAEB não substitui a avaliação centrada
na escola, nem pretende fazê-lo. Ao contrário, no período de 1995 a 2002, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, instituição
responsável pelo SAEB, estabeleceu uma linha de apoio
e assistência técnica aos estados e municípios para que
desenvolvessem os seus próprios sistemas de avaliação.
O SAEB oferece um diagnóstico consistente da situação
educacional em todo país, permitindo comparações entre os diferentes sistemas de ensino. No entanto, cabe a
cada um deles desenvolver os seus próprios sistemas de
avaliação para retratar a realidade de cada escola, sob
sua direta responsabilidade, e definir ações de melhoria e monitoramento sistemáticos.
Nesse sentido, o Governo Federal passou a oferecer,
aos estados e municípios interessados em desenvolver os
12
#ABEACADASISTEMA
EDUCACIONALDESENVOLVER
SEUSMÁTODOSDEAVALIA¿»O
PARARETRATARAREALIDADE
DECADAESCOLASOBSUA
DIRETARESPONSABILIDADEE
DEÙNIRA¿ÍESDEMELHORIA
EMONITORAMENTO
SISTEM¹TICOS
seus próprios sistemas de avaliação, treinamento para
as equipes elaborarem os seus próprios testes. Além
disso, disponibiliza alguns itens-âncora para integrar
as provas, assegurando assim a comparabilidade dos
resultados regionais com os nacionais.
O desenvolvimento de sistemas regionais ou locais
de avaliação, em articulação com o sistema nacional,
apresenta uma série de vantagens. Primeiro, eles proporcionam uma investigação mais aprofundada sobre
as especificidades regionais ou locais, o que não é possível no SAEB. Segundo, eles permitem a obtenção dos
resultados por escola, o que não é viável em um sistema nacional de avaliação como o brasileiro, devido à
complexidade envolvida na sua operacionalização e os
seus elevados custos. Terceiro, eles possibilitam a coleta de informações de interesse do gestor da rede, o que
tampouco é possível em uma avaliação nacional.
Atualmente, cerca de 13 estados brasileiros e duas
capitais já possuem sistemas próprios para avaliar as
suas redes de ensino, produzindo resultados por escola. Há algumas iniciativas recentes, como a implantação
de uma avaliação escolar reunindo um conjunto de municípios gaúchos, situados na região de Caxias do Sul,
os quais criaram um consórcio e pactuaram os critérios
de avaliação de todas as suas escolas.
No final de 2005, o MEC aplicou, pela primeira vez,
a Prova Brasil em 44 mil escolas. Foram testados 5,4 milhões de alunos de 4ª e 8ª séries das escolas públicas
em Língua Portuguesa e Matemática. Os resultados permitiram comparar os resultados das escolas com a escala
de proficiência do SAEB.
O principal aspecto positivo da Prova Brasil é possibilitar a comparação entre as escolas da mesma rede de
ensino e, com isso, prover informações para apoiar diretores e professores nos projetos pedagógicos. Infelizmente,
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
as escolas e sistemas de ensino têm tido dificuldade em
usar os resultados e compreender a metodologia adotada. Falta uma política séria e consistente de divulgação
e uso dos resultados das avaliações. O Brasil avançou
muito na montagem e desenvolvimento de sistemas nacionais e estaduais, mas o grande problema é a dificuldade das escolas e dos professores em usar os resultados para melhorar suas aulas.
A título de exemplo, apresentarei um breve panorama
de dois sistemas estaduais de avaliação dos dois maiores estados do Brasil: São Paulo e Minas Gerais.
São Paulo e Minas Gerais
Em 2005, havia, no estado de São Paulo, aproximadamente, oito milhões de alunos matriculados no ensino
fundamental e médio, 87% dos quais em cerca de 12.500
escolas públicas estaduais e municipais. No mesmo ano,
no estado de Minas Gerais, havia cerca de quatro milhões e 400 mil alunos matriculados nos mesmos níveis
de ensino, 93% deles em mais de 14.500 escolas públicas. Para monitorar a qualidade do ensino ofertado por
suas escolas, que concentram quase um terço dos alunos do país, os governos desses dois estados decidiram
estabelecer seus próprios sistemas de avaliação.
O estado de São Paulo criou, em 1996, o Sistema de
Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo Saresp, e Minas Gerais, o Programa de Avaliação da Rede
Pública de Educação Básica - Proeb.
Esses sistemas estaduais de avaliação são abertos
à participação dos municípios daqueles estados que tiverem rede de escolas municipais e que a eles desejarem aderir.
Como o SAEB, esses dois sistemas avaliam periodicamente os conhecimentos de seus alunos em Português,
Matemática, Ciências, História e Geografia e, por meio de
questionários, recolhem outras informações associadas
ao desempenho.
O Proeb de Minas Gerais
O Proeb aplica testes a todos os alunos de 4ª, 8ª e 11ª
série da rede estadual. O ciclo de avaliação do Proeb se
completa a cada dois anos. Por exemplo, em 2000, foram
aplicados testes de Português e de Matemática, e, em
2001, de História, Geografia e Ciências. Integram a avaliação, questionários destinados aos alunos, professores e
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diretores de escola, com o objetivo de se levantar dados
sobre o processo de gestão das escolas, o perfil dos profissionais da Educação e dos estudantes atendidos, e os
recursos e serviços disponíveis nas escolas.
Os resultados dos testes e dos questionários fornecem um conjunto de dados que possibilita um diagnóstico detalhado da situação educacional no estado. Diferentemente do SAEB — que analisa comparativamente
o desempenho dos alunos entre os diferentes estados e
sistemas de ensino sem atentar para as políticas educacionais específicas —, o Proeb avalia o desempenho dos
alunos à luz das políticas educacionais implementadas
no Estado. Ainda que orientado para subsidiar a formulação e a redefinição das políticas educacionais do governo do estado, o sistema de avaliação de Minas Gerais
utiliza a mesma escala de proficiência do SAEB, a fim de
garantir a comparabilidade dos seus resultados com os
resultados nacionais.
O Proeb faz parte do Sistema Mineiro de Avaliação da
Educação Pública - Simave, rede que abrange 27 instituições de ensino superior, públicas e privadas, 41 superintendências regionais de ensino, representantes dos municípios, dos alunos e dos professores. Ao integrar os diferentes segmentos da sociedade envolvidos com a educação no sistema de avaliação, o Simave procura desenvolver uma nova cultura de avaliação que leve à ruptura
das práticas tradicionais e ineficientes ainda em vigor no
cotidiano de muitas escolas.
A participação direta das instituições de ensino superior no processo de avaliação é crucial, uma vez que são
elas as responsáveis pela formação dos professores para
as escolas da região. Por meio do trabalho conjunto, procura-se aproximar as instituições de ensino superior do trabalho pedagógico da escola em todas as suas dimensões.
Esta associação favorece e estimula a discussão de possíveis mudanças nos cursos de formação de professores,
para torná-los mais sensíveis às necessidades do ensino
público. A distância entre a universidade e seus cursos de
formação de professores e as reais necessidades da escola pública tem-se revelado um dos grandes entraves para
a elevação da qualidade da educação no país.
A avaliação das escolas pelo Proeb está pautada pelos
princípios da eqüidade e publicidade. Ao identificar os
problemas de uma escola e apontar os caminhos para
saná-los, age-se no sentido de proporcionar uma educação de qualidade para todas as crianças, e, ao se
divulgarem os resultados da avaliação, informa-se,
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
aos cidadãos, sobre a qualidade do serviço público que
lhes está sendo oferecido.
São Paulo e o Saresp
O Saresp foi criado em 1996, com o apoio do Banco Mundial. Tal como o Proeb, a aplicação do sistema de avaliação do estado de São Paulo é descentralizada, englobando as escolas da rede pública estadual, as autoridades regionais de ensino, os professores e pais
de alunos.
O Saresp procura analisar a evolução dos mesmos
alunos em anos seguidos, de forma a possibilitar a realização de estudos longitudinais. As provas são elaboradas com base nos conteúdos curriculares de determinada série e aplicadas aos alunos da série imediatamente superior. Por exemplo, a prova de matemática,
sobre o conteúdo da 4ª série, é aplicada aos alunos
da 5ª; a elaborada com os conteúdos da 5ª série, aplicada aos alunos da 6ª, e assim por diante.
Em 1996, foram aplicadas provas aos alunos da 3ª
e 6ª séries; em 1997, aos da 4ª e 7ª; e, em 1998, aos
da 5ª e 8ª, processo que sofreu descontinuidade em
2006. Entre 1996 e 2005, foram construídas séries históricas com o intuito de acompanhar a evolução de um
mesmo aluno, dos alunos de uma mesma escola, das
escolas de uma região, subordinadas à mesma autoridade regional de ensino.
As avaliações do Saresp são realizadas no início
do ano letivo, para identificar imediatamente as deficiências existentes e permitir a orientação dos alunos
durante o ano. As provas do Saresp são ministradas e
corrigidas pelos próprios professores, ficando, os resultados da avaliação, disponíveis na escola. Isso permite rapidez na análise dos dados e na utilização dos
resultados pela equipe da escola no planejamento pedagógico e na definição das ações e metas.
Os professores participam de todas as etapas da avaliação: da elaboração das provas à análise dos resultados. Com isso, procura-se viabilizar uma aproximação
entre a teoria e a prática, estimular o trabalho em equipe
e reforçar sua responsabilidade individual e coletiva.
Para assegurar a qualidade do instrumento de avaliação, as provas são pré-testadas em uma amostra de
alunos. Estes primeiros resultados são submetidos à
análise estatística e de conteúdo, de modo a verificar
se as provas conseguem, de fato, medir aquilo que pre-
14
tendem. Com base nessa análise, elas são reformuladas e, então, aplicadas a todos os alunos.
Medir os eventuais ganhos de aprendizagem dos
alunos ao longo do tempo é fundamental para o Saresp.
No entanto, não é possível conhecer os progressos de
um aluno, ou do conjunto dos alunos, na passagem de
uma série para outra, simplesmente comparando os
resultados gerais das provas, uma vez que elas abordam conteúdos diferentes.
Por isso, o Saresp, assim como o SAEB, utiliza procedimentos estatísticos reconhecidos internacionalmente,
derivados da Teoria de Resposta ao Item (TRI), sobretudo a equalização (equating), para comparar resultados
de provas diferentes. Para realizar a equalização, é dada
uma prova-âncora a uma amostra de alunos, que reúne
itens de provas aplicadas em diferentes anos e séries.
Com isso, é possível construir escalas, cujos pontos representem diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem.
A análise final dos resultados é feita considerandose sempre o contexto de ensino. Além das provas que
medem o desempenho dos alunos, a avaliação incorpora diversas informações coletadas por intermédio de
outros instrumentos: questionário da escola, que recolhe informações sobre o projeto pedagógico da escola, sua infra-estrutura e formas de capacitação de professores; relatório de observação dos pais, em que os
responsáveis pelos alunos expressam suas opiniões
sobre o processo de avaliação utilizado pela escola;
relatório do aplicador da prova e relatórios da escola
e da Delegacia de Ensino.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Considerações finais
O desenvolvimento e o aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação são um trabalho contínuo e dele
depende os futuros progressos na educação. Se os instrumentos para a avaliação de conteúdos já são razoavelmente desenvolvidos, ainda há muitas dificuldades
para se elaborarem instrumentos capazes de medir a
aquisição e o desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas. Além do domínio propriamente cognitivo, seria importante investigar o desenvolvimento
de outras habilidades e competências necessárias ao
indivíduo na sociedade contemporânea, mas, disso,
estamos ainda mais longe.
No plano nacional, segue sendo um grande desafio
estabelecer padrões (standards) de desempenho escolar
passíveis de comparação num quadro de grande diversidade regional, como o brasileiro.
Também nas avaliações estaduais ou municipais, muito ainda resta a ser aperfeiçoado para se medir o valor
agregado pela escola ao aluno, tendo em vista a variada
bagagem cultural que cada um traz ao entrar na escola,
variação acentuada pelas enormes desigualdades socioeconômicas que marcam o país.
Enfim, ainda nos falta maior precisão na identificação
e ponderação dos fatores internos e externos à escola que
incidem no desempenho dos alunos.
No entanto, o grande desafio continua sendo a utilização, em sala de aula, dos resultados obtidos por meio dos
instrumentos já existentes para o aperfeiçoamento da prática docente e para a elevação da qualidade do ensino.
15
Para além dos fatores socioculturais que incidem diretamente no desempenho dos alunos, sobre os quais
a influência do sistema educacional é muito pequena,
existe uma grande margem de ação que é propriamente educativa e que se desenvolve em sala de aula. A
participação do professor em todas as etapas da avaliação, proporcionada por algumas experiências estaduais, como o Saresp, parece ser uma boa estratégia
de levar, para a sala de aula e para a prática docente,
os conhecimentos trazidos pela avaliação.
O trabalho conjunto entre as instituições de ensino
superior e as autoridades regionais de educação de Minas Gerais, propiciado pelo Proeb, também é aparentemente um caminho bastante sugestivo para encurtar a
distância que separa a formação dos professores das
necessidades reais das escolas, as teorias de ensino e
aprendizagem das práticas docentes.
Para que os resultados tenham impacto sobre as
políticas educativas, é preciso investir pesadamente
na análise, compreensão e discussão dos resultados,
envolvendo, no processo, todos os atores relevantes,
autoridades educativas, professores, pais de alunos
e dirigentes. É imprescindível devolver os resultados
das avaliações censitárias ou universais para as escolas, professores e pais de alunos. É fundamental que
todos estabeleçam um acordo para enfrentar as deficiências identificadas e definir ações e estratégias para
superá-las.
Além da disposição em dar transparência aos resultados, os gestores devem investir muito na comunicação apropriada e permanente dos resultados para a
opinião pública.
Apesar de todas as dificuldades e dos obstáculos
a serem superados, é certo que a avaliação é um bom
caminho para a melhoria da qualidade do ensino. No
caso brasileiro, o sistema de avaliação deve compatibilizar o imperativo da eqüidade, sem a qual não existe uma nação propriamente dita, com a diversidade
constitutiva de suas dimensões continentais e formação histórica.
A integração flexível entre um sistema nacional de
avaliação – como o SAEB e a Prova Brasil – e os sistemas locais ou regionais de avaliação – como o Saresp
e o Proeb – parece ser o modelo mais condizente com
a estrutura político-administrativa de nossa Federação
e com as necessidades da educação brasileira.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Maria do Carmo Brant de Carvalho
Mediadora
Coordenadora geral do Cenpec, doutora em Serviço Social
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pela
École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris.
José Francisco Soares
Estatístico, professor da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, presidente da Associação Brasileira de
Avaliação Educacional.
Naércio Menezes
Economista, professor associado da Universidade de São
Paulo, professor titular da IBMEC Educacional S.A., consultor da Fundação Itaú Social.
Bernardete Gatti
Coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, consultora da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
membro do Conselho de Administração do Cenpec.
16
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
!VALIA¿»OEM
%DUCA¿»O
O que a escola pode fazer para
melhorar seus resultados?
1
17
uanto a escola contribui para a educação?
Os resultados do SAEB – Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica revelaram que 59% das crianças nas
4as séries não sabem ler.
Os resultados do PISA – Programa de Avaliação Internacional de Alunos, realizado em 2003, mostram que 50%
dos avaliados estão abaixo do nível 1 de proficiência.
O INAF 2001 – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional apurou que:
• 9% da população, entre 15 e 64 anos, está em situação
de analfabetismo absoluto;
• 31% consegue apenas localizar informações em textos curtos;
• 34% localiza informações em textos de extensão
média;
• 26% é capaz de ir além da localização de informações, comparando partes do mesmo texto ou textos diferentes entre si, realizando inferências e sínteses.
Esses diagnósticos se tornam mais drásticos quando se comparam os resultados obtidos por crianças e jovens brasileiros com os de outros países.
Diante desse quadro, muitas indagações emergem:
• As iniciativas de intervenção em processos e currículos escolares, formação de professores, melhoria
salarial, investimentos em infra-estrutura básica e
material escolar, ampliação do horário escolar, entre outras ações em curso, podem melhorar o ensino escolar e proporcionar novos patamares em termos de qualidade da educação brasileira?
• Os dados divulgados estão gerando recomendações de políticas que alavanquem a melhoria nos
resultados?
• Que estruturas, práticas e recursos escolares podem
potencializar o aprendizado de alunos que vivem em
contextos de pobreza?
• Como as escolas, diretores, alunos, pais e professores podem participar e aproveitar o conhecimento
produzido nas avaliações para, de fato, atuar objeti-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
vamente em processos que ajudem a melhorar seus
resultados?
• Com que concepção de avaliação de aprendizagem
estão se organizando os Planos e Programas das Secretarias de Educação?
• Que papel têm os diferentes níveis de governo na
política de avaliação educacional?
A partir desses questionamentos, nossos convidados
apresentaram suas considerações, em um tom realista,
mas não desesperançoso.
Desejamos que este debate contribua para aumentar a
nossa esperança de que o poder público crie e implemente
políticas que conduzam a um sistema educacional melhor
e a uma sociedade com mais justiça socioeconômica.
-ARIADO#ARMO
"RANTDE#ARVALHO
%SCOLACOMUNIDADEEEDUCA¿»O
Para início de conversa, vamos propor alguns questionamentos.
O que fazer com as informações
Primeira questão: produzimos inúmeras pesquisas
avaliativas; realizamos diversos debates em torno delas.
Entretanto, esse conhecimento não chega às equipes
escolares. Uma enquete, realizada pela Fundação Vitor
Civita e pela revista Nova Escola, mostrou que apenas
26% dos professores do país conhecem os resultados
de avaliações como o SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica ou o Programa Internacional
de Avaliação de Alunos – PISA.
Ainda não criamos um meio de devolver os resultados avaliativos para a ponta do sistema e para as comu-
18
nidades. Entende-se, por comunidade, não só os pais,
as famílias, como também todos os sujeitos do território em que a escola se insere. Pela ausência deste processo devolutivo, é possível inferir que os dados avaliativos não são apropriados pelos professores, pela escola, pelos alunos e pela comunidade, comprometendo-os
a alterar o status quo do baixo rendimento escolar das
crianças e adolescentes brasileiros.
Faltam recomendações
Uma segunda questão: os resultados avaliativos sobre
o desempenho dos alunos, em geral, constatam o baixo
rendimento escolar, mas não fazem recomendações, ou
melhor, não mobilizam estratégias para operar mudanças nesse quadro desalentador. Também não mapeiam
alterações significativas que já ocorrem na gestão em alguns municípios e escolas.
O Cenpec trabalha com cerca de 3.300 municípios
brasileiros por meio de diversos programas, entre eles,
o Programa Melhoria da Educação no Município (que
atinge particularmente os municípios pequenos, situados no chamado “polígono da pobreza”) e o Prêmio Escrevendo o Futuro, que alcançou, em 2006, 24.533 escolas. Por meio dessa atuação, temos acesso a inúmeras
e excelentes experiências de gestão municipal da educação e a projetos escolares que asseguram a aprendizagem. Esse registro avaliativo é muito importante, não
apenas para gerar esperança e se sair do imobilismo,
como também para explicar e disseminar os fatores do
bom desempenho escolar.
Família e comunidade
Uma terceira questão importante: alguns estudos têm
destacado a influência do background sociofamiliar e
cultural como fator importante na proficiência dos alunos, registrando que o chamado efeito-escola, ou seja,
a influência da ação da escola nos resultados escolares
é menor do que se imagina.
De fato, o efeito-escola, hoje bastante estudado e debatido entre nós, sinaliza para o efeito relativo que a escola tem nos ganhos de aprendizagem de crianças e adolescentes. Tais estudos demonstram que o efeito-família e o efeito-comunidade têm muito peso e influência na
aprendizagem dos alunos, considerando tanto os maiores quanto os menores resultados de aprendizagem.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Comunidades e famílias pouco letradas, com baixa
renda e acesso precário a bens e serviços, acabam por
interferir nos resultados de aprendizagem de crianças e
adolescentes. No entanto, é possível potencializar o efeito-escola quando a instituição é capaz de se unir à família
e à comunidade. O estudo recém-divulgado, Aprova Brasil, realizado pelo Ministério da Educação e Unicef, atesta
que as 33 escolas pesquisadas (as com melhor desempenho de seus alunos na Prova Brasil) se tratavam de escolas, em geral, inseridas em comunidades castigadas
pela pobreza, onde o efeito-escola é expressivo porque
elas têm equipes docentes estáveis, projetos pedagógicos duradouros (contínuos), apostam no aluno e, por
fim, mantêm estreita relação com as comunidades, realizando aquilo que mais se almeja: uma comunidade de
aprendizagem.
Preocupação latino-americana
Uma quarta e última questão: ações promissoras.
Participei de uma reunião latino-americana sobre educação, realizada em Santiago do Chile, em 29 e 30 de
novembro de 2006. Ficou claro que todas as nações latino-americanas estão preocupadas com o mau desempenho escolar em seus países: com o abandono, as defasagens de idade-série, a reprovação e a baixa efetividade da escola.
Nessa reunião, os ministérios do Chile e da Argentina apresentaram novas diretrizes para a melhoria dos
resultados educacionais. A Argentina alterou sua LDB, a
fim de conceber ações flexibilizadas e compostas com
outros espaços de aprendizagem, capazes de assegurar, a crianças e adolescentes, a permanência no sistema, com elevação de rendimentos educacionais. No Chile, propõe-se a criação de um fundo para financiamento de ONGs, para que se viabilizem ações complementares à escola.
Foram mostrados diversas experiências dos países
latino-americanos, cujo resumo pode ser assim expresso: temos alunos que não respondem ao sistema escolar normal e que, às vezes, precisam de ações complementares, para as quais as ONGs estão mais preparadas, porque conseguem oferecer um atendimento individualizado a esse adolescente e, com isso, fazê-lo, aos
poucos, retornar ou se manter no sistema, aprendendo.
Eles reconhecem que retornar ao sistema não é uma coisa tranqüila.
19
Querem também trabalhar com a parceria escolaONG, criando outros espaços de aprendizagem para
compor um tipo de articulação e complementaridade
que contemple a diversidade, a heterogeneidade de
seus alunos.
Nós, do Cenpec, no programa Educação e Comunidade, estamos procurando uma articulação maior entre ONGs e escolas para garantir uma jornada integral
de educação. Lá, estão pensando além disso. Eles reconhecem que algumas crianças e adolescentes encontram muitas dificuldades para se manter na escola e alcançar o rendimento esperado.
Foi muito bom ouvir isso porque, quando realizamos
o Programa de Aceleração de Aprendizagem para alunos
da rede de ensino fundamental no estado de São Paulo
e Paraná — e foi para apresentá-lo que fomos convidados a participar dessa reunião latino-americana —, uma
de nossas avaliações foi a de que a criança ia muita bem
no Programa e conseguia dar os saltos necessários. Porém, quando regressava à escola regular, recomeçavam
as defasagens. Segundo a nossa análise, isso acontecia porque a escola não estava capacitada para receber
esse tipo de aluno e mantinha seu formato padronizado
para ensinar e avaliar.
Conhecemos também o sistema nacional de avaliação do Chile, chamado SIMCE – Sistema de Medición
de la Calidad Educativa. É uma proposta avaliativa semelhante ao SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica e ao ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.
O diferencial marcante é que o Chile já inaugurou um
processo rico de preparação das escolas para a avaliação nacional, assim como introduziu um dia específico
do ano (feriado nacional) para dar um retorno desta avaliação. Nesse dia, cada escola compartilha — com seus
professores, alunos, pais e comunidade — o desempenho educacional obtido. Os dados nacionais são apresentados depois de se categorizarem as escolas conforme o meio socioeconômico e cultural em que estão inseridas, portanto, após se considerar a variável “background sociofamiliar” no desempenho escolar.
Vale registrar que, para eles, esse retorno, talvez por
ser recente, não acontece de maneira tranqüila; não tem
funcionado ainda como gostariam. Observou-se que é
muito difícil conquistar a adesão das escolas para esse
evento. Uma das razões está no fato de que as escolas
chilenas recebem recursos financeiros de acordo com o
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
número de matrículas. Se elas apresentam o desempenho dos alunos para a comunidade e para as famílias,
eles podem ser comparados com os de outras instituições e, se os resultados não forem bons, as famílias podem mudar seus filhos de escola. Assim, há resistência
à prestação de contas que, tanto lá quanto aqui, não é
tão fácil na rede escolar.
Educação integral e ações extra-escolares
Por fim, vale comentar outro fato promissor, agora
em relação ao Brasil. A Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, em reunião nacional
realizada em Brasília, no início de dezembro de 2006,
debateu a questão da articulação de redes sociais e as
alternativas que viabilizem jornadas maiores de atenção diária às crianças, porque tal medida não depende
apenas da escola.
No debate, todos reconhecem que a expansão do
horário escolar, desejada e indicada pelo Plano Nacional de Educação, não é tão fácil de se implantar. Para
isso, seria recomendável se fazer uma composição com
as demais políticas sociais públicas e superar este mar
de setorização. Sugeriu-se a realização de uma reunião
no começo de 2007, juntando não só a Undime, como
também as outras organizações de dirigentes da assistência social, como o Congemas – Colegiado Nacional
de Gestores Municipais de Assistência Social, e o Conasems – Conselho Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Saúde, da área de saúde, e outros organismos que possam representar os gestores municipais de Cultura e Esportes. Há programas de grande importância educativa em todas essas políticas que promovem ações extra-escolares.
Esta recomendação é altamente promissora. Todos
sabemos que a pouca efetividade das políticas ditas sociais tem direta relação com o fato de a sua gestão ser
muito setorizada: elas são dominadas pelo corporativismo, conduzidas de forma fragmentada e paralela. Essa
situação mantém a maioria da população brasileira na
condição de pobreza e dificulta seu acesso aos serviços
públicos, preserva e reforça a desigualdade. A educação
vai melhorar se for compreendida em sua dimensão multidimensional e, portanto, se for articulada e integrada a
um projeto de política social mais ampla, com metas claras para o desenvolvimento do cidadão brasileiro.
20
*OSÁ&RANCISCO3OARES
!ESCOLACOMOTEMPO
EESPA¿ODEEDUCA¿»O
O tema proposto para este seminário nos convida a
refletir sobre o sentido de algumas palavras — avaliação,
resultados e melhoria — todas muito incômodas quando relacionadas à educação. Vou concentrar minha atenção na educação escolar, aquela parte da educação que
ocorre na escola.
Recentemente, li um livro, L’obligation de résultats em
education,1 com os artigos apresentados em um simpósio
na Universidade de Laval, em Quebec, Canadá.
Os diversos autores mostram como são de diferentes
origens as dificuldades com o uso da categoria resultados
para a análise da instituição escolar e como todos nós
que trabalhamos em escolas não fomos preparados
para analisar os resultados dos processos escolares.
Acostumamo-nos a pensar como cada um desses
processos deveria funcionar e quais recursos são
necessários, mas não se seus resultados atendem aos
alunos e à sociedade.
Diferentemente daqueles autores, entretanto, em relação ao Brasil de hoje, entendo que é útil e necessário
analisar os processos escolares pelos seus resultados.
Isso é uma das conseqüências da redemocratização do
nosso país. Depois da constituição “cidadã”, é legítimo que todos questionem o tipo de serviço que as diversas instituições prestam: hospitais, órgãos do Estado, polícias, comércio e, também, as escolas. Em oposição à opinião de muitos outros comentaristas educacionais, creio que a idéia de resultado não está associada
a uma visão meramente instrumental da instituição escolar, que não pode ser reduzida a uma “empresa prestadora de serviços”.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Depois, a palavra avaliação.
A avaliação começa com a caracterização dos resultados escolares. O sistema brasileiro de educação básica
conta com milhões de alunos. Nesse caso, só se pode
caracterizar o resultado medindo-o. Entretanto, numa
sala de aula, onde o aluno pode ser tratado individualmente, há outras formas mais apropriadas de avaliação
do resultado escolar. Costumo dizer que todo estudante
tem o direito de ser avaliado, imitando Mário Quintana
que, na quadra “Da indulgência”, no livro Espelho Mágico, diz que tratar a todos igualmente bem é a melhor
maneira de desprezar alguém. Ou seja, negar a avaliação da aprendizagem a um aluno é uma forma sofisticada
de excluí-lo.
Isso nos leva, naturalmente, à terceira palavra do nosso tema: melhoria. Conhecido o resultado da avaliação
de um aluno, o que a escola pode fazer para melhorálo? Novamente, minha proposta é buscar a justiça. Todos e cada um dos alunos de uma escola têm o direito
de aprender e, constatado que isso não aconteceu, é preciso encontrar o motivo e implementar a intervenção necessária para que a aprendizagem ocorra.
Procurarei, nesta minha exposição, explicitar o sentido e a relevância educacional dessas palavras para a
análise da situação da educação no Brasil de hoje.
Educação escolar
Todas as sociedades oferecem oportunidades educacionais a suas crianças e jovens com o objetivo de lhes
possibilitar a aquisição de competências cognitivas ou
não, conhecimentos e atitudes, de forma que possam viver uma vida produtiva e feliz, além de ter uma inserção
crítica na sociedade.
Nesse sentido amplo, a educação ocorre dentro e
fora da escola. A escola não pode excluir qualquer um
dos objetivos da educação, mas deve enfatizar a aquisição de competências cognitivas, que não podem ser adquiridas em outros ambientes. Trata-se de um equilíbrio
necessário, porém difícil. Não é legitimo que um projeto
pedagógico, elaborado para um sistema de ensino público, não explicite que um de seus objetivos é a aquisição de competências, como a leitura e a matemática,
embora isso seja realidade no Brasil.
Pessoalmente, estou tranqüilo, em paz, quando defendo que a educação acontece também fora da escola
e, portanto, ela é ainda função de outras estruturas so-
21
ciais, contudo, o aprendizado é a ênfase natural da escola. Falo de ênfase, não de redução de propósitos a uma
única meta. Escolho a escola para meu filho e minha filha pensando nesse compromisso.
Entretanto, considerando a história recente das intervenções pedagógicas implementadas em nosso país, ser
progressista atualmente é dizer que todos os alunos devem aprender e que o ensino e a aprendizagem devem
ser os objetivos da escola. Entre tantas aprendizagens
necessárias, pessoalmente, gosto de priorizar a leitura, aceitando a provocativa frase de Ziraldo, em uma de
suas crônicas, que afirma: “ler é mais importante do que
estudar”, pois, só lendo e entendendo, é que podemos
aprender. Diante disso, considero um escândalo o fato
de um número enorme de crianças e jovens passar pela
escola e pouco aprender.
Resultados escolares
Quando falo de resultado escolar, refiro-me ao aprendizado dos alunos. Todavia, não temos acesso direto ao
aprendizado, apenas o conhecemos por meio do desempenho dos alunos em um teste. Portanto, temos apenas
uma forma indireta, e muitas vezes precária, de saber se
houve aprendizado. Há testes que permitem uma boa visão do aprendizado, como o PISA2 e o SAEB,3 embora suas
propostas sejam diferentes.
Estamos interessados em analisar o desempenho dos
estudantes como expressão do trabalho da escola. Aqui,
a situação é mais complexa. O desempenho do aluno é
fruto não só dos seus esforços individuais, como também das opções históricas de sua família e da pressão
dos grupos sociais de referência. Atribuir pesos a estas
diferentes origens não é tarefa fácil.
Diante da lista dos aprovados no vestibular das famosas universidades, as escolas vão dizer: “Fomos nós’’;
os cursinhos também dirão: “Fomos nós’’. Mas talvez os
pais devessem dizer: “Fomos nós’’, e, certamente, cada
aluno pode dizer: “Foi o meu esforço”.
Na realidade, sabemos hoje que o desempenho acadêmico é devido à ação concomitante de todas essas estruturas. É quase impossível separar a contribuição específica de cada uma. No entanto, quando isso é feito,
por meio do uso de modelos estatísticos, verifica-se que
a maior parte da variação nas notas dos alunos em um
teste está associada aos fatores extra-escolares. Isso é
equivocadamente resumido na frase: “a escola não faz
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
diferença”, como se fosse possível aprender sem freqüentar uma escola.
Idealmente, uma escola deveria ser avaliada pelo
que acrescentou a cada um de seus alunos, considerando-se seu conhecimento individual ao ser admitido.
Isso implica um acompanhamento dos alunos ao longo
do tempo. Ou seja, para se verificar, de fato, o efeito da
escola, é preciso olhar a trajetória de seus alunos para
valorizar a diferença entre o que sabiam antes e o que
sabem agora.
Há crianças com histórias de vida com tanta exclusão que, necessariamente, sua trajetória até o aprendizado será mais longa, muito mais difícil. Há muitos
exemplos de projetos pedagógicos bem-sucedidos, que
conseguiram levar os seus alunos mais longe. São as
boas escolas.
No entanto, se não posso deixar de considerar a trajetória, também não posso deixar de observar até onde
a criança chegou. Se não houve aprendizado, houve uma
falha da escola. Aprender é direito da criança.
Adiante, tratarei um pouco mais da questão do desempenho, sua medida e uso. Mas este é um tema mais amplo, impossível de se esgotar em uma conversa como
esta. Quero apenas assinalar: medir o desempenho por
meio de um teste — SAEB, ENEM, vestibular etc. — sem
se fazer a necessária contextualização pedagógica é má
prática acadêmica.
Avaliar ensino e aprendizagem
Como já disse, a primeira etapa da avaliação é a medida
dos resultados. Se vocês aceitaram a forma como eu analiso os resultados, o fato de eu defender a necessidade
de medir resultados escolares não deve criar tanta resistência, como é usual em uma platéia de educadores.
Mas medir não é avaliar, para isto, é necessário associar os resultados observados aos processos — e, na
escola, o processo central é o de ensino-aprendizagem.
São muitos os processos em uma escola e, por isso, diferentes devem ser os olhares sobre essa estrutura.
Alguns analistas, não educadores, com freqüência dizem que a escola é apenas mais um exemplo de uma “indústria de serviços”. Com isso, querem se apropriar dos
mesmos esquemas utilizados para bancos, restaurantes,
clubes esportivos para pensarem sobre a escola. Não gosto disso. Para mim, a escola é uma interação entre pessoas, cuja finalidade é o aprendizado — algo especial.
22
Por outro lado, a instituição escolar tem seus processos de limpeza, secretaria, manutenção, atendimento às
famílias; além de contabilidade e estrutura administrativa, como qualquer outra organização. Não há motivo algum para negligenciar esses processos, tanto dentro da
escola quanto fora dela. Mas, quando falamos de avaliação escolar, tenho que privilegiar o processo de ensino e aprendizagem e reconhecer que alguns deles registram ótimos resultados.
Essa forma de pensar precisa ser aceita com mais
tranqüilidade dentro da escola. Mesmo quem não defende o aprendizado como o resultado maior de uma escola ganharia se pensasse em como obter os outros resultados que privilegia.
Medir para monitorar e entender
Em ambiente de educadores, há usualmente rejeição
às medições. Por isso, sempre tenho de justificar sua necessidade e importância. Novamente, busco a justificativa na organização democrática de nossa sociedade. Todos os alunos devem ser considerados. Mas como fazer
isso se somos muitos, milhões mesmo? A única maneira
é medir, de forma padronizada, os resultados e comparálos com os pretendidos pelo sistema de ensino.
Interessante que outras áreas sociais, como a saúde,
já superaram a aversão ao indicador. Percebam que não
há crítica ao uso de medidas para avaliar a mortalidade
infantil e a esperança de vida na análise da situação de
saúde de um grupo populacional.
Como disse na introdução, se estou em uma sala de
aula, onde posso, por meio da observação, conhecer o
aprendizado de todos os alunos, não preciso e não devo
medi-lo; contudo, para determinar se um sistema educacional, que reúne milhares de alunos, está funcionando,
é preciso criar uma medida.
Há medidas de resultados para o monitoramento do
sistema e para o entendimento ou explicação desses resultados. O SAEB, por exemplo, é voltado para o monitoramento do sistema de educação básica brasileira. Historicamente, foi muito ruim a utilização da palavra “avaliação” no seu nome, sugerindo assim que pode fornecer
mais do que foi planejado. Com ele, situamo-nos em termos de aprendizado.
Mas também deveríamos saber quais objetivos deveríamos ter alcançado e por que estamos nessa situação.
Responder a essas perguntas exige outras medidas im-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
possíveis de serem obtidas em um levantamento baseado na idéia de que o monitoramento vai conseguir resolver o problema.
Para entender a situação, não podemos depender
apenas do dado coletado para outras finalidades — os
dados obtidos nos vestibulares, por exemplo, são pobres, pois sua única finalidade é a seleção. Precisamos
de pesquisa educacional empírica, que é longa, cooperativa e cara. Infelizmente, o Brasil tem pouca tradição
em pesquisas desse tipo.
Nosso grupo de pesquisa, que conta com colegas de
quatro outras universidades, participa do projeto Geres – Estudo Longitudinal da Geração Escolar 2005. Estamos acompanhando mais de 20 mil alunos das séries iniciais do ensino fundamental, para entender as atuais dificuldades da
alfabetização. Precisamos, na pesquisa educacional, perder
o medo da medida, colocando-a no seu devido lugar: quando o foco é o monitoramento, ela serve para conhecer os resultados; quando procuramos a explicação, auxilia para a
indicação não-viciada de boas práticas e políticas.
O bom uso das medidas
A comparação dos resultados entre escolas semelhantes é um exercício sempre útil. Comparações bem-feitas
são fonte de conhecimento. Por exemplo, ao analisar
os resultados das escolas de Belo Horizonte que atendem a alunos de mesmo nível socioeconômico, encontrei diferença equivalente a dois anos de escolarização.
Este é um dado que poderia ser usado para a melhoria de muitas escolas. Se algumas delas podem produzir um bom resultado, o que impede as outras de
também o fazerem?
Um importante exemplo internacional vem do Chile.
Lá, são três os tipos de escolas:
• as públicas, administradas por sistemas públicos,
como aqui;
• as escolas privadas, mantidas pelo Estado;
• as escolas privadas pagas pelos próprios alunos.
Mesmo com a possibilidade de seleção dessas escolas,
a comparação dos resultados não lhes foi favorável.
A importância da escola
Pode parecer estranho, mas é necessário enfatizar a
importância da instituição escolar. Muitos educadores
23
falam da escola como se ela fosse dispensável para os
objetivos maiores da educação. No entanto, em uma
sociedade desigual, como a brasileira, com milhões de
crianças e jovens que precisam que as suas necessidades cognitivas sejam atendidas, penso que é irresponsabilidade cívica sugerir que a escola não é necessária. Na
sua ausência, apenas alguns poucos, os filhos dos privilegiados, serão contemplados. Em contraposição, creio
que precisamos de uma escola aberta a todos e em que
todos aprendam. Sua construção é nosso desafio.
Para isso, vamos ter que jogar fora algumas concepções, começando com certos determinismos, de esquerda e de direita.
Bourdieu é um sociólogo francês que, embora com
uma produção acadêmica rica e complexa, é citado apenas quando se quer dizer que a escola é somente reprodutora das diferenças sociais. Levada ao pé da letra, esta
idéia é, desculpe-me a força da expressão, “castrante”.
De que maneira ter, como opção de vida, a participação
em um projeto escolar, se essa instituição reproduzirá
as diferenças sociais existentes?
No outro extremo político, há os resultados da pesquisa de base econométrica americana, afirmando que
a escola faz pouca diferença e que mais recursos nela
aplicados também não produzirão os resultados desejados. Esses estudos foram realizados em um país onde
as escolas têm todos os recursos pedagógicos necessários. Não se podem aplicar esses resultados cegamente ao Brasil, onde as carências escolares são tão grandes ainda.
Contrapondo-se a essas posições pessimistas e, no
fundo, simplistas, surgiu a pesquisa sobre o efeito da escola e da escola eficaz. É uma linha de pesquisa ainda
pouco difundida no Brasil e ampla demais para ser sintetizada em uma fala como esta. Minha inserção nesta
temática, entretanto, influencia minhas posições.
Há, no Brasil, uma forte corrente que advoga que a
mudança da escola será obtida pela ação sobre um único aspecto. O mais freqüentemente escolhido é o “treinamento” dos professores. Enormes recursos já foram gastos com essa opção, politicamente atraente. No entanto,
para o aluno aprender não basta que o professor saiba;
a escola precisa funcionar. Escolas diferentes funcionam
de forma diferente. Alguns exemplos mostram que elas
podem melhorar, como percebi na minha pesquisa sobre as escolas públicas de Belo Horizonte.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Matrizes para uma nova escola
Preliminarmente, é preciso enfatizar que não há um
único caminho. A padronização, idéia muito cara para
os consultores que trabalham com a melhoria da qualidade de produtos industriais, não se aplica bem às escolas. Entretanto, há pesquisas e sólidas evidências empíricas que devem ser consideradas para se buscar o caminho apropriado a cada escola.
Mas, antes de elaborar essa idéia, é preciso rebater
o conceito da especificidade radical da escola, tese tão
cara a muitos colegas. Ao se basear nessa visão, assumese que nada do que foi feito fora das fronteiras de minha
escola é relevante. Na realidade, a literatura mostra exatamente o contrário, e traz muitos exemplos de sucesso
a partir do uso da experiência alheia.
Identifico três matrizes de pesquisas que podem ser
utilizadas, com sucesso, para a escolha do nosso plano
de ação para a intervenção escolar. Novamente, descrever detalhadamente cada uma delas ultrapassa os limites
impostos a esta apresentação. Naturalmente, todas têm
suas potencialidades e limitações.
A primeira matriz está relacionada à influência gerencial, e a sua linha básica de ação é o empoderamento da
direção da escola. Ela teria o poder de contratar professores, escolher as formas de ensino, controlar o seu orçamento. Essa linha de pensamento também absorve muito
da teoria das organizações; seus diferentes modelos de
gestão são adequados para uma organização tão específica como a escolar.
Uma segunda linha são as escolas eficazes. Essa linha de pesquisa iniciou-se logo após a publicação do
Relatório Coleman,4 em um esforço de mostrar que as
suas conclusões eram equivocadas. Escolas consideradas capazes de obter bons resultados foram selecionadas e, por meio de estudo de caso, identificadas suas características. Há hoje muita literatura sobre o tema. Entretanto, ela tem sido difundida muito lentamente no Brasil. No entanto, durante a vigência do Fundescola – Fundo de Fortalecimento da Escola, uma atividade denominada PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola procurava disseminar, por meio de uma metodologia participativa, essas idéias nas escolas públicas, na área de atuação daquele programa.
Atualmente, no Brasil, há uma terceira matriz difusa que é chamada de construção do projeto político-pe-
24
dagógico da escola. A idéia básica é que a escola deve
construir seu plano de ação, ouvindo seus alunos, pais
e professores. Essas atividades são organizadas em
“constituintes” escolares. Com freqüência, essa abordagem fez com que a discussão pedagógica desaparecesse diante da dimensão política. Como quem lidera
o processo é a corporação dos professores, o resultado é uma enorme complacência com a ausência de resultados escolares.
Essas três matrizes de pensamento sobre como organizar uma transformação escolar ainda não receberam,
no Brasil, a atenção devida. Assim, não podem ser avaliadas pelos seus fracassos. Entendo que é preciso estar aberto a todo o conhecimento acumulado na área e
fazer as opções mais adequadas e viáveis para a escola real. Não se podem excluir idéias, mas as escolhas
para uma escola específica exigem coerência.
Tenho dúvidas, entretanto, se é viável que uma escola crie e implemente uma nova proposta de ação ao
mesmo tempo que executa o projeto atual. Entendo que
é função dos órgãos centrais dos sistemas e das ONGs
oferecerem opções, esqueletos de propostas que seriam
concretizadas pela comunidade escolar. As três matrizes de pensamento são muito adequadas para planejar
uma nova escola, mas não necessariamente para mudar uma já existente.
Construir uma comunidade educativa
Entretanto, alguma atitude concreta deve ser adotada
em relação às escolas. Prescrever a construção de um
projeto completamente novo, articulado, é fugir da realidade. Assim, listo algumas idéias que, entendo, devem circular mais e influenciar a quem está na organização dos sistemas e na direção das escolas.
Entre as idéias que fico “martelando”, a primeira
é a necessidade de aumentar a autonomia da escola.
Hoje, nos sistemas públicos, o usual é esperar que as
iniciativas venham das secretarias, para serem criticadas. Um amigo meu estava no governo e, orgulhosamente, mostrou-me um folheto que enviava para todas
as escolas, solicitando que elas limpassem as calhas
dos prédios escolares porque ia chover e, no ano anterior, tinha havido muita reclamação sobre as goteiras.
Se a escola não tem iniciativa ou recursos para cuidar
de algo tão previsível, como preparar o prédio para as
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
chuvas, é difícil imaginar que cuidará de obter melhores
resultados para seus alunos.
Meu segundo conceito é também muito simples:
rotina, infelizmente, uma palavra politicamente incorreta. Mas precisamos ter as escolas funcionando com
seus ritos e ritmos identificados. Nesse sentido, é importante tratar, de forma mais evidente, o enorme absenteísmo de alunos e professores. Uma aluna mencionou que, em um dia de dezembro de 2006, faltaram sete professores, dos 15 de sua escola. Como funcionar dessa forma? Além da rotina, é preciso preservar um grupo estável de trabalho em cada escola. Nas
grandes cidades, a mudança é de tal ordem que, a cada
ano, parece uma escola nova.
Há um outro conceito que tenho defendido: a escola tem de estar conectada com a comunidade à qual ela
serve e lhe dar as devidas explicações. A escola precisa dizer: “Eu faço isso, mas não dá pra fazer aquilo’’. Ela
deve estabelecer uma linha de comunicação direta e mais
tranqüila com a comunidade, e vice-versa. Sua atenção
deve estar voltada para o aluno real. É má idéia imaginar que, por exemplo, 180 escolas usarão a mesma pedagogia. Elas são diferentes.
Vejam esta questão com a qual nos deparamos em
Belo Horizonte: o aluno da grande periferia da cidade.
Esse tipo de aluno nunca esteve na escola. Não sabemos o que fazer exatamente com ele. A solução parece
caminhar na direção de juntar os conteúdos a atividades como o esporte, o que implica a ação conjunta da
educação e da assistência social. Para isso, precisamos
de uma pedagogia específica. Ela necessita existir, estar sacramentada e ser reconhecida. A escola particular está trabalhando nesse sentido.
Apoio: as secretarias de educação existem para ajudar as escolas e não para fazer exigências pouco razoáveis. Isto não ocorre, entretanto, na prática. As pessoas
que trabalham nas secretarias mantêm processos que beneficiam a elas mesmas. Estudos comparativos mostram
que isso não é privilégio da escola brasileira. O sistema
católico de Los Angeles, constatou-se, tinha um décimo
do número de pessoal alocado à supervisão do sistema
público. Provavelmente, isso está acontecendo no Brasil:
temos muito mais gente trabalhando na supervisão.
Para melhorar, a escola precisa se transformar numa
comunidade educativa. Não é simples, mas acredito
que é exatamente por aí que chegaremos aos melho-
25
res resultados. As formulações participativas instituídas, como os colegiados de pais, mostram que esta é
uma direção que deve ser seguida.
A comunidade não conhece a escola
Embora nossa escola pública possa ser melhor e o
conhecimento necessário para isso já esteja desenvolvido, há sérias dificuldades que impedem sua transformação. Talvez a maior seja a tradição de o professor, o
funcionário público e o gestor do sistema não perceberem que a escola existe em função do aluno. Aos poucos, foram sendo criadas vantagens, consagradas em
leis e rotinas, sem a consideração deste fato simples:
o aluno é a justificativa da existência da escola. Mudar
isso é muito difícil — por exemplo, deixar de considerar normal que um professor possa faltar sem qualquer
explicação.
A escola tem muitos problemas que não são dela. Desenvolvemos cidades que são muito pouco razoáveis.
Como é que você vai fazer uma escola funcionar num lugar que, no fundo, no fundo, é inabitável? Perdemos a
noção de como poderia ser uma cidade plausível. Nós
nos lembramos disso quando vemos, na televisão, a seleção brasileira naquela cidade da Alemanha, e pensamos: “Gozado, as pessoas andam na rua... naquela área,
o carro não entra...”.
Eu não sei como enfrentar estas dificuldades, embora novamente insista que os dados apontam que é
possível melhorar os resultados da escola real. Mas, no
fundo, a população está satisfeita com a péssima escola que a atende. Desconsidera a urgência educacional que temos. Termino com os dados de desempenho
do SAEB, que falam por si. Nossos alunos vão à escola, mas não aprendem.
Urgência educacional
PORTUGUÊS – SAEB 2003
Série
Níveis de desempenho
Abaixo do Básico
Básico
Satisfatório
51,6
19,4
29,0
8ª E.F.
57,1
28,2
14,7
3ª E.M.
79,1
14,0
6,9
4ª E.F.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
MATEMÁTICA – SAEB 2003
Série
Níveis de desempenho
Abaixo do Básico
Básico
Satisfatório
4ª E.F.
55,4
19,0
25,6
8ª E.F.
45,6
34,3
20,1
3ª E.M.
38,6
34,5
26,9
Há uma urgência educacional. Precisamos atingir
um nível básico satisfatório na educação. Vamos considerar o caso da leitura.
Uma prova, qualquer que seja ela, parte de um texto, começa com uma leitura.
O SAEB não é uma prova de Língua Portuguesa, é uma
prova de leitura. Dá-se um texto e a criança lê. Um texto básico, extremamente simples. E qual é o resultado?
Em Língua Portuguesa, a maioria dos alunos — 55,4% —
está abaixo do básico.
Eu não consideraria essas pessoas analfabetas... Entretanto, utilizando uma metáfora da área de saúde, eu
diria que esse problema com a leitura é uma epidemia
que precisa ser erradicada. Uma das razões para isso
é que não é possível se pensar em cidadania se esses
alunos não entendem o que lêem.
Precisamos avaliar para mudar esse quadro. Preocupamo-nos com o resultado, porque, se não corrigirmos
essa deficiência, não vamos conseguir ensinar direito.
A atual situação faz com que tenhamos que caminhar. Não podemos ficar parados, achando que tudo vai
se resolver por si.
3
4
dessas áreas. Em 2000, o foco estava na Leitura; em 2003, a área principal
foi a Matemática; em 2006,a ênfase da avaliação foi em Ciências.
Alguns elementos avaliados pelo PISA, como o domínio de conhecimentos
científicos básicos, fazem parte do currículo das escolas, porém, o PISA
pretende ir além desse conhecimento escolar, examinando a capacidade
dos alunos de analisar, raciocinar e refletir ativamente sobre seus conhecimentos e experiências, enfocando competências que serão relevantes para
suas vidas futuras.
Em 2003, participaram do PISA 250 mil adolescentes, com 15 anos de idade,
em 41 países, 30 deles são membros da OCDE e os demais, convidados. Da
América Latina, participaram Brasil, Uruguai e México.
Em 2006, o Brasil participou pela terceira vez do programa, com mais cinco
países latino-americanos: Argentina, Chile e Colômbia, além de Uruguai e
México. Ver em: <http://www.inep.gov.br/internacional/PISA/>.
A partir de 2005, o SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica passou a ser composto por duas avaliações: a Avaliação Nacional
da Educação Básica – ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
– Anresc.
A ANEB é realizada por amostragem das Redes de Ensino, em cada unidade
da Federação, e tem foco nas gestões dos sistemas educacionais. Por
manter as mesmas características, a ANEB recebe o nome do SAEB em suas
divulgações;
A Anresc é mais extensa e detalhada que a ANEB e focaliza cada unidade
escolar. Por seu caráter universal, recebe o nome de Prova Brasil em suas
divulgações. Ver em: <http://www.inep.gov.br/basica/SAEB/default.asp>.
O Relatório Coleman apresenta os resultados de uma pesquisa, realizada nos
anos 1960 com alunos norte-americanos, que gerou reações de desânimo
entre os educadores, pois parecia concluir que a escola teria pouco impacto
no desempenho dos alunos ou que “as escolas não fazem diferença”, como
se costumava comentar na época.
.AÁRCIO-ENEZES
0ARAALÁMDASSALASDEAULA
Notas
1
2
LESSARD, Claude; MEIRIEU, Philippe. L’obligation de résultats en éducation – Évolutions, perspectives et enjeux internationaux. Première edition.
Editions de Boeck, 2005. p. 342 (Collection Perspectives en éducation et
formation).
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos.
O PISA é um programa internacional de avaliação comparada, cuja principal
finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em
que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria
dos países.
Esse programa é desenvolvido e coordenado internacionalmente pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,
havendo em cada país participante uma coordenação nacional. No Brasil,
o PISA é coordenado pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais “Anísio Teixeira”.
As avaliações do PISA incluem cadernos de prova e questionários e acontecem a cada três anos, com ênfases distintas em três áreas: Leitura, Matemática e Ciências. Em cada edição, o foco recai principalmente sobre uma
26
Círculo Virtuoso
A educação passará a ser mais valorizada pelos pais, que
passarão a demandar educação de mais qualidade e controlar a presença do professor, que passará a ensinar melhor
e ganhar melhores salários, o que vai melhorar ainda mais
a qualidade da escola.
Ester Duflo, 2006.
Na raiz da desigualdade social
Sempre me incomodou o problema da desigualdade
social no Brasil. Desde minha graduação em economia,
eu tinha vontade de entender melhor porque o Brasil é
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
um dos países mais desiguais do mundo; porque tão
poucas pessoas se apropriam de uma parcela tão grande da renda, ao passo que a maioria vive numa situação de pobreza.
Para responder a estas perguntas, fui estudar. Fiz meu
doutorado no exterior, voltei, aprendi técnicas estatísticas, de econometria. E pensei: “Agora que tenho um instrumental, vou tentar entender o problema’’.
Comecei analisando a distribuição de renda no Brasil.
Em todos os lugares em que eu pesquisava, a educação
aparecia como principal fator para explicar a desigualdade. As diferenças educacionais entre as pessoas justificam cerca de 50% da distribuição de renda do Brasil.
Então, em tese, se dermos a mesma educação para
todo mundo, uma coisa impossível, a desigualdade de
renda se reduziria em 50%. Esta é a primeira conclusão
a que cheguei. Por quê? Porque aqueles que se educam
mais têm um salário muito maior, e porque pouca gente
atingiu, por exemplo, o ensino superior no Brasil.
Historicamente, o país avançou muito pouco em termos educacionais. Países como a Coréia, Chile e Argentina colocavam as crianças na escola muito mais cedo,
e elas permaneciam lá por muito mais tempo. O Brasil,
apesar de ter uma população bem maior, nunca se preocupou em criar um sistema adequado ao desenvolvimento educacional. Por isso, pouca gente se educou formalmente. Um dos resultados é esta grande desigualdade de renda.
É fascinante tentar entender a qualidade da educação. Nós temos indicadores que permitem uma
boa análise da situação. Então, fiz a pergunta crucial:
“Como podemos melhorar este quadro?’’.
Quantidade e qualidade
Nos anos 1990, tivemos uma melhora educacional
muito rápida no Brasil, em termos quantitativos, no que
diz respeito à matrícula e à freqüência.
O porcentual das pessoas que atingiram o ensino médio era cerca de 20% na geração nascida em 1970. Entre
os nascidos em 1972, que têm 34 anos agora, 55% passaram pelo ensino médio. Quer dizer, houve um aumento extraordinário na matrícula no ensino médio.
Refleti: “Estamos avançando bem”. Mas notei um problema grave: a transição do ensino médio para o ensino superior continua estagnada, porque há muita gente
chegando ao ensino médio e pouca entrando no ensino
27
superior. Algumas pessoas até ingressam no ensino superior, uma pequena porcentagem. Porém, elas desistem
rapidamente, muitas vezes porque não têm os recursos
necessários para pagar a faculdade. A renda média no
Brasil é de R$ 500,00 por mês.
E então, pensei: “Em grande parte, o problema de
freqüência, matrícula e permanência, até o ensino médio, já está sendo resolvido’’. Agora, falta resolver o
problema básico: a qualidade da educação. Surgiram
estudos, nos Estados Unidos, mostrando que, para estimular o crescimento econômico dos países, mais importante do que a média dos anos de escolaridade da
população é a qualidade da educação. E qualidade é o
que se avalia nos exames de proficiência.
Perguntei-me: “Como é a qualidade do ensino no Brasil? Há algum indicador?”, porque os economistas precisam de números, de indicadores, senão eles não conseguem trabalhar. É uma limitação da área.
Descobri os dados do SAEB, do ENEM... Ao mesmo
tempo, começaram a ser divulgados, cada vez mais, os
índices de exames de proficiência. “Pronto, agora tenho
meus indicadores”. “Eles ainda são limitados, mas, ao
menos, podemos fazer alguma coisa com eles”. Comecei a analisar os dados...
É assim: a gente começa com o problema da desigualdade social, vai caminhando, caminhando, e chega
à qualidade da educação...
Mau desempenho internacional
Vamos agora aos dados. A proficiência, de acordo com
o SAEB, vem caindo.
Conforme o SAEB de 2003, na 4ª série:
• 12% dos alunos têm desempenho muito crítico;
• 40%, crítico;
• outros 40%, intermediário;
• apenas 8%, adequado.
Ou seja, mais de 50% dos alunos da 4ª série tiveram
desempenho crítico ou muito crítico. Isso significa que,
basicamente, eles não sabem fazer contas de multiplicação, ver as horas no relógio, coisas desse tipo.
Aqueles com desempenho intermediário já avançam
um pouco mais, ainda assim não conseguem fazer multiplicação com três algarismos. Quer dizer, é menos do
que se espera no sistema.
Se você analisar também a 8ª série, há cerca de 60%
dos alunos situados no nível muito crítico e crítico. E, no
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
3º ano do ensino médio, ainda mais: cerca de 70%. Quer
dizer, os alunos estão indo muito mal nesses exames.
O PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos é um caso preocupante. Neste teste internacional, realizado em vários países em 2003, os alunos brasileiros tiveram o pior desempenho. O Brasil foi o último colocado.
A maioria desses países é da OCDR – Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. São
países mais desenvolvidos. Talvez não esperássemos
que o Brasil tivesse um nível como o deles, mas lá estão
também o México, o Uruguai, alguns países menos desenvolvidos que, ainda assim, obtiveram melhor resultado do que o Brasil nos testes de matemática. Se considerarmos só os alunos de elite, os 5% de melhor desempenho em cada país, o Brasil também está entre os
últimos nesse teste internacional. Quer dizer, nem mesmo
os melhores alunos brasileiros estão indo bem. Há alguma
coisa muito errada com o ensino do Brasil. Por que os
alunos brasileiros são os piores?...
maria do carmo brant de carvalho — Achei interessante a análise que o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira fez sobre
o PISA: como os exames são todos para adolescentes de
15 anos, há uma séria distorção na relação idade-série
escolar. Dependendo do país, os alunos de 15 anos podem estar na 6ª, 7ª ou 8ª série. Os alunos de 15 anos,
nos Estados Unidos, estão no ensino médio...
naércio menezes — É verdade. Vou até mostrar
um dado que corrigi exatamente por causa disso. Esta
é uma distorção do PISA. Eu ia justamente tocar nesse assunto. Em outros países, a criança chega aos 15
anos sabendo muito mais do que as nossas. As crianças brasileiras, muitas vezes, entram mais velhas nas
escolas ou repetem muito e não chegam à série com a
idade adequada. Isso é uma das explicações possíveis
para o mau resultado do Brasil. Mas há uma deficiência real: as nossas crianças alcançam os 15 anos sabendo muito menos do que as crianças com a mesma idade em outros países.
Mesmo comparando nossa elite econômica com a de
outros países, o Brasil fica em último lugar, próximo de
Tunísia, Indonésia e México. Isso é intrigante. Ao estudar
a nossa distribuição de renda, aprendi que a elite consegue preservar muito bem seus interesses: ela matricula
seus filhos nas melhores escolas e consegue os melhores empregos. E isso também é reflexo da nossa péssima distribuição de renda.
28
Contudo, no geral, o desempenho dos alunos da elite
também é muito ruim. Precisamos analisar com cuidado
essas informações. Se isso for verdade, então temos um
problema geral com o método de ensino brasileiro que
se reflete na baixa qualidade, na medida em que até os
filhos da elite vão mal.
O efeito-escola
Vamos então ao efeito-escola, o centro da minha apresentação.
Temos um banco de dados com as notas de todos os
alunos, uma amostra de escola por estado. Portanto, podemos verificar de quanto é essa variação de notas
dentro de escolas e de quanto ela é se for feita uma
comparação entre as escolas. Não precisamos de qualquer teoria, de qualquer modelo econômico. Basta
olhar os números e fazer um exercício simples de matemática, estatística.
Cerca de 20% a 30% da diferença entre as notas dos
alunos ocorre entre as escolas, o restante, 70% a 80%,
dentro delas. Há todos os outros fatores sociais envolvidos nessa equação, a escola não é a única responsável pelo desempenho do aluno. Você pode ter uma visão otimista e pessimista sobre isso. Pessimista: isso
é pouco, se você aprimorar muito a escola, só vai melhorar o desempenho dos alunos em 20% ou 30%. Na
visão otimista, podemos pensar que esse efeito é grande. Além disso, os alunos de hoje serão os pais de amanhã. Então, o efeito na escola atual vai operar na família de amanhã. Em longo prazo, esse efeito é bem maior
do que 20%.
Por isso, é óbvio que vale a pena investir na escola.
Essa análise é só para a gente ter noção de que, mesmo
melhorando bastante a escola, o alcance dessa ação, em
curto prazo, no desempenho dos alunos, é limitado.
Além disso, é importante comparar escolas públicas
e privadas. A gente sabe que as escolas privadas no Brasil são melhores do que as públicas. Em média, os alunos da escola privada no Brasil têm um desempenho
20% superior aos alunos da escola pública. Mesmo descontando todos os efeitos familiares, de livros em casa,
computador, automóveis, educação dos pais, tudo. E
isso eu atribuo à gestão mais eficiente na escola privada
do que na pública.
Esse aspecto varia muito de estado para estado. Em
alguns estados, como Pará e Tocantins, a melhor escola
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
/SALUNOSCUJAM»E
TEMESCOLARIDADE
ELEVADAAPRESENTAMUM
DESEMPENHOMUITOSUPERIOR
OQUEÁESPERADO
pública — quando você elimina os fatores familiares —
é melhor do que a melhor escola privada. Mas a pior escola pública é muito pior do que a pior escola privada. É
interessante perceber que, na mesma rede, no mesmo
estado, você tem escolas públicas muito boas, melhores do que as privadas, e escolas muito ruins. Seria interessante saber o que determina que algumas escolas
da mesma rede tenham um desempenho tão bom e outras, um desempenho tão ruim.
Há uma diferença muito grande entre as escolas, e
isso significa pontos no SAEB. Vamos ver São Paulo: a
pior escola pública tem desempenho de 40 pontos abaixo
da média e a melhor, 40 pontos acima da média. São 80
pontos e isso representa uma enormidade na 4ª quarta série, corresponde a mais do que quatro anos de escolaridade.
Por que a desigualdade é muito grande? Se se conseguisse tirar o aluno da pior escola e colocá-lo na melhor,
ele daria um enorme salto na proficiência.
Então, o fato de a escola ter peso de só 30% não significa que ela não faz diferença. Significa que a heterogeneidade, antes da escola, é enorme no Brasil, e é aí que
esses 30% causam um impacto muito grande.
Assim, se melhorarmos a escola hoje, teremos um impacto muito forte no futuro. Quanto antes interviermos,
principalmente na pré-escola, melhor. Isso é o que eu
estou mostrando. Quanto mais tarde, mais difícil será
consertar uma escolaridade que já começou atrasada.
Há vários estudos mostrando que, quanto mais a criança é exposta a problemas que ela não consegue resolver, mais difícil sua aprendizagem, e ela tende a desistir do estudo.
Um outro aspecto: é importante ressaltar que não
há correlação entre gastos e proficiência. Os estados
que gastam mais em educação têm os alunos com proficiência maior. Entretanto, para se atingir uma proficiência de 240, pode-se gastar R$ 400,00 por aluno/ano
29
ou R$ 1.000,00 por aluno/ano. O que significa também
que é muito importante a maneira como se usam os recursos, assim como a maneira como se motivam os professores, os diretores. Tudo isso é fundamental para explicar o desempenho escolar.
Vamos pensar em uma possível avaliação da proposta
de educação integral. Os dados do SAEB não informam
se o aluno freqüenta outras atividades em ONGs, mas
mostram quantas horas os alunos permanecem na escola. E podemos usar esta informação para tentar imaginar como seria a avaliação quantitativa de um projeto
de educação integral.
Segundo o SAEB, nas escolas municipais:
• 48% delas, no Brasil, têm quatro horas ou menos
de aula;
• 47% têm entre quatro e cinco horas;
• 5% têm mais do que cinco horas.
Essa informação foi dada pelo diretor da escola, portanto, deve corresponder à realidade. Nas escolas estaduais, é muito parecido: nas particulares, a maioria tem
até quatro horas de aula; e, nas federais, que têm um
desempenho muito bom, a maioria recebe entre quatro
e cinco horas de aula. Então, será que aqueles alunos
que têm mais horas/aula apresentam um desempenho
melhor nos exames de proficiência?
Analisando o SAEB, percebemos que aquelas escolas
que oferecem entre quatro e cinco horas — ou até mais
do que cinco horas — têm um desempenho positivo e
significativo. Mesmo controlando todos os outros fatores, pode-se afirmar que o aluno que passa mais horas
na sala de aula aprende mais.
A participação da família
Outra variável de grande impacto é a família. Os alunos cuja mãe tem escolaridade elevada apresentam um
desempenho muito superior, o que é esperado.
José Francisco Soares disse que essas crianças já chegam com background familiar: algumas freqüentaram a
creche e outras não; algumas, a pré-escola; outras tinham pais que incentivavam os estudos, a leitura, e outras, não. Tudo isso vai se acumulando. Então, chega-se
à 4ª série. Os dados estão mostrando que há uma diferença muito grande dentro de uma mesma escola, proveniente da criação, da formação familiar, das diferenças de aptidão. Essas diferenças podem estar influindo
nas desigualdades.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Uma variável importante é a quantidade de livros que o
aluno tem em casa. Se há mais de 20 livros em casa, seu desempenho é superior. Se ele trabalha, o desempenho cai.
Outro fator relevante são as suas expectativas com
relação à vida. Se o aluno quer continuar estudando no
futuro, terá um desempenho muito melhor.
O que concluímos? Como disse, há escolas boas e
ruins dentro da mesma rede. Então, só pode ser um problema de gestão. Por isso, é preciso aumentar a participação dos pais, a divulgação dos resultados do tipo Prova Brasil. Hoje, todo pai que tem um filho na escola pública pode acessar a Internet, ver a nota média da escola
do seu filho e comparar com a nota dos alunos das escolas próximas da mesma região. Para os pais pobres,
sem acesso à Internet, acho que eles deveriam receber
uma carta do INEP, informando o desempenho da escola
de seu filho e o das escolas da mesma cidade, para eles
poderem comparar.
Permanência na escola
Como é que podemos melhorar?
Quando selecionamos algumas notas dos alunos e
tentamos explicá-las a partir de uma série de características: dos alunos, das escolas, dos professores, dos
pais, dos diretores, o que vemos não é uma casualidade.
Onde estão os melhores alunos? Em que escolas? Quais
as características dessas escolas? Esta é a melhor maneira de interpretar esses dados.
Concluímos, por exemplo, que o principal impacto no
desempenho escolar é o número de horas que o aluno
permanece na escola. O tempo faz a diferença.
Outra variável que eu investiguei foi “o tamanho da
classe”. Ele não parece muito importante quando você
controla uma série de outras características, como a do
background familiar.
Então, o que temos de fazer? Se acreditarmos nesse resultado, precisaremos aumentar o número de horas que os alunos passam nas escolas, mesmo que tenhamos que aumentar o número de alunos por classe.
Em vez de três turnos, com classes pequenas, deveríamos ter dois turnos, com classes maiores. Porque mais
horas na escola proporcionam melhor proficiência e
o número de alunos por turma parece não causar um
impacto tão forte.
Outras constatações: a existência de computadores na escola parece não influenciar os resultados, e
30
sim o fato de o diretor ser indicado; se o projeto pedagógico é desenvolvido pelo diretor, ele tem peso relativo e a seleção de turmas parece ser importante, isto
é, se você forma uma turma heterogênea — por exemplo, melhores alunos numa turma e piores na outra —
ou se mistura os melhores com os piores. Parece que
isso faz alguma diferença.
Contudo, as variáveis que mais importam são as características familiares. Por exemplo, a escolaridade da
mãe é muito importante. Outra coisa: o aluno que está
com defasagem de três anos ou mais em relação à série tem um desempenho muito pior do que o aluno que
está na idade certa.
Uma variável interessante é a média de escolaridade das mães, que também tem um impacto muito grande, principalmente, no 3° ano do ensino médio. Sobre
esse fator, precisamos investigar mais. Suponhamos
que seja verdade que a escolaridade das mães afeta
o desempenho escolar. Talvez se conclua que é importante estar numa escola em que a educação da mãe dos
amigos seja melhor. Será que é porque elas pressionam
mais, cobram mais do professor, se um professor falta,
elas reclamam?
Ou será que, quando todos os alunos apresentam
bom rendimento, o professor tem mais facilidade para
transmitir o conhecimento, mesmo com interrupções
na aula?
Mas também acredito na pressão dos pais por melhor qualidade de ensino. Porque, nesse caso, contamos com a sua capacidade política. Se conseguirmos
fazer com que as pessoas acompanhem mais o desenvolvimento de seus filhos na escola, briguem por melhor qualidade, isso poderá ter um efeito muito grande
na proficiência dos alunos.
Entretanto, seria temeroso decidir com base apenas
nessas suposições. Precisamos entender melhor o que
está por trás dos resultados.
Gosto de citar Esther Duflo, uma economista brilhante,
que estuda muito a educação no Quênia, África. Ela fala
que algum dia — esse dia vai chegar — a educação será
mais valorizada pelos pais, que passarão a demandar educação de mais qualidade e controlar a presença do professor, que ensinará melhor e ganhará melhores salários, o
que vai aumentar ainda mais a qualidade da escola.
Contudo, é preciso dar este pontapé inicial para gerar
um processo desse tipo, para melhorar a qualidade da
escola pública, que é o que todos nós queremos.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
"ERNARDETE'ATTI
0RECISAMOSDEPOLÅTICAEDUCACIONAL
EFETIVAANTESDEAVALIAR
A quem servem as avaliações gerais com as quais nos
deparamos? Parece-me que servem muito mais a um controle, por meio de comparações indevidas, de rankings,
para dar assunto “escandaloso” ao gosto dos jornais, do
que para se estimular soluções educacionais que atinjam
as populações necessitadas. Investe-se muito dinheiro
nessas avaliações. Dado seu não-emprego na melhoria da
educação escolar — o tempo vem mostrando isso— pergunta-se se não seria melhor que se investisse esse dinheiro em outros aspectos do dia-a-dia das escolas. Quem
acompanha os estudos de avaliação de desempenho escolar aqui no Brasil, percebe que estamos patinando. Os
resultados não nos levaram, até agora, a lugar algum.
Alavanca social
O que vem sendo apresentado por Naércio Menezes
é pertinente e importante, mas a literatura sobre a avaliação educacional já vem mostrando essas relações e
questões há muito tempo: no exterior, em análises desde o princípio do século passado; entre nós, em análises do final da década de 1970 até a de 1990. Seria interessante estabelecer relações com a literatura nos variados tempos. Aspectos fundamentais da estrutura social — trabalho, renda, condição socioeconômica e educacional da família — são apontados há tempos como
determinantes do desempenho escolar.
A questão principal da educação brasileira continua
sendo a desigualdade socioeconômica que gera certas
condições de vida e determina a qual escola as crianças
poderão ter acesso. E onde entra a avaliação?
Avaliação educacional só tem sentido se for conseqüente e tiver origem em uma visão pedagógica. Para
que serve essa visão pedagógica?
Ela é feita para desenvolver as pessoas, não para es-
31
tigmatizar, não para provocar mais seleção ou debates
jornalísticos inconseqüentes. A avaliação educacional,
se feita realmente como política educacional, com seriedade, deve ter a função de alavanca social.
Mas não sou ingênua de acreditar que apenas mudando a escola, transforma-se a sociedade. Mudanças
efetivas na escola só podem ocorrer também com certas condições de contexto. Professores e alunos pertencem a uma comunidade histórica, com suas crenças e ritos. A sociedade tem o ritmo do possível em sua história. Temos que ter paciência histórica. Isso não quer dizer “nada fazer”, e sim que é preciso saber como fazer
para provocar mudanças.
Não vou fazer uma análise técnica das avaliações existentes, porque elas são complexas. Vou só abordar um
ponto que acho interessante para nós, da educação, pensarmos: as avaliações não influenciaram políticas locais,
nem regionais e, muito menos, federais. Causam certa
comoção no dia em que são divulgadas; no dia seguinte, são esquecidas.
As propostas educacionais esparsas que temos passam ao largo das informações avaliativas. A apresentação dos resultados não realiza o que poderia ajudar os
professores nas escolas: as análises de cunho pedagógico. Acho até que, na maioria dos casos, os dados não
são visitados, nem estudados, nem refletidos: o que eles
nos revelam sobre as necessidades pedagógicas, o currículo escolar, a formação dos professores e diretores e
como ajudam os gestores a pensar seus planejamentos
educacionais?
A pergunta: “A quem servem essas avaliações?”, para
mim, fica absolutamente sem resposta porque, até agora, parece que elas para nada serviram.
Não há políticas consistentes para a educação básica,
quer em nível federal, quer estadual. Sabemos que somos
uma federação e que os estados e os municípios têm seu
grau de autonomia e devem responder pela educação
básica, mas é prevista uma articulação efetiva entre os
três poderes, que pouco tem ocorrido. Então, cabe a pergunta: sem políticas claras e efetivas, implementadas, o
que estamos avaliando, mesmo quando avaliamos desempenho escolar? Uma avaliação consistente de políticas seria bem-vinda: como foram implementadas? Antes, foram mesmo implementadas? Foi executado o orçamento previsto? Como?
Não tenho visto muito futuro naquilo que estamos
chamando de avaliação...
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
É preciso ser conseqüente. Não temos percebido resultados, e sim muito palavrório: “Precisamos melhorar a qualidade do ensino, porque o rendimento está baixo”; “Para
resolver, vamos dar educação continuada para os professores etc.” Qual a dimensão demográfica disso, qual a dimensão qualitativa? Com exceção de alguns poucos programas,
acho que esse tipo de proposta é muito questionável. Então,
que resultado tem todo o dinheiro investido nessa área? Por
que não se investe devidamente na formação pré-serviço
dos professores? Por que não se melhoram as condições
da carreira docente? A média de salário inicial dos professores, no Brasil, está em torno de R$ 300,00 e o valor médio final — após 25 anos de trabalho — em torno
de R$ 1.000,00. Isso não é importante considerar-se nas
avaliações e na análise de seus conseqüentes?
Faltam bons cursos de licenciatura
A escola tem um impacto na vida do aluno e em seu
desenvolvimento, que não pode ser desprezado, e isso é
visível nos estudos apresentados. Responder por mais ou
menos 30% da variabilidade do desempenho é bastante.
É muito mesmo, quando consideramos que a criança nasce numa família, aí tem sua socialização iniciada em tempo integral, convive em uma comunidade; ali ela aprende a
falar, a se comportar, adquire seus hábitos... Se essa família e esse meio social não tivessem importância, seria um
absurdo. Ainda assim, a escola tem um efeito forte, que é
considerável, e lembramos que ela passa aí umas poucas
horas de seu dia. Este efeito é que chama muito a atenção
para a qualidade necessária ao sistema escolar.
Outra coisa: temos mais de um milhão de professores
atuando na pré-escola e no ensino fundamental, dois milhões e 500 em todos os níveis. Se observarmos o número
de professores atingidos por projetos de educação continuada, veremos que ele é pequeno. E, dentre esses professores, há uma grande porcentagem que leciona no ensino
médio, tendo, como formação, apenas o ensino médio ou
somente o ensino fundamental; e outros que lecionam de
1ª a 4ª série tendo cursado apenas o ensino fundamental,
até a 5ª série, alguns até a 8ª série.
De qualquer modo, as avaliações, bem ou mal, nos levam a pensar sobre a questão da qualidade. Mas percebo que há pouca discussão sobre os cursos de licenciatura e os cursos de formação de professores de 1ª a 4ª série e educação infantil: como instrumentam os professores
para seu trabalho?
32
Currículo nacional básico
Há uma outra questão que causa impacto na avaliação
de desempenho: não temos um currículo nacional básico
claramente definido, norteando não só as questões filosófico-éticas, como também os conteúdos. O que temos
é vago. Os parâmetros foram a política de um período. Os
livros didáticos são a referência concreta. Bons ou maus,
são a referência. Mas não há, dentro das escolas, uma referência clara, orientadora, dos professores, diretores, coordenadores, um consenso nacional norteador, ao menos,
por um período maior.
Os países desenvolvidos têm um currículo estipulando o que as crianças devem aprender em cada fase do seu
desenvolvimento. Nós tivemos currículos de 1930 a 1980.
E tínhamos aqui, no estado de São Paulo, o livro “Verdão”,
apelido de um guia curricular pelo qual os professores podiam se orientar, dentro da sala de aula, para saber o que
ensinar em determinada etapa do desenvolvimento do aluno, fazendo, inclusive, a sua escolha didática.
Não temos mais isso... E as pesquisas de que dispomos mostram que a sala de aula é um problema, e
esse problema aparece bem claro quando os alunos
se transferem de escola, o que é bastante comum nas
periferias urbanas.
Não sabemos o que é, de fato, ensinado para essas
crianças, especialmente nas escolas públicas, porque
muitas escolas particulares têm seu sistema, materiais
e tudo mais. A escola pública não tem uma orientação
mais precisa.
Então, a matriz que fundamenta um SAEB ou um ENEM
contempla quais conteúdos curriculares? O que nós estamos avaliando? Talvez uma coisa idealizada, um padrão um
tanto abstrato que pouco tem a ver com o trabalho escolar
desenvolvido. Essas matrizes poderiam orientar as escolas.
Talvez. Mas quem as conhece, quem as entende?
O que está sendo ensinado?
Estou trazendo essas reflexões para que pensemos
com mais objetividade. Precisamos olhar esta questão
cuidadosamente. Qual é a aderência da matriz que subsidia estas avaliações? Não foi feito qualquer estudo de validade para amparar certas discussões que teriam uma função pedagógica. Como realizar uma avaliação consistente
se não existe um consenso nacional mínimo sobre o que
deve ser ensinado?
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Temos os livros didáticos como referência, mas, se
os examinarmos, conforme a área, cada texto toma uma
direção e contempla ou não certos conteúdos. De acordo com o livro didático adotado, a criança aprenderá
determinadas coisas ou não aprenderá... Há também
o fator tempo e oportunidade de desenvolvimento, ou
não, de certos aspectos curriculares pelo professor em
seu trabalho em sala de aula. Como não temos pontos
de referência mais concretos...
Esta situação do currículo no Brasil é diferente em
relação a outros países que definem um pouco melhor
suas propostas curriculares, aonde querem que as escolas e os alunos cheguem. Vários países da América
Latina têm esses referenciais; na Europa, eles são comuns, assim como na China, no Japão, na Rússia.
Nós não sabemos o que está sendo ensinado nas
nossas escolas. Há um vazio de informações. E, nas condições atuais, é difícil saber. Isso nos deixa muitas lacunas que dificultam a compreensão dos desempenhos
escolares. Lida-se, em geral, nos trabalhos existentes,
com algumas suposições, na maioria das vezes, advindas da experiência limitada e localizada dos autores.
Está na hora de começarmos a pensar conseqüentemente nessas questões. O primeiro passo seria sugerir
uma discussão consensual sobre o currículo para ser
proposto, ao menos, um currículo orientador, que cada
estado aprimoraria. Isso sim seria norteador. Proponho,
primeiro, orientar o ensino, depois, avaliar o aluno.
As discussões sobre educação em geral acabaram
deixando de lado a questão do ensino em particular, nas
suas especificidades. Vale discutir com os gestores e os
professores: “Para que serve o ensino fundamental no
Brasil? E o médio?”; “Que papel se espera que cada um
assuma na sociedade brasileira?”; “Os alunos precisam
sair da escola com quais conhecimentos?”.
São temas insuficientemente discutidos.
O mal das mudanças políticas
Defrontamo-nos com outro problema nos sistemas escolares: não há continuidade nas administrações públicas. A educação não é tratada como algo suprapartidário. Temos partidos adversários governando. Um
não quer seguir os caminhos abertos pelo outro, mesmo que ele esteja se revelando um bom caminho. Então, não existe continuidade nas propostas educativas
33
escolares. Cada um que chega quer inventar a roda de
novo e desfaz o já feito. Nós não temos, também, o desenvolvimento dos processos de avaliação que começaram a ser implementados, porque cada um que chega quer introduzir uma novidade, e aí invalida uma base
que permitiria fazer estudos talvez mais amplos, comparativos, longitudinais.
Poder-se-ia lembrar que as escolas têm seus projetos pedagógicos. Eles são absolutamente necessários, sem dúvida, porém, nas condições concretas de
funcionamento, do horário escolar e do contrato dos
professores, da disponibilidade de tempo (que praticamente não há...) etc., é idealismo pensar que eles
realmente sejam elaborados coletivamente e coletivamente levados às práticas de sala de aula. O que existe, e os estudos mostram isso, são cópias de ano para
ano. Durante o ano, durante os trabalhos escolares,
e para cada professor, esse projeto, na verdade, não
existe. A idéia do projeto pedagógico virou um slogan,
mais um instrumento burocrático.
Inversão de valores
E fica aí a grande pergunta: com tudo o que já foi feito
em termos de sistemas de avaliação, de propostas de
educação continuada, de subsidiar alunos com bolsa
e tudo o mais, por que não acontece a melhoria do
desempenho escolar no país?
Não acredito que essas avaliações possam contribuir para qualquer melhora se elas não trouxerem conseqüências diretas na esfera da gestão federal, estadual
e municipal, com impactos nas escolas.
Vou terminar com uma observação de Luís Carlos Freitas: o Brasil inverteu a posição da avaliação educacional;
colocou-se, em primeiro lugar, a avaliação, como se ela,
por si, determinasse políticas educacionais consistentes.
A avaliação acompanha as políticas. Aqui se pôs a avaliação como “a’’ política e se esqueceu de se fazer a política educacional propriamente dita, o que é um absurdo
do ponto de vista de qualquer avaliador mais sério.
A partir do momento em que existam políticas e planejamentos educacionais e escolares claros e disseminados, conhecidos, apropriados, então poderemos ter
avaliações mais adequadas e conseqüentes, que acompanhem os processos e desempenhos escolares em um
certo período.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
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Qual a influência da quantidade de alunos em sala de aula
na aprendizagem?
Qual o verdadeiro peso da questão social, da origem socioeconômica e cultural dos alunos na aprendizagem?
Por que há uma diferença tão grande, em termos de avaliação, entre Tocantins e os outros estados?
Apesar de existirem muitos dados e informações sobre desempenho dos alunos em escolas públicas, eles não são
utilizados. As escolas nem os consultam. Como torná-los
mais úteis para o planejamento, ao menos, das escolas?
Para criarmos uma boa equipe escolar, precisaríamos oferecer algum tipo de incentivo ao professor? Seria financeiro? Ao dar esse incentivo para o professor ficar na escola,
não criaremos um outro problema: começaria a existir uma
diferenciação salarial e isso poderia ser problemático?
Como se analisa a questão da qualidade de ensino, se ele for
considerado apenas um produto da atividade de docentes e
alunos? Atualmente, a avaliação fica restrita aos alunos.
Tem tanto mérito esse sistema de avaliação? Até que ponto se comprova que ele mede aquilo que diz medir? Como é
elaborado? Ele parece utilizar concepções complicadas, um
pouco confusas. Como validar esses testes com relação a
competências e habilidades?
Uma outra questão é a qualidade do ensino privado. Muitos colégios de ótima qualidade fazem uma cuidadosa seleção: os alunos considerados ruins sequer vão para as séries piores, porque elas não existem. Essas crianças são excluídas. Quando um aluno é reprovado, ele é convidado a
sair da escola.
Discutimos qualidade na escola pública e esquecemos um
pouco da questão da finalidade da educação. O que se pode
melhorar em educação fundamental? Ela tem sido pobre e
fica por isso mesmo? Não se discute?
Constatamos que há muita avaliação e pouca política. Isso
não significa que essas discussões ficam centralizadas e
restritas quase sempre em um mesmo grupo que digere e
problematiza esses dados? Não seria interessante que essas informações entrassem mais na escola, para que ou-
34
0ERGUNTASE
RESPOSTASQUENOS
FAZEMPENSAR
pós o debate, algumas questões foram encaminhadas aos palestrantes. Nem todos os questionamentos foram contemplados. Contudo, reproduzimos aqui algumas perguntas e as considerações da platéia porque, mesmo não totalmente respondidas, elas instigam nossa reflexão e estimulam nossa busca
por soluções.
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tras pessoas pudessem compartilhar dessa discussão?
Será que a democratização dessa discussão avaliativa, já que
nós temos uma quantidade tão grande de dados e a medição é importante, não estaria ocupando o lugar de uma discussão sobre a falta de currículo, a falta de parâmetro de
avaliação dentro da escola, a ausência dos professores?
É comum haver pesquisa a respeito da participação da família e da comunidade na escola? Sabemos que ela é importante, mas quanto? Os pais e os alunos têm se apropriado
dos resultados das pesquisas para, quem sabe, fazer uma
pressão para que haja uma mudança no currículo, na política municipal? Quem sabe as ações de mudança não tenham
que vir “de baixo para cima”, já que “de cima para baixo”
está difícil de acontecer.
É importante se discutir assuntos como: a formação inicial do
professor e seu impacto, a formação continuada, o horário
de trabalho pedagógico, a questão da equipe permanente.
Preocupamo-nos em avaliar se o professor realmente é assíduo e há quanto tempo está na instituição. Percebemos
que esses fatores são muito importantes, fazem diferença.
Gostaríamos de ter exemplos mais concretos de pesquisa
nesse sentido... e também no que diz respeito à escolaridade de pais e mães, constituição da família etc.
Temos aqui vários dados importantes, mas eles são apenas descritivos. Precisamos ultrapassar essa discussão e
pensar mais em qual é a explicação para eles, estabelecer
relações, ir mais a fundo. Assim, talvez, possamos adquirir um conhecimento que nos ajude de maneira mais significativa. Por exemplo, a formação pré-serviço. Esta é uma
discussão que temos de ter a coragem de enfrentar. Qual
é a perspectiva de implementação desse tema?
Houve uma proposta de avaliação comparativa entre as
escolas. Mas, certamente, há diferença entre os sistemas
estaduais e municipais, tendo em vista a presente municipalização. O que temos e o que se poderia avançar nesse
sentido?
Em termos de avaliação, que lugar tem ocupado a nossa
universidade na formação inicial dos professores?
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
.AÁRCIO-ENEZES
Economia e Educação
Todo mundo quer melhorar a qualidade da educação para
que as crianças aprendam mais. Então, a união de diferentes áreas é muito importante. Se pudéssemos unir o conhecimento estatístico dos economistas ao conhecimento
dos educadores, com mais freqüência, certamente teríamos melhores interpretações dos números e poderíamos
indicar melhores políticas públicas para a educação. Esta
conversa aqui no Cenpec segue nessa direção.
O conhecimento estatístico, por exemplo, nos ajudaria a compreender melhor a variável “tamanho da classe”,
compará-la com o background familiar e até entender o
quanto ela influencia no aprendizado.
Heterogeneidade
Quando falamos que a escola tem um peso de 30% na formação do aluno, não devemos entender, com isso, que
os 70% restantes estão relacionados à família. Devemos
considerar também a heterogeneidade. Este é um conceito amplo porque envolve alunos de níveis culturais bem
diferentes, professores com múltiplos interesses, gestores polivalentes com boa formação.
Nesses 70%, estão incluídos alguns fatores que influenciam o ambiente escolar, mas vêm de fora. Eu suponho que o mais importante deles seja a família. Por exemplo, se tivermos ótimos alunos convivendo com outros,
com mais dificuldade, isso denota heterogeneidade, cuja
origem pode ser familiar. E esta heterogeneidade pode beneficiar a aprendizagem dos alunos mais defasados.
Background familiar
As boas escolas privadas tendem a selecionar estudantes
com muito background familiar. Certamente, elas terão melhor desempenho e melhores resultados — uma das conseqüências é a entrada desses alunos nas melhores universidades. Isso já sabemos. O que não sabemos é como
ampliar a capacidade de aprendizagem das crianças que
são mais desfavorecidas em termos de background familiar. Esse é um dos principais desafios da escola pública. E
não é a progressão continuada que vai resolver. Também
não adianta ameaçar o aluno com repetição. O desafio é
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ensinar e as crianças aprenderem. O desafio é enfrentar
crianças muito indisciplinadas, com pouco background familiar, que assistem à aula em salas cheias, com professores mal-preparados.
Gilberto Dimenstein, no seu programa de rádio, deu
um exemplo muito interessante: a classe de um famoso colégio de São Paulo, o Porto Seguro, recebeu alunos
da favela Paraisópolis. Os alunos tiveram oportunidades
equivalentes em termos de instalações, equipamentos e
professores. Da turma da favela, apenas 12 conseguiram
entrar numa faculdade privada, enquanto os demais alunos do Porto Seguro ingressaram nas melhores universidades públicas.
Os estudantes da favela Paraisópolis que foram para
o Porto Seguro tiveram um aprendizado muito melhor do
que os que não tiveram essa oportunidade. Contudo, ele
não foi suficiente para colocá-los nas universidades públicas. Certamente, uma das explicações é a deficiência
de background familiar. Apesar disso, eles tiveram um desempenho melhor do que os outros alunos, do mesmo nível, das escolas públicas.
Participação dos pais
A participação dos pais é indispensável. Como aumentar
a participação deles na escola pública? Eles precisam ser
informados sobre os resultados das avaliações, pois têm
pouco conhecimento a esse respeito. Devemos divulgar as
notas da Prova Brasil para as famílias e dizer para os pais
diretamente: “Não sabemos o que está acontecendo com
a sua escola, mas ela está ruim ‘à beça’. Vamos juntos saber o porquê”. Esta seria uma tentativa de agir tanto “de
baixo para cima” quanto “de cima para baixo”.
O professor
Uma coisa, porém, precisa ficar muito clara: o professor
continua sendo o principal promotor da aprendizagem.
Alguns estudos norte-americanos também mostram isso.
O professor faz uma diferença enorme, mas não o professor que ganha mais, nem o mais fragilizado, e sim aquele
que tem melhor didática, que sabe dar aula melhor.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
"ERNARDETE!'ATTI
Amplas avaliações
No Brasil, não temos o hábito de lidar com a avaliação,
muito menos com os dados quantitativos. O pessoal que
trabalha com educação não gosta de lidar com quantificação, nem procura entender o seu sentido. Essa é uma
dificuldade.
Além disso, as escalas interpretativas comumente não
têm um referencial pedagógico que nos ajude a dar sentido aos números. Qual o sentido concreto dos itens em
relação aos conteúdos?
Tivemos a experiência do Saresp – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Quando foi implantado, esperava-se que o professor participasse da aplicação e da correção dos testes.
Havia um manual para ele aprender a calcular uma média, uma variância; interpretar e entender a sua escola;
incluía até uma orientação psicopedagógica para interpretar as respostas. E esses dados não iam para a Secretaria da Educação: o objetivo era que a escola se apropriasse deles, para que a direção, a coordenação pedagógica e os professores discutissem o sentido pscicopedagógico das respostas dos seus alunos. Mesmo assim,
não se tem idéia de qual foi o seu impacto nas ações dos
gestores e dos professores.
Agora, imaginem uma avaliação de fora, um instrumento externo, que não tem significado para aquelas escolas. É
uma rotina burocrática que elas cumprem porque alguém,
algum órgão, mandou. Falta um trabalho sério de esclarecimento. Uma discussão sobre o nível do ensino nos estados, nos municípios. O envolvimento das escolas, nessa
avaliação, deveria ser proativo, e não só reativo.
Para que houvesse esse envolvimento proativo, seria
preciso haver um período para se trabalhar com os educadores dos diferentes níveis de ensino. Não sei se essas
grandes avaliações contribuem realmente para se conhecer e melhorar a situação localizada, específica, dos municípios. Por isso, acontecem essas comparações espúrias, concluindo, por exemplo, que o rendimento dos alunos do Vale do Jequitinhonha é péssimo, quando comparado com o dos alunos de Florianópolis. A questão do desempenho não pode ser tratada em abstrato; ela deve ser
compreendida no contexto que a produziu.
Ao não reconhecerem as diferenças entre as escolas,
essas comparações (que, aliás, de um ponto de vista ge-
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ral, revelam o que seria mesmo esperado, dadas as diferenças geo-socioeconômicas e culturais) servem apenas
para a imprensa ampliar a humilhação pública das escolas e a de seus professores e alunos. Creio que isso é uma
grande irresponsabilidade, para não falar na desconsideração aos aspectos éticos.
Não estou dizendo que, do ponto de vista dos critérios adotados para a avaliação, essas diferenças não sejam observadas, apenas que elas precisam ser analisadas
sob a luz do contexto e das questões pedagógicas, com o
objetivo de ajudar a melhoria do ensino na direção desejada. Isso exigiria apoio financeiro, pedagógico, de infraestrutura etc. para essas escolas, ou seja, elas não poderiam ser humilhadas publicamente, e sim, ajudadas com
ações efetivas e diretas.
Esta seria uma ação social e educacional condizente
com os princípios de eqüidade social. Nada disso é realizado. O que se faz equivale à situação de alguém que
caiu num poço profundo e escuta uma pessoa à beira do
poço, lá em cima, constatar: “Você caiu no poço!”, e, depois, ir embora. Será que quem está lá, no fundo do poço,
vai conseguir sair sozinho?
Equipe escolar
Na verdade, ter uma equipe na escola — equipe mesmo,
integrada, com período de contrato para permanecer mais
tempo na instituição — já é um problema em si. Com o
número grande de professores contratados temporariamente, não-efetivos, com as remoções, licenças, colocação fora de função etc., as escolas enfrentam uma rotatividade de pessoal muito grande. Isso dificulta a fixação
de equipes integradas.
Seria necessário alterar a política de atribuição de aulas, alicerçando-a numa perspectiva pedagógica mais integradora, que pensasse mais nos alunos, nas crianças
e jovens. Talvez fosse importante, para minimizar certos
problemas e equilibrar interesses, que muitos estados e
municípios alterassem os estatutos dos professores. Para
tanto, precisaria haver uma negociação mais ampla entre
os executivos públicos com os pais, os sindicatos e os
partidos políticos, procurando formas de definir melhor
os módulos de equipes escolares e os modos de fixação
dessas equipes por certo tempo.
A questão da carreira do professor e do seu estatuto
precisa ser repensada, se quisermos ter verdadeiras equipes escolares, assim como criar condições, como incenti-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
vos de carreira ou salário, para que os professores se interessem em permanecer em regiões mais afastadas.
Há bons caminhos, mas, em negociações, muitos focos de interesse entram em choque.
Educação acima dos partidos
Uma coisa que não existe na educação é a capacidade negociadora dos gestores. Eles não se exercitam neste aspecto. Improvisam. Até a escolha de secretários de
educação ou ministro é feita muito ao sabor do desejo
dos partidos, dos acordos de diferentes naturezas, sem
se considerar a função especializada que o cargo exige.
A questão do conhecimento do sistema, dos problemas
da escolarização etc. é relegada a décimo plano. Entidades representativas das categorias profissionais, associações de peso, não são consultadas e não se envolvem
nestas escolhas.
Nunca se procurou, de fato, fazer com que a educação
esteja acima dos interesses particulares dos partidos políticos, tratando-a como uma política de Estado de longo
prazo, acima de interesses partidários que pouco têm a
ver com o bem público. Se conseguirmos isso, quem sabe,
daí derive algo significativo e permanente.
Talvez possamos começar com a negociação da fixação das equipes escolares nos municípios, que é mais
fácil. Se conquistássemos isso nos municípios de porte médio, começaríamos a mexer com a educação fundamental. Talvez assim a situação melhorasse um pouco. A fixação de equipes escolares, dentro de certos limites, é muito importante, porque, a partir daí, se poderia pensar na formação da equipe escolar como um
todo. É um sonho!
Articulação dos sistemas
A articulação dos sistemas escolares — federal, estadual,
municipal — prevista na LDB, não acontece, ficou no papel, e muitas das razões para isso têm a ver com o contexto político-partidário. Como já foi dito, esse cenário
particulariza a educação, fragmenta-a, impede acordos e
planejamento conjunto, parcerias e conjugação de financiamentos. Modificar esta situação seria um exercício de
democracia: demandaria um esforço muito grande, políticas claras, superação de interesses particulares e de birras partidárias. Estamos muito longe disso.
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Avaliação do ENEM
O ENEM é problemático desde a sua associação com um
rol de competências abstratas e habilidades pouco objetivas até o tipo de análise que processa e, principalmente, a sua divulgação pela mídia. A prova não atende às
condições dos referenciais propostos, sua validade é discutível. Isso não quer dizer que o ENEM não meça alguma coisa, só não sabemos o que ele realmente está medindo. Mas foi feita muita propaganda do ENEM e negociações em torno dele, deixando-se de lado a questão da
adequação desse tipo de prova à realidade da maioria
das escolas brasileiras e seu currículo. Acreditou-se que
o ENEM forçaria as escolas a repensarem seus currículos,
o que é mais uma falácia (que, aliás, também foi, ou ainda é o pressuposto de alguns organizadores de vestibular, como o da USP, Unicamp e outros).
Esses instrumentos não têm a penetração que se imagina. Uma pesquisa interessante seria a de verificar quantos docentes de escolas públicas estudaram a prova do
ENEM, verificaram seus conteúdos e, baseados neles, mudaram suas aulas. Penso que a maioria esmagadora, e estamos falando de mais de milhão, do pessoal das redes
de ensino, não fez isso. Professores de cursinhos devem
ter feito, mas não os do ensino regular. A mesma observação vale para os itens dos vestibulares. Além disso, parece um recurso desesperado querer que provas balizem o
currículo escolar, e não o contrário. Aliás, esse desejo sinaliza a ausência de política de currículo.
Participação dos pais
A participação dos pais é um problema quando temos pais
e mães trabalhadores. A escola, pelo menos no ensino
fundamental e na educação infantil, não funciona à noite, só a partir da 5ª série. Há pais que trabalham à noite
e aos sábados. Exigir que venham à escola em seu horário de trabalho é prejudicá-los financeiramente e, em muitos casos, até profissionalmente. A participação dos pais
precisa ser pensada em função das características da comunidade à qual pertencem. Querer que pais de crianças
de escola pública ensinem seus filhos, auxiliem em trabalhos etc. também é uma questão espinhosa, porque a
maioria tem poucos anos de escolaridade e não se sente
em condições de ajudar seus filhos.
Além disso, em grandes centros urbanos, seu dia de
trabalho é muito estendido, devido ao cansaço, à dificul-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
dade que enfrentam com o transporte. No campo, isso também acontece. Esses fatores não prejudicam a classe média, ou prejudicam menos. Portanto, querer que esses pais
interfiram no currículo escolar também é problemático.
Essa geração de pais estudou muito pouco e não se
sente em condições de questionar o professor de Português, de Matemática, de Ciências no que se refere a conteúdos e métodos de ensino. Eles são mais retraídos porque são mais oprimidos socialmente, inclusive, sentemse pouco à vontade diante dos diretores, dos professores.
Ao falarmos em participação dos pais, temos que nos perguntar de quais pais estamos falando. A escola deve levar
esse fator em consideração e criar formas diferenciadas
de os pais participarem, em alguns momentos, de acordo com suas possibilidades concretas.
Há que se desenvolver um trabalho social ampliado
para que eles possam realmente começar a ter voz.
Formação de professores
As grandes universidades não se interessam pela formação
do professor, sua preocupação é se destacar pela pesquisa,
e não pelo ensino. As licenciaturas são cursos fragmentados
demais e as discussões sobre a renovação dessa modalidade de graduação esbarram em conceitos e interesses tão arraigados que tanto elas, quando acontecem, quanto os projetos “morrem na praia”. Os cursos de licenciatura não são “a
menina dos olhos” das administrações universitárias, nem
das políticas educacionais, federais ou estaduais.
Não estou falando dos programas de educação continuada, e sim da formação pré-serviço, que deveria ser
mais bem cuidada. Não são as universidades que formam
a maioria dos professores: 80% deles saem de faculdades isoladas, privadas, noturnas. Vamos parar de nos iludir com o que fazem a USP, a UFRJ etc.: não é daí que estão saindo os professores da rede de ensino público. O
que não significa que elas também não precisem repensar suas licenciaturas.
Chamo a atenção para as licenciaturas porque os dados
de 2005 são assustadores: há dois ou três anos, entram quase 400 mil alunos para fazer o curso de formação de professores, e não se formam nem 50 mil. A evasão é enorme —
mais que o dobro de qualquer curso — e eu não acho que é
por causa de dinheiro e, sim, porque o curso é ruim e as perspectivas profissionais também não são tão atraentes.
Ainda não estudamos devidamente a questão da evasão
dos estudantes de licenciatura, por ela ser inusitada.
38
*OSÁ&RANCISCO3OARES
Malhando o ferro frio?
Em um debate como este, temos a oportunidade de levantar muitas questões, mas o tempo disponível não permite
analisar cada uma delas completamente. Quero aproveitar esta fala final para citar algumas idéias que apresentei e, creio, não ficaram totalmente claras. Tenho artigos
publicados em que elaboro vários desses pontos. Porém
aqui, no debate, opto por usar uma linguagem com tons
mais fortes, quase emocionais.
A essência da minha contribuição para este debate é
a defesa de que a discussão sobre a educação atual no
Brasil precisa incorporar os dados que descrevem os nossos sistemas educacionais. Seu uso não pode ficar restrito à análise econômica ou sociológica, deve ser parte também da área pedagógica. Assim, é urgente superar, no debate universitário educacional, o desprezo pelo dado ou
a omissão de seu uso nas análises. Vejamos se forneço
evidências convincentes dessa necessidade.
Necessidade da coleta de dados educacionais
Em uma sociedade democrática de massas, na qual todos
devem ser tratados igualmente, o funcionamento das instituições deve ser verificado. O grande número de beneficiados pelas diferentes instituições exige a coleta de dados padronizados. A educação não pode fugir a esta realidade. Precisamos saber o que ocorre no sistema educacional, por meio da coleta de dados sobre o acesso dos
alunos, seu fluxo escolar e o que estão aprendendo. Isso
custa dinheiro, mas é um erro pensar que esses recursos
seriam mais bem usados para atender a alguns alunos,
como, ainda que subliminarmente, foi defendido.
Produzir bons dados para descrever a realidade educacional é tão necessário quanto produzir os dados, que
já acostumamos a coletar, para acompanhar as várias dimensões da economia de nosso país. Para isso, utilizase a PNAD, uma pesquisa muito consultada pelos economistas. Ela é realizada todo ano, em setembro e outubro,
e custa cerca de R$ 10 milhões. Não há qualquer crítica
a ela, pois a nossa sociedade já se acostumou a receber
essas informações, importantes para o monitoramento e
a mudança de políticas públicas.
Na realidade, a PNAD coleta alguns dados educacionais
que precisam ser mais bem utilizados pelos educadores.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Por exemplo, ela nos dá a boa notícia de que as mulheres
de 20 a 24 anos têm, hoje, em média, nove anos de escolaridade. Esse dado traz esperança, pois mostra que as mães
dos futuros brasileiros têm mais educação do que tiveram
suas mães. Portanto, elas poderão ajudar mais os filhos e
exigir melhores escolas.
Faço uma comparação com o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Ele surgiu há uns 15 anos e mede o
nível de desenvolvimento humano dos países, utilizando,
como critérios, os indicadores de educação (alfabetização
e taxa de matrícula), a longevidade (esperança de vida ao
nascer) e a renda (PIB) per capita. A questão inicial era encontrar uma forma de reduzir toda a complexidade social
a três indicadores. Com o passar do tempo, percebeu-se
que, apesar da limitação da síntese escolhida, o resultado era muito útil para o monitoramento de políticas públicas. E hoje ele é utilizado no mundo inteiro.
O Brasil calcula o IDH para todos os seus municípios. Eu
me lembro de ler a entrevista com um prefeito que, ao receber o IDH de seu município, inicialmente, criticou os dados,
sugerindo que não descreviam corretamente a realidade de
sua cidade. Disse mesmo que os pesquisadores tinham uma
visão deturpada da realidade, pois reduziam toda a complexidade do local a um único número. No entanto, depois, humildemente, reconheceu que a mortalidade infantil era alta
e que poderia ser reduzida. Era uma cidade pequena. O projeto de redução da mortalidade infantil que idealizou, usando sua experiência de médico, foi concretizado e produziu
os resultados captados na posterior rodada de cálculo. Precisamos imitar este tipo de postura na educação: reconhecer que os dados contam uma história verdadeira, ainda que
de forma esquemática, e agir para mudá-la.
A educação precisa de dados de várias categorias.
Dou alguns exemplos:
Acesso e desempenho
Atualmente, temos, no Brasil, praticamente todas as crianças na escola. Em alguns lugares, o índice é de 99%. Na
década de 1990, colocamos os 25% mais pobres na escola. São sucessos importantes que devemos comemorar,
embora nossa escola básica não esteja conseguindo ensinar a essas crianças.
Eu lhes mostrei um item do teste do SAEB que verifica se os alunos compreendem o seguinte poema de Manoel Bandeira:
39
“Irene preta/ Irene boa/ Irene sempre/ de bom-humor.
//Imagino Irene/ entrando no céu:/ — ‘Licença, meu branco?’ —/ E São Pedro, brincalhão:/ — ‘Entre, Irene./ Você
não precisa/pedir licença’”.
Infelizmente, apenas 55% dos alunos de 8ª série que
fizeram o teste entenderam o poema. Ou seja, os alunos
de nossas escolas não estão entendendo textos simples.
Por isso, terminei minha fala afirmando: “Temos hoje uma
urgência educacional”.
Coletar este tipo de informação, na forma do SAEB,
custa entre R$ 8,00 e R$ 10,00 por aluno. Assim, o SAEB
custa cerca de R$ 4 milhões. Embora seja um valor considerável, gera informações preciosas para o monitoramento do sistema educacional. Desprezar esta informação em
nada ajuda; é como matar o mensageiro da má noticia.
Custo-aluno e desempenho
Outro dado com grande potencial de descrição da realidade educacional é o do custo-aluno. Há uma grande variação no Brasil. O INEP tem uma pesquisa recente sobre
o assunto. O custo-aluno, na rede municipal de Belo Horizonte, estava, em 2005, em torno de R$ 2.500,00 por ano.
Ainda é um valor baixo, mas não tão baixo em termos de
investimento. O salário-padrão do professor da rede municipal de Belo Horizonte é o dobro do salário do professor da rede estadual.
No entanto, o resultado da Prova Brasil da rede municipal de Belo Horizonte foi um pouquinho pior que o da
rede estadual. A diferença não é significativa em termos
estatísticos, mas favorece os alunos dos professores que
ganham menos. Precisamos incorporar estes dados na
nossa reflexão educacional, pois, caso contrário, outros
o farão, com interpretações preconceituosas e prejudiciais para o sistema educacional. A mera omissão, a desqualificação de dados tão informativos, precisa dar lugar
a uma busca sistemática das explicações para a realidade que eles nos apresentam.
Relação professor-aluno
Na mesma direção, precisamos conhecer o que os dados
nos informam sobre o tamanho ideal de uma escola e de
turmas. Há um experimento muito citado, feito nos Estados Unidos, que mostra que faz muita diferença diminuir
o número de alunos até 25 por turma. Depois de 25, os resultados só aparecem quando o valor chega a 15. Poucos
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
sabem que a relação professor/aluno no Brasil, nas escolas públicas, é de um professor para menos de 25 alunos. Em Belo Horizonte, esse número cai para menos de
20. No entanto, o tamanho das turmas é bem maior. Ou
seja, não faltam professores, e sim a alocação mais criteriosa dos profissionais.
Dados e eqüidade
O Brasil é um país injusto e desigual, e são os dados educacionais que estão nos permitindo caracterizar esta dura
realidade, primeiro passo para a sua superação. O SAEB
foi o primeiro levantamento a coletar os dados considerando a etnia. Sabemos hoje das diferenças de desempenho dos diversos grupos de alunos, por exemplo, que, depois de considerado o nível socioeconômico, há uma diferença substancial entre os alunos que se declaram brancos e aqueles que se declaram negros. Esse dado evidencia a necessidade de políticas públicas e escolares para
a superação destas diferenças. Ainda é pouco apreciado
o fato de o estudo da eqüidade exigir a coleta de dados
sobre o coletivo.
Quando dizemos que o efeito da escola brasileira na
educação é de 30%, fazemos analogias com outras realidades e concluímos que esse efeito é pequeno. No entanto, na Finlândia, o efeito-escola é de 8%. Será que a
escola na Finlândia tem pouco efeito?
Claro que não! É que lá as escolas são muito parecidas
e a decisão por uma outra escola não tem grandes conseqüências. É isso que é captado pela medida. No Brasil,
apesar de termos valores mais altos, também as escolas
são muito parecidas entre si. Mas concordo que o nome
de “efeito da escola” é, neste caso, ruim. Trata-se mais
de um indicador de heterogeneidade das escolas. As baixas porcentagens do “efeito da escola” estão nos levando, desnecessariamente, a um pessimismo pedagógico,
pois o ideal é ser como a Finlândia, onde todas as escolas se parecem e o efeito é pequeno.
Ensino
O sistema educacional precisa aprender a usar melhor os
dados coletados. Noto isso na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais, onde sou professor desde maio deste ano. Incluí na minha disciplina algumas aulas a respeito das grandes bases de dados sobre o nosso sistema educacional; em particular, sobre o
40
censo escolar. Para minha surpresa, dei-me conta de que
os alunos dos anos anteriores não haviam sido expostos a esse conteúdo, embora a coleta dos dados do censo escolar seja uma rotina em todas as escolas brasileiras. Os questionários são preenchidos no fim de março.
Este é apenas um pequeno exemplo da dificuldade que
os educadores têm com um instrumento gerencial básico
do sistema educacional.
Além da questão dos dados, gostaria de introduzir,
embora de forma esquemática, alguns outros temas que
precisamos, à luz dos dados existentes, discutir. Assumo
o risco de apresentá-los, mesmo sem ter feito ainda uma
reflexão mais madura sobre eles.
O salário do professor e a avaliação
Sobre o salário dos professores — um dado que também
precisamos conhecer em toda a sua variação — lembramos a afirmação muito corajosa da professora Bernadete: “Temos que fazer um novo acordo com a categoria dos
professores para pagá-los melhor”.
Com as carreiras como estão e a quantidade de vantagens existentes, é impossível aumentar os salários de todos os professores. Mas precisamos pagar muito mais a
muitos deles. Para isso, necessitamos examinar e, eventualmente, mudar, as decisões tomadas em outras épocas.
Por exemplo, a isonomia entre os salários de professores
de escolas que atendem a alunos de condições completamente diferentes deve ser revista. O salário que é ridículo na grande cidade garante vida digna e respeito em
uma pequena cidade do interior. As escolas que atendem
aos muito excluídos devem ter mais recursos, principalmente, para pagar os seus professores.
Rotinas pedagógicas
Gostaria de explicitar um pouco mais o que chamei de
rotina pedagógica. Minha reflexão começa com a constatação de que o sistema de educação básica tem de
atender a um número enorme de pessoas. Todos têm
direitos iguais. Para isso, o sistema precisa implementar algumas rotinas. O exemplo da saúde também ajuda
aqui. Os médicos de família canadenses usam, no atendimento rotineiro, os mesmos protocolos para todos os
pacientes, e, assim, oferecem o melhor para todos. Na
educação, não podemos ter apenas uma opção, precisamos de métodos claros.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
A reflexão pedagógica brasileira, adotada na escola pública, tem sugerido a criação, em cada unidade escolar,
de um projeto pedagógico diferenciado. No entanto, a escola privada não pensa assim. Elas estão se organizando
em grandes redes que usam o mesmo material didático
e fornecem treinamento, focado nesse material, para os
professores. É muito fácil criticar essas opções, mas será
que elas são tão ruins? Eu fiz uma pesquisa com os dados do SAEB, comparando as escolas privadas e as públicas. Depois de considerar as diferenças de nível socioeconômico entre o alunado, encontrei diferenças de 20 pontos entre a escola pública e a privada. Isso corresponde
a, aproximadamente, um ano de escolarização. Uma das
possíveis explicações está no que chamo de rotina: as aulas acontecem regularmente, com uma proposta entendida por todos. Se este sistema fosse tão ruim, será que a
classe média o procuraria tanto quanto o faz?
Entendam minha opinião: defendo que as escolas públicas implantem rotinas adequadas, que recebam apoio
fundado nas suas opções, e não que as atuais rotinas do
sistema privado sejam acriticamente levadas para o sistema público.
Os nossos filhos, dos que estão aqui presentes, aprendem independente de a escola ter ou não rotina. Mas a rotina, criteriosamente escolhida, é necessária para o atendimento correto dos milhões de alunos que freqüentam
o sistema público e são filhos de famílias com menor capital cultural.
A questão da seleção
As boas e prestigiadas escolas privadas devem o seu sucesso a suas políticas de seleção de alunos; e o mesmo
acontece com a escola pública. Veja-se o resultado do
ENEM. As boas escolas públicas são as técnicas, onde
se entra por meio de um vestibular mais difícil do que o
da USP.
Existe algum espaço, em algum projeto público de educação, para a idéia de seleção? Pessoalmente, tenho um
grande desconforto com a atual solução. Nós obrigamos o
aluno pobre e brilhante a se matricular na escola do bairro.
Entretanto, é legítimo a classe média atravessar a cidade
para colocar o filho na escola de sua escolha.
Com alguma freqüência, o aluno pobre e brilhante não
recebe incentivo, pois, na sua escola, os valores dominantes não são os acadêmicos. Claro que o ideal é que todas
as escolas funcionassem bem. Mas, com tanta desigual-
41
dade, não seria razoável concordar com a importância social do trabalho de algumas ONGs? Elas estão oferecendo bolsas e colocando 40, 50, 100 destes alunos em boas
escolas privadas.
Entendo que é preciso pensar sobre o uso restrito da
idéia de seleção para o sistema público. Garantido o acesso a todos, poderíamos, a exemplo das escolas técnicas,
ter escolas de educação básica, com acesso apenas por
transferência, compostas por alunos que assumissem um
compromisso especial de dedicação e desempenho.
Aprender com a economia e a administração
Agradeço a oportunidade de estar aqui esta tarde com vocês.
Permitam-me registrar a grande satisfação de ser convidado
para uma mesa com a professora Bernardete Gatti, uma das
pensadoras educacionais mais influentes no Brasil.
Como devem ter observado na minha fala, sou um otimista em relação ao efeito da escola. A escola brasileira
pode fazer muito mais para os seus alunos. Para isso, entretanto, a sua transformação deve vir por meio de uma
reflexão pedagógica que incorpore o conhecimento acumulado em outras áreas.
Precisamos de mudanças na gestão; para isso, temos
de aprender com a reflexão econômica e administrativa.
Não faz sentido rejeitar os avanços obtidos e nem transladar, de maneira acrítica, o que se faz em outras áreas
para a educação. No entanto, necessitamos nos dar conta de que os resultados atuais são tão ruins que algo precisa ser feito urgentemente. Relembro a minha idéia da
urgência educacional.
O preço da manutenção do status quo está sendo pago
pelos alunos que aprendem pouco e, conseqüentemente,
só têm acesso a uma vida menos digna. Temos de sonhar
que a escola pode ajudar a construir um Brasil onde todos tenham acesso não só aos frutos econômicos do conhecimento, como também à leitura e a seu entendimento. Assim, quem sabe, todos possamos apreciar os belos
poemas de Manoel Bandeira.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
COMENTÁRIO: SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – SAEB
Avaliar para que(m)?
Jorge Kayano*
A repercussão, pela imprensa, dos resultados do SAEB
– Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica foi
intensa, destacando a piora no desempenho dos alunos
nos dez anos compreendidos entre 1995 e 2005. Esta
piora teria sido contínua e acentuada no 3º ano do ensino médio, mas apenas na rede pública, tanto em Língua
Portuguesa quanto em Matemática. Os alunos da rede
particular do ensino médio mantiveram seu desempenho
em Português e melhoraram em Matemática, aumentando assim a distância entre as duas redes.
Esse triste resultado ocorreu também em relação aos
alunos da 8ª série do ensino fundamental, só que de forma
menos acentuada, já que os da rede particular mantiveram
o desempenho em Matemática, mas revelaram piora no
exame de Língua Portuguesa — apesar de obterem sempre
notas médias mais altas do que os da rede pública.
Os alunos da 4ª série da rede pública demonstraram
melhora no desempenho nas três últimas edições do
SAEB — 2001, 2003 e 2005 — entretanto, continuaram
com rendimento abaixo do de 1995.
A interpretação predominante desses resultados é a
de que o Brasil conseguiu aumentar e quase universalizar o acesso das crianças, de sete a 14 anos, ao ensino
fundamental: atualmente, mais de 80% dos jovens, de
15 a 17 anos, estão nas escolas.
Continuamos, ainda, com uma baixa cobertura na
educação infantil, especialmente em creches, atendendo a menos de 15% das crianças até três anos. O Censo
Escolar de 2006 mostra um aumento de menos de 1% de
matrículas em creches, comparado com o ano anterior.
E temos ainda altas taxas de distorção idade-série,
com quase 40% dos alunos na 8ª série do ensino fundamental com, no mínimo, dois anos de atraso escolar.
Esta distorção é ainda maior no ensino médio, de modo
que apenas pouco mais de 10% dos jovens, de 18 a 24
*
é pesquisador do Instituto Pólis: <www.polis.org.br>.
42
anos, encontram-se hoje no ensino superior.
Entendido e apropriado pela sociedade
Retornemos à questão do aprendizado: o que significam
os dados do SAEB? Podemos afirmar que a simples menção
ao resultado médio de 169 em Língua Portuguesa, obtido
em 2003, por 92 mil alunos daquela série, em cerca de cinco mil escolas do país, pouco esclarece. Esse valor está situado numa escala que varia de 100 a 350, válida também
para os alunos da 8ª série e do terceiro ano do ensino médio. Em Matemática, a nota média dos alunos da 4ª série,
em 2003, foi 172, numa escala que vai de 100 a 375.
Estes números ganham mais sentido quando técnicos
do Ministério da Educação1 informam que, em 2003, 60%
dos alunos da 4ª série do ensino fundamental tinham baixa proficiência em Língua Portuguesa, e 56%, em Matemática. Isso denota que mais da metade dos alunos dessa série
apresentavam um nível de aprendizagem abaixo do esperado. E os resultados do SAEB de 2005 permitem estimar que
esses números continuam praticamente inalterados.
A partir desses dados, podemos estimar que os alunos da rede municipal de ensino do Rio Grande do Norte, que apresentaram nota média de 141 em Língua Portuguesa — a menor média entre os estados — tiveram
bem mais do que 60% de baixa proficiência; e que os
alunos da rede municipal de Minas Gerais, com uma média de 183 — a maior entre os estados — devem ter tido
melhor aproveitamento do que os de São Paulo, que ficaram com a média de 174, próxima da nacional.
Em relação à rede estadual de ensino fundamental, temos mais uma vez o Rio Grande do Norte com a menor média, de 144; sendo 191, no Distrito Federal (e 177 no estado
de São Paulo). A menor média da rede particular de ensino
fundamental ocorreu em Sergipe, com 197 — portanto, maior
do que na rede pública do DF; e a maior média da rede particular foi em Minas Gerais, com 232 (em São Paulo, 225).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Verificamos que os valores médios variam bastante,
de acordo com as redes, e também entre os estados e as
cidades, por exemplo, quando se comparam as redes de
ensino das capitais com os demais municípios, ou entre as
escolas rurais e urbanas. Por outro lado, o SAEB de 2005
revela melhora nas redes em alguns estados e piora em
outros, refletindo, em alguma medida, os investimentos
dos diferentes gestores, tanto na rede física, nos equipamentos, quanto na qualificação do corpo docente, na revisão da grade curricular, no estímulo à permanência dos
alunos, na gestão participativa das escolas etc.
É neste ponto que pretendemos nos deter: um sistema
de avaliação como o SAEB, e mesmo o ENEM — Exame Nacional do Ensino Médio —, permite um diagnóstico adequado da situação e evolução da educação básica, mas
só vale se for utilizado como uma ferramenta para transformar, para melhor, a situação encontrada.
A condição essencial para que isto ocorra é que ele
seja entendido e apropriado pela sociedade — concretamente, pelos pais dos alunos, os próprios alunos, principalmente os do nível médio, pelos empresários, sindicatos, entidades de defesa de direitos, e, especialmente, os
gestores, mas não só os públicos das diferentes esferas,
como também os diretores das escolas, os professores,
os parlamentares etc.
Alocação de recursos
Na medida em que o INEP já produziu um SAEB censitário,2 envolvendo boa parte da rede pública de ensino fundamental e, inclusive, produziu cartazes com os resultados de 2005 de cada escola, a quem caberia iniciar este
processo de apropriação dos dados, para desencadear o
debate público e a definição das ações necessárias?
Neste ponto, lembramos da importância do envolvimento da mídia. Entretanto, o que nos parece fundamental é que, preferencialmente, a iniciativa deve ser, de forma simultânea e convergente, do secretário municipal,
da Câmara de Vereadores, das entidades associativas
dos professores, dos diretores, das associações de pais
e mestres e de bairros — e, por que não, da iniciativa de
pessoas físicas, pais, professores, imprensa local...
Os gestores podem começar com uma medida muito
concreta — que a implementação do Fundeb - Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, a partir deste
ano, pode facilitar — que é a proposta de alocação de re-
43
cursos, priorizando as escolas que apresentam os piores
indicadores: por exemplo, destinando os recursos necessários para melhorar sua infra-estrutura e criando mecanismos de remuneração que atraiam os melhores professores, os mais experientes e dedicados. Porque, só assim,
será possível reverter os indicadores que já mostram que
80% dos alunos mais pobres, da classe E, brancos ou negros, têm notas consideradas críticas ou muito críticas.
E poderiam propor, em negociação coletiva, que uma
parte variável da remuneração fosse vinculada à melhora
no desempenho dos alunos, medido por meio de metas
também negociadas — nesse processo, estariam envolvidos, além dos professores, os próprios alunos e pais.
Essa abordagem requer uma gestão participativa, que
não apenas envolva a comunidade local em tarefas como
a limpeza e manutenção da escola, como também abra
o debate sobre a adequação da grade curricular à realidade do entorno da instituição, estimulando, dessa forma, a participação dos pais e a curiosidade e a sede de
conhecimento dos alunos.
Uma pesquisa recente, desenvolvida pela Unesco e o
INEP,3 levanta outra questão, bastante polêmica, mas que
precisa ser enfrentada em cada escola: naquelas freqüentadas pela classe socioeconômica A, 10,3% dos estudantes
brancos e 23,4% dos negros têm notas consideradas “críticas” ou “muito críticas” — um diferencial bem maior do
que nas escolas freqüentadas pela classe E.
Para Mary Garcia Castro, uma das coordenadoras do
estudo, nas escolas das classes mais altas, os negros são
minoria, causando o aumento do preconceito racial, o que
acaba se refletindo nas notas. Segundo ela, a maioria dos
entrevistados — não-negros — disse que o desempenho
escolar era “questão de mérito” ou “problema da família”.
Ela cita o exemplo da Escola Comunitária Luíza Mahim, em
Salvador, onde a maioria das crianças é negra e o desempenho delas é melhor em comparação com os brancos: “Lá
se trabalha a questão da raça negra, mas não de maneira inferiorizada. Fala-se dos heróis negros da escravidão, o que
ajuda a levantar a auto-estima dos alunos”.
Notas
1
2
3
SIMÕES, Armando A.; GOULART, O. M. T. Brazil’s national award for innovation in
education management: an incentive for local education authorities to improve
municipal education systems toward the goals of the National Education Plan.
The Innovation Journal: The Public Sector Innovation Journal, v. 11(3), art. 6.
Dados por escola disponíveis em: <http://www. inep.gov.br/basica/saeb/
anresc.htm>.
Relações raciais na escola: reprodução de desigualdades em nome da
igualdade. Disponível na página da Unesco.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
44
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Terezinha Azerêdo Rios*
/QUESER¹
DAAVALIA¿»O
SEMAÁTICA
A obsessão do uso do termômetro nunca fez baixar a
temperatura.
Philippe Meirieu
Haverá algo mais educativo e libertador do que exercitarmos
nossa capacidade de avaliar a avaliação, reconhecendo que
sua complexidade não se encontra na seleção de dados a
coletar, mas na decisão do olhar interpretativo que será
utilizado?
Mara Regina de Sordi
.
ão se pode deixar de concordar com os que afirmam que
a avaliação é, muitas vezes, “uma pedra no caminho”
do trabalho das instituições, das escolas, dos educadores. Dizemos sempre que avaliar não é fácil. A pergunta que imediatamente se propõe é: por quê? Que características tem a avaliação que a tornam “difícil”? O que
se exige num processo avaliativo que o faz converter-se
freqüentemente num problema para os que com ele estão envolvidos?
Minha área de trabalho é a Filosofia da Educação. A
Ética tem sido um espaço privilegiado de minha reflexão.
É no âmbito da Filosofia da Educação e da Ética, portanto, que tenho me voltado para as diversas questões que
nos desafiam no nosso cotidiano de educadores.
Neste texto, pretendo centrar a reflexão na necessidade da presença da ética no terreno da avaliação. Em
um trabalho anterior (Rios, 2000), procurei apontar alguns aspectos desse tema. Aqui, quero levar adiante a
discussão, explorando alguns elementos provocativos,
encontrados na prática de professores e indicados por
* Terezinha Azerêdo Rios é doutora em Educação, professora do Mestrado em Educação do Centro Universitário Nove de Julho – Uninove
e do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC/SP:
<[email protected]>.
45
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eles em algumas situações. Vou destacar uma experiência que, embora tendo um caráter bastante particular, representa, de certa forma, algo que é vivenciado por muitos educadores.
Uma vivência em Moçambique
De 2004 a 2006, trabalhei como professora num convênio da PUC-SP com a Universidade Pedagógica, em Moçambique. Tratava-se de um mestrado desenvolvido pelo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação/Currículo e cujos alunos eram professores dos diversos cursos da universidade moçambicana. Ali, ministrei a disciplina Avaliação: Teorias e Práticas.
O objetivo central da disciplina, apresentado na proposta de programa, era discutir sobre o significado da
avaliação no contexto escolar, identificando suas funções
e percebendo suas conseqüências e implicações políticopedagógicas. Buscou-se analisar o processo avaliativo
no interior das tendências da educação contemporânea
e refletir sobre as políticas de avaliação na educação em
Moçambique, seus fundamentos e sua significação na
organização curricular da escola daquele país.
No relatório apresentado ao final do trabalho, afirmo que
foi uma experiência muito gratificante, pois pude contar, no decorrer dos trabalhos, com a disponibilidade
e a atenção de todo o grupo. Todas as propostas apresentadas foram acolhidas com interesse e foi grande o
envolvimento de todos nas discussões. Revelaram-se a
curiosidade e o empenho de ampliar o conhecimento
para aprimorar a atuação profissional, especificamente no que diz respeito à avaliação educacional. Pôdese perceber que a exploração sistemática dos conceitos
trouxe, a alguns dos participantes, uma nova forma de
se apropriar deles.
Num dos momentos do trabalho, depois de discutirmos a natureza da avaliação, suas funções, os tipos
de avaliação, solicitei, aos alunos-professores, que indicassem quais eram as certezas e dúvidas que tinham
sobre a questão.
No plano das certezas, apontavam-se:
• a importância do processo avaliativo no contexto da
educação;
• as vantagens de um olhar crítico sobre a prática pedagógica;
• a necessidade da atenção dos professores para todos os elementos envolvidos nessa prática.
46
Algumas afirmações já indicavam uma preocupação
com o eixo da reflexão que aqui pretendo desenvolver:
• “Tenho certeza de que uma avaliação justa motiva os
alunos para a aprendizagem”;
• “É preciso ser um bom educador para garantir uma
avaliação justa”;
• “A avaliação é um gesto crítico que visa trazer a justiça na relação professor-aluno”.
No plano das dúvidas, concretizaram-se as preocupações que já se anunciavam nas “certezas”:
• “Será que existe um professor que faz uma avaliação justa?”;
• “É possível fazer justiça no processo da avaliação?”;
• “A subjetividade do processo de avaliação deixame com uma série de dúvidas quanto à justiça nesse processo”.
Esses questionamentos apontavam para um foco comum: será que há realmente possibilidade de haver justiça quando se realiza uma avaliação?
A referência à justiça nos remete imediatamente à necessidade da presença da ética no campo da avaliação.
Para além de perguntar por métodos e técnicas de elaboração de instrumentos de avaliação, ou pela objetividade
de critérios para organização de exames e provas, os professores faziam emergir o núcleo da ação avaliativa, que
se encontra em sua própria definição, se recorrermos à etimologia: avaliar é conferir valor. E qual é o valor da avaliação? Embutida na pergunta pela justiça, havia uma indagação: de que vale a avaliação, se ela não é justa?
Conferir valor
Conferir valor é algo que marca a intervenção dos seres
humanos no mundo, como criadores de cultura. A transformação que se opera na realidade, por meio do trabalho, não se dá apenas num aspecto material, como também, e principalmente, num plano simbólico, de atribuição de significados, de valores.
Valores de diferentes naturezas, que se encontram
presentes em todas as dimensões das ações e relações
dos seres humanos, na sociedade e na história:
• lógicos — quando nos referimos à verdade ou falsidade dos enunciados, das proposições teóricas;
• estéticos — quando se qualificam como belas ou não
as criações artísticas;
• econômicos — quando se quantificam as realizações
que produzem a vida material;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
SERECORRERMOS¸
ETIMOLOGIAAVALIARÁ
CONFERIRVALOR%QUALÁ
OVALORDAAVALIA¿»O
%MBUTIDANAPERGUNTA
PELAJUSTI¿AHAVIAUMA
INDAGA¿»ODEQUEVALE
AAVALIA¿»OSEELAN»O
ÁJUSTA
Não se diz que se avalia quando apenas se verifica
que um corredor percorreu uma distância de 100 metros
em 30 segundos. Na verdade, avalia-se quando se julga
se isso significou ou não algo importante — o registro de
um recorde, por exemplo. Na escola, não haveria sentido
em atribuir notas aos trabalhos dos alunos, se não houvesse um referencial segundo o qual se pudesse dizer
se aquelas notas indicam algo bom ou mau.
Apontar o positivo e o negativo
• morais — aqueles para os quais quero chamar atenção, que dizem respeito à significação conferida ao
comportamento dos indivíduos em sociedade, na sua
relação com os outros.
Se a presença dos valores é algo constituinte da
ação e da relação entre os seres humanos e se dizemos que avaliar é conferir valor, podemos afirmar que
a avaliação faz parte do cotidiano da vida humana.
Ouvimos dizer, sempre, que, em todo momento, estamos avaliando: acordamos, chegamos à janela e
dizemos que “o dia está bonito”; vemos passar um
conhecido na rua e pensamos que sua gravata é “de
mau gosto”; assistimos na televisão à descrição de
um homicídio e opinamos que é “um crime imperdoável”; lemos o trabalho de um aluno e concluímos
que “está regular”.
Será que são “avaliações” de natureza idêntica?
Sabemos que não, tanto em virtude da “classificação” antes apresentada, quanto dos contextos nos
quais se dá o gesto avaliativo. Entretanto, é importante assinalar que, em qualquer espaço em que se realiza esse gesto, sempre se tem uma referência para
se afirmar que algo é “bom”, “de mau gosto”, “imperdoável” ou “regular”. Não avaliamos sem considerar alguns critérios, que constituem uma base para
nossos juízos.
É da natureza da avaliação voltar-se para um objeto com a intenção de emitir sobre ele um parecer.
Há sempre, no gesto avaliativo, um juízo de valor. Os
juízos são atos do pensamento nos quais afirmamos
ou negamos algo.
Nos juízos de fato, enunciamos algo que diz respeito a aspectos verdadeiros ou falsos da realidade. Nos
juízos de valor, fazemos uma apreciação dos fatos.
47
Falamos aqui em presença da ética na avaliação que se
realiza no contexto educacional, mais propriamente no
contexto escolar. Assim, num processo de educação organizado e sistemático, a avaliação deve caracterizar-se
como um olhar crítico, que procura voltar-se para a realidade com a intenção de vê-la com clareza, profundidade e abrangência, buscando superar uma visão ideológica ou preconceituosa, indo às raízes das questões que
pretende investigar e enfrentando o desafio de levar em
consideração a diversidade e a multiplicidade de pontos de vista com que se defronta.
Avaliar deve ser, então, no sentido que aqui se considera, fazer uma crítica. É preciso cuidado, entretanto,
para não ficarmos presos ao sentido que se dá à crítica,
no nível do senso comum. Aí, a crítica é considerada uma
apreciação que aponta apenas o aspecto negativo do objeto enfocado. Diz-se, então, que criticar é “falar mal”:
“o aluno criticou a professora”, “os pais criticaram a escola”, “os professores criticaram o governo”.
Isso leva a pensar que talvez a resistência que se tenha à avaliação se justifique em virtude de uma compreensão restrita, que reduz e empobrece a significação do
olhar crítico. Sem ter consciência clara disso, muitos professores buscam no desempenho dos alunos somente
os aspectos que é preciso corrigir.
É claro que, quando avaliamos, encontramos muitas
vezes elementos que precisam ser corrigidos, modificados, superados. Entretanto, se já partimos do pressuposto de que há algo a ser corrigido, nosso olhar pode deixar de enxergar o que está bom, o que merece ser destacado e aprimorado.
O que afirmamos sobre a atitude crítica nos ajuda
a entender, assim, que fazer a crítica a algo não significa apontar só o que é negativo. Ao olhar com clareza, com
profundidade e com abrangência, temos a possibilidade
de ver o que é bom e o que é mau, o que anda bem e
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
o que está inadequado. Assim, podemos nos esforçar
para mudar o que não está satisfatório e aperfeiçoar o
que julgamos que está indo bem. Por isso é que não faz
sentido falar em crítica construtiva ou destrutiva: a crítica alarga e aprofunda nossa visão — o que fazemos a
partir daí é o que efetivamente qualifica o processo, do
ponto de vista ético.
Dimensões da avaliação
Talvez a qualificação da avaliação como algo difícil se
deva ao fato de ela constituir uma atitude crítica, que
nem sempre se assume facilmente. Na verdade, menos
que difícil, a avaliação é complexa: o campo da avaliação
— especialmente da avaliação educacional — compõese de vários segmentos específicos e o processo avaliativo se constitui de inúmeras dimensões, estreitamente
conectadas entre si.
Para falar da presença da ética, como uma dimensão
que deve ser constituinte da avaliação, devemos, então,
voltar nosso olhar para as dimensões da avaliação.
Há em toda ação avaliativa uma dimensão técnica, que
diz respeito ao conhecimento tanto dos objetos ou dos sujeitos a serem avaliados, quanto dos objetivos e dos
procedimentos necessários e adequados. Aí também
se encontram os referenciais para as verificações. Avaliar pressupõe apontar determinados objetos, estabelecer objetivos que se pretendem alcançar, construir ou
selecionar instrumentos para a ação e definir caminhos
para atingir o fim.
Por ser fundamental na configuração da avaliação, a
dimensão técnica constitui, sem dúvida, o seu suporte.
Entretanto, ela só ganha sentido se estiver articulada às
outras dimensões. Uma delas é a dimensão política, que
guarda referência ao contexto no qual se dá a avaliação,
às determinações aí presentes, às pressões para a definição de caminhos.
A outra é a dimensão moral, que diz respeito especificamente à atitude, ao comprometimento dos sujeitos
que realizam as ações de avaliação.
Fica, evidente, então, que a avaliação não tem apenas um caráter técnico, não se reduz aos atos de verificar ou conferir ações e resultados. É impossível falar de
um processo de avaliação sem fazer referência às determinações a que está constantemente submetido e aos
valores que o fundamentam. Avaliar pressupõe definir
princípios, em função dos objetivos que se pretende al-
48
cançar e implica um compromisso dos sujeitos envolvidos na direção desses objetivos.
Muitas vezes, considera-se apenas a dimensão técnica da avaliação, deixando-se de lado os aspectos políticos e, principalmente, os éticos. Assim, a preocupação maior se concentra nos instrumentos, nas medidas, nas representações quantificadas. Não é ruim estar atento a esses elementos. Na verdade, é uma atitude ingênua aquela que despreza os aspectos quantitativos da avaliação.
Romão (1998, p. 48) qualifica como um mito, indicador
do caráter ideológico que se encontra muitas vezes no
campo da avaliação, a afirmação de que “é preciso eliminar os aspectos quantitativos da avaliação”. Recorrendo
a Gramsci, o autor afirma que: “já que não pode existir
quantidade sem qualidade e qualidade sem quantidade
(economia sem cultura, atividade prática sem inteligência e vice-versa), qualquer contraposição dos dois termos
é, racionalmente, um contra-senso” (idem).
O que vale assinalar é que, ao se perder de vista o
que significam, do ponto de vista ético-político, os aspectos qualitativos, empobrece-se o sentido da avaliação, que faz parte de uma dinâmica mais ampla: a da
prática educativa e a da convivência social. Dias Sobrinho (2003, p. 177) confirma a presença da dimensão político-moral quando afirma que
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
...a avaliação (...) é uma prática social orientada sobretudo
para produzir questionamentos e compreender os efeitos
pedagógicos, políticos, éticos, sociais, econômicos do
fenômeno educativo, e não simplesmente uma operação
de medida e muito menos um exercício autocrático de
discriminação e comparação.
mas ações reprováveis tornam-se costumeiras em algumas instâncias sociais, as pessoas são levadas a
afirmar que “já que é costumeiro, não é mau”.
Muitas vezes, verifica-se isso no campo da avaliação
— recorremos a determinadas formas de avaliação habituais, já “consagradas”, sem perguntar por sua consistência ou coerência. São “costumeiros” os exames
vestibulares, logo... serão bons?
É para evitar equívocos dessa natureza que recorremos
à ética. Diferente da moral, que tem um caráter normativo, a ética tem um caráter reflexivo. É com base em
seus princípios — o respeito, a justiça, a solidariedade
— que as ações morais podem ser julgadas.
Essa é uma distinção que pretende ser esclarecedora, no sentido de levar ao reconhecimento da presença da moral, em todas as ações e relações, e de uma
costumeira ausência da ética, em boa parte delas, em
nosso contexto social, nas instituições escolares, nas
salas de aula.
É porque temos necessidade dessa presença da ética que precisamos nos mobilizar para identificá-la e promovê-la com firmeza. No terreno da avaliação educacional, que aqui nos interessa especificamente, a ética tem o papel de indagar se as ações avaliativas estão
fundadas em princípios que levam à promoção do bem
comum, da dignidade humana, da vida feliz.
Igualdade na diferença
Ética e moral
O fato de existir uma dimensão moral na avaliação
não implica, entretanto, a presença da ética. Embora
haja uma referência constante à ética no trabalho dos
educadores, penso que ainda se faz confusão, o que
é muito comum, entre ética e moral. É preciso distingui-las, não para separá-las — o que é impossível —
e sim para que possamos nos referir a elas com mais
propriedade.
Enquanto a moral consiste no conjunto de prescrições que orienta a conduta de indivíduos e grupos
nas sociedades, a ética se apresenta como um olhar
crítico sobre a moral, perguntando pelos fundamentos dos valores que a sustentam.
As ações morais têm sua origem nos costumes de
cada sociedade. Esses costumes estão fundados em
valores — o que é costumeiro é confundido, muito freqüentemente, com o que é bom. E, então, porque algu-
49
Os professores moçambicanos preocupavam-se com
a justiça na avaliação. Alguns apontavam a dificuldade de
realizar uma avaliação justa, em virtude da presença da
subjetividade no processo. A partir de suas indagações,
tivemos oportunidade de refletir sobre a falsa dicotomia
objetividade/subjetividade nas ações e relações humanas.
Objetividade e subjetividade são perspectivas do conhecimento, o qual se define exatamente como uma relação
que envolve sujeito e objeto. Esta relação tem um caráter
dialético — impossível separar os seus pólos.
Assim, pelo fato de haver sempre um sujeito “conhecedor”, é impossível deixar de haver subjetividade
no conhecimento e na ação. Isso se evidencia se retomarmos o que dissemos sobre os valores presentes no
contexto humano. Valores são atribuídos levando-se em
conta características que os objetos, quaisquer que sejam eles, têm, independentemente da relação com o sujeito, mas se configuram exatamente a partir da signifi-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
cação que os sujeitos dão a essas características.
Assim, não é a presença da subjetividade que prejudica o trabalho educativo ou a avaliação. O que pode
causar prejuízo é a forma como se atribuem os valores,
quando se desconsideram os princípios que devem fundamentar a convivência humana, o processo educativo, os mecanismos de avaliação.
Levando em conta a subjetividade, somos remetidos também à necessidade de considerar a diversidade e
a diferença. É exatamente aí que ganha relevo a questão da justiça.
Pelo princípio da justiça, afirma-se a igualdade na
diferença. Somos diferentes: homens e mulheres; brancos, negros, de diversas etnias; idosos, adultos, jovens e crianças. Mas somos iguais em direitos, iguais
no direito de ter direitos, de criar direitos. Somos, portanto, diferentes e iguais. O contrário de igual não é diferente. É desigual, e tem uma conotação social e política. A afirmação da identidade se dá na possibilidade
da existência da diferença e na luta pela superação da
desigualdade.
Perguntar pela presença da justiça nas ações de avaliação é indagar se elas, como elementos de um processo mais amplo que é a educação, contribuem para
que se cumpra a finalidade desse processo: a criação
e a partilha da cultura, a construção da humanidade, a
afirmação da cidadania.
Pode parecer enfático fazer essa afirmação. Entretanto, é preciso que nós a reiteremos, sempre: quando avaliamos, no campo da educação, educamos. E temos que nos indagar se estamos efetivamente educando
de acordo com os princípios éticos, para além do que
se costuma determinar moralmente. Quantas vezes o
processo avaliativo não tem contribuído para a instalação de desigualdades, quantas vezes a avaliação
não se apresenta como um instrumento de dominação
e controle, apesar dos discursos que mencionam igualdade e diálogo?
Parece-nos que é exatamente na avaliação que (os professores) mais negam seus discursos progressistas, que
retomam, com mais determinação, a prática do monólogo
com o aluno, que usam o espaço para o exercício do poder,
um poder que se harmoniza com a ordem social vigente.
(...) Não conseguem analisar a avaliação do estudante
como apenas uma limitada faceta de um processo mais
amplo (Sordi, 1995, p. 23).
50
AAVALIA¿»ON»OÁALGO
ISOLADODAORGANIZA¿»O
CURRICULARÁELEMENTO
CONSTITUINTEDESSA
ORGANIZA¿»O0ORISSO
MESMOÁQUESEINSISTE
NOCAR¹TERPROCESSUALE
CONTÅNUODAAVALIA¿»ONO
SEUCAR¹TERFORMATIVO
Vale retomar a idéia de que, ao trazer a justiça para
o processo educativo/avaliativo, cria-se espaço para a
igualdade e a diferença. Comte-Sponville (1996, p. 75)
afirma que “a igualdade não é tudo”. E indaga: “Seria
justo o juiz que infligisse a todos os acusados a mesma pena? O professor que atribuísse a todos os alunos
a mesma nota?”. É preciso reconhecer a diferença — de
natureza, de condições — dos que são submetidos à
avaliação, uma vez que é a partir desse reconhecimento
que se pode criticamente estabelecer critérios e encaminhar ações.
Avaliação, “ensinação” e aprendizagem
Tenho chamado atenção para uma pergunta que é feita
por um amigo e colega, o professor Douglas Santos: o
que ensinamos quando ensinamos uma determinada
disciplina? – “O que realmente ensinamos quando
procuramos explicar cada um dos temas que dão
identidade às nossas disciplinas e às nossas aulas?”
(Santos, 2004, p. 35). A resposta é: não ensinamos
apenas aquelas disciplinas. Segundo Santos, “ensinar
conteúdos ultrapassa os limites aparentes de nosso
discurso e das afirmações que nele estão contidas”.
Isso quer dizer que, ao ensinar qualquer disciplina,
criamos possibilidades de o educando desenvolver a
capacidade de dominar as estruturas que são usadas
para construir o pensar e, além disso, possibilidades
de desenvolver a capacidade de agir e sistematizar sua
ação. Mais ainda: não é apenas um amplo conjunto de
habilidades que se desenvolve, também se configuram
atitudes em relação à realidade e à convivência social.
A atitude do professor ensina.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Ora, a avaliação não é algo isolado da organização
curricular, é elemento constituinte dessa organização. Por
isso mesmo é que se insiste no caráter processual e contínuo da avaliação, no seu caráter formativo. Assim, com
relação à avaliação, há uma pergunta decorrente daquela que nos apresenta Douglas Santos: “O que se ensina
quando se avalia algo no contexto educativo?”.
Retomo a pergunta levando em consideração a forma como a avaliação tem sido, muitas vezes, realizada
na escola: de forma fragmentada, em momentos específicos. Há, então, “a semana de provas”, “o dia da avaliação”. Nesses momentos, supostamente, “não há aulas”. Há uma interrupção no processo de ensinar, que
ocorre nas aulas. A “ensinação” e a aprendizagem dão
lugar à avaliação.
É propositalmente que pinto com cores mais fortes o
que costuma acontecer — reconheço que essa forma de
considerar o trabalho na escola não é própria da maioria dos professores. Entretanto, ela faz parte de um imaginário que se expressa na fala dos alunos: “Não estamos tendo aula (aprendendo?) nesta semana, pois é a
‘semana dos exames’”. Efetivamente, numa “parada
para avaliar” acontece algo diferente da relação cotidiana de professores e alunos. Mas não se deixa de
ensinar e aprender. E o que se ensina e se aprende
naquele momento?
A organização das questões propostas aos alunos,
a forma como se esclarecem os objetivos e critérios, a
atitude do professor ao apresentá-los, tudo isso ensina, para além da sistematização de determinadas estruturas de conhecimento. Sem dúvida, há que se estar
atento para a dimensão técnica do processo (será mesmo considerado um processo?), mas não se podem esquecer suas implicações políticas e éticas.
No filme Pro dia nascer feliz, de João Jardim,1 entre diversas cenas inquietantes e constrangedoras, o cineasta
nos faz participar daquela em que se mostra uma sessão
do Conselho de Classe de uma das escolas enfocadas no
filme. As professoras estão discutindo o desempenho de
um aluno que tem um comportamento extremamente problemático nas aulas de todas as disciplinas, e cujo rendimento se encontra longe do desejável. Os conceitos que
cada professora traz são muito baixos e levariam imediatamente a uma reprovação. Entretanto, elas se perguntam se vale a pena reter o aluno, uma vez que as condições para a recuperação são quase inexistentes e a reprovação levaria o aluno a abandonar a escola.
51
Em nenhum momento as professoras fazem referência explícita à questão da justiça na avaliação que estão
realizando. Mas é isso o que está implícito. E é evidente o mal-estar que causa a ausência de recurso a qualquer fundamento para os encaminhamentos que são
propostos. Problematiza-se, ali, não apenas a situação
do aluno, como também a das próprias professoras e
da escola. E, sem dúvida, a da sociedade, carente de
justiça. No Brasil, lugar do documentário; em Moçambique, onde os alunos-professores revelam suas preocupações. Em tantas partes do mundo. Esteban (2003,
p. 32) nos diz que
...muitas vezes, o que dá sentido às palavras, atos, produções, processos, possibilidades, carências, está silenciado,
nem por isso, ausente. Apenas invisibilizado no discurso e
nas práticas. Para avaliar, é preciso produzir instrumentos
e procedimentos que nos ajudem a dar voz e visibilidade
ao que é silenciado e apagado. Com muito cuidado, porque
a intenção não é melhor controlar e classificar, mas sim
melhor compreender e interagir.
Crítica e utopia
“Não mexa na minha avaliação!” é o título que Perrenoud (1993, p. 173) dá a um de seus trabalhos. Esta
exclamação é, segundo Perrenoud, aquela com a qual
se reage a qualquer mudança no sistema de avaliação,
uma vez que ela implicaria uma mudança mais ampla,
do sistema educacional: “significa pôr em questão um
conjunto de equilíbrios frágeis e parece representar uma
vontade de desestabilizar a prática pedagógica e o funcionamento da escola”, afirma ele.
Há, sem dúvida, uma verdade na afirmação de Perrenoud. Se considerarmos que a avaliação não pode
estar desarticulada de outros elementos do processo
educativo, sendo considerada até um dos elementoschave desse processo, mexer nela poderia colocar em
risco o edifício supostamente seguro do trabalho realizado na escola.
É importante, portanto, pensar a avaliação no contexto da proposta curricular e, esta, no interior de um
projeto pedagógico, elaborado com a participação de
toda a equipe escolar e levando em conta as necessidades concretas da sociedade e os limites e possibilidades para a construção coletiva de uma educação
democrática e justa (Rios, 2000).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Como tentativa de compreensão, o exercício crítico
da ética volta-se para um ideal — algo desejado e necessário, que se anuncia no futuro e cuja possibilidade já se encontra inscrita no real e no presente. Ainda
não encontramos no contexto educativo a avaliação
justa do jeito que pensamos ser desejável. Mas é nesse próprio contexto que se revelam ações que nos dão
esperança, que indicam a possibilidade de contribuir,
na escola, para a construção da sociedade democrática e solidária. As certezas — sempre provisórias — continuam a conviver com as dúvidas que nos provocam a
seguir em frente, enfrentando os desafios.
Se atualmente a discussão em torno da organização
curricular amplia a noção de conteúdos, que não abrange
apenas os conceitos, como também os comportamentos
e atitudes, é preciso ampliar ainda a noção de avaliação.
Se se pretende realizar uma formação integral, é necessário que a avaliação também o seja. Trata-se de olhar
criticamente para todo o trabalho que se realiza na escola e não somente o do aluno. E quando se voltar para
o trabalho do aluno, é preciso que, numa relação de respeito e justiça, professores e professoras procurem estabelecer princípios e definir instrumentos e ações que
encaminhem para os objetivos desejados.
O terreno da avaliação é um espaço privilegiado
para que se encontre a possibilidade de concretização
da proposta de incluir a ética no currículo das escolas
como algo que, não constituindo uma área ou disciplina, articula-se com elas de maneira que os professores
e as professoras possam trabalhar, de maneira integrada, o conhecimento específico de suas áreas e as questões relacionadas aos valores e ao convívio social (Brasil, 1998). O respeito, a justiça, a solidariedade, o diálogo, que devem estar presentes nas relações no interior da escola e, desta, com a sociedade, devem ser os
referenciais para o estabelecimento de critérios e devem fundamentar o trabalho na sala de aula e o processo continuado de avaliação desse trabalho.
Retomo a certeza do professor que afirma que “a avaliação é um gesto crítico que visa trazer justiça na relação
professor-aluno”. Ela se converte numa dúvida quando
percebemos seu caráter categórico: “a avaliação é...”. Na
verdade, a avaliação deve ser... Este “dever ser”, revestido não de um caráter impositivo e controlador, e sim
entendido como expressão do desejo e da necessidade,
leva-nos ao caráter utópico que se abriga na ética.
52
Referências
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São Paulo: Cortez, 2000.
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F. (Org.). Avaliação: políticas e práticas. Campinas: Papirus, s/d. p. 65-81.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. (Org.). Avaliação: políticas e práticas. Campinas:
Papirus, s/d.
Notas
1
Pro dia nascer feliz. Documentário. João Jardim (diretor). Ravina Filmes/Fogo
Azul Filmes. Brasil, 2006.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
RELATO DE PRÁTICA: PROJETO ESTUDAR PRA VALER! LÍNGUA PORTUGUESA
De olhos... e ouvidos no aluno
Claudia Petri
Heloísa Trenche*
“Meados de outubro, gravador em mãos, roteiro de perguntas... Eu realizava uma entrevista com seis alunos da Escola
Municipal de Ensino Fundamental - EMEF Pastor Ismael Pereira
Lago, no município de Limeira. Com as crianças colocadas
em círculo, fazia a entrevista num tom informal, procurando
descobrir mais sobre o desenvolvimento do projeto Estudar
pra valer! Língua Portuguesa na sala de aula.
Estávamos em uma biblioteca. Os alunos, ávidos para
contar tudo o que aprenderam com o Projeto, os diferentes
gêneros que conheceram, como desenvolveram as atividades,
as leituras de que mais gostaram etc. Estava entusiasmada
para ir a campo e coletar dados importantes, por intermédio de
alunos, para a avaliação de um projeto. Consegui facilmente
obter diversas informações com as crianças de 3º e 4º ano,
cumprindo os objetivos da pesquisa naquele local.
Ao final da entrevista, um aluno apontou para uma estante da biblioteca e me pediu para pegar um dos módulos do
material do Projeto, a fim de que pudesse contar melhor o
que ele e seus colegas tinham aprendido. Mais que isso, ele
queria que eu escolhesse uma história, lesse para eles e, em
seguida, conversássemos sobre o texto.
Achei interessante a sua atitude. Ele parecia seguro e
entusiasmado em participar de um processo avaliativo. Mas,
como eu já havia obtido informações que julgava suficientes
sobre o Projeto, resolvi mudar a estratégia: propus que o aluno escolhesse um livro para que realizássemos uma roda de
leitura. O escolhido foi um livro de adivinhas. Comecei a lê-lo
para o grupo, mostrando suas imagens e fazendo suspense.
A participação dos alunos era tanta que acabei compartilhando, com eles, o papel de leitor — cada um se incumbiu de
ler uma parte do livro. Nesse momento, os alunos, que desde
* Cláudia Petri é pedagoga, com especialização em alfabetização,
coordena o projeto Estudar pra Valer! que integra o programa Território Escola no Cenpec.
Heloísa Trenche é pedagoga, mestranda em Educação pela Unicamp e pesquisadora da equipe de monitoramento e avaliação, do
programa Território Escola.
53
o início da entrevista se mostraram bastante comunicativos,
demonstraram que liam com fluência, levantavam hipóteses
e faziam inferências, ou seja, tornaram evidentes suas habilidades de leitura. Descobri, com esta atividade, aspectos ainda
não observados durante a entrevista. Quando a adivinha foi
desvendada, no final do livro, as crianças pediram muito para
que eu continuasse a ler outras histórias. Tive que parar por
ali, o tempo havia se esgotado e os alunos precisavam voltar
para a sala de aula...”
Trecho de relato de uma pesquisadora que participou da
coleta de dados.
Como tudo começou...
Esse pequeno relato ilustra uma fase da coleta de dados do Estudo Exploratório, realizado em 2006, com
escolas que participam do Projeto Estudar pra valer!
Língua Portuguesa, nos municípios de Bebedouro, Limeira, Resende e São Bernardo. Mais que isso: ele explicita o principal aspecto que se procura avaliar com
esse Estudo: como o Projeto contribui para a aprendizagem dos alunos.
O Estudar pra valer! Língua Portuguesa iniciou-se
em 2002, no município de Itanhaém. Desde então, foram realizadas algumas mudanças e ajustes, de acordo com as demandas e as avaliações processuais. O
monitoramento e a avaliação do Projeto tinham como
objetivo a observação das práticas dos professores,
da gestão dos tempos e espaços das escolas e dos resultados referentes à alfabetização durante o ano. Tais
informações serviram como subsídios para reorientar
as ações do Projeto e planejar estratégias de trabalho
no processo de formação dos educadores.
A idéia de realizarmos um estudo mais aprofundado, em que pudéssemos verificar os resultados do Pro-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
jeto em relação à aprendizagem dos alunos, já vinha
sendo alimentada pela equipe há muito tempo. Nosso
interesse era saber mais sobre como eles aprendiam
com o Projeto e se realmente se apropriavam dos diferentes gêneros trabalhados, ou seja, se liam mais
e melhor, se produziam textos adequados à situação
de produção etc.
Um projeto em que o foco é o trabalho voltado à
aprendizagem da leitura e da produção de texto por
todos os alunos merece ser avaliado por meio de um
estudo qualitativo em profundidade.
Ora, realizar uma avaliação dessa natureza não
é trivial. Exige diferentes tipos de esforço, principalmente no que se refere à construção de uma proposta de avaliação e monitoramento que contemple diferentes estratégias de coleta de dados para se compreender as variáveis que podem influenciar no processo
de aprendizagem dos alunos.
Além disso, ansiávamos acompanhar o processo
de aprendizagem dos alunos longitudinalmente, uma
vez que o Projeto se propõe a trabalhar com as séries
iniciais do ensino fundamental.
Após três anos de implementação do Estudar pra
valer!, percebemos a possibilidade de essa idéia se
concretizar: pela primeira vez estaríamos em parceria
com os municípios durante uma gestão completa de
quatro anos e a equipe estava estruturada para atender melhor essa demanda.
O primeiro passo para desenhar o plano de monitoramento e avaliação foi a reconstrução dos indicadores
do Projeto, por meio de uma matriz avaliativa.
A matriz contemplou três etapas:
• uma avaliação ex-ante, na qual analisamos os dados de contexto dos municípios;
• uma avaliação de processo, por meio da análise
das ações realizadas pelo Projeto;
• uma avaliação de resultado com o foco nas ações
dos participantes — professores e gestores — nas
escolas.
Embora esse processo de monitoramento e avaliação já tivesse ocorrido em 2006, ele pôde ser mais
bem estruturado. Mas, como queríamos investigar com
mais profundidade a relação entre a aprendizagem dos
alunos e o desenvolvimento do trabalho dos educadores, esboçamos um plano, ao qual chamamos de Estudo Exploratório.
54
O Estudo Exploratório
Seleção dos participantes
Foi necessário fazer algumas escolhas no processo de
elaboração do planejamento do Estudo. O Projeto prevê
um número muito grande de alunos (em 2006, eram cerca
de 56.500). Não coletamos dados de todos os envolvidos,
nem mesmo obtivemos uma amostra estatística. Nossa opção foi a de realizar um estudo em profundidade, coletando dados mais detalhados sobre os resultados da aprendizagem de 461 estudantes.
Decidimos realizar um estudo que guardasse as características de um Estudo de Caso, pois nos possibilitaria conhecer de perto detalhes sobre a implementação do Projeto na escola e também viabilizaria a realização da coleta
de dados diretamente nessas instituições.
Esse tipo de pesquisa já está legitimada no âmbito acadêmico, principalmente no que se refere aos estudos qualitativos. Segundo Marli André (2005), no Estudo de Caso,
busca-se conhecer em profundidade o particular. Há o interesse em selecionar uma determinada unidade para compreendê-la. A situação a ser investigada é escolhida por representar um caso digno de ser estudado, seja por ser representativo de muitos outros, seja por ser distinto deles.
Como faríamos então a seleção dos participantes do
Estudo?
Definimos alguns critérios:
• os quatro municípios participantes do Projeto deveriam ser contemplados;
• deveria haver a adesão dos alunos, professores, gestores e técnicos da secretaria ao processo avaliativo;
• as quatro escolas escolhidas deveriam ter sido acompanhadas, desde 2005, pela equipe do Cenpec e tido
uma relação de proximidade com a gestão escolar. A
Secretaria, considerando esses fatores, também interferiu na escolha da escola: optou por unidades localizadas na periferia, que apresentavam algumas dificuldades, por exemplo, em aspectos pedagógicos
ou no desempenho dos alunos;
• seleção de quatro professores de uma mesma escola,
contemplando cada uma das diferentes séries, sendo
eles professores que haviam participado das ações
de formação desde 2005 (ano em que o Estudar pra
valer! foi implementado nos municípios) e que estavam desenvolvendo o Projeto em sala de aula.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Definidos os critérios e esboçado o planejamento,
entramos em contato com os municípios participantes
para uma conversa inicial, quando apresentamos a proposta, que foi muito bem recebida por todos. Então, iniciamos a coleta de dados.
Os sujeitos do Estudo
Para cada um dos quatro municípios envolvidos no
Estudo, participaram quatro professores do 1º ao 4º ano
do ensino fundamental e seus respectivos alunos, além
da equipe gestora das escolas, que variou de uma instituição para outra. A seguir, apresentamos os sujeitos
envolvidos na pesquisa:
O Projeto Estudar pra Valer! Língua Portuguesa
O Projeto Estudar pra valer! Língua Portuguesa foi elaborado tendo em vista os resultados visíveis do fracasso
escolar no que se refere à leitura e à produção de texto,
ferramentas básicas para a aprendizagem em todas as
áreas do currículo.
Seu objetivo é formar e assessorar gestores das secretarias e das escolas e professores de 1º ao 4º ano do
ensino fundamental e acompanhar as unidades escolares
durante o desenvolvimento do Projeto.
Além disso, oferece um material de apoio específico,
estruturado em projetos de leitura e produção de texto,
para ser utilizado por professores e alunos. As atividades
pretendem propiciar situações concretas, em sala de aula,
de uso da língua em sua função social.
Espera-se, com o desenvolvimento do Projeto, que
os professores se apropriem da metodologia de projetos
de leitura e produção de texto, proposta por ele, e dos
fundamentos teóricos subjacentes, e passem a desenvolvê-la com os alunos.
Almeja-se também uma melhora no desempenho do
aluno no que se refere ao domínio da leitura e à produção
de textos orais e escritos em diferentes gêneros.
O Projeto é desenvolvido em parceria com a Fundação
Volkswagen e, atualmente, com os municípios de Bebedouro, Limeira, Resende e São Bernardo.
O Projeto foi inicialmente desenvolvido em Itanhaém,
em 2002 e 2003 e, desde 2004, também em Cajamar, por
iniciativa do município. Em 2003 e 2004, foi implementado no município de São Carlos, com financiamento da
Fundação Volkswagen.
55
MUNICÍPIO DE BEBEDOURO
MUNICÍPIO DE LIMEIRA
Escola EMEF João Pereira Pinho
@ 3 gestores da escola
@ 4 professores (do 1º ao 4º ano)
@ 105 alunos (do 1º ao 4º ano)
Escola EMEB Pastor Ismael Pereira Lago
@ 4 gestores da escola
@ 4 professores (do 1º ao 4º ano)
@ 126 alunos (do 1º ao 4º ano)
MUNICÍPIO DE RESENDE
MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO
Escola E.M. Dona Mariucha
@ 5 gestores da escola
@ 4 professores (do 1º ao 4º ano)
@ 108 alunos (do 1º ao 4º ano)
Escola EMEB Professor André Ferreira
@ 3 gestores da escola
@ 4 professores (do 1º ao 4º ano)
@ 119 alunos (do 1º ao 4º ano)
Cadastro
Primeiro, realizamos o cadastro de alunos e professores comprometidos com o Estudo Exploratório, fator imprescindível para que pudéssemos acompanhar longitudinalmente esse grupo.
Perfil dos professores e dos gestores
Coletamos informações sobre formação e experiência
profissional por meio de questionário estruturado. Com
esses dados, teríamos conhecimento sobre a trajetória
profissional desses educadores.
Perfil das escolas
Também coletamos dados, por meio de questionário estruturado, para a caracterização das escolas envolvidas.
O objetivo era investigar dados de abrangência (número
de alunos, profissionais, níveis de ensino da escola etc),
de infra-estrutura (espaços e equipamentos disponíveis)
e dados relativos aos aspectos pedagógicos (informações
sobre eventos culturais, organização do horário de trabalho coletivo dos educadores, ações para a recuperação da
aprendizagem dos alunos etc).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Coleta de dados sobre freqüência e rendimento dos alunos
Outra proposta foi a de levantar dados sobre a freqüência e o rendimento dos alunos em Língua Portuguesa,
em 2005. Essa coleta acontecerá durante os três anos
subseqüentes da implementação do Projeto nos municípios. A intenção é, ao final dos três anos, verificar se
houve mudanças em relação a esses indicadores.
Questionário de hábitos de leitura e práticas culturais
das famílias e dos alunos
Como o nível de desempenho dos alunos depende de
diversos fatores, pareceu-nos interessante considerar também o contexto familiar e suas práticas culturais. Nesse
sentido, as informações dos grupos de 3os e 4os anos foram
obtidas por meio de um questionário estruturado.
As entrevistas
Realizamos entrevistas com a equipe gestora das quatro escolas e com 15 professores envolvidos no Estudo.
Um roteiro semi-estruturado foi elaborado, contendo perguntas sobre o material, o desenvolvimento do Projeto na
EXEMPLOS DE PERGUNTAS DO QUESTIONÁRIO DE HÁBITOS DE
LEITURA E PRÁTICAS CULTURAIS DAS FAMÍLIAS E DOS ALUNOS
Que tipo de materiais de leitura
tem em sua casa?
( ) a. livros de escola/ didáticos
( ) b. dicionário e/ou enciclopédia
( ) c. Bíblia ou livros religiosos
( ) d. livros infanto-juvenis
( ) e. literatura em geral (poesia,
ficção, policial, romance, livros
técnicos, biografia etc. )
( ) f. revistas
( ) g. gibis
( ) h. jornais
( ) i. guia de ruas, catálogos
telefônicos
( ) j. livros e revistas de culinária ou
cadernos de receitas
( ) k. outro. Qual?_______
Seus pais ou outra pessoa da sua
família lêem ou já leram histórias
para você?
( ) a. Sim, com freqüência
( ) b. Sim, de vez em quando
( ) c. Sim, liam quando mais novo
( ) d. Não
( ) e. Não sei/não me lembro
Em sua casa alguém costuma ler
jornal?
( ) a. Sim, todos os dias
( ) b. Sim, quase todos os dias
( ) c. Sim, às vezes
( ) d. Não
( ) e. Não sei/nunca vi
Com que freqüência você vai a
shows?
( ) a. sempre
( ) b. às vezes
( ) c. raramente
( ) d. nunca
Com que freqüência você vai
ao cinema?
( ) a. sempre
( ) b. às vezes
( ) c. raramente
( ) d. nunca
Com que freqüência você vai
a museus?
( ) a. sempre
( ) b. às vezes
( ) c. raramente
( ) d. nunca
56
escola e na sala de aula, e os possíveis avanços dos alunos em relação à leitura e produção de texto.
Também realizamos entrevistas coletivas com 47 alunos. Em cada uma das escolas, esses alunos foram divididos em dois grupos, com uma média de seis participantes. Procuramos contemplar, em um grupo, alunos de 1º
e 2os ano e, em outro, de 3º e 4º ano, e assim descobrir
o que eles conheciam sobre o material, com quais projetos mais gostaram de trabalhar, como vivenciaram a leitura e a produção de textos dos diferentes gêneros propostos pelo Projeto etc.
As atividades
Esta foi uma das principais estratégias adotadas para a
realização do Estudo Exploratório. Desenvolvemos atividades de leitura e produção de texto com todos os alunos das quatro séries, totalizando 461 participantes. As
atividades foram realizadas em outubro de 2006, pelos próprios professores, com acompanhamento de profissionais da equipe de monitoramento e avaliação do
Cenpec. Eles receberam tanto as fichas contendo as atividades dos alunos quanto um instrumento com orientações para a sua aplicação.
Para a montagem dessas atividades, elaboramos inicialmente, para cada ano das quatro séries iniciais do ensino fundamental, uma matriz de indicadores, relacionados às habilidades trabalhadas no projeto: alfabetização,
ortografia, leitura e produção de texto. Os descritores do
Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo - Saresp (2005) e Prova Brasil (2006) serviram
como referências neste processo de elaboração.
Em seguida, para cada indicador, montamos questões
interligadas, por meio de uma situação contextualizada:
uma professora e sua turma de alunos em situações cotidianas de uma escola. Isso possibilitou, aos alunos, a interação com as atividades e, ao mesmo tempo, o estabelecimento de relações entre as situações de leitura e de produção e seu uso social. Todas as atividades e indicadores
foram elaborados e analisados por especialistas da área
de Língua Portuguesa e de avaliação de projetos.
Um aspecto importante deste Estudo foi o fato de os
professores entrarem em contato com um instrumento de
avaliação que consideramos formativo, já que cada questão continha as habilidades a serem avaliadas. Os próprios
professores, no dia da realização das atividades nas salas
de aula, entusiasmaram-se com a estruturação do instru-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
mento e a relação das questões com as habilidades; enfim, reconheceram que era uma maneira interessante de
avaliar o aluno.
A seguir, apresentamos, como exemplo, as atividades de
produção de texto dos alunos de 4º ano e os indicadores
referentes a essas questões.
III. Contribuições do estudo exploratório
Neste estudo, optamos por coletar dados de uma parte
dos alunos participantes. Para tanto, utilizamos uma diversidade de estratégias. Com elas, conseguimos obter um
conjunto de informações quantitativas e qualitativas de diferentes naturezas, que nos possibilitou um olhar abrangente sobre o contexto das escolas, alguns dados do letramento na família, a aprendizagem dos alunos envolvidos
no Estudo e a implementação do Projeto na escola. Além
disso, por meio da avaliação do Projeto, obtivemos informações sobre o contexto dos municípios, que serão levadas em consideração na análise dos resultados.
O outro aspecto que merece destaque é a realização
de uma avaliação longitudinal. Ela nos ajudará a analizar
os resultados do Projeto ao longo de três anos. Este é o
primeiro ano do Estudo. Pretendemos realizá-lo durante
os próximos dois anos. Segundo Soares (2005), para
fazermos uma avaliação de aprendizagem dos alunos,
seria necessário acompanhá-los, por meio de estudos longitudinais, durante parte de sua vida escolar,
e não somente por intermédio da aplicação de uma avaliação pontual. Portanto, neste caso, ela seria considerada, pelo autor, uma avaliação de desempenho.
Na área de avaliação e monitoramento, é comum a realização de avaliações no início e no final do processo,
para que se possa fazer comparações e visualizar as mudanças com a implementação do projeto. O valor deste Estudo longitudinal está em compreender quais ganhos os
alunos terão em relação às habilidades de leitura e produção de textos ao entrarem em contato com os diferentes gêneros discursivos que o material apresentará durante os quatro anos.
Embora este Estudo não tenha trabalhado com uma
amostra representativa do todo, julgamos que realizar uma
avaliação profunda dos resultados do Projeto na aprendizagem dos alunos tem sua validade se ela contempla uma
diversidade de estratégias de coleta de dados, coerentes
com aquilo que se pretende investigar.
Além disso, ficou evidente, neste processo, que a
57
adesão e o envolvimento dos participantes no Estudo foram fundamentais para que ele ocorresse. Todos os educadores e alunos mostraram-se disponíveis e muito receptivos à proposta de realização e participação no Estudo Exploratório.
No final do ano, como já tínhamos em mãos os resultados referentes às atividades de leitura e produção de
texto dos alunos, nós os disponibilizamos para as escolas, em tempo de serem utilizados como subsídio para o
planejamento de 2007.
Ao terminar apenas uma etapa da realização do Estudo Exploratório, percebemos que esta forma de coleta
de dados já nos deu subsídios para realizar uma avaliação significativa dos resultados do Projeto. A metodologia adotada não é a única possível, mas pode contribuir
para que se legitimem, cada vez mais, análises dessa natureza no campo da Avaliação.
Referências
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Estudo de caso em pesquisa e avaliação
educacional. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.
DRAIBE, Sônia Miriam. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de
trabalho em políticas públicas. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; BARREIRA, Maria Cecília Roxo Nobre (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação
de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001. p. 13-42.
SANT´ANNA, Ilza Martins. Por que avaliar? Como avaliar? Critérios e instrumentos.
11. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
SOARES, J. F. O efeito da escola no desempenho cognitivo de seus alunos. In: MELLO
E SOUZA, Alberto de (Org.). Dimensões da avaliação educacional. Petropólis:
Vozes, 2005. p. 174-204.
SOARES, José Francisco. Melhoria do desempenho cognitivo dos alunos do ensino
fundamental. Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, Ministério
da Educação/Inep (no prelo). Prova Brasil: escala de Língua Portuguesa. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/escala_port.
htm.>. Acesso em: 17 jul. 2006.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Saresp: habilidades avaliadas e gabaritos
das provas. 2005. Disponível em: <http://saresp.edunet.sp.gov.br/2005/
subpages/conheca.htm.> Acesso em: 14 jul. 2006.
Notas
1
2
3
4
A produção de uma matriz avaliativa foi a forma encontrada por nossa equipe
para organizar os indicadores e, conseqüentemente, os dados que ela pretende
coletar sobre o Projeto.
Para um melhor entendimento do significado dessa etapa avaliativa, citamos a
definição adotada por Sônia Miriam Draibe (2001, p. 19): “Avaliações ex-ante
precedem o início do programa, ocorrendo em geral durante as fases de sua
preparação e formulação; também referidas como avaliação diagnóstico, são
realizadas para apoiar decisões finais da formulação (...)”.
Uma das professoras de 1º ano que estava participando do Projeto desde o
início mudou de escola. A sua substituta não estava envolvida nas ações de
formação do Projeto, por isso, consideramos desnecessário entrevistá-la.
Ainda assim, como essa turma participou de todo o processo com a professora
antiga, optamos por incluí-la no Estudo Exploratório.
Falamos aqui de uma avaliação mais abrangente, realizada por meio da coleta
de dados já comentada neste documento: avaliação ex-ante de processo e de
resultado.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
58
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Vera Masagão Ribeiro
Vanda Mendes Ribeiro
Joana Buarque de Gusmão*
)NDICADORES
DEQUALIDADE
MOBILIZAM
AESCOLA
%
ste texto1 descreve e analisa um sistema de indicadores
sobre a qualidade da escola que vem sendo desenvolvido
no Brasil por iniciativa de uma organização não-governamental — a Ação Educativa — e dois organismos internacionais — Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância e PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, contando com a participação de outras instituições governamentais e não-governamentais de todo o
país. O principal objetivo deste sistema, e que lhe confere
características peculiares, é o engajamento da comunidade na luta pela melhoria da qualidade da escola.
Em primeiro lugar, descrevemos o contexto político
que gerou a iniciativa; em seguida, o processo de elaboração do sistema e, depois, seus fundamentos e características. Concluímos com comentários sobre as principais questões levantadas a partir da primeira utilização
experimental do sistema em 14 escolas de educação básica e as perspectivas do projeto.
* Vera Masagão Ribeiro é doutora em Educação e coordenadora
de programas da ONG Ação Educativa.
Vanda Mendes Ribeiro e Joana Buarque de Gusmão são consultoras, especialistas no desenvolvimento e avaliação de projetos
sociais.
i i
59
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Indicadores de avaliação do sistema educacional
brasileiro e seus usos sociais
Durante a década de 1990, instituiu-se no Brasil um
conjunto de instâncias de avaliação do sistema educacional em âmbito nacional. Em 1990, o Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB realizou seu primeiro
exercício de avaliação nacional, aplicando provas de conhecimento a amostras de alunos nos vários estados.
A partir de 1995, os levantamentos passaram a se concentrar nos estudantes da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio.
Inicialmente focalizando conteúdos curriculares
de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, as provas foram paulatinamente incluindo mais disciplinas.
Além de aplicar testes, o SAEB reúne informações sobre: a origem familiar dos alunos; seus hábitos e condições de estudo; as práticas pedagógicas dos professores; e as formas de gestão da escola, de modo
a reunir elementos que possam explicar as variações
no desempenho dos alunos e orientar o desenho de
políticas voltadas à melhoria do rendimento do sistema escolar.
Em 1998, o Ministério da Educação passou a aplicar
ainda o Exame Nacional de Ensino Médio, em caráter
facultativo, dirigido a todos os concluintes do ensino
médio, com o objetivo de avaliar o desempenho dos
alunos ao término da Educação Básica, oferecer uma
referência de auto-avaliação e ainda servir como alternativa aos processos de seleção para o ingresso no
ensino superior ou no mercado de trabalho. Em 1997,
também a avaliação do ensino superior passou a incluir, entre seus mecanismos, testes de conhecimento para os alunos concluintes.
Tal interesse por avaliações de sistemas educacionais com base na aplicação de testes em larga escala
teve ainda expressão em nível subnacional e internacional. Nesse período, algumas secretarias estaduais de
educação organizaram seus próprios sistemas de avaliação. Em 1997, o Brasil participou da primeira avaliação do Laboratório Latino-Americano de Avaliação da
Qualidade da Educação, sob coordenação da Unesco –
OREALC - Escritório Regional de Educação para América
Latina e Caribe e, em 2000, do Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes - PISA, iniciativa da OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Franco; Bonamino, 2001).
60
/3!%"PRETENDEREUNIR
ELEMENTOSQUEPOSSAM
EXPLICARASVARIA¿ÍESNO
DESEMPENHODOSALUNOS
EORIENTARODESENHODE
POLÅTICASPÒBLICAS
Ainda que a avaliação do rendimento dos alunos por
meio de testes aplicados em larga escala tenha sido a
grande novidade no período, outras iniciativas importantes ocorreram simultaneamente, resultando em progressos notáveis na produção e disponibilização de informações sobre o sistema escolar brasileiro. O INEP —
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira — passou a centralizar todos os serviços
de avaliação e informação.
Além de promover as avaliações mencionadas, o INEP
realiza anualmente o Censo Escolar e, periodicamente,
outros levantamentos especiais, por meio dos quais vem
reunindo informações sobre o número de matrículas e de
docentes, média diária de horas de aula, média de alunos
por turma, movimentação escolar (aprovação, reprovação
e conclusão), infra-estrutura dos estabelecimentos (pendências, equipamentos, transporte, serviços de água,
luz e esgoto), participação em programas de desenvolvimento do ensino, entre outros.
Essas informações, somadas às produzidas pelo IBGE
— Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — sobre as
taxas de freqüência escolar e o grau de escolaridade dos
vários grupos etários, oferecem um quadro amplo da situação do ensino básico brasileiro, que atende aproximadamente 44 milhões de alunos, em 250 mil escolas,
mas que ainda está longe de poder garantir os direitos
educativos prescritos na legislação brasileira, tanto em
termos de abrangência quanto de qualidade do ensino
oferecido. Todo esse esforço de avaliação e sistematização de informações tem como objetivo, segundo o próprio INEP, dar suporte à pesquisa e à tomada de decisões em políticas educacionais e, especialmente, orientar a formulação das políticas do Ministério da Educação (INEP, 2003).
As informações, normalmente reunidas por estados
e regiões, são publicadas pelo INEP na forma de relatórios e são divulgados pela imprensa. Mais recentemente, esse instituto tem procurado disponibilizar as informações desagregadas também por municípios e por es-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
tabelecimentos de ensino, de modo a torná-las mais significativas para os gestores locais.
As informações desagregadas normalmente estão disponíveis em suportes informatizados — bancos de dados
que permitem consulta via Internet ou arquivos eletrônicos — e também em suportes impressos: no verso do
formulário do Censo Escolar, que anualmente é enviado
a cada uma das escolas do país para preenchimento, o
INEP imprime um relatório com os principais indicadores relativos àquela escola.
Não há dúvida de que tais esforços, no que se refere à
informação e à avaliação, são fundamentais para o avanço
da pesquisa educacional no país e para o desenho de políticas públicas que respondam aos problemas prioritários,
assim como para o monitoramento e o controle social dessas políticas públicas. Entretanto, como acontece em outros
países da América Latina que estruturaram seus sistemas
de avaliação nesse mesmo período, o uso efetivo dessas
informações como instrumento de tomada de decisões e
melhoria do sistema de ensino permanece um enorme desafio (Wolff, s.d.).
Os resultados dos alunos nas provas de desempenho realizadas pelo SAEB têm ficado muito abaixo do esperado. Segundo uma nova leitura que o INEP está fazendo dos resultados de 2001, por exemplo, 22,2% dos alunos da 4ª série não estão alfabetizados e 36,8% estão em
situação crítica: só lêem frases simples de forma truncada
(INEP, 2003a).
Publicados na grande imprensa, normalmente enfatizados em manchetes alarmantes, esses dados provocam o debate público em torno das deficiências do nosso sistema
de ensino. Se tornar pública a problemática educacional é,
por um lado, um fator positivo, não se deve deixar de reconhecer seus limites e até mesmo seus riscos. Quem tem a
oportunidade de formar opinião com base na imprensa escrita é majoritariamente uma classe média cujos filhos não
estão em escolas públicas e que lamentam o baixo nível do
ensino público atual, tomando como referência uma imagem idealizada da escola pública do passado, uma escola
cuja excelência pedagógica era reconhecida, mas que, em
contrapartida, era muito mais elitizada.
Poucos têm condições de avaliar com precisão o desafio político e pedagógico colocado para o sistema de ensino público nos dias de hoje, depois que uma grande parcela das classes populares — antes totalmente excluídas
— conquistou o direito à escolarização, ainda que em condições precárias de inclusão.2 E, diga-se de passagem, o
61
tratamento dado à questão pela imprensa e os pronunciamentos das autoridades públicas para justificar o fracasso
de suas políticas nem sempre ajudam a esclarecer a opinião pública sobre o problema. O resultado é o reforço de
uma imagem negativa do ensino público, como sendo de
baixa qualidade, em que principalmente os professores
são responsabilizados, considerados mal formados, despreparados, etc.
Fenômenos amplos e complexos em sínteses
estatísticas
Como era de se esperar, não é grande a receptividade
dos professores e demais agentes escolares a dados de
avaliação que geram este tipo de representação da sua
identidade profissional. As reações podem variar do alheamento à transferência da culpa aos alunos — acusados
de serem pobres e oriundos de famílias desestruturadas
— ou aos pais — por seu pressuposto desinteresse pela
educação dos filhos.
As possibilidades de um uso mais produtivo, pelos
professores, dos resultados das avaliações — para diagnosticar problemas e reorientar a prática pedagógica —
são limitadas por um conjunto de fatores: os relatórios
quase nunca chegam às suas mãos, os métodos utilizados para definir os níveis de competência não são facilmente compreensíveis e, a partir deles, não é fácil derivar as ações remediadoras correspondentes. Além disso, por se basearem em amostras e produzirem resultados agregados por estado ou macrorregiões administrativas, os professores e demais agentes escolares não ficam plenamente convencidos de que o diagnóstico se
aplica à sua realidade (Vianna, 2003).
Mesmo os outros indicadores sobre os sistemas de
ensino — baseados em informação censitária e não dependentes das complexidades psicométricas dos testes
— têm sido apropriados de forma limitada pelas comunidades escolares. Fórmulas numéricas que descrevem
fenômenos macro — como a relação das matrículas com a
demanda potencial ou as distorções idade-série do alunato
— podem parecer triviais para especialistas, mas não o
são para a maioria dos professores, muito menos para
os alunos e seus familiares.
Analisar fenômenos amplos e complexos com base em
sínteses estatísticas não é operação comum para a maioria das pessoas, que usam outras estratégias para analisar
problemas e tomar decisões em sua vida cotidiana. Não
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
que os obstáculos cognitivos para a popularização desse
tipo de indicador sejam intransponíveis, principalmente
se existe efetiva motivação dos órgãos que os produzem
em apresentá-los de forma compreensível.
As razões do pouco uso de tais indicadores pela maioria das pessoas envolvidas com a prática educacional devem ser buscadas principalmente no domínio motivacional. É provável que esses indicadores não interessem às
comunidades escolares porque respondem a perguntas
que não foram formuladas por elas. Pesquisadores e
tecnocratas não observam e não interrogam a realidade escolar da mesma perspectiva que as pessoas que
a vivem cotidianamente.
Finalmente, é preciso ter em vista o cenário mais amplo em que se deu a implantação dos sistemas centralizados de avaliação da educação no país. Ela é parte de
um conjunto de reformas educativas hegemônicas em
países do Norte e do Sul, nas quais a avaliação centralizada se coloca como contrapartida à descentralização
administrativa e autonomização das escolas.
Acontece que, no Brasil, tais reformas se impuseram
num contexto de fortes restrições ao investimento do Estado em políticas sociais, devido à estagnação da economia e às exigências das instituições financeiras internacionais quanto à geração de superávits no orçamento público para tranqüilizar credores externos.
Os recursos investidos na educação não são suficientes
para gerar condições essenciais para o aperfeiçoamento do trabalho pedagógico das escolas, tais como: estabilidade das equipes docentes, disponibilidade para o
trabalho em equipe, proporção mais equilibrada entre
o número de professores e de alunos, enriquecimento e
diversificação dos materiais educativos, complementação de renda para as famílias de alunos em situação de pobreza.
Nesse contexto, os resultados das avaliações de desempenho e outros indicadores de qualidade da escola
não poderiam deixar de ser alarmantes. Mas apenas a
sua divulgação não é suficiente para gerar ações efetivas de correção de rumos. Apesar de haver um certo alarde na imprensa, que mobiliza um segmento da
opinião pública, as escolas não se apropriam dessas
informações, não conseguem assumir o papel de protagonistas e ainda acabam vitimadas pelo estigma da
incompetência.
62
Os sentidos da qualidade da educação
Analisando as críticas conservadoras à deterioração
da qualidade do ensino público, associada à sua rápida e desordenada expansão, Celso Beisiegel chama a
atenção para o fato de que as avaliações de qualidade
sempre variam de acordo com a situação de classe dos
observadores. Se, do ponto de vista das classes privilegiadas, a qualidade do ensino pode ter realmente piorado, é outra a perspectiva das grandes massas subalternas.
Conclui o autor:
Para quem não tinha acesso à educação escolar, mesmo este
ensino de má qualidade representa uma indiscutível melhoria,
isso não significa, obviamente, que as evidentes deficiências da
escola púbica sejam aceitáveis. É preciso melhorar as condições
de funcionamento da escola. Mas as avaliações da qualidade da
escola pública não podem ignorar as transformações qualitativas
introduzidas no ensino como conseqüência do processo de sua
extensão às classes populares (Beisiegel, 1999).
Estudos que procuram trazer à luz os valores atribuídos pelas classes populares à educação escolar mostram que, entre os aspectos mais valorizados, há muitos que não se referem à excelência acadêmica: a qualidade das relações humanas, a formação dos valores,
a disciplina e a organização, além da pertinência e utilidade das aprendizagens (Buratto; Dantas; Souza, 1998;
Charlot, 2001; Fezl, 2002). Não que as classes privilegiadas dispensem tais atributos nas instituições escolares, é mais provável que os tomem como pressupostos fora de questão.
Isso não poderia ocorrer com famílias de baixa renda
com perspectivas incertas, moradores de regiões com altos índices de violência, usuários de escola sem condições
mínimas de funcionamento. Além da diversidade determinada pelas diferenças de classe, é preciso levar em conta
ainda aquelas derivadas das relações de gênero, das relações interétnicas e da pertença territorial. É de se esperar, também, que não sejam idênticas as prioridades dos
alunos das diversas faixas etárias, as de seus familiares,
as dos professores, diretores, supervisores etc.
À medida que se reconhece a legitimidade dos pontos de vista de todos esses atores, além de sua capacidade de refletir e seu direito de participar das decisões,
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
é preciso buscar métodos de avaliação que fomentem
o debate coletivo e a atribuição de valor com base na
negociação entre os diferentes. Se se entende ainda que
o envolvimento dos agentes escolares e das comunidades é condição essencial para que se produzam mudanças na realidade educacional do país, é necessário fortalecer sua capacidade de refletir sobre seu cotidiano e
suas conexões com as problemáticas gerais dos sistemas educacionais.
Como observa Peter Spink, a avaliação democrática implica a utilização de indicadores, meios de coleta de informação, mensuração e atribuição de valor
que sejam compreensíveis e reconhecidos como relevantes pelo conjunto de pessoas que se quer envolver, métodos e instrumentos que apóiem o diálogo e
a participação.
O mesmo autor sugere que tal orientação conduz à
adoção de procedimentos avaliativos mais variados,
possivelmente estranhos àquilo que tradicionalmente se
entende cientificamente como “método”. É certo que,
quando a definição de indicadores e a atribuição de valores baseiam-se na perspectiva dos atores locais, as
possibilidades de generalização dos resultados da avaliação para o conjunto do sistema de ensino ficam comprometidas. Ainda assim — observa Spink — é possível fazer as várias perspectivas locais comunicarem-se
e identificarem as questões reincidentes e tendências
de melhoria mais gerais.
Com relação ao conflito entre a perspectiva local e
geral na construção de indicadores de avaliação de projetos sociais, o autor conclui:
Ter um indicador “limpo” para uso internacional é um problema
das agências internacionais e não para a esmagadora maioria de
pessoas que querem melhorar as condições de vida de seu bairro,
localidade, região e país. Portanto, em vez de aceitar automaticamente o “internacional”, não seria melhor inverter a situação e
pedir a estes que assumam a iniciativa de debater e dialogar com
os atores locais sobre a importância e a utilidade de certos métodos
de mensurar, em vez de exigir ou forçar? (Spink, 2001, p. 22).
Esta é a perspectiva do projeto Indicadores Qualitativos da Educação na Escola, que se está desenvolvendo
no Brasil e cuja descrição será feita a seguir. Sem a pretensão de substituir os indicadores existentes, nem de
menosprezar o seu valor como instrumentos de monitoramento das políticas educacionais, a iniciativa pretende oferecer um instrumento complementar, mais di-
63
retamente relacionado à perspectiva das comunidades
escolares e mais eficaz como incentivo e suporte ao seu
engajamento em ações coletivas que visem à melhoria
da qualidade da educação.
Uma experiência de construção de indicadores de
qualidade
Sob o incentivo do PNUD — Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento — e do Unicef — Fundo das
Nações Unidas para a Infância e Adolescência —, e com
o apoio financeiro deste último, a organização não-governamental Ação Educativa assumiu, no início de 2003, a
responsabilidade técnica de desenvolver um sistema de
indicadores populares de qualidade da escola. Ela mobilizou um grupo de trabalho composto por várias instituições de âmbito nacional, representativas na área,
além de especialistas.3 A coordenação do processo ficou a cargo da Ação Educativa, do PNUD e do Unicef, e
nela se engajou o INEP.
Contando com um estudo preliminar e uma primeira
sistematização de opções metodológicas, esse grupo de
trabalho se reuniu para definir as linhas gerais do projeto. A partir dessa reunião, precisou-se seu objetivo: a
construção e a disseminação de um conjunto de indicadores qualitativos de educação, de fácil compreensão,
que facilite o envolvimento dos diversos segmentos da
comunidade escolar em torno de um processo participativo de avaliação, visando instigar sua ação pela melhoria da qualidade da escola.
Chegou-se também ao consenso de que o públicoalvo do projeto era a comunidade escolar, ainda que outros atores políticos pudessem fazer uso dos seus resultados. Considerou-se que a comunidade escolar é constituída por pais, mães, diretores, alunos, professores
e demais funcionários da escola, podendo se incluir ainda conselheiros tutelares, de educação, dos direitos da
criança, ONGs, universidades e outras organizações in-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
teressadas e diretamente envolvidas com os problemas
da escola e a procura de soluções.
Com essas referências, elaborou-se uma versão preliminar do sistema. Membros do grupo de trabalho se mobilizaram para, articulados com escolas interessadas, utilizar experimentalmente o instrumental, com vistas a testar sua adequação aos objetivos propostos e reunir elementos para seu aperfeiçoamento.
Foram envolvidas, nessa etapa do trabalho, 14 escolas, distribuídas nas cinco regiões do território nacional:
sete escolas com ensino fundamental; seis, com ensino
médio e três, com educação infantil; sete escolas municipais (uma delas rural); seis, estaduais; uma, federal e
uma, comunitária.4
Finda essa etapa, o grupo de trabalho se reuniu novamente — desta vez, contando com a participação de
representantes das escolas que experimentaram o sistema — para debater as questões suscitadas, sugerir
aperfeiçoamentos e, principalmente, definir e estabelecer compromissos quanto a sua disseminação.
Além das orientações e sugestões dadas pelo grupo
de trabalho e pelos representantes das escolas, várias
referências serviram de base para o desenvolvimento
da proposta, dando pistas sobre os principais aspectos da realidade escolar a serem levados em conta e
sobre os meios de se chegar à atribuição de valor a
cada aspecto, com base no debate democrático, sem
perder de vista os parâmetros mais gerais do que se
entende por qualidade da educação.
O primeiro passo foi considerar a LDB — Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — como um documento que expressa um consenso sobre o que se
espera da educação no país.
64
Para a LDB, o objetivo maior do processo educacional brasileiro deve ser a formação básica para a cidadania, a partir da criação, na escola, de condições de
aprendizagem para:
• o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo,
como meio básico, o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
• a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em
que se fundamenta a sociedade;
• o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem,
tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
• o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de
solidariedade humana e de tolerância recíproca em que
se assenta a vida social.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN foram também uma importante referência bibliográfica para a construção dos indicadores, em especial no que se refere à concepção de avaliação como parte do processo educacional,
voltada para o ajuste e a orientação da intervenção pedagógica (MEC, 1997). A dimensão da prática pedagógica teve
ainda, como referência fundamental, os PCNs, no que diz
respeito à importância de se considerar a diversidade dos
alunos e seus diferentes tempos de aprendizagem.
Adveio dos PCNs a noção de que a escola deve instrumentalizar crianças e adolescentes para o processo democrático e de que ela deve se constituir em um ambiente socializador, no qual, por meio do respeito e da valorização
das diferenças socioeconômicas e culturais, contribui-se
para o desenvolvimento da identidade pessoal.
Escutar o que os diversos segmentos da população
entendem por qualidade educacional foi outro passo relevante na construção do conceito de qualidade que orientou o projeto. Nesse sentido, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação - CNDE, articulação de um conjunto amplo de organizações da sociedade civil, realizou, em 2001,
a Consulta sobre Qualidade da Educação na Escola, para
investigar o que a comunidade escolar entende por qualidade, partindo da premissa de que este é um conceito que
deve ser construído pelos que estão diretamente envolvidos com a escola e seu entorno (CNDE, 2002).
A Consulta ouviu professores, diretores, funcionários,
alunos, pais e pessoas da comunidade próxima à escola
em dois estados brasileiros. Seus resultados mostram que,
apesar de haver diferentes maneiras de se compreender o
conceito de qualidade, assim como diversos critérios de
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
avaliação, predomina uma visão de qualidade humanista,
que preza as relações humanas na escola. Uma grande importância foi dada à aprendizagem, ao trabalho e ao exercício da cidadania.
Os entrevistados também destacaram as condições básicas de funcionamento da escola para a educação de qualidade. Os questionários utilizados pela pesquisa apresentaram perguntas que apoiavam a comunidade escolar na
ponderação sobre a sua situação em relação aos indicadores. Os resultados da avaliação da descentralização de programas do MEC para o ensino fundamental, realizada pelo
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, em
1997, trouxeram também importantes informações sobre
as expectativas que professores, diretores, alunos e pais
têm em relação à escola (NEPP, 1997).
Grande inspiração para a parte metodológica do projeto
foi o texto Indicadores de Qualidade de Projeto, da organização mineira Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento CPCD. A instituição, em seu Projeto Bornal de Jogos, utiliza
indicadores qualitativos construídos coletivamente (assim
como os critérios) para a avaliação participativa das ações
que promove (CPCD, s.d.). Na metodologia, coordenadores, educadores, crianças, adolescentes e pais se reúnem
em roda, debatem e atribuem nota a um conjunto de 12 indicadores, como transformação, eficiência, harmonia, alegria, beleza e apropriação, entre outros.
Esses indicadores são construídos, pelos participantes,
de acordo com sua relevância e significação, segundo seus
próprios pontos de vista. Finalmente, são calculadas médias
das notas por indicador e segmento, assim como a média
geral do Projeto. Esta experiência demonstrou a eficácia e
a fecundidade do método participativo, que é um dos princípios do nosso trabalho, desde o seu início.
A concepção de espaço físico escolar do Fundescola
(Moraes, 2002) contribuiu para as formulações referentes ao espaço físico escolar, em especial com relação ao
conceito de “aproveitamento do espaço físico”. Segundo
o Fundescola, várias pesquisas sobre as condições dos
prédios escolares brasileiros mostram que a maioria das
escolas, sobretudo aquelas situadas nas regiões mais pobres, é muito pequena ou construída sem um projeto arquitetônico próprio, não dispondo de espaços específicos para bibliotecas, videotecas, reuniões com a comunidade etc., razão pela qual é importante considerar a
capacidade da comunidade escolar de utilizar os espaços de forma flexível e criativa.
A noção subjacente ao projeto — de que “o poten-
65
cial transformador dos indicadores se apresenta quando estes fazem parte de uma prática política de abertura para um verdadeiro diálogo, o que é sutilmente distinto do uso de indicadores para legitimar ações realizadas” (PGPC, 1999) — adveio da sistematização das oficinas realizadas entre 1998 e 1999, pelo Programa Gestão
Pública e Cidadania, para discutir a elaboração de indicadores qualitativos e quantitativos de impacto social e
padrões de avaliação de políticas públicas ao se buscarem estratégias locais de redução da pobreza.
Outros materiais de autores e instituições ligadas à
educação foram úteis para a construção das dimensões
de qualidade da educação. Democracia: uma grande escola — alternativas de apoio à democratização da gestão e à melhoria da educação pública, de Elie Ghanem
(1998), foi fundamental para a concepção da dimensão
da gestão escolar democrática.
O material do programa “Melhoria da educação no
município”, desenvolvido pelo Cenpec (2003), instituição que compõe o grupo de trabalho do projeto, foi útil
na construção de alguns indicadores e para a discussão
sobre a importância do plano de ação.
A publicação do Unicef, Todos pela educação no município: um desafio para cidadãos, contribuiu na construção de algumas perguntas de avaliação dos indicadores, além de servir de parâmetro para a adoção de uma
linguagem simples e clara no instrumental.
Outra fonte bibliográfica relevante foi o texto do Crer
para Ver, programa da Fundação Abrinq pelos Direitos da
Criança e do Adolescente, segundo o qual a educação
deve ser considerada um campo de direitos: direito ao
acesso; direito ao ensino de qualidade; direito à permanência na escola; direito a aprendizagens significativas e
à realização dos alunos (Fundação Abrinq, 2001).
O conceito de indicador utilizado no Projeto é de Leandro Lamas Valarelli, que sistematiza os debates sobre indicadores realizado em um grupo de trabalho próprio na Plataforma Novib (Valarelli, 2001). A obra traça
um quadro geral sobre o uso de indicadores sociais no
Brasil, pano de fundo importante para a construção dos
“indicadores qualitativos”.
Esta multiplicidade de referências bibliográficas,
empíricas e conceituais produziu um quadro multifacetado, heterogêneo e complexo do que poderia ser o
conceito de qualidade em educação, aplicado ao sistema brasileiro de ensino, tendo em vista a sua enorme
diversidade social, cultural, econômica e geográfica.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Diante dessa complexidade, ficou claro que não poderíamos adotar um conceito unívoco e totalizador da qualidade em educação que coubesse em enunciado do tipo
“a qualidade em educação é...” e ponto final. Não pode
haver um conceito absoluto que resuma a qualidade em
educação a um único atributo.
Se não havia como estabelecer um conceito absoluto, também não queríamos resvalar para um relativismo
tão amplo que, admitindo válida qualquer significação
para esse conceito, acabasse por torná-lo vazio e inócuo.
A solução encontrada foi organizar os múltiplos aspectos
do que foi levantado, nas diferentes fontes pesquisadas,
como sendo constitutivo dessa qualidade em educação,
em seis dimensões, cada qual enfatizando determinadas
funções atribuídas à escola. Assim, formulamos um sistema de mensuração da qualidade que coloca, nos próprios sujeitos, a prerrogativa de atribuir valores às diferentes dimensões da realidade escolar.
O SISTEMA DE INDICADORES, SUAS DIMENSÕES
E A METODOLOGIA DE OPERACIONALIZAÇÃO
O sistema de indicadores proposto abrange seis diferentes
dimensões, entendidas como aspectos da qualidade da escola, traduzindo a ampla concepção de qualidade educativa
adotada pelo projeto:
1. ambiente educativo;
2. prática pedagógica e avaliação;
3. gestão escolar democrática;
4. formação e condições de trabalho dos profissionais da
escola;
5. ambiente físico escolar;
6. acesso e permanência dos alunos na escola.
INDICADORES DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO
Para obter todo o material referente aos Indicadores,
organizado e editado pela Ação Educativa, utilize este
endereço: <http://www.acaoeducativa.org.br/indicadores/
downloads.htm>.
Cada uma dessas dimensões é constituída por um
grupo de indicadores avaliados por perguntas a serem
respondidas coletivamente. As respostas permitem à
comunidade escolar avaliar a qualidade da escola no
que diz respeito àquele indicador, ou seja, se a situa-
66
ção é boa, média ou ruim. O instrumental procura levar
a comunidade escolar a obter, de forma simples e acessível, um conjunto claro de sinais que possibilita a percepção dos problemas e virtudes da escola, de forma
que todos os envolvidos possam conhecê-los, discutilos e decidir quais são as prioridades de ação para melhorar esse quadro.
Para facilitar o trabalho da comunidade escolar, propusemos, no instrumental, um caminho para a operacionalização do sistema de indicadores. Os participantes da
comunidade escolar devem se dividir em grupos, por dimensões. Cada grupo deve ser composto por representantes dos vários segmentos da comunidade e eleger um
coordenador e um relator, sendo, este último, o responsável pela anotação e exposição, na plenária, do resultado da discussão do grupo.
As perguntas vinculadas a cada um dos indicadores se referem a práticas, atitudes ou situações que os
qualificam.
• Caso o grupo avalie que essas práticas, atitudes ou situações estão consolidadas na escola, deverá atribuirlhes cor verde, pois podem ser consideradas boas. O
instrumental deixa claro que, neste caso, a escola está
num bom caminho no constante (e infinito) processo de
melhoria da qualidade.
• Se, na escola, essas atitudes, práticas ou situações ocorrem, mas não podem ser consideradas recorrentes ou
consolidadas, o grupo lhes atribuirá cor amarela. Elas
merecem cuidado e atenção.
• Caso o grupo avalie que, na escola, essas atitudes, situações ou práticas são inexistentes ou quase inexistentes, irá atribuir-lhes cor vermelha, pois exigem intervenção imediata.
As cores atribuídas às perguntas ajudam o grupo a ponderar e decidir sobre qual das três cores melhor reflete a situação da escola em relação a cada indicador. Para se chegar a
um consenso sobre a cor que deve ser atribuída à dimensão
pela qual o grupo é responsável, também é importante visualizar as cores atribuídas aos indicadores. No próprio documento, à frente de cada pergunta, indicador e dimensão, há
quadrinhos nos quais os participantes podem anotar as cores atribuídas. Finalizada a discussão, o grupo deve colorir
um quadro-resumo que traz somente o nome da dimensão
e indicadores, o qual é exposto na plenária geral (momento
em que todos os grupos estão reunidos para a exposição dos
resultados das discussões realizadas em cada grupo).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
A partir da utilização experimental do instrumento,
observou-se que, muitas vezes, a síntese da avaliação
de um certo indicador com a cor amarela poderia camuflar a presença de aspectos considerados críticos (vermelhos), porque compensados por outros, julgados como
bons (verdes). Considerou-se que tal avaliação do indicador pela média não seria o procedimento mais conveniente. Assim, o grupo deveria levar a plenário os aspectos identificados como críticos, mesmo que, no conjunto,
a situação fosse mediana.
Observou-se também que seria conveniente que houvesse meios de representar graficamente (utilizando duas
cores na qualificação de um indicador) os casos em que
não se chegasse a um consenso. A existência de pontos
não-consensuais, por si, já seria um sinal relevante a ser
considerado pela comunidade escolar e, por isso, eles deveriam ser explicitados.
Ao final da discussão de cada grupo, o relator obtém
uma lista de problemas e virtudes da escola. Então, o instrumental sugere que o grupo escolha os problemas prioritários e as principais virtudes, os quais serão levados à
plenária geral dos grupos. Com os problemas prioritários
selecionados no âmbito de cada dimensão, os grupos de
trabalho se reúnem com os demais para ouvir o que cada
um tem a dizer, promovendo um grande debate sobre o
retrato que a comunidade escolar está obtendo da atividade educacional.
Para facilitar o debate na plenária, sugere-se que
cada grupo de trabalho fixe, na parede, o quadro-resumo, com as cores atribuídas aos indicadores e à dimensão pela qual ficou responsável. A exposição à platéia
gira em torno de dois pontos:
• justificar as cores atribuídas a cada um dos indicadores e à dimensão (resumir as discussões feitas nos
grupos) e
• relatar os problemas prioritários eleitos.
Após a exposição de todos os grupos, recomendase que seja promovido um último debate que apóie a
eleição final das prioridades. Estas prioridades deverão
pautar um plano de ação a ser elaborado pela comunidade escolar.
O significado das seis dimensões
Na dimensão Ambiente Educativo, os indicadores (sinais de qualidade) se referem ao respeito, à alegria, à
amizade e à solidariedade, à disciplina e tratamento ade-
67
quado aos conflitos, ao combate à discriminação e ao
exercício dos direitos e deveres: práticas que garantem a
socialização e a convivência e desenvolvem e fortalecem
a noção de cidadania e de igualdade entre todos. Pressupõe a idéia de que a escola é simultaneamente um
espaço de ensino, aprendizagem e vivência de valores e
que, nela, os indivíduos se socializam, brincam e experimentam a convivência com a diversidade humana.
A dimensão Prática Pedagógica e Avaliação está focada no seu objetivo maior: fazer com que os alunos
aprendam e adquiram o desejo de aprender mais e de
forma autônoma. O projeto procura pautar a idéia de
que, mediante uma ação planejada, intencional e refletida do professor no dia-a-dia da sala de aula, a escola
facilitará o alcance desse objetivo maior. A prática pedagógica precisa também estar voltada para o desenvolvimento do aluno por meio da observação, da compreensão das diferenças, da contextualização, da demonstração de interesse e cuidado, de atividades que permitam a exploração das potencialidades individuais e de
apoio à superação de dificuldades. A avaliação é tratada como parte integrante do processo educacional, que
possibilita o ajuste do trabalho realizado para que o aluno aprenda. Os indicadores dizem respeito à existência
de formas variadas e transparentes de avaliação dos alunos, à relação intrínseca entre planejamento e avaliação
e ao monitoramento da prática pedagógica e da aprendizagem dos alunos.
A utilização de fontes de avaliação variadas é tratada como indicador de uma avaliação mais completa, que
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
possibilita inter-relacionar as diferentes capacidades do
aluno, os conteúdos curriculares em jogo e os resultados
obtidos. A auto-avaliação é considerada uma ótima estratégia de aprendizagem e construção da autonomia, facilitando a tomada de consciência, pelos alunos, dos seus
avanços, dificuldades e potencialidades. O monitoramento da prática pedagógica e da aprendizagem deve estar
focado na observação do progresso e das dificuldades de
cada um; nas reflexões propiciadas pelas reuniões pedagógicas e reuniões com os pais; e na existência de procedimento formalizado para avaliar o resultado do trabalho
de todos os profissionais da escola. A existência de profissionais de apoio pedagógico é também considerada
aspecto fundamental para o acompanhamento da prática pedagógica e da aprendizagem dos alunos.
A Gestão Escolar Democrática focaliza o compartilhamento das decisões e a preocupação com a qualidade,
com a relação custo-benefício e com a transparência. Os
indicadores procuram fazer com que a comunidade escolar perceba que, quando as escolhas são feitas pelos principais interessados na qualidade do serviço, a chance de
que caminhem na direção correta é maior. O bom funcionamento dos conselhos escolares, como mecanismos amplamente disseminados de participação da comunidade
escolar, é outro indicador de qualidade da gestão.
A participação direta de pais, mães, representantes
de serviços públicos, comerciantes e associações locais,
ONGs e Universidades e o estabelecimento de parcerias
locais são também tidos como sinais de uma gestão democrática, tendo em vista que muitas pesquisas mostram seu alto potencial para engendrar mudanças positivas e inovações.
O projeto considera ainda que uma gestão democrática requer capacidade de lidar com conflitos e opiniões divergentes, num exercício contínuo e cotidiano de diálogo
e negociação. O bom aproveitamento das oportunidades
de melhoria disponibilizadas por programas governamentais destinados à escola pública é também demonstrador
de uma gestão cuidadosa e preocupada com as condições
físicas e educacionais da escola.
Todos os profissionais da escola são considerados
agentes estratégicos para a realização das intenções educativas, manifestadas no projeto político-pedagógico. Por
isso, selecionou-se a dimensão relativa às Condições de
Trabalho e Formação dos Profissionais da Escola como essencial quando se discute qualidade. Os professores são
responsáveis por aquilo que os especialistas conceituam
68
!METODOLOGIAESTIMULAO
DEBATEEXPLICITAADIVERGÂNCIA
TRAZ¸LUZQUESTÍESQUEANTES
PASSAVAMDESPERCEBIDAS
EPROVOCAADISPOSI¿»ODE
RESOLVERPROBLEMASDETECTADOS
/BSERVOUSEAINDAQUEOUSODAS
CORESFACILITAACOMPREENS»OE
AOPERACIONALIZA¿»ODOSISTEMA
EPERMITEAVISUALIZA¿»ODO
RETRATODAESCOLAmPRODUZIDOn
PELACOMUNIDADEESCOLAR
como transposição didática. Sua atuação imprime marcas
nos percursos educativos dos alunos.
Cada um dos demais profissionais tem também um
papel fundamental no processo educativo, cujo resultado não depende apenas da sala de aula. Também inclui a vivência e a observação de atitudes no cotidiano escolar. Tamanha responsabilidade exige boas condições de trabalho, preparo e equilíbrio, razão pela qual
se valorizou a garantia de formação continuada dos profissionais e outras condições, como a estabilidade do corpo docente, que incide sobre a consolidação dos vínculos
e dos processos de aprendizagem, e uma adequada relação entre o número de professores e o de alunos.
A escolha da dimensão Ambiente Físico Escolar se baseou na constatação de que a prestação de serviços de
qualidade e as boas condições de trabalho dependem de
espaços educativos organizados, limpos, arejados, cuidados, em geral e particularmente, com móveis, equipamentos e materiais didáticos adequados à realidade da escola. O bom aproveitamento dos recursos existentes é considerado um indicador importante, uma vez
que o país lida com a escassez de recursos.
Incentiva-se ainda a percepção da relação entre a organização do espaço, o convívio entre as pessoas e a necessidade de se trabalhar com uma concepção de educação que flexibilize a organização deste espaço, proporcionando assim as condições para o desenvolvimento adequado das atividades de ensino e aprendizagem. Recursos suficientes e de qualidade é outro indicador que denota a relação adequada entre o ambiente físico escolar,
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
as necessidades do processo educativo e o envolvimento da comunidade. Chama-se a atenção também para o
vínculo entre o processo educativo de qualidade, a organização, o cuidado e a beleza do espaço físico.
A dimensão do Acesso e Permanência dos Alunos na
Escola reflete o grande desafio da educação brasileira
hoje, que é fazer com que as crianças e os adolescentes
permaneçam na escola e consigam concluir os níveis de
ensino em idade adequada. As escolas são levadas a
refletir sobre o quanto conhecem da sua situação:
• Quem são os alunos que apresentam maior dificuldade no processo de aprendizagem?
• Quem são aqueles que mais faltam?
• Onde e como eles vivem?
• Quais são as suas dificuldades?
• Quem são os alunos que a abandonaram ou se evadiram?
• Quais os motivos?
• O que estão fazendo?
• A escola tem algum mecanismo para trazê-los de
volta? Uma proposta metodológica para apoiar as
escolas que desejarem promover o retorno destes
alunos é apresentada no final do instrumental.
Principais questões levantadas a partir da
experiência-piloto
de fundo, relacionadas à avaliação participativa e seu
potencial como fator de democratização da escola e do
sistema de ensino.
Pela escola e para a escola
Uma das recomendações mais enfáticas do grupo de
trabalho foi a de que se deixasse claro, no instrumental e nas iniciativas para a sua disseminação, que a proposta em pauta é de uma avaliação da escola feita pela
escola e para a escola. Processos avaliativos que servem para controles externos ou para definir cotas de repasse de recursos acabam por comprometer a disposição dos agentes escolares em expor abertamente seus
problemas.
Comunicar aos governantes
Em nenhum momento, este sistema de indicadores
deve ser confundido com os mecanismos utilizados habitualmente pelos órgãos administrativos para coletar informação sobre as unidades escolares. No entanto, considerou-se fundamental, para a melhoria do sistema educacional, que as secretarias e órgãos governamentais possam ter acesso aos principais problemas vivenciados pelas escolas.
Diálogo colaborativo
Avaliação positiva
De forma geral, os agentes que participaram da experiência-piloto de utilização do sistema de indicadores
para conhecer a qualidade da escola avaliaram-na positivamente. Destacaram que as dimensões e os indicadores selecionados fazem sentido para os diversos segmentos envolvidos: geram perguntas, prendem a atenção, favorecem a partilha de informações. A metodologia estimula o debate, explicita a divergência, traz à luz
questões que antes passavam despercebidas e provoca a disposição de resolver problemas detectados. Observou-se ainda que o uso das cores facilita a compreensão e a operacionalização do sistema e permite a visualização do retrato da escola “produzido” pela comunidade escolar.
Democratização
Além das sugestões pontuais para o aperfeiçoamento
do instrumento, foi levantada uma série de questões
69
Numa proposta de avaliação como esta, a discussão
sobre o papel das secretarias municipais e estaduais
ou mesmo do Governo Federal denota uma certa desconfiança que permeia a relação das diversas instâncias
que compõem o sistema educacional. O grupo considerou que um bom caminho para tentar sair desse paradoxo pode estar na articulação entre sociedade civil e
governo, de modo que, ao se disseminar o instrumental ou buscar informações sobre os resultados da avaliação, mantenha-se o espírito do diálogo colaborativo
e não o do controle.
Controle democrático de políticas públicas
Segundo os participantes da oficina, o instrumental
precisa reconhecer o papel dos órgãos administrativos
do sistema, incentivando a superação do seu papel controlador e impositivo, com o objetivo de transformá-lo em
incentivador, apoiador e coordenador de iniciativas geradas na base do sistema. O instrumental produzido é não
só uma ferramenta para a escola se conhecer e propor
ações para a melhoria de sua qualidade, como também
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
pode ser um dispositivo de controle democrático de políticas públicas. A sua apropriação pelas escolas vai gerar demandas para as redes e é preciso mobilizá-las para
que estejam abertas para ouvir e negociar.
Falta de comunicação
Outra questão amplamente discutida no grupo de trabalho foi a dos conflitos e divergências de opinião geradas no processo de avaliação. As circunstâncias propiciadoras desses conflitos foram principalmente as da
Avaliação, Prática Pedagógica e da Gestão Escolar.
No caso da Avaliação, as divergências se deveram
ao sistema de ciclos, que não tem o apoio dos pais, e
também a uma visão de que as metodologias de avaliação qualitativa da escola foram implementadas, pelo
sistema educacional, de “cima para baixo”.
A dimensão referente à gestão escolar também denotou potencial de conflito por lidar com as relações de
poder dentro da escola. O não-compartilhamento de
informações e a falta de comunicação foram amplamente citados como fontes de conflitos durante o
processo avaliativo.
A importância dos conflitos
Quanto à prática pedagógica, as divergências entre
alunos e professores sobre a participação dos alunos no
planejamento e na avaliação foram comuns. O grupo de
trabalho ponderou sobre a importância de se conceber o conflito como um fator positivo e construtor de
democracia, razão pela qual o instrumento não deve
focalizar a busca de consenso a qualquer preço. Ao
contrário, a metodologia deve oferecer a possibilidade
de que conflitos não solucionados possam ficar explicitados no documento, uma vez que forçar o consenso resulta na prevalência das opiniões dos segmentos mais fortalecidos da comunidade escolar, normalmente o grupo de professores ou o diretor.
O grupo apontou dois caminhos possíveis para a
operacionalização do sistema, tendo como preocupação o conflito entre os segmentos: um deles seria iniciar a discussão com todos os segmentos representados nos grupos de trabalho por dimensão (tal como
o instrumento foi testado) ou organizar os grupos por
segmentos para, em seguida, trabalharem em conjunto.
70
Os defensores da segunda proposta acreditam que
essa solução fortaleceria os grupos que conhecem menos a dinâmica escolar, como os pais, mães e os alunos.
Aqueles que optam pelo primeiro caminho avaliam que
separar os grupos por segmentos, ainda que num segundo momento eles possam estar juntos, pode incidir negativamente sobre a predisposição ao diálogo necessário ao processo de planejamento e mudança.
Escola e sistema educacional
Outra questão de fundo diz respeito aos problemas
que nitidamente se situam fora do âmbito de governança da escola, em especial à questão do financiamento. Observou-se que é necessário incluir, entre as
dimensões avaliadas, a relação da escola com o sistema educacional (secretarias municipais ou estaduais
e suas instâncias) e, em última instância, os organismos que definem e controlam o orçamento público,
os poderes executivo e legislativo. A escola de qualidade é também um ator político, situado dentro de
um sistema amplo com o qual precisa dialogar e negociar. Os indicadores não podem reforçar a idéia de
que a escola resolverá todos os problemas somente
com base em seus próprios recursos ou nos recursos
da comunidade, sem considerar a relevância do investimento público.
Crítica dos critérios de qualidade
Finalmente, foi discutida a questão da relação entre
os critérios de qualidade produzidos pela escola e os
padrões mais gerais, estabelecidos por sistemas centralizados de avaliação e pela própria legislação educacional. Todas as escolas que apresentaram os resultados de sua avaliação ao grupo de trabalho haviam
atribuído ao indicador relativo ao conhecimento e uso
dos indicadores de desempenho, produzido pelo INEP
e secretarias de educação, a cor vermelha, que revela
prática inexistente ou quase inexistente, que exige intervenção imediata. A coincidência confirma um diagnóstico já conhecido pelas pessoas que trabalham e
estudam a questão, como foi comentado na primeira
parte deste artigo.
A aposta do projeto Indicadores Qualitativos da
Educação na Escola é que o envolvimento da comunidade escolar em processos participativos de avaliação
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
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pode suscitar o seu interesse em conhecer esses indicadores e considerá-los também um parâmetro para
seu julgamento. Todos os membros da comunidade escolar são capazes de perceber e refletir sobre as conexões entre a sua realidade local e as questões sociais
mais amplas, sobre suas expectativas e as expectativas dominantes no conjunto da sociedade, sobre os
conflitos de interesse produzidos por uma sociedade
marcada por tantas desigualdades como a nossa.
O fundamental é que os membros da comunidade
escolar possam perceber que parâmetros de qualidade
mais universais ou gerais não pairam sobre nós como
entidades oriundas do Olimpo: eles são produzidos
pela sociedade e resultam do jogo de forças entre os
diversos agentes técnicos e políticos. Com essa perspectiva, os resultados das avaliações em grande escala e outras estatísticas educacionais podem vir a ser um
importante instrumento de monitoramento e mesmo
de reivindicação para as comunidades escolares. Estas
mesmas comunidades também podem colaborar para
aperfeiçoar tais indicadores, criticando-os, identificando suas insuficiências ou fontes de distorções.
Disseminação
A primeira publicação em larga escala foi produzida
no final de 2003 e serviu de apoio ao processo de
mobilização, disseminação e apropriação do sistema
pela comunidade escolar. Para tanto, foram utilizadas
as redes de atuação das instituições participantes do
grupo de trabalho.
A distribuição da publicação via sistema educacional (Governo Federal e secretarias) foi associada a ou-
71
tras formas de disseminação, tais como falas explicativas em eventos promovidos pelo governo e pela sociedade civil, para evitar a consolidação da imagem de
que se trata de um instrumento para controle.
A realização de cursos de capacitação de pessoas
da área (professores, diretores e membros dos Conselhos Municipais e Estaduais de Educação) para o uso
do instrumento surgiu também como alternativa relevante, já que reforça a autonomia da escola em seus
processos avaliativos. Os cursos oferecidos pelo MEC
abriram espaço para a efetivação de momentos formativos com base no instrumental. Dentre eles, podemos citar aqueles oferecidos pelo Programa Fortalecimento dos Conselhos Escolares5 e também a versão
piloto do Programa Escola de Gestores.6 A Ação Educativa disponibilizou o material e informações sobre
sua aplicação em escolas no país. Tal mecanismo foi
importante para o processo de disseminação e criação de redes, visando à mobilização e ao envolvimento do maior número de escolas na avaliação participativa da qualidade da educação.
Aperfeiçoamento
A primeira publicação trouxe sete dimensões: avaliação e prática pedagógica foram tratadas em duas
dimensões distintas. A utilização da metodologia em
várias escolas possibilitou o aperfeiçoamento de alguns indicadores e também levou à percepção de que
seria mais adequado agrupar os indicadores relativos
às duas dimensões acima.
Uma nova dimensão: Ensino e Aprendizagem da
Leitura e da Escrita.
Responsáveis pela iniciativa, membros do Grupo
Técnico, especialistas da área de várias regiões do país
e gestores governamentais avaliaram que o Indicadores da Qualidade na Educação deveria também propiciar, à comunidade escolar, um momento de reflexão
sobre a qualidade do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita na escola. Em 2006, com apoio financeiro da Cafise/SEB/MEC, a Ação Educativa ampliou
o Grupo Técnico do Projeto Indicadores da Qualidade
na Educação visando responder a esta nova demanda.
Passaram a constituir, então, o GT, as seguintes instituições: quatro centros de formação da área de alfabetização que compõem a Rede Nacional de Formação Continuada do MEC (Ceale/UFMG; Ceel/UFPE; Cefortec/UEPG;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Cform/UNB) além de organizações não-governamentais
referenciais na área – Instituto Avisa-lá; Cedac; Centro
de Cultura Luiz Freire; Instituto Paulo Freire; Projeto
Chapada; Instituto Ayrton Senna; e Fundação Victor
Civita. Duas novas publicações do Projeto Indicadores da Qualidade na Educação estão em fase de finalização: uma que trará apenas a nova dimensão (Separata) e outra que apresentará as seis dimensões da
publicação original somadas à nova dimensão voltada à Leitura e Escrita.
Para encerrar, é importante destacar que um dos
aspectos mais promissores da experiência até aqui foi
a diversidade dos atores envolvidos no desenvolvimento
dos indicadores. O grupo de trabalho agregou agências internacionais, organizações da sociedade civil,
gestores do sistema de ensino no nível federal, estadual e municipal, diretores e professores de escolas,
pesquisadores e especialistas em educação e planejamento. São profissionais envolvidos na problemática
escolar que nem sempre têm a oportunidade de sentar à mesma mesa para dialogar.
Muitos outros atores podem e devem participar, especialmente membros de conselhos e de associações populares. Sabemos que os problemas dos nossos sistemas
de ensino não são apenas técnico-pedagógicos, e sim
predominantemente políticos. As condições e os recursos necessários para democratizar o acesso a uma educação de qualidade no país não estão dados. É preciso
que os agentes escolares se reconheçam tanto como
atores pedagógicos, quanto atores políticos, cuja mobilização é essencial para a conquista dessas condições, para que sejam feitos os investimentos necessários nos sistemas educacionais e nas escolas.
O mais valioso sinal que podemos captar dessa experiência é o de que, para alcançar uma educação de
qualidade para todos no Brasil, é estratégica a aliança entre os profissionais de ensino, a população e as
organizações da sociedade civil com os órgãos públicos das diversas esferas de governo e as agências internacionais.
A partir do enfrentamento das divergências, dos
conflitos de interesse e das relações desiguais de poder, do estabelecimento de alianças, da partilha de informações e da integração dos diferentes, vão-se construindo democraticamente novos sentidos para a melhoria da qualidade da educação na escola.
72
Referências
BEISIEGEL, Celso de Rui. Avaliação e qualidade do ensino. In: BICUDO, Maria
Aparecida; SILVA JR., Celestino (Org.). Formação do educador e avaliação
educacional: organização da escola e do trabalho pedagógico. São Paulo:
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5
Notas
1
2
3
4
Artigo atualizado com base no original publicado no periódico Cadernos de
Pesquisa, n. 124, v. 35, p. 227-251, jan./abr. 2005.
Termo utilizado por José de Souza Martins (1997) ao discutir o tema da
desigualdade social no Brasil e a questão da inclusão e da exclusão.
Além das organizações coordenadoras, participaram do processo as seguintes organizações: Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas sobre Educação e
73
6
Cultura; Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em especial o Cedeca
– CE; CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; Consed – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação; Fundação
Abrinq pelos Direitos da Criança; MEC – Secretaria de Educação Infantil e
Fundamental (especialmente, o Fundescola – Fundo de Fortalecimento da
Escola); IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Instituto Polis;
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (órgão vinculado ao
Ministério do Planejamento do Governo Federal); Undime – União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação e UNCME – União Nacional dos
Conselhos Municipais de Educação. Maria Malta Campos, pesquisadora da
Fundação Carlos Chagas, também prestou colaboração destacada.
As escolas participantes foram: Escola Municipal Izaira Machado de Freitas
Camargo (Formosa/GO), Escola Municipal Consulesa Margarida Maksud Trad
(Campo Grande/MS), Escola Municipal Professora Mauricila Sant’Ana (Rio
Branco/AC), Escola Estadual Márcia Meccia e Escola Estadual Maria Anita
(Salvador/BA), Escola Municipal de Ensino Fundamental Antônio Carlos de
Andrade e Silva, Escola Estadual Madre Paulina e Escola Estadual Professora
Ruth Cabral Troncarelli (São Paulo/SP), Escola Fundamental do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais e Creche da Universidade
Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte/MG), Escola Municipal Professor
Moacyr Teixeira (Londrina/PR), Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino
Fundamental Frei Tito de Alencar e Escola Estadual de Ensino Fundamental
e Médio Marwin (Fortaleza/CE).
Este Programa está sendo implementado pela Cafise/SEB/MEC. Os Indicadores da Qualidade na Educação compõem um kit de vários cadernos
utilizados na formação dos Conselheiros.
O INEP – coordenador da versão piloto do Escola de Gestores – fez uma
adaptação do Indicadores da Qualidade na Educação para uso exclusivo no
processo formativo, o qual tinha como eixo central a aplicação do material
pelos gestores escolares em suas respectivas escolas e a problematização
dos resultados da discussão gerada em cada comunidade escolar.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
RELATO DE PRÁTICA: INDICADORES DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO
Uma ferramenta para a construção da democracia
Waldenir (Nino) Bernini Lictenthaler*
Neste ensaio, pretendo discutir a relação entre a qualidade na educação e a “gestão escolar democrática”,
sob o enfoque da “participação da comunidade escolar”, que tem sido apontada como um dos ingredientes
necessários para promover melhorias na educação escolar pública brasileira.
Esta discussão tem, como referência, algumas experiências de uso dos Indicadores da Qualidade na Educação em todo o Brasil, com destaque para a experiência desenvolvida na Rede Municipal de Ensino de Ituiutaba, Minas Gerais.
O que é educação de qualidade?
A Constituição Federal de 1988 e a LDBN de 1996 consagram o acesso à educação de qualidade como um direito fundamental da cidadania. Homens e mulheres, negros, brancos, índios ou mestiços, de Norte a Sul e de
Leste a Oeste desta imensa nação, dos mais jovens aos
mais velhos, têm o direito de compartilhar o patrimônio
cultural comum da humanidade mediante sua educação,
especialmente a educação escolar.
O Estado brasileiro é signatário de tratados e convenções internacionais que estabelecem metas e prazos para
os esforços de universalização do acesso à escola, prioritariamente à educação básica, para as crianças. Tal esforço deveria se traduzir em fortes investimentos financeiros que permitissem o cumprimento destes compromissos, o que, sabemos, não aconteceu, ainda.
Na década de 1990, verificamos alguns avanços em
termos de distribuição de recursos financeiros, notadamente pelo implemento do Fundef. Mais do que aumen* Waldenir (nino) Bernini Lictenthaler é antropólogo e educador; assessor da Ação Educativa/Unicef, responsável pela disseminação dos
indicadores da qualidade na educação em nível nacional; analista pericial em Antropologia do Ministério Público Federal em Marabá/PA.
74
tar significativamente os orçamentos destinados às escolas das regiões mais pobres do país, o Fundo trouxe a
novidade de repartir recursos entre os entes federados,
com base no número de alunos matriculados nas redes
estaduais e municipais de ensino, às quais compete oferecer as vagas no ensino fundamental.
Este princípio fez com que os gestores das redes cuidassem de assegurar o maior número de matrículas possível, visando ao correspondente repasse de recursos.
Não cabe aqui discutir os impactos do Fundef em termos
de melhoria na qualidade da educação, mas certamente podemos afirmar que seu advento contribuiu para a
quase universalização do acesso às matrículas nas escolas públicas do ensino fundamental.
A grande crítica que se fez, então, é que os valores
per capita, estabelecidos para repasses de recursos do
Fundo, eram irrisórios, inviabilizando que estes alunos
incluídos na educação escolar recebessem um atendimento de qualidade.
O argumento oficial do MEC foi de que não seria verdade
que os recursos financeiros eram insuficientes. O problema,
afirmava-se, era de gestão: os recursos estariam sendo mal
administrados, assim como o processo pedagógico também
era mal gerido – e, eventualmente, mal executado.
O Governo Federal estaria fazendo a sua parte ao assegurar o acesso universalizado ao ensino fundamental –
primeira etapa. Caberia, agora, aos sistemas e às escolas,
gerir com eficiência seus problemas administrativos e pedagógicos em busca da qualidade – segunda etapa.
Disseminou-se e se estabeleceu fortemente, então,
o discurso da parceria entre Estado e sociedade, o que,
na educação escolar, traduziu-se em parceria escola-comunidade. Formou-se um consenso em torno da idéia de
que a responsabilidade pela melhoria na qualidade da
educação não era apenas do Estado ou da escola, e sim
que esta melhoria dependia da participação de toda a
sociedade, ou de toda a comunidade escolar.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Poderíamos discutir longamente se essa postura poderia significar uma renúncia, da parte do Estado, de sua
responsabilidade, compromisso e dever de assegurar a
qualidade da educação pública, mas a gravidade da matéria e as múltiplas perspectivas que ela comporta exigiriam um outro ensaio.
Aqui, quero reter somente que esta convocação à
participação da comunidade decorre da emergência de
um novo marco legal, político e institucional em que se
desenvolve a educação pública em nosso país; marco
este que estabelece a democratização, a descentralização e a autonomia como princípios da gestão dos sistemas de educação e das escolas, e — como horizonte —
o aprimoramento da qualidade da educação e a construção de uma sociedade democrática e da cidadania ativa. Resta saber, então, quais são os atributos necessários para que a educação seja considerada de qualidade ou, dito de outra forma: em que consiste a qualidade na educação?
É notória a diversidade de concepções que encontramos sobre a qualidade da educação e mesmo sobre
o que seja a educação, suas finalidades e sua função
social. Há quem afirme, sem titubear, que uma escola
nada mais é que uma empresa. Seus clientes seriam os
alunos e suas famílias, e seu produto, algo como: “alunos que aprendem” ou “os conhecimentos que os alunos ali receberam”.
Assim, da mesma forma que uma empresa que busca
a “qualidade total” deve ter seu foco no cliente e na sua
satisfação com a qualidade dos produtos fornecidos, a escola de qualidade deve ter seu foco nos seus produtos, e
a qualidade da escola poderia ser medida simplesmente
avaliando estes produtos, ou seja, avaliando seus alunos
e o quanto conseguiram aprender na “empresa” escolar.
Dessa visão, aqui simplificada por razões de espaço e estilo, decorrem as grandes avaliações de sistemas
como o Saresp - Sistema de Avaliação de Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo, Provão (Exame Nacional de Cursos – ENC) e outras tantas que surgiram nesse contexto. Elas têm em comum a pretensão, aparentemente ingênua, de avaliar a qualidade da escola pelo
desempenho dos alunos em provas.
Para outros, contudo, há muitas diferenças entre as
duas instituições, sendo que a primeira e mais fundamental é que, enquanto toda e qualquer empresa visa
obter lucros, ou seja, ganhar o máximo com o menor
custo, uma escola tem por objetivo — mais ou menos
75
aceito por todos — o pleno desenvolvimento humano
do educando.
Quer dizer, uma escola não tem como objetivo de
sua atividade produzir excedentes financeiros ou materiais. Assim, a lógica financeira do gerente da empresa
é: “Como eu posso produzir mais e melhor gastando menos?”. Enquanto a lógica do gestor da escola é: “O que
e quanto eu preciso para assegurar que o aluno realizará seu pleno desenvolvimento na escola?”.
Por que os indicadores da qualidade na educação?
Em 2003, a partir de uma iniciativa da Ação Educativa,
Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância, Pnud
- Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento e MEC/INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, um conjunto de instituições representativas da área da educação, dentre as
quais o Cenpec - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, constituíram um grupo técnico para construir e disseminar indicadores de
qualidade para a educação que fossem mais qualitativos e que pudessem abarcar também o processo, retirando o foco do “produto”, como nas avaliações de sistemas já existentes.
A idéia era que esses indicadores contribuíssem para
promover a mobilização da comunidade escolar em torno de ações voltadas ao cumprimento do direito da educação de qualidade para todos. Para isso, deveriam ser
criados indicadores de fácil compreensão que permitissem à comunidade avaliar a qualidade da escola, sem
que fossem necessários conhecimentos técnicos específicos muito aprofundados sobre a educação escolar, o
que inviabilizaria a efetiva participação, especialmente
dos mais pobres e menos escolarizados.
Depois de meses de trabalho e pesquisa, os parceiros envolvidos chegaram aos Indicadores da Qualidade
na Educação. Criado para ajudar na avaliação e na melhoria da qualidade da escola, o documento é uma espécie de manual que permite a identificação de problemas e favorece a compreensão das questões relacionadas com a qualidade escolar, abrindo espaço para uma
melhor participação da comunidade escolar na melhoria da educação.
Para tanto, foram identificados sete elementos constitutivos da qualidade, que, na publicação, receberam o
nome de dimensões. São elas:
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
•
•
•
•
•
ambiente educativo;
prática pedagógica;
avaliação;
gestão escolar democrática;
formação e condições de trabalho dos profissionais;
• espaço físico;
• acesso, permanência e sucesso na escola.
A base desse instrumental de avaliação participativa é composta por perguntas focadas em indicadores da
qualidade escolar, as quais devem ser respondidas por
meio da atribuição de cores:
• verde para bom;
• amarelo, quando a situação exige atenção;
• vermelho, quando a situação requer uma intervenção que a qualifique.
Para se chegar a atribuir uma cor, cada grupo precisa,
antes, debater e construir uma avaliação coletiva do ponto
em discussão; além de atribuir uma cor, os grupos necessitam sistematizar o que foi debatido. O instrumental traz
pequenos quadros para que a sistematização dos debates
possa ser visualizada pelos demais. A explicitação em conjunto dos debates favorece uma avaliação qualitativa; e a visualização das sistematizações das avaliações dos grupos
permite a identificação do que vai bem e do que vai mal na
escola. Assim, a comunidade escolar tem um painel no qual
se pode visualizar a situação geral da qualidade da escola,
em face das diversas dimensões que a constituem, para,
com mais clareza, buscar coletivamente as soluções.
Ao final, o instrumental fornece orientações para a
elaboração de um plano de ação, que estabelece prioridades e co-responsabiliza os diversos segmentos: as comunidades escolares, o poder público e as organizações
interessadas na promoção da qualidade escolar.
76
O documento foi distribuído gratuitamente pelo Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, da Secretaria de Educação Básica do MEC, para todas as escolas públicas de ensino fundamental e médio
do país, com mais de 200 alunos, chegando diretamente a mais de 70 mil escolas; envolve, ainda, nesse processo, parcerias com as Secretarias de Educação Municipal e Estadual. Hoje, seu uso está bastante difundido,
embora não haja um controle de quantas escolas exatamente tenham adotado a metodologia.
Principais experiências
A primeira experiência de uso sistemático dos Indicadores da Qualidade na Educação aconteceu em Londrina, Paraná, em 2003. Ainda na fase de elaboração
do material, foi realizado um pré-teste em uma escola
do município. Devido ao bom desenvolvimento do teste, foi sugerido o acompanhamento do uso do material
nas demais escolas da rede municipal. Em 2004, foram
realizadas avaliações em 13 das 28 escolas municipais
de Londrina.
Entretanto, verificamos que a Secretaria Municipal
de Educação não compreendeu o alcance que o trabalho poderia ter na aproximação entre a gestão municipal e as comunidades escolares, como um instrumento de diálogo e de conhecimento da realidade e das demandas específicas de cada unidade escolar e fortalecimento das instâncias de participação. Assim, os resultados das avaliações não foram tomados como indicativos de direcionamento de políticas e de programas para
a educação municipal e acabaram não gerando maiores
conseqüências.
A primeira secretaria estadual de educação a se interessar pelos Indicadores foi a do Piauí, justamente
um dos estados mais pobres da Federação. Fizemos diversas ações de formação para o pessoal da Secretaria
e das Delegacias Regionais de Ensino, e o uso dos Indicadores passou a ser uma política oficial do Estado. Por
falta de recursos, entretanto, a sua implantação nas escolas vem acontecendo gradativamente e sempre com o
acompanhamento da Secretaria Estadual.
Outro estado que adotou sistematicamente os Indicadores foi a Bahia. Lá, a metodologia foi incorporada ao programa de formação do Progestão, que oferecia formação para os gestores das escolas da rede estadual. Realizou-se um trabalho intenso de disseminação
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
da metodologia, que a tornou conhecida em praticamente todas as escolas estaduais da Bahia.
O estado do Amazonas também promoveu a divulgação dos indicadores em sua rede de ensino, oferecendo
uma formação para seu uso aos representantes das diversas regiões do estado. Entretanto, o uso efetivo não
foi monitorado pela Secretaria de Educação; ficou a critério de cada escola, sem acompanhamento.
Outros municípios — como São Luís, Maranhão; Suzano, São Paulo; São Félix, Bahia, entre tantos — e diversas organizações não-governamentais e institutos empresariais também utilizaram a metodologia. O município de Suzano adotou os indicadores incluindo a avaliação no calendário das escolas. Estive em diversas localidades na condição de assessor do Projeto Indicadores, sob a responsabilidade da Ação Educativa, realizando ações de formação e atuando como facilitador no uso
do instrumental, com recursos do Unicef. Entretanto, não
existe um quadro geral dos resultados destas múltiplas
iniciativas. Como os indicadores, desde sua concepção,
foram destinados às próprias comunidades escolares,
seus idealizadores não se preocuparam em manter um
monitoramento que agregasse os resultados das iniciativas de uso, dispersas pelo país.
Uma política municipal de educação pela base
Uma experiência merece especial destaque: a de Ituiutaba, no Pontal do Triângulo Mineiro. Em 2005, a assessora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura – SMEC, Luciane Ribeiro, entrou em contato com
a Ação Educativa solicitando apoio técnico para a realização de avaliações participativas com os indicadores
na rede municipal. Os recursos que o Unicef vinha repassando para estas ações, contudo, já haviam se esgotado. Mesmo assim, a secretaria quis contratar os serviços de assessoria, arcando com o investimento financeiro correspondente.
Foi a primeira Secretaria de Educação que pagou para
receber este apoio técnico. Penso que esse dado não
seja irrelevante, pois é indicativo do nível de interesse
dos gestores da educação, nesse município, em implantar um processo de gestão democrática.
Em 23 de março de 2005, a Secretaria Municipal de
Educação de Ituiutaba realizou o Fórum Municipal de Educação. Durante o evento, aconteceu a formação para uso
dos Indicadores da Qualidade na Educação.
77
A iniciativa de levar os Indicadores para o Município partiu do Centro de Estudos do Magistério e Aperfeiçoamento Cemap, da Secretaria Municipal de Educação. Quando assumiu seu mandato, o atual prefeito, Fued José Dib, pediu
aos funcionários da educação que trabalhassem com empenho para atingir um patamar de excelência. Ao procurar
por referências sobre a qualidade em educação, Luciane
Ribeiro, do Cemap, chegou aos Indicadores.
O evento de formação para o uso do instrumental Indicadores da Qualidade na Educação foi então caracterizado como Fórum Municipal de Educação. Compareceram cerca de 200 pessoas, entre as quais, o prefeito, o
secretário municipal de educação, Isaías Tadeu, secretários de outras pastas, a diretora e técnicos da Regional de Ensino da Secretaria Estadual de Educação, vereadores, membros do Conselho Municipal de Educação,
professores universitários de faculdades locais, professores e alunos das redes municipal e estadual, além de
secretários de educação e educadores de municípios vizinhos (da região do Pontal do Triângulo Mineiro).
No dia da formação, houve uma cerimônia de abertura, durante a qual as crianças das escolas municipais fizeram apresentações artísticas e o secretário de Educação e o prefeito discursaram, destacando a vontade política da administração atual em promover a qualidade
da educação no município.
Durante a oficina, houve espaço para o debate. Foi realizado um exercício de reflexão coletiva: logo no início
do trabalho, foi apresentado um conjunto de cinco definições diferentes de qualidade na educação aos participantes e cada um teve que escolher aquela que julgava a mais adequada. As pessoas manifestaram sua opinião e justificaram suas escolhas.
A “pegadinha” é que todas as definições são válidas.
O que muda é apenas o enfoque ou a ênfase em certos
atributos da “qualidade”. O objetivo desta estratégia foi
mobilizar a capacidade reflexiva dos participantes para
pensar o conceito de qualidade e, simultaneamente, fazêlos perceber a sua complexidade.
Ao entenderem a validade das diferentes visões sobre o que é qualidade, eles vivenciam a mesma dificuldade que o grupo técnico que elaborou os Indicadores
sentiu ao ter de escolher as “dimensões”, pois sempre
haverá algum componente da qualidade que não será
contemplado.
À tarde, foram formados grupos de trabalho para analisar as sete dimensões dos Indicadores, com base na re-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
alidade das escolas locais. Os grupos demonstraram boa
compreensão do instrumental e da metodologia de aplicação. No momento das apresentações e da plenária final, as avaliações foram muito positivas quanto ao potencial do instrumental para o estabelecimento das diretrizes da educação no município de Ituiutaba.
Como corolário, as avaliações foram realizadas nas 17
escolas da rede municipal e em mais duas da rede estadual, que manifestaram interesse em aderir ao trabalho,
por intermédio da Delegacia Regional de Ensino.
Maratona comunitária
A rede municipal de Ituiutaba esteve mobilizada, na
semana de 29 de agosto a 2 de setembro de 2005, para
mais uma etapa do processo de avaliação das escolas da
rede pública com os Indicadores da Qualidade na Educação. Após realizarem a avaliação usando os indicadores,
as comunidades escolares voltaram a se reunir para definir prioridades e elaborar planos de ação, com base nos
resultados levantados na avaliação participativa.
Foi uma verdadeira maratona, que envolveu a assessoria da Ação Educativa e as 14 escolas: 12 municipais
e duas estaduais. Houve uma significativa participação
da comunidade na maior parte das escolas, gerando discussões de suma importância, uma vez que, juntos, professores, estudantes, funcionários, gestores, familiares e
a comunidade, de um modo geral, procuravam soluções
coletivas para os problemas da escola.
Depois disso, os planos de ação foram analisados em
conjunto, de modo a serem considerados no processo de
definição das diretrizes e prioridades da gestão municipal para os próximos anos. É importante destacar que,
concomitantemente, a sociedade de Ituiutaba realizou
a discussão e a elaboração participativa do Plano Municipal de Educação para os próximos dez anos.
Segundo a avaliação de Luciane Ribeiro, “a utilização
dos indicadores nas avaliações participativas das unidades escolares tem sido um diferencial neste processo do
Plano Decenal. Tem permitido que todos tenhamos mais
clareza quanto às dimensões envolvidas na qualidade
que queremos para a educação de Ituiutaba”.
Em 3 e 4 de novembro de 2005, houve outro encontro
para a discussão das diretrizes municipais de educação,
partindo dos resultados das avaliações realizadas, nas unidades de ensino, com os Indicadores da Qualidade na Educação, como fechamento do processo de avaliação de to-
78
das as escolas municipais, iniciado em março desse ano.
O objetivo principal dessa ação foi traçar diretrizes para a
política municipal de educação para os próximos três anos,
período de vigência da atual administração.
Durante os dois dias, foram alternadas discussões
sobre princípios e fundamentos de uma política municipal de educação, a socialização dos resultados das avaliações realizadas em cada escola e os planos de ação
resultantes. Com base em pequenos textos introdutórios, as discussões versaram sobre temas como: o que
é, como se organiza e qual a razão de existir de um Sistema Municipal de Educação. Também foram abordadas
questões concernentes à gestão escolar democrática, entre elas: os Conselhos Escolares, o Conselho Municipal
de Educação, as Conferências Municipais de Educação,
formas de escolha da direção da escola, limites e possibilidades de participação.
Domar o monstro autoritário
A socialização dos resultados do processo de avaliação
e planejamento consumiu a maior parte do tempo, pois
houve uma tendência a descrições detalhadas de particularidades da escola, objeto do relato, e uma certa dificuldade em se transpor a abordagem cotidiana de pequenos problemas (a goteira, o monte de entulho que demorou para ser removido, a tomada elétrica que precisa
de manutenção etc.) para uma reflexão em torno de programas de ação mais gerais que pudessem inspirar diretrizes para a política municipal de educação.
A respeito da participação democrática, muitos manifestaram ainda pouca convicção de que este é o melhor
modelo para a gestão escolar e também para o sistema
municipal. A maior parte do grupo não demonstrou haver
se apropriado de fundamentos para realizar uma discussão qualificada desses temas. O processo de sistematização dos resultados não teve, também, qualidade suficiente para facilitar a socialização e a formação de um
grande painel, no qual fosse possível visualizar as cores
atribuídas aos indicadores, para então se concentrar a
atenção sobre aqueles cuja situação fosse comum a todas ou à maioria das escolas do município.
Porém, em que pesem esses limites, os relatos trouxeram muitos elementos positivos de processos que se iniciaram a partir do uso dos indicadores, tanto nas unidades escolares quanto na rede municipal. Ao menos uma
conseqüência de fundamental importância já se verifi-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
mAUTILIZA¿»ODOSINDICADORES
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QUALIDADEQUEQUEREMOSPARA
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,UCIANE2IBEIRO
cou na gestão municipal: a volta da reunião pedagógica
semanal no horário de trabalho regular.
Esse ponto foi considerado crítico, na avaliação com
o Indique, em todas as escolas, pois a Secretaria Municipal havia determinado a proibição da dispensa dos alunos nas tardes de sexta para viabilizar as reuniões entre
os professores e as equipes gestoras das escolas. Isso
por determinação da Secretaria Estadual de Educação,
já que a rede de Ituiutaba ainda não se constituiu como
um sistema municipal de educação, estando, portanto,
subordinada às normatizações do sistema estadual.
Ao mesmo tempo que se abriu uma discussão sobre
a necessidade de o município ter maior autonomia em
relação ao estado, a avaliação com os Indicadores gerou
um processo que fez a Secretaria Municipal rever essa
decisão e contratar uma equipe permanente de suplentes para que os professores possam se reunir sem dispensar os alunos.
A avaliação desse momento foi muito positiva, pois,
mais do que um evento, trata-se de um processo. E o diálogo com os dirigentes da educação no município prosseguiu, amadurecendo cada uma das partes e levando
a resultados sólidos.
Em 2006, o trabalho continuou, tendo sido implementado um conjunto de programas de ação em função das
demandas levantadas por meio das avaliações. Agora, os
Indicadores da Qualidade na Educação estão consolidados com uma política da SMEC de Ituiutaba. A Secretaria
avança na direção da construção de sua autonomia, iniciando estudos para a criação de seu Sistema Municipal
de Educação, que deve acontecer em breve.
79
À guisa de conclusão, podemos acrescentar que a
construção de uma gestão democrática, assim como de
uma sociedade democrática, não é um processo linear e
uniforme. Sem dúvida, todos nós somos muito democráticos até o momento que os desejos e opiniões dos outros, especialmente dos mais fracos, contraponham-se aos
nossos. Situações como as provocadas pelos Indicadores da Qualidade na Educação são emblemáticas dessas
características de nossa cultura autoritária e hierárquica.
Muitas vezes, nas avaliações, professores, ou mesmo
alunos, manifestam sua descrença de que os “poderosos” acatarão as deliberações das comunidades. Vários
exemplos de atitudes despóticas são arrolados como argumentos nesse sentido. Porém, acredito que a democracia — mais do que um conceito que, uma vez assimilado, transforma valores, atitudes e comportamentos —
é um princípio e um horizonte.
Um princípio que deve regular nossas práticas, discursos e ações e que precisamos observar em nós mesmos,
vigiando e zelando para que saibamos domar o monstro
autoritário que se esconde em nosso inconsciente. E um
horizonte, já que não se pode construir uma democracia
por decreto e todas as democracias historicamente existentes foram ou são imperfeitas.
Cabe a todos nós manter firmes a convicção e o empenho na caminhada rumo a esse horizonte, por mais
que ele, às vezes, pareça se afastar à medida que andamos em sua direção.
Notas
1
Agradeço carinhosamente a Joana Borges Buarque de Gusmão, que me
convidou a colaborar no Projeto Indicadores da Qualidade na Educação, e
a Vera Masagão, da Ação Educativa, pela confiança depositada.
2
O Fundef - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério foi instituído pela Emenda Constitucional 14,
de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei 9.424, de 24 de dezembro do
mesmo ano, e pelo Decreto 2.264, de junho de 1997. O Fundef foi implantado,
nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova
sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao ensino fundamental
(ver sítio: <www.mec.gov.br>).
3
LONGO, Rose Mary Juliano. Gestão da qualidade: evolução histórica,
conceitos básicos e aplicação na educação. Brasília: Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, jan. 1996.
4
Note-se que a mesma gestão do MEC que lançou os PCN foi a que criou os
sistemas de avaliação baseados em provas. Tudo estaria bem se toda a
concepção de avaliação apresentada nos PCN — ou seja, que ela deve ser
individualizada, processual, partindo de um diagnóstico etc. — não fosse
absolutamente contraditória com uma avaliação baseada em testes de verificação de conhecimentos ou em provas, como as que foram implementadas.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
79
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
80
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
artigo
ERIKA HIMMEL KÖNIG*
!DEFESADEUMA
CULTURAAVALIATIVA
/
propósito deste relato é estimular o debate sobre a
“cultura avaliativa”. Para tanto, apresenta-se, em primeiro lugar, o conceito de avaliação, um dos pilares desta exposição e dos programas nacionais de avaliação do rendimento escolar. Em segundo lugar, elabora-se a idéia de
“cultura avaliativa” no contexto educacional em geral e,
em particular, com relação às avaliações massivas. Em
terceiro lugar, expõem-se alguns fatores que favorecem
ou inibem o desenvolvimento de uma cultura avaliativa,
tendo como exemplo o caso do Chile. Por fim, examinamse os efeitos que a formação da cultura avaliativa pode
ter sobre o sistema educacional, assim como sobre o debate político e público em geral.
1. O conceito de avaliação e os programas nacionais
de avaliação do rendimento escolar
O conceito de avaliação converteu-se em um dos elementos centrais do discurso educacional da atualidade. No entanto, como seu significado está longe de ser
unanimemente aceito, será adotada aqui uma conceituação, para efeito desta exposição, que diz respeito ao
seu entendimento como processo para a determinação
do valor ou mérito de um objeto educacional submetido
à avaliação, qualquer que seja ele.
Isso implica identificação, análise e aplicação de critérios ou padrões determinados para avaliar a qualidade, a utilidade, a efetividade ou o significado do objeto em questão.
O processo avaliativo emprega métodos de averiguação e juízo que incluem:
• a determinação de critérios ou padrões para julgar o
valor ou mérito, especificando se eles serão absolutos ou relativos;
* Erika Himmel König é pesquisadora e professora catedrática da
Pontifícia Universidade Católica do Chile.
81
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
• a coleta de informação relevante;
• a aplicação dos critérios ou padrões para determinar
o valor ou mérito, qualidade, utilidade, efetividade ou
significado do objeto em questão.
Todo esse processo culmina com recomendações que
orientam as ações necessárias para melhorar a qualidade, a utilidade, a efetividade ou o significado do objeto
avaliativo, neste caso, sempre de caráter educacional.
A avaliação é aplicada agora a aspectos muito variados,
para averiguar, por exemplo, a aprendizagem dos alunos, a competência dos professores ou a qualidade das
instituições escolares, dos planos e programas educacionais, dos programas de inovação pedagógica, das reformas educacionais e da própria educação.
Na presente década, os programas nacionais para
avaliar a aprendizagem ou o rendimento dos alunos
têm adquirido especial relevância. Esta tendência encontra suas raízes em diversos fatores que têm contribuído para a implantação desses programas. De um
lado, durante várias décadas, os países centraram todos os seus esforços na expansão da cobertura dos sistemas de Educação, o que significou que a ênfase das
políticas educacionais e dos investimentos no setor esteve focada nos instrumentos. Em outras palavras, construíram-se mais escolas e se contrataram mais professores para oferecer acesso à educação a toda a população em idade escolar.
No entanto, uma vez conquistado esse objetivo, surgiu a necessidade de se conhecer os resultados do esforço empregado. Sobretudo, porque se detectou, nos países em que o problema de cobertura foi sendo gradualmente solucionado, que a expansão dos sistemas educacionais foi realizada à custa da qualidade do serviço
educativo, já que os investimentos requeridos superavam
amplamente suas possibilidades econômicas.
Dessa forma, desponta um forte interesse político e
público por indagar o que efetivamente os alunos aprendem na escola. Esta inquietação é reforçada pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Unesco,
1990, art. 4 – Concentrar a atenção na aprendizagem),
que assinala:
A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento efetivo — para o indivíduo ou para a sociedade
— dependerá, em última instância, de, em razão dessas mesmas
oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja, apreenderem conhecimentos úteis, habilidades de raciocínio, aptidões
e valores.
82
De outro lado, a economia exerce pressão cada vez
maior sobre a educação, conseqüência do aumento do
livre comércio e da concorrência entre as nações. Estas
exigem mão-de-obra cada vez mais qualificada para atender ao lucro e à competitividade. Assim, recupera-se a
confiança na educação como alicerce para o desenvolvimento do que se consagrou chamar de “capital humano”, uma das dimensões cruciais no desenvolvimento
das economias (Kellaghan, 1997; Tiana, 1999).
Coexistência de sistemas
A decisão de organismos internacionais (BID – Banco
Interamericano de Desenvolvimento, OEA – Organização
dos Estados Americanos, Banco Mundial, por exemplo) de
oferecerem apoio financeiro ao setor educacional, tendo como contrapartida a demonstração de seu impacto
sobre a melhoria dos vários sistemas educacionais, tem
contribuído para impulsionar os programas de avaliação
em andamento (Lockheed, 1992).
Nesse contexto, os sistemas nacionais de avaliação
têm avançado, permitindo:
• adquirir informações acerca do êxito das metas educacionais;
• identificar variáveis internas e externas ao sistema
que explicam as desigualdades nos resultados;
• prever com segurança o funcionamento do sistema
no futuro;
• proporcionar indicadores sobre os itens mais pertinentes do sistema.
Os sistemas de avaliação compreendem, em geral,
a aplicação de provas ou testes referentes ao êxito das
aprendizagens esperadas nas áreas do conhecimento
constituintes do currículo escolar, complementadas ocasionalmente com questionários sobre variáveis potencialmente explicativas da variabilidade dos resultados,
que são disseminados entre os agentes educacionais diretos e indiretos.
Entre os propósitos assinalados mais freqüentemente
para esses sistemas de avaliação, destacam-se:
• instituir e avaliar políticas educacionais;
• avaliar programas educacionais específicos;
• acompanhar as mudanças sobre os resultados educativos ao longo do tempo;
• responsabilizar professores, escolas, regiões e outras
subdivisões administrativas pelas aprendizagens alcançadas pelos estudantes;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
• selecionar e distribuir os alunos por níveis educacionais superiores;
• atestar o êxito da aprendizagem dos estudantes;
• proporcionar dados aos pais e responsáveis sobre a
qualidade da educação oferecida pelas escolas;
• diagnosticar necessidades de aprendizagem.
Como é muito difícil, senão impossível, atingir todos
esses propósitos por meio apenas de um sistema de
avaliação, freqüentemente coexistem dois ou mais sistemas com intenções diferentes (Lockheed, 1996; Greaney; Kellaghan, 1996). Em todo caso, espera-se que um
sistema, ou programa, que se proponha a alcançar alguns dos propósitos enunciados:
• contribua para uma melhor compreensão do funcionamento do sistema educacional;
• proporcione as orientações necessárias para as tomadas de decisão de diversos atores em diferentes
níveis;
• auxilie na melhoria da qualidade do serviço
educativo.
Ou seja, supõe-se que a avaliação do rendimento escolar tenha um impacto sobre o próprio sistema educacional que vá muito além de proporcionar informação sobre
si mesmo. Espera-se que as informações orientem decisões que conduzam a ações efetivas, que, por sua vez,
possam ser avaliadas pelos próprios sistemas, sempre
que difundidas clara e oportunamente, bem como que
o programa, ou sistema, demonstre estabilidade ao longo do tempo.
2. A “cultura avaliativa”
O termo “cultura” encerra um conceito polissêmico e
complexo. Mais ainda se combinado com o de avaliação no âmbito educacional. Sem pretensão reducionista, mas no afã de chegar a um acordo para estimular a
discussão, propõe-se entender por “cultura avaliativa” a
combinação adicional de ações avaliativas formais que
se difundem com a aplicação dos resultados de tais avaliações, para as tomadas de decisão e para o reconhecimento social da relevância da informação avaliativa. Em
outros termos, propõe-se a seguinte equação:
Cultura Avaliativa
Difusão das
ações avaliativas
+
Aplicação dos
resultados
+
Relevância social
da informação
83
Já se mencionou que as ações avaliativas podem ser
aplicadas com diferentes finalidades, mas, neste caso,
o foco é a avaliação da aprendizagem dos alunos.
Dependendo de quais sejam os objetivos de um sistema de avaliação do rendimento escolar, eles podem
ter impacto em diferentes áreas ou setores, porém, alguns deles têm efeito sobre o próprio sistema de avaliação. O diagrama 1 sintetiza isso:
DIAGRAMA 1
ÁREAS DE INFLUÊNCIA DOS PROGRAMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO
DO RENDIMENTO ESCOLAR
Políticas
educacionais
locais
Gestão
pedagógica
das escolas
Política
nacional de
Educação
Programas
Nacionais
de Educação
Reformas
educacionais
Programas
educacionais
Decisões dos
professores
Decisões
dos pais
Decisões
dos alunos
Desse modo, se um programa de avaliação do rendimento escolar tem o objetivo de gerar informações
para instituir e avaliar políticas educacionais e monitorar os resultados educativos, os resultados da avaliação podem influir na proposta de novas políticas educativas, que incluam, por exemplo, reformas educacionais. É possível, ainda, que tenha efeitos sobre a gestão pedagógica das escolas, assim como em relação às
decisões adotadas pelos professores referentes à condução do processo educativo.
Por outro lado, a implementação de uma reforma
educacional pode gerar uma necessidade avaliativa específica que influa nas características de um programa
nacional de avaliação. Em outras palavras, as diferentes
áreas que sofrem a influência de um programa de avaliação podem, por sua vez, incidir sobre ele, gerando
novas necessidades avaliativas.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Cabe assinalar, contudo, que esses efeitos estão diretamente relacionados à utilização efetiva dos resultados
das avaliações para as tomadas de decisão, o que nem
sempre ocorre. Na literatura especializada, diversos autores (Alkin; Daillak; White, 1979; Alkin, 1985; Brown; Newman; Rivers, 1985) reconhecem duas formas de conceituar o uso das informações, quais sejam:
• a denominada “perspectiva da corrente principal
(mainstream perspective)” e
• a “concepção alternativa”.
A primeira concebe esse uso como o impacto direto e
rápido da informação avaliativa sobre o sistema ou programa educacional — em geral, o objeto da avaliação. Dessa
forma, o uso é caracterizado como um evento e não como
um processo, susceptível de ser iniciado desde o momento em que se planeja um sistema de avaliação.
A dimensão desse uso é, assim, desmembrada em
duas categorias principais: uso versus não-uso. Aderir a
esta corrente implica presumir que se aceita a utilização
da avaliação somente quando ela produz efeitos, como:
introdução de reformas educacionais imediatas, troca de
um programa por outro ou modificações drásticas nas estratégias pedagógicas. Essas ações radicais não ocorrem
necessariamente, já que há um conjunto de fatores que
condiciona o emprego da informação avaliativa e depende das características do processo de avaliação e dos resultados proporcionados. Deve-se considerar ainda que
as tomadas de decisão são influenciadas por outros fatores, além dos resultados de avaliações.
King e Pechman (1984), numa tentativa de aclarar essa
concepção de uso, indicam que, em sua base, encontramse alguns pressupostos questionáveis, como:
84
• considerar que as decisões podem ser adotadas de
um modo classicamente racional, sem considerar as
variáveis políticas, sociais e organizacionais que nelas influem;
• entender que a informação avaliativa constitui o único fator desencadeante de efeitos imediatos e observáveis (o mito do Big Bang);
• supor que a qualidade dos informes avaliativos é condição suficiente para seu uso cabal;
• julgar que a colaboração ativa entre os avaliadores e
os responsáveis pelas decisões incrementará necessariamente o uso.
O impacto da avaliação não é imediato
A esse respeito, pode-se mencionar que os gestores
do Programa de Avaliação do Rendimento que se desenvolveu no Chile, entre 1982 e 1984, começaram a operação do programa justamente com a adoção da maioria
desses pressupostos, já que supuseram, erroneamente, que, a partir de tal informação, professores, diretores
e autoridades educacionais conceberiam propostas de
ação de vulto, mediante um processo de autogestão e
autocontrole. No entanto, logo se deram conta da fragilidade dos pressupostos mencionados e aderiram à concepção alternativa.
Outro exemplo que ilustra esse posicionamento encontra-se em Schiefelbein (1992, p. 264), que julga o
impacto do Programa de Avaliação do Rendimento apenas pela constatação de que os resultados alcançados
pelos alunos não apresentaram variações significativas em um período, assinalando o seguinte: “...esses
antecedentes demonstram que as expectativas acerca
da melhoria dos rendimentos acadêmicos são demasiado elevadas”.
Por sua vez, o enfoque alternativo do uso da informação avaliativa é concebido como um processo gradual, no qual essa informação, acompanhada de outros
antecedentes, pode gerar pequenas ações que modificam paulatinamente a situação inicial detectada. Dessa perspectiva, o impacto da avaliação não é imediato, podendo demorar anos e ocorrer em combinação
com outras informações contextuais, ou sob diferentes circunstâncias, o que resulta na possibilidade de
adoção de significados diversos em distintos tempos
(Braskamp, 1982).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
King e Pechman (1984) explicam que é possível reconhecer ao menos três níveis de uso da informação
avaliativa:
• simbólico ou persuasivo;
• conceitual;
• instrumental.
A eles, pode-se agregar uma quarta categoria de
“não-uso instrumental”. A relação entre produção de
dados avaliativos, informações contextuais e seu emprego como instrumento para as tomadas de decisão é
sintetizada no Quadro 1.
Quando o emprego dos resultados das avaliações se situa no nível simbólico ou persuasivo, é utilizado com fins
pessoais. Por exemplo, os resultados de uma avaliação podem ser usados por um diretor de escola para justificar seu
bom desempenho, dando-lhe um pretexto que irá colaborar para sua permanência no cargo. Esta modalidade exige,
assim, uma análise do contexto em que opera, para avaliar
adequadamente as intenções positivas ou negativas subjacentes. Nesse caso, a avaliação é empregada mais como
justificativa para certas decisões do que como instrumento para embasá-las e, às vezes, costuma ser usada nesse
sentido por razões político-administrativas.
Pode-se ainda incluir, nesse primeiro nível, um efeito
dos sistemas de avaliação do rendimento amplamente
discutido na literatura (Greaney; Kellaghan, 1996), que é
sua influência no ensino. Na verdade, nenhuma aplicação externa de provas é neutra. E os professores, quando percebem, de algum modo, a importância dos resultados dos testes, começam a orientar o processo de ensino principalmente para os conteúdos e objetivos requeridos nas provas, acabando por justificar sua forma
de abordar o currículo escolar a partir do que as provas
contemplam.
Entretanto, o uso conceitual implica que a avaliação
deve provocar, no usuário, uma reflexão mais detida
acerca do objeto da avaliação, de forma que ele possa
reconhecer que existem acertos e dificuldades para sua
implementação, levando-o, assim, a uma mudança de
postura, processo que pode, em longo prazo, estimulá-lo
a tomar algumas decisões mais específicas.
Por exemplo, o diretor de uma escola pode atribuir o
baixo desempenho em uma avaliação do rendimento à
falta de empatia dos alunos com os professores. Diante
dessa conclusão, ele convoca os professores para uma jornada de discussões, na tentativa de buscar as causas do
problema. Este exemplo mostra que, mesmo sem empre-
QUADRO 1
SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR
Sistema Nacional de Avaliação do Rendimento Escolar
Produz:
Informação avaliativa
Informações contextuais
Usuários diretos
Usuários potenciais
Informações contextuais
Usos da informação avaliativa
Não-uso
“Não-uso
instrumental”
Uso com fins
pessoais
Uso simbólico
Mudanças de
atitude
Consolidação de
novas atitudes
Influência
gradativa e algumas decisões
de longo prazo
Uso conceitual
Níveis de uso
85
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Tomadas de
decisão específicas de curto
prazo
Inovação ou
mudança
Uso instrumental
ender ações específicas, a informação instigou o usuário
a uma reflexão sobre o tema, a qual, eventualmente, poderá traduzir-se em pequenas ações, como promover encontros informais entre professores e alunos.
Por sua vez, a concepção do uso como instrumental
acontece quando se pode reconhecer claramente que as
informações geradas pela avaliação constituem a base e
estão diretamente vinculadas às decisões tomadas por
seu usuário.
Empregando o mesmo exemplo anterior, se o diretor
decidir consultar sistematicamente as opiniões dos alunos sobre os aspectos que consideram positivos e negativos na escola, para implantar um programa destinado a
melhorar a relação dos alunos com os professores, estará utilizando instrumentalmente a informação proporcionada pelo sistema de avaliação.
Por fim, quando a informação é conscientemente descartada pelos usuários, ela pode ser denominada de “nãouso instrumental”. Digamos, por exemplo, que o informe
dos resultados de uma avaliação de rendimento mostre
que os alunos de um município obtiveram um desempenho extremamente baixo em ortografia, na 4ª série, e o departamento técnico-pedagógico considere que ortografia
não é um objetivo educativo fundamental para essa série. Então, ainda que tome ciência do fato, provavelmente o departamento não empreenderá qualquer ação para
melhorar o êxito dos alunos nessa disciplina.
Ao analisar o uso da informação de acordo com esse
modelo, é possível reconhecer os efeitos de um sistema
nacional de avaliação da aprendizagem, que pode desdobrar-se em múltiplas ações, não necessariamente com rápida melhoria dos rendimentos. Ainda assim, tais intervenções podem levar, em médio ou longo prazo, a uma
melhora da aprendizagem dos alunos.
Instaurar uma cultura avaliativa implica levar a cabo
avaliações educativas formais e periódicas, assim como
gerar e difundir uma estratégia de divulgação de seus possíveis usos, seja em relação à aprendizagem, seja no que
diz respeito à competência profissional dos professores.
Esta também é uma forma de demonstrar a relevância social da informação avaliativa.
3. Fatores que facilitam ou inibem o desenvolvimento
de uma cultura avaliativa
É possível reconhecer quatro fatores principais:
• a tradição avaliativa do país;
86
• as políticas educacionais;
• a legislação ou as normas;
• as estratégias e formas de divulgação de resultados.
Eles podem atuar nos dois sentidos, contribuindo ou
dificultando o desenvolvimento da cultura avaliativa.
DIAGRAMA 2
FATORES QUE FACILITAM OU INIBEM O DESENVOLVIMENTO DE UMA
CULTURA AVALIATIVA
Tradição
avaliativa
Políticas
educacionais
Cultura
Avaliativa
Normas
sobre
avaliação
Estratégias
e formas de
divulgação
A tradição avaliativa do país
Este fator relaciona-se basicamente à freqüência com
que se realizam ações avaliativas em um país, e também
aos recursos humanos qualificados disponíveis para concretizá-las. Com efeito, passar muitos anos tentando realizar ações avaliativas que envolvam massivamente alunos, pais e professores aumenta a probabilidade de gerar uma cultura avaliativa. Isso não quer dizer necessariamente que ela será bem-sucedida, tampouco que o esforço empreendido terá apoio permanente.
No entanto, é requisito básico que essas ações avaliativas sejam implementadas, em todas as ocasiões, por
profissionais competentes e com credibilidade para a opinião pública. Em apresentações sobre os sistemas de avaliação desenvolvidos no Chile, foram mencionadas fundamentalmente três experiências cuja base era esse fator facilitador:
• o Sistema de Ingresso à Educação Superior, vigente
no país desde 1967;
• o Programa de Avaliação do Rendimento Escolar (PER
– Programa de Evaluación del Rendimiento Escolar),
realizado entre 1982 e 1984;
• o Sistema Nacional de Medição da Qualidade da
Educação (SIMCE – Sistema Nacional de Medición
de Calidad de la Educación), que vigora desde 1989
(Himmel, 1997).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
A essas iniciativas, podem ser agregadas, no caso do
Chile, outras, ocorridas em um período mais extenso. A
esse respeito, pode-se assinalar que as primeiras tentativas ocorreram em princípios da década de 1930. Foram
realizadas por um conjunto de educadores, os quais fizeram pós-graduação na Europa e nos Estados Unidos.
Elas consistiram na adaptação e na elaboração de numerosas provas escolares (Aritmética, Ortografia, vocabulário, leitura silenciosa e compreensão de texto, História,
Geografia e outras disciplinas), ministradas a aproximadamente 10 mil alunos.
Também se pode mencionar a Prova Nacional, aplicada, entre 1966 e 1968, por uma equipe de especialistas
do Ministério da Educação do Chile. Na Colômbia, México e Costa Rica, há 30 ou 40 anos, especialistas também
realizam um trabalho nessa área, que se tem desenvolvido mais nos últimos dez anos.
Como se pode verificar, a tradição leva à formação de
uma cultura avaliativa, desde que a atividade seja mantida ao longo do tempo.
Políticas educacionais
Outro fator que contribui para a geração de uma cultura avaliativa são as políticas educacionais que promovem
ações nesse sentido. Pode-se afirmar que, quando contemplada em uma política educacional, a avaliação certamente passa a ser aplicada e, eventualmente, utilizada
para as tomadas de decisão.
Alguns exemplos confirmam isso, como a Reforma
Educacional realizada no Chile, em 1965, que implicou
uma mudança no ensino básico, nos planos e programas, no enfoque do processo educativo e na continuidade dos estudos no ensino médio (a Prova Nacional tinha como propósito encaminhar os estudantes para o
ensino médio ou profissionalizante).
Por sua vez, a descentralização administrativa do
sistema educacional é a origem do Programa de Avaliação do Rendimento Escolar e do Sistema Nacional de
Medição da Qualidade da Educação. No entanto, convém assinalar também que, no caso do primeiro, a política educacional foi formulada e implementada de forma incompleta.
Na verdade, o Programa de Avaliação do Rendimento
Escolar foi concebido, sobretudo, como um sistema de
avaliação massiva que desencadearia ações de melhoria desde a base, que são as escolas, sem, contudo, an-
87
gariar apoio técnico e econômico do Ministério da Educação, que autorizara a execução das ações. Esta carência foi remediada no caso do Sistema Nacional de Medição, já que ele foi acompanhado de numerosos programas de apoio às escolas cujos alunos demonstrassem
os rendimentos mais baixos (Himmel, 1997).
A legislação ou as normas
Este é o fator que legitima a avaliação. Tanto no caso
da Prova Nacional, quanto no do Programa de Avaliação do Rendimento Escolar, não houve uma legislação
ou norma definida que regulasse sua obrigatoriedade,
características, periodicidade etc. Já em relação ao Sistema Nacional de Medição da Qualidade da Educação
e ao Sistema de Ingresso à Educação Superior, existem disposições a respeito. O primeiro encontra-se oficialmente reconhecido em uma das leis orgânicas sobre educação, e o segundo, pela normativa do Conselho de Reitores das universidades que recebem subsídios estatais.
Além disso, uma parte desse sistema de avaliação —
a Prova de Aptidão Acadêmica — encontra-se vinculada
ao financiamento universitário pela legislação vigente.
Nestes últimos exemplos, vê-se que a legislação e/ou a
normativa contribuíram para a continuidade e a legitimidade dos sistemas de avaliação que, por sua vez, facilitaram o desenvolvimento da cultura avaliativa.
As estratégias e formas de divulgação de resultados
Este último fator tem efeito decisivo para a formação
da cultura avaliativa. Como mencionado anteriormente,
ela tem dois componentes: as ações de avaliação e o uso
da informação. Ainda que eles atuem principalmente na
realização das ações de avaliação, as estratégias e formas de divulgação de resultados incidem mais especificamente sobre o uso da informação produzida. Na verdade, se a informação gerada pelos processos avaliativos não for divulgada ou acabar sendo disseminada por
meio de uma estratégia equivocada, dificilmente poderá ser utilizada nas tomadas de decisão.
A divulgação compreende ao menos quatro fases:
• antes do processo avaliativo;
• durante o processo;
• para demonstrar os resultados;
• de continuidade.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Antes do processo
A difusão prévia tem o propósito de informar acerca
dos objetivos, características e etapas do processo.
Trata-se de uma fase de sensibilização dos que serão
afetados e envolvidos pela avaliação. Pode-se pensar
que, uma vez que um programa ou sistema de avaliação se encontre instaurado, esta etapa não seja necessária. No entanto, esses sistemas não são estáticos. São dinâmicos e passíveis de mudanças ao longo do tempo, no que se refere, por exemplo, a conteúdos, modalidades, prazos, público-alvo, abrangência etc., de modo que sempre é necessário sensibilizar os envolvidos.
Assim, no Sistema Nacional de Medição da Qualidade da Educação, a informação anterior ao processo
costuma consistir nas seguintes ações:
• Distribuição de um folheto aos estabelecimentos
de ensino, quatro meses antes da aplicação das
provas, com descrição dos objetivos, relação de
datas e comunicado de que, posteriormente, haverá explicações mais técnicas.
• Envio de um informativo aos pais dos alunos, descrevendo os objetivos do Sistema, as datas das provas e anunciando a importância de sua participação, com o objetivo de despertar neles o interesse
pelo programa e de obter sua cooperação, em parceria com os colégios, na formação dos filhos.
• Produção de um vídeo de cerca de 15 minutos, com
caráter eminentemente motivacional, divulgado primeiro aos supervisores, que, posteriormente, multiplicarão a informação, repassando-a a diretores
e professores. Seus objetivos principais:
- contribuir com o desenvolvimento de uma atitude
positiva em relação ao programa nos diferentes
níveis do sistema educacional;
- promover seus fundamentos e propósitos de
maneira compreensível para todos;
- apoiar as atividades de divulgação realizadas
pelas equipes de supervisores em nível local.
• Distribuição de cartazes alusivos ao programa em
todas as escolas e lugares públicos, algumas vezes acompanhados de um calendário do ano.
• Difusão nacional de um programa de TV, com ampla cobertura jornalística do processo.
• Disseminação dos aspectos técnicos do programa
a professores e diretores, por meio de um folheto,
88
detalhando os fundamentos do Sistema, a forma de
elaboração dos instrumentos de medição empregados e suas características técnicas, e exemplos dos
objetivos e das questões das provas. Além disso,
o preparo de um conjunto de transparências para
divulgação local pode auxiliar nas palestras realizadas pelos supervisores.
Durante o processo
A finalidade de transmitir a informação durante o
processo de avaliação objetiva é chamar a atenção
de toda a opinião pública para o processo em andamento. No Sistema Nacional de Medição da Qualidade
da Educação, a fim de que os meios de comunicação
se encarreguem da difusão, normalmente se elaboram comunicados para a imprensa, divulgados no dia
anterior ao início da aplicação das provas. Além disso, as autoridades superiores do Ministério da Educação, incluindo o ministro, visitam e se mostram presentes nos locais de aplicação no dia em que começa o processo.
Comunicação dos resultados
No que diz respeito à disseminação de resultados,
é necessário advertir que ela deve condizer com cada
público específico e, sobretudo, ser feita em momento oportuno. É necessário distinguir, ao menos, a informação voltada às autoridades daquela dirigida aos
professores, aos pais, aos especialistas em avaliação
e à opinião pública. O tipo de informação fornecido a
cada público depende do grau de desenvolvimento da
cultura avaliativa.
Dessa maneira, se tal cultura se encontrar em uma
etapa muito incipiente, será necessário proporcionar
uma informação mais simples, mas nunca simplista.
Ao contrário, à medida que a cultura avaliativa se mostrar mais desenvolvida, poder-se-á difundir uma informação cada vez mais sofisticada, sempre se levando
em conta o nível de conhecimento dos diferentes públicos. Como o tipo de informação que se divulga também muda ao longo do tempo, é necessário incorporar manuais de interpretação ao programa de disseminação de resultados e, ainda, no caso dos sistemas
de avaliação da aprendizagem, manuais com orientações pedagógicas.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Continuidade
A continuidade do programa também requer um processo de divulgação. Basicamente, trata-se de disseminar as
ações empreendidas pelos diferentes agentes para superar
rendimentos insuficientes e monitorar o uso dos resultados.
No Chile, por exemplo, foi elaborado um índice de vulnerabilidade educacional baseado nos resultados do Sistema
Nacional de Medição da Qualidade da Educação, o qual tem
servido para destinar recursos e apoio às escolas com resultados mais deficitários de seus alunos. Uma das iniciativas
consistiu em projetos de melhoria educacional, formulados
pelas escolas a partir de um diagnóstico de suas necessidades educativas. Os resultados da execução desses projetos
são divulgados em publicações e exposições.
É ainda importante assinalar que nenhum desses
quatro fatores é suficiente, por si, para gerar uma cultura avaliativa. Não basta, portanto, que um país disponha
de uma tradição em avaliação, de uma legislação que a
promova ou ainda de políticas educacionais que a incentivem. São necessários todos esses fatores e, mais
especificamente, a forma ou a estratégia de divulgação,
que é o que permite fazer os diferentes atores assimilarem a cultura avaliativa.
Efeitos da cultura avaliativa sobre o sistema
educacional e sobre o debate político e público em geral
A cultura avaliativa pode produzir um efeito virtuoso ou
um círculo vicioso sobre o sistema educacional e sobre
o debate político e público. O efeito virtuoso acontece
quando há melhoria no serviço educativo, de acordo
com o consenso sobre o significado de “melhoria”, traduzido freqüentemente em priorizar a área da Educação
e em lhe destinar mais recursos.
Outro efeito positivo que deriva da cultura avaliativa é
que os critérios ou padrões para julgar o desempenho dos
alunos são mais bem definidos e com expectativas mais elevadas, o que contribui para que os educandos adquiram conhecimentos úteis e atualizados, maior habilidade de pensamento, destrezas mais complexas e valores, em conformidade com a declaração da Unesco de 1990. Dessa forma,
conquistam-se recursos humanos melhores, ou seja, desenvolve-se um “capital humano” cada vez mais valioso.
Por sua vez, o círculo vicioso se produz quando os resultados da avaliação se traduzem meramente em um trabalho para lograr alcançar o que o sistema de avaliação
89
pretende explicitamente. É claro que nenhum sistema
de avaliação pode abarcar todos os propósitos e diferentes aspectos do processo educativo, portanto, sempre proporcionará uma visão parcial.
Em outros termos, os alunos aprendem o que o sistema de avaliação pretende; os diretores contratam os
professores que obtêm os melhores resultados de seus
alunos; e os pais, quando podem, escolhem as escolas
para os filhos de acordo com este mesmo critério.
Este último efeito leva à conquista não das metas
educacionais nacionais, e sim das contempladas no
sistema de avaliação, pois tudo o que não é considerado no sistema ou programa é relegado a segundo
plano ou simplesmente suprimido, já que é menos
importante, tornando, assim, a educação desvirtuada e empobrecida.
Com esta síntese, espera-se haver alcançado o objetivo de estimular o debate acerca da cultura avaliativa, dos fatores que a promovem e dos efeitos que
pode ter.
Referências
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Cadernos Cenpec 2007 n. 3
RELATO DE PRÁTICA: PAE - PROGRAMA DE AUMENTO DA ESCOLARIDADE
Ensino para jovens em áreas vulneráveis
Maria Amábile Mansutti
Liliane Petris*
O PAE – Programa de Aumento da Escolaridade 1
consiste na oferta de curso de complementação da escolaridade de ensino fundamental, direcionado para populações beneficiadas pelo Programa de Urbanização de
Assentamentos Populares do Rio de Janeiro – PROAP II.
Abrangeu 53 comunidades, localizadas nas zonas Sul e
Norte da cidade do Rio de Janeiro, caracterizadas como
regiões com altos índices de violência social.
A execução do Programa esteve a cargo das secretarias municipais de Assistência Social e da Educação do
Rio de Janeiro, em parceria com organizações da sociedade civil — Amebras - Associação de Mulheres Empresárias do Brasil, Cieds - Centro Integrado de Estudos e
Programas de Desenvolvimento Sustentável, DC Brasil,
Viva Rio — e com o Cenpec - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, que teve a
função de monitorar e avaliar seu desenvolvimento.
Em sua concepção original, o PAE caracterizava-se
como um programa multissetorial, que incluía educação e proteção social. Apostava-se numa ação que visava ao aumento da escolaridade e ao desenvolvimento de condições favoráveis para a inserção do jovem no
mundo do trabalho, da cultura, das relações sociais, e
sua maior inclusão na vida das comunidades e da cidade do Rio de Janeiro.
Embora o PAE já houvesse sido desenvolvido anteriormente, por meio de telecurso, a versão 2004/5 apresentava características inovadoras que conferiam ao Programa
um caráter inédito em termos de complementação de escolaridade na modalidade Educação de Jovens e Adultos.
O diferencial da nova proposta, em relação aos cursos de
suplência oferecidos pelas escolas públicas, estava no
fato de o PAE trabalhar em espaços comunitários onde
se alocava um público que, por diversas razões, inclusive de segurança, não teria condições de freqüentar escolas das redes públicas de ensino.
Para desenvolver o monitoramento e avaliação do
PAE, o Cenpec formulou o Projeto Educação de Base Comunitária para Jovens da Cidade do Rio de Janeiro, que
cobriu a implantação do Programa, iniciada em 2004, e
seu desenvolvimento até julho de 2005. O projeto aliou
acompanhamento diagnóstico e formativo, gerando
ações de formação e um plano de monitoramento e avaliação para aferir a efetividade do processo e a eficácia
de alguns resultados.
Monitorar e avaliar o desenvolvimento de uma ação
educativa inovadora, como o PAE, representou uma oportunidade singular para a produção de análises e reflexões acerca de possibilidades, variações, riscos e acertos na oferta de cursos de complementação de escolaridade e para o avanço de uma discussão nacional sobre
a necessidade de garantir a escolaridade fundamental
completa para todos os brasileiros.
O PAE atingiu, em março de 2004, um total de 2.748
estudantes; porém, esse número foi se modificando no
decorrer do ano letivo. Assim, em junho, freqüentavam
o PAE 4.075 estudantes e, em setembro, 3.833. Em 2005,
estavam previstas 156 turmas, totalizando 4.590 estudantes — 1.140 para duas organizações parceiras e 1.155 para
as outras duas. Em fevereiro de 2005, havia 4.336 estudantes e, em junho, 14.459.
Monitoramento e avaliação no PAE
* Maria Amábile Mansutti é pedagoga, integrante da equipe de
assessores do CENPEC. Coordenou o projeto de monitoramento e
avaliação do programa Aumento de Escolaridade em 2005/2006.
Liliane Petris Batista é historiadora, mestre pela Faculdade de
Educação da USP. No CENPEC, integra a equipe de monitoramento
e avaliação do programa Território Escola.
90
Todo projeto que pretenda introduzir novos nexos,
objetivos, estratégias e formas organizacionais exige o
monitoramento de sua implementação e a avaliação do
processo e de seus resultados, em função dos objetivos
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
que pretende atingir. Assim, o objetivo principal do plano de monitoramento e avaliação, proposto para o PAE,
foi aferir a consistência e aderência do Programa durante o seu desenvolvimento.
O PAE introduzia alguns diferenciais na oferta de escolaridade aos jovens e adultos, sobretudo no que se
referia aos aspectos institucionais e pedagógicos. Por
isso, a metodologia proposta para desenvolver o monitoramento e a avaliação adotou uma abordagem participativa e formativa, que possibilitou a percepção das
transformações ocorridas durante o processo, a ampliação e a consolidação da autonomia e dos conhecimentos produzidos pelos diferentes sujeitos e instituições
envolvidas.
Alguns princípios orientaram o plano de monitoramento e avaliação:
• Abrangência, no sentido de contemplar diretrizes estabelecidas no Programa, resultados não previstos e
atuação dos segmentos envolvidos, abarcando diferentes percepções e pontos de vista.
• Constituição de um processo formativo que proporcione, aos segmentos participantes, elementos para
o aprimoramento de concepções e práticas.
• Garantia da participação das instâncias executoras,
de modo a aprimorar a formação de quadros profissionais envolvidos.
• Realismo e exeqüibilidade no tocante às condições
técnicas e operacionais das instituições executoras,
para que possa se tornar um pilar de sustentação do
Programa.
• Valorização das iniciativas da Secretaria Municipal de
91
Educação do Rio de Janeiro, na área da Educação de Jovens e Adultos, sem colocar em segundo plano nem
descuidar das dimensões de proteção e inclusão social, base substantiva do PAE.
A avaliação e o monitoramento desenvolvidos no PAE
tinham uma dupla função: sustentar o processo de formação de jovens e adultos, de professores, coordenadores,
supervisores e instituições parceiras e, ao mesmo tempo,
fazer uma avaliação processual que permitisse identificar obstáculos e elementos facilitadores, assim como o
grau de adesão e resistência dos diferentes sujeitos envolvidos. Para tanto, o Cenpec elaborou instrumentos de
coleta de dados, que foram submetidos à aprovação das
secretarias e das organizações parceiras e possibilitaram
a obtenção de informações e a produção de análises para
a reorientação de ações e planejamentos.
Os primeiros dados obtidos sobre o Programa, referentes ao levantamento do perfil de estudantes, professores, técnicos e comunidades, foram discutidos em seminário, do qual participaram representantes de todos
os segmentos envolvidos no PAE, o que permitiu um momento de reflexão e um mapeamento inicial do projeto,
apontando alguns desafios.
Outros dados foram discutidos com os coordenadores das organizações parceiras e com a equipe da SMAS
no decorrer do processo.
Os dados quantitativos, coletados em 2004, foram
enviados em CD para as equipes das secretarias e das
Organizações da Sociedade Civil - OSCs.
A avaliação abarcou diferentes sujeitos, ligados ao Programa, incluindo estudantes e lideranças comunitárias.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
OBJETIVOS, INDICADORES E INSTRUMENTOS.
Objetivos
Indicadores
Instrumentos
Avaliar uma alternativa de escolarização para a Educação de Jovens e Adultos – EJA à medida que:
Grupos focais com estudantes e professores.
- propõe uma nova forma de organização de curso;
Utilização das orientações curriculares e materiais de apoio pelos professores.
- faz uso de orientações curriculares, material de
apoio ao estudante e ao professor, elaborados
para atender as especificidades do público-alvo;
Grau de satisfação dos alunos em
relação ao curso, suas orientações e
seus materiais.
- apóia-se na interatividade e na ligação entre escola e comunidade.
Grau de satisfação dos professores
em relação ao curso, orientações, materiais e formação.
Relação entre a equipe das organizações parceiras e as lideranças
comunitárias.
Desenvolver a formação dos estudantes para promover:
- novos vínculos com a escolarização (freqüência e
interesse);
- uso social dos conhecimentos que adquirem no
PAE;
- continuidade dos estudos.
Promover e apoiar a atuação do professor para:
- aprimorar seus conhecimentos e vínculos, a fim de
que exerça a docência e obtenha informações sobre as características particulares dos estudantes;
- despertar seu interesse em discutir critérios de seleção e organização de conteúdos curriculares do
PAE;
- subsidiar o trabalho docente na construção de um
curso que atenda às necessidades do públicoalvo.
Apoiar a atuação dos coordenadores, assistentes
de coordenação e supervisores das OSCs na:
- organização de uma dinâmica de trabalho que
garanta planejamento, periodicidade das ações,
participação, registro das tarefas, avaliação e intervenções necessárias;
- assessoria aos professores nos aspectos pedagógicos.
Contribuir para a viabilização de parcerias entre
instâncias de governo (SMDS e SME), organizações
da sociedade civil e associações de moradores, na
implementação de ação política que visa à escolarização de jovens e adultos, de forma que:
- possibilite experiência de gestão compartilhada;
- garanta condições técnico-pedagógicas de realização do Programa;
Registros dos professores (planejamento, avaliações).
Relatórios das ações de formação
dos professores.
Avaliação dos estudantes e instituições parceiras.
Relatórios de visita aos núcleos.
Número de estudantes inscritos no
Programa (3).
Ficha de inscrição.
Índices de freqüência e evasão.
Planilha mensal de freqüência/evasão. Resultados de avaliação por UP.
Grau de satisfação em relação ao Programa.
Cadastro e perfil dos estudantes.
Grupos focais.
Índices de aprovação por unidades
de progressão.
Relatórios de visitas aos locais dos
cursos – Cenpec.
Número de professores que participaram do Programa (assiduidade, autonomia, abandono).
Planilhas de freqüência.
Pautas dos encontros de formação.
Grau de entendimento, envolvimento
e satisfação em relação ao Programa.
Presença dos elementos da realidade local nas práticas e nos conteúdos
desenvolvidos na sala de aula.
Cadastro e perfil dos professores.
Grupos focais com estudantes,
professores, supervisores e coordenadores.
Relatórios da equipe de formação.
Observação da sala de aula.
Resultados obtidos nas avaliações
da aprendizagem dos estudantes.
Gestão do Programa: circulação de
informações entre as diferentes instâncias envolvidas.
Entrevistas com supervisores e coordenadores.
Periodicidade do contato com professores e locais dos cursos.
Visitas do Cenpec aos locais dos
cursos.
Formação dos professores: carga horária, periodicidade, pautas.
Grupo focal com coordenadores.
Disponibilização de materiais.
Avaliação do Programa realizada
pelos parceiros.
Circulação de informações.
Periodicidade das reuniões e contatos entre os parceiros.
Estabelecimento de acordos entre
os parceiros.
Intervenções realizadas.
- proporcione troca de experiências e ampliação de
conhecimentos;
- assegure documentação, análise e avaliação da
experiência nos aspectos institucionais e pedagógicos.
92
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Análise documental.
Avaliação do Programa feita pelos diferentes atores beneficiados
(alunos e comunidades).
Entrevistas individuais.
As análises produzidas focalizaram as seguintes dimensões:
• Estudantes – interesse pelo Programa, freqüência, participação, representações sobre a escolaridade; processos de aprendizagem; relações com a comunidade.
• Professores – participação, atuação pedagógica adequada à realidade do Programa, representações sobre
a escolarização de jovens e adultos.
• OSCs – implementação e execução do Programa.
• Técnicos do PEJ (SME) – diretrizes pedagógicas do PAE.
• Técnicos da SMAS – apoio logístico e acompanhamento do Programa em todas as dimensões (estrutural, organizacional, pedagógica).
O processo e os indicadores de avaliação
De modo geral, as organizações dão muita importância
ao planejamento da ação e reservam um lugar secundário
para a avaliação, interpretando-a apenas como justificativa de uma ação ou como procedimento de prestação de
contas. Com o plano de monitoramento e avaliação proposto, o Cenpec procurou tratar a avaliação como um processo que permitisse aprimorar as ações e manter uma discussão aberta no que tange aos propósitos, processos e resultados do PAE.
Para tanto, foi necessário definir objetivos relacionados às dimensões focalizadas pelo PAE e, para cada um
deles, propor um conjunto de indicadores e de instrumentos de coleta de informações que garantisse tanto uma visão de aspectos quantitativos, quanto de qualitativos.
Foram utilizadas as seguintes estratégias no levantamento de dados: entrevistas individuais, grupos focais,
mapas de desempenho dos estudantes nas avaliações
periódicas e finais, questionários estruturados, roteiro de
observação local, fichas quantitativas (matrícula, freqüência mensal, evasão).
O processo de monitoramento foi retardado pelas dificuldades iniciais para se formular um planejamento conjunto entre Cenpec, SMAS e SME e definir as informações
que seriam solicitadas às organizações parceiras, o que
provocou uma sobrecarga de trabalho para os coordenadores e os supervisores.
Os indicadores foram definidos a partir de parâmetros que orientam o Programa Aumento de Escolaridade, e dos objetivos e estratégias indicados. Eles englobam três categorias:
• realidade educativa (estrutura, organização e gestão
do Programa; currículo, sistema de avaliação e práticas da sala de aula);
• sucesso/fracasso escolar (matrícula, evasão, freqüência, resultados da aprendizagem, certificação no EF);
• caminho multissetorial: educação e proteção social,
opção básica desenhada neste Programa.
Reflexões e indicações sobre a experiência
O PAE apresenta-se como um modelo de escolarização
para EJA, recomendável para ser implantado em regiões
vulneráveis devido à pobreza e riscos sociais, desde que
associe efetivamente ações de escolarização e proteção
social como opção básica da proposta.
Em futuras implantações, é preciso considerar os riscos da descontinuidade. Devido ao alto grau de vulnerabilidade a que está sujeito o público-alvo deste Programa,
depois de ingressarem no PAE, dificilmente os estudantes
terão condições de organizar a vida pessoal e migrar para
as escolas integradas aos sistemas de ensino. Assim, caso
não possam continuar no Programa até concluírem o curso, esses grupos certamente estarão fadados a se deparar com um novo fracasso, na tentativa de completarem o
ensino fundamental.
A experiência do PAE mostrou que o sucesso de sua
93
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
implantação apóia-se nos estreitos vínculos estabelecidos entre as instituições gestoras e as comunidades e lideranças locais. Por isso, a gestão precisa considerar e
investir em estratégias de articulação entre formuladores, gestores e beneficiários do Programa, para promover a escolarização e a proteção social.
Na busca de aprimoramento do modelo organizacional do PAE, será necessário se pensar em mudanças
que considerem fatores apresentados nesta análise, sobretudo no que se refere à dramática realidade da suspensão de aulas, propondo uma organização do tempo mais flexível e uma proposta curricular mais orgânica. Assumir essa perspectiva realista não significa reduzir as expectativas em relação à qualidade, mas ter uma
visão estratégica coerente com a realidade vivida nesta
experiência do PAE.
Pode-se pensar num curso que inclua momentos de
estudo presenciais e não-presenciais, estruturado em
módulos, oficinas e projetos:
• Módulos organizados a partir dos conteúdos fundamentais das áreas do currículo, com tempo delimitado e indicação de expectativas de aprendizagem previstas ao término de cada módulo. Atividade presencial desenvolvida três vezes por semana.
• Oficinas culturais direcionadas para a ampliação dos
conhecimentos e para promover a integração e o convívio dos jovens e adultos. Poderá abarcar eixos como:
- a comunicação e a compreensão de diferentes tipos
de linguagens – verbal, textual, corporal, fotográfica
etc.;
- a convivência social – ética, valores, direitos, trânsito
nos espaços públicos, solução de conflitos, erradicação de preconceitos culturais e discriminações,
conhecimento ajustado de si mesmo, autoconfiança
etc.;
- o domínio de recursos tecnológicos – informática,
tecnologias da informação e da comunicação: TV,
vídeo etc.;
- o senso estético e a valorização das diferentes
formas de arte – música, cinema, teatro, artes
plásticas etc. Atividade presencial semanal ou
quinzenal.
- Projetos desenvolvidos com a perspectiva de aplicar, de forma integrada, os conhecimentos estudados nos módulos e nas oficinas, para investigar
problemas ou assuntos de interesse da comunidade
local e apontar alternativas para minimizá-los.
94
Muitas questões marcaram o desenvolvimento do
PAE; uma das mais relevantes diz respeito à composição de uma parceria inédita, que reuniu a Secretaria de
Educação e a Secretaria da Assistência Social; organizações da sociedade civil, como gestoras da ação, e,
ainda, uma terceira instituição encarregada de seu monitoramento e avaliação.
Com essa composição, a experiência do PAE foi construída baseada em um modelo de gestão articulada que
demandou um grau de envolvimento considerável de
todos e pressupôs que se criasse um fluxo de informação e divulgação eficiente. Exigiu abertura e disposição
para se compreender, de modo consensual, a natureza
do Programa e a necessidade de flexibilidade para a tomada de decisões, possibilitando o surgimento de novas idéias e a formulação coletiva de processos e estratégias mais compatíveis com a natureza da ação.
A familiaridade e a proximidade, estabelecidas entre
a equipe de avaliação e o grupo executivo, reverteram o
estranhamento inicial e permitiram ao Cenpec oferecer
algumas contribuições para a formação dos professores, a adequação do currículo e a avaliação da aprendizagem, à luz das análises e avaliações produzidas no
processo de desenvolvimento do PAE.
A experiência de escolarização do PAE é singular e
complexa; por isso, exige o compartilhamento de conhecimentos, experiências e visões de diferentes instituições
para que se desenvolva de modo satisfatório. Uma parceria, como a estabelecida neste Programa, pressupõe
uma nova cultura de gestão compartilhada, que implica
possibilidades de diálogo em tempo real; comunicação
por escrito, por meio de mensagens curtas e objetivas; e
coletivizar o processo de tomada de decisões.
No PAE, nem sempre foi possível vivenciar os processos de uma gestão compartilhada como era o desejo de todos, porém, há saldos positivos nessa experiência. O papel desempenhado pela coordenação do Programa, sediada na SMAS, foi fundamental para a efetivação das condições e o apoio administrativo que ofereceu às organizações sociais.
Em ações nas quais estejam envolvidas duas ou mais
secretarias, aprendemos que é fundamental haver uma
divisão clara de atribuições e responsabilidades, com
momentos de discussão e reflexão sobre essa ação conjunta e uma instância que faça a intermediação dessa
relação e contribua para a resolução e a superação de
possíveis obstáculos ou dificuldades.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
%MA¿ÍESNASQUAISESTEJAM
ENVOLVIDASDUASOUMAIS
SECRETARIASAPRENDEMOSQUE
ÁFUNDAMENTALHAVERUMA
DIVIS»OCLARADEATRIBUI¿ÍES
ERESPONSABILIDADESCOM
MOMENTOSDEDISCUSS»OE
REÚEX»OSOBREESSAA¿»O
CONJUNTAEUMAINSTºNCIA
QUEFA¿AAINTERMEDIA¿»O
DESSARELA¿»OECONTRIBUA
PARAARESOLU¿»OEA
SUPERA¿»ODEPOSSÅVEIS
OBST¹CULOSOUDIÙCULDADES
Também as quatro organizações sociais parceiras
tiveram uma atuação destacada e procuraram trabalhar de modo integrado, apoiando-se mutuamente e
trocando experiências. A constituição de fortes vínculos de articulação entre as equipes da SMAS, das
instituições sociais e as comunidades atendidas foi,
e continua sendo, fundamental para a efetivação do
programa e para garantir, de algum modo, a preservação física dos professores e supervisores que entram
nas comunidades.
Os líderes comunitários reconhecem a importância
dessa parceria e sabem que são figuras-chave. Segundo
sua avaliação, a implantação do PAE tem contribuído para
que a associação de moradores tenha um reconhecimento
maior pela comunidade. Destaca-se, ainda, o fato de que
as verbas destinadas, pelo Programa, às associações permitem que elas melhorem sua infra-estrutura.
Ainda será preciso que as organizações públicas e privadas incorporem, em suas práticas, a produção de investigações e conhecimentos sobre determinadas questões e contribuam para fazer avançar os estudos sobre o
ensino e a aprendizagem de jovens e adultos, que ainda
são bastante incipientes na área da pesquisa educacional. Uma dessas questões diz respeito à evasão.
Também é interessante que se estude mais o movimento da freqüência dos estudantes, que foi bastante irregular no PAE, bem como as questões relacionadas diretamente com a aprendizagem. A escolarização proposta
95
no PAE é uma experiência rica em termos de informações
e variáveis para alimentar essas investigações.
Diante desses fatos, é importante se refletir o quanto
as experiências alternativas de escolarização, como o PAE,
precisam criar condições para que as práticas pedagógicas
se tornem mais produtivas, agregando estudos, monitoramento e avaliação das práticas habitualmente utilizadas
em sala de aula e estimulando a formulação de outras.
A experiência PAE ainda revelou que a associação entre escolaridade e proteção social é um ponto forte, embora de difícil articulação. Por exemplo, há muitas mulheres que desejam estudar e não têm com quem deixar
seus filhos; ou os casos de violência contra as mulheres
estudantes relatados nos grupos focais; e, ainda, a necessidade de se desenvolver ações, como a campanha
de regularização de documentos pessoais, a fábrica de
cartões postais, idéias nascidas no PAE, que não foram
levadas adiante.
Um programa que contempla uma região de alto risco
social não pode deixar de atuar na área da proteção. As
equipes dos órgãos de Assistência Social e as organizações parceiras devem ser mais propositivas nesse sentido, pois a realidade das comunidades mais vulneráveis
enseja ações de apoio psicossocial para que possam lidar com os problemas que emergem tanto para os estudantes quanto para os professores.
Cabe pensar ainda nas possibilidades de aprendizado e uso da tecnologia digital. Em vários momentos, os
estudantes do PAE afirmaram que gostariam de aprender informática e, certamente, o acesso ao computador
e à Internet poderia facilitar o aprendizado on line, evitando-se a imposição de freqüência diária regular, que
exige tempo e disposição nem sempre disponíveis naquelas condições.
Por fim, seria recomendável e necessário intensificar a
vertente cultural de programas de escolarização de jovens
e adultos, casando educação formal e outros processos de
aprendizagem que ajudem a criar um repertório ampliado,
facilitando a apreensão dos conteúdos curriculares.
Notas
1
2
Os dados aqui apresentados constituem parte do relatório avaliativo de
dezembro de 2005, elaborado pelo Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária.
Indicadores de avaliação são sinalizadores de processo e de resultados
relativos a uma dada ação planejada. São como um termômetro criado para
orientar e aferir a observação, o registro e a avaliação de planos, programas,
projetos e ações pretendidas.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
96
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
artigo
Maria de Salete Silva*
#ONHECERASMIL
FACESDAESCOLA
PARAAMPLIARO
DIREITODEAPRENDER
Ao identificar boas práticas relacionadas com aspectos tangíveis e intangíveis das escolas, o estudo fortaleceu nossa visão de que escolas têm
corpo e alma.
Inseparáveis e complementares, corpo e alma
são fonte geradora de aprendizagens. Mas é a
alma da escola que faz com que todos e cada
um dos integrantes da comunidade escolar vivenciem a bela experiência humana de aprender um pouco mais a cada dia.
%
stas são as palavras de encerramento do Aprova Brasil:
o direito de aprender, uma publicação lançada em dezembro de 2006 pelo Fundo das Nações Unidas para
a Infância - Unicef (sigla em inglês do United Nations
Children’s Fund, redução do nome original United Nations International Children’s Emergency Fund) e pelo
Ministério da Educação e Cultura - MEC, contendo os resultados de um estudo realizado em 33 escolas públicas, situadas em 14 Estados e no Distrito Federal.1
A idéia dessa iniciativa conjunta do Ministério da
Educação e do Unicef tem origem nos resultados da Prova Brasil; e sua inspiração e motivação vêm do compromisso com a garantia do Direito de Aprender de todas
as crianças e jovens brasileiros.
* Maria de salete silva é arquiteta, consultora de educação do Unicef
e coordenou o estudo Aprova Brasil: o direito de aprender.
97
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
A Prova Brasil
Realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, em 2005, a Prova
Brasil foi a primeira avaliação em caráter universal efetuada nas escolas públicas urbanas que oferecem a 1ª
fase e/ou a 2ª fase do ensino fundamental, com mais de
30 alunos na série avaliada. Foram aplicadas provas aos
alunos de 4ª e 8ª série com o objetivo de avaliar seu desempenho em Língua Portuguesa (leitura) e Matemática. No total, fizeram a prova 3.306.378 alunos de 40.290
escolas, localizadas em 5.398 municípios de todas as regiões brasileiras.
Esse tipo de avaliação permitiu a divulgação dos
resultados por unidade escolar. Conhecendo os resultados obtidos pelas escolas na Prova Brasil, gestores,
dirigentes escolares e a sociedade em geral podem se
mobilizar para buscar melhorias no ensino, tomando
como base o desempenho das escolas do seu estado,
seu município, sua rede escolar ou demais escolas de
seu bairro, e cobrar mais responsabilidade das escolas, professores e dirigentes em relação ao desempenho dos seus alunos.2
O Unicef e o direito de aprender
A base para a cooperação do Unicef e das demais agências do sistema ONU, no âmbito do Marco de Assistência
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Undaf), é
a criação e o desenvolvimento das capacidades dos detentores dos direitos e dos responsáveis pela garantia
desses direitos, com os quais os países-membros comprometeram-se ao ratificar a Convenção dos Direitos
da Criança e, no caso brasileiro, ao aprovar o Estatuto da
Criança e do Adolescente.
O Programa de País do Unicef, para o período 20072011,3 pretende apoiar o Brasil no cumprimento de
suas obrigações de garantir os direitos de cada criança e cada adolescente, desenvolvendo cinco Programas, denominados:
• Sobreviver e se Desenvolver;
• Aprender;
• Proteger-se do HIV/AIDS;
• Crescer sem Violência; e
• Ser Prioridade nas Políticas e Orçamento Públicos.
As perspectivas de eqüidade de raça/etnia e gênero e de participação dos adolescentes permeiam todos
98
os programas. O foco da atuação do Unicef concentrarse-á nas áreas onde se encontram as crianças mais vulneráveis e excluídas: o semi-árido brasileiro, a Amazônia e as comunidades populares de grandes centros
urbanos.
O Brasil quase atingiu o Segundo Objetivo do Milênio — Ensino Fundamental Universal — com 98% das
crianças, de sete a 14 anos, matriculadas. Esses 2% significam ainda que cerca de 800 mil crianças nessa faixa
etária permanecem fora da escola, das quais, 500 mil
são negras. A situação das crianças indígenas expressa ainda uma maior iniqüidade: cerca de 21,5% delas,
de sete a 14 anos, estão fora da escola.
Persistem também grandes desigualdades regionais: enquanto no Norte e Nordeste somente 40% das
crianças terminam o ensino fundamental, no Sul e no
Sudeste, esta proporção sobe para 70%.4
O Brasil tem 21 milhões de adolescentes entre 12
e 18 anos, representando 11% da população. Mais de
3,5 milhões deles estão fora da escola. De cada 100 estudantes que entram no ensino fundamental, 82 concluem a 5ª série, 59 terminam a 8ª série e apenas 40,
o ensino médio.5
Diante dessa situação marcada pela desigualdade
e iniqüidade no acesso e na qualidade da educação,
o Programa de País do Unicef concentra o foco de sua
atuação na busca de educação de qualidade para todas as crianças e adolescentes de até 17 anos e na garantia de acesso de 800 mil crianças de sete a 14 anos
que estão atualmente fora da escola, assim como o in-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
gresso de oito milhões de adolescentes de baixa renda
e baixa escolaridade no ensino médio.
A indissociabilidade entre educação de qualidade e
aprendizagem
Dirigir para o aprender o foco da mobilização em torno
da educação de qualidade tem sido cada vez mais freqüente no Brasil. Dois exemplos de grandes mobilizações
da sociedade civil demonstram esse movimento. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que tem a participação de diversas organizações sociais, estabelece,
como foco de sua ação, a qualidade da educação para
que o aprendizado seja efetivo. O Compromisso Todos
pela Educação, envolvendo setores da sociedade civil,
empresas e governo, estabeleceu cinco metas para 2022
(bicentenário da Independência), todas elas fortemente
relacionadas com as possibilidades de aprendizagem de
meninos e meninas nas escolas públicas do país.
Refletir sobre a aprendizagem como resultado de
uma educação de qualidade envolve os aspectos relacionados com os tempos, práticas e conteúdos da escola. Significa também pensar em educação integral, em
articulações sistêmicas entre políticas públicas e programas de atendimento a crianças, famílias e comunidades. Uma educação de qualidade deve garantir o direito de aprender.
cas brasileiras, segundo critérios socioeconômicos e de
desempenho na Prova Brasil.
As escolas foram escolhidas devido a seus resultados
na avaliação. Não deixaram de ser também consideradas
as informações sobre a situação socioeconômica dos alunos que participaram da Prova e dos municípios em que
elas se localizam.
Com isso, foi possível comparar as escolas, não só observando a nota média obtida por seus alunos, como também o quanto cada uma delas pode ter contribuído efetivamente para o seu desempenho na prova. É o que se chamou de IEE – Índice de Efeito Escola, que mede o impacto
que a instituição tem na vida e no aprendizado da criança.
Por isso, as escolas visitadas não são as que obtiveram
melhores notas, em valores absolutos, e sim aquelas com
o mais alto “efeito-escola”. Elas situam-se em municípios
ou bairros onde moram famílias de baixa renda, portanto,
seus alunos apresentam alta vulnerabilidade para a exclusão social e, mesmo assim, eles aprendem.
Chegou-se então a um grupo de escolas que apresentou resultados de desempenho na Prova Brasil sempre acima da média nacional e superiores também em relação às
escolas da mesma região e com características semelhantes, segundo os critérios utilizados pelo Unicef e MEC.
As escolas analisadas
Foram visitadas e analisadas 33 escolas de ensino fundamental, sendo 20 municipais e 13 estaduais, em 32 municípios de 14 estados e do Distrito Federal.
Um universo a ser observado...
Os resultados da Prova Brasil abriram um rico campo de
observação sobre situações que podem levar à aprendizagem da leitura, dos cálculos e raciocínio matemáticos
em escolas públicas de ensino fundamental.
O estudo realizado pelo MEC e Unicef partiu de uma
idéia-chave: as respostas para as indagações referentes
à aprendizagem das crianças podem estar nas próprias
escolas. Mais do que isso, elas devem surgir de observações e reflexões com participação ativa dos protagonistas do fazer escolar.
Quais as características das escolas nas quais os alunos alcançaram bom desempenho na Prova Brasil? Que
escolas deveriam ser observadas e estudadas?
Para identificar as diversas dimensões da gestão, organização e funcionamento de escolas que podem ter
contribuído para a melhor aprendizagem dos alunos, foram selecionadas 36 escolas das cinco regiões geográfi-
99
ESTADOS E ESCOLAS
UNIDADE FEDERATIVA
Amazonas
Bahia
Ceará
Distrito Federal
Goiás
Maranhão
Minas Gerais
Mato Grosso do Sul
Pará
Piauí
Paraná
Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
São Paulo
Tocantins
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
NÚMERO DE ESCOLAS
4
2
2
1
1
1
4
2
1
1
3
6
1
3
1
Princípios norteadores do Projeto
Alguns princípios orientaram a direção do olhar sobre as escolas, procurando-se identificar em que medida elas estão garantindo os direitos da criança, em especial o direito de aprender. São eles:
• o direito à educação é direito de todas e de cada uma
das crianças e adolescentes;
• o direito à educação deve observar os princípios da
universalidade, progressividade, indivisibilidade e
interdependência, exigibilidade e participação;
• todas as crianças e adolescentes têm direito à educação de qualidade, independente de origem étnica,
racial, social ou geográfica;
• a escola é parte integrante do sistema de garantia de
direitos das crianças e adolescentes;
• a escola é lugar privilegiado para assegurar a cada
criança e adolescente o direito de aprender;
• a gestão escolar deve ser democrática, garantindo a
alunos, professores, funcionários, famílias e comunidade o direito à participação.
Aprova Brasil: uma experiência de observação
participativa
Para realizar a pesquisa em campo, foram selecionados 12 pesquisadores, por meio de edital público. O
grupo tinha formação e experiência bastante diversificadas em pesquisa e avaliação. Os pesquisadores foram
incentivados e capacitados, a fim de realizar uma análise a mais aberta e ampla possível, estarem totalmente
disponíveis para escutar e observar, além de, por meio
de muita determinação e disciplina, registrar cada momento da visita. Todo o trabalho nas escolas foi baseado em um “Caderno de Campo”, organizado de maneira a orientar os contatos e possibilitar o registro das observações, conversas, entrevistas e reuniões.
Nos dois dias em que passaram em cada escola, os
pesquisadores procuraram conversar com todos os atores que poderiam contribuir — e como contribuíram! —
para o entendimento das razões do bom desempenho
das crianças na Prova Brasil. Para entender o processo
de aprendizagem dos alunos, buscava-se a visão mais
ampla e multifacetada possível.
A inspiração para essa postura aberta e para a necessidade de captar a diversidade das faces e dimensões da
escola veio de um poema de Paulo Leminsky:
Quando eu vi você
Tive uma idéia brilhante
Com um olhar orientado pelo marco de direitos, o projeto buscou identificar que aspectos podem ter contribuído para o bom desempenho das escolas, o que certamente não se deve a um único fator ou dimensão da
gestão escolar. Cada escola tem história, rotinas, projetos e formas de trabalho construídas ao lo ngo do tempo. As escolas visitadas situam-se em municípios e comunidades com características culturais, sociais e econômicas diferenciadas, e pertencem a redes também diversas. Portanto, para anunciar os resultados da pesquisa como “boas práticas de educação pública”, foi preciso ir além da identificação de um ou outro fator, e descrever, ainda que sucintamente, os processos e atividades por meio dos quais essas práticas se efetivam e o
contexto em que elas se inserem.
O estudo lançou mão de uma metodologia denominada “pesquisa rápida” (rapid assesment), que parte
da investigação de um núcleo central de interesse — no
caso, as escolas selecionadas — para levantar elementos
que permitam identificar questões relevantes do universo pesquisado.
100
Foi como se eu olhasse
De dentro de um diamante
E meu olho ganhasse
Mil faces num só instante.7
Além de observar estas “mil faces”, era preciso ouvir
cada uma delas. E essa escuta foi inspirada em um texto
de Leonardo Boff:
Ler significa reler e compreender, interpretar: cada um lê com os olhos
que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como
alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua
visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender
é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como
alguém vive, com quem convive, que experiência tem, em que
trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida
e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão
sempre uma interpretação.8
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
!MAIORIADOSQUE
PARTICIPARAMDAS
ENTREVISTASREUNIÍESE
CONVERSASATRIBUIUOBOM
DESEMPENHODASCRIAN¿AS
AOSPROFESSORESAOS
PRËPRIOSALUNOS¸SPR¹TICAS
PEDAGËGICASDESENVOLVIDAS
E¸PARTICIPA¿»ODA
COMUNIDADE
Os atores, com os quais obrigatoriamente o pesquisador deveria fazer contato, seja por meio de observação de práticas, entrevistas, reuniões ou mesmo de conversas mais informais, foram: a direção, a
coordenação pedagógica, os professores, os alunos,
suas famílias, funcionários e membros do Conselho
Escolar. Para complementar, eventualmente foram ouvidos parceiros externos da escola, dirigentes municipais de educação, membros da comunidade do entorno da escola.
Todo o processo de escuta tinha, como coluna vertebral, uma questão central, que deveria ser respondida
por todos os atores:
avaliação que serviram de base para a construção do
Caderno de Campo:
• ambiente educativo;
• prática pedagógica;
• avaliação;
• gestão escolar democrática;
• formação e condições de trabalho dos profissionais
da escola;
• ambiente físico escolar;
• acesso, sucesso e permanência na escola.
Durante as visitas às escolas, os alunos, crianças e adolescentes, tiveram um papel central: eles conduziram os
pesquisadores, mostraram e opinaram sobre os espaços,
contaram sobre sua percepção das aulas e atividades desenvolvidas, seus processos de aprendizado, as relações
entre os atores, os resultados da Prova Brasil.
Por que a nossa escola foi bem no Prova Brasil:
•
por causa do bom desempenho dos alunos;
•
porque tem professores inteligentes;
•
porque as cantineiras são boazinhas e fazem uma merenda
gostosa;
•
porque os professores são criativos e trazem coisas novas,
como músicas, livros, pesquisas, e não fica aquela aula
cansativa;
Esta escola teve um desempenho na Prova Brasil — Matemática
e Língua Portuguesa na 4ª e/ou 8ª série — acima da média das
•
porque temos muitas tarefas na sala de aula;
•
porque a avaliação é por trimestre e estimula o aluno a
estudar o ano todo;
escolas públicas brasileiras.
•
A que pode ser atribuído esse resultado?
porque a supervisora é maravilhosa, uma fada.
Alunos da 8ª série da Escola Municipal Desembargador
O Caderno de Campo, guia desse processo de observação e escuta, foi elaborado de maneira simples
e adequada à metodologia de pesquisa rápida, e estava dividido em três blocos:
• quadros com registro de informações quantitativas
sobre o município e a escola;
• roteiros para observação, entrevistas, conversas,
reuniões, com orientações de caráter geral e indicações específicas para cada um dos atores participantes;
• formulários para registro de informações qualitativas do pesquisador.
O roteiro de observação e contato com os atores foi
construído a partir da publicação Indicadores de Qualidade9 na Educação, cujo objetivo é incentivar a comunidade escolar a avaliar a qualidade da educação
em sua escola. Nela, são propostas sete dimensões de
101
Aprígio Ribeiro de Oliveira,
São Brás do Suaçuí, MG.
A percepção dos atores sobre as razões do bom
desempenho das crianças
As respostas à questão central da pesquisa revelam a
percepção dos atores em relação às causas do bom desempenho das crianças de cada escola visitada. A maioria dos que participaram das entrevistas, reuniões e conversas atribuiu o bom desempenho das crianças aos professores, aos próprios alunos, às práticas pedagógicas
desenvolvidas e à participação da comunidade.
• O professor: atitudes, capacidades, formação.
Empenho, competência, capacitação, interesse,
dedicação, abertura para criar atividades e estimular os
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
alunos. Estas foram as características destacadas por
todos os que consideraram o professor como o principal
responsável pelo bom desempenho das crianças.
Os professores são criativos e trazem coisas novas, como músicas, livros, pesquisas, e não fica aquela aula cansativa.
Alunos da 8ª série da Escola Municipal Desembargador
Aprígio Ribeiro de Oliveira, São Braz do Suaçuí, MG.
• Alunos: sujeitos ativos da aprendizagem
A atitude dos participantes em relação aos alunos é
francamente positiva. Eles são parte ativa do sucesso das
escolas e não a razão de seus problemas, posição muitas
vezes adotada por alguns setores da comunidade escolar. Essa atitude repercute na auto-estima e auto-imagem
dos alunos que, em muitas das escolas pesquisadas, afirmam que confiam nas suas capacidades, consideram-se
inteligentes e têm facilidade para aprender:
A prova foi fácil e nós somos inteligentes.
Alunos da Escola Estadual Coronel
das famílias e da comunidade foi considerada um fator importante para o bom desempenho escolar das
crianças. Pelos depoimentos, foi possível verificar que
essa participação acontece de três formas:
• na gestão da escola;
• no envolvimento e presença dos pais de alunos;
• nas parcerias firmadas com instituições, como empresas, organizações sociais, associações de moradores, universidades e ONGs, entre outras.
Entendida como um fator que interfere positivamente
na aprendizagem, a gestão democrática e participativa
aponta para a ampliação do processo educativo que se
estende para além da estrita relação educador-educando, envolvendo outros territórios, o contexto social e comunitário e outros tempos, além do tempo escolar.
Sei que a escola tirou o “primeiro lugar” na Prova Brasil. Tem
um outdoor aqui na frente da escola. Acho que isso foi possível
pelo jeito que os professores ensinam as crianças. Eles sabem
ensinar e os alunos têm mais liberdade de perguntar quando
têm dúvidas.
Antônio Trindade, Aquidauana, MS.
Pai de aluno na escola
Professor Guiomar Gonçalves Neves, Trajano de Moraes, RJ.
• Práticas pedagógicas: inovações, interação com
outros ambientes.
As atividades pedagógicas desenvolvidas nas salas de
aula ou em outros ambientes são consideradas um dos
fatores mais importantes para o bom desempenho das
crianças, embora muitas dessas atividades e propostas
não cheguem a configurar um projeto pedagógico formal
e estruturado. A variedade de recursos utilizados, os tempos dedicados à aprendizagem — no turno de estudo e em
atividades complementares no turno oposto — a mobilização e a participação de alunos, e até mesmo das famílias,
nos projetos, a quebra da rotina de sala de aula ou da forma de organizar os espaços e o mobiliário escolar foram
citados por muitos dos participantes da pesquisa.
Além desses aspectos, muitos atores se referiram à
disciplina e à organização da escola como elementos
que impulsionam e valorizam a aprendizagem:
Aqui os alunos, pais e professores são cobrados e cobram com
muito rigor e disciplina.
Diretora de uma das escolas visitadas.
• Famílias e comunidade: parte do cotidiano da escola
Em muitas das escolas analisadas, a participação
102
As boas práticas das escolas: inspiração para
melhorar a aprendizagem
No estudo Aprova Brasil, o direito de aprender, a expressão “boas práticas” significa procedimentos, atividades, experiências e ações que apresentam resultados positivos na aprendizagem de crianças e adolescentes, alunos das escolas analisadas.
A sistematização de práticas, apresentada na publicação, foi feita a partir da análise da coerência pedagógica, da adequação aos princípios norteadores do
estudo, da sintonia com a abordagem dos direitos das
crianças e adolescentes, da sua relação com o dia-adia da escola e do potencial de disseminação para outras escolas.
A metodologia e o desenvolvimento do estudo não
permitem atribuir o bom desempenho dos alunos das
escolas analisadas exclusivamente às práticas relatadas.
Mas é possível destacá-las como relevantes e significativas para a escola, para os atores que participaram da
pesquisa e, principalmente, para os resultados na aprendizagem das crianças.
O estudo as apresenta como sugestões ou boas
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
idéias, não como receitas ou fórmulas prontas. Elas terão cumprido um importante papel se servirem de inspiração para políticas, programas, diretrizes ou projetos
que possam contribuir para a melhoria da qualidade da
aprendizagem de crianças e adolescentes, alunos de
escolas públicas brasileiras.
Dimensões do aprender: os achados do Aprova Brasil
Complementando a resposta à questão central, todos
os participantes do estudo — direção, professores, coordenadores, alunos, famílias, funcionários e membros
da comunidade — foram solicitados a descrever uma ou
mais práticas desenvolvidas na escola que contribuíam
efetivamente para a aprendizagem das crianças.
Ao analisar e sistematizar as boas práticas apontadas
pelos atores-participantes nas 33 escolas pesquisadas,
foi possível agrupá-las, por similaridade, em cinco blocos, chamados de “dimensões do aprender”.
Dimensão 1: práticas pedagógicas, a caminho da
educação integral.
O maior número de atividades citadas refere-se a práticas pedagógicas, envolvendo estratégias de trabalho
dos educadores, projetos de ensino, uso e produção de
materiais didáticos, processos de avaliação e recuperação da aprendizagem dos alunos.
Verificou-se que elas não nascem no vazio ou da intenção ou desejo isolados de um ou mais setores da comunidade escolar. Elas são fruto de uma conjunção de
condições objetivas e do compromisso da equipe e da
comunidade escolar com a aprendizagem dos alunos.
Sua força e efetividade dependem de uma atitude atenta e cuidadosa de todos no momento de planejar, realizar e avaliar cada passo. Essas práticas não são eternas nem imutáveis.
A publicação apresenta-as agrupadas em sete grupos temáticos, seja por características de gestão, por
forma de desenvolvimento ou tipos de atividades desenvolvidas. São eles:
• Trabalho coletivo, em equipe, compartilhado, coordenado.
Muitas das escolas estudadas desenvolvem experiências de planejamento coletivo, de encontros e centros de estudo, de articulação, intercâmbio de práticas
e conhecimento entre educadores.
103
• Projetos de ensino
Todas as escolas analisadas desenvolvem projetos
de ensino próprios, nas salas de aula, em outros espaços da escola ou externos. Muitos envolvem mais de
um professor ou mais de uma turma e disciplinas diferentes. Tomam a forma de oficinas de teatro ou música, de produção de textos, de programas de rádio, de
informática.
Alguns acontecem no turno oposto ao de aulas regulares, outros são apresentados para a comunidade
como eventos socioeducativos.
Os projetos descritos apresentam forte potencial
para mobilizar a participação dos alunos, propiciar a interdisciplinaridade, abrir portas para a integração com
a comunidade. Mais do que isso, interferem positivamente na mudança dos processos de avaliação do desempenho dos alunos.
Os projetos são uma inovação, mas não fazemos nada mirabolante, trabalha-se com aquilo que se tem. A maior dificuldade
é colocar os projetos no papel e registrar cada passo e os
resultados, pois falta hábito ao professor. Mas os projetos são
sempre um trabalho conjunto, interdisciplinar, e têm ajudado
na melhoria do ensino e aprendizagem.
Professoras de Matemática e Português da Escola Estadual
Cristóforo Myskiv, Prudentópolis, PR.
• Inovações na organização da escola
Aqui estão algumas experiências de mudança na organização espacial das salas de aula e de outros espaços
educativos, no aumento e na forma de distribuição dos
tempos escolares, na integração entre disciplinas.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
• Ensino contextualizado
A forma, o conteúdo e o material didático utilizado
nas atividades de ensino consideram a realidade dos
alunos e de sua comunidade. Em muitas das escolas,
há materiais construídos pela própria equipe, muitas vezes com participação dos alunos. Todas utilizam livros
didáticos, mas, na maioria delas, o projeto da própria
escola determina a ordem dos temas, o momento e a
forma de sua utilização pelos alunos.
• Novas formas de avaliação e acompanhamento da
aprendizagem
Experiências de programas de recuperação paralela
ao período de aulas, aulas de reforço, atenção individual. Algumas dessas atividades são realizadas com
parceiros externos.
104
• Atividades externas com alunos
Programas que abrem as portas da escola, permitindo que as crianças conheçam sua cidade e outras
escolas. Idas ao cinema e ao teatro, atividades de educação ambiental e, até mesmo, viagens para outros
municípios são relatadas neste bloco.
• Incentivo à prática de jogos e esportes
Em muitas escolas, as crianças jogam xadrez, damas,
competem em torneios e campeonatos de esportes coletivos, muitos deles com a participação da comunidade.
Dimensão 2: a importância do professor
Em todas as escolas, houve relatos de boas práticas relacionadas ao professor, sejam aquelas voltadas para sua
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
formação inicial e continuada, sejam as que relatam experiências que comprovam seu compromisso, entusiasmo, dedicação e criatividade.
As boas práticas relatadas são agrupadas em dois
blocos: Formação e Valorização. No primeiro, são relatadas experiências de formação inicial e continuada
e mobilização dos professores para a busca de informações. No segundo, formas de valorização no campo
da remuneração e do reconhecimento.
Dimensão 3: gestão democrática e participação da
comunidade escolar
O estudo confirmou a importância da participação como
processo constitutivo da democracia. Portanto, boas
práticas de participação ampliam e qualificam a gestão democrática da escola. Nas escolas analisadas, foram identificados processos diferenciados e criativos de
participação. O maior reflexo na aprendizagem é decorrente do aprimoramento da interlocução da gestão da
escola com seus atores e da escola com interlocutores
externos, como os órgãos de gestão municipal ou estadual da educação, e de outras políticas e programas de
interesse da comunidade escolar, como os da assistência social, saúde, esportes, cultura.
Mais do que a existência de espaços de participação
— como reuniões, colegiados, informativos eficientes —
o estudo verificou o incentivo e o exercício dessa participação, concretizada em conselhos escolares atuantes e
presentes na vida da escola, no envolvimento ativo das
famílias e dos alunos nos processos de decisão e acompanhamento da gestão escolar.
Dimensão 4: alunos e alunas atuantes no dia-a-dia
da escola
As práticas apontadas nas escolas, envolvendo a participação de alunos, extrapolam os limites do simbólico —
quando as crianças compartilham ações concebidas, planejadas e realizadas por adultos — demonstrando o protagonismo e a importância das ações dos estudantes.
Mais do que um direito, a participação de meninos
e meninas é uma condição essencial para o desenvolvimento de práticas pedagógicas construtoras de aprendizagens. Eles e elas podem e devem ser protagonistas
e sujeitos ativos no ambiente social e comunitário, no
ambiente escolar e na gestão da escola.
105
Nas escolas analisadas, muitas foram as formas de
participação de alunos em atividades pedagógicas,
como o apoio ao reforço escolar, a elaboração de jornais-murais, a produção da rádio-escola. Grêmios atuantes, com presença ativa e efetiva na escola, também
foram encontrados.
Dimensão 5: as parcerias externas
A idéia de parcerias externas vem da compreensão de
que a escola, sozinha, não é capaz de garantir a totalidade dos direitos de crianças e adolescentes. A garantia
do direito à vida, à saúde, à liberdade, à convivência familiar e comunitária é resultado da ação de inúmeros organismos, governamentais ou não, das esferas públicas
e privadas. A parceria dessas instituições com a escola,
além de cooperar para o fortalecimento da própria instituição, contribui efetivamente para a garantia de alguns
desses direitos, principalmente, o de aprender.
As escolas analisadas exercitam ricas experiências
de parcerias com as instituições da comunidade, do
município e até mesmo regionais ou nacionais. Os parceiros têm perfis diferenciados, são do setor empresarial (bancos, empresas de comunicação ou pequenos
comerciantes), outras escolas, fundações, ONGs, universidades, sindicatos e associações comunitárias ou
de moradores.
A maioria delas apóia projetos realizados pelas próprias escolas, como laboratórios de informática, programas de empreendedorismo e segurança no trânsito, combate à violência, apoio a famílias, preservação
ambiental e atividades artísticas.
Além de viabilizar projetos, elas criam importantes espaços de mobilização social pela qualidade na
educação.
Aprova Brasil: ponto de partida para...
Mais do que ponto de chegada, o Aprova Brasil é ponto
de partida para compreender e disseminar as condições
e o potencial de aprendizagem nas escolas públicas
brasileiras. O estudo deixou questões em aberto, assim
como novas possibilidades de estudos e pesquisas.
Alguns aspectos — como a importância do clima
da escola, o ambiente escolar e as relações entre as
pessoas — foram citados muitas vezes como fatores
que estabelecem boas condições para a aprendiza-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
a disponibilidade de espaços, equipamentos e materiais; o isolamento entre escolas da mesma rede ou do
território do município; as demandas que as diferentes
esferas do poder público exigem da escola; a expectativa e as dificuldades na relação com famílias; a distância
e o descrédito da comunidade em relação à escola.
Voltando ao conceito inicial, de corpo e alma da escola, verificou-se que, embora sejam o lado mais visível, os aspectos materiais da escola — infra-estrutura, equipamentos, espaços — são mais eficientes para
impulsionar a aprendizagem quando estão integrados,
como meios, a projetos e atividades pedagógicas consistentes, concebidos e realizados pelos atores da própria escola.
O desafio que o Unicef e o MEC enfrentam, assim
como todos os parceiros e instituições comprometidas
com a boa qualidade da educação, é disseminar as experiências e práticas dessas 33 escolas, fazendo, do Aprova
Brasil, um impulso mobilizador que inspire novas práticas e experiências em escolas públicas brasileiras.
O objetivo central da caminhada da boa qualidade da
educação pública no país deve ser o de garantir, como
finalidade essencial da escola, o direito de aprender
para todas e cada uma das crianças e dos jovens brasileiros. O foco no direito de aprender pode reposicionar
e dar novo significado à dimensão material e às possibilidades geradas pelas condições objetivas e subjetivas do fazer escolar.
Notas
1
gem. Há também um novo olhar sobre a organização
da escola, disciplina e normas de convivência, percebidas mais como elementos importantes para o bom
funcionamento e para os resultados atingidos pelas
instituições e menos como formas de coerção ou impeditivas da participação. Um outro campo de observação aberto pela pesquisa é o das relações entre escolas e sistemas ou redes e seus organismos e modelos de gestão.
O estudo não teve o objetivo de recolher ou sistematizar as dificuldades que as escolas enfrentam para
desenvolver suas práticas. No entanto, essas dificuldades foram citadas pelos participantes da pesquisa
e afetam diferentes áreas e momentos da vida da escola, por exemplo: as condições de infra-estrutura e
106
2
3
4
5
6
7
8
9
O texto da publicação está disponível, na íntegra, em formato pdf, no sítio:
<http://www.unicef.org/brazil/finalaprovabrz.pdf >.
Mais informações sobre a Prova Brasil podem ser obtidas no sítio: <http://
www.inep.gov.br/basica/saeb/anresc.htm>.
Nos 155 países onde o Unicef atua, suas ações se realizam por meio de
Programas de Cooperação, cada um com duração de cinco anos. Estes
Programas de Cooperação são preparados com a participação do Governo
e de diferentes atores da sociedade civil, incluindo as próprias crianças e
os adolescentes. O documento do Programa de País (PP), resultado desse
processo de discussão, é assinado com os governos nacionais e serve de
aval para a atuação do Unicef no país.
IBGE/PNAD, 2004 e MEC/INEP Censo Escolar, 2005.
IBGE/PNAD, 2004 e MEC/INEP Censo Escolar, 2005.
Foram visitadas 36 escolas, mas, em três delas, foram identificadas práticas
de seleção para ingresso. Como isso estabeleceria um diferencial importante
em relação às outras escolas, essas três não foram incluídas nos resultados
do estudo.
Trecho do poema Amor bastante, de Paulo Leminsky.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes, 1999.
MEC/INEP, Unicef, PNUD e Ação Educativa. Indicadores de Qualidade na
Educação. São Paulo, 2004.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
RELATO DE PRÁTICA: PRÊMIO VICTOR CIVITA EDUCADOR NOTA 10
Não é fácil premiar com justiça
Gabriel Grossi
Regina Scarpa*
O que nossas crianças devem, de fato, aprender na
escola?
É isso o que seus professores estão ensinando?
Estas foram as principais questões que nortearam a
seleção dos 3.851 trabalhos inscritos para o Prêmio Victor Civita Educador Nota 10, em 2006. Em outras palavras, procurou-se buscar o que cada professor e cada
professora efetivamente ensinaram e como se deu esse
processo.
O importante é pensar: para que serve um prêmio na
área da Educação? Ao longo de todos esses anos, ficou
muito claro, para nós, que o Prêmio Victor Civita tem três
objetivos principais:
• Valorizar o bom professor e mostrar a importância
da profissão de educador
Sobretudo porque o Prêmio tem ampla divulgação,
tanto pela revista Nova Escola quanto pela rede pública de televisão, graças a uma parceria com a TV
Cultura, de São Paulo;
• Revelar a situação real da Educação brasileira ano
após ano
Por meio da leitura e análise dos projetos, é possível
identificar claramente o que está sendo realizado nas
escolas, principalmente nas redes públicas, que respondem pelo maior número de inscrições;
• Divulgar boas experiências, com ênfase para o fato
de que elas podem servir de referência para os professores
Ao publicar os perfis dos professores vencedores e
os relatos de seus trabalhos, procura-se ser indutor
de boas práticas pedagógicas.
Nesse contexto, um elemento é fundamental: escolher bem a equipe de selecionadores para garantir que
eles tenham condições de julgar adequadamente se os
* Gabriel Grossi é diretor de redação da revista Nova Escola.
Regina Scarpa é coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita.
107
professores inscritos realizaram um trabalho consistente
com os alunos. Alguns dos critérios utilizados em 2006
para a escolha dos selecionadores foram: a familiaridade com a escola pública e o conhecimento didático de
sua área de atuação.
A importância da seleção
Como todos os projetos que adquirem relevância, o
Prêmio Victor Civita é hoje uma atividade que consome
o ano todo, praticamente sem interrupção. Terminada
a festa de entrega dos troféus, já é hora de pensar se é
necessário fazer algum tipo de alteração no regulamento, afinar as parcerias e preparar o material para divulgar, na revista Nova Escola, tanto os trabalhos vencedores quanto as chamadas para o ano seguinte.
Mas nada se compara à tarefa que cabe aos selecionadores. Em 2006, tivemos o privilégio de poder contar
com um grupo de 16 professores e formadores de professores nessa equipe, que trabalha durante pouco mais de
um mês na leitura e análise dos projetos inscritos.
Este processo tem várias etapas. Na primeira leitura
dos textos, há uma separação quase natural do “joio”
e do “trigo” – uma pré-seleção. São visíveis os projetos
que não têm um propósito claro de ensinar conteúdos relevantes. É nessa hora que os selecionadores começam
a observar se os critérios gerais para a classificação dos
trabalhos foram atendidos:
• o trabalho é modesto e seus objetivos e metodologias adequados ao que se propôs realizar;
• há intencionalidade do trabalho desenvolvido pelo professor. A metodologia reflete uma ação planejada;
• apresenta um conteúdo relevante e pertinente à faixa etária e ajuda os alunos a avançarem na sua compreensão;
• as estratégias metodológicas utilizadas podem ser
tomadas como referência para realização de proje-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
tos semelhantes por outros professores que conhecerem este trabalho;
• demonstra a atuação dos alunos e há, em sua avaliação, indicadores de aprendizagem.
Em uma segunda análise, mais minuciosa, consideram-se os critérios específicos da área para a seleção e
os potenciais vencedores. Nesse momento, é comum pedir a ajuda dos colegas.
Por exemplo, um trabalho sobre meio ambiente sempre será lido, no mínimo, pelos responsáveis por fazer
a triagem de Geografia e também pelos de Ciências. Dia
após dia, no contato permanente e na troca de idéias,
os selecionadores vão estreitando os critérios para definir o que é um bom concorrente e por que ele deve ser
premiado. A coordenação pedagógica participa lendo e
discutindo os trabalhos com os selecionadores.
Na reta final, temos uma lista com algo entre 50 e 80
candidatos a Educador Nota 10. É nesse momento que os
selecionadores pedem aos inscritos todo o material utilizado em classe e também o que foi desenvolvido pelos
estudantes, às vezes, pacotes enormes com a produção
de textos, desenhos, fitas de vídeo, CD-ROMs etc. Após
a análise desse material, é hora de conversar por telefone com os candidatos e esclarecer dúvidas, checar se
o professor efetivamente domina o que foi feito em sala
de aula e garante que sua turma construiu efetivamente aprendizagens relevantes. Uma das professoras vencedoras deste ano disse ter se sentido argüida pelo selecionador como numa defesa de tese.
Nessa etapa, todos os selecionadores lêem os trabalhos indicados por seus colegas, acompanhados de um
questionário contendo os seguintes itens:
• Por que considerou este trabalho relevante? Que aspectos lhe chamaram a atenção?
• Que expectativas de aprendizagem o professor (a) tinha? O que os alunos aprenderam? Outros resultados
foram alcançados?
• Os conteúdos estavam compatíveis com as necessidades de aprendizagem dos alunos? Justifique.
• O desenvolvimento do trabalho ocorreu de forma compatível com seus objetivos e conteúdos? Comente.
• O professor valorizou a interação entre os alunos
como fator de aprendizagem? Em que situações?
• E o professor, aprendeu algo? Dê a sua opinião.
• Em que aspectos o trabalho poderia ser melhor? Que
devolutiva você daria ao professor no sentido de contribuir com a sua formação profissional?
108
Esta troca entre os selecionadores, este debate que
se estabelece no dia-a-dia criam um sentimento fascinante de responsabilidade coletiva, que culmina com uma
grande reunião para definir os dez finalistas. Em 2006,
ela consumiu dois dias inteiros de trabalho, sob a liderança da coordenação pedagógica da Fundação Victor Civita,
e com a participação de jornalistas da Nova Escola.
Nesse encontro, regado a muito café, água, suco, pão
de queijo e biscoitos, os selecionadores apresentam uma
síntese sobre tudo o que cada um leu, com os destaques
positivos e negativos, algo que retrate o “estado da arte”
da área de conhecimento analisada. É impossível, diante
de tanta informação e reflexão, não aprender com esse
gigantesco panorama da Educação no Brasil.
Esse momento ajuda a localizar os trabalhos indicados em relação aos trabalhos recebidos. Tudo para
garantir que os vencedores sejam os melhores do ponto de vista daquilo que foi analisado e do que os alunos aprenderam.
O projeto, ao vivo.
Esse panorama ganha novas cores no mês de agosto,
quando os jornalistas e fotógrafos vão, finalmente, conhecer ao vivo os dez finalistas. Eles são os primeiros
a visitar pessoalmente a escola em que esses professores trabalham, entrar em suas casas, descobrir como
eles fazem (quase sempre em condições bem distantes
das ideais) para ensinar mais e melhor.
É óbvio que, vez ou outra, na história do prêmio, apareceram pequenos problemas. Um trabalho que parecia muito consistente revela-se mais frágil. Um professor, que se mostrava confiante no relato escrito, mostra-se mais tímido e inseguro na conversa pessoal. De
certa forma, esse parece ser um risco difícil de evitar
por causa de uma polêmica que sempre pairou sobre
a história do Prêmio Victor Civita: afinal, estamos premiando os Educadores Nota 10 ou os trabalhos que
eles inscreveram?
Por isso, já há quatro anos, todos esses professores também são avaliados quando chegam a São Paulo para a grande festa de premiação, no mês de outubro. Todos têm a obrigação de apresentar seus projetos – não apenas aos outros vencedores, como também para um grupo muito selecionado de especialistas, o júri que, até 2006, tinha por tarefa escolher o
Educador do Ano.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Esse é, sem dúvida, um dos momentos mais produtivos, uma verdadeira aula para todos os que têm a
chance de acompanhá-la. A argüição dos jurados ajuda todos os Educadores Nota 10 a perceber o que poderiam ter feito a mais em seus projetos:
• como definir objetivos claros de aprendizagem;
• como criar atividades mais relevantes para atingir
esses objetivos;
• como estimular as crianças e jovens a se envolver
mais com essas atividades;
• como montar instrumentos capazes de avaliar corretamente se essas propostas se traduzem em aprendizagens significativas.
E, para encerrar, os selecionadores (que também
têm a oportunidade de acompanhar esta “banca”) dão
um retorno aos finalistas para lhes dizer por que seus
trabalhos foram escolhidos entre os dez melhores e
também para fazer uma análise crítica do trabalho por
eles realizado. Além, é claro, de contribuir com bibliografia e materiais que ajudem os professores em sua
qualificação profissional.
Depois de tudo isso, sem dúvida, merecemos aproveitar, junto com esses professores, a grande festa que
a Fundação Victor Civita prepara para a entrega dos troféus. A lição que fica é que, para muito além da emoção de premiar professores das mais diversas regiões
do país, que tantas vezes “tiram leite de pedra” em
situações bastante desfavoráveis, a real importância
do Prêmio Victor Civita é, como destacamos no início
deste artigo, valorizar o professor, divulgar boas experiências, induzir outros professores a seguir essas
boas práticas para que ensinem mais e melhor e, assim, possam ter orgulho de sua profissão.
109
Em constante aprimoramento
O Prêmio Victor Civita é uma das mais antigas
premiações da área de Educação no país. Surgiu em
outubro de 1998 e chega, em 2007, à sua décima edição. Nesse percurso, passou por várias mudanças.
Algumas merecem destaque.
Em seu primeiro ano, não houve inscrição. Os
candidatos eleitos foram professores cujos trabalhos
tinham sido publicados na revista Nova Escola.
A partir do segundo ano, começou o processo
de inscrição pelo correio e a seleção feita por uma
equipe de especialistas de todas as áreas do conhecimento.
Em 1999 e 2000, a escolha teria que contemplar
todas as disciplinas: três selecionados de cada
uma das áreas concorriam ao prêmio em dinheiro
e ao troféu.
Em 2001, dos 12 professores finalistas, oito
deviam ser de escolas públicas e os outros quatro, de instituições privadas. E surgiu também o
título de Professor do Ano, concedido a um desses
finalistas.
De 2002 a 2004, manteve-se o número de premiados, mas essa divisão entre escolas públicas e
particulares deixou de existir. Em 2005, o número
de professores finalistas passou para dez.
Para saber mais, consulte o site:
<www.novaescola.org.br> e o endereço:
<http://revistaescola.abril.com.br/premio_vc/
hotsite_index_2006.htm> para conhecer o resultado do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10,
em 2006.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
110
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
ARTIGO
Vera Masagão Ribeiro*
/
%STATÅSTICAS
PARAMELHORARO
CONHECIMENTODE
LETRASENÒMEROS
Grandes tendências
O interesse por mensurar as condições de alfabetização
da população não é novo em nosso país. De fato, as estatísticas oficiais sobre a alfabetização no Brasil remontam ao final do século XIX e, como observa Ferraro (2002),
constituem o mais antigo indicador das condições educacionais da população de que dispomos.
Até hoje, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE apura esse índice com base na auto-avaliação
da população recenseada sobre sua capacidade de ler
e escrever um bilhete simples e, ainda que os critérios
dos recenseadores ou da população possam ter variado
ao longo do tempo, é possível construir uma série histórica consistente, que mostra que o analfabetismo entre
brasileiros com 15 anos ou mais veio decrescendo paulatinamente no último século, de 65,3%, em 1920, para
13,6%, em 2000 (Ferraro, 2003), chegando a 10,9%, em
2005, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad (Henriques; Ireland, 2006).
Esse método de medição, ainda que tenha valor para
a manutenção de séries históricas nas estatísticas educacionais, vem sendo cada vez mais questionado por especialistas da área. Tendo em vista teorias atuais sobre
o processo de aquisição da escrita e seus usos efetivos
nas diversas esferas sociais, é difícil sustentar uma abordagem dicotômica, que visa estabelecer uma única linha
divisória entre analfabetos e alfabetizados.
* Vera Masagão Ribeiro é doutora em Educação e coordenadora de
programas da ONG Ação Educativa.
111
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Cada vez mais, é preciso compreender a leitura e a escrita como práticas culturais e como competências multidimensionais, que abarcam diversos tipos e níveis de habilidades. Entre conhecer algumas letras, assinar o próprio nome, reconhecer palavras, retirar uma informação
de um pequeno aviso, copiar uma receita, ler um trecho
em voz alta com pouquíssima ou com razoável fluência,
analisar o editorial de um jornal ou redigir uma carta comercial, onde caberia a linha divisória que divide os alfabetizados dos analfabetos?
Saber ler e escrever um bilhete simples é uma definição operacional, utilizada pelo IBGE, mas outros países usam critérios diferentes, enquanto alguns países
com altíssimo grau de desenvolvimento educacional,
como Holanda, Suécia ou Suíça, nunca incluíram perguntas desse gênero em seus levantamentos censitários (Unesco, 2005).
O conceito de alfabetismo funcional, disseminado internacionalmente pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco (sigla do
inglês para United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization) a partir da década de 1960, representou um primeiro esforço para superar uma visão dicotômica que se refere à capacidade de efetivamente usar
as habilidades de leitura e escrita de modo a responder
às demandas do contexto. O conceito trazia, também, implícita a idéia de que, atingido um certo patamar de habilidades e alcançando-se uma prática sistemática, evitar-se-ia a chamada “regressão ao analfabetismo”, ou a
perda das habilidades por desuso.
O conceito de alfabetismo funcional animou uma campanha internacional de alfabetização de adultos, coordenada pela Unesco, entre 1966 e 1973. Num primeiro
momento, o foco estava nas habilidades associadas ao
aumento da produtividade, mas, paulatinamente, passou a abranger outras dimensões, como a participação
cidadã, a convivência familiar e comunitária e o próprio
desenvolvimento cultural.
Tratava-se, entretanto, de um universo amplo e variado de demandas sociais de usos da leitura e escrita,
diferente para cada contexto e mesmo para cada indivíduo, tornando praticamente impossível estabelecer algum critério operacional necessário para a geração de
estatísticas. Diante desse problema, a Unesco sugeriu
a utilização dos anos de estudo da população como um
indicador proxi (aproximado) das condições de alfabetização funcional da população.
112
Na América Latina, comumente se utilizou o patamar
de quatro séries completas para indicar a condição de alfabetismo funcional. Entretanto, não existem evidências
que permitam determinar objetivamente uma quantidade
precisa de anos de escolarização suficientes para se chegar a um nível de alfabetização “funcional” e “estável”.
Um primeiro aspecto a considerar é que a qualidade da
escolarização pode variar, assim como as condições e as
motivações extra-escolares, para a manutenção e o desenvolvimento das habilidades (Wagner, 1999).
Visão multidimensional do alfabetismo
Os resultados das avaliações dos sistemas de ensino
brasileiro, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB ou a Prova Brasil, comprovam, com eloqüência, que quatro anos de estudo podem significar coisas
muito diferentes em termos de aquisição de habilidades
de leitura, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico da região; o tipo de escola: pública ou privada; a
zona: urbana ou rural; e mesmo o sexo do alunado. Além
disso, persiste ainda a dificuldade de fundamentar um critério único para o nível ou tipo de habilidade que deveria
ser considerado suficiente.
Mais recentemente, os surveys baseados em amostras
de população, incluindo testes de leitura e questionários
sobre práticas de leitura e escrita em diversos contextos,
oferecem dados mais detalhados sobre a distribuição da
cultura escrita nas populações.
Com base em estudos nacionais realizados em países
do Hemisfério Norte, a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento - OECD e o Instituto de Estatísticas do Canadá conduziram o International Adult Litercacy
Assessment - IALS, uma iniciativa que, entre 1994 e 1998,
recolheu dados comparativos de 19 países, quase todos
na Europa e América do Norte. No IALS, o termo analfabetismo sequer aparece, pois seu foco é definir e comparar,
entre populações com alto grau de escolaridade, níveis de
habilidade de alfabetismo em diversos domínios — compreensão de prosa, textos esquemáticos e quantitativos
— e também reunir um amplo conjunto de dados sobre
usos da leitura e da escrita na vida diária, especialmente
no contexto de trabalho, além de outras informações sobre a inserção profissional, oportunidades de capacitação,
renda etc. (OECD; Statistics Canada, 2000).
Em 2003, o estudo começa a mensurar diretamente
também as habilidades de resolução de problemas,
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
passando a se chamar Life Skills Survey - ALL. No
primeiro relatório do ALL, os autores reafirmam esta nova
perspectiva: não se trata de distinguir entre analfabetos
e alfabetizados; uma determinada habilidade é definida
como um contínuo de proficiência e mensurada por
meio de uma escala, cuja interpretação permite indicar
o quanto os adultos são capazes num certo domínio
(OECD; Statistics Canada, 2003).
Em 2005, a Unesco passou a conduzir uma iniciativa visando adaptar essa mesma metodologia de estudo
do alfabetismo para países pobres, com índices muito
mais baixos de escolarização: além de analisar mais
detalhadamente os níveis mais reduzidos de proficiência, o Literacy Assessment and Monitoring Program LAMP se propõe a estudar também o que chama de habilidades componentes da alfabetização, como a identificação de letras e palavras, fluência, vocabulário etc.
(Unesco, 2005).
Em todas essas iniciativas, algumas tendências comuns se verificam: em primeiro lugar, uma visão multidimensional do alfabetismo, envolvendo leitura, escrita
e processamento de informação numérica, nas quais se
podem distinguir ainda sub-habilidades componentes;
em segundo lugar, a combinação de medição direta das
habilidades por meio de testes com coleta de informações sobre práticas de leitura e escrita em diferentes
esferas de vivência.
Ainda que dentro dos limites do que é possível aprender por meio de estudos em larga escala — em que se
comparam, pelos mesmos critérios, subgrupos popula-
113
cionais muito diferentes — essas novas metodologias
procuram apreender o fenômeno do alfabetismo de modo
mais qualitativo, sob diversas dimensões.
Uma perspectiva brasileira
No Brasil, a única medida de alfabetismo baseada em
surveys — com medição direta de habilidades por meio
de testes, além de coleta de informações detalhadas sobre práticas de leitura, escrita e cálculo matemático na
vida diária — é o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - INAF, iniciativa de duas organizações não-governamentais brasileiras: a Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro.
A Ação Educativa tem, como missão, a defesa de direitos educacionais e atua na área de pesquisa e informação,
desenvolvimento de programas de educação de adultos,
mobilização social e advocacy. O Instituto Paulo Montenegro é ligado a uma grande empresa de pesquisa que
atua em toda a América Latina — o Instituto Brasileiro de
Opinião Pública e Estatística - Ibope — e sua intenção é
canalizar recursos financeiros e técnicos da empresa
e de terceiros para iniciativas de interesse social, sem
finalidade lucrativa.
O objetivo dessas organizações, ao idealizar o INAF,
foi oferecer, à sociedade, informações sobre as condições de alfabetismo da população adulta brasileira, de
modo a fomentar o debate público sobre o tema e subsidiar a formulação de políticas de educação e cultura
(Ribeiro, 2003).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
114
habilidade seria aceitável e qual deveria ser caracterizado como insuficiente? Com base na análise das demais informações coletadas pela pesquisa e em diálogo com consultores especialistas, chegou-se à seguinte
definição: os sujeitos que não respondessem a, ao menos, dois itens, seriam classificados como analfabetos;
os demais, em três níveis de alfabetismo.
O termo analfabeto funcional — ainda que de uso corrente na mídia — não foi utilizado, pois, a rigor, mesmo
Habilidades Matemáticas
Analfabetismo
Ausência de domínio das
habilidades medidas.
Ausência de domínio das
habilidades medidas.
Localizar uma informação
simples em enunciados
muito curtos, um anúncio
ou chamada de capa de
revista, por exemplo.
Ler e anotar números de
uso freqüente — preços,
horários, números de telefone; medir um comprimento com fita métrica; localizar uma data
num calendário.
Localizar uma informação
em textos curtos ou médios — notícia ou manual
de instrução, por exemplo, mesmo que seja necessário realizar inferências simples.
Ler números naturais, independente da ordem de
grandeza; ler e comparar
números decimais que
se referem a preços; contar dinheiro e fazer troco;
resolver situações envolvendo operações usuais
de adição e subtração
ou mesmo multiplicação,
quando não conjugada a
outras operações.
Localizar mais de um item
de informação em textos
mais longos; comparar
informação contida em
diferentes textos, estabelecer relações entre as informações (causa/efeito,
regra geral/caso, opinião/
fonte); ater-se à informação textual quando contrária ao senso comum.
Adotar e controlar uma estratégia na resolução de
problemas que demandam a execução de uma
série de operações, por
exemplo, tarefas envolvendo cálculo proporcional e porcentagens; interpretar gráficos e mapas.
Alfabetismo Nível Básico
Leitura
Alfabetismo Nível
Rudimentar
QUADRO 1
HABILIDADES QUE CARACTERIZAM OS NÍVEIS DE AFABETISMO DO INAF
Alfabetismo Nível Pleno
O INAF Brasil é feito com base em pesquisas anuais realizadas com amostras de duas mil pessoas, representativas da população brasileira de 15 a 64 anos, em todas
regiões do país, em zonas urbanas e rurais. Em entrevistas domiciliares, são aplicados testes e questionários aos
sujeitos que compõem a amostra. Em 2001, 2003 e 2004,
o levantamento abordou a leitura e a escrita, em 2002 e
2004, as habilidades matemáticas.
Para a elaboração dos instrumentos, partiu-se da
construção de uma matriz que inclui várias esferas da
experiência cotidiana em que os materiais escritos estão presentes. Para cada uma, listaram-se os suportes e
tipos de textos escritos correspondentes a diversos objetivos que motivam a leitura e a escrita (distrair, informar, registrar, controlar etc.).
Finalmente, elencaram-se também as habilidades de
leitura e escrita envolvidas nessas diferentes práticas, por
exemplo: localizar o material escrito em que uma informação desejada pode ser encontrada, identificar o tema
central de um texto, localizar nele informações específicas, comparar informações de diferentes textos, estabelecer relações entre fato e opinião, mobilizar dados necessários à redação de um texto, identificar o destinatário do texto e suas necessidades de informação sobre o
tema tratado, e muitas outras.
Processo semelhante foi feito com relação às práticas e
habilidades que abrangem representações e cálculos matemáticos. Nos questionários, procurou-se fazer um levantamento extenso de informações sobre práticas de leitura,
escrita e cálculos. Focalizaram-se o acesso e o uso de quatro materiais escritos principais: livros, revistas, jornais e
computadores. Outros materiais escritos foram incluídos
e suas finalidades de uso averiguadas, considerando-se
seis esferas de vivência: doméstica, do trabalho, da participação cidadã, da educação e da religião.
Os resultados dos testes foram analisados tendo em
vista a conceituação das habilidades num contínuo. Em
um primeiro passo, analisaram-se as características dos
itens que foram realizados com sucesso por pessoas
com diferentes desempenhos (escore total) e, com base
nessa análise, caracterizaram-se os níveis de habilidade
de acordo com as faixas de desempenho. As tarefas que
serviram para definir certo nível de habilidade são aquelas
realizadas corretamente por, ao menos, 75% das pessoas
naquela faixa de escore total.
Depois disso, seria preciso qualificar cada um desses níveis, estabelecendo um julgamento: qual nível de
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
habilidades muito limitadas têm funcionalidade em certos
contextos. A manutenção do termo “analfabeto” também
visou chamar a atenção para uma situação que ainda
é significativa em países como o Brasil, nos quais representativas parcelas da população têm baixa renda e
baixa escolaridade, e a problemática do analfabetismo
é pauta das políticas sociais e educacionais.
Os três níveis de habilidade de alfabetismo e habilidades matemáticas estão descritos no Quadro 1.
Em 2006, a equipe do INAF dedicou-se ao aperfeiçoamento da metodologia utilizada. Introduziu a Teoria da Resposta ao Item - TRI — metodologia usada nos
estudos internacionais sobre alfabetismo adulto, assim
como nas grandes avaliações educacionais no Brasil e
no exterior —, de modo a viabilizar o desenvolvimento
de instrumentos de avaliação mais precisos e flexíveis.
Com base em estudo especial feito com a população
carcerária paulistana (IPM/Funap, 2006), foi possível
comprovar que as habilidades de leitura e matemática,
medidas pelo INAF, podem ser abordadas como uma
única dimensão cognitiva, relativa à capacidade de operar com informações escritas — verbais e/ou numéricas
— para enfrentar as demandas e aproveitar as oportunidades de comunicação e acesso à informação, presentes em nosso contexto.
Já em 2007, a equipe passou a trabalhar na interpretação de uma escala combinada, procurando identificar as semelhanças existentes nas operações lógicas que as pessoas dominam em cada nível da escala,
operações essas implicadas na capacidade de ler, processar informações e interpretá-las.
Outro importante ganho metodológico com a utilização da TRI é a possibilidade de gerar um banco de
itens, com base no qual podem ser produzidos instrumentos específicos para estudos especiais, cujos resul-
tados sejam comparáveis com os da população brasileira. Como se comentará mais adiante, a avaliação de
programas, especialmente os voltados a jovens e adultos, é uma enorme lacuna a ser preenchida no âmbito
das políticas educacionais.
Alguns resultados
Os resultados do INAF, obtidos ao longo desses cinco anos, mostram que o País vem fazendo avanços
pequenos no que se refere à ampliação das capacidades de leitura, escrita e cálculo da população. Na
faixa etária investigada, o INAF identificou, em 2005,
7% de pessoas na condição de analfabetismo absoluto. No terreno das habilidades matemáticas, esse
percentual é menor — apenas 2% em 2004. Em ambos os domínios, entretanto, há aproximadamente
30% de pessoas que demonstram um domínio muito rudimentar das habilidades: só sabem ler os números e realizar operações muito simples, ler textos
muito breves e localizar informações muito evidentes. Só 26%, para a leitura, e 23%, para a matemática, mostram que têm domínio pleno das habilidades (Tabela 1).
Corroborando todos os estudos internacionais, o
caso brasileiro evidencia que o aumento da escolaridade é o principal fator a promover o alfabetismo,
tanto no que se refere às habilidades quanto às práticas de leitura, escrita e cálculo matemático. Os resultados mostram, entretanto, que as aprendizagens
correspondentes a cada grau de ensino são bastante
desiguais e que, para a maioria, a baixa qualidade da
educação oferecida compromete enormemente os ganhos, em que a ampliação das oportunidades de escolarização deveria resultar.
TABELA 1
EVOLUÇÃO DOS NÍVEIS DE ALFABETISMO INAF 2001 – 2005
Leitura e Escrita
2001
2003
2005
9%
8%
Alfabetismo Nível Rudimentar
31%
Alfabetismo Nível Básico
Alfabetismo Nível Pleno
Analfabetismo
Habilidades Matemáticas
Diferença
2002
2004
7%
-2 pp
3%
2%
-1 pp
30%
30%
- 1 pp
32%
29%
-3 pp
34%
37%
38%
+ 4pp
44%
46%
+ 2 pp
26%
25%
26%
-
21%
23%
+ 2 pp
115
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Diferença
Os quatro anos de escolaridade que supostamente garantiriam a alfabetização funcional, de fato, não se
mostram suficientes para que uma grande parcela supere o nível rudimentar de habilidades. Entre os indivíduos com menos tempo de estudo, a situação é ainda
mais alarmante, pois aproximadamente um terço se encontra ainda na condição de analfabetismo absoluto. Só
entre a população com, ao menos, o ensino fundamental
completo é que mais de 80% atingem os níveis básico ou
pleno das habilidades, tanto em leitura quanto em matemática (IPM; Ação Educativa, 2004 e 2005).
O grande peso do tempo de escolaridade na determinação dos níveis de alfabetismo se explica, por um lado,
pelo fato de que é na prática escolar que essas habilidades são ensinadas e exercitadas de forma sistemática
por longos períodos. Além disso, as credenciais escolares franqueiam o acesso aos contextos e práticas sociais
em que tais habilidades poderão, com mais ou menos
intensidade, serem aplicadas, mantidas, aperfeiçoadas
e ampliadas após o processo de escolarização.
Quando se está estudando o alfabetismo na população jovem e adulta, é fundamental considerar as oportunidades de uso da leitura e da escrita que as pessoas
têm em seu dia-a-dia, condicionadas por seu tipo de ocupação e nível de renda, entre outras variáveis.
O trabalho constitui, para essa população, uma esfera
crucial de vivências que catalisa demandas, oportunidades e motivações para que as pessoas sigam aprendendo
ao longo da vida e utilizando a língua escrita para se informar, planejar e se comunicar. Para investigar as práticas
nessa esfera, o INAF pergunta às pessoas que estão trabalhando, ou que já trabalharam alguma vez, que materiais
lêem e escrevem em seu trabalho. Oferece-se uma lista de
18 itens, e o entrevistado pode citar ainda outros.
Os tipos de materiais mais lidos no trabalho, segundo levantamento de 2005, são: bilhetes (26%), jornais (25%), revistas (23%), relatórios (22%), pedidos ou comandas (19%),
agendas ou calendários (17%), faturas, notas fiscais, recibos
ou duplicatas (17%), manuais de instrução (15%), plantas,
mapas ou desenhos técnicos (11%), entre muitos outros.
Os materiais escritos com mais freqüência são: bilhetes (30%), pedidos ou comandas (22%), relatórios
(22%), contas e orçamentos (18%), faturas, recibos, notas fiscais e duplicatas (13%), agenda (18%), formulários
(13%), cartas, ofícios e memorandos (11%). Proporções
bastante significativas de pessoas nada lêem (32%) nem
escrevem (38%) no contexto de trabalho.
116
A proporção dos que lêem ou escrevem três ou mais
tipos de materiais — e que, portanto, fazem usos mais
diversificados de suas habilidades de alfabetismo — corresponde, respectivamente, a 23% e 30%. Como era de
se esperar, as pessoas com maior nível de habilidade são
as que têm, no ambiente de trabalho, maiores exigências
de leitura e escrita, como mostra a Tabela 2.
TABELA 2
QUANTIDADE DE TIPOS DE MATERIAIS LIDOS NO TRABALHO, SEGUNDO
O NÍVEL DE ALFABETISMO – INAF 2005
Total
Alfabetismo
Rudimentar
Básico
Pleno
Materiais de leitura
nenhum
32%
50%
27%
9%
um
17%
20%
19%
12%
dois
12%
10%
16%
9%
três ou mais
38%
20%
38%
70%
Materiais de escrita
nenhum
38%
56%
31%
17%
um
14%
25%
30%
21%
dois
25%
9%
17%
19%
três ou mais
23%
10%
22%
43%
É fato, portanto, que as demandas de leitura e escrita
no ambiente do trabalho são restritas para a maioria da
população. Uma abordagem estritamente economicista, que procure vincular desenvolvimento econômico à
elevação dos níveis de habilidade de forma muito simplista, não deve chegar a bons resultados. As chamadas
demandas sociais a que o alfabetismo responde, entretanto, abarcam não somente as atividades produtivas,
como ainda as possibilidades de consumo cultural e participação social de forma geral, atuando, também nesse
âmbito, para produzir desigualdades.
Ao investigar esses outros domínios, o INAF verifica
que, considerando os baixos graus de escolarização e
renda de parcela importante da população, o interesse
dos brasileiros pela leitura é significativo:
• 68% dos entrevistados afirmam que gostam de ler
para se distrair;
• 79% afirmam que lêem livros ainda que de vez em
quando;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
• 35% afirmam que lêem jornal ao menos uma vez por
semana;
• 28% afirmam ler revistas ao menos uma vez por
semana.
O gênero de leitura varia, evidentemente, de acordo
com o nível de alfabetismo das pessoas. A leitura de
inspiração religiosa é freqüente em todos os grupos,
independente do desempenho, certamente porque o
tipo de leitura realizada nessa esfera não corresponde
à leitura de tipo analítica que o teste demanda. Outros
tipos são mais freqüentes entre pessoas com níveis
mais elevados.
É interessante observar que a poesia já aparece no
nível básico com freqüência semelhante à do nível pleno, evidenciando, mais uma vez, que há leituras de ordem subjetiva em que não necessariamente são mobilizadas as habilidades analíticas verificadas no teste. Já
a leitura de livros de ficção, história e biografias, livros
técnicos e de orientação pessoal mantém uma correção
bastante linear com o nível de alfabetismo.
Outro aspecto que uma investigação sobre habilidades e práticas de alfabetismo não poderia deixar de
TABELA 3
GÊNEROS DE LIVROS QUE OS ALFABETIZADOS COSTUMAM LER, POR
NÍVEIS DE HABILIDADE – INAF 2005
Total
Alfabetismo
Rudimentar
Básico
Pleno
abordar é o acesso às tecnologias de comunicação e
informação, já que, atualmente, o computador é também um importante veículo de textos escritos. Os dados
mostram, entretanto, que seu uso é muito reduzido na
população: só 19% utiliza computador ao menos uma
vez por semana; 6% o utiliza eventualmente, enquanto
75% não o utiliza (INAF, 2005). Outro recurso tecnológico
mais simples, entretanto, é bem mais disseminado na
população: 47% afirma usar habitualmente a calculadora para realizar operações em seu dia-a-dia.
Em algumas questões do teste de habilidades matemáticas, a taxa de utilização desse instrumento supera 70% (IPM; Ação Educativa, 2004). Apesar de seu
uso favorecer as possibilidades de acerto do item no
teste, os usuários nem sempre são bem-sucedidos na
resolução do problema. Em parte, por não dominarem
seus recursos, mas também, e principalmente, porque
a resolução de problemas não depende apenas da execução dos cálculos, e sim da capacidade de elaborar e
executar controladamente um plano de resolução e verificar a pertinência do resultado.
Diante desse grau de disseminação do uso da calculadora, é surpreendente que os programas de educação
básica para crianças e adultos não a utilizem como recurso pedagógico com mais freqüência, tanto para que
mais pessoas aprendam a usá-la com eficiência quanto
para que possam dedicar-se mais à compreensão das
situações-problema e das relações numéricas do que à
mecanização dos procedimentos de cálculo.
Bíblia ou livros
religiosos
45%
46%
48%
47%
Indicações para as políticas
Romance,
aventura,
policial, ficção
30%
19%
32%
49%
Livros
didáticos
21%
16%
19%
33%
Poesia
15%
12%
18%
19%
Biografia, relatos históricos
15%
9%
16%
26%
Livros técnicos,
de teoria,
ensaios
11%
4%
9%
22%
Auto-ajuda,
orientação
pessoal
11%
5%
9%
22%
Não costuma
ler livros
21%
29%
15%
7%
A pesquisa sobre o alfabetismo funcional no Brasil revela, portanto, um país onde a cultura letrada está amplamente disseminada, mas de forma muito desigual.
Da população alfabetizada, um contingente significativo utiliza as habilidades de leitura e escrita em contextos restritos e demonstra habilidades também restritas nos testes de leitura e habilidades matemáticas.
Apesar de todos os níveis de alfabetismo serem funcionais — ou seja, úteis para enfrentar ao menos algumas
demandas do cotidiano — só os que se classificam no
nível pleno apresentam domínio das habilidades avaliadas, fazendo usos mais intensos e diversificados da
leitura e da escrita em vários contextos.
A escolaridade é fator decisivo na promoção do alfabetismo da população. A pesquisa revela como os défi-
117
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
cits educacionais se traduzem em desigualdades quanto ao acesso a vários bens culturais, oportunidades de
trabalho e desenvolvimento pessoal que caracterizam
as sociedades letradas. Se for necessário um indicador
único, relativo a anos de escolaridade, para dimensionar o alfabetismo funcional da população, mais apropriado seria considerar oito anos de escolaridade o período mínimo para se atingir essa condição.
A pesquisa mostrou que os porcentuais de pessoas
nos níveis básico e pleno de alfabetismo — tanto em
leitura e escrita quanto em habilidades matemáticas
— ultrapassam os 80% da população só entre aqueles
com ensino fundamental completo, grau educacional
que a Constituição brasileira determina como direito
de todos os cidadãos, independentemente da idade,
e cuja oferta gratuita é obrigação do Estado.
Diferente do que muitas vezes é divulgado na mídia,
os brasileiros, de forma geral, não são avessos à leitura.
Dois terços dos entrevistados afirmam que gostam de
ler para se distrair, e o Brasil ainda tem muito a investir na promoção do acesso gratuito a materiais escritos
— não só livros, como também revistas e jornais — e,
principalmente, aos computadores e à Internet.
118
Diante de tanto conhecimento já acumulado sobre
a alfabetização como fenômeno cultural complexo, de
sua associação com a questão das desigualdades, em
geral, e, em particular, com as de oportunidades educativas, não deixa de ser espantoso que as campanhas
de combate ao analfabetismo, na sua acepção mais restrita, ainda tenham tanto apelo nas políticas dos governos nacionais e dos organismos internacionais (Ribeiro; Batista, 2005).
Preocupados em fazer baixar o “número mágico”
— a porcentagem de pessoas que consideram que não
sabem ler e escrever — os governos ainda promovem
campanhas para alfabetização inicial de adultos, sem
reconhecer e enfrentar adequadamente as dificuldades
para chegar até a população-alvo, sem investir suficientemente na qualidade pedagógica, sem equacionar adequadamente a oferta de oportunidades de continuidade
e quase sempre obtendo resultados muito abaixo das
expectativas. Diante do malogro, o caminho tem sido,
muitas vezes, criar uma certa confusão de números para
a opinião pública, encobrindo dados censitários com
quantidades de inscritos nos seus programas.
O fato é que diversos planos nacionais ou multila-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
terais já incluem, em seus preâmbulos, essa visão ampla da alfabetização como promoção da cultura escrita,
reconhecem a importância da escolarização básica, do
acesso aos livros e a outros impressos, assim como às
novas tecnologias da comunicação (OEI, 2006).
Entretanto, ao estabelecerem suas metas e previsões orçamentárias, em que de fato se explicitam as
orientações e condições para a ação, os planos retornam ao universo restrito: definem metas de atendimento para alfabetização inicial de jovens e adultos — quase sempre propondo, de forma irrealista, a “erradicação
do analfabetismo” como primeiro passo a ser dado —
sem qualquer meta mais concreta em relação às oportunidades de continuidade de estudos na educação básica ou qualificação profissional, de educação não formal, de acesso a livros, a outros impressos e às novas
tecnologias de comunicação.
Essa foi, por exemplo, a inspiração do mais recente
programa nacional, o Brasil Alfabetizado, cujos resultados frustraram o Ministério da Educação, pois grande parte dos milhões de adultos atendidos não era, de
fato, a que se declara analfabeta, e sim com baixa escolaridade, não afetando, portanto, as estatísticas nem
suprindo adequadamente as necessidades educativas
do público atendido.
Os estudos sobre cultura escrita — tanto no viés
quantitativo quanto qualitativo —, principalmente as
avaliações independentes e criteriosas dos programas
de alfabetização e educação de adultos, são essenciais
para que possamos estabelecer planos mais realistas e
eficazes para elevar os níveis educacionais da população. Infelizmente, ainda há muita carência nesse sentido, e mesmo os educadores progressistas resistem às
avaliações, porque, nesse campo, elas são quase sempre utilizadas como veredicto, ou para glorificar os sucessos da política ou para condenar a alfabetização e
a educação de adultos como políticas “ineficazes” do
ponto de vista econômico.
Nesse contexto, é essencial, antes de tudo, afirmar
enfaticamente que a educação — da qual a alfabetização faz parte — é um direito de todas as crianças, jovens e adultos. Com base nesse princípio, então, poderemos avaliar os planos e as políticas em curso, visando a seu aperfeiçoamento, com diretrizes mais coerentes quanto a estratégias e recursos necessários para
colocá-las em prática.
119
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QUANTITATIVOQUANTO
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EDUCACIONAISDAPOPULA¿»O
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Cadernos Cenpec 2007 n. 3
RELATO DE PRÁTICA: PROJETO CRIANÇA
Uma experiência formativa
Ana Luíza Mendes Borges
José Hamilton Maruxo Júnior
Sônia Maria de Oliveira Nudelman*
A escola pública, como se sabe, sempre quer o sucesso
dos seus alunos. Por isso, está atenta às suas próprias
potencialidades e limites, busca alternativas com bom
senso e prudência e discute possibilidades para atingir
esse objetivo. Quando vê chances de ser apoiada em
seus propósitos, torna-se parceira de experiências interessantes. Sabe que valem a pena mais ritmo, movimento, intensidade, trabalho coletivo, muita conversa, estudo e, principalmente, coragem para trilhar novos caminhos, se isso significa atingir seus propósitos.
É o que vem acontecendo com as escolas participantes do Projeto Criança, uma proposta para o ensino da leitura e da escrita, direcionada à 4ª e 5ª série do
ensino fundamental, que alia o estudo da Língua Portuguesa a estratégias de teatro. O Projeto é resultado
da parceria entre o Instituto Algar de Responsabilidade Social e o Cenpec, e vem promovendo a reorientação e a problematização de práticas escolares essenciais: leitura de livros literários, produção de textos pelas crianças, desenvolvimento de habilidades artísticas, entre outras.
Como se sabe, a avaliação da aprendizagem é também uma dessas práticas escolares. O seu objetivo é
acompanhar o desenrolar do processo de ensino e aprendizagem, a fim de orientar intervenções pedagógicas
consideradas necessárias, com o propósito de garantir
a aprendizagem dos alunos. Um dos instrumentos que
compõem a avaliação é a prova.
Provas podem ser elaboradas pelos próprios professores e demais membros da equipe escolar e aplicadas
aos alunos ou , então, por organizações externas à escola, tais como institutos de pesquisa especialmente con* Ana Luíza Mendes Borges é cientista social (FFLCH-USP) e pesquisadora do Cenpec.
José Hamilton Maruxo Júnior é mestre em Letras (FFLCH-USP) e
pesquisador.
Sônia Maria de Oliveira Nudelman é pedagoga (PUC-SP) e coordenadora do Projeto Criança, no Cenpec.
120
tratados para esse fim, fundações e organizações nãogovernamentais, entre outros.
No primeiro caso, professores e alunos — os agentes do processo da aprendizagem — estão envolvidos
na avaliação de forma imediata, isto é, sem a mediação
de agentes externos à escola.
No segundo caso, há intervenção de agentes externos — seja na elaboração das provas, seja na sua aplicação, correção ou aferição de resultados.
Este relato descreve a experiência de elaboração de
uma prova da qual participaram os professores e as escolas do Projeto Criança e o Cenpec, ou seja, envolveu
agentes escolares imediatamente implicados na avaliação e agentes externos. Para se compreender como
essa experiência aconteceu, faremos um breve histórico do Projeto e, em seguida, situaremos, dentro dele, o
processo de elaboração da prova e sua aplicação. Por
fim, apresentaremos alguns resultados alcançados com
esta experiência.
Breve histórico e objetivos do Projeto Criança
O Projeto Criança existe há mais de uma década e é desenvolvido em 28 escolas das redes municipais de ensino
de 15 cidades dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul,
Minas Gerais e São Paulo. No segundo semestre de 2004,
estabeleceu-se uma parceria entre o Instituto Algar de Responsabilidade Social e o Cenpec. Com a parceria consolidada, o Projeto Criança vem se transformando num projeto
de formação em Língua Portuguesa e Arte-Educação para
professores, com o objetivo de se desenvolver, ao longo
de três anos (de 2005 a 2007), uma proposta para o ensino da leitura e da escrita que se valha do teatro como estratégia. Além disso, contamos com a participação direta
dos gestores das escolas e de secretarias municipais.
Em 2005, foram desenvolvidas atividades para fomentar a leitura e o teatro nas escolas. No final de 2006, foi pos-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
sível integrar o ensino da Língua Portuguesa ao da Arte, por
meio do teatro, a partir de uma metodologia de trabalho
que tem trazido bons resultados: as crianças lêem adaptações de boa qualidade de textos da literatura universal
(Romeu e Julieta, Dom Quixote, Rei Artur e os Cavaleiros da
Távola Redonda, Sonhos de uma noite de verão, O natal do
avarento), contam e recontam as histórias lidas, opinam
sobre elas, concordam ou não com os autores, conversam
sobre suas leituras e escritas e ainda produzem livros e
coletâneas de textos de sua própria autoria.
Foram realizadas, até o final de 2006, aproximadamente 300 horas de formação continuada para cada um
dos participantes, outras tantas de estudo e planejamento para difundir o projeto nas salas de aula de 4ª e 5ª séries, inúmeras outras de experimentação das ações nas
classes, sem contar o tempo para registro e sistematização de conhecimentos, acompanhamento e avaliação,
e celebração de conquistas.
Em 2007, pretende-se completar o ciclo de formação
com a perspectiva de se avançar na construção de seqüências didáticas para aprendizagem da escrita, ancoradas no teatro, o qual fomenta a cooperação grupal, potencializa a concentração e a atenção, abre espaço para a participação, incentiva a oralidade e permite, por meio da expressão corporal, ampliar níveis
de compreensão do que se lê e se escreve, de forma
lúdica e prazerosa.
O ponto de partida e chegada são os alunos, seus
conhecimentos e vivências culturais. Do universo com
o qual convivem, foram escolhidas, como tema, as festas das quais participam nas suas escolas ou nas suas
comunidades. A partir do repertório de experiência desses alunos, promove-se a interação com o novo, a aproximação com a leitura de livros que, se não forem lidos
na escola, talvez não o sejam em lugar algum.
Dos aromas, das comidas, das brincadeiras, das
músicas de festas — como a junina, a cavalhada, a
congada, a folia de reis e o natal — são construídas
ligas com os temas, personagens, enredos e com o
ambiente das histórias lidas e encenadas. São criadas cenas para vivenciar as festas, para antecipar o
conteúdo da leitura de textos literários, para checar o
que se lê, para reviver a seqüência de ações dos personagens e, também, para contar, recontar e criar novas histórias.
Ler e escrever não se dissociam neste projeto. Do
contexto das obras literárias, determina-se a seqüência
121
didática da escrita. Se Romeu e Julieta trocam bilhetes
e, também na festa junina, acontece o correio elegante, as crianças escrevem cartas e as trocam, como “Romeus” e “Julietas”. Se Dom Quixote se envolve em mil
aventuras, imortalizadas pela mão do seu autor-criador, as crianças também inventam seus heróis e escrevem suas aventuras. Se o Rei Artur reflete sobre quais
estratégias usar para conquistar e apaziguar os povos
que se rebelam contra seu poder, os meninos também
escrevem, em seus diários de bordo, suas próprias reflexões sobre o esforço cotidiano que despendem para
conquistar mais e novos conhecimentos.
A leitura dá a régua e o compasso da escrita. Oferece a indicação do gênero a ser trabalhado e, além disso, com o teatro, aquece o imaginário e fortalece repertórios. Prontos, os textos são novamente encenados, para que, em grupo, com a parceria dos alunos,
se atue sobre a coerência da produção.
Esse trabalho se estabelece com o respeito necessário às práticas pedagógicas correntes nas várias escolas e cidades onde o Projeto Criança se instala. Por
isso, procura cumprir a tarefa de conciliar os tempos
de ação na urgência, característicos da escola, com
os tempos da formação, a qual, à frente das questões
mais rotineiras, constrói novos encaminhamentos e intervenções para as práticas de ensino em curso.
Não parte dos sistemas de ensino, embora conte com
as autoridades locais para a criação de condições estruturais e logísticas que viabilizem sua implementação:
• constituição de acervo de livros da literatura universal;
• garantia da presença dos profissionais nos encontros de formação;
• estabelecimento de jornadas de trabalho que comportem
tempos remunerados para a irradiação, acompanhamento e avaliação do projeto nas escolas.
É de adesão voluntária, mas demanda esforço individual de estudo, compromisso com a experimentação das atividades construídas nos encontros de formação e registro, em diário de bordo, da experiência
que toma teatro como meio para ensinar a ler e a escrever com compreensão, autonomia e prazer.
Implica flexibilizar a gestão, ou seja, organizar grupos de relações horizontais que, em intenso trabalho
coletivo, reflitam sobre as práticas de ensino da leitura e da escrita em curso, bem como promovam a apropriação de “competências leitoras e escritoras” entre
todos os alunos das 4ª e 5ª séries.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
O Projeto compromete-se em acompanhar e avaliar os
resultados de aprendizagem conquistados pelos alunos.
O processo de elaboração da prova
Para nós, avaliar e acompanhar a implementação do
projeto e medir seus resultados com base em alguns indicadores tem sido, mais do que uma tarefa, um compromisso. Na cultura dos parceiros do Projeto está a origem
da decisão de sempre ter os olhos bem abertos para saber se os rumos previamente estabelecidos no plano do
projeto estão sendo seguidos.
Para isso, desenvolvemos um modelo de avaliação
composto pelos seguintes indicadores:
1. Gestão do projeto na secretaria:
• abrangência e infra-estrutura das escolas;
• acesso ao material pedagógico;
• carga horária do professor;
• presença dos profissionais nos encontros de
formação.
2. Gestão do projeto na escola:
• organização dos horários de trabalho coletivo e dos
horários de trabalho individual;
• formação de grupos horizontais de gestão do projeto;
• irradiação do projeto nas escolas;
• acompanhamento das práticas de ensino do projeto
nas escolas;
• presença do Diário de Bordo;
• organização do espaço da escola.
3. Gestão do projeto na sala de aula:
• presença do Clube de Leitura;
• execução da seqüência de atividades (festa, leitura
e escrita, mediadas por cenas);
• presença dos ateliês das seqüências didáticas de gêneros orais e escritos (leitura e escrita, mediadas por
cenas);
• presença do Diário de Bordo (professor e aluno);
• acompanhamento das produções dos alunos.
4. Formação:
• grau de apropriação dos conceitos e das propostas
de trabalho desenvolvidas na formação;
• grau de apropriação dos gêneros textuais desenvolvidos na formação (diário de bordo, roteiro de cenas,
contos etc.);
• elaboração de seqüências de atividades e seqüências didáticas de gêneros orais e escritos.
122
5. Aprendizagem:
• grau de apropriação do uso das cenas como recurso
para evidenciar compreensão na leitura — seqüência
de ações, caracterização dos personagens, do tempo
e do espaço;
• grau de apropriação de estratégias pessoais de leitura — leitura de indícios, antecipação e verificação;
• grau de apropriação de estratégias de leitura
dramatizada;
• presença de escrita espontânea nos gêneros trabalhados;
• presença de parceria com os alunos no aperfeiçoamento dos seus textos escritos (cenas);
• grau de apropriação dos gêneros, entrevista e exposição oral.
Como forma de completar esse percurso avaliativo,
a equipe propôs-se a elaborar um instrumento que desse um passo à frente em relação à matriz avaliativa do
projeto, buscando obter dados relativos à aprendizagem
dos alunos. A equipe do Cenpec responsável pelo Projeto ponderou que uma avaliação de aprendizagem poderia ser realizada de várias formas, mas, em larga escala,
a escolha por provas seria eficiente e daria efetividade
ao processo de avaliação.
Após discussões com os participantes, chegou-se à
conclusão de que a prova se justificaria, em sua elaboração e aplicação, se, além de obter resultados de aprendizagem dos alunos, se transformasse em uma experiência de aprendizagem para a equipe escolar.
Com esse objetivo é que a prova foi elaborada e aplicada: além de mostrar resultados de aprendizagem dos
alunos, ela poderia dar aos participantes e parceiros do
Projeto a ocasião de aprender a elaborar um instrumento de avaliação em construção coletiva.
Durante os encontros de formação de 2005, quando os resultados do SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, Saresp - Sistema de Avaliação
de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo e Simave - Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública
eram apresentados para a discussão de aprendizagem,
a equipe do Cenpec percebeu certa dificuldade dos professores em entender os dados, compreender o que significavam os indicadores e descritores dessas avaliações
governamentais e, por vezes, uma certa resistência em
aceitar que esses dados pudessem representar resultados de aprendizagem de seus alunos. Como estudantes
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
!EXPERIÂNCIADE
ELABORA¿»OEAPLICA¿»ODE
UMAPROVASEMELHANTEAO
3!%"PODERIAAUXILIAROS
PROFESSORESACOMPREENDER
MELHORESSAFORMADE
AVALIARECASOOSRESULTADOS
FOSSEMSEMELHANTESAOSDAS
AVALIA¿ÍESGOVERNAMENTAIS
AEXPERIÂNCIAAINDA
PODERIACONÙRMAR
ASINDICA¿ÍESSOBREA
APRENDIZAGEMDOSALUNOS
que iam tão bem nas provas elaboradas por seus próprios professores poderiam ter resultados aquém do esperado nas avaliações governamentais, como o SAEB?
A experiência de elaboração e aplicação de uma prova semelhante ao SAEB poderia auxiliar esses profissionais a compreender melhor essa forma de avaliar e, caso
os resultados fossem semelhantes aos das avaliações
governamentais, a experiência ainda poderia confirmar
as indicações sobre a aprendizagem dos alunos.
Como a prova foi elaborada
Uma das condições fundadoras do Projeto é a parceria.
Seus produtos são sempre elaborados em parceria com
os professores participantes da formação. Assim, no seu
início, não contava com materiais e metodologia prontos
a serem simplesmente utilizados pelos professores. Os
encontros de formação tinham como objetivo a discussão
de práticas pedagógicas do ensino da Língua Portuguesa
e da gestão escolar, e os produtos das formações eram
testados pelos professores em suas aulas. Esse modo de
trabalho foi aplicado à elaboração da prova.
No início de 2006, as escolas e secretarias municipais de educação participantes do Projeto Criança foram consultadas sobre a sugestão do Instituto Algar de
elaboração e aplicação de uma prova. A sugestão foi
aceita e a equipe do Cenpec passou a definir estratégias para elaborar essa prova em parceria com os participantes da formação.
123
Construir uma prova a 600 mãos — há aproximadamente 300 profissionais que participam das formações
do Projeto — não é uma tarefa muito fácil. Mas não poderia ser feita de outra maneira. Como sustentar o princípio da participação e da construção coletiva de uma
proposta se se chegasse às escolas com uma prova
pronta? Foi necessário tornar participativa a formulação do instrumento de avaliação, com todas as implicações que isso pudesse acarretar.
Durante as videoconferências, realizadas em fevereiro e março de 2006, foram definidos alguns critérios de elaboração da prova, a saber:
• deveria ser feita de forma coletiva, em função da natureza do Projeto e dos objetivos a que se propunha
(transformar-se numa experiência de aprendizagem
para professores e profissionais do Cenpec);
• deveria medir habilidades de leitura e de escrita ligadas às atividades desenvolvidas no Projeto Criança. Por isso, restringir-se-ia a avaliar estas habilidades ligadas aos gêneros narrativos;
• seus resultados deveriam ser analisados com os
outros indicadores de avaliação do projeto;
• o SAEB, sendo a única avaliação realizada em todos os estados onde o projeto acontece, serviria
como modelo.
Para dar início às atividades de 2006, em função de
haver muitos participantes novos no Projeto, o Cenpec
enviou às escolas um questionário para obter informações sobre o perfil desses participantes. Todos o preencheram. Já sabendo que a prova deveria ser elaborada, nele constava a seguinte questão:
“Se você fosse elaborar uma prova de leitura e escrita
para seus alunos, qual(is) texto(s) utilizaria?”
Diversas sugestões foram apresentadas. Chamounos a atenção a uniformidade de gêneros textuais
apresentados:
• 22% das sugestões eram fábulas;
• 18%, contos de fadas;
• 17%, textos informativos;
• 15%, contos de aventura;
• 10%, poemas;
• 18%, outros gêneros (histórias em quadrinhos, crônicas, romance, auto-ajuda).
Dessas sugestões, foram excluídos os textos informativos, os poemas e os outros, pois os textos-base da prova deveriam ser narrativos. Assim, ficamos com fábulas,
contos de fadas, contos de aventura.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Diante da impossibilidade de se privilegiar um desses três gêneros em detrimento dos outros, acabamos
por sugerir a elaboração de mais de uma prova. O que
tornou isso possível foi a seleção das habilidades “leitoras e escritoras” que seriam avaliadas. Para a leitura, foram elaboradas questões baseadas em cinco habilidades pertinentes ao texto narrativo, em igual distribuição nas diferentes provas:
• reconhecer e identificar os elementos da narrativa;
• reconhecer e identificar o conflito que gera a narrativa;
• reconhecer o tema do texto;
• identificar e localizar uma informação explícita no
texto;
• inferir uma informação implícita no texto.
Na escrita, houve a mesma preocupação em uniformizar as habilidades. Essas habilidades, distribuídas nas provas de maneira idêntica, permitiriam uma
posterior comparação de resultados, caso isso fosse
realizado.
Para se chegar a elas, foi necessário discutir com
o grupo de professores o que é uma “habilidade leitora”, o que é uma “habilidade escritora” e como elaborar questões relativas a elas. Isso deu a todos os
participantes uma idéia da forma como são preparadas
avaliações baseadas em habilidades, bem como da
estabilidade que esse tipo de avaliação pode proporcionar na hora da análise de seus resultados.
Cumpre dizer, ainda, que cabia aos professores escolher a prova a ser aplicada a seus alunos. É interessante notar que as escolhas dos professores seguiram a tendência dos gêneros textuais indicados, sendo que 30,5% escolheram a prova baseada na fábula;
62,2%, a prova baseada no conto de fadas; e 7,3%, a
prova baseada no conto de aventura.
Para facilitar o posterior trabalho de correção, no
que se refere à leitura, as questões das provas eram
objetivas, com quatro alternativas para cada uma.
As questões foram elaboradas pela equipe do
Cenpec e, quando estavam prontas, foram discutidas
e testadas com a intenção de mostrar a sua pertinência em relação às habilidades a serem avaliadas, bem
como os problemas surgidos (por exemplo, na parte de
leitura, questões em que pudesse haver mais de uma
resposta aceitável). Corrigidos os problemas, encerramos o processo de elaboração, ao qual se seguiu a
fase da aplicação e da correção.
124
A aplicação e a correção
Como forma de assegurar a lisura dos resultados, o
encaminhamento da aplicação foi feito também via videoconferências, nas quais foram combinados os critérios para a aplicação: o aplicador deveria preencher
uma ficha com os nomes de todos os alunos que realizassem a prova, orientar o grupo a fazer uma leitura prévia de toda a avaliação antes de começar a responder e não poderia esclarecer dúvidas pertinentes
ao texto nem às questões. Ao final da aplicação, em
outra ficha, deveria anotar eventuais ocorrências, bem
como o tempo gasto para as respostas. Como os professores das escolas estavam a par de todo o processo, porque dele participaram, foram eles os próprios
aplicadores.
Já que havia diferentes provas, ficou a cargo de
cada escola escolher, com o seu grupo de professores,
qual delas seria aplicada. Assim, os professores puderam optar pela prova que achassem mais adequada
aos seus alunos. A única solicitação do Cenpec, quanto à escolha, foi a de que os professores elaborassem
uma justificativa. Nessa fase, houve o cuidado de não
se divulgar o gabarito das questões objetivas: foi solicitado que cada professor que aplicasse a prova a seus
alunos respondesse às questões e elaborasse seu próprio gabarito.
Esse cuidado, além de, mais uma vez, colocar o professor como participante da construção da avaliação,
poderia revelar se as respostas dadas pelos professores
e aquelas consideradas corretas pela equipe do Cenpec
eram compatíveis. No momento da correção, poderiam,
por exemplo, ser descartadas as questões que estivessem em desacordo com os gabaritos.
Após a aplicação, cada professor deveria entregar
as provas ao diretor da escola, acompanhadas da lista de alunos, da justificativa de escolha e do gabarito
do professor.
Assim foi feito, e os diretores encaminharam as avaliações ao Cenpec.
Quanto ao processo de correção, vale dizer que a
análise dos gabaritos enviados pelos professores revelou absoluta adequação entre as respostas dadas por
eles e o gabarito do Cenpec. Houve apenas poucos casos isolados de não-concordância, em um número ínfimo de questões (apenas duas, em todas as provas). A
correção foi realizada pela equipe do Cenpec.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Alguns resultados dessa experiência até o
momento
O efeito mais significativo, já perceptível durante
os encontros de formação realizados no segundo semestre de 2006, foi o fato de os professores terem começado a se preocupar com os resultados das avaliações oficiais, como o SAEB e a Prova Brasil. Além disso, mostraram-se muito mais prontos a interpretá-los
à luz de suas práticas docentes, passando a reconhecê-los como válidos. A rejeição surgida no grupo de
professores, no início do Projeto Criança, em relação
à análise de dados provenientes das avaliações governamentais, já não se colocava no grupo de educadores do Projeto Criança.
Nossa hipótese inicial era a de que os resultados
apresentariam um desempenho médio dos alunos em
cada uma das habilidades (superior a 60%), o que se
confirmou a partir dos dados a seguir:
• 69,1% dos alunos reconhecem e identificam os elementos da narrativa;
• 63,9% reconhecem e identificam o conflito que gera
a narrativa;
• 72,4% reconhecem o tema do texto;
• 79,1% identificam e localizam uma informação explícita no texto; e
• 64% inferem uma informação implícita no texto.
No entanto, é importante salientar que esses dados
requerem análises mais aprofundadas, que estabeleçam as relações necessárias entre eles e os outros indicadores, acima citados. Mesmo assim, já promovem
significado para os professores, que se sentem mais
responsáveis por encaminhá-los e, por isso, comprometidos com a estruturação de novas estratégias de
melhoria da aprendizagem dos alunos.
A avaliação fortaleceu a importância do ensino do
texto narrativo para os professores. No início do Projeto, muitos deles tinham dificuldade em compreender os elementos e a estrutura textual da narrativa,
assim como a identificação dos gêneros narrativos. A
discussão em torno das “habilidades leitoras” para o
texto narrativo mudou essa situação.
Isso se refletiu indiretamente até nas escolhas dos
professores: no início do ano, os textos sugeridos por
eles, para o trabalho com os alunos e até para a elaboração da prova, restringiam-se a narrativas curtas
e a gêneros de pouca complexidade, como as fábu-
125
las e os contos de fadas. No fim do ano, as opções de
leitura, efetuadas pelos mesmos professores, incluíam textos mais longos e complexos, o que indica que
eles passaram a acreditar que seus alunos seriam capazes de ler textos mais longos do que aqueles que
sugeriram antes.
Durante o processo de elaboração da prova, ficou
evidente, para a equipe do Cenpec, a necessidade urgente de o projeto ter uma transposição mais direta
para a sala de aula, com a explicitação clara de modelos que pudessem ser recriados nas classes. Nesse
sentido, a própria prova serviu como modelo para outras situações de avaliação, das quais se pôde ter notícia ao longo do ano, no acompanhamento das atividades do Projeto (professores participantes do Projeto se aventuraram a criar suas provas a partir de habilidades de leitura e escrita).
Assim sendo, haver elaborado uma prova de forma
participativa se tornou uma grande experiência de
aprendizagem para todos: participantes e equipe do
Cenpec. Contribuiu para que a avaliação pudesse ser
mais bem apropriada pelos professores e para criar
uma mentalidade propositiva em relação à parceria
entre professores e alunos nesse processo.
Notas
1
2
3
4
Os três autores compõem a equipe do Projeto Criança no Cenpec.
O Instituto Algar de Responsabilidade Social está ligado às empresas do
Grupo Algar, com sede em Uberlândia, Minas Gerais, e financia projetos
educacionais, dos quais participam escolas públicas dos municípios onde
as empresas do Grupo atuam. Esses projetos têm assessoria educacional
de ONGs como o Cenpec.
A videoconferência é um dos instrumentos do Projeto Criança para a
gestão compartilhada: em 2005, mensalmente, todos os participantes do
projeto se reuniam, via videoconferência, com o Cenpec. Durante essas
reuniões, acompanhavam-se as ações dos professores e também se tomavam decisões no âmbito da gestão. Estas videoconferências aconteciam
alternadamente com os encontros mensais de formação, de modo que,
quinzenalmente, a equipe do Cenpec encontrava-se com os participantes
do Projeto. Em 2006, esse esquema de reuniões se manteve, alternando
encontros de formação presenciais e videoconferências. Graças a isso,
foi possível a elaboração da prova durante fevereiro e março de 2006.
Segundo alguns pesquisadores (ver: Brandão; Spinillo. Aspectos gerais
e específicos na compreensão de textos. Universidade de Pernambuco,
1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-79721998000200006&lng=pt&nrm=iso.htm>), a
compreensão pode ser avaliada pelo reconto — paráfrase — ou por
questões baseadas em habilidades específicas. No primeiro caso, considera-se o texto como um todo, e se avalia a compreensão em relação às
informações nele contidas; no segundo, as questões permitem focalizar
informações e partes específicas do texto.
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125
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
126
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
ARTIGO
Ana Maria Falsarella
Vanda Noventa Fonseca*
/IMPACTOPOSITIVO
DO0ROGRAMA
-ELHORIADA
%DUCA¿»ONO
-UNICÅPIO
1
uais mudanças no modo de gerir a política educacional
dos municípios podem ser atribuídas à formação recebida pelos gestores participantes do Programa Melhoria
da Educação no Município?
Quais os impactos do Programa na política municipal
de educação, no rendimento escolar dos alunos e na atuação profissional dos participantes?
Considerando essas duas questões, a equipe técnica que coordena o Programa Melhoria da Educação no
Município concebeu, formulou e desenvolveu a primeira
avaliação de impacto1 do trabalho realizado. A intenção
foi averiguar as mudanças ocorridas, sua consolidação
e seus reflexos na educação das crianças e adolescentes
dos municípios, cujos gestores participaram do processo de formação desenvolvido pelo Programa.
Múltiplos são os conceitos correntes de avaliação social.
Ao se adotar um deles, é preciso saber exatamente quais objetivos se pretende avaliar e quais valores, implícitos ou explícitos, estão envolvidos. Como Brant de Carvalho (2005),
entendemos que avaliar vai além de medir; significa fazer
um julgamento baseado em um referencial de valores:
Avaliação é atribuição de valor sobre o grau de eficiência, eficácia
e efetividade de políticas, programas e projetos sociais com base
em pressupostos teórico-políticos, parâmetros e padrões que asseguram objetividade e comparação na atribuição de valor (Brant
de Carvalho, 2005, p. 56 ).
Pretendemos, com este artigo, divulgar e compartilhar
os resultados encontrados nesta avaliação. Para tanto, começamos com uma apresentação do Programa; depois,
* Ana Maria Falsarella, pedagoga, doutora em Educação pela PUCSP, pesquisadora do Cenpec e professora do curso de Pedagogia da
Uniban-SP.
Vanda Noventa Fonseca, psicopedagoga, pesquisadora do Cenpec,
coordenadora do Programa Melhoria da Educação no Município.
127
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
explicitamos os procedimentos de pesquisa adotados e
seus principais resultados; finalmente, realizamos uma
apreciação dos resultados.
Programa Melhoria da Educação no Município
Resultado de uma iniciativa da Fundação Itaú Social
(FIS) e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), com apoio da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e sob a coordenação técnica do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), o Programa teve início
em 1999, com o seguinte objetivo:
Contribuir para a formação de gestores municipais na formulação e na gestão compartilhada de políticas públicas
educacionais, tendo por objetivo o ingresso, a permanência, o progresso e o sucesso na aprendizagem de todas
as crianças e adolescentes de seus municípios.
Entre 1999 e 2006, o Programa esteve presente em 17
estados brasileiros: AC, AL, AP, AM, BH, CE, GO, MA, MT,
MG, PA, PB, PE, PI, RN, SP, SE, abrangendo 1.237 municípios. Nesse período, foram capacitados 3.210 agentes
educacionais: gestores municipais, membros de conselhos de defesa de direitos das crianças e adolescentes,
coordenadores de organizações não-governamentais e
de outras instituições da sociedade civil. Atualmente, o
Programa se encontra em sua edição VIII, sendo que a
avaliação de impacto abarcou as edições de II a V.
O Programa é ancorado em três princípios básicos:
1. Contextualização
Investigar a situação de atendimento aos direitos das
crianças e adolescentes do município, com garantia
da multiplicidade de olhares sobre a realidade e a singularidade local, considerando-se: espaço, tempo e
saberes das pessoas que habitam o território.
2. Participação e Articulação
Constituir e consolidar um grupo voltado à defesa dos
direitos da criança e do adolescente, tendo a educação como foco, e estabelecer relações dialógicas que
suscitem o debate e a reflexão entre os diferentes sujeitos e instituições responsáveis pela educação no
município, de maneira que as decisões sejam tomadas de forma compartilhada e co-responsável.
3. Aprendizagem Contínua
Reconhecer a formação dos gestores como processo
128
continuado de aprendizagem que possibilita a busca de alternativas para a superação das necessidades identificadas e o desenvolvimento de estratégias conjuntas de intervenção.
Dentro de uma visão de educação para o desenvolvimento integral do ser humano, entende-se que as propostas educativas voltadas às crianças e adolescentes necessitam de ligação com a comunidade, não podendo ser
impostas de forma descontextualizada. Requerem, portanto, consenso e articulação entre Estado e sociedade
civil na formulação de políticas públicas que reconheçam
a educação como um dos direitos sociais básicos.
Considerando que propostas educacionais só se concretizam à medida que são desenvolvidas, o trabalho
de formação de gestores municipais, neste Programa, é
centrado na elaboração de um Plano de Ação Educativa
(PAE)2 que toma por base a Avaliação Diagnóstica (AD)
da situação educacional do município. Aposta-se que
ganhos na aprendizagem dos alunos decorrem de uma
gestão calcada em atitude diagnóstico-interventiva sistemática dos gestores. Portanto, o monitoramento sistemático da implementação do Plano é fundamental e faz
parte do processo de formação.
Ao propor a elaboração do diagnóstico da situação
socioeducacional, o Programa visa à leitura da realidade,
para que, considerando as potencialidades e as fragilidades educacionais do município, as prioridades (de curto, médio e longo prazo) sejam estabelecidas e as ações
que levem à solução das situações-problema identificadas sejam propostas. Esta avaliação diagnóstica norteia
e torna possível a elaboração de um plano de ação adequado às peculiaridades locais.
Nesse sentido, os principais temas abordados no
processo de formação do Programa têm como linha
condutora:
1. a educação como um dos direitos sociais básicos —
o município educador: crianças e adolescentes como
sujeitos de direito à educação;
2. o papel dos Conselhos Municipais e dos Conselhos
de Direitos das Crianças e dos Adolescentes;
3. a educação contextualizada à região;
4. a gestão escolar participativa e a elaboração do projeto político-pedagógico pelas escolas do sistema;
5. a análise estatística do desempenho escolar dos alunos como um dos componentes direcionadores da
avaliação do plano de ação.
Com a finalidade de subsidiar os gestores na efetivação
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
$ENTRODEUMAVIS»O
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DESENVOLVIMENTOINTEGRAL
DOSERHUMANOENTENDESE
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VOLTADAS¸SCRIAN¿ASE
ADOLESCENTESNECESSITAMDE
LIGA¿»OCOMACOMUNIDADE
N»OPODENDOSERIMPOSTASDE
FORMADESCONTEXTUALIZADA
das propostas apresentadas pelo Programa, os municípios
participantes recebem, como material de apoio, o “kit Melhoria”, composto por um conjunto de publicações e vídeos produzidos pelo Cenpec e editados pela FIS.3
Duas são as modalidades de formação, sempre
envolvendo encontros presenciais e monitoramento
à distância:
a. formação direta: as formadoras que compõem a equipe do Programa atuam diretamente junto aos gestores dos municípios participantes;
b. formação indireta (formação de formadores): em Núcleos Regionais de Formação (NRFs), a equipe do Programa prepara e habilita técnicos de determinados
municípios para atuarem como formadores em Núcleos Municipais – NMs, que englobam municípios
de uma mesma região, disseminando as orientações
e a metodologia do Programa.
Antecedem os encontros de formação as reuniões de
concertação, quando se realizam o primeiro contato com
os municípios envolvidos e a articulação para o desenvolvimento do trabalho, de acordo com as peculiaridades de cada região. Durante a concertação, em conjunto, são combinadas decisões e discutidas as demandas
educacionais locais.
No último encontro, é realizado um Seminário de Avaliação e Socialização de Experiências, quando, além da
avaliação do processo de formação, são apresentados
os resultados alcançados pelos municípios participantes
quanto à implementação de seus planos de ação.
A avaliação das ações, parte integrante da formação,
tem como característica a multidimensionalidade, o que
envolve seu desdobramento em diferentes tipos de registro. Sempre com enfoque participativo e formador, o
129
SM&A (Sistema de Monitoramento e Avaliação) do Programa vale-se de quatro tipos de avaliação:
1°. Ex-ante
Antecede a implantação do Programa, quando são explorados o contexto e o perfil dos participantes, que
guiarão a elaboração das metas, dos objetivos e do
desenho adequado de intervenção.
2°. Avaliação de Processo
Acontece por meio de monitoramento dos municípios, identificando-se os pontos fortes e as dificuldades que surgem durante o desenrolar do Programa, para possíveis aperfeiçoamentos e correções de
percurso.
3°. Avaliação de Resultado
Apresenta os resultados alcançados ao final do processo ou de uma de suas etapas, verificando a efetividade da proposta de responder às necessidades
constatadas, diante das metas estabelecidas. Toma,
por base, a apresentação da Avaliação Diagnóstica e
do Plano de Ação Educativa.
4°. Avaliação de Impacto
Seu objetivo é levantar as repercussões do Programa
nas políticas públicas locais para a educação, após
o término do período de formação, quer dizer, tratase de uma avaliação pós facto que observa a influência do “Melhoria” em médio e longo prazo nas regiões
contempladas.
A. O estudo avaliativo sobre o impacto do
Programa
A discussão referente ao impacto do Programa na gestão municipal e, em última instância, na qualidade da
educação oferecida aos alunos, é delicada e complexa.
Por mais que sejam associados procedimentos qualitativos a procedimentos quantitativos e por mais que a relevância e a confiabilidade da avaliação tragam credibilidade ao trabalho, sabemos que os resultados de um programa educacional nunca são lineares, pois muitas são
as variáveis intervenientes. Além disso, sempre há uma
boa dose de subjetividade presente, a começar pela seleção dos aspectos a serem observados e dos critérios
de análise. Assim, seu produto final traz indicadores,
nunca certezas absolutas.
A avaliação não tem um fim em si: seu objetivo é produzir um conhecimento que possa direcionar decisões sobre a reformulação e/ou continuidade das ações, na busca
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
constante de maior eficácia e eficiência. Confronta os objetivos enunciados com os de fato concretizados. Em particular, uma avaliação de impacto analisa mudanças significativas e permanentes que ultrapassam os resultados imediatos de um projeto.
A implementação de políticas públicas é um processo
múltiplo e complexo que acontece em um espaço de decisões carregado de negociações, dissensos e consensos,
inerentes a forças políticas e níveis de governabilidade dos
gestores, contexto este que não pode ser desconsiderado
na realização da pesquisa.
Assim, na seleção dos indicadores, na coleta de dados
e na análise dos resultados, foram considerados, por um
lado, a sua compatibilidade com os princípios norteadores
do Programa e, por outro, as condições do ambiente social,
institucional e organizacional ao qual estão ligados os gestores. Procurou-se levantar parâmetros comuns, porém, respeitando e incorporando distintas realidades municipais.
Este estudo, realizado em 2006, toma por referência as
mudanças derivadas da implementação do Plano de Ação,
singular às peculiaridades locais, e elaborado com base na
Avaliação Diagnóstica.
Constitui seu objetivo central:
Verificar a repercussão, a consolidação e a permanência de alterações, desencadeadas nas políticas públicas
para a educação das crianças e adolescentes dos municípios participantes do Programa, que podem ser atribuídas
à formação recebida pelos gestores.
Melhor esclarecendo, a presente avaliação buscou
conhecer, decorrido um período de 12 a 24 meses após
o término da formação, a ocorrência de impactos nos
beneficiários diretos — a política municipal de educação e os participantes — e nos beneficiários indiretos —
os alunos dos sistemas municipais de ensino. Ela abarcou 483 municípios, de 13 estados da Federação, que
participaram do Programa entre as Edições II (2000) e a
Edição V (2003). Nestas edições, a formação acontecia
em um ano, por meio de dois encontros semestrais, nas
modalidades de formação direta ou indireta. O Quadro I
apresenta a delimitação do universo da pesquisa.
QUADRO I
UNIVERSO DA PESQUISA
Região
Estado
Total de Municípios*
Norte
AC
22
Nordeste
Edições
II
MA
35
III
PB
127
III, IV, V
RN
27
IV
AL
25
III
PI
21
III, V
SE
21
IV
BA
16
V
CentroOeste
MS
23
II
GO
21
III , IV
Sudeste
MG
34
III,IV
SP
126
II,III
Definiram-se como objetivos específicos:
(*) Nesta coluna, o total de municípios é de 501. Para compor o universo da pes-
1.
Observar mudanças na gestão educacional dos municípios, nos resultados escolares e nas ações e procedimentos dos atuais gestores dos municípios que podem ser associadas ao Programa.
2. Observar em que medida as estratégias da gestão educacional contribuíram para a democratização da aprendizagem — melhoria dos padrões de acesso, permanência e qualidade.
3. Identificar a consolidação dos princípios propostos
pelo Programa (contextualização, participação e articulação, e aprendizagem contínua) na gestão educacional em exercício atualmente nos municípios.
4. Identificar a consolidação e a utilização adequada de
aprendizagens conquistadas pelos participantes do
Programa na função que exercem atualmente.
130
quisa, foram desconsiderados os municípios que participaram mais de uma vez
do Programa, o que explica o total de 483 municípios (e não 501).
Para a caracterização dos municípios participantes deste estudo, foram sistematizados os seguintes
dados: porte da população e distribuição dos municípios nas regiões brasileiras, segundo o IDH-M. Os municípios pequenos4 foram os que mais participaram do
Programa, o que trouxe repercussões à seleção realizada para este estudo. Dentre os 483 que compõem
a amostra, 333 são de pequeno porte e, na maioria,
com IDH-M até 0,6138. Destes, 131 estão localizados
na Região Nordeste.
Partindo dos princípios do Programa — contextualização, articulação e participação, e aprendizagem contíCadernos Cenpec 2007 n. 3
nua — foram definidos três eixos estruturantes que serviram para orientar a formulação, a aferição e a análise dos indicadores:
1º A Política Municipal de Educação
Ganhos na qualidade da gestão educacional, derivados da consolidação de mudanças no modo de gerir a
Educação, no que se refere à maior participação e partilha de decisões.
2º Os Alunos
Avanços no rendimento escolar dos alunos das escolas municipais, como repercussão das alterações na
gestão educacional, advindas da participação do município no Programa.
3º Os Participantes
Benefícios em relação aos conhecimentos técnicos e ao
compromisso com as políticas públicas educacionais.
tro-Oeste e Sudeste), num total de oito, para receberem a
visita técnica dos pesquisadores do Cenpec: Acrelândia
(AC), Alagoa Grande (PB), Catalão (GO), Itapeva (SP), Minaçu (GO ), Pocinhos (PB), Senador Guiomard (AC) e Sud
Minnucci (SP).
Aos municípios de Alagoa Grande e Pocinhos (ambos
da Paraíba), outro foi acrescentado: a possibilidade de um
estudo longitudinal, dando continuidade a pesquisas anteriormente realizadas pelo Programa e documentadas nas
publicações: Relatório de avaliação – Núcleo Regional de
Formação da Paraíba, e Municípios em Busca da Melhoria da Educação no Município.
Uma coisa que ficou muito forte em relação ao Melhoria foi incentivar a participação da comunidade, de fazer com que a cidade se
transformasse mesmo numa cidade educadora, que a educação
não ficasse somente nas escolas, tivesse outras formas, que não
fosse uma coisa restrita ao conteúdo de sala de aula, mas uma coisa
Optou-se por uma abordagem metodológica pluralista,
isto é, quali-quantitativa, que associa a lógica dos atores,
estabelecida a partir da avaliação qualitativa, ao sistema
de ação, observado por meio de dados quantitativos.
Entende-se que a avaliação quantitativa revela os impactos nas variáveis objetivas, mas não explica os motivos pelos quais um projeto provoca ou não mudanças na
realidade e na vida das pessoas. Só a avaliação qualitativa adensa e ilumina a análise, pois leva em conta o contexto, a historicidade, o movimento da realidade, a fala
dos sujeitos, a compreensão dos saberes e as características culturais de determinada localidade.
Consoante a esse entendimento, foram adotados diferentes procedimentos de pesquisa para a coleta de dados: pesquisa de opinião, pesquisa de campo e estudo
estatístico sobre indicadores socioeducacionais.
Os resultados observados na condução da política educacional municipal e na atuação dos participantes do Programa foram aferidos por intermédio de pesquisa de opinião (questionários enviados aos atuais secretários municipais de educação e aos participantes da formação à
época do desenvolvimento do Programa) e de pesquisa
de campo (visitas técnicas a oito municípios beneficiários
do Programa nas edições selecionadas).
Com relação à pesquisa de campo, considerando a
abrangência nacional do Programa em quatro das cinco
regiões brasileiras e a diversidade de contextos dessas
regiões, foram selecionados dois municípios de pequeno
a médio porte de cada uma delas (Norte, Nordeste, Cen-
131
de que os pais participassem, em que a comunidade estivesse
presente dentro da escola.
MARIA GORETT SANTOS
Secretária Municipal de Educação de Alagoa Grande/PB
Além da pesquisa de opinião e da pesquisa de campo, foi realizado também o estudo estatístico sobre os
indicadores socioeducacionais dos municípios, um ano
antes e um a dois anos após o período de formação. Por
intermédio desse estudo, procurou-se avaliar se houve repercussões positivas na trajetória escolar dos alunos das redes escolares envolvidas, levantando-se índices relativos a aprovação, reprovação, abandono e distorção idade-série.
Foram pesquisados, ainda, os indicadores sobre o
contexto social e econômico desses municípios – IDH-M
e estimativa populacional – e suas possíveis influências
nos resultados do Programa. Estabeleceu-se uma comparação entre os dados dos municípios participantes, chamado Grupo Tratamento – GT, e os dados de municípios
não-participantes, mas com perfil semelhante, que constituíram o Grupo Controle – GC.
Finda a coleta de dados, procurou-se estabelecer um
corpo explicativo coerente para as informações obtidas.
Uma série de procedimentos de análise, citados a seguir,
foram utilizados no tratamento dado às informações:
• análise comparativa dos índices socioeducacionais
dos municípios constantes da amostra um ano antes
e um ou dois anos após a participação no Programa,
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
cotejando-os com os dados dos municípios do Grupo Controle;
• tabulação, categorização e organização das respostas dos questionários;
• estabelecimento de categorias explicativas para o trabalho de caráter qualitativo desenvolvido em campo;
• comparação das práticas observadas e das falas dos
atores envolvidos com as respostas aos questionários e os dados objetivos coletados na pesquisa de
campo.
Por fim, com base nesses procedimentos, chegou-se
à análise avaliativa, comparando-se as informações obtidas com os três princípios básicos do Programa: contextualização, participação e articulação, e aprendizagem contínua.
B. Indicadores de gestão e resultados: pesquisa
de opinião e pesquisa de campo
Para a análise das respostas aos questionários e dos
relatórios de visitas técnicas, foram levantados indicadores que revelassem o impacto nos beneficiários diretos
do Programa, quer dizer, nos ganhos obtidos no que tange ao sistema municipal de educação e à atuação profissional dos participantes.
Optou-se pela apresentação e análise conjunta dos
dados oriundos destes dois procedimentos (questionário e visita técnica), uma vez que os resultados encontrados estão imbricados de tal forma que as respostas
aos questionários foram ilustradas pelas estratégias
singulares que os municípios visitados em campo encontraram para seus contextos. Procurou-se identificar como os gestores atuais conduzem a política educacional em seus municípios, ou seja, quais traços distinguem suas gestões.
Freqüentemente, os sistemas educacionais encontram muita dificuldade para criar espaços que possibilitem compartilhar conhecimentos ou tomar decisões coletivamente. Entende-se que a transparência nas decisões favorece a autonomia dos sujeitos, amplia a percepção das necessidades locais e possibilita uma atuação mais eficaz dos envolvidos. O Programa Melhoria enfatiza a importância de uma cultura democrática de partilhar responsabilidades e de tomar decisões baseadas
em informações claras e objetivas. Nesta direção, buscou-se aferir indicadores da gestão educacional nas seguintes dimensões: implantação de gestão participati-
132
va e compartilhada; compromisso com a aprendizagem
— acesso à escola e ao conhecimento.
O Quadro II apresenta os indicadores levantados relativos à gestão, e o Quadro III, os indicadores relativos à
aprendizagem dos alunos.
QUADRO II
INDICADORES RELATIVOS À GESTÃO
LEITURA DA REALIDADE
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
INTERVENÇÃO NA REALIDADE
PLANO DE AÇÃO
• coleta e análise de informações da situação educacional do município,
das condições de vida
das crianças e adolescentes, e das potencialidades
educativas da cidade, realizada por meio de um
processo de construção
coletiva;
• consulta a fontes oficiais
(dados primários e secundários);
• pesquisa de opinião dos
ativos sociais do município;
• participação de diferentes secretarias e instituições do município na
elaboração da Avaliação
Diagnóstica.
• planejada e implementada
coletivamente;
• elaborada a partir das necessidades apontadas no processo
da avaliação diagnóstica;
• articulada com diferentes setores da sociedade civil, organizações não-governamentais
e governos federal e estadual;
• utilização de práticas avaliativas;
• socialização de informações;
• estabelecimento de relações
entre municípios da região,
com a perspectiva de formação de redes;
• utilização das publicações
e/ou vídeos do Programa.
Discriminaremos, a seguir, a síntese dos principais
pontos constatados que evidenciam a contribuição do
“Melhoria” para uma gestão mais eficaz:
1. uma atitude investigativa que direciona a decisão em
relação a possíveis intervenções parece haver se sedimentado entre os participantes: a coleta e a análise de
informações para a leitura da realidade é uma estratégia de gestão amplamente citada, bem como a prática
de consulta a fontes oficiais de dados e informações
(IBGE, MEC–INEP) e às avaliações externas (SAEB, Prova Brasil), para se verificarem os resultados do trabalho e nortear as intervenções na gestão municipal;
2. comunicação, transparência e participação são aspectos estreitamente relacionados. Nesse sentido, pôdese observar os cuidados dos gestores quanto ao uso de
diferentes instrumentos para a divulgação das ações
da SME e para chamar os vários segmentos envolvidos
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
QUADRO III
INDICADORES RELATIVOS À APRENDIZAGEM
Acesso
Existência de ações que visem:
Permanência
Existência de ações que visem:
• ao atendimento à demanda
• ao controle da freqüência dos
escolar;
alunos;
• à provisão de equipamentos e da • à adequação do calendário escolar;
estrutura física;
• à recuperação da aprendizagem.
• ao fornecimento do transporte
escolar.
com a educação nos municípios, a fim de compartilhar
as decisões (estações de rádio, carros de som, reuniões, assembléias), o que revela o empenho em se estabelecer uma gestão democrática e participativa;
3. a articulação de diferentes sujeitos e instituições envolvidas com a educação é um dos princípios do Programa, no sentido de diminuir o distanciamento entre as pessoas e a fragmentação de ações; nessa direção, destaca-se a alta freqüência de respostas dos
gestores no que diz respeito ao envolvimento das famílias dos alunos e ao estabelecimento de alianças e
parcerias com os sistemas estaduais e outras instituições cujas ações incidem sobre o mesmo território;
4. o Programa tem, como diretriz, incentivar os gestores
a estabelecer procedimentos de convívio e tomada de
decisão que desenvolvam as responsabilidades individuais e sociais; o posicionamento dos gestores, que
permeia todo esse estudo, demonstra o compromisso
com o estabelecimento de uma cultura democrática em
seus municípios, que dê voz e vez a todos os envolvidos
nas políticas públicas, estejam eles ligados direta ou indiretamente à educação, já que todos contribuem com
seus distintos trabalhos para a vida em sociedade.5
C. Ações destacadas
No entanto, todo o movimento desencadeado na busca de uma gestão verdadeiramente democrática e eficaz
só ganha sentido se colocado a serviço da democratização da aprendizagem, ou seja, da garantia de acesso e
permanência na escola, com ensino de boa qualidade a
todas as crianças e adolescentes. Seguem as ações que
foram destacadas pelos gestores, na avaliação, para cumprir essa premissa:
a. o mapeamento dos espaços e das instituições educativas e o planejamento de ações para sua utilização,
133
Qualidade
Existência de ações que visem:
• à formação de professores;
• à valorização de professores;
• à construção e /ou reconstrução de currículos;
• à elaboração e /ou revisão do projeto das
escolas.
visando proporcionar uma educação integral e abrir
horizontes para além da sala de aula, é um ponto destacado pelo “Melhoria” no processo de formação. Os
resultados apresentados neste estudo demonstram
a ocorrência de trabalho educativo em diferentes espaços, o que possibilita aos alunos, ao participarem
de ações extra-escolares, a ampliação de seu repertório de saberes;
b. repensar os currículos escolares, contextualizando-os é
outro aspecto destacado durante a formação dos gestores. Espera-se que sejam planejadas coletivamente
ações para reorganizar os currículos, de modo que professores e alunos problematizem a realidade local para
poder transformá-la. Os resultados apontados neste estudo mostram que esse processo já está sendo desencadeado nas escolas pelos gestores municipais;
c. repensar e contextualizar o currículo implicam uma melhor formação dos profissionais da educação; também a
formação continuada dos professores faz parte da pauta
de preocupações dos gestores, conforme se pode averiguar no estudo aqui apresentado;
d. rendimento escolar dos alunos das escolas municipais: indicadores levantados e resultados.
O estudo do rendimento escolar dos alunos teve início
com a constituição de dois grupos: um Grupo Tratamento – GT, composto pelos municípios que participaram do
Programa, e um Grupo Controle – GC, composto por municípios não- participantes, mas com características semelhantes quanto à estimativa populacional e IDH-M.
A partir daí, foi realizado o levantamento de indicadores educacionais (taxas de aprovação, reprovação, abandono e distorção idade-série) dos municípios de ambos os
grupos, nos anos anterior e posterior ao desenvolvimento
do Programa. Para as Edições II e III, foram considerados
também os índices de dois anos posteriores ao desenvolvimento do Programa. Foi realizada, então, a comparação
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
entre os resultados dos indicadores do GT e do GC para se
verificar se havia diferença significativa entre eles.
O Quadro IV apresenta os indicadores selecionados
para a indicação de impactos nos resultados escolares
dos municípios participantes do Programa.
QUADRO IV
INDICADORES RELATIVOS
AOS RESULTADOS ESCOLARES
RESULTADOS ESCOLARES
1.
2.
3.
4.
reprovação escolar
aprovação escolar
distorção idade-série
abandono escolar
Foram calculadas as variações para cada indicador,
por meio da diferença entre as taxas anterior e posterior,
e, em seguida, foi utilizado o Test-T, instrumento estatístico que sinaliza se houve diferença significativa entre as
médias do GT, e do GC para cada indicador. O teste foi realizado em oito grupos de municípios parelhados: para
cada município do GT, havia um município do GC.
O estudo estatístico mostrou que houve impactos
positivos nos resultados escolares nas escolas de redes
municipais beneficiárias do Programa Melhoria da Educação no Município.
Observou-se, ainda, que a ocorrência de impactos positivos foi mais significativa quando o município:
• participa da modalidade direta de formação;
• elabora efetivamente a Avaliação Diagnóstica;
elabora e implementa efetivamente o Plano de Ação
Educativa, tendo, por base, o diagnóstico realizado.
A seguir, por meio de tabelas, discriminaremos as
situações que provocaram maior impacto, considerando os indicadores levantados:
a. Municípios que realizaram a Avaliação Diagnóstica,
elaboraram o Plano de Ação e participaram de modalidade direta de formação: observou-se impacto
nas taxas de aprovação, reprovação e abandono.
A Tabela I apresenta as variações nas taxas de abandono, distorção idade-série, aprovação e reprovação
dos municípios que realizaram Avaliação Diagnóstica e Plano de Ação, e participaram da modalidade direta de formação.
b. Municípios que realizaram a Avaliação Diagnóstica e participaram da modalidade direta de formação: observou-se impacto nas taxas de aprovação,
reprovação e abandono.
A Tabela II apresenta as variações nas taxas de abandono, distorção idade-série, aprovação e reprovação
dos municípios que realizaram Avaliação Diagnóstica
e participaram da modalidade direta de formação.
Considerando-se esses resultados, conclui-se que a
formação dos gestores para a elaboração e a implementação de planos educacionais, a partir de diagnósticos
voltados às realidades locais, conforme proposto pelo
Programa Melhoria da Educação no Município, provoca
ganhos no aproveitamento escolar dos alunos. Quando a
realização da Avaliação Diagnóstica e do Plano de Ação
é associada à modalidade direta de formação, os resultados se mostram mais significativos.
•
TABELA I
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA, PLANO DE AÇÃO E MODALIDADE DIRETA*
n
Média
Desvio padrão
Erro médio padrão
Variação da taxa
de distorção
participação do programa
Situação do município
90
-10,234
7,115
0,75
não participação no programa
90
-10,264
9,070
0,956
Variação da taxa
de aprovação
participação do programa
90
2,636
7,595
0,801
não participação no programa
90
-1,953
9,697
1,022
Variação da taxa
de reprovação
participação do programa
90
-0,167
5,539
0,584
não participação no programa
90
2,669
7,039
0,742
Variação da taxa
de abandono
participação do programa
90
-2,469
5,055
0,533
não participação no programa
90
-0,716
5,793
0,611
* Variações nas taxas de abandono, distorção idade-série, aprovação e reprovação dos municípios que realizaram Avaliação Diagnóstica – AD e Plano de Ação – PA, e
participaram da Modalidade Direta de Formação
134
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
TABELA II
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA E MODALIDADE DIRETA
Variação da taxa de
distorção
aprovação
reprovação
abandono
Situação do município
n
Média
Desvio padrão
Erro médio padrão
participa do programa
101
-10,497
7,099
0,706
não participa do programa
101
-9,937
8,855
0,881
participa do programa
101
3,144
7,813
0,777
não participa do programa
101
-1,980
9,639
0,959
participa do programa
101
-0,199
5,293
0,527
não participa do programa
101
2,699
6,872
0,684
participa do programa
101
-2945
5,635
0,561
não participa do programa
101
-0,719
5,743
0,571
D. Resultados finais: apreciação
Como secretária, em 2002 (...) aprendi com o Melhoria que, para se
fazer um diagnóstico, é preciso consultar as fontes oficiais de dados
e informações. Naquele tempo, nós estávamos precisando fazer o
censo escolar. Decidimos fazê-lo com o envolvimento de todos da
escola e a equipe da Secretaria de Educação. Este processo causou
muita polêmica. Com base no IBGE e colocando esta atividade no
calendário escolar, mapeamos toda a cidade. Cada escola fez o
censo de sua comunidade. Esta medida radical de colocar o professor para fazer o censo escolar provocou muitas reclamações, com
a alegação de que eu poderia contratar uma empresa para fazer
o trabalho. Meu argumento foi de que os educadores precisavam
conhecer realmente o que estava acontecendo na vida de nossas
famílias, com as crianças com deficiências, largados em casa, sem
condições de freqüentar a escola (...).
Mady Rolim
Professora, ex-secretária municipal de educação – Itapeva, SP.
O compromisso com a educação pública exige uma
ação mais estratégica para o avanço da política educacional brasileira, que é o de investimento na competência gestora dos governos municipais. O desafio atual é o de formar gestores municipais de educação. A legitimidade e a assertividade de planos educacionais,
sinalizados até mesmo pelo Plano Nacional de Educação, dependem de gestores que saibam acessar e processar informações, assegurar a participação, definir
metas consensuais e implementar e monitorar planos
educacionais.
Nesse sentido, o Programa Melhoria da Educação no
Município nasceu com a pretensão de não se constituir
em “mais um programa” a ser oferecido aos municípios.
Seu objetivo é formar os gestores educacionais para es-
135
truturar suas ações diante da multiplicidade de projetos
e programas planejados “de fora” e alheios ao contexto local. Entende-se que somente um gestor que exerça a reflexão e a crítica, com uma postura democrática
e participativa, será capaz de selecionar, dentre tudo o
que lhe é ofertado, o que convém à sua realidade, tendo, como foco, os problemas locais e, como finalidade
última, a melhor aprendizagem dos alunos.
Outrossim, sabemos que impactos positivos nos sistemas educacionais não advêm apenas de um programa
e/ou de um projeto, pois muitas são as variáveis intervenientes. As redes escolares locais são partes constituintes do sistema nacional de educação que, por sua
vez, sofre repercussões das condições socioeconômicas nacionais e internacionais adversas.
No entanto, a magnitude dos problemas da educação brasileira não pode levar à paralisia na busca de soluções. Nesta procura, os princípios e as práticas democráticas são apreendidos mediante o diálogo e o debate em torno de diferentes pontos de vista, legitimando
as vozes, as experiências e as histórias daqueles que
pouco são ouvidos. Só o “espaço das possibilidades”
pode oferecer novos caminhos para o avanço das condições educacionais.
O discurso por si só não provoca mudanças. Por isso,
o “Melhoria” não se pauta na reflexão teórica apenas,
ele também se volta para a prática reflexiva e para a formação de uma postura investigativa. A proposta se concretiza no apoio aos gestores municipais de educação
para que superem a falta de perspectivas; encontrem
soluções criativas para os problemas locais; racionalizem e otimizem recursos financeiros e culturais; busquem novos recursos e articulem parcerias para desenvolver a educação municipal.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Mudanças nas gestões educacionais vigentes, decorrentes da participação dos municípios no Programa Melhoria da Educação, puderam ser observadas por intermédio deste estudo. A permanência e a consolidação dessas
mudanças foram identificadas por meio de indicadores de
desempenho sobre estratégias de gestão que consideram,
por um lado, a leitura da realidade, operacionalizada na
elaboração da Avaliação Diagnóstica, e, por outro, a intervenção nesta realidade, consolidada pela elaboração,
implementação e avaliação do Plano de Ação Educativa.
A marca do Programa se encontra justamente nas ações
singulares, criadas e concretizadas pelas equipes gestoras
em resposta às demandas e condições, igualmente singulares, dos diferentes contextos municipais.
Para redirecionar as ações do Programa, a equipe do
“Melhoria” se apóia nas avaliações de processo e de resultados, recolhidas no decorrer da formação. O Programa
montou um banco de dados, em cooperação com o IBGE
e com o INEP, que armazena informações quanto às ações
desenvolvidas pelas equipes gestoras locais, os indicadores sobre a realidade dos municípios e os indicadores de
desempenho da educação estadual e municipal.
A aposta que o Programa faz na elaboração e na implementação compartilhadas de planos educacionais, a
partir de diagnósticos voltados às realidades locais, provoca, na ponta do sistema, ganhos na aprendizagem dos
alunos. Para que isso aconteça, o fortalecimento dos gestores em seu papel estratégico na condução de políticas
públicas, voltadas à garantia do direito à educação para
todos, é fundamental.
Com efeito, dentre os instrumentos que orientam o
trabalho da SME, os mais apontados pelos gestores atuais foram:
• diagnóstico educacional – 69,08%;
• plano de ação – 62,65%;
• cronograma de atividades – 54,22%.
O que de mais significativo aconteceu em relação à
mudança na forma de gerir a educação foi seu efeito em
cadeia, que pôde ser constatado estatisticamente na alteração das taxas escolares.
Comparando-se os municípios participantes do Programa — Grupo Tratamento - GT — com os municípios
que compuseram o Grupo Controle - GC, os dados mais
significativos foram:
a. média de variação positiva na taxa de aprovação e
média de variação negativa nas taxas de reprovação
e de abandono, nos municípios que fizeram a Ava-
136
liação Diagnóstica e participaram da modalidade de
formação direta;
b. média de variação positiva na taxa de aprovação e
variação negativa nas taxas de reprovação e de abandono, nos municípios que fizeram a Avaliação Diagnóstica e o Plano de Ação, e participaram da modalidade de formação direta.
Para que essa diferença ocorresse, os gestores se valeram de diversos procedimentos para buscar a universalização do acesso à escola e a permanência com aprendizagem significativa:
• reorganização curricular, voltada para o contexto local e com participação dos professores e representantes da comunidade — 69,48%;
• otimização de diferentes espaços e instituições, para
o desenvolvimento de ações extra-escolares, considerando a educação integral das crianças e adolescentes — 95%;
• valorização do magistério, com a oferta de cursos
de formação inicial e continuada aos professores
e a implantação do horário de trabalho coletivo —
94,78%;
• providências quanto ao transporte escolar — 55,82%
e quanto aos projetos especiais para alunos que
apresentam dificuldades — 62,24%;
• contato com as famílias de alunos com freqüência
irregular — 94,37%;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
•
aliança com conselhos tutelares e promotorias públicas — 75,10%.
As repercussões observadas se mostram especialmente positivas, considerando-se que, nas edições avaliadas (II a V), a formação acontecia em apenas um ano,
com dois encontros presenciais, totalizando 64 horas, e
30 horas de monitoramento à distância. Esse desenho,
pelo curto tempo de permanência do Programa nos municípios, permitia orientações à distância somente até a
elaboração da Avaliação Diagnóstica, o que acontecia no
intervalo do primeiro para o segundo encontro, quando
os municípios apresentavam, então, a proposta do Plano de Ação, não ocorrendo assim o monitoramento na
implementação do Plano de Ação.
Constatou-se, ainda, que as atuais gestões trazem marcas que evidenciam a consolidação de estratégias propostas pelo Programa, mesmo que os gestores não tenham participado pessoalmente do processo de formação.
Para a leitura da realidade, visando ao planejamento
das intervenções e ao monitoramento de resultados escolares, é procedimento sistemático, entre os gestores, a coleta e a análise de informações, o levantamento de dados
estatísticos no próprio município (91,97%) e as consultas
a fontes oficiais de dados sobre os resultados educacionais: IBGE, MEC-INEP/SAEB, Prova Brasil (52,21%).
A preocupação com a transparência, socializando as
ações da SME e incentivando a participação da população nos encaminhamentos relativos às políticas públicas,
vale-se de diferentes meios (reuniões – 93,17%; programas de rádio – 51,81%; jornal – 32,13%). Esta é outra marca detectada nas atuais gestões.
Também se destaca o empenho na articulação para
o estabelecimento de políticas públicas, decididas, em
conjunto, com os diferentes atores e instituições, governamentais ou não, vinculadas à educação (outras secretarias municipais — 76,31%; conselhos e fóruns — 71,08%;
escolas públicas estaduais — 70,68%). Especialmente
em relação aos pais de alunos, percebe-se o esforço para
aproximar família e escola, valorizando, a um só tempo,
o envolvimento dos pais nas decisões escolares e a cultura local (81,53%).
Uma informação importante é que 92% dos ex-participantes do Programa continuam atuando na área da Educação. E mais: 30,52% dos secretários de educação em
exercício que responderam ao questionário foram participantes do Programa.
137
Enfim, o Programa Melhoria da Educação no Município
enseja uma fotografia diagnóstica da realidade educacional local, induzindo o governo municipal a eleger prioridades educacionais e a escaloná-las no tempo. Introduz metodologias de ação pautadas na formação-ação de agentes locais heterogêneos na função que exercem — gestores municipais, conselheiros, técnicos supervisores, agentes da escola e de ONGs — e na leitura de dados oficiais
da realidade municipal, combinados com a investigação
cartográfica, isto é, com a avaliação diagnóstica empírica da realidade local.
O exame da realidade, por meio de indicadores sociais — IBGE, INEP — combinados à verificação empírica,
tem se tornado um ponto-chave da formação-ação. Outro
ponto-chave incide na formulação de planos de ação. Ambas as tarefas — Avaliação Diagnóstica e Plano de Ação
Educativa — exigem a consulta à comunidade, a mobilização e a articulação com os demais programas e serviços do local. Aposta-se que a formação, assim contextualizada e consubstanciada na ação, desenvolve competências de gestão imprescindíveis à melhoria duradoura
da qualidade da educação, conjugando formação presencial e à distância.
Referências
BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. Avaliação de projetos sociais. In: BRANT
DE CARVALHO, Maria do Carmo (Org.). Avaliação: construindo parâmetros
das ações socioeducativas. São Paulo: Cenpec, 2005. p. 47-75.
Notas
1
2
3
4
5
Equipe de pesquisa: Vanda Noventa Fonseca (coordenadora), Ana Maria
Aparecida de Abreu Guedes Pinto, Ana Maria Falsarella, Elisabete da Assunção José, Maria Tereza Antonia Cárdia, Neusa Maria Mendes Borges e
Wladilene Maryan Alves Duch.
A partir da Edição VIII, o Plano de Ação Educativa passou a ser chamado
de Plano Integrado de Ação Educativa (PIAE). Neste texto, continua sendo
chamado de Plano de Ação Educativa (PAE) ou, simplesmente, de Plano
de Ação (PA).
O kit é composto por: Coleção Jovens e a Escola Pública; Formação em
serviço — Guia de apoio às ações do Secretário de Educação; Guia de
ações complementares à escola para crianças e adolescentes; Os municípios em busca da melhoria na educação; Coleção Raízes e Asas; Melhoria
da educação no município — um trabalho coletivo (Coleção para Gestores
Educacionais).
Segundo o IBGE, os municípios que têm até 20 mil habitantes são classificados como municípios pequenos.
A utilização dos materiais pedagógicos, disponibilizados pelo “Melhoria”,
também foi uma constatação positiva: de acordo com os depoentes, o
material (em especial, o Raízes e Asas) é útil e atualizado, o que convalida
a sistemática, adotada pelo Programa, de aliar, à formação, materiais
pedagógicos que subsidiem as ações das equipes gestoras.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
ESTUDO DE CASO: PROGRAMA EDUCAREDE
Internet na escola, escola na Internet.
Denise blanes
Márcia Padilha Lotito
Mílada Tonarelli Gonçalves
Priscila Gonsales*
Em 2002, com o lançamento do EducaRede no Brasil
(www.educarede.org.br), nascia uma experiência inovadora de inclusão social. Na atual sociedade da informação e do conhecimento, o investimento em educação ganha destaque quando assume o compromisso com o desenvolvimento pleno e com a oferta igualitária de oportunidades a todos os cidadãos.
Ao lançar seu Portal inteiramente direcionado ao atendimento da escola pública, a Fundação Telefônica apostou não só na ampliação do acesso de uma parcela expressiva da população à sociedade da informação, como
também na formação de cidadãos capazes de lidar com
as demandas das tecnologias digitais.
Guiados pela crença de que a inclusão digital constitui fator de eqüidade social, a Fundação Telefônica e
seus parceiros brasileiros — Cenpec - Centro de Estudos
e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária,
Fundação Carlos Alberto Vanzolini e Terra Networks — assumiram o desafio de difundir o uso pedagógico da Internet por meio do EducaRede.
O Portal estrutura-se como um programa de educação que atua na capacitação de educadores e no desenvolvimento de projetos de mobilização e sensibilização
* Denise Neri Blanes é doutora em Serviço Social e analista
de projetos do Instituto de Estudos Especiais da PUC-SP. É especialista e consultora na área de gestão, desenvolvimento,
avaliação e monitoramento de programas e projetos sociais.
Marcia Padilha foi coordenadora-executiva do EducaRede. É especialista no desenvolvimento de projetos com uso de Internet e de conteúdos digitais para educadores e jovens. É consultora da ONG Midiativa.
Mílada Tonarelli Gonçalves é psicóloga e mestre em Ciências da
Comunicação pela Universidade de São Paulo. Desde 2000, trabalha como pesquisadora do Cenpec, no Programa EducaRede Brasil.
Priscila Gonsales é jornalista, pós-graduada em Comunicação e Educação pela Universidade de São Paulo. Desde 2001, trabalha como pesquisadora do Cenpec, na coordenação do Programa EducaRede Brasil.
138
de escolas, em parceria com governos locais. Em cinco
anos de atividade, formou diretamente mais de dez mil
professores e beneficiou 56 mil alunos da rede pública
de ensino.
Este artigo apresenta a reflexão acumulada no período acerca de um dos temas mais importantes da educação contemporânea: a relação entre Internet e aprendizagem, com base no conceito de letramento digital, para
detalhar e explicitar as aprendizagens favorecidas pelo
uso da Internet na escola. A partir da reflexão conceitual,
apresentam-se: a concepção da avaliação no EducaRede,
os processos utilizados e a sua matriz avaliativa.
Internet e aprendizagem
Os desafios enfrentados ao longo dos cinco primeiros
anos do EducaRede no Brasil resultaram em um conjunto
de reflexões sobre a relação entre Internet e aprendizagem. Se o século XXI oferece a possibilidade de a www
— world-wide web, a interface gráfica da Internet — enriquecer o modo de aprender e ensinar, é preciso problematizar sua relação com os processos desejáveis para a
aprendizagem significativa e socialmente compartilhada, pensando de que maneira os meios tecnológicos podem favorecer a produção do conhecimento em contextos educativos.
No contexto da cultura das mídias, o professor, e até
mesmo um especialista, perde a função de única fonte de informação. A dinâmica que se estabelece na sala
de aula — ou no laboratório de Informática — marcada
por atividades múltiplas e simultâneas, favorece o diálogo e a troca entre educadores e alunos, horizontalizando as relações.
Nesse cenário, cabe ao professor selecionar fontes
de pesquisa, refletir criticamente sobre as informações
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
OPAPELDOEDUCADORÁ
FUNDAMENTALPARAESTIMULAR
NOSALUNOSUMAAMPLAGAMA
DEAPRENDIZAGENSALÁMDE
PROVÂLOSDAORIENTA¿»OEDO
APOIONECESS¹RIOSPARAQUE
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PUBLICAREINTERAGIRNA
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DENTROOUFORADAESCOLA
qQUESTÍESQUEDEMANDAM
UMPROCESSODEFORMA¿»O
CONTINUADADOPRËPRIO
PROFESSOR
encontradas, atribuir-lhes significados, contribuir para
que os alunos identifiquem o que é relevante, orientar a publicação de trabalhos e qualificar a comunicação digital entre os alunos. Sua formação e experiência
como educador lhe conferem condições para exercer o
papel a que se tem exaustivamente chamado de professor-mediador.
A profusão de fontes de conhecimento e o aumento
das oportunidades de comunicação ressaltam a centralidade do educador na proposição de desafios e contrapontos ao aluno. Para isso, contudo, é necessário que o
professor entenda a Internet como instrumento cognitivo, sabendo equilibrar seu uso para tarefas em que ela
realmente faça a diferença.
Ao aluno, coloca-se a oportunidade de assumir uma
postura ativa na construção das habilidades necessárias
para ter acesso às oportunidades que a Internet oferece.
Assim, ao mesmo tempo em que fascina por ser uma poderosa ferramenta para o alargamento da ação educativa
em novos espaços de aprendizagem, esse meio torna ainda mais complexas as tarefas de ensinar e aprender.
Em face disso, o papel do educador é fundamental
para estimular, nos alunos, uma ampla gama de aprendizagens, além de provê-los da orientação e do apoio necessários para que se tornem aptos a pesquisar, publicar e interagir na Internet com segurança, de forma crítica e autônoma, dentro ou fora da escola — questões
que demandam um processo de formação continuada
do próprio professor.
139
Ciberespaço e hipermídia
O mundo que se acessa ao entrar na Internet, chamado de ciberespaço, é formado por uma série de dados que
aparece em forma de textos, sons ou imagens. Pode-se dizer que um de seus grandes diferenciais é o fato de a organização, a manipulação e a troca de informações dependerem da interação do usuário, que pode atuar de maneiras
diferenciadas para obter resultados com os recursos disponíveis na Rede. A isso se chama “navegar”.
Navegar é mais do que visitar passivamente um universo pré-definido de informações. Ao navegar, o internauta
interfere no ciberespaço, reorganizando o fluxo de informações das quais ele é composto. Por isso, de certa forma, ele é um leitor-autor, pois, ao escolher suas ações na
web com seus “cliques”, interfere no modo, no tempo e na
ordem com que as informações são apresentadas.
Do ponto de vista da educação, a navegação no ciberespaço pode ser compreendida como uma ação de aprendizagem exploratória e criativa, realizada de modo particular e reflexivo:
• exploratória porque permite ao aluno clicar livremente, ir e vir, repetir e experimentar caminhos;
• criativa e particular porque exige definição de
critérios, regras e lógicas que auxiliam na construção do percurso e na obtenção de resultados
significativos;
• reflexivo, pois, ao definir um método de navegação,
o aluno deve analisar e readequar suas estratégias
e seu raciocínio, ainda que de maneira informal.
Muitas possibilidades estão abertas no ciberespaço:
• comunicar-se por meio de ferramentas, como batepapos e fóruns;
• participar de grupos e comunidades virtuais;
• tornar-se autor de informações, por meio da criação de páginas e sites, sejam elas com recursos
simples de textos ou envolvendo recursos de
simulações e bancos de dados, entre outros.
Conhecer as diferentes ferramentas disponíveis no ciberespaço possibilita ao professor usar a Internet de forma consciente e personalizada. Além de seu potencial de
pesquisa e de comunicação, a Internet é um importante
instrumento cognitivo, que potencializa os processos de
ensino e aprendizagem. Para tanto, é necessário que o
professor compreenda e saiba usar esse meio, definindo
com clareza os objetivos que pretende atingir, planejan-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
do como avaliá-los durante o processo, de preferência
com a participação dos alunos.
Quantidade e qualidade: uma conquista
Desde a segunda metade do século XIX, a informação
converteu-se em importante mercadoria. Se, por um lado,
existe a tecnologia para tornar disponível todo o conhecimento elaborado, por outro, a informação-mercadoria
não favorece a construção do conhecimento, uma vez
que é marcada por imediatismo, redundância de conteúdos, produtos de fácil e rápida leitura, pouco exigentes
em termos de interpretação (Barato, 2005).
Nesse contexto, a enorme disponibilidade de dados
exige habilidades de apreensão rápida e simultânea,
além da capacidade de relacionar informações em um
raciocínio disperso, movido por links. No entanto, o completo usufruto das informações impõe a necessidade de
se recorrer cada vez mais à interpretação, à seleção e à
crítica, ações que exigem concentração e análise.
Além da familiaridade com formas de comunicação difusas e com a diversidade de linguagens, análise e concentração são igualmente relevantes para a transformação da informação em conhecimento pessoal e significativo. As ferramentas são instrumentos para uso dos recursos de interatividade da Internet. Elas podem ser de:
• busca — pesquisa na Rede;
• comunicação — fórum, bate-papo;
• publicação — como a Oficina de Criação e a Galeria
de Arte do EducaRede.
Aprender a pesquisar
Enciclopédias, dicionários, livros, websites, bancos
de imagens, animações, vídeos... São tantas as informações disponíveis na Internet, em variados formatos e
fontes, que não é difícil se perder entre as múltiplas janelas abertas do navegador, em uma espécie de labirinto digital. Nesse cenário, os novos modos de acessar e
ler textos em enorme quantidade e codificados em diferentes linguagens tornam-se um grande desafio. Como
chegar a algum lugar nesse labirinto? Como estabelecer
unidade nesse universo de conexões? Como construir
conhecimento nesse mar de informações?
Para que a pesquisa na Internet seja significativa no
processo de construção do conhecimento do aluno, evitando o famoso “copiar e colar”, é importante uma me-
140
todologia focada no desenvolvimento de aprendizagens
relacionadas a identificar e selecionar informações relevantes. Essas aprendizagens envolvem diversos recursos cognitivos, como levantamento de hipóteses, análise, comparação e síntese, e pressupõem outras habilidades — leitura de textos não-lineares, como hipertextos, e alfabetização nos códigos das linguagens do ambiente hipermídia.
Hiperlink e hipertexto
Uma característica marcante da Internet é o hiperlink,
ligação que permite que se vá de um texto a outro, ou de
uma parte de um texto a outra desse mesmo texto, por
meio de palavras ou imagens interligadas. Com o hiperlink, constroem-se hipertextos — textos organizados para
uma leitura não-linear, isto é, com várias possibilidades
de percurso, conforme associações de idéias, direcionamento de interesse ou níveis de aprofundamento.
Desse modo, o leitor acessa conteúdos elaborados
por outras pessoas, porém, criando a própria rota, um
caminho que produzirá sentidos de acordo com a navegação individual.
Os links normalmente são planejados de modo a proporcionar ao leitor autonomia na escolha de direções,
dentro de caminhos inicialmente previstos pelos autores daquele site ou documento. Além de ligarem trechos
de um texto ou partes de um mesmo site, eles podem fazer a ponte entre vários sites.
Nos processos de ensino e aprendizagem, do ponto
de vista individual, links e hipertextos possibilitam que
o aluno tenha a liberdade de caminhar em sua pesquisa de acordo com seu interesse e seu ritmo. Do ponto de
vista coletivo, é enriquecedor que o trabalho do grupo
seja complementado pelos percursos individuais e diferenciados de cada aluno.
Aprender a publicar
Um recurso importante disponibilizado pela Internet
é a possibilidade de publicar documentos de qualquer
tipo (texto, som ou imagem) de forma organizada para o
leitor. Pode-se publicar a partir de soluções sofisticadas
ou simples, como as ferramentas para construção de sites pessoais ou blogs, voltadas especialmente para o público leigo. Essa facilidade torna a publicação na Internet
uma ação bastante difundida nos dias de hoje.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Do ponto de vista da educação, trata-se de uma oportunidade de incrementar as habilidades de comunicação
entre os jovens, tornado-os produtores e editores de conteúdos próprios e de terceiros. Publicar na Internet é também uma forma de dar maior alcance aos produtos desenvolvidos na escola, oferecendo a alunos e professores a
oportunidade de agir como promotores de cultura.
A publicação das atividades escolares no ciberespaço também é um canal para expressar as diferentes realidades, reafirmando questões de identidade, ao mesmo
tempo que permite visualizar os contextos localizados e
globalizados que caracterizam a atual era.
Para assegurar qualidade no uso educacional desse recurso, é necessário orientar os alunos a construir
um significado próprio para a atividade de publicação
de conteúdos na web, entendendo-a como uma oportunidade criativa de interferir em uma rede que congrega conhecimentos, diferentes modos de ver e de estar
no mundo.
Para publicar algo, é necessário planejar o que será
divulgado, definir tamanhos e tipos de documentos, a navegação entre eles, num trabalho que envolve produção
e edição das informações. É preciso que o aluno tenha
algo importante a dizer e a publicar e que se veja como
autor de informações e produtor de conhecimento.
Aprender a se comunicar digitalmente
O caráter interativo da Internet é um dos distintivos
mais notáveis dessa mídia. Embora o debate seja amplo entre estudiosos, pode-se dizer que a interatividade diz respeito à relação homem-máquina (ou homemsoftware) e à relação homem-homem, mediada pela máquina. Em seu primeiro aspecto, ela pode ser bastante
simples, como nos casos de ação e reação em softwares de perguntas e respostas que indicam acertos e erros, ou complexa, quando o usuário modifica o conteúdo e a forma do ambiente no momento em que navega,
em tempo real. O EducaRede adota a interação entre pessoas em processos de comunicação com o uso de computadores ligados à Internet.
Ambientes interativos como fóruns, salas de bate-papo
e listas de discussão são os mais populares da Internet.
Todos têm a finalidade de colocar grupos de pessoas em
comunicação, mas as características de cada um os tornam
mais adequados a este ou àquele tipo de uso. Eles representam uma oportunidade para os professores trabalha-
141
rem, com seus alunos, as habilidades de comunicação e
expressão e suas particularidades no meio digital.
Os fóruns e bate-papos também têm um importante
potencial para constituir novas aplicações pedagógicas.
O fórum é um ambiente em que as mensagens podem
ser postadas a qualquer momento, ficando registradas
para leitura dos participantes do grupo. As mensagens
são enviadas com o nome dos destinatários e geralmente ficam organizadas em listas de perguntas e respostas.
Os participantes têm a liberdade para comentar mensagens já existentes ou inserir novas.
Por ser um ambiente em que os tempos de escrita e
leitura não influenciam no fluxo da comunicação, os fóruns são adequados para a realização de debates e estudos aprofundados, com mensagens longas, sejam reflexivas ou descritivas.
Em relação às discussões presenciais, os fóruns em
meio digital apresentam algumas vantagens para o uso
pedagógico, como:
• registro completo das participações, facilitando
o acompanhamento do professor e a análise das
opiniões dos alunos;
• estímulo à escrita, como instrumento significativo
de comunicação entre pares;
• valorização do papel do aluno, com o incentivo à
participação dos mais tímidos;
• restrição da dispersão e da indisciplina, em razão
da identificação das mensagens;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
• apoio à concentração e à análise necessárias à
participação no ambiente.
O bate-papo permite que pessoas se comuniquem em
tempo real: os participantes trocam mensagens uns com
os outros abertamente, sendo propiciado a todos acessar as mensagens enviadas. Há ambientes em que dois
participantes podem conversar de modo reservado. A comunicação sincrônica é a principal marca das atividades
desenvolvidas no bate-papo. A troca entre as pessoas é
bastante dinâmica, assemelhando-se à conversa facea-face. A flexibilidade de encaminhamento do tema conforme o interesse do grupo também é maior. Do ponto de
vista cognitivo, a velocidade de escrita das mensagens
demanda a habilidade de síntese, para a elaboração de
mensagens curtas e objetivas. A agilidade na leitura e na
classificação das temáticas já abordadas é exigida para
evitar a repetição desnecessária de mensagens.
Do ponto de vista social, cria uma auto-regulamentação no grupo, que demanda a adequação do tempo
pessoal ao tempo do grupo, e a crítica em relação à intensidade da participação pessoal, viabilizando a participação de todos.
Em relação à conversa presencial, o bate-papo tem
em comum com o fórum a mudança na dinâmica entre
os alunos. Se for gravado, também engloba a qualidade
do registro. Ambos desenvolvem leitura, escrita e comunicação em meio digital, embora com exigências de habilidades e competências distintas.
Aprender em rede: comunidades virtuais
Na construção coletiva, a Internet semeia novas possibilidades educacionais, novos processos e novas estruturas que estimulam, provocam e facilitam a colaboração, em que os saberes individuais são valorizados e
contribuem para a construção, que é do grupo.
A rede é, antes de tudo, um instrumento de comunicação entre pessoas, um laço virtual em que as comunidades auxiliam seus membros a aprender o que desejam saber. Os dados não representam senão a matéria-prima de um processo intelectual e social vivo, altamente elaborado.
Enfim, toda a inteligência coletiva do mundo jamais
dispensará a inteligência pessoal, o esforço individual
e o tempo necessário para aprender, pesquisar, avaliar
e se integrar a diversas comunidades, sejam elas virtuais ou não (Lévy, 1998, p. 2).
142
!SCOMUNIDADESVIRTUAIS
TÂMOPOTENCIALDEGERAR
MUDAN¿ASNOSPROCESSOS
DEENSINOEAPRENDIZAGEM
NASFORMASDEINTERA¿»O
ENTREQUEMAPRENDEEQUEM
ENSINAENARELA¿»OCOM
OCONHECIMENTOGERANDO
ESTRATÁGIASPEDAGËGICAS
INUSITADAS
Comunidades virtuais são ambientes planejados
para a realização de trabalhos em grupo na Internet.
Podem apresentar recursos de pesquisa, de publicação e de comunicação digital, combinando ferramentas de registro de produtos e processos, de compartilhamento entre colegas, de comunicação síncrona e
assíncrona.
Elas se estruturam conforme seus objetivos. Nas comunidades de troca de informações, participantes organizam-se para disponibilizar e obter informações sobre
temas de interesse comum. Nas comunidades de aprendizagem, são estabelecidos objetivos, metas e um projeto pedagógico adequado para a construção colaborativa de determinado saber.
Do ponto de vista da escola, os ambientes virtuais
têm possibilitado o desenvolvimento de metodologias
enriquecedoras que podem combinar, de forma original e personalizada, os recursos de pesquisa, de comunicação digital e de compartilhamento de registros voltados ao trabalho colaborativo.
A ampliação do número e da diversidade de sujeitos em um ambiente virtual, devido à superação de barreiras de tempo e espaço, intensifica a necessidade de
negociação de sentidos ou, em outras palavras, de vivência de conflitos sociocognitivos, fundamentais para
os processos de aprendizagem.
É necessário compreender as comunidades virtuais
e seu caráter colaborativo para utilizá-las com bom senso. Elas têm o potencial de gerar mudanças nos processos de ensino e aprendizagem, nas formas de interação
entre quem aprende e quem ensina e na relação com o
conhecimento, gerando estratégias pedagógicas inusitadas. Também podem potencializar estratégias reconhecidamente importantes, como a cooperação, o registro e o sentido social dos trabalhos escolares.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Mas nada disso ocorrerá se forem repetidos, nesses
ambientes, os velhos modelos de aprendizagem isolada, de comunicação unidirecional, ou se forem propostas tarefas cuja natureza não seja colaborativa. Nesse
caso, a ação resultará em um artificialismo que gera
o desinteresse e o baixo aproveitamento dos alunos
(Barato, 2005).
Uma faceta marcante das comunidades virtuais está
ligada à promoção das relações sociais no âmbito da
educação, uma vez que constituem um dos canais mais
acessíveis para ampliar e consolidar redes pessoais, incrementando aquilo que sociólogos chamam de “capital social” e que determina as oportunidades culturais,
profissionais e até mesmo afetivas das pessoas.
O que avaliar: recortes e escolhas
Avaliar significa estabelecer um processo contínuo e permanente
que embasa a tomada de decisão quanto a propósitos, processos
de ação e alocação de recursos, envolvendo concepção, implementação e resultados do Programa (...). É também um exercício
de controle social que possibilita transparência e publicização do
Programa nas suas diversas facetas.
Maria do Carmo Brant de Carvalho
A avaliação no EducaRede é um processo sistemático e contínuo, parte integrante das ações desenvolvidas. Considera os conhecimentos acumulados, os referenciais teórico-metodológicos e os objetivos e resultados a serem alcançados. Como todo processo avaliativo, estabelece recortes e escolhas para ganho de relevância e de viabilidade na execução.
Desde antes do lançamento do Portal, desenvolveuse um sistema de monitoramento concebido para registrar permanentemente as informações relevantes sobre
o continuum das ações. Em termos quantitativos, o uso
do EducaRede tem sido acompanhado por meio de relatórios com os números de páginas vistas, de visitantes
únicos, de visitas, de cadastros e de postagens dos usuários nas seções interativas.
As análises dos números alcançados e dos gráficos
comparativos, gerados a partir deles, permitem monitorar o impacto das ações e a eficácia das estratégias implantadas. Possibilitam também a previsão de metas e
sua adequação aos recursos disponíveis, em termos de
acessos e disseminação do Portal. A análise do cadastro
143
dos participantes propicia o acompanhamento do perfil dos usuários, explicitando a assertividade do público a que se destina a iniciativa: a rede de educação pública brasileira.
Em termos qualitativos, a avaliação tem utilizado estratégias diversificadas para coletar informações que organizam e explicitam elementos que possam ajudar na
tarefa de aferir a pertinência das ações desenvolvidas.
Dentre elas, destacam-se: grupos focais para entrevistas;
pesquisas on line com usuários cadastrados; questionários em ações presenciais; estudos de caso.
Todo o processo já implantado favoreceu muitos ensinamentos e permitiu a adequação de ações estratégicas, assim como o melhor entendimento das questões
norteadoras relativas à Educação e Internet que direcionam as iniciativas do EducaRede.
Em 2005, visando aprimorar o sistema de monitoramento do Portal, a Fundação Telefônica promoveu entre
os parceiros — Cenpec e Fundação Vanzolini — um processo de reflexão que permitiu rever pressupostos, objetivos e conceitos fundamentais da iniciativa, assim como
metodologias empregadas até então.
A dinâmica de trabalho incluiu um ciclo de leituras
e debates entre as equipes e especialistas convidados,
os professores Jarbas Novelino Barato, da Escola do Futuro da USP, e Rogério da Costa, da PUC-SP.
Questões norteadoras que direcionam as iniciativas
do Educarede
Como e quanto o Portal colabora com o uso pedagógico da Internet nas escolas?
Como a utilização sistemática e permanente da Internet e, em especial, do EducaRede, pode trazer benefícios à prática pedagógica na escola?
O que professores e alunos necessitam para usar
a Internet de forma positiva em processos de ensino e
aprendizagem?
Quais desses elementos estão presentes?
Um dos produtos1 desse processo foi a construção da
Matriz Avaliativa, um recurso gráfico-metodológico que
apresenta o arranjo que se estabeleceu entre os elementos, pressupostos, referenciais e estratégias a serem avaliados, delimitando claramente as dimensões e os indicadores de monitoramento e avaliação.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Matriz avaliativa
Objetivos e Dimensões
Para construir a Matriz, o EducaRede partiu de sua missão — contribuir para a melhoria da qualidade da educação pública por meio do uso pedagógico da Internet
— e definiu dois aspectos fundamentais para alcançá-la.
Tais aspectos são apontados como objetivos e se relacionam com a origem, a abrangência e os resultados esperados por meio de sua consecução.
Para cada objetivo, determinou-se uma ou mais “dimensões”, traduzidas em “indicadores”, que permitem
mensurar, de modo conciso e contínuo, os resultados e
os avanços. Os “descritores” são coletados em fontes de
pesquisa determinadas, como o próprio Portal, softwares específicos para a coleta de acessos e depoimentos
de usuários, entre outras.
144
• Objetivo 1: tornar público o uso pedagógico da
Internet na escola.
Compreende colocar à disposição, democratizar,
promover o uso da Internet como espaço de
aprendizagem, por meio do EducaRede.
Dimensões: “público usuário do EducaRede” e
“redes de relacionamento do EducaRede”.
• Objetivo 2: promover aprendizagens relacionadas
ao letramento digital: pesquisa, comunicação e
publicação.
Dimensões: “ação pedagógica” e “ferramentas
tecnológicas”.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
A Matriz Avaliativa foi construída a partir dos valores
e princípios certificados pelos parceiros do EducaRede,
portanto, está impregnada dos valores presentes nas
concepções de Educação e Internet que permeiam a iniciativa. Seu processo de elaboração foi deliberado, no
sentido de perseguir os objetivos e a missão. Isso significa que a Matriz tem sentido político, ético e valorativo,
como qualquer processo avaliativo.
Sabe-se, no entanto, que os valores indicados não
são os únicos. Contudo, muitos indicadores e descritores apontados na Matriz podem contribuir para a reflexão de outras ações de uso pedagógico da Internet e de
inclusão digital.
Ao leitor interessado, sugerimos consultar a matriz de
avaliação do EducaRede no volume 1 da Coleção EducaRede, páginas 44 a 48, disponível para consulta e impressão no Portal EducaRede < www.educarede.org.br >.
Letramento Digital
Um uso aprimorado da Internet remete à compreensão de sua utilidade como instrumento pedagógico no desenvolvimento de aprendizagens relacionadas à pesquisa (buscar, selecionar e analisar
informações), comunicação digital (trabalho em rede
e a distância) e publicação de materiais (postura
ativa e autoral).
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Notas
1
Foram produzidos textos e um DVD com a edição dos encontros e debates
da equipe.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
146
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
ARTIGO
Tânia Regina de Souza Romero*
!VALIANDONA
PERSPECTIVA
SOCIOCULTURAL
/
ato de avaliar era, até bem pouco tempo, talvez uma das
tarefas mais óbvias do processo de ensino-aprendizagem
nas escolas: tradicionalmente, por meio de prova ou chamada oral, o professor verificava “o que ficou” do conteúdo “passado aos alunos”. A exigência da média sete “para
passar” garantia que o aluno tinha “retido” 70% do total
ensinado, ou seja, o suficiente para que se considerasse
que ele aprendeu a maior parte do conteúdo.
Então, por meios quantitativos e de modo extremamente simples, solucionava-se a grande questão, em
tese, resguardando objetividade, precisão e neutralidade.
Aliás, esses mesmos critérios deveriam estar presentes
nas respostas dos alunos, que se constituía em um processo de “corta e cola” dos textos usados pelo professor
ou do material didático selecionado para as aulas: a memorização era o instrumento básico para se aprender.
Até aí, nada de novo. Sabemos que essa prática é resultante do pensamento positivista que foca quantidade
e produto, verificados ao final de um processo. Caracterizava-se, assim, um modelo educacional tecnicista em
que os resultados e comportamentos deveriam ser claramente (entenda-se: objetivamente, sem dúvidas ou julgamentos de valor) observáveis e medidos com precisão
para se promover a eficiência.
A visão de educar, portanto, calcava-se no que Luckesi
(1998) denominou de “pedagogia do exame”, responsável até hoje pela preocupação maior dos alunos: “passar
na prova, tirar nota boa”, contribuindo assim para o desenvolvimento de indivíduos submissos ante o papel autoritário, classificatório e excludente da avaliação (Hadji,
1994, 1997; Luckesi, 1998; Santos, 2003). Avaliação significava um veredicto dado ao aluno, uma vez que “a prova ou a-prova ou re-prova” (Romero, 2004, p. 28).
* Tânia Regina de Souza Romero é doutora em Lingüística Aplicada
e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Professora de graduação e pós-graduação em Lingüística
Aplicada da Universidade de Taubaté e do curso Avaliação na Visão
Sociocultural– PUC/SP – COGEAE.
147
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Os verbos estão no passado, mas não se pode deixar
de lembrar que muitos professores, assim como coordenadores e diretores de escolas públicas e particulares,
continuam a praticar e incentivar esse tipo de avaliação,
acreditando ser esta a orientação oficial.
Lembre-se, entretanto, que há documentos — como a
LDB, Lei 9394/96, Deliberação CEE 9/97 e Indicação CEE
8/97, Normas Regimentais Básicas (Parecer CEE 67/98) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) — em que
a avaliação é concebida como contínua e qualitativa, um
elemento que integra a aprendizagem e o ensino, portanto,
destinada a ser processual, para possibilitar a conscientização das dificuldades dos alunos pelos professores e pelos próprios alunos, de modo a orientar (re)planejamentos
e estar a serviço do desenvolvimento de aprendizagem, renegando seu caráter punitivo e excludente.
Não acredito, em absoluto, que prosseguir com uma
prática considerada hoje inadequada se deva à má vontade dos educadores. É muito difícil mudar, pois, como
nos lembra Bourdieu (1989), interiorizamos conjuntos de
estruturas que refletem as condições sociais que adquirimos em situações vivenciadas em nosso percurso histórico. Ou seja, precisamos fazer um esforço muito grande para deixar de agir como estamos acostumados, para
adotar (e acreditar em!) novas formas de ação das quais
temos pouca (e, muitas vezes, nenhuma!) referência.
Pois bem, o paradigma mudou: queremos alunos que
saibam se expressar, colocar e defender seus pontos de vista, cuidadosamente argumentados, levando em consideração posições divergentes em um mundo de múltiplas verdades coexistentes que, de repente, expandiu-se e está, em
tempo real, em nossa casa, ao alcance de uma tecla.
Precisamos de sujeitos críticos, conscientes do mundo
em que vivem e alertas, para não se deixarem modelar passivamente diante de um discurso em que prevalecem interesses econômicos e políticos, “fundado em um pensamento único, pautado pela globalização” (Moita Lopes, 2003, p.
31). A pergunta que se faz é: como conseguir isso?
Avaliando a avaliação
Podemos iniciar uma tentativa de resposta a esta candente questão salientando que avaliação, na perspectiva sociocultural, que hoje orienta os parâmetros educacionais em voga (a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais, divulgados nacionalmente no final do último século), é entendida como parte inerente do pro-
148
AAVALIA¿»OD¹SUBSÅDIOS
PARAOPROFESSORAESCOLA
ACOMUNIDADEAFAMÅLIA
OALUNOENCAMINHAREMO
DESENVOLVIMENTOLEVANDOEM
CONTAASPREMÂNCIASSOCIAIS
DENOSSOTEMPO
cesso ensino-aprendizagem. Isso equivale a dizer que o
foco de nossa questão não é a avaliação em si, e sim a
prática pedagógica, percebida como um processo interativo em que se avalia para melhor se (inter)agir: a avaliação dá subsídios para o professor, a escola, a comunidade, a família, o aluno encaminharem o desenvolvimento, levando em conta as premências sociais de nosso tempo. Com isso, todos os envolvidos no processo
são igualmente aprendizes.
Salienta-se aqui a necessidade de um esforço coletivo — pouco ou nada adiantarão esforços isolados.
Busca-se uma mudança para que se cultive uma cultura de aprendizagem que sirva como base para se entender a vida, engajar-se nela, saber se colocar diante dela
e transformá-la, em consonância com as discussões de
Paulo Freire (1970).
Neste enfoque, deve-se procurar instaurar um clima
de confiança em sala de aula, em que não cabem, por
exemplo, os “testes-surpresa” para “pegar o aluno desprevenido”. Se o aluno e o professor trabalham em colaboração mútua, eles se vêem como aliados, não como
ameaça. Então, também se entendem os erros e as tentativas como partes do processo de aprendizagem e conscientização, além de incentivo à interação constante, com
o discurso do professor voltado para a orientação.
Em consonância com essa visão, está a idéia de que
ser justo não significa dar exatamente o mesmo teste ou
tarefa para todos os alunos. Ao contrário: é preciso levar
em conta que diferentes alunos têm interesses, compreensão, motivação, vivência e envolvimento também diferentes em relação a determinados tópicos e disciplinas.
Ao professor, não se restringe mais a tarefa de só ensinar conteúdos. A ele, cabe propor desafios, e, ao mesmo tempo, dar os instrumentos ao aluno para lidar com
eles, enfatizando o desenvolvimento de suas habilidades
ou estratégias, tanto diretas quanto indiretas.
Dentre as estratégias diretas, segundo destaca Rebecca Oxford (1990, p. 17, apud William e Burden, 1997,
p. 153), encontram-se as de:
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
a. memória
como criar imagens e sons, organizar material por categorias, fazer relações mentais, revisar, criar mnemônicos;
b. cognição
como praticar, receber e enviar mensagens, analisar e
raciocinar, criar estruturas facilitadoras;
c. compensatórias
como inferir de maneira inteligente ou superar limitações para falar e escrever.
As três estratégias indiretas, elencadas pela autora,
são:
a. metacognitivas
como planejar o tempo de estudo e auto-avaliar progressos e conquistas;
b. sociais
como fazer perguntas, trabalhar em colaboração com
outros;
c. afetivas
como diminuir a ansiedade, encorajar-se e confiar em si.
Um esforço inicial para realizar a mudança é o exame
da própria prática avaliativa, numa reflexão crítica direcionada inicialmente a se entender os princípios e crenças que a regem. Em cursos dedicados a discutir a avaliação, seguindo os passos da educadora Maria Antonieta Alba Celani, percebemos que o ponto de partida para
a transformação deve ser a prática.
Assim, é fundamental que o professor, junto com
seu grupo institucional, inicie o processo de transformação tentando entender os princípios que fundamentam sua prática para, somente depois, empenhar-se no
processo dialético com outras fundamentações teóricas. Para orientar o processo de reflexão crítica, partindo-se da análise de um instrumento (ou conjunto
de instrumentos) de avaliação, são oferecidas, a seguir, algumas sugestões que retomam as questões até
aqui discutidas.
Por meio das seguintes perguntas, entendemos que
é relevante verificar se o instrumento — ou o conjunto de
instrumentos — de avaliação:
1. É coerente com os princípios de ensino-aprendizagem
adotados pela instituição: sua instituição considerase construtivista, socioconstrutivista, por exemplo?
2. Reflete o projeto político-pedagógico da instituição: a
ação educacional direciona-se ao desenvolvimento de
149
quais características no educando? Qual é a missão
a que a Instituição se propõe? As ações didático-pedagógicas convergem, direcionam-se a este fim?
3. É parte integrante e intrínseca do processo educacional, ou seja: faz parte do processo de ensino-aprendizagem contínuo ou é colocado de forma isolada,
como verificação de um produto final?
4. Destina-se a verificar necessidades e/ou interesses
dos alunos, ou seja: tem a função de orientar um
planejamento negociado?
5. Serve para se saber quais são os conhecimentos
prévios dos alunos: esse tipo de instrumento de
avaliação estaria atuando como iniciador de interação
significativa?
6. É válido para se entender o processo de aprendizagem
dos alunos, para que o professor possa trabalhar o
desenvolvimento de habilidades metacognitivas, por
exemplo?
7. É útil para investigar qualitativamente o entendimento que o aluno construiu? Em outras palavras, esse
instrumento não deve ser construído com perguntas
fechadas, exigindo respostas lacônicas?
8. Serve para averiguar a qualidade de ensino oferecido?
9. É adequado para o professor planejar sua regulação?
10. Investiga se determinada habilidade foi adquirida?
11. Examina se houve transferência?
12. Prevê uma rediscussão das questões colocadas, visando
à ampliação do entendimento do item trabalhado?
13. Proporciona a auto-avaliação procedimental (relacionada ao “como fazer”), atitudinal (relacionada
à maneira de a pessoa se colocar socialmente) e
conceitual (referente ao conteúdo trabalhado)?
14. Trabalha com a habilidade de raciocínio?
15. Propicia ao aluno a reflexão e a expressão de sua
opinião, fundamentando-a?
16. Possibilita que o aluno formule questões ou levante
hipóteses?
17. Leva o aluno a analisar ou sintetizar algo?
18. As instruções são claras?
19. Os critérios são explícitos? Esta observação remete a
uma política de transparência, segundo a qual o aluno
deve ter um entendimento claro do que será levado
em conta para avaliar seu trabalho. Esta compreensão
a respeito dos critérios pode, inclusive, ajudar o aluno
a avaliar seu próprio trabalho, desenvolvendo nele
uma conscientização metacognitiva, auxiliada pela
explicitação do professor.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
20.Engloba várias áreas do conhecimento?
21. Faz com que o aluno pesquise ou considere os pontos
de vista divergentes?
22.É familiar para o aluno, ele entende como este instrumento funciona e deve ser trabalhado?
23. Ensina algo para o aluno? Se sim, o quê?
24.Ensina algo para o professor, instituição ou comunidade? Se sim, o quê?
25. Está sendo usado em momento adequado no desenvolvimento do curso ou da disciplina?
Essa listagem pode e deve ser adaptada ao contexto peculiar de cada escola. Observe-se que várias questões se sobrepõem e são, inclusive, redundantes, pois
pretendem incentivar uma (re)análise cuidadosa da prática de avaliação que está sendo utilizada pelo professor ou instituição. Além disso, devemos apontar, como o
leitor já deve ter percebido, que um só instrumento não
será capaz de satisfazer todos os pontos indicados por
esses 25 itens. Isso se explica por acreditarmos que apenas um instrumento ou poucos não coadunam com a visão de que a avaliação é parte contínua e integrante do
processo de ensino-aprendizagem.
Alguns exemplos para a prática
A título de ilustração, daremos alguns exemplos
de avaliações que, em conjunto com outras ações
didático-pedagógicas coerentes, podem caminhar
na direção do que foi discutido até aqui. Elas são
contribuições de leituras diversas sobre avaliação e
de professores atuantes na prática educativa.
A. Meio ambiente
1. Em uma escola da Grande São Paulo, um aluno
comentou, em classe, quando estavam sendo discutidas formas de não se desperdiçar água, que a
propaganda de uma marca de chuveiro, veiculada
na televisão naquela época, incentivava as pessoas a se entregarem ao prazer de banhos longos. A
propaganda, afirmou o aluno, estava na contramão
de campanhas contra o desperdício. Aproveitando
a sua contribuição, a classe resolveu pesquisar o
endereço do fabricante do chuveiro para lhe enviar
uma carta. A carta foi preparada pela classe toda,
sob a orientação da professora de Português, que
cuidou para que ela fosse respeitosa, contivesse
150
/SPORTIFËLIOSPOSSIBILITAM
ODESENVOLVIMENTODE
APRENDIZAGEMAUTOREGULADA
NEGOCIA¿»ODESIGNIÙCADOS
PROCESSOSEPRODUTOSCOMO
PROFESSOREOPORTUNIDADESDE
REÚEX»OCONJUNTA
o problema percebido e mencionasse o poder da
mídia para influenciar as pessoas. Pedia-se ainda
para que medidas fossem tomadas. Rapidamente,
a propaganda foi retirada do ar.
2. Em uma escola da periferia da cidade de São
Paulo, chegou a notícia de que o bairro fora
escolhido para abrigar um dos lixões da área
metropolitana. Preocupados com o impacto ambiental e as possíveis conseqüências sanitárias
que daí pudessem advir para os moradores, os
alunos debateram a questão em sala de aula e
decidiram envolver a comunidade, conversar com
as autoridades municipais e promover passeatas,
além de chamar a imprensa para testemunhar as
iniciativas. O lixão não foi para este bairro.
3. Uma professora de Inglês levou, a pedido de um
grupo de alunas, uma música do grupo Backstreet
Boys. A escolha foi contestada por outros grupos
da sala que alegaram não gostar daquele tipo de
música, insinuando que os componentes do grupo
eram homossexuais. Estas diferenças de opinião
e expressão de preconceito contra orientações
sexuais consideradas “certas” deram margem a
discussões frutíferas quanto à diversidade, exclusão e negociação. E, para subsidiar as discussões,
foram usados outros textos, também em inglês,
pesquisados na Internet pelos alunos, que falavam
sobre a vida dos componentes do grupo musical,
violência em conseqüência de preconceitos etc.
Estes são exemplos de ações cidadãs. Segundo
Clough e Holden (2002), para que isso ocorra, é necessário que a escola atue de forma que os alunos
desenvolvam:
a. confiança para emitir opiniões;
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
b. habilidades para reconhecer pontos de vista e/ou
opiniões diferentes das suas;
c. habilidades de pensamento crítico, dialético, e
argumentação embasada;
d. habilidades de colaboração e resolução de conflitos, quando discutir acordos com outros;
e. habilidade de participação democrática;
f. experiência em tomar iniciativas para conseguir
mudanças.
Pode-se verificar que os três casos relatados
puderam propiciar o desenvolvimento desses seis
requisitos, a partir de situações reais.
B. Portfólios
Em vários níveis de escolaridade, os portfólios
vêm sendo usados para a avaliação, segundo relatam
Paris e Ayres (1994). Esses instrumentos têm encontrado grande respaldo de educadores por se constituírem em alternativa mais significativa a formas
quantitativas de avaliação, além de, potencialmente,
possibilitarem, muito além de uma amostragem
estática, o desenvolvimento de aprendizagem autoregulada, o envolvimento do aluno e a negociação de
significados, processos e produtos com o professor
e oportunidades de reflexão conjunta.
Shores e Grace (2001) consideram os portfólios
“uma coleção de itens que revela, conforme o tempo passa, os diferentes aspectos do crescimento e
desenvolvimento de cada [aluno]”. É importante,
entretanto, ressaltam as autoras, que se estipule
uma política de coleta de trabalhos consistente com
o projeto político-pedagógico da instituição.
cognitivo da auto-avaliação. No terceiro exemplo, já
se prevê espaço para essa interação.
1. Auto-avaliação de projeto
• O que você gostou do projeto?
• O que poderia ter feito com que este projeto fosse
melhor?
• De que você mais se orgulha? Por quê?
• Como você se dedicou ao projeto?
• O que foi difícil?
• O que você sabe agora que não sabia antes? (Seja
específico.)
• Que nota você acha que seu grupo merece neste
projeto? Justifique sua resposta.
2. Apresentação para a professora do próximo ano.
Escreva uma carta se apresentando para a sua
professora do próximo ano. Escolha seu melhor
trabalho do portfólio e anexe a sua carta. Descreva seus pontos fortes como leitor e escritor,
usando o trabalho anexo como referência.
3. Com base nesta prova [de Biologia] que você
acabou de fazer:
1. Avalie sua aprendizagem.
2. Você necessita de orientação da professora? Em
qual conteúdo?
3. O que você deve fazer para melhorar ou continuar
melhorando o seu desempenho?
Comentários da professora: ..............................
...............................................................................
C. Auto-avaliação
D. História do Brasil
Destacam-se, a seguir, duas contribuições de
Paris e Ayres (1994, p. 78 e 83): a primeira deve ser
aplicada logo após a realização de um projeto em
grupo; a segunda favorece também o desenvolvimento de escrita com propósito real. O terceiro exemplo
foi elaborado por uma profissional especialista em
avaliação. Para os dois primeiros exemplos, em
acréscimo, sugerimos que as produções dos alunos
sejam posteriormente discutidas com o professor
para que se confrontem, possivelmente, opiniões
diferentes e também para orientar o processo meta-
151
1. Em seguimento a uma discussão sobre assinatura
da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, responda: qual a conseqüência desse ato? Explique.
2. Suponhamos que você tivesse a possibilidade
de viajar em uma máquina do tempo e voltasse
para 1889, no Rio de Janeiro, e lá atuasse como
repórter de um importante jornal. Escreva um
artigo de/para jornal noticiando a Proclamação
de Independência.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Ambas as questões requerem que o aluno faça
avaliações das situações apresentadas, expressese e exponha seus pontos de vista, embasando-os
criticamente. São questões abertas que propiciam o
desenvolvimento da linguagem e funções psicológicas
superiores, em termos vygotskianos, como: pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de
se relacionar e transferir conhecimento.
Olhando por esse ângulo, estas considerações têm o
propósito de instigar novas discussões e, por conseguinte, incentivar pesquisa, diálogo, reflexão.
Para finalizar, recorremos a Maria Antonieta Alba Celani (2000, comunicação pessoal). Segundo ela, a avaliação não deve se desvincular do entendimento que, na
escola, “conteúdos são meios para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir bens
culturais, sociais e econômicos e deles usufruir”.
E. Projeto conjunto: Geografia, História, Inglês e
Informática
Referências
1. Escolha três países distintos em que a língua
inglesa é falada (exceto a Inglaterra).
2. Pesquise as razões históricas da introdução da
língua inglesa nestes países.
3. Pesquise as características gerais e as particularidades de cada país.
3. Faça um resumo das especificidades de cada país
e compare-as.
4. Prepare um pôster para ser afixado no corredor da
escola e apresentado oralmente para os colegas,
resumindo sua pesquisa.
Este projeto foi realizado em duplas, com a colaboração dos professores das disciplinas envolvidas
ou de um único professor-orientador escolhido pelos
grupos. Os alunos foram orientados, entre outras
necessidades, quanto aos instrumentos básicos de
pesquisa e busca na Internet, redação e organização
adequadas para o pôster. Com esta tarefa, incentivaram-se, por exemplo, a criatividade, a iniciativa de
busca, a variedade de interesses, a organização de
sínteses e a relação interpessoal.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro; Lisboa: Bertrand Brasil; Difel,
1989.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CLOUGH, N.; HOLDEN, C. Education for citizenship: ideas intoaction. London:
Routledge Falmer, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
HADJI, A. A avaliação, regras do jogo. Das intenções aos instrumentos. Portugal:
Porto Editora, 1994.
LUCKESI, C. Avaliação da aprendizagem escolar. 8. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
MOITA LOPES, L. P. A nova ordem mundial, os parâmetros curriculares nacionais
e o ensino de inglês no Brasil: a base intelectual para uma ação política. In:
RAMOS, L. Bárbara; RAMOS, R. de C. G. (Org.). Reflexão e ações no ensinoaprendizagem de línguas. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
PARIS, S. G.; AYRES, L. R. Becoming reflective students and teachers with portfolios and authentic assessment. Washington: American Psychological
Association, 1994.
PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre
duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
ROMERO, T. R. S. Os desafios da avaliação: contribuições da visão sociocultural. Contexturas: ensino crítico de língua inglesa, São Paulo, Apliesp
(Associação de Professores de Língua Inglesa do Estado de São Paulo), n.
7, 2003/2004.
SANTOS, P. S. Avaliação: representações da instituição, dos professores e alunos.
2003. Dissertação (Mestrado) - LAEL, PUC-SP, São Paulo, 2003.
SHEPARD, L. The role of assessment in a learning culture. Educational Researcher,
v. 2, n. 7, p. 4-14, out. 2000.
SHORES, E.; GRACE, C. Manual de portfólio: um guia passo-a-passo para o professor. Porto Alegre: ArtMed, 2001.
WILLIAM, M.; BURDEN, R. L. Psychology for language teachers. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
Algumas considerações
Para saber mais
A discussão, dúvidas e buscas sobre a avaliação são
tão infindas, propensas ao debate e polêmicas quanto o próprio processo de ensino-aprendizagem. Não há
receita pronta, um “faça assim que vai dar certo”, porque a vida (seus vários prismas, significados, sentidos
e premências) é multifacetada. Felizmente! Resguardase, assim, nossa ação atenta e crítica ante as nossas
ações passadas e futuras como profissionais da educação, comprometidos com a missão que assumimos para
nós mesmos.
152
Curso de avaliação na visão sociocultural, no COGEAE, PUC-SP, e no site:
<www.pucsp.br/cogeae>.
Notas
1
2
Segundo Perrenoud (1999, p. 89), regulação é a ação intencional do professor
ou educador, “cuja intenção seria determinar ao mesmo tempo o caminho
já percorrido por cada um [o aluno] e aquele que resta percorrer com vistas
a intervir para otimizar os processos de aprendizagem em curso”.
Diz-se que houve transferência de conhecimento quando se é capaz de usar
o conhecimento adquirido em situações novas, o que requer flexibilidade,
novas relações e generalizações (Shepard, 2000).
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
RELATO DE PRÁTICA: PRÊMIO CULTURA VIVA
Critérios para premiar tradições brasileiras
Maria do Carmo Brant de Carvalho*
Em um processo seletivo, a avaliação tem o propósito
de julgar o mérito de uma ação a partir de um determinado referencial valorativo, explícito e aceito pelos sujeitos que avaliam. Avaliar, portanto, significa julgar com
base em um referencial de valores.
Para o processo de seleção das iniciativas inscritas na
primeira edição do Prêmio Cultura Viva, buscou-se uma
avaliação pautada na idéia de que a cultura na comunidade potencializa os processos de inclusão social, autonomia, empoderamento e protagonismo:
• cultura é mediação insubstituível para a construção
da cidadania e o desenvolvimento sustentável das
comunidades, é força na coesão social;
• cultura é conhecimento e aprendizado. Em outras palavras, em qualquer sociedade, a cultura ressignificase enquanto conhecimento e aprendizado compartilhados;
• cultura pode se transmutar em economia solidária,
geração de trabalho e renda.
O Ministério da Cultura do Brasil, na gestão de Gilberto Gil, procura destacar a relação entre cultura e cidadania, potencializando as inúmeras práticas culturais desenvolvidas pela sociedade. Nesse sentido, implementou, no território brasileiro, o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva – cuja principal ação são os Pontos de Cultura.
Ao final de 2005, lançou o Prêmio Cultura Viva, com
a intenção de dar visibilidade ao tamanho e à diversidade das práticas culturais que pulsam em cada canto do
país. Um Brasil feito da cultura que faz o Brasil.
* Maria do Carmo Brant de Carvalho é coordenadora geral do
Cenpec, doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e pela École des Hautes Études en Sciences
Sociales, Paris.
153
O processo de avaliação das iniciativas inscritas foi
de extrema importância, pois se constituiu em um meio
de mobilização e reconhecimento de práticas que resultam dos saberes e fazeres das comunidades. Assim, o
processo, mais que a premiação em si, foi o “coração”
do Prêmio Cultura Viva, já que permitiu que fossem alcançados objetivos maiores, como:
• o desenvolvimento de consensos para a avaliação de
iniciativas culturais: avaliação participativa, realizada de modo descentralizado;
• a produção de um mapeamento nacional do “estado
da arte” das iniciativas culturais;
• a indução de políticas públicas mais robustas e assertivas no que se refere ao fortalecimento da cultura, de forma abrangente, no país.
As etapas de seleção do Prêmio Cultura Viva
O processo de avaliação dividiu-se em quatro etapas:
1. Análise preliminar
Teve por objetivo verificar a compatibilidade das iniciativas inscritas com os requisitos definidos no Regulamento, desclassificando aquelas que não estivessem de acordo com este documento.
2. Seleção das 100 iniciativas semifinalistas
As iniciativas, classificadas na análise preliminar, foram
avaliadas com base nos indicadores de análise estabelecidos no Manual de Avaliação de Iniciativas Culturais
do Prêmio Cultura Viva.
Para cada regional, foi composta uma equipe de avaliadores locais que realizou a seleção a partir da leitura
das fichas de inscrição e dos materiais complementares,
segundo as orientações propostas no manual.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Feita de maneira regionalizada, a seleção partiu de
um critério de proporcionalidade, ou seja, o número de
semifinalistas de cada regional foi proporcional ao respectivo número de inscrições em cada categoria.
3. Seleção das 30 iniciativas finalistas
A seleção das iniciativas finalistas foi realizada por um
Comitê Técnico, com base na leitura das fichas de inscrição, dos materiais complementares e dos pareceres produzidos pelos avaliadores regionais.
O Comitê Técnico foi composto por representantes de
institutos, fundações, universidades, organizações governamentais e da sociedade civil, além de profissionais de
reconhecida atuação na área da cultura.
4. Seleção nacional das nove iniciativas premiadas
Fase A – Os participantes de cada uma das 30 iniciativas finalistas receberam a visita de um profissional da
Comissão Técnica de Visitas, que apresentou um relatório com elementos complementares para a avaliação da
Comissão Julgadora.
Fase B – Seleção das nove iniciativas vencedoras (três em
cada categoria), realizada pela Comissão Julgadora, por
meio da leitura das fichas de inscrição e materiais complementares, da documentação produzida pelos avaliadores regionais e pelo Comitê Técnico, além dos relatórios elaborados pela Comissão Técnica de Visitas.
154
A análise documental e visitas técnicas
A análise preliminar, a seleção dos 100 semifinalistas e
a dos 30 finalistas foram baseadas na avaliação documental — ficha de inscrição contendo informações detalhadas
de cada iniciativa inscrita e material complementar.
A análise documental conjuga duas perspectivas:
uma, mais objetiva, considera as informações factuais,
como conteúdo, estratégias, processo e resultados da
ação; e outra, subjetiva, capta valores, atitudes, condutas, motivações e tensões.
Cada iniciativa foi analisada buscando-se compreender a sua importância no contexto em que se encontra inserida. Sem dúvida, a diversidade de experiências
e de conhecimentos acumulados pelos avaliadores trouxe olhares objetivos e subjetivos também variados. Se,
por um lado, isso foi um risco, por outro, constituiu a riqueza do processo avaliativo implementado.
Na quarta e última fase, foram realizadas visitas técnicas aos locais das 30 iniciativas finalistas recomendadas, para atestar os pareceres avaliativos produzidos,
confirmando ou não a seleção proposta.
Os avaliadores
No processo de avaliação, a convocação de agentes
sociais ligados à cultura, à política social, à gestão governamental e às organizações da sociedade civil democratizou e diversificou o olhar sobre as iniciativas cultu-
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
$ADAAVARIABILIDADE
DESUJEITOSEPROPOSTASE
CONSIDERANDOSOBRETUDO
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INFORMAISFOINECESS¹RIA
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ESPERARPORTFËLIOSCOMPLETOS
DOSGRUPOSINFORMAISNEM
DOSAPRESENTADOSPELA
MAIORIADASORGANIZA¿ÍES
CONSTITUÅDASLEGALMENTE
rais presentes na sociedade brasileira, tornando o processo mais participativo e transparente, e criando uma
rede de parceiros na produção dos retratos de cultura
deste país.
Respeitando as características socioculturais e geográficas do território, foram estabelecidas três regionais:
Nordeste, Sul e Sudeste, Norte e Centro-Oeste.
Este processo gerou alguns produtos sociopolíticos
da maior importância:
• valorização de práticas culturais;
• fortalecimento de políticas locais e regionais de cultura;
• desenvolvimento de competências em torno da própria avaliação de iniciativas culturais.
Precedendo o trabalho de avaliação, cabe destacar
que os 72 avaliadores regionais receberam formação presencial, visando a uma discussão mais aprofundada a
respeito dos critérios definidos no manual.
O processo
O Manual de Avaliação de Iniciativas Culturais do Prêmio Cultura Viva orientou a avaliação/seleção, apontando critérios e valores que seriam os parâmetros da análise das iniciativas culturais inscritas.
Se, por um lado, o manual organiza indicadores de
avaliação no campo da cultura, por outro, não encerra
155
o assunto. Ao contrário: abre possibilidades, suscita reflexões e revisões, permitindo a construção de olhares
mais atentos e cuidadosos sobre a riqueza das manifestações culturais brasileiras.
Além disso, traz indicadores para avaliar, em sua totalidade, a iniciativa inscrita, situada e datada neste Brasil de regiões absolutamente distintas. Introduz, igualmente, indicadores mais específicos para cada categoria: Tecnologia Sociocultural, Manifestação Tradicional
e Gestão Pública.
Dada a variabilidade de sujeitos e propostas, e considerando, sobretudo, a diversidade regional e a presença dos grupos informais, foi necessária uma boa
dose de flexibilidade durante o processo de seleção.
Não é possível, por exemplo, esperar portfólios completos dos grupos informais, nem dos apresentados
pela maioria das organizações constituídas legalmente. Por isso, foram solicitados materiais complementares, e não portfólios.
Houve iniciativas apresentadas com documentação e
escritas irrepreensíveis; outras, com lacunas documentais e redação muitas vezes incompreensível, mas que sinalizavam criatividade e potencialidade. Foram necessárias, portanto, a experiência e a sensibilidade dos avaliadores para a compreensão das várias desigualdades regionais/locais, do isolamento de muitas dessas iniciativas, sua rara presença no espaço público maior e, entretanto, sua forte inserção no espaço público das comunidades. Cultura é pertencimento. Portanto, adquire a cor
e a identidade das comunidades.
Outra peculiaridade importante é a de que a cultura é
expressa por meio de projetos que têm sentido multissetorial, isto é, aparece às vezes na interface com a educação ou com a área de combate à pobreza, ora como desenvolvimento local, ora, ainda, como empoderamento
de grupos considerados minorias, ditadas por gênero,
etnia, faixa etária...
Assim, é necessário compreender que cultura é a mediação fundamental em projetos das demais áreas de políticas públicas que visam ao exercício de cidadania, à
educação popular e ao desenvolvimento local.
O parecer avaliativo/seletivo, no âmbito do Prêmio Cultura Viva, incidiu na pertinência, consistência, coerência, legitimidade e peso social da iniciativa para a comunidade, aferindo sua relevância e beleza como expressão de identidade e pertencimento à
comunidade.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
155
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
-OSAICO
SITESLIVROSEÙLMES
A cada instante, avaliamos
e somos avaliados.
O ser humano se avalia e é avaliado diariamente. Ao
final de cada dia, imperceptivelmente, cada um de
nós está com bom ou mau humor. Com certeza, essa
sensação tem algo a ver com o balanço das avaliações
que fizemos e que fizeram de nós mesmos:
- Terei dormido bem?
- Chegarei a tempo ao trabalho?
- O chefe e/ou os chefiados estarão receptivos?
- Estou desempenhando bem meu ofício?
- Esta é a roupa que devo usar na festa?
- Estou elegante?
- Saí-me bem na reunião?
Fernando Rios
Isa Maria F. Rosa Guará*
&ILMES
Quantas outras perguntas nos fazemos e quantas
fazemos em relação aos outros! Somos seres avaliativos. O tempo todo. No extremo, podemos chegar à
maledicência...
Apesar dessa intensa convivência, temos medo da
avaliação. Tememos tanto avaliar quanto sermos
avaliados.
Se isso acontece informalmente no dia-a-dia, o que
não acontece na atividade de avaliação em educação?
Alunos, professores, gestores, administradores, todos
são questionados quando os resultados das avaliações
escolares ficam abaixo dos desejados. E então...
Certamente, refletir sobre esse fenômeno pode diminuir
nossa ansiedade tanto ao avaliarmos quanto ao sermos
avaliados. Mas a questão não é apenas diminuir a tensão. A questão é: o que fazer com os resultados de uma
avaliação, seja ela pessoal, seja profissional?
Esta edição do Cadernos Cenpec oferece um semnúmero de argumentos para que enfrentemos profissionalmente o tema da avaliação em educação. Nesta
seção, procuramos complementar essa oferta, apresentando alguns filmes, livros, artigos e sítios. Nossa
intenção é que, com mais elementos para reflexão, certamente ampliaremos nossa consciência e poderemos
desenvolver ações mais conseqüentes.
* Fernando Rios é jornalista, publicitário, cientista social e consultor
em comunicação organizacional integrada.
Isa Maria F. Rosa Guará é pedagoga, doutora e mestre em Serviço
Social (PUC-SP) e pós-graduada em Psicopedagogia. É consultora
em programas e projetos sociais.
156
O que você faria
DIRETOR: MARCELO PIÑEYRO.
ATORES: EDUARDO NORIEGA, NAJWA NIMRI, EDUARD FERNÁNDEZ, PABLO ECHARRI, ERNESTO ALTERIO, CARMELO GÓMEZ,
ADRIANA OZORES, NATALIA VERBEKE.
DRAMA, ESPANHA-ARGENTINA-ITÁLIA, 2005, 115 MINUTOS.
Uma situação de avaliação, no mais alto nível, de
uma competitividade que pretende ser cordial: sete
executivos se candidatam a um emprego e se submetem a um processo de seleção no mesmo dia em
que Madri é movimentada por marchas de protesto
contra a globalização e a política monetária do FMI,
que realiza sua reunião no mesmo prédio. O grupo
é deixado a sós em uma sala e são promovidos vários testes por computador que pretendem avaliar
a interação entre eles. De início, todos acreditam
ter controle sobre seu comportamento e emoções,
mas os jogos os levam a situações-limite que, aliadas ao fato de saberem estar sendo observados,
colocam-nos em um nível de tensão insuportável.
As alianças, paranóias, medos e misérias não
tardam a aparecer.
Em um clima claustrofóbico, de máxima desconfiança e absoluta falta de escrúpulos, acontecem
acordos, disputas, revelam-se segredos, vêm à tona
conflitos passados. Aos poucos, emerge uma inconseqüente e fria luta pela sobrevivência, muito comum em nossa economia capitalista globalizada.
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Segundo o crítico Luiz Carlos Merten, “a força do filme vem das relações. A personagem
da mulher fornece a chave e é magnífica. O mundo globalizado ficou pior, mas o cinema
do argentino Marcelo Piñeyro continua ótimo”.
Ganhou dois prêmios no Goya, da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas da Espanha, nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante (Carmelo Gómez) e Melhor Roteiro Adaptado
(Mateo Gil e Marcelo Piñeyro). Foi, ainda, indicado nas categorias de Melhor Ator (Eduard
Fernández), Melhor Revelação Masculina (Pablo Echarri) e Melhor Edição (Ivan Aledo).
Bicho de sete cabeças
DIRETORA: LAÍS BODANSKY.
ATORES: RODRIGO SANTORO, OTHON BASTOS, CÁSSIA KISS E CACO CIOCLER.
DRAMA, BRASIL, 2000, 80 MINUTOS.
Quem pode ter a verdade numa conflituosa relação pai e filho? Quem estrutura a família?
Como um jovem pode reagir a fatos que acontecem no cotidiano, compreendê-los, avaliálos, fazer prevalecer sua individualidade e permanecer ileso?
Este filme de Laís Bodansky é um convite à reflexão. Tudo é questionado: a família, a paternidade, a maternidade, a juventude, a questão das drogas, o tratamento hospitalar de
deficientes mentais, a sociedade contemporânea, a urbanidade...
E neste vórtice de inconseqüências, cada personagem se apresenta diante e em relação
ao personagem central, o adolescente Neco, interpretado por Rodrigo Santoro, que parece
caminhar inexoravelmente para uma tragédia.
Não se diga que o filme retrata uma típica família de classe média periférica brasileira. Mas
essas famílias costumam apresentar muitas dessas situações. É um trabalho supercuidadoso, com ótima direção de atores e belos movimentos de câmera.
O crítico Thiago P. Ribeiro faz uma síntese elucidativa:
Temos o prazer em ver Rodrigo Santoro mostrar por que está onde está. Internados em seus pensamentos difusos e fora do normal, os atores conseguem retratar com perfeição o mundo criado
pelos roteiristas, diretores e diretores de arte.
Afinados com a falta de realidade comum entre os internos de qualquer manicômio, os atores parecem se fechar em mundos próprios, recôncavos e circundados por delicados movimentos e olhares
sem expressão definida. Caminham pelo pátio entediados, sem esperança, sujos, renegados. Os
melhores momentos são aqueles em que a prisão, imposta pela sociedade aos rotulados ‘fora
do padrão’, revela personagens criados com carinho pelos cineastas e atores. São nas mínimas
expressões entre alento e perdição que encontramos o tom do filme.
Janela da alma
DIRETORES: JOÃO JARDIM E WALTER CARVALHO.
ENTREVISTADOS: AGNES VARDA, ANTÔNIO CÍCERO, ARNALDO GODOY, CARMELLA GROSS, EUGEN BAVCAR,
HANNA SHYGULLA, HERMETO PASCOAL, JOÃO UBALDO RIBEIRO, JOSÉ SARAMAGO, MADALENA GODOY,
MANOEL DE BARROS, MARIETA SEVERO, MARJUT RIMMINEN, OLIVER SACKS, PAULO CEZAR LOPES, WALTER
LIMA JR., WIM WENDERS. DOCUMENTÁRIO, BRASIL, 2001, 73 MINUTOS.
“O olho abraça a beleza do mundo inteiro. É janela do corpo, por onde a alma especula e frui
a beleza do mundo. O que há de admirável no olho é que através dele – de um espaço tão
reduzido – seja possível a absorção das imagens do universo. De sorte que esse órgão – um
entre tantos – é a janela da alma, o espelho do mundo.” Esse texto, atribuído a Leonardo
da Vinci (além de tudo, ele sabia escrever bem) serviu de epígrafe e inspiração para este
maravilhoso filme que fala sobre ver, olhar, enxergar, discernir, vislumbrar, descortinar...
a vida e seus pertences, visíveis pelo olho e pela alma.
157
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Utilizando um grupo seleto de entrevistados, de míopes e cegos – entre eles, o escritor
e Prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, o
fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista Oliver Sacks, a atriz Marieta
Severo, o vereador cego de Belo Horizonte, Arnaldo Godoy – o filme nos propõe uma reflexão
que remete para a maneira de cada um estar no mundo, percebê-lo e interpretá-lo.
Todos trazem revelações surpreendentes: do funcionamento fisiológico do olho, o significado de ver ou não a poluição visual que domina o planeta até a importância das emoções
como elemento transformador da realidade. Cada um deles, a partir de sua deficiência,
maior ou menor, articula uma nova eficiência. Esta é uma das grandes lições do trabalho
de João Jardim e Walter Carvalho. Uma lição que pode enriquecer o dia-a-dia de qualquer
pessoa, sobretudo de professores e alunos.
Janela da Alma ganhou o Grande Prêmio Cinema Brasil de Melhor Documentário e recebeu
outras seis indicações: Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora, Melhor
Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Som; o prêmio de Melhor Documentário, no Festival
do Rio 2001; os prêmios de Melhor Documentário - Júri Oficial e Melhor Documentário - Júri
Popular, na Mostra de Cinema de São Paulo.
Depois que abrimos com cuidado a “Janela da Alma” e lançamos nosso olhar sobre a
paisagem que ela propõe, notamos quão importante é sentir a realidade e perceber que é
possível transformá-la para melhor.
Pro dia nascer feliz
DIRETOR: JOÃO JARDIM.
DOCUMENTÁRIO, BRASIL, 2006, 88 MINUTOS.
Provavelmente, o melhor documentário já feito no Brasil comparando escolas públicas e
particulares, por meio de depoimentos de adolescentes de classes baixa, média e alta,
mesmo considerando que uma entrevistada tenha subido ao palco do Cine Sesc São Paulo,
na estréia, para protestar contra os trechos escolhidos de sua entrevista. Ainda assim, os
depoimentos de adolescentes de áreas urbanas e rurais, dos estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Pernambuco revelam angústias, esperanças e desesperanças, incertezas e
conflitos vividos por eles.
Não se podem generalizar as situações apresentadas em Pro Dia Nascer Feliz. Contudo,
no fim do filme sobra um grande desalento em relação ao ensino público, no qual o adolescente brasileiro enfrenta preconceito, precariedade e violência. Ao menos é traçado um
retrato realista das adversidades enfrentadas pelos adolescentes nas escolas brasileiras e
a reprodução de um sistema social injusto, no qual apenas os ricos têm acesso às melhores
escolas, aos melhores empregos e, conseqüentemente, às melhores condições de vida.
Uma denúncia que merece apuração e medidas para transformá-la.
Em um bate-papo no site UOL, o diretor João Jardim comentou seu trabalho:
A idéia do documentário nasceu quando eu estava fazendo uma pesquisa sobre gravidez precoce.
Comecei a perceber que os adolescentes reclamavam muito da escola. Esse antagonismo entre o
adolescente e a escola foi o ponto de partida para fazer o filme.
(Este filme é) ... um diário de observação. Acompanhei durante um tempo o que os adolescentes
viviam. É um filme de pessoas contando histórias, misturadas com imagens de momentos da
vida deles. Basicamente todas as histórias me chocaram. A que mais me choca é a história de
uma menina que matou uma colega. Ela já estava presa, eu fui atrás um tempo depois e colhi o
depoimento dela. A variação do tom é muito grande, esse momento é muito imprevisível. É uma
mistura de tédio com emoção.
158
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Acho que é muito essa questão de o mundo ter mudado muito e a educação ainda ser a mesma. A
família é o que tem de mais importante, às vezes no momento que o filho precisa de apoio, os pais
são muito rígidos e vice-e-versa. Falta uma discussão melhor dentro da escola sobre o que está
acontecendo com o jovem. Ninguém precisa dizer aos pais como fazer, mas vale explicar melhor.
(...) os professores estão na mesma realidade que os alunos. É um pouco sem saída. O professor
não sabe lidar muito bem com o jovem, ele está aí sem os recursos necessários. Os diretores,
mais ainda.
A situação, que não parece ser nova para quem está no magistério, também não vem sendo alvo
de estudo pelas Universidades. Não percebi em nenhuma das Universidades onde estive fazendo
pesquisa a preocupação de formar pessoas que saibam lidar com essa realidade de desinteresse.
Não há sistematização desse conhecimento.
O filme ganhou os Kikitos de Ouro de Melhor Filme - Júri Popular, Melhor Trilha Sonora, o
Prêmio Especial do Júri e o Prêmio da Crítica, no Festival de Gramado; recebeu o prêmio de
Melhor Documentário - Júri Oficial, o Prêmio da Juventude e o Prêmio Bombril de Melhor
Documentário Brasileiro, na Mostra de Cinema de São Paulo.
Sobre o título, Jardim explica: “é uma tentativa de dizer que Pro Dia Nascer Feliz a realidade
que esse filme mostra tem que ser mudada”.
Nenhum a menos
DIRETOR: ZHANG YIMOU.
ATORES: WEI MINZHI, ZHANG HUIKE, TIAN ZHENDA, GAO ENMAN, SUN ZHIMEI, LI FANFAN.
DRAMA, CHINA, 1999, 106 MINUTOS.
Um retrato da precária escola rural na China, uma história de obstinação para ganhar
algum dinheiro, uma discussão sobre evasão escolar, uma lição para quem precisa dar
aulas sem qualquer recurso, um exemplo do caos urbano chinês, o desenvolvimento de
um processo de solidariedade. Sim, tudo isso está presente no singelo Nenhum a Menos,
de Zhang iYmou.
Mas prefiro destacar aquilo que Sócrates chama de ética da consciência. A emergência de
um grande compromisso com o objetivo de seu trabalho, uma responsabilidade moral, que
surge e cresce numa professora, adolescente de 13 anos.
Com atores amadores e uma câmara que podemos classificar de rústica, o diretor nos apresenta muitos argumentos para uma reflexão sobre o processo pedagógico em situações-limite.
E nos mostra ainda como é possível fazer um filme contundente com poucos recursos. Ele
também dirigiu o poético O Caminho para Casa (ver Cadernos Cenpec, n. 2, p. 160).
A história é simples: Gao, professor de uma escola primária, precisa tirar um mês de licença
para cuidar de sua mãe doente. Nada demais, se estivéssemos em um país desenvolvido.
Acontece que, na pequena cidade de Shuiquan, apenas uma menina de 13 anos, Wei Minzhi, pode substituí-lo. Além disso, de uma turma de 50 alunos, apenas 28 permanecem.
Nos primeiros dias de Wei, uma das alunas foi selecionada para freqüentar uma escola de
esportes e um aluno de 10 anos abandona a classe para procurar emprego na cidade. E
o único pedido do professor Gao é o de que a classe não diminua, nem um aluno sequer.
Está aí o motivo do filme: a mobilização de uma adolescente e de seus alunos, pouco mais
novos, para recuperar a ovelha desgarrada, num périplo do rural para o urbano, com todos
os riscos que isso pode trazer.
Num primeiro momento, o único envolvimento de Wei é com a possibilidade de ganhar uns
trocados a mais, se nenhum aluno desistir. Mas isso muda. Está aí um filme que nos coloca
159
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
diante de dilemas aparentemente insolúveis. Porém, quando se quer realmente mudar a
realidade, surgem as propostas e as maneiras de implementá-las.
Nenhum a Menos ganhou o prêmio Leão de Ouro, no Festival de Veneza, em 1999.
,IVROSETEXTOSNA)NTERNET
Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos
MARIA TERESA ESTEBAN (ORG.).
REGINA LEITE GARCIA, ÁNGEL DÍAZ BARRIGA, ALMERINDO JANELA AFONSO, CORINTA M. G. GERALDI,
JUSSARA M. P. LOCH. DP&A EDITORA, RIO DE JANEIRO, RJ, 1999, 144 P.
Um pequeno livro (do último ano do século passado, que parece tão distante) desafia-nos:
o que temos feito? Essa afirmação de Maria Teresa Esteban nos provoca:
O processo de avaliação do resultado escolar dos alunos e alunas está profundamente marcado
pela necessidade de criação de uma nova cultura sobre avaliação, que ultrapasse os limites da
técnica e incorpore em sua dinâmica a dimensão ética.
Este livro leva à reflexão, estimula a ação e, principalmente, incita a nossa indignação. No
texto “Uma polêmica em relação ao exame”, Angel Diaz Barriga alfineta:
O exame se converteu num instrumento no qual se deposita a esperança de melhorar a educação.
(...) Um falso princípio didático: um melhor sistema de exame, melhor sistema de ensino. Nada mais
falso que essa proposição. (...) a proposta técnica de fazer exames – manejo estatístico dos dados,
construção de reativos, objetivos, entre outros – contribuiu ao empobrecimento da visão sobre a
educação. A pedagogia do exame criou mais problemas para a educação do que resolveu.
Avaliação da aprendizagem: práticas de mudança. Por uma práxis transformadora.
CELSO DOS S. VASCONCELLOS. EDITORA LIBERTAD, COLEÇÃO CADERNOS PEDAGÓGICOS, SÃO PAULO,
SP, 2005, 7ª EDIÇÃO, 232 P.
Celso Vasconcelos se propõe a responder perguntas que vivem sem resposta nas mentes
de milhares de pessoas:
- Como passar das muitas análises do papel político da avaliação, das simples negações
das práticas avaliativas dos professores, do uso de uma linha avaliativa ingênua ou reprodutora para a construção de caminhos concretos na perspectiva crítica?
- O que fazer a fim de superar as práticas autoritárias de avaliação ou, ao menos, o que
fazer em termos de preparação para uma mudança maior?
- Como avançar para além do discurso e traduzir em ações a nova visão da avaliação?
Aqui, o leitor encontrará boas respostas, e explicações para elas ainda não terem sido
utilizadas. Mas Vasconcelos não desanima, muito menos os leitores, já que o livro está na
sétima edição. Para ele:
(...) o ser humano gosta de desafios (...); a tarefa que está posta é superar sua formulação alienada
– “ser o melhor”, “conseguir nota”, “passar de ano” – e apontar novas tarefas para os alunos:
aprender mais e melhor; não deixar ninguém pelo caminho, avançar juntos (“nenhum a menos”);
refletir, desfrutar o prazer de conhecer; pensar com a própria cabeça; descobrir novas possibilidades
de organização do real; ser capaz de intervir, abrir novos horizontes dentro e fora da escola.
Na perspectiva de uma práxis transformadora, Vasconcelos defende que a avaliação deve ser
considerada um compromisso com a aprendizagem de todos e com a mudança institucional.
160
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
E conclui:
Por não haver uma forma perfeita de avaliação, há necessidade de alimentarmos uma atitude ao
mesmo tempo de humildade e de ousadia: não ter medo de fazer, não deixar de avaliar, de criar dispositivos avaliativos que favoreçam a efetiva aprendizagem e estar aberto à crítica, ter presente que
qualquer prática de avaliação é sempre uma aproximação, o que demanda diálogo autêntico.
Nossa escola pesquisa sua opinião
MANUAL DO PROFESSOR.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO / GLOBAL EDITORA, SÃO PAULO, 2002, 2ª EDIÇÃO, 192 P.
Nossa escola pesquisa sua opinião
DIÁRIO DE PESQUISA
JANUÁRIA ALVES.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO / GLOBAL EDITORA, SÃO PAULO, SP, 2002, 2ª EDIÇÃO, 192 P.
O aluno é sempre avaliado. Em tese, na teoria e na prática, é ele quem precisa “passar
de ano”. Mas... e os professores, e os gestores, e a escola, e os pais, e a comunidade? Os
resultados das avaliações da educação brasileira não têm sido muito animadores. Quem
sabe, se pudéssemos fazer uma avaliação “em processo” da educação – conhecer melhor
alunos, professores, gestores, condições materiais da escola, pais, comunidade, durante o
período letivo – conseguíssemos melhores resultados? É exatamente isso o que propõem
estes dois livros, editados pelo Instituto Paulo Montenegro, uma ONG voltada para a educação, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, mais conhecido como Ibope.
Logo no início, o livro propõe:
Você já parou para pensar por que fazemos pesquisa de opinião? Por que a opinião sobre outras
pessoas e fatos é tão importante que precisa ser medida? Responda, então, ao teste:
Fazemos pesquisa de opinião:
a. Para averiguar a existência de algum problema?
b. Para confirmar a continuidade de uma ação que já está em andamento?
c. Para compreender a visão que as pessoas têm de um fato ou de alguma ação em curso?
d. Para detectar a dimensão de algum problema ou de alguma ação?
e. Para refletir sobre como agir, como mudar, como superar, ou como reafirmar as posições ou
caminhos já escolhidos?
f. Todas as alternativas anteriores estão corretas.
É claro que você optou pela alternativa “f”. Estes dois livros ensinam tudo isso. Resta saber
se todos os envolvidos estão dispostos a serem avaliados. Mas que vale a pena não apenas
ler os livros como também colocar suas idéias em prática, lá isso vale! E ainda há um ótimo
sítio para se esclarecerem as dúvidas: <www.ipm.org.br>.
Avaliação sob exame
HÉLIA SONIA RAPHAEL E KESTER CARRARA (ORG.).
ALDA JUNQUEIRA MARIN (COM: CLAUDIA CRISTINI FLORIO GUILHERME, JOSELY KOBAL DE OLIVEIRA, MARIA
CRISTINA DE SENZI ZANCUL, MARIA IOLANDA MONTEIRO), ANA CLÁUDIA BARTOLOZZI MAIA, ELIANA MARIA GRADIM FABRON, LÉA DEPRESBITERIS, MIGUEL CLÁUDIO MORIEL CHACON, RITA DE CÁSSIA TIBÉRIO
ARAÚJO, ROSALY MARA SENAPESCHI GARITA, SADAO OMOTE.
FAPESP / EDITORA AUTORES ASSOCIADOS, CAMPINAS, SP, 2002, 226 P.
Pedagogia e psicologia sempre andaram juntas. A psicologia é um dos principais instrumentos de inteligência do processo pedagógico. E isso faz sentido: a pedagogia tem sido
prioritariamente chamada a se relacionar com crianças e jovens, para desenvolver processos
161
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
de aprendizagem; e para se conhecer essa população, a psicologia é imprescindível. As
autoras, contudo, chamam a atenção para a abrangência da questão pedagógica e remetem
os leitores para questões mais amplas. Elas mesmas advertem:
O que se torna necessário é o entendimento das questões emanadas da psicologia da educação, da
sociologia, da filosofia, da antropologia e de quaisquer outras áreas do saber presentes na questão
abordada, como algo indissociável, ou seja, uma totalidade de inter-relações que oferecem um entendimento dinâmico do processo avaliatório.
É nessa direção que caminham os oito estudos apresentados, que tratam desde as óticas
teóricas e processo de construção da cidadania – ao propor uma avaliação da avaliação,
e avaliação diagnóstica em educação especial – até a abordagem ecológica na análise de
notas escolares, além da pergunta crucial: podemos ser conscientes quando avaliamos?
Leia mais
Para quem deseja mais informações, indicamos também outros livros e artigos.
,IVROS
Análise das práticas dos professores e das situações pedagógicas
MARGUERITE ALTET. PORTO EDITORA, PORTO, PORTUGAL, 2000, 192 P.
Avaliação educacional: regulação e emancipação
ALMERINDO JANELA AFONSO. CORTEZ EDITORA, SÃO PAULO, SP, 2000, 2ª EDIÇÃO, 152 P.
Escola, currículo e avaliação
MARIA TERESA ESTEBAN (ORG.). ALMERINDO JANELA AFONSO; ANA LÚCIA SOUZA DE FREITAS; MAILSA
CARLA PASSOS E CARLOS ROBERTO DE CARVALHO; ANELICE RIBETTO, GENI AMÉLIA NADER VASCONCELOS, PAULO SGARBI E VALATER FILÉ; INÊS BARBOSA DE OLIVEIRA E DIRCEU CASTILHO PACHECO; MARIA
CLÁUDIA REIS FERRAZ E STELLA MARIS MOURA DE MACEDO; CARMEN SANCHES SAMPAIO.
CORTEZ EDITORA, SÉRIE: CULTURA, MEMÓRIA E CURRÍCULO, SÃO PAULO, SP, 2003, 168 P.
Mitologias da avaliação – de como ignorar, em vez de enfrentar problemas
PEDRO DEMO. EDITORA AUTORES ASSOCIADOS, COLEÇÃO: POLÊMICAS DO NOSSO TEMPO, CAMPINAS,
SP, 2002, 86 P.
!RTIGOSNA)NTERNET
A avaliação do desempenho escolar como ferramenta de exclusão social
ANDRÉA CRISTINA MARQUES DE ARAÚJO
Disponível em: <http://www.ccuec.unicamp.br/revista/infotec/artigos/andrea_cristina2.html.>
A dimensão reflexiva da avaliação
ENTREVISTA COM MARIA TEREZA ESTEBAN
Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/maria_teresa_esteban%20.htm>.
162
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Avaliação educacional e projeto político-pedagógico
MOACIR GADOTTI.
Disponível em: <http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti/Artigos/Portugues/Curriculo/Avali_educacional_PPP.pdf>.
Avaliação na pedagogia de projetos PGM 5 – Práticas avaliativas na pedagogia de projetos
MARIA TERESA ESTEBAN
Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2002/aas/aastxt5.htm>.
Avaliação: uma roupa nova em um corpo novo
FLORA SUMIE TAKAMORI, LUIZ SEABRA JÚNIOR, MARIA LOURDES VIEIRA
Disponível em: <http://www.unipinhal.edu.br/movimentopercepcao/include/getdoc.
php?id=
358&
article=
112&
mode=
pdf>.
Avaliar para crescer
REPORTAGEM: PAOLA GENTILE
Disponível em: <http://novaescola.abril.uol.com.br/index.htm?ed/138_dez00/html/avaliacao>.
Boa gestão, e não orçamento maior, determina boas notas.
SIMONE IWASSO
Disponível em: <http://www.estado.com.br/editorias/2007/03/25/ger1.93.7.20070325.8.1.xml>.
Educação infantil inspira avaliação formativa
ENTREVISTA: ANTONI ZABALA
Disponível em: <http://novaescola.abril.uol.com.br/ed/138_dez00/html/zabala.doc>.
Intencionalidade: palavra-chave da avaliação
ENTREVISTA: CELSO DOS SANTOS VASCONCELOS
Disponível em: <http://novaescola.abril.uol.com.br/ed/138_dez00/html/celso.doc>.
3ÅTIOS
www.abave.org.br
INTERCÂMBIO DE EXPERIÊNCIAS
A Associação Brasileira de Avaliação Educacional - Abave é uma associação de natureza
científica que se apresenta como um espaço de intercâmbio de experiências entre os acadêmicos e os implementadores da avaliação educacional.
http://www.inep.gov.br/
AVALIAÇÃO INTERNACIONAL
Entre no site do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. No menu, do lado esquerdo, encontra-se a área Biblioteca Virtual de Educação. Ela
traz uma relação de sites internacionais com textos sobre avaliação.
http://www.unesco.org.br/
EDUCAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO
Unesco-Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – sítio no
qual se pode conhecer a atuação da entidade no mundo em suas diversas áreas de atu-
163
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
ação: Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Cultura, Comunicação e
Informação, Pesquisa e Avaliação.
http://www.preal.org/Default.asp
PRÁTICAS EDUCACIONAIS LATINO-AMERICANAS
PREAL – Programa de Promoção da Reforma Educativa da América Latina e Caribe promove
a participação de diversos atores sociais no desenvolvimento e aperfeiçoamento de políticas, além de estimular a busca de acordos nacionais para melhorar a qualidade, eqüidade
e eficácia dos sistemas educativos na região.
www.ice.deusto.es/rinace/
PESQUISA SOBRE QUALIDADE E EQÜIDADE
A Rede Ibero-Americana de Investigación sobre Cambio e Eficacia Escolar é uma rede de
pesquisadores em educação comprometidos em aumentar os níveis de qualidade e eqüidade dos sistemas educativos.
www.icsei.net.
EFEITO ESCOLA
Um grupo de pesquisadores de todo o mundo tem realizado conferências anuais sobre o
tema da Escola Efetiva – International Congress for School Effectiveness and Improvement
– oferecendo contribuições importantes para o desenvolvimento da pesquisa sobre os
efeitos da escola. Em inglês.
www.ncrel.org
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E PESQUISA
Para leitores de língua inglesa, o sítio do Learning Point Associates oferece pesquisas,
recursos de desenvolvimento profissional para professores e informa sobre as melhores
práticas existentes para o aperfeiçoamento da eficácia escolar.
164
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Cadernos Cenpec
Cenpec
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e
Ação Comunitária
Ano II
Número 3
Primeiro semestre de 2007
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165
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
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Colaboram nesta edição
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Jorge Kayano
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Maria Helena Guimarães de Castro
Mílada Tonarelli Gonçalves
Naércio Menezes
Tiragem
2.000 exemplares
Cadernos Cenpec / Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação
Comunitária. – N. 3 (2007) –
São Paulo: CENPEC, 2007
ISSN 1808-9631
Semestral
1. Educação 3. CENPEC
CDD 370
166
Cadernos Cenpec 2007 n. 3
Cadernos Cenpec:
educação em todos os sentidos
Cadernos Cenpec é um importante periódico brasileiro dedicado à discussão dos gran
gran-des problemas da educação pública brasileira e sua interface com a cultu
cultu-ra e as ações sociais. Os dois primeiros números abordam temas que estão
na pauta das questões educacionais e deverão continuar por muito tempo:
Cidade Educadora e Educação Integral. Este terceiro volume trata de Avalia
Avalia-ção em Educação.
Em cada edição, o Cenpec utiliza sua larga experiência, por meio de artigos
e seus colaboradores diretos, e convida especialistas para desenvolverem te
te-as específicos. Cadernos Cenpec é dirigido a professores, gestores escolares,
ministradores e políticos, enfim, a todos aqueles comprometidos com a me
me-ria da educação brasileira.
O Cenpec é uma das principais organizações não-governamentais brasileiras
atua na formação e aperfeiçoamento técnico-pedagógico das equipes de edu
edu-o, cultura e ação social e no desenvolvimento de projetos, metodologias e re
re-s didáticos voltados para a educação integral.
Em cada revista, um tema atual.
Como adquirir
No volume 1, que trata de Cidade Educadora, um grupo de re
re-nomados educadores debate o tema “Qual cidade educadora
queremos”. Outros artigos abordam a educação na cidade sob
diferentes olhares, as possibilidades de organização de uma
cidade voltada para a educação, a utilização dos espaços edu
edu-cativos, práticas e experiências de educação articuladas com
a comunidade, além de indicações e propostas para uma boa
política municipal de educação.
Cadernos Cenpec podem ser comprados diretamente na ins
ins-tituição.
No volume 2, que discute Educação Integral, os artigos abor
abor-dam experiências que vão do campo à cidade na busca de um
lugar da educação integral na política social. Discutimos o que
se diz sobre a escola pública de horário integral e as possibili
possibili-dades educativas de diversos espaços complementares com
com-pondo, com a escola, um programa de tempo integral. Refle
Refle-tindo sobre os conceitos de cidadania integral, escola de tem
tem-po integral e educação integral, a edição apresenta relatos e
depoimentos que ilustram os caminhos teóricos.
Para adquirir a publicação, você também pode acessar o site
site::
< www.cenpec.org.br > e seguir as instruções de compra.
O preço é R$ 20,00, por exemplar. Quantidades acima de 20
exemplares têm desconto de 20%.
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Os Cadernos estão à venda também na Livraria Cortez.
Telefax 11 3873.7111; site
site:: < www.livrariacortez.com.br >
Contribuição teórica e prática
“Educação parece ser o grande desafio da sociedade brasi
brasi-leira”, comenta a professora Maria do Carmo Brant de Carva
Carva-lho, coordenadora geral do Cenpec
Cenpec,, que argumenta: “não es
es-tamos conseguindo preparar corretamente os alunos das es
es-colas públicas para enfrentar uma sociedade altamente com
com-petitiva, que veicula uma grande quantidade de informação e
que exige uma consistente formação profissional. Com esta
publicação, queremos contribuir, teórica e praticamente para
discutir, entre outros temas, a formação e o papel dos profes
profes-sores na sociedade do conhecimento, a relação entre violên
violên-cia e conhecimento na escola, a importância dos gestores es
es-colares e a formulação e implementação de políticas públicas
em educação”.
167
Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitári
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Cadernos Cenpec 2007 n. 3
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