1
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa
LEITURAS DO CAOS URBANO NA OBRA DE JOSÉ EMILIO PACHECO
Por
ANTONIO FERREIRA DA SILVA JÚNIOR
Curso de Doutorado em Letras Neolatinas
(Estudos Literários, Literaturas Hispânicas)
Tese Doutoral submetida ao Programa
de
Pós-Graduação
em
Letras
Neolatinas da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Doutor em
Letras Neolatinas.
Orientadora: Profa. Dra. Mariluci da
Cunha Guberman.
FACULDADE DE LETRAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Dezembro 2010
2
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa
Título da Tese: Leituras do caos urbano na obra de José Emilio Pacheco
Orientadora: Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman (UFRJ)
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como
parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em
Letras Neolatinas.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Mariluci da Cunha Guberman (Presidente)
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profo. Titular Dr. Eduardo de Faria Coutinho
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profa Dra Sonia Cristina Reis
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profa Dra Ximena Antonia Díaz Merino
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Profa Dra Ana Cristina dos Santos
Programa de Pós Graduação em Literatura Comparada e Teoria da Literatura
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Profa Dra Rita de Cássia Miranda Diogo
Programa de Pós Graduação em Literatura Comparada e Teoria da Literatura
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Membro suplente
Profo. Dr. Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Membro suplente
Rio de Janeiro
Dezembro de 2010
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus e à minha família:
A Deus, pela vida, por acompanhar meus passos e por me atender em
todos os momentos. Agradeço por ter colocado pessoas maravilhosas e
importantes a meu lado, mesmo aquelas que não estão mais presentes
nessa vida.
Aos meus pais Antonio e Terezinha, meu tesouro mais precioso.
Agradeço por não medirem esforços em minha educação e pelo apoio
incondicional a cada nova empreitada. Obrigado por todas as orações e
pela companhia em todos os momentos. A vitória é nossa!
À minha irmã Michele, pela presença e pela motivação constante durante
toda minha vida acadêmica.
Ao meu sobrinho e afilhado Lucas, peço desculpas por ter me recusado a
brincar ou jogar bola contigo, nos últimos meses, por conta deste estudo.
Temos muito tempo pela frente para aproveitar e estudar! Espero que
sinta muito orgulho do seu padrinho.
Amo vocês!!!
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DEDICATÓRIA ESPECIAL
Querida Orientadora Profa. Dra. Mariluci Guberman,
Lembro-me com muita nitidez de uma tarde do mês de junho de 2003
quando estávamos na Faculdade de Letras e eu apresentava o primeiro
esboço da análise do poema “Tulum” como resultado de minha pesquisa
de Iniciação Científica. Estava nos meus últimos anos de graduação e
nem vislumbrava a possibilidade de cursar um Mestrado, quiçá um
Doutorado. Nunca pensei que fosse capaz de chegar tão longe. Mas,
acho que consegui aos poucos me identificar com o universo envolvente
da literatura hispano-americana e isso devo à senhora, Professora
Mariluci, pessoa enviada de modo especial por Deus para conduzir meus
passos. Saiba que meu trabalho, como professor e pesquisador, se deve
a seu ofício apaixonado de educadora.
Agradeço todo o conhecimento recebido, o acesso e o empréstimo de
livros de seu acervo pessoal, a leitura de meus escritos, o diálogo, a
paciência e o carinho de sempre.
Na verdade, a caminhada não termina nunca. Espero sempre estar a seu
lado aprendendo mais e mais.
5
AGRADECIMENTOS
— Ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas/ UFRJ, pelo
apoio e acompanhamento durante o curso de Doutorado;
— Ao Professor Dr. Eduardo Coutinho, por sua simplicidade e sabedoria.
Agradeço sua leitura crítica e detalhada de parte deste estudo por ocasião
do Exame de Qualificação. Infelizmente, não tive a oportunidade de ser
seu aluno na Graduação, mas tenho a honra de contar com sua presença
nesse momento tão importante;
— À Professora Dra. Sonia Reis, pelo exemplo de profissionalismo e de
dedicação. Agradeço as ricas considerações teóricas para esta pesquisa
no momento do Exame de Qualificação e na ajuda na estrutura interna
deste estudo;
— Ao Professor Dr. Pedro Paulo Catharina, por suas observações
precisas nas ocasiões do Colóquio de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas;
— Ao todos os meus professores da Faculdade de Letras/UFRJ, em
especial, aos do Departamento de Espanhol e do Departamento de
Literatura Hispano-Americana;
— Ao Professor Dr. Tanius Karam, da Universidad Autónoma de la
Ciudad de México, pelo envio de textos teóricos para este estudo;
— À Direção do Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), por ter financiado minha
presença em diferentes congressos da área, divulgado meus estudos
sobre a obra de José Emilio Pacheco.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
— Ao Jefferson Lima, que esteve ao meu lado nos últimos anos e me
ajudou em minhas dúvidas e descobertas por esse longo caminhar pelas
Letras. Agradeço sua motivação;
— Ao Leandro Cristóvão, amigo de longa data. Só tenho a agradecer sua
presença e sua ajuda em todos meus momentos de desespero;
— À Simone Oliveira, pela amizade e pela leitura atenta deste trabalho;
— À Viviane Pereira, pelas constantes palavras de apoio e de otimismo;
— Aos meus amigos de CEFET/RJ: Alessandra Mitie, Ângela Norte,
Bianca Tempone, Carmen Perrotta, Claudia Bichara, Claudia Lopes,
Fernanda Rosa, Flávia Dutra, Glória Quelhas, Graça Coelho, Leandro
Cristóvão, Kátia Cunha, Silvana Bezerra, Suzana Barroso. Muito obrigado
pela torcida!
6
SILVA JÚNIOR, Antonio Ferreira da.
Leituras do caos urbano na obra de José Emilio Pacheco. Antonio
Ferreira da Silva Júnior. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2010.
xiv, 422 f.: il.; 30 cm.
Orientadora: Mariluci da Cunha Guberman.
Tese (Doutorado) – UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de PósGraduação em Letras Neolatinas, 2010.
Referências bibliográficas: f. 399- 422.
1. Caos. 2. Cidade. 3. Poesia. 4. Narrativa. I. Guberman, Mariluci da
Cunha. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. III. Título.
Leituras do caos urbano na obra de José Emilio Pacheco.
7
SINOPSE
O processo de criação artística do escritor mexicano José Emilio
Pacheco. Estudo da imagem do caos na obra de Pacheco. A
transformação das cidades mexicanas, em especial, a capital do
país. A cidade caótica e sua representação nas poesias, nos
contos, nas minificções e no romance curto selecionados para este
estudo. Dilemas da vida moderna problematizados pelo escritor.
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RESUMO
SILVA JÚNIOR, Antonio Ferreira da. Leituras do caos urbano na obra de
José Emilio Pacheco. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2010.
422 fl. Mimeo. Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, Literaturas
Hispânicas.
A pesquisa intitulada Leituras do caos urbano na obra de José Emilio
Pacheco analisa poemas extraídos das obras Antologia: Fin de siglo y
otros poemas (1987), La ciudad de la memoria (1989), El silencio de la
luna (1994), El reposo del fuego (1999) e La arena errante (2000); contos
e minificções selecionados das coletâneas La sangre de Medusa y otros
cuentos marginales (1990), El principio del placer (1997) e El viento
distante (2000) e do romance curto Las Batallas en el desierto (1981) do
escritor mexicano José Emilio Pacheco (1939), focalizando o discurso
simbólico, através das imagens poéticas e narrativas relativas aos dilemas
da vida moderna mexicana. Esta pesquisa parte do estudo do processo
de criação artística do escritor no contexto das Letras Mexicanas para
entender sua obra e sustentar nossa análise crítica dos textos literários. A
cidade é o cenário freqüente da obra de Pacheco. A estética moderna nos
sinaliza uma cidade caótica e fragmentada, onde os aspectos negativos
do sujeito são evidenciados. O caos aparece, neste estudo, como
representação de temas decorrentes da vida na cidade moderna: o medo,
a violência e a solidão. Partindo desse pressuposto, a proposta desta
Tese busca analisar o modo como o escritor constrói a imagem do espaço
citadino em sua produção literária. A história tem presença constante na
obra do escritor. A nostalgia por uma antiga cidade habitável e inocente
comparada à atual, além de uma reflexão constante sobre a identidade
mexicana, são algumas das conjeturas que explicam a presença da
história na literatura de Pacheco. O desenvolvimento deste estudo se
encaminhou para a confirmação da hipótese de que o fio condutor da
obra de Pacheco, independente do gênero, representa o desgaste do
tempo.
Palavras chave: cidade, caos, poesia, narrativa.
9
RESUMEN
SILVA JÚNIOR, Antonio Ferreira da. Leituras do caos urbano na obra de
José Emilio Pacheco. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2010.
422 fl. Mimeo. Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, Literaturas
Hispânicas.
La investigación titulada Leituras do caos urbano na obra de José Emilio
Pacheco analiza poemas extraídos de las obras Antologia: Fin de siglo y
otros poemas (1987), La ciudad de la memoria (1989), El silencio de la
luna (1994), El reposo del fuego (1999) y La arena errante (2000);
cuentos y minificciones seleccionados de las coletáneas La sangre de
Medusa y otros cuentos marginales (1990), El principio del placer (1997) y
El viento distante (2000) y de la novela corta Las Batallas en el desierto
(1981) del escritor mexicano José Emilio Pacheco (1939), teniendo como
foco el discurso simbólico, a través de las imágenes poéticas y narrativas
relativas a los dilemas de la vida moderna mexicana. Esta investigación
parte del estudio del proceso de creación artística del escritor en el
contexto de las Letras Mexicanas para comprender su obra y sostener
nuestro análisis crítico de los textos literarios. La ciudad es el escenario
frecuente de la obra de Pacheco. La estética moderna nos señala una
ciudad caótica y fragmentada, donde los aspectos negativos del sujeto se
evidencian. El caos aparece, en este estudio, como representación de los
temas recurrentes de la vida en la ciudad moderna: el miedo, la violencia
y la soledad. Basándonos en ello, la propuesta de esta Tesis busca
analizar la manera cómo el escritor construye la imagen del espacio
citadino en su producción literaria. La nostalgia por una antigua ciudad
habitable e inocente comparada a la actual, además de una reflexión
sobre la identidad mexicana, son algunas de las conjeturas que explican
la aparición de la historia en la literatura de Pacheco. El desarrollo de este
estudio se encaminó para la confirmación de la hipótesis de que el hilo
conductor de la obra de Pacheco, independiente del género, representa el
desgaste del tiempo.
Palabras clave: ciudad, caos, poesía, narrativa.
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ABSTRACT
SILVA JÚNIOR, Antonio Ferreira da. Leituras do caos urbano na obra de
José Emilio Pacheco. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2010.
422 fl. Mimeo. Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, Literaturas
Hispânicas.
The study entitled Leituras do caos urbano na obra de José Emilio
Pacheco aims at analyzing poems excerpted from the works: Antologia:
Fin de siglo y otros poemas (1987), La ciudad de la memoria (1989), El
silencio de la luna (1994), El reposo del fuego (1999) and La arena
errante (2000); tales and short fiction stories from the selection La sangre
de Medusa y otros cuentos marginales (1990), El principio del placer
(1997) and El viento distante (2000) as well as the short novel Las
Batallas en el desierto (1981) written by the Mexican writer Jose Emilio
Pacheco (1939), focusing on the symbolic discourse through poetic
images and narratives regarding the dilemmas in Mexican modern life.
The research is based on the study of the writer’s process of artistic
creation in Mexican arts in order to understand his work and support our
critical analysis of literary texts. The city is a recurrent setting of Pacheco’s
work. The modern aesthetics signals a chaotic and fragmented city in
which the negative aspects of the individual are highlighted. The chaos
emerges as the representation of arising themes of life in the modern city
such as fear, violence and loneliness. Based on this assumption, the
purpose of this study is to analyze how the writer builds the image of the
city space in his literary production. History is quite present in his work.
The nostalgia for an old, livable and and naive city as well as the constant
reflection about Mexican identity are some of the assumptions which may
explain the presence of history in Pacheco’s literature. This study
develops to confirm the hypothesis that the central aspect of Pacheco’s
work, regardless of the genre, represents timeworn.
Keywords: city, chaos, poetry, narrative.
11
Ciudad de México se trata de una ciudad cuya complejidad se
encuentra constituida no sólo por sus grandes edificios,
monumentos o riqueza histórica, también se constituye por un
conjunto de imágenes de neón que flotan como nubes sobre
las calles fétidas e hiperviolentas, infestadas por sujetos
demandantes de derechos, que sus voces se confunden con
aquella voz somnolienta que día y noche nos da a conocer los
anuncios de una vida urbana postapocalíptica, en la que todos
los citadinos luchamos por no perdernos en este labirinto que
notoriamente se expresa en la visión de un gigantismo urbano
constituido por un pastiche incoherente de paisajes
imaginarios.
José Luis Cisneros (2008)
La vida siempre me desborda y hoy escribo con impaciencia,
angustia y mala conciencia. Es hermosa la vida y hace agua
por todas partes: muerte, dolor, desesperación. Y qué vacío,
qué silencio en medio de tanto ruido. Los sueños y los deseos
pudriéndose. El don de la elocuencia y el arte del silencio no
son contrarios sino complementarios.
[…]
La función de la literatura no es salvar el mundo sino iluminarlo:
darnos la experiencia de otra experiencia aunque sea inútil.
José Emilio Pacheco (1966)
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................14
JOSÉ EMILIO PACHECO E AS LETRAS.....................................................28
I. O CONTO E A POESIA: CAMINHOS FRONTEIRIÇOS DA ARTE DE LER
O MUNDO.....................................................................................................44
1.1. O conto hispano-americano: a busca por um conceito..........................49
1.2. A poesia: irmã misteriosa do conto?.......................................................83
II. (RE) LEITURAS DA CIDADE: IMAGENS DO CAOS E DO MAL ESTAR
DOS TEMPOS.............................................................................................102
2.1. O discurso fundador da cidade.............................................................107
2.2. Cidade do México: da formação de uma nação à cidade vídeo-clip....117
2.3. As imagens e as vozes da cidade........................................................132
2.4. O caos urbano e o mal estar da (pós) modernidade............................137
III. SUJEITO, CIDADE E EXPERIÊNCIAS URBANAS NA OBRA DE
PACHECO...................................................................................................155
3.1. A cidade e o poeta mexicano...............................................................155
3.1.1. O sujeito e a cidade da memória................................................163
3.1.2. A cidade moderna e o poeta.......................................................187
3.1.3. Preocupações de final de século na poesia do escritor..............191
3.1.4. A identidade mexicana no contexto globalizado.........................199
13
3.2. A cidade e o contista mexicano............................................................222
3.2.1. “Tríptico del Gato”: sinais da fragmentação do sujeito moderno no
primeiro conto do autor.........................................................................233
3.2.2.
Las
Batallas
en
el
desierto:
México
a
caminho
da
Modernidade………………………………………………………………...254
3.2.3. “El viento distante”: a solidão na urbe……..................................305
3.2.4. O medo perante a urbe em “Shelter”..........................................314
3.2.5. O poder das palavras na confissão de “La zarpa”......................331
3.2.6. “La Reina”: representações do sujeito na cidade........................341
3.2.7.
“La
fiesta
brava”:
entre
a
tradição
e
a
modernidade
mexicana...............................................................................................355
CONCLUSÃO..............................................................................................388
BIBLIOGRAFIA............................................................................................399
14
INTRODUÇÃO
Esta Tese pretende dar continuidade ao estudo desenvolvido em
minha Dissertação de Mestrado, sob orientação da Profa. Dra. Mariluci da
Cunha Guberman, no qual enfatizamos o substrato histórico e cultural
presente na poesia do escritor mexicano José Emilio Pacheco, por meio
do olhar do autor direcionado para o espaço citadino e seus problemas
sociais. Após levantar o sistema imagético do corpus analisado,
sintetizamos, no final da pesquisa, as dores e os lamentos revelados
como constituintes da imagem do “caos”, oriunda da desordem da vida
moderna.
Portanto, nesta nova etapa, procuramos retomar a pesquisa
anterior para aprofundar e ampliar nossa discussão e análise. A partir do
conceito de cidade caótica (GOMES, 2008), resolvemos analisar como
Pacheco representa, principalmente, a capital mexicana em seus textos,
tanto poéticos, como narrativos. A obra ensaística do autor ainda não se
encontra compilada, contudo, tivemos acesso a alguns desses textos,
como também, a entrevistas e a discursos de recebimento de prêmios.
Acreditamos que tais textos são de notória importância, porque permitem
confrontar o pensamento do escritor com sua obra artística. O escritor,
normalmente, traz consigo um discurso fatalista para os acontecimentos
ao seu redor e isso se reflete em sua obra literária. Por meio do seu olhar
nostálgico e pessimista em relação à cidade e, através do lamento pelos
mexicanos, encontramos elementos para elaborar esta pesquisa com o
fim último de analisar criticamente sua obra.
Optamos, neste estudo, por ampliar o corpus de análise inicial da
Dissertação de Mestrado, englobando poemas, poemas em prosa,
contos, minificções e romances curtos do escritor, com o objetivo de
melhor fundamentar nossa leitura da obra do autor. Pacheco percorreu
todos os gêneros literários e afirma que há uma tendência, na literatura
contemporânea, ao apagamento dos limites entre os mesmos. O leitor do
século XXI e as novas mídias exigem um trabalho diferenciado de criação
artística, contribuindo para uma maior “hibridação dos gêneros” (ZAVALA,
2008). No entanto, não defendemos, nesta pesquisa, a quebra das
15
“fronteiras” entre a poesia e a prosa do escritor, muito menos, analisamos
seus textos desse modo, mesmo porque a crítica especializada e o
mercado editorial ainda não consideram sua unificação. Somente,
buscamos, do ponto de vista teórico, encontrar semelhanças entre os
gêneros para compreender como se processa o fazer artístico de
Pacheco.
A partir de leituras teóricas que classificam a Cidade do México
como um espaço caótico (CISNEROS, 2008; GARCÍA CANCLINI, 1999),
a pergunta de pesquisa condutora deste estudo está em verificar o modo
como o escritor constrói a imagem da urbe em sua produção literária. A
análise de textos de diferentes gêneros e épocas busca comprovar se a
leitura realizada pelo autor se mantém uniforme em toda sua obra. A
originalidade da pesquisa está em levantar, no mesmo estudo, detalhes
do processo artístico de Pacheco, no campo da poesia e da prosa, além
de conceber o mal-estar, o medo, a violência e a redução da
comunicabilidade entres os sujeitos, características impostas pela (pós)
modernidade1
e
apresentadas,
em
nossa
investigação,
como
desdobramentos do conceito de caos.
Vale a pena ressaltar que esta pesquisa é a primeira realizada, no
Brasil, sobre a obra literária de José Emilio Pacheco. Acreditamos que
esse cenário mude, nos próximos anos, pela divulgação cada vez mais
expressiva da produção do escritor, reforçada pelo reconhecimento do
mesmo, no ano de 2009, com o Prêmio Cervantes de Literatura
(Espanha).
A partir do exposto, até esse momento, elaboramos nosso tema de
investigação baseado no desejo de analisar a obra de Pacheco, como
caracterizadora de um tempo, e esse tempo simbolizando a fugacidade
do já vivenciado, a reconquista de novas maneiras de encontrar-se com o
mundo e como um tempo de esperança de dias melhores. Logo, este
estudo propõe-se a analisar, também, o modo pelo qual o escritor se
1
O termo modernidade constitui-se de um conceito bastante problematizado por alguns
teóricos, pois alguns desses acreditam que já vivemos o período da pós-modernidade.
Um pouco desta discussão aparece no terceiro capítulo deste estudo.
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apóia na realidade que o rodeia para a elaboração de seus textos,
detectando as marcas de estilo presentes em suas produções artísticas.
Ressaltamos, ainda, que a forma como abordamos e analisamos a
obra do escritor é uma das possibilidades existentes. A sensibilidade e a
imaginação de cada leitor/ crítico da obra são pontos importantes a se
considerar na análise de um texto literário. Não há como esgotar todos os
sentidos de um texto literário nesta pesquisa. A partir disso, ressaltamos
nossa
preocupação
em
escolher
uma
fundamentação
teórica
e
metodológica que nos desse subsídio para “recriar” os sentidos atribuídos
por Pacheco, sem perder de vista que diante de um fenômeno estético, a
intuição e a sensibilidade do leitor jogam um papel importante na tentativa
de apreensão de significados.
O fio condutor de análise deste estudo se estrutura por meio de um
enfoque de cunho social, propondo um convite a revisitar as origens do
indivíduo mexicano a partir das imagens retratadas por Pacheco em sua
obra. Além disso, promove, fundamentalmente, uma reflexão sobre o
modo como Pacheco retrata, em seus textos, as questões mais latentes
da vida na Cidade do México. O caos, gerado pela globalização, leva os
indivíduos a experimentarem a heterogeneidade, vivenciando novas
experiências urbanas. O encontro com a identidade do outro também
interessa a Pacheco.
Pacheco, como poderá ser observado no decorrer desta pesquisa,
não se considera como pertencente a um grupo estético específico. Ele
representa uma voz própria e autêntica, que ultrapassa todas as correntes
de vanguarda e pós-vanguarda, buscando o diálogo com expressões
orientais de estilo — que o ajudaram na elaboração de seus aforismos2 —
e, ao mesmo tempo, resgata uma tradição greco-latina na busca de
ferramentas para a elaboração de textos poéticos em formato de
epigramas e/ ou que mesclam certo linguajar épico-utópico. O escritor, em
questão, não adere a nenhum movimento estético em particular, pois,
segundo ele, há a necessidade de o artista vivenciar vários estilos e com
2
O aforismo é uma frase sentenciosa, um provérbio. Caracteriza-se como uma das
formas de expressão literária mais antigas e está presente em todas as culturas, como
prova da sabedoria popular ou como testemunho de um determinado mundo ideal ou de
uma ideologia. In: MARCHESE & FORRADELLAS (1986).
17
esses formar uma consciência crítica a partir dessa experimentação; por
isso, Pacheco acredita que a literatura hispano-americana forma-se em
conjunto.
Em sua rica produção, o escritor retrata a realidade mexicana,
desde o seu passado pré-hispânico até a modernidade. Ambos os
panoramas são criados pelo imaginário do escritor, a partir do seu olhar
crítico do presente como sujeito conhecedor daquilo que visualiza. Sua
literatura emprega referências da história com o intuito de questioná-las e
aumentar a participação do leitor em seu texto. O escritor joga com as
palavras criando imagens, cuja história enriquece sua ficção. Pacheco
entende sua obra como o resultado de um fazer artístico em constante
evolução e como um produto aberto ao leitor. Por isso, defende sua
participação ativa: ser capaz de interagir com o discurso literário e atribuir
novas significações e sentidos para o objeto lido. O leitor desempenha um
papel importante ao construir e tecer conexões com a sua própria
realidade.
Para o estudo da linguagem poética de Pacheco, utilizar-se-á como
corpus de análise os livros que perpassam as inúmeras fases de sua vida
e que acompanham seu processo de desenvolvimento como escritor e
leitor. Ao analisar sua produção, percebemos um desejo de privilegiar
sempre o texto; logo, o autor faz uso da técnica da reescritura de certos
escritos, para que esses cheguem ao público leitor da melhor maneira
possível. Embora um dos temas deste estudo seja a temática do espaço
urbano, os livros não se centram somente nessa temática.
Todos os livros do corpus apresentam releituras de seus
poemas/contos iniciais, o que muito nos instigou a desvendar as várias
identidades assumidas pelo escritor ao longo dos tempos e que, através,
de experiências e leituras, foram alteradas ou perdidas. Com as palavras
anteriores, não afirmamos a existência de um duplo na figura de Pacheco,
mesmo porque o autor reconhece seu eterno caminhar para um
amadurecimento. Para ele parece ser uma meta difícil de ser alcançada
em vida, mas se percebe um escritor capaz de se adaptar ao tempo,
18
renovar seu estilo e repensar o trabalho com a palavra, nunca deixando
de enfatizar sua contribuição social.
Para o corpus desta pesquisa, selecionamos as seguintes obras de
José Emilio Pacheco:
Poesia:
Antologia Fin de Siglo y otros poemas (1987), coletânea na qual
Pacheco reúne poemas de diversos momentos e com diversas
linguagens, permitindo ao leitor desfrutar de um amplo universo
imagético;
El Silencio de la luna (1994), evidenciando uma poesia que
ultrapassa a própria linguagem;
Ciudad de la memoria (1989), livro que evidencia a carga
escatológica do indivíduo mexicano, cujas tragédias nos espaços
urbanos e a falta de solidariedade entre os semelhantes, repercute
a falta do diálogo entre os seres humanos na vida contemporânea;
El reposo del fuego (1999), clássico da literatura mexicana que
permite ao indivíduo refletir sobre a sua existência desde o
passado destruído de uma civilização até sua contemporaneidade;
La arena errante (2000), livro cuja linguagem poética desvenda o
interior do homem em sua história pessoal e social.
Contos e minificções:
La sangre de Medusa y otros cuentos marginales (1990),
compilação dos textos iniciais do escritor, cuja temática central gira
em torno do choque do sujeito diante da violência da urbe; no
prólogo desse livro, o autor recorda nomes importantes da
Literatura Mexicana e agradece a oportunidade de poder dialogar
com eles em sua obra;
El principio del placer (1997), reúne seis contos e um romance
curto, cujo foco está no relato das experiências humanas,
expressando suas impressões e sofrimentos desde a infância até a
19
velhice; o livro demonstra a luta pela manutenção da cultura
nacional diante da invasão cultural norte-americana;
El viento distante (2000), coletânea de textos que demonstra a
infância como uma fase de descobertas, mistérios e aventuras.
Romance curto:
Las Batallas en el desierto (1981), que trata do processo de
modernização do México, da intensificação dos costumes norteamericanos, das trocas e das experiências do sujeito na imensidão
da cidade.
Como complemento do material de análise, fazemos uso de
ensaios e entrevistas escritas do autor. Em alguns temas, ampliamos o
corpus com o auxílio de outros textos, principalmente, poemas em prosa,
extraídos de Como la lluvia (2009a) e La edad de las tinieblas (2009b),
obras mais recentes do autor cuja discussão central está em retratar o
poder, a arrogância, o desejo, a superioridade e a inveja do homem; a
cidade como cenário da liquidez dos valores humanos. O primeiro livro
traz epigramas, haikús, poemas breves, extensos e em prosa, já o
segundo, explora todas as possibilidades do poema: mais líricos,
narrativos e ensaísticos. A hibridez genérica presente, nesses últimos
livros, pode ser um caminho para a continuidade de nossa pesquisa sobre
a obra de Pacheco.
Esta pesquisa divide-se em uma parte de estudo sobre a figura de
Pacheco como intelectual e sua relação com as Letras Mexicanas e em
três capítulos. O primeiro aborda o processo de criação literária e a
aparição do conto e da poesia como gêneros e suas proximidades,
destacando, ainda, a historiografia literária de ambos os gêneros no
cenário hispano-americano, em particular, no contexto do México. O
segundo é considerado como o de fundamentação teórica desta
pesquisa, pois trata do conceito de cidade e sua relação com o tema do
caos. O terceiro apresenta a análise da produção poética e narrativa de
Pacheco, enfatizando as experiências urbanas do sujeito mexicano.
20
A primeira seção deste estudo “José Emilio Pacheco e as Letras”
mostra o surgimento da figura do escritor no cenário da Literatura
Mexicana, sua formação literária, o modo como idealiza sua arte e o
direcionamento dado a sua obra, ou melhor, a adoção de uma voz voltada
para a reflexão dos fracassos de sua nação mestiça.
Apresentamos,
principalmente, o contexto intelectual e literário em que se formou o
escritor, sendo esse levantamento de grande relevância para inserir o
autor entre os mais renomados de seu tempo e de seu país. A carga
humanística presente nos textos de Pacheco é construída ao longo de
sua carreira como escritor. O reconhecimento do valor de sua obra, por
escritores prestigiados da literatura em língua espanhola, mostra-se
nítido, como inúmeros prêmios conquistados pelo escritor.
O primeiro capítulo intitulado “A poesia e o conto: caminhos
fronteiriços da arte de ler o mundo” subdivide-se em duas seções. Esse
capítulo fornece ferramentas ao leitor para que compreenda a escolha do
corpus da pesquisa e a análise dos textos, realizada no terceiro capítulo
do estudo. Pacheco aponta a brevidade como uma característica comum
aos dois gêneros, além disso, visualiza outros pontos de semelhança
entre ambos. Para o escritor mexicano, a escolha do gênero decorre da
necessidade de expressar cada assunto.
No sub-capítulo “O conto hispano-americano: a busca por um
conceito” realizamos uma investigação sobre esse gênero literário e sua
disseminação pela literatura hispano-americana, a partir das leituras de
críticos e de contistas, como Anderson Imbert (1999), Marini Palmieri
(2002), Carlos Pacheco (1997), Lauro Zavala (2008), Julio Cortázar
(1963), Edmundo Valadés (1990) e Jorge Luis Borges (1997). Buscamos
compreender as diferentes concepções atribuídas ao conto e à evolução
de suas formas com a finalidade de melhor analisá-lo em sua totalidade.
Tecemos a trajetória do conto passando pelo olhar dos escritores
regionalistas, pelo Modernismo de Rubén Darío e pelas importantes
contribuições e inovações da linguagem introduzidas pelo Boom da
narrativa hispano-americana. Problematizaremos, ainda, os limites entre o
conto e os minicontos, as minificções e o romance curto.
21
O sub-capítulo “A poesia: irmã misteriosa do conto?” traz em seu
título uma interrogante originada a partir da leitura de uma afirmação de
Cortázar (1963) sobre a origem e a intensidade presente nos dois
gêneros. Nessa seção do estudo, pretendemos buscar pontos de
aproximação entre os mesmos. Para isso, recorremos aos estudos de
Emil Staiger (1974), Sônia Brayner (1979) e Javier Lasarte (1991). Para
José Emilio Pacheco (1966), a poesia e a prosa complementam-se e
contribuem para sua versatilidade como escritor. Ainda, nessa seção,
discutimos a evolução da poesia, em particular no cenário mexicano, e
sua presença na vida contemporânea.
Buscamos retratar o cenário da poesia mexicana com os
movimentos poéticos anteriores ao surgimento da voz crítica e social de
Pacheco. As tendências poéticas, desde os anos quarenta, revelam-se
aos olhos do leitor na interpretação e na compreensão das temáticas
produzidas por Pacheco. Evidenciam-se nesse sub-capítulo, correntes
literárias antagônicas e, ao mesmo tempo, tão pertinentes, quando
pensadas a partir do minucioso trabalho de criação poética do autor.
Inúmeros movimentos somam-se em prol do desejo de retratar o real, ou
melhor, de representar o reflexo desse real, gerando certa pluralidade de
estilos.
O capítulo dois intitula-se “(Re) leituras da cidade: imagens do caos
e do mal estar dos tempos” e divide-se em quatro sub-capítulos. Esse
capítulo, como um todo, trata da fundamentação teórica que sustentou
nossa pesquisa e a análise do corpus do estudo. A cidade transforma-se
no objeto central do olhar do sujeito moderno, inclusive, dos escritores
hispano-americanos, que a retratam de modo real ou imaginário.
Buscamos, neste capítulo, trazer para a discussão a fundação das
cidades hispano-americanas até sua contemporaneidade, permitindo que
o leitor note as transformações no modo de ler o espaço urbano, através
dos tempos.
Buscamos estudar como se projetou a cidade hispano-americana e
os sentidos que essa recebe. Segundo as idéias de José Luis Romero
(2004), toda cidade constitui-se como um espaço de mudanças, trazendo
22
consigo certas ideologias e uma mentalidade urbana. Tais considerações
são complementadas pelo aporte teórico de Kevin Lynch (1997), ao
propor que o espaço da cidade se comunica com o interior de cada um
dos indivíduos presentes na cidade ou que façam parte da própria cidade.
Assim, ambos os teóricos contribuíram para se pensar os discursos, as
memórias e as imagens que encontramos na história da cidade — vista
por seu patrimônio arquitetônico, cultural e nas características de um
povo.
Por meio dos conceitos de “cidade caótica”, de Renato Cordeiro
Gomes (2008), “cidade turbilhão”, de Rafael Argullol (1994) e “cidade
video-clip”, de García Canclini (1999), tratamos a Cidade do México como
personagem central da literatura de Pacheco. Sua poesia aborda a
superposição de espaços (templos, praças, ruas) e da perpetuação de um
imaginário indígena na constituição da cidade moderna. Sua prosa
emprega o cenário da urbe para ressaltar a desilusão do homem diante
da desordem da vida ou dos atos de violência desses sujeitos.
Independente do gênero, a obra de Pacheco trata de uma cidade real,
cujo conflito e cuja falta de comunicação nas relações sociais acabam por
gerar um sentimento caótico. Recorremos ao livro de Gênesis, da Bíblia, e
as considerações de Renato Cordeiro Gomes (2008), Mariluci da Cunha
Guberman (2008) e Zygmunt Bauman (2008) para fundamentar nosso
estudo sobre o caos urbano.
Estabelecemos um contato da cidade mexicana contemporânea com
a primeira cidade construída por Caim e com outro mito bíblico, o de
Babel. Caim ao fundar Enoch, cidade maldição, idealiza um espaço
centralizado. No entanto, essa centralização se desfaz pelo fato de a
cidade ser um espaço em constante transformação e da necessidade de
deslocamento dos sujeitos. O mito bíblico de Babel será ressemantizado
na leitura da urbe contemporânea. O medo, a violência e a solidão
completam o discurso que interpreta a cidade, sinalizando a confusão e a
destruição, já inscritas no mito bíblico. A Babel contemporânea tenta
atribuir sentido e homogeneizar as diferentes vozes que formam a cidade.
23
A literatura de Pacheco dota de sentido o mundo transformado em
ruína, aquele que não pode mais ser retratado em sua totalidade. A
cidade contemporânea congrega outras em seu interior. A partir disso, o
caos urbano é visível no processo de construção e reconstrução da urbe,
na explosão de grandes catástrofes na humanidade e na falta de diálogo
entre os sujeitos.
O caos urbano aliado ao medo e à violência provoca o isolamento
dos sujeitos, ocasionando a solidão, conseqüência da nova geografia da
cidade moderna. O isolamento e a procura por proteção constituem um
novo modelo de vida nas grandes metrópoles. Essa se configura de um
modo bastante plural, colocando diferentes grupos e classes na
convivência lado a lado. O castigo e a maldição, presentes no mito bíblico
da cidade fundada por Caim, continuam apresentando-se nos grandes
centros urbanos através dos inúmeros problemas ocasionados pela
população na busca de ascensão social.
O capítulo três “Sujeito, cidade e experiência urbana na obra de
Pacheco” está dividido em dois sub-capítulos “A cidade e o poeta
mexicano” e “A cidade e o contista mexicano”. Em cada um deles,
buscamos apresentar ao leitor a forma como o escritor compreende e
desenvolve cada gênero e as temáticas recorrentes em sua produção,
dando ênfase ao espaço urbano. Em “A cidade e o poeta mexicano”,
apresentamos uma divisão da poética de Pacheco em fases, e essas
entendidas como momentos poéticos, com finalidade meramente didática,
para um melhor reconhecimento e compreensão das características de
estilo do poeta. Não cabe dizer que essas fases se anulam na medida do
tempo, porém com esses momentos surgem novos recursos à voz poética
de Pacheco, evidenciando uma nova maneira de cantar a poesia
mexicana. Esse sub-capítulo divide-se em quatro seções. Observamos os
problemas sociais que atormentam o poeta mexicano, levando-o a
desvendar as vozes adormecidas do espaço citadino e permitindo que o
mesmo desenvolva um olhar crítico na tentativa de compreender o caos
instaurado na sociedade contemporânea.
24
Na primeira seção, analisamos poemas que tratam da memória do
escritor para o espaço citadino. Pacheco tece comentários sobre o caráter
coletivo do espaço da cidade, ao propor espaços híbridos de convivência
em sua voz poética. Ainda, nessa seção, por meio do jogo de palavras
empregado pelo escritor em seu poema “México: vista aérea”, certas
imagens poéticas são cantadas através da arqueologia mexicana, em
busca de uma conscientização nacional, recurso utilizado por Pacheco
para preservar certa parcela da identidade mexicana. O poeta denuncia
fatos e expõe questões que parecem provocá-lo profundamente ao sentir
a constante presença do passado de sua civilização.
Na segunda seção, nos dedicamos a discutir o valor da linguagem
na vida humana, para isso tentaremos compreender e desmembrar o
canto poético de Pacheco, apreendendo o árduo trabalho do escritor na
busca pela melhor palavra lírica para representar o mundo ao seu redor.
As inúmeras influências estéticas, recebidas por outras vozes, são
reconhecidas por Pacheco como responsáveis pela formação de sua
poesia, ao mesmo tempo, singela e atual.
Na terceira seção, buscamos mostrar a maneira como o poeta
revela a utopia de seguir vivendo e cantando a diversidade do México. A
sensibilidade da palavra poética de Pacheco mostra que só por meio dos
seus sentidos mais aguçados consegue perceber as questões que
permeiam o imaginário mexicano. A carga dramática de sua poética é
sentida e simbolizada como uma possível solução para os novos tempos
do México.
Na quarta seção, procuramos deter-nos no olhar de compreensão
do poeta para as questões contemporâneas do México. Para conseguir
esse fim, Pacheco faz uso do seu discurso simbólico para cantar, de
modo existencialista, as angústias e os problemas constantes do território
mexicano. Desse modo, Pacheco desvenda, por meio de sua palavra
poética, novas formas de sociabilidade para indivíduos que compartilham
um mesmo espaço público e que podem ser alvo dos problemas da vida
moderna. Por meio do lirismo de seus poemas, Pacheco, reconhecendo o
discurso de Anthony Giddens, nos revela que o mundo contemporâneo
está em pleno descontrole, e a partir disso devemos encontrar a nós
25
mesmos. Para isso, devemos recuperar a nossa identidade coletiva, mais
que nunca, por meio de nossas ações em sociedade.
Para o entendimento desse tempo da ruptura e da noção de
globalização, colocações de Octavio Ianni (2003), Zygmunt Bauman
(1999 e 2005) e Manuel Castells (2002) serviram como suporte teórico
para a idéia de heterogeneidade e de pluralidade dos tempos, trazida por
essa mudança no modo de analisar as questões sociais. Essa
transformação de mentalidade liga-se à idéia de tentar compreender o
que seria a nossa identidade e como essa se dá no convívio com outras,
que encontramos no espaço da cidade.
No México, defendemos a posição de que a idéia do nacional se
faz cada vez mais reduzida, e, por conseguinte, a identidade vista como
unidade fixa é rompida pelos novos discursos da modernidade, levando a
um hibridismo de culturas. Para chegar às seguintes conclusões,
utilizamos estudos de Néstor García Canclini (1999 e 2000), Pedro
Gómez García (1998) e Stuart Hall (2006) sobre a identidade que
compartilhamos com os demais sujeitos num espaço de interação.
Em “A cidade e o cotista mexicano”, apresentamos como se
constrói o universo narrativo criado por Pacheco e alguns pontos de
semelhança da figura do escritor como poeta e contista. O sub-capítulo
divide-se em sete seções, cujo interesse se resume na análise dos
contos, das minificções e do romance curto do escritor, problematizando
as ações humanas, responsáveis, em parte, pelos desdobramentos de
um ar caótico.
Na primeira seção, analisamos “El tríptico del gato”, o primeiro
conto publicado por Pacheco o qual podemos classificar como um
exemplo de minificção. Destacamos o emprego do elemento “gato” em
seu conto, animal da família dos felinos, adotado por outros escritores
renomados da literatura universal e o uso da ironia pelo autor.
Recorremos aos estudos de Lauro Zavala (1996) e Helena Beristáin
(2000) para a compreensão dessa figura retórica. A ironia do conto
coloca-se na aproximação das atitudes do felino e do humano. Pacheco
denuncia uma sociedade cruel, repleta de maldades e de falta de
honestidade.
26
Na segunda seção, analisamos a relação entre a ficção e a história
no romance curto Las Batallas en el desierto. O plano de fundo da
narrativa é o processo de industrialização e de modernização, iniciados
no México a partir do governo do Presidente Miguel Alemán. Pacheco
demonstra a massiva presença do poderio norte-americano no contexto
mexicano, cujo poder afeta a economia, os costumes culturais locais e,
principalmente, a personalidade dos personagens da trama. O romance
do escritor faz uma aproximação, em algumas cenas, ao movimento
estético do Pop Art, do crítico inglês Lawrence Alloway, para fazer uma
referência crítica ao consumismo daquele momento. Buscamos analisar a
forma como Pacheco realiza tal diálogo.
Na terceira seção, analisamos a minificção “El viento distante”, cujo
símbolo do vento alude à recordação de um tempo já vivenciado pelos
sujeitos da narrativa. Pacheco aborda a tristeza da sociedade
personificada através do sofrimento da personagem em busca da
salvação diante da precariedade da vida.
Na quarta seção, tecemos a leitura da minificção “Shelter”, a partir
dos estudos de Zygmunt Bauman (2009) e de Eduardo Galeano (2008)
sobre o tema do medo e de Michel Foucault (2006) sobre a loucura. O
sentimento do medo está presente, na sociedade, desde a Grécia Antiga.
Na sociedade moderna, todas as pessoas são passíveis de sentir medo e
transmiti-lo de inúmeras formas: tristeza, solidão, loucura. Todo o relato
centra-se no discurso de um personagem como forma de representar o
seu olhar de desespero para a sociedade ao redor. Tanto medo gera-lhe
momentos de fuga do real, demonstrando certo desvio psíquico em suas
ações.
Na quinta seção, realizamos a leitura do conto “La Zarpa”, texto em
que se verifica como o tema do poder surge em diferentes âmbitos de
nossa esfera social. Por meio das colocações de Michel Foucault (1985),
analisamos que o poder é, principalmente, transmitido pela voz de quem
toma o centro do discurso. Portanto, todos os sujeitos podem receber o
poder, remodelá-lo e transmiti-lo da sua forma. Todo o conto centra-se no
discurso de uma personagem como forma de representar seu poder sobre
os demais. Analisamos momentos da narrativa capazes de identificar
27
esse poder, que passa pela essência de quem o enuncia. Aliado a isso,
tratamos, nessa seção, do gênero confissão, adotado por Pacheco no
conto, como intertexto do grande texto. Para o estudo do gênero
confissão, recorremos aos estudos da filósofa espanhola María Zambrano
(2001) como mecanismo de análise e compreensão desse tipo de
enunciação.
Na sexta seção, tratamos do conto “La reina”, cuja temática central
gira em torno do desejo de uma adolescente em ocupar o posto de rainha
do carnaval de sua cidade. O conto acaba por problematizar questões da
personalidade da protagonista e, ainda, revela as conturbadas relações
de poder e de solidão dentro dos centros urbanos. Apesar de estar numa
festa de Carnaval, a figura da protagonista denuncia as identidades
solitárias e perdidas no espaço da urbe. O discurso da sociedade
capitalista, a superioridade de classes e a sensualidade são outras
temáticas discutidas nessa seção.
A sétima seção traz a análise do conto “La fiesta brava”, cujo
objetivo do autor está em criticar a invasão norte-americana ocorrida no
México, geradora de relações de dependência econômica e cultural. Além
disso, Pacheco transfere os conflitos sociais ao texto literário, tenta
resgatar a história e problematiza suas fases obscuras para projetá-las
desde seu olhar e sua verdade. O conto propõe, inclusive, um repensar
sobre a escritura e a figura do escritor hispano-americano. O autor chega
a uma conclusão, na narrativa, a de que a nostalgia asteca é tida como
uma realidade impossível diante dos avanços da sociedade globalizada.
Ao final pretendemos evidenciar as idéias principais da pesquisa,
como mostrar, também, que ao se estudar um escritor tão significativo,
em termos de pensar a realidade mexicana, não se esgotam as
possibilidades de leituras de sua obra. Apresentamos a síntese de uma
das possibilidades de leitura da tão ampla e diversa obra de José Emilio
Pacheco.
28
JOSÉ EMILIO PACHECO E AS LETRAS
No sé por qué escribimos
Y a veces me pregunto por qué más tarde
publicamos lo escrito. Es decir, lanzamos
una botella al mar, harto y repleto
de basura y botellas con mensajes.
Nunca sabremos a quién ni adónde la
llevarán las mareas.
Lo más probable
es que sucumba en la tempestad y el
abismo
Pacheco (1987, p. 47)
(Disponível em: <http://letraslibres.com/pdf/12374.pdf>. Último acesso em 04 out. 2010)
Profeta del desastre, aunque para nuestra
desgracia las profecías y el pesimismo de
José Emilio Pacheco han sido totalmente
desbordados por la realidad
Elena Poniatowska (1994, p. 18)
29
Segundo o poeta e crítico mexicano José Joaquín Blanco3, os
melhores escritores de um país sempre procuram apreender as correntes
literárias anteriores, para que, com isso, possam conhecê-las e criar uma
nova voz, rompendo assim certa tradição. Porém, nunca haverá
totalmente uma ruptura com tais influências anteriores; o que poderá
ocorrer, de fato, será uma renovação poética e, portanto, uma aquisição
de novos procedimentos estéticos.
Nesse contexto literário, especificamente mexicano e ricamente
heterogêneo, surge em cena o escritor mexicano José Emilio Pacheco,
que por meio de seu discurso, nos mostra uma diversidade de gêneros,
que o tornam um autor de difícil classificação para os críticos que se
propõem a estudá-lo, evidenciando, desse modo, a exigência de um leitor
atento para a compreensão dessas muitas leituras, que encontramos de
maneira implícita em sua voz singular.
José Emilio Pacheco Berny nasceu na Cidade do México, em 30 de
junho de 1939. Sua formação intelectual deu-se em Direito, Filosofia e
Letras pela Universidad Autónoma do México (UNAM), o que nos revela
uma formação humanística, que podemos comprovar por meio da riqueza
ideológica e pelo estilo de suas palavras. Nessa mesma universidade,
iniciou suas atividades literárias na revista Medio Siglo. É interessante
ressaltarmos a importância das leituras e participação em revistas na
trajetória literária do escritor, porque, nessas, encontramos o pensamento
de um tempo e o desejo utópico de uma nação expressados pela voz de
Pacheco, que analisa e vê diversas realidades para seu país. No México,
ambos os movimentos de vanguarda – os Estridentistas em 1921 e a
Geração dos Contemporáneos (1928-1931) – desenvolveram boa parte
de seus trabalhos literários por meio de suas respectivas revistas, Actual
nº 1 e Contemporáneos. Tais revistas4 buscavam retratar, sempre com
atualidade, o que também sucedia fora das fronteiras nacionais do
México.
3
Apud STANTON (1991, p. 108).
Segundo Pacheco (1986, p. 68), “desde el comienzo las revistas mexicanas han sido
patrióticas sin cerrarse jamás a la curiosidad por el resto del mundo ni a lo que
encuentran digno de admiración en otras literaturas”.
4
30
Desde muito jovem, Pacheco demonstrava interesse pela tarefa de
escrever. Esse desejo se iniciou aos quinze anos, quando ganhou de
seus avós o romance Quo Vadis?, de Henryk Sienkiewicz, que lhe
motivou a continuar a história da trama de uma de suas primeiras
leituras5. Ademais, começou a publicar, ainda adolescente, seus escritos
em diários estudantis como Proa (1955), e El Diario de Yucatán (1956). A
partir desse momento, nunca mais deixou de publicar suas curiosidades
literárias, confirmadas pela crítica especializada como grandes ensaios.
Pacheco foi secretário de redação da Revista de la Universidad de
México e de México en la Cultura, suplemento de Novedades, assim
como chefe de redação de La Cultura en México, suplemento de Siempre.
Dirigiu também a Biblioteca del Estudiante universitario e, durante os anos
de 1970 e 1971, foi bolsista do Centro Mexicano de Escritores, onde pôde
ter contato com novas correntes literárias e com novos pensadores como,
Juan José Arreola, Jaime García Terrés, Fernando Benítez e Ramón
Xirau, que lhe permitiram refletir e repensar sua própria produção
intelectual.
Suas palavras podem ser admiradas em algumas áreas e gêneros:
contos,
crônicas,
romances,
ensaios,
roteiros,
adaptações
cinematográficas, traduções e poesias. No campo da tradução, merecem
relevância suas versões de Cómo, de Samuel Beckett, de De Profundis,
de Oscar Wilde, de Cuatro cuartetos, de T.S. Eliot e de Un tranvía
llamado deseo, de Tennesse Williams. Por meio dessa última, foi
prestigiado com o prêmio de melhor tradução da obra, oferecido pela
sociedade de críticos teatrais em 1983.
Pacheco e seu amigo Carlos Monsiváis, ambos filhos de uma
tradição de escritores jornalistas, organizaram o suplemento da revista
Estaciones — cujo diretor era o poeta Elías Nandino — mostrando, desde
jovem, seu gosto por temas jornalísticos, o que, um pouco mais tarde,
5
No discurso de ingresso ao Colegio Nacional de México, em 1986, Pacheco sinaliza a
importância da leitura no ofício do escritor e da literatura como uma arte coletiva: “El
ejemplo infantil de Quo Vadis? muestra hasta qué punto uno continúa siempre lo que
otros iniciaron. La literatura es la más solitaria y la más colectiva de las artes. Todo lo
escribimos entre todos” (PACHECO, 1986, p. 59).
31
mais precisamente a partir de 1976, revela-nos seu compromisso sóciopolítico ao assinar a coluna Inventario, em um jornal mexicano chamado
Proceso6. Por mais de três anos, sua coluna contribuiu como uma notável
fonte para compreender a história literária mexicana.
Seu primeiro romance, Morirás lejos, obteve, em 1968, o Prêmio
Magda Donato. Segundo a crítica, sua prosa pode ser comparada ao
estilo de Alfonso Reyes pelo emprego de uma linguagem simples, mas,
ao mesmo tempo, de leitura difícil. Suas obras constituem grandes
desafios para o leitor. Podemos definir ainda as obras de Pacheco como
profundas reflexões da realidade mexicana. De acordo com Pacheco
(1966):
Reyes abrió la posibilidad moderna de escribir en México.
Arrojó al surco la semilla para que el campo verdeciera. Todos,
hasta quienes no lo leyeron, hemos salido de él; y si nos
apartamos es para regresar con mayor fuerza. Su obra es un
camino y lo contrario de un camino: nadie puede rechazar su
lección ni volver a escribir, a pensar, como antes de Reyes;
nadie puede ser Reyes de nuevo, seguir su sombra, porque
tras él las aguas se cerraron y no conducen a ninguna parte.
A produção em prosa do escritor mexicano compreende o romance
citado acima e Las Batallas en el desierto (1981); três livros de contos, La
sangre de Medusa (1990), El viento distante (1963) e El principio del
placer (1973); obras ensaísticas, “El derecho a la lectura”, “En torno a la
cultura nacional” e “Belleza y poesía en el arte popular mexicano”,
somente para citar algumas. Sua produção periodística, muito ampla, não
se encontra compilada até o presente momento. Não devemos esquecer
sua vastíssima produção em versos. O escritor mexicano Vicente Quirarte
define Pacheco como um escritor dotado de indiscutível versatilidade em
seu trabalho. Segundo o próprio poeta, o conjunto de suas obras se vê
6
O escritor argentino Juan Gelman, ganhador do Prêmio Cervantes 2007, demonstra,
em suas palavras, o reconhecimento por esse trabalho de Pacheco: “José Emilio es un
narrador admirable, es un crítico profundo y todos extrañamos los textos que solía
publicar semanalmente en Proceso. Pero José Emilio es sobre todo y ante todo poeta,
un poeta querido, admirado, uno de los poetas más eminentes en lengua española”
(MONTAÑOS GARFIAS, 2009). Ao ser homenageado na Feira Internacional del Libro
Universitario, no ano de 2009, em Guadalajara, o escritor mexicano comenta sobre a
desaparição da poesia dos periódicos e a diminuição dos suplementos literários.
32
como um corpo vivo que nasce, cresce, se aperfeiçoa e está em contínuo
processo de mudanças.
Notamos, em Pacheco, que sua palavra não se compromete
somente a favor de um gênero específico; seu dom em usar a palavra é
mostra de talento e revela a amplitude de interesses do escritor. Podemos
lembrar aqui o título de um dos seus livros de contos El principio del
placer, e fazer uma alusão à palavra como uma mostra fascinante do
prazer na vida do poeta. Pacheco entende a palavra como corpo da
escritura e, segundo o escritor uruguaio Mario Benedetti, essa é, para o
poeta, a base de seu jogo poético, por isso os poetas vivenciam
eternamente uma luta constante pela busca da melhor palavra para
expressar as realidades que querem retratar.
Benedetti (2000, p. 77) afirma que nem sempre os escritores se
comprometem em nomear a realidade que constroem. As imagens das
palavras não ditas e os sons não pronunciados pelo escritor podem ser
compreendidos também no silêncio do mesmo, possivelmente porque, no
silêncio, as palavras encontram um espaço nostálgico. Por meio dessa
relação do poeta entre seu mundo e a realidade que retrata, conseguimos
perceber uma aproximação entre leitor e autor.
Para Pacheco, o texto é a forma de comunicação mais íntima que
pode ser estabelecida entre duas ou mais pessoas, porque se transforma
no lugar do encontro com a experiência alheia. Há uma construção de
sentidos pelo autor e pelo leitor, ambos colaboram, portanto, na tessitura
do texto. A leitura será sempre um diálogo, uma eterna interação de
signos, ditos e não ditos.
Na obra de Pacheco, temos o eu poético ou um narrador
comprometido com o mundo em que se insere. O escritor reconhece que
estamos num mundo da destruição, onde a falta de união e de esperança
aumenta a cada dia e, contribuiu para ratificar a nossa história formada de
rupturas. Pacheco mostra-nos que acabaremos num mundo do
esquecimento generalizado, restando somente o pó do que um dia
representamos e fomos como indivíduos.
33
Pacheco conseguiu maior destaque no campo da poesia, à medida
que entendia um poema não como um objeto estilizado, mas sim como
uma revelação, isto é, que leva o público leitor não só a trabalhar com a
sensibilidade, mas também a dialogar com o próprio texto. Para o poeta
em questão, cada livro se reescreve quando o leitor o lê. Vemos aqui
nitidamente a importância dada pelo poeta ao fato de respeitar a
individualidade do leitor, que pode ler certo texto, a partir de suas diversas
experiências e leituras de mundo. O escritor mexicano ressalta também a
importância da intertextualidade7, que é facilmente percebida em sua
produção poética.
Pacheco possui uma consciência do uso da intertextualidade em
sua obra e das possibilidades de um tema ser novamente discutido por
meio da incorporação de novos significados. O autor emprega múltiplos
enunciados tomados de outros textos para promover um entrecruzamento
de discursos em sua obra. Pacheco (1983) defende ainda o anonimato do
autor:
[…] sobre la base de que uno está siempre plagiando sin
querer a los demás. Trato de compensar un poco estas
circunstancias mediante los seudónimos, heterónimos y
apócrifos. Pero en todo momento bajo una mínima ética: no
escribir nunca nada que no firmaría con mi nombre
Seus
heterônimos8,
Julián
Hernández e
Fernando
Tejada,
aparecem pela primeira vez no livro No me preguntes cómo pasa el
tiempo (1970). Segundo Pacheco, o primeiro deles surgiu no poema
“Carta a George B. Moore en defensa del anonimato9”, uma resposta ao
7
Bakhtin (1992) instala a noção de intertextualidade para indicar que a palavra (o
discurso) é uma mescla de diferentes textos que dialogam.
8
Verani (1994) comenta, em seu estudo, que a heteronímia não é central na obra de
Pacheco, mas sim um reforço a noção da poesia como construção contínua entre o autor
e o leitor.
9
Moore era um estudante norte-americano da Universidade de Colorado quando enviou
a Pacheco um telegrama com cem perguntas e várias páginas, cujo conteúdo girava em
torno do ofício e da poesia de Pacheco. O escritor achou uma descortesia dar uma
simples negativa ao pedido do estudante e decidiu respondê-lo em forma de “poema”
(VERANI, 1994): “No sé por qué escribimos, querido George. / Y a veces me pregunto
por qué más tarde / publicamos lo escrito. Es decir, lanzamos / una botella al mar, harto
y repleto / de basura y botellas con mensajes / Y luego: / Porque un domingo / usted me
llama de Estes Park, Colorado, / me dice que ha leído cuanto está en la botella / (a
través de los mares: nuestras dos lenguas) / y quiere hacerme una entrevista /Después
recibo un telegrama inmenso […] En vez de responderle o dejarlo en silencio / se me
34
escritor norte-americano que desejava entrevistá-lo10. Ao afirmar que “la
poesía no es de nadie: se hace entre todos”, o autor defende a abolição
dos conceitos de autor e de autoria da obra ao mencionar: “Llamo poesía
a ese lugar del encuentro/ con la experiencia ajena. El lector, la lectora/
harán, o no, el poema que tan sólo he esbozado” (PACHECO, 1987, p.
46). Pacheco defende a existência de uma autoria coletiva, que ocorre na
atribuição de sentidos pelo leitor.
Como Jorge Luis Borges, Pacheco entende o ato da escritura como
um trabalho infinito, em que escrever pressupõe voltar a escrever sobre
algo já produzido ou mencionado. Ele compreende o texto como o
produto da interpenetração de diversos discursos: do presente e do
passado. Pacheco pratica a reescritura em sua obra, porque não acredita
na noção de texto como um produto concluído11, além disso, se preocupa
em oferecer uma melhor qualidade dos escritos ao seu público leitor.
O escritor dominicano Juan Bosch entende tal postura como a
daquele que domina todas as técnicas da escrita e é capaz de iluminar o
ocurrieron estos versos. No es un poema / no aspira al privilegio de la poesía / (no es
voluntaria. (PACHECO, 1987, p. 45). No fragmento anterior, o autor define seu conceito
de poesia e possibilita nossa compreensão da linguagem empregada em seu texto. Os
limites entre a prosa e a poesia são problematizados pelo uso coloquial da linguagem.
10
Pacheco demonstra claramente seu desagrado em ser entrevistado. Numa entrevista
a Hernán Bravo Varela (2009, p. 68) disse “Leo con enorme interés las entrevistas
ajenas. El problema es que no sirvo para ellas. Necesito ver las palabras para enterarme
de qué estoy diciendo. No tengo la menor facilidad de expresión oral. Y si me pongo a
contestar por escrito lo que me preguntan, ¿a qué horas leo y trabajo cuando ya cada
día tengo menos tiempo en todos los sentidos? Hay autores muy interesantes como
persona. No soy uno de ellos. Por lo demás, detesto escucharme y verme en fotos y
videos” (BRAVO VARELA, 2009, p. 68). Suas palavras nos revelam um dado curioso: a
dificuldade de se expressar de modo espontâneo em público. Além disso, sua
preocupação com a palavra escrita. O escritor critica os recursos tecnológicos porque
sabe que modificam a forma como se apresenta a linguagem escrita e, de certa maneira,
a noção de literatura e de leitor. Pacheco complementa “Tengo plena conciencia de ser,
insisto, un pésimo lector en voz alta. Escucho, eso sí, muy bien en silencio y no me
gustan que declamen mis poemas […] De modo que estoy perdido en el mundo de los
medios y al mismo tiempo no puedo esquivar mi participación de ellos” (BRAVO
VARELA, 2009, p. 71). No discurso de recebimento do Prêmio Cervantes, o escritor
aproveita para criticar o uso das novas tecnologias ao mencionar: “Como todo, Internet
es al mismo tiempo la cámara de los horrores y el retablo de las maravillas” (PACHECO,
2009c).
11
Sabemos que existem teóricos defensores da obra literária aberta, aquela cujo leitor
participa na construção de seus sentidos. Umberto Eco defende que o leitor colabora
com o escritor, desde que esse permita sua participação. Anderson Imbert (1999), num
estudo dedicado ao conto aberto, faz uma crítica à forma do mesmo. Ao mencionarmos
“texto concluído”, não queremos criticar a idéia do diálogo de qualquer texto com o
público leitor.
35
texto com um toque particular de personalidade.
O escritor norte-
americano William Faulkner, em uma entrevista, também expressa sua
opinião sobre o processo de (re) criação literária:
[...] se eu pudesse escrever toda a minha obra de novo, tenho
certeza de que faria melhor, o que é a condição mais saudável
para um artista. É para isso que ele continua trabalhando,
tentando de novo; ele acredita sempre que dessa vez irá
conseguir, irá realizar o que quer.
[...]
Não se deve estar nunca satisfeito com o que se faz. Nunca
está tão bom quanto seria possível. Sempre sonhe e mire
acima daquilo que você sabe que pode fazer. Não se preocupe
apenas em ser melhor que os seus contemporâneos ou
predecessores. Tente ser melhor do que você mesmo. Um
artista é uma criatura arrastada por demônios. Não sabe por
que o escolheram e normalmente está ocupado demais para se
perguntar isso. (REVIEW, 1988)
As palavras de Faulkner corroboram o trabalho de constante (re)
criação adotado por Pacheco12. O ato da criação literária nada mais seria
que uma revisão e recapitulação de discursos pré-existentes em outros
momentos. Nunca temos uma repetição ou plágio total de discursos, pois
sendo a literatura uma arte, permite leituras diversificadas do mundo,
conseqüentemente, de fatos que se cruzam com a experiência do outro.
Além disso, todo escritor está preso a um tempo, buscando direcionar seu
olhar para a realidade que lhe tocou presenciar ou imaginar.
Por ser um escritor e leitor de diversos gêneros literários, Pacheco
pôde ter sua experiência reconhecida em alguns desses pelo recebimento
de diversos prêmios, que o fazem ser reconhecido cada vez mais no
campo das Letras Hispânicas.
Pacheco, desde o início de sua trajetória literária, surpreendeu
grandes escritores, como Octavio Paz, que o elogiava pela força de seu
pessimismo, e o peruano Mario Vargas Llosa, que, em 1964, escreve no
periódico El Expreso de Lima sobre seu encanto e entusiasmo para com
as poesias do escritor mexicano, colocando-o no mesmo patamar de
12
Pacheco acredita que o trabalho de um escritor se constrói, se adapta e se molda no
decorrer de sua atividade, conforme opina: “Elegí ser escritor y a estas alturas aún soy
un aprendiz que no sabe nada de su trabajo y para quien cada página es de nuevo la
primera y puede ser la última” (PACHECO, 1986, p. 59).
36
intelectuais como Alfonso Reyes, José Gorostiza e Octavio Paz,
completando o rico quadro da literatura mexicana.
Essa literatura, que flui à medida que a lemos e nos identificamos
com os inúmeros fatos históricos e inúmeros sentimentos que são
cantados, rendeu vários prêmios ao escritor, como o Magda Donato
(1967), por seu romance Morirás lejos; Aguascalientes (1969); o Premio
Nacional de Poesía (1969) pelo livro No me preguntes cómo pasa el
tiempo; Xavier Villaurrutia (1973), por seu livro El Principio del placer;
Nacional de Periodismo Literario (1980) no México, El Iberoamericano de
Letras no Chile; Malcolm Lowry, de ensaio (1991) e Nacional de
Linguística y Literatura (1991) no México.
Ao receber o Premio José Asunción Silva, em 1996, da Casa de
Poesía Silva de Bogotá, em homenagem ao centenário da morte do poeta
colombiano, Pacheco teve as portas do universo hispânico abertas.
Dessa forma, o recebimento de outro prêmio de renomado prestígio como
este permitiu seu maior reconhecimento.
Seu livro El Silencio de la luna foi considerado, por uma banca de
renomados nomes das letras hispânicas, o melhor livro de poesia em
língua espanhola no período de 1990 a 1995. Esse trabalho retrata, de
forma nítida, a realidade de seu tempo, ao mesmo tempo em que mostra
uma possível mudança para essa realidade, colocando em cena novas
formas de viver o tempo. Segundo o poeta colombiano Darío Jaramillo,
um dos jurados do prêmio, em Pacheco temos:
Uma poesia sem limites na linguagem, que estende as
fronteiras da percepção, poesia de todos, para todos, ato
compartilhado de descobrimento inesperado, de crueldade e
explícita revelação do incompreensível tempo, da história
cotidiana que o poeta nomeia com lucidez e com o desconcerto
13
de quem é igual a todos .
O reconhecimento de sua trajetória intelectual e o desejo de
dialogar com diversas tradições estéticas renderam a Pacheco, no ano de
13
“Una poesía sin límites en el lenguaje, que extiende las fronteras de la percepción,
poesía de todos, para todos, acto compartido de descubrimiento despiadado, de cruel y
explícita revelación del inasible tiempo, de la historia cotidiana que el poeta nombra con
lucidez y con el desconcierto de quien es igual a todos”. In: PACHECO (1994) [Tradução
nossa].
37
2002, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Veracruzana,
concedido pela equipe de jurados formada pelo historiador e grande
pensador José Luis Martínez, pelo escritor e crítico espanhol Manuel
Durán, pelo crítico e pesquisador do El Colegio de México, Anthony
Staton, e pelos poetas José Luis Rivas e Tedi López Mills.
Outro prêmio dado ao escritor foi o VI Premio Internacional Octavio
Paz de Poesía y Ensayo outorgado pela Asociación Civil Amigos de
Octavio Paz em 2003. Na noite de entrega desse prêmio, acompanhado
do escritor Rodolfo Castañón, Pacheco pôde ler alguns de seus poemas.
Ele comentou, com o público presente, sobre seus estudos literários
iniciais e sua visão a respeito de diversos assuntos que atingem a
sociedade.
O escritor recebeu esse reconhecimento exatamente no mesmo
ano em que seu primeiro livro de poesias — Los elementos de la noche
(1963) — completava quarenta anos de existência. No momento de
recebimento do prêmio, Pacheco deixou clara a importância da palavra na
vida do homem e, portanto, da renovação poética de um escritor:
La poesía mantiene viva la lengua, la pone en circulación y la
somete a prueba. Si esa lengua se paraliza o se degrada, la
barbarie y la violencia llenan su vacío. Sin esa lengua no hay
diálogo, no hay polémica, no hay instrucción posible, no hay
arte, ciencia ni cultura, no hay futuro. Ocupa el porvenir el
corazón de las tinieblas. Se abre a nuestros pies el abismo que
14
nos rodea por todas partes .
Por meio de suas palavras, percebemos o desejo latente do poeta
em lutar pelas questões humanísticas de seu país. Pacheco mostra, ao
México, o verdadeiro papel democrático que cada artista ou intelectual
deve ter como compromisso para com seu povo. Num mundo dominado
pela violência e pela injustiça, o escritor reforça o papel do intelectual a
partir de suas palavras:
¿Qué puede hacer el escritor en un mundo en que millones de
seres mueren de hambre, y otros son incinerados en los
arrozales de Vietnam, y otros se suicidan al no resistir las
tensiones de una sociedad tecnológica cuyo fin es la
abundancia de objetos que cosifican y enajenan? (PACHECO,
1966)
14
PACHECO. “Un mayor acceso a la lectura mejoraría la realidad social”. In:
<www.lafogata.org/libros-mayor.htm>. Último acesso em: 20 dez. 2009.
38
O presidente mexicano Vicente Fox Quesada, ao participar da
referida cerimônia, elogiou o amor de Pacheco pelo México e por sua
cidade natal, cantada tantas vezes em sua produção e comentou:
Sua consciência da necessidade de construir uma muralha
contra a violência e destruição converteu-o em um defensor
dos valores mais importantes do ser humano. José Emilio
Pacheco é um humanista sempre disposto a defender com sua
15
palavra as melhores causas do México e do mundo .
Sentimos, por essas palavras, a gratidão do presidente mexicano
para com o poeta, o qual está tão presente na cultura e tradição de seu
povo. Por outro lado, o governante amplia o universo de Pacheco, ao
dizer que o escritor também contribui, por meio de sua obra, para análise
de certas questões de âmbito mundial. Apesar de ter mencionado que “es
un chantaje exigir de las letras y los escritores lo que nadie se atreve a
esperar de los otros hombres ni de Dios” (PACHECO, 1966), o escritor
atribui um sentido ético16 a sua escrita, com base numa concepção
estética de pensar a arte como uma saída para a transformação de
nossas sociedades.
Como Pacheco deixa claro em seu ensaio “Nota sobre la otra
vanguardia” (1971), cabe, ao processo de escritura, preencher os
espaços vazios na mente e na vida do indivíduo. Um leitor atento
15
“Su conciencia de la necesidad de construir una muralla contra la violencia y la
destrucción, lo ha convertido en un defensor de los valores más importantes del ser
humano. José Emilio Pacheco es un humanista siempre dispuesto a defender con su
palabra
las
mejores
causas
de
México
y
del
mundo”.
In:
<www.letralia.com/97/notic097.htm>. Último acesso em: 25 dez. 2009. [Tradução nossa].
16
A ética da escritura adotada por Pacheco pode ter uma explicação familiar, mais
especificamente em seu pai, José María Pacheco. Seu pai, um general do Ministério
Público Militar, recusa-se a redigir e assinar uma ata contrária aos ideais do grupo de
civis a que pertencia e representava. O presidente Plutarco Elías Calles e o secretário de
Guerra, Joaquín Amaro, intimidaram-no a escrever, caso contrário, o fuzilariam. María
Pacheco preferiu cumprir com seus princípios, mas acabou pagando com a vida. Calles
foi presidente no México no período de 1924 a 1928 e fundador do Partido Nacional
Republicano (PNR) antecessor do Partido Revolucionário Institucional (PRI). A autoria de
outros assassinatos desta época também é atribuída a Calles, inclusive, a do presidente
antecessor, Álvaro Obregón, em 1928, ano em que ele assumiria novamente à
presidência do país. Pensamos que Pacheco possa ter se valido desse exemplo de
heroísmo paterno para assumir um tom ético e provocador em seus textos. O tom
melancólico de seu discurso explica-se pela falta de idealismos e heroísmos na
sociedade. Sua obra resume-se numa poética da desolação, restando, somente, o
pessimismo diante da barbárie humana.
39
reconhece, nesse pensamento do autor, certa leitura de Octavio Paz.
Pacheco (1966) expressou publicamente sua dívida ao mestre:
Mi deuda hacia Paz no tiene término y crece a cada nuevo libro
que publica. Su poesía y su prosa han hecho que comience el
descubrimiento de lo que quiero decir; me han iluminado, para
decirlo con una palabra que le es grata.
A partir da amizade e das trocas intelectuais entre Pacheco e Paz,
escritores de gerações diferentes, o escritor Castañón ressaltou, entre
eles, uma visível semelhança no que diz respeito à trajetória e ao estilo
literários:
Emilio é um homem das letras, que desenvolveu não somente
o romance e a poesia, mas também o conto, o ensaio, a
vinheta, o teatro, a tradução e inclusive o aforismo. Em sua
obra, igual à de Paz, existe uma clara relação da consciência
ética com a estética. Também existe, em seus textos, um
ouvido atento, assim como uma espontaneidade e valor para
17
lançar a moeda da palavra no ar .
Pelas palavras de Castañón, podemos entender que tanto Pacheco
como Paz consideram a prática da poesia como uma força que pode ir
além de si mesma e ultrapassar uma simples reflexão teórica em direção
a um entendimento do mundo. Essa preocupação ética relacionada à
estética de sua voz poética dá-se em Pacheco por sua maneira de
empregar a palavra, de modo que, ao lê-las, compreendemos as
características do escritor, como, principalmente, as muitas leituras
realizadas por ele no seu processo de autoconhecimento.
Ainda em 2003, Pacheco recebe o Premio Iberoamericano de
Poesía Ramón López Velarde, da Universidad Autónoma de Zacatecas e
o Premio Internacional Alfonso Reyes pelo reconhecimento ao seu papel
de grande difusor da cultura latino-americana no estrangeiro. O poeta
mexicano
Alí
Chumacero,
presidente
da
Sociedade
Alfonsina
Internacional, encontra, na poética de Pacheco, um predomínio de formas
17
“Emilio es un hombre de letras que ha desarrollado no sólo la novela y la poesía, sino
el cuento, el ensayo, la viñeta, el teatro, la traducción e incluso el aforismo. En su obra,
al igual que en la de Paz, hay una clara relación de la conciencia ética con la estética.
También existe en sus textos un oído feliz, así como una espontaneidad y valor para
lanzar
la
moneda
de
la
palabra
al
aire”.
In:
<www.conaculta.gob.mx/saladeprensa/2003/28jul/pacheco.htm>. Último acesso em: 20
dez. 2009. [Tradução nossa].
40
clássicas e modernas, capazes de evidenciar a profunda paixão por
literatura e uma vida dedicada às letras.
Em outubro de 2004, o poeta recebeu o Premio Iberoamericano de
Letras José Donoso por seu destaque como um dos escritores mais
significativos da língua espanhola. Também, em julho do mesmo ano, o
poeta recebeu das mãos do presidente chileno Ricardo Lagos o Premio
Iberoamericano de Poesía Pablo Neruda, entregue pela primeira vez em
comemoração ao centenário de nascimento do poeta chileno e Prêmio
Nobel de Literatura.
Segundo as palavras do presidente chileno:
O prêmio a Pacheco é um reconhecimento a sua
extraordinária competência técnica e capacidade para
dialogar com as formas mais vitais da literatura
contemporânea.
[...]
José Emilio Pacheco é um poeta tão universal como
mexicano, e por sua vez latino-americano. Sua poesia
indaga no passado e no presente. Resgata a memória
dos poetas maias e, através deles, nos mostra, sob outra
luz, uma luz reveladora que tem relação com a história
18
de nosso continente .
Por meio das palavras de Lagos, percebemos quanto é importante
a capacidade de Pacheco em dialogar com demais autores da Literatura
em língua castelhana. Esse prêmio revela o reconhecimento ao difícil
trabalho do escritor em usar a palavra como ferramenta e verbo para
repassar suas ideologias e sensações.
Pacheco foi professor catedrático em várias universidades do
México, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Participa como pesquisador
do Centro de Estudos Históricos do Instituto Nacional de Antropologia e
História (INAH) sobre aspectos da cultura nacional e temas relacionados
à arte da poesia popular mexicana. É especialista em Literatura Mexicana
do século XIX, e é membro, desde 1986, de El Colegio Nacional de
México, onde, desde jovem, foi preparado para dialogar com a história
literária mexicana.
18
Disponível em: <www.conaculta.gob.mx/saladeprensa/2003/28jul/pacheco.htm>.
Último acesso em 26. Set. 2010.
41
Ao pensar a trajetória de Pacheco, Roberto Fernández Retamar19
analisa que o escritor não estabeleceu raízes mais fortes em nenhum
movimento dos diversos caminhos literários. O crítico cubano observa que
esses ajudaram a Pacheco a vivenciar novas experiências e, portanto,
nos afirma que a América Hispânica faz-se em conjunto. Não há como
renegar totalmente certas tradições anteriores, já que cada indivíduo é um
resultado de diversas leituras e, a partir dessas, constrói seu pensamento
e se expõe ao mundo.
Uma prova da união de correntes opostas evidencia-se na
antologia mexicana — da qual Pacheco contribui com sua voz poética —
Poesía en Movimiento. México 1915-1966. Nessa, Octavio Paz reforça,
por meio de seu prólogo, que a união de diferentes gerações só contribui
para uma atitude renovadora no campo das Letras Mexicanas. Paz expõe
a junção dos movimentos Estridentista e Contemporáneos, como
correntes poéticas dos anos 40 e 50, e como representação da poética
dos anos 60; mostra-nos a corrente cultista, e por outro lado, a
sentimental.
Essa antologia publicada em 1966 revela esse novo olhar sobre a
poesia mexicana, uma poesia que respeita o jogo de diversas linguagens
na busca de uma maior exaltação do estilo e temáticas a serem
abordadas.
Ao analisar a produção de Pacheco, percebemos algumas
características
de
estilo,
que
nos
fazem
identificar
diversos
representantes da literatura contemporânea mexicana, como também
autores fora do âmbito de seu país. Pacheco reconhece, em sua poética,
a influência de inúmeras correntes:
La historia literaria se escribe en términos militares. Se habla
mucho de las pugnas intergeneracionales, en todo caso no
menos agudas que los conflictos en el interior de un mismo
grupo de edad. Todo ello existe y sería vano negarlo. Pero
igualmente cierto es que nadie trabaja aislado: debe tanto a los
poetas que lo precedieron como a sus contemporáneos y a los
que vienen después. Son muchos aquellos y aquellas de
quienes he aprendido y continúo aprendiendo. Me duele no
19
FERNÁNDEZ RETAMAR, Roberto. “Prólogo”. In: PACHECO, José Emilio. Antologia:
Fin de siglo y otros poemas. Cuba; La Habana: Casa de las Américas, 1987, p.7-10.
42
expresarles mi agradecimiento en esta página (FERNÁNDEZ
RETAMAR, p. 9).
Por suas palavras, notamos claramente a idéia de que não há
divisões ao se pensar em Literatura, não podemos negar a contribuição
de outros pensadores, principalmente na construção do saber, em que há
o compromisso e o desejo de cada um em retratar, de modo mais fiel, a
complexa sociedade de seu país.
Em 2005, Pacheco obteve o Premio Internacional de Poesía
Federico García Lorca, pelo Ayuntamiento de Granada. No ano de 200920,
ao cumprir 70 anos de idade, o escritor novamente é premiado com o
Reina Sofía de Poesía Iberoamericana21, da Universidad de Salamanca e,
em dezembro desse ano, recebe o maior reconhecimento das Letras
Hispânicas, o Premio de Literatura en Lengua Castellana Miguel de
Cervantes22, do Ministério de Cultura da Espanha, já recebido por
20
Nesse mesmo ano, Pacheco recebe o segundo título de Doctor Honoris Causa
outorgado pela Universidad Autónoma de Nuevo León (UANL). A editora Fondo de
Cultura Económica (FCE) organiza em sua homenagem a exposição “El tiempo que
pasa. José Emilio Pacheco. 70 años”, com a assessoria de uma de suas filhas, na
livraria Rosario Castellanos, na Cidade do México. A mostra reuniu fotos, textos, cartas e
livros do autor de diferentes edições.
21
Em seu discurso, Pacheco reafirma um pensamento latente em toda sua obra: o
reconhecimento pelos escritores precedentes. Ele mesmo expressa: “No soy sino un
eslabón muy pequeño, un eslabón más, de la cadena que empezó hace mil años y que
quizá no termine nunca”. O autor destaca ainda, em seu discurso, a fome, as injustiças
sociais e a violência em todo o planeta, em especial em seu país. Ao ser questionado
sobre o futuro, o escritor expõe: “[...] No tengo ninguna ilusión ni esperanza de
supervivencia y esto me parece un destino deseable […] Sólo se me ocurre que
escribimos poesía porque es una forma de resistencia contra la barbarie”. Nesse
momento, destaca as imagens do caos do ano de 2009: “[…] En el tiempo de todas las
crisis y todas las desgracias, del virus al incendio – iba a decir el crimen – de la
guardería de Hermosillo, del desastre económico, de las batallas en Acapulco”. Pacheco
afirmou que seu país viveu, no ano de 2009, uma situação muito próxima a “de película
más parecida al Apocalipsis con todos los restaurantes, cines y comercios cerrados”.
(MONTAÑOS GARFIAS, 2009).
22
Em seu discurso oficial de recebimento do Prêmio Cervantes, Pacheco (2009c)
resgata o momento de sua aproximação, ainda criança, ao universo quixotesco. O autor
relata a descoberta de outra realidade, chamada de ficção, a partir do momento em que
assiste a uma apresentação teatral de El Quijote, no Palacio de Bellas Artes, adaptada e
dirigida pelo escritor mexicano Salvador Novo. Novo pertenceu a La Generación de los
Contemporáneos, um grupo literário equivalente a Generación del 27, da Espanha. As
palavras de Pacheco demonstram seu encanto e entusiasmo diante dessa nova
realidade: “Me es revelado también que mi habla de todos los días, la lengua en que nací
y constituye mi única riqueza, puede ser para quien sepa emplearla algo semejante a la
música del espectáculo, los colores de la ropa y de las casas que iluminan el escenario
[…] He entrado sin saberlo en lo que Carlos Fuentes define como el territorio de La
Mancha. Ya nunca voy a abandonarlo”. Pacheco identifica em El Quijote a carga de
sofrimentos vivida por Cervantes quando menciona: “No hay en la literatura española
una vida más llena de humillaciones y fracasos. Se dirá que gracias a esto hizo su obra
maestra. El Quijote es muchas cosas pero es también la venganza contra todo lo que
43
grandes nomes da literatura hispano-americana, entre eles, citamos
Octavio Paz, Juan Rulfo, Carlos Fuentes, Dulce María Loynaz, Juan
Gelman23 e outros. Ao tomar conhecimento da premiação24 deste último,
Pacheco relata “Quiero dejar claro que este premio es para toda la
literatura mexicana, que no sale mucho de nuestras fronteras”.
Quando questionado sobre sua obra, o escritor afirma:
Escribo sobre lo que veo y lo que veo no es para sentirse
optimista. Ahora hay un nuevo matiz que no existía antes, una
crueldad nueva […] Ahora aparecen los niños quemados vivos
o un hombre decapitado al que le sacan los ojos, es mostruoso.
Es de una impotencia terrible, yo creo que no soy pesimista,
25
que con los seres humanos me quedé corto .
Suas palavras expressam nitidamente o sentimento de medo e de
destruição vivenciado pela sociedade mexicana nos últimos anos,
situação essa aproveitada pelo escritor para a construção do seu
processo de criação literária.
Cervantes sufrió hasta el último día de su existencia […] Me parece muy triste cuanto le
sucede. Nadie puede sacarme de esta visión doliente”.
23
Juan Gelman define Pacheco como “un poeta excepcional de la vida cotidiana [...] por
su capacidad de crear un mundo propio y el distanciamiento irónico de la realidad […] es
una figura intelectual que no se repite mucho en América Latina, porque a sus dotes de
poeta une las de narrador, crítico y periodista, todo eso sostenido por una cultura enorme
y afinada” (FRIERA, 2009). No poema “Contraelegía” (PACHECO, 1987, p. 113), os
versos de Pacheco possibilitam o nosso entendimento desse espaço poético particular
aludido por Gelman: “Mi único tema es lo que ya no está. / Sólo parezco hablar de lo
perdido. / Mi punzante estribillo es nunca más”.
24
Pacheco (2009c) descreve em seu discurso esse momento: “Al amanecer del lunes 30
la voz de la Señora Ministra de Cultura, Doña Ángeles González Sinde, me dio la noticia
y me hundió en una irrealidad quijotesca de la que aún no despierto”.
25
Disponível em: <www.elpais.com>. Último acesso em: 01 dez. 2009.
44
I.
O CONTO E A POESIA: CAMINHOS FRONTEIRIÇOS DA ARTE
DE LER O MUNDO
El escritor debe utilizar palabras exactas, precisas,
efectivas, que signifiquen exactamente lo que se quiere
decir. Conseguir contar una historia con tan pocas palabras
es una labor de expertos, de conocedores del lenguaje, de
rigor extremo en el uso de las palabras.
Violeta Rojo (1997, p. 525)
Acredito que há duas formas de fazer literatura: há os que
contam uma história e há os que escrevem uma história.
Ambas as formas são válidas e produzem excelente
literatura (só a título de exemplo), Érico Veríssimo e
Guimarães Rosa; Hemingway e Faulkner; Dickens e Joyce,
Balzac e Proust). Para mim, a linguagem é fundamental,
pois todas as histórias já foram contadas. O que as
diferencia é a maneira de contar.
Luiz Ruffato (2007)
Nesta seção, não é nosso objetivo aprofundar e direcionar a
pesquisa para o caminho percorrido pela poesia e pela prosa (contística)
no cenário latino-americano, ou ainda, no México, mas sim permitir que o
leitor
compreenda
que
são
questões
amplamente
discutidas
e
problematizadas desde os estudos da antiguidade clássica e que
ganharam novas leituras e suposições no decorrer do tempo.
Neste estudo, esperamos direcionar nossa discussão para o
desenvolvimento e o andamento desses gêneros na vida literária de
Pacheco ao tempo que para o escritor os mesmos são bastante
fronteiriços. Sabemos o quão amplas são as discussões que envolvem a
poesia e o conto, porém nosso recorte buscou pontuar os elementos
necessários
para
pensá-los
e
argumentá-los
dentro
do
corpus
selecionado para esta tese. A busca de uma linguagem específica é uma
necessidade intrínseca a cada escritor.
O ato de escritura para Pacheco compreende um retorno constante
ao já dito, mas essa linguagem recebe novos contornos e sentidos com a
classificação polêmica dos textos em modelos pré-estabelecidos e
reconhecidos pela crítica na produção do escritor mexicano, entre eles,
45
citamos: o poema em prosa, o miniconto, a minificção, a novela corta26 e
outros.
Os primeiros indícios de uma divisão da literatura em gêneros, tais
como o épico, o lírico e o dramático, encontram-se nos estudos do filósofo
grego Platão, já Aristóteles estabelece um estudo sistemático dos
gêneros e tipologias em sua Poética. Apesar disso, a teoria clássica dos
gêneros muito simplificava o ato de criação e a classificação dos demais
textos, pois, a título de exemplificação, textos da literatura oriental e
ocidental, como o ensaio e o romance, não encontravam denominação.
Tal formalização foi moldando-se e completando-se no decorrer dos
séculos e recebendo críticas daqueles que não compactuavam com a
idéia da existência dos gêneros.
Para exemplificar algumas dessas visões díspares em relação à
configuração e à materialidade dos textos, citamos os preceptores do
Renascimento italiano, do Classicismo francês e do Cientificismo do
século XIX, cujo pensamento mostrava que cabia, aos gêneros, conduzir
o trabalho de criação literária do artista. As leis e os dogmas dos mesmos
ditavam as sanções e os caminhos a serem seguidos pelo escritor.
Do outro lado, destacamos o posicionamento do filósofo e
historiador italiano Benedetto Croce, contrário à posição dos preceptores,
que defendia a obra literária como mostra de expressão individual do seu
criador. Para Croce, os gêneros não existem e não podemos deduzi-los
no trabalho de criação artística. Ele acrescenta, ainda, que ao limitar a
obra literária à noção do gênero, estamos abandonando a estética em
detrimento da lógica (apud ANDERSON IMBERT, 1997).
26
Optamos, neste estudo, por manter a denominação em espanhol, pelo menos nessa
primeira parte, por acreditar que a tradução descaracterizaria esse gênero tão peculiar.
Segundo Anderson Imbert (1997, p. 355), “a veces nos sobran palabras para designar la
misma forma; a veces, por el contrario, nos encontramos con que una forma ha quedado
sin bautizo. En este caso uno se siente tentado de traducir o de adoptar los términos
más adecuados de lenguas extranjeras […] No siempre se acierta porque el sistema de
clasificar que determinada lengua ha hecho posible no puede saquearse: un término está
en función de otro y tomarlo sin tener en cuenta el sistema es desvirtuar su significación”.
Como exemplo para ilustrar essa transposição na tradução dos termos, podemos citar o
nome “romanz” ou “romance”, empregado pelos países de origem latina. Ao se
separarem em línguas nacionais, o francês adota os termos como referência às
narrações em prosa, mas o espanhol no sentido de composições épico-líricas.
46
Acreditamos que não se pode negar a existência e a classificação
das inúmeras obras existentes em gêneros. Não podemos questionar sua
presença histórica, mas sim seu valor como categoria estética. Afinal,
conseguimos extrair características comuns e construímos sentidos para
essas práticas em sociedade. Conforme o escritor e ensaísta argentino
Anderson Imbert (1997, p. 353), os gêneros:
[...] são esquemas mentais, conceitos de validez histórica que, bem
usados, educam o sentido da ordem e da tradição e, portanto podem
guiar ao crítico e, ainda, ao escritor. Ao crítico porque, interessado em
descrever a estrutura do gênero, fabrica uma terminologia que logo lhe
serve para analisar a obra individual. Ao escritor porque, aceite ou não o
convite que recebe de um gênero, se faz consciente do culto social a
certas formas. Digo “convite” porque o gênero, ainda que olhe para atrás,
em direção às obras do passado, também olha para frente, em direção
às obras do futuro, e o escritor deve decidir pela forma que dará aos
seus escritos, forma que repetirá características semelhantes às das
27
obras tradicionais ou, ao contrário, oferecerá traços diferentes .
A citação anterior resume, de modo significativo, a visão dos
gêneros como algo que foi se construindo na história, recebendo sentido
na análise detalhada de críticos e sendo remodelada a cada dia que
passa no trabalho de escritores e intelectuais. No entanto, somos capazes
de captar que algo é certo, o trabalho do escritor com a linguagem
continua sendo livre e isso é corroborado pela proliferação de gêneros
que surgem e por outros constantemente reformulados. Anderson Imbert
(1997, p. 353) afirma que já está comprovado pela crítica que uma obra
considerada importante não pertence a um gênero, mas sim, no mínimo,
a dois deles: “ao gênero cujas normas acaba de transgredir e ao que está
fundando com novas formas”28.
O poeta ou o contista escreve livremente seu texto, dentro do
amplo universo do gênero escolhido, que acaba diferenciando-se dos
demais por conta das marcas individuais inseridas por cada autor em sua
27
“Son esquemas mentales, conceptos de validez histórica que, bien usados, educan el
sentido del orden y de la tradición y por tanto pueden guiar al crítico y aun al escritor. Al
crítico porque, interesado en describir la estructura de un género, el crítico se fabrica una
terminología que luego le sirve para analizar una obra individual. Al escritor porque,
acepte o no la invitación que recibe de un género, se hace consciente del culto social a
ciertas formas. Digo ‘invitación’ porque el género, aunque mira para atrás, hacia obras
del pasado, también mira para adelante, hacia obras futuras, y el escritor tiene que
decidirse por la forma que ha de dar a lo que escriba; forma que repetirá rasgos
semejantes a los de obras tradicionales o, al revés, ofrecerá rasgos desemejantes”
[Tradução nossa].
28
“Al género cuyas normas acaba de transgredir y al género que está fundando con
nuevas formas” [Tradução nossa].
47
libertária tarefa de criação. O trabalho do intelectual não se resume em
continuar certa tradição do passado, mas sim escrever o que lhe
proporciona prazer, independente da forma escolhida. A liberdade
inerente ao ato de criação literária permite romper a realidade cotidiana e,
inclusive, o universo das convenções literárias.
Na literatura de Pacheco, o processo de criação artística passa
também pela divisão entre a literatura e o real. O escritor interessa-se
pelo real histórico e físico do homem (sons, cores, cheiros, percepções) e
ambos constituem o real simbólico, em que os sentimentos, os desejos,
as angústias, as culpas, as vinganças, os medos e os remorsos do sujeito
se transformam em linguagem literária. Por isso, sua literatura apresentase de modo tão verídico, apesar de ser um texto ficcional. Entre a
realidade e a ficção, Pacheco extrai as imagens e as ferramentas
necessárias para abordar os dilemas da vida moderna no espaço da
urbe29.
Nossas pesquisas revelam que, desde a antiguidade clássica, a
tríade lírica-drama-épica mostra-se como insuficiente para classificar a
produção literária. Porém, a idéia de classificações incompletas ou que se
encaixem num modelo pré-estabelecido são constantes também em pleno
século XXI. A todo momento, um escritor (re)cria novas possibilidades de
significação para conceitos tradicionais já fixados, obrigando, dessa
forma, à devida revisão dos gêneros. A visão de gêneros neutros faz-se
difícil, pois, segundo o escritor Anderson Imbert (1997, p. 356),
Os gêneros são classes que têm sob si outros gêneros ou espécies, e as
espécies são classes que apresentam subespécies ou indivíduos.
Gêneros, subgêneros, espécies e subespécies podem, como os círculos,
serem tangenciais entre si, por fora e por dentro, e também podem se
30
cruzar fazendo coincidir certas áreas .
29
[urbe]: origina-se da palavra latina urbs. Desse nome provém o nome dado aos
espaços internos da grande urbe: os subúrbios. Tanto a polis de Homero como a urbs de
Cícero se formam com entidades altamente racionalizadas e com fins específicos. A
polis é a cidade Estado dos gregos, cuja forma de vida urbana lhes era própria, suas
principais características eram o tamanho reduzido, sua homogeneidade social, sua
autonomia política, o respeito à lei e o sentido de comunidade. Em todos os lugares e
épocas, as cidades denotam características dos indivíduos que a constroem e ocupam.
30
“Los géneros son clases que tienen bajo sí otros géneros o especies, y las especies
son clases que bajo sí tienen subespecies o individuos. Géneros, subgéneros, especies
y subespecies pueden, como los círculos, ser tangenciales entre sí, por fuera y por
dentro, y también pueden intersecarse haciendo coincidir ciertas áreas” [Tradução
nossa]
48
Suas palavras revelam nitidamente a presença de classes menores
em maiores ou vice-versa, constituindo o que denominamos de gêneros
fronteiriços ou limítrofes, cuja (re) classificação se dá, principalmente, pela
forma e pelos conteúdos empregados.
Precisamos ter em mente que a classificação atribuída pelos
teóricos da literatura sobre certo gênero baseia-se na análise e na
suposição de certos traços em obras afins. Ao mesmo tempo em que
essa formulação surge para a padronização de futuras obras, as teorias
são passíveis de erro e de constantes correções, por conta do já
enunciado anteriormente.
49
1.1.
O conto hispano-americano: a busca por um conceito
Suelo sostener que el cuento es un género indefinible, porque si se
lo define encorseta, se lo endurece. Prefiero pensar al cuento como
un camino que se hace sin cesar, una acción perpetua de los seres
humanos.
Mempo Giardinelli (1998)
Uso la palabra ‘cuento’ entre comillas, ya que no sé si lo es o qué
es, pero, en fin, el tema de los géneros es lo de menos (…) Los
textos pueden no ser distintos pero cambian según el lector, según
la expectativa.
Jorge Luis Borges (1997, p. 440)
La minificción es la gracia de la literatura.
Edmundo Valadés (1990, p. 289)
A palavra conto, etimologicamente, deriva do termo ‘contar’ (do
latim computus, derivado do verbo computare), cujo significado caminha
em dois sentidos, um deles, o de contar um fato e o outro se prende ao
sentido numérico, o qual sinaliza a necessidade de precisão assumida
pelo contista em seu ofício. Pesquisas comprovam que a palavra ‘contar’
na acepção de narrar fatos populares data de mais tempo se
comparamos a outro significado atribuído ao vocábulo (ANDERSON
IMBERT, 1997).
O gênero conto assume um mosaico de conotações entre os mais
diferentes escritores e críticos. Compreende-se como conto uma narrativa
falada ou escrita, curta ou de extensão moderada, fantástica ou não, uma
pequena história, ou ainda, uma carta, uma crônica de viagem, uma
descrição de sonho e as narrativas medievais, como a fábula31, os
bestiários32, a epopéia, o provérbio, os apólogos, os exemplos, a lenda e
31
A fábula possui uma rica tradição na América Hispânica, em particular, a escritura de
fábulas com intenção política no interior das comunidades indígenas no período colonial
e até as últimas décadas do século XIX. Também as pré-colombianas que são
moralizantes ou fazem parte do imaginário desses povos.
32
A América Hispânica também conta com uma riqueza de bestiários fantásticos,
inclusive seres mágicos e sobrenaturais ganham forçam através da publicação de três
obras: Manual de zoologia fantástica (1954), de Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero;
Bestiario (1959), de Juan José Arreola e Los animales prodigiosos (1989), de René
50
todos outros cujas palavras sinalizavam um aspecto didático do gênero.
No decorrer dos tempos, alguns desses termos desapareceram, se
transformaram e configuraram formas específicas constituindo novos
gêneros. É importante ressaltarmos que, segundo o crítico Baquero
Goyanes (1997, p. 186), um dos nomes mais proeminentes dos estudos
sobre narrativa de língua espanhola, a confusão genérica proporcionada
pela aparição do conto tem sua origem no Romantismo, pois segundo ele:
Diante da doutrina neoclássica – que tanta vigência e força teve no
século XVIII – da pureza e incomunicabilidade dos gêneros literários –
cada um deles pulcramente separado, tachado, determinado –, a
sensibilidade romântica prefere mesclar, confundir, apagar os limites e
33
criar novas e complexas formas .
Suas palavras revelam nitidamente como se deu a mescla entre a
prosa e o verso, o narrativo e o lírico, o cômico e o trágico, o filosófico e o
humorístico. Portanto, na primeira metade do século XIX, surgem
diferentes espécies narrativas nem sempre identificáveis, mas com um
denominador comum, o de serem relatos breves em prosa.
Vale a pena ressaltar que os que proliferaram na época romântica
nem sempre foram apresentados em prosa, como por exemplo, as
fábulas34, que, a partir de La Fontaine, empregam o verso como elemento
narrativo. Na época romântica, o verso e a prosa surgem lado a lado, com
maior profusão para o último, nos gêneros já mencionados no início deste
sub-capítulo. Normalmente, os escritores românticos destinavam o verso
Avilés Fabila. No México, em 1995, publicam-se uma antologia com diversos materiais e
textos sobre esta natureza e o primeiro dicionário do tema em América. São eles: El
Bestiario de Indias del Muy Reverendo Fray Rodrigo de Macuspana, compilado por
Miguel Angel de Urdapilleta e Diccionario de bestias mágicas y seres sobrenaturales de
América, compilado por Raúl Aceves. Pacheco reconhece a importância de Arreola em
seu fazer literário quando expressa: “debo decir que fui muy cercano a Juan José
Arreola. Estuve con él y fui su amanuense, me dictó su libro Bestiario. Como él tenía que
entregar ese texto y se enfrentaba a algunos problemas de diversa índole, le dije:
acuéstese, me dicta, lo tomo a mano, lo paso a máquina y usted corrige. Así fue. Lo
único que le reprocho a Arreola es que él, que corrigió a todo el mundo, no me quiso
corregir a mí, bajo el argumento de que así estaba bien mi trabajo” (GUEMES, 2000).
33
“Frente a la doctrina neoclásica – que tanta vigencia y fuerza tuvo en el siglo XVIIII –
de la pureza e incomunicabilidad de los géneros literarios – cada uno de ellos
pulcramente separado, encasillado, determinado –, la sensibilidad romántica prefiere
mezclar, confundir, borrar límites y crear nuevas y complejas formas” [Tradução nossa].
34
Segundo Giardinelli (1998), Borges será o grande nome do continente americano ao
reelaborar mitos, histórias e lendas, ou seja, mesclar a realidade com a ficção.
51
para as narrações históricas, legendárias ou fantásticas e a prosa para as
de ambiente contemporâneo e teor realista35.
No Renascimento, a palavra conto começa a ganhar maior
aceitação, porém a ‘novela’36 e outros termos também são bastante
empregados. Para os renascentistas, o ‘conto’ fazia referência a formas
simples (chistes, anécdotas, refranes explicativos) e já alertava para uma
classificação ampla, incluindo outras denominações na compreensão de
seu sentido, e, ainda, narrativas orais, populares e de fantasia.
Após o Renascimento, Miguel de Cervantes, por exemplo, em Don
Quijote de la Mancha, empregava ‘novela’ para narrações escritas e
literárias, já o ‘conto’ aparecia no interior da trama principal e se constituía
de narrações orais. O autor estabelece diferença entre os termos não
somente pela extensão dos escritos, mas também no modo de narrar.
Já nas Novelas Ejemplares (1613), Cervantes tece histórias mais
extensas que os denominados contos, todavia breves, se comparadas a
outras narrativas. Na atualidade, essas já são chamadas de novelas
cortas se diferenciadas de outras narrativas mais extensas (novelas) e
mais curtas.
Adiante, comentamos sobre cada um desses gêneros com a
preocupação de esclarecer, para o leitor, as possíveis diferenças entre
eles com o fim de compreender o universo de formas e possibilidades que
contornam o artista em seu trabalho de representar o mundo.
O conto apresenta uma destacada importância na literatura
hispano-americana, pois aparece desde as primeiras representações dos
indígenas, como meio de revelar a alma do povo e, algumas vezes, acaba
assumindo um papel ensaístico. Muitas são as vertentes que tentam
explicar sua origem e perpetuação ao longo da história. Para alguns
teóricos, o conto seria como um sopro, um texto de temática sintética. Em
35
Como exposto, cabe advertir que a opção temática aliada a um maior número de
contos em prosa por parte dos escritores românticos evidenciou a forma moderna do
gênero, comprovando a quase inexistência do conto em verso (GOYANES BAQUERO,
1997, p. 187).
36
O termo italiano ‘novella’ designava diminutivo. Talvez por esse motivo, Cervantes o
tenha utilizado para se referir às suas narrações curtas.
52
contrapartida, muitos afirmam que sua extensão é variada, dependendo
somente da imaginação de seu criador que pode, através do dom da
palavra, criar textos como, por exemplo, de uma única página.
Outros, ainda, defendem a idéia do conto como um simples relato
baseado na tradição oral dos povos pré-colombianos, cujas histórias eram
transmitidas de geração em geração, dando, ao conto, conforme o crítico
paraguaio Marini Palmieri (2002, p. 12), certa realidade lendária mesclada
a uma intencionalidade mágica por parte do enunciador.
Algumas fábulas da tradição oral decorrem da imaginação popular
como modo de expressão de sensações e emoções da alma por meio do
uso de imagens e símbolos. Fincam suas raízes nas culturas ancestrais e
conservam a memória coletiva e a sabedoria popular. As culturas précolombianas mostraram que, desde tempos remotos, o homem usou
símbolos ou relatos orais para defender seus interesses, ressaltar suas
virtudes e questionar os poderes da dominação.
A América Hispânica é uma terra rica em tradições e lendas
advindas das culturas pré-colombianas que se fundem às da colônia. As
narrações orais foram transmitidas de geração em geração até mesmo
quando aparecem os primeiros compiladores da colônia, que perpetuam
nos livros impressos da época a rica tradição popular e, portanto, a
memória coletiva dos povos ágrafos. Não se sabe o momento exato em
que as narrações orais, normalmente fábulas, começaram a ser
transmitidas. Também os escravos africanos, levados como mercadoria
humana por Hernán Cortés e Francisco Pizarro, propagaram suas fábulas
entre os indígenas e, esses, com o passar do tempo, impregnaram as
mesmas com o folclore e o vocabulário típico. Desse modo, as fábulas, os
mitos, os contos e as lendas sobre a criação do universo e do homem
provem da tradição oral e constituem a base das culturas préhispânicas37.
37
Sugerimos sobre esse assunto, a leitura do estudo de Montoya (2007). O escritor
boliviano trata de alguns mitos da tradição oral latino-americana. Não podemos ignorar
para a compreensão dessa tradição que há histórias, lendas e danças de origem
medieval trazidas pelos europeus. O pesquisador afirma que a tradição européia de
fantasmas, bruxas e duendes se mesclam com a africana e a indígena, repleta de
53
O conto como autêntico relato de caráter literário começará tempos
mais tarde com o Romantismo. A seguir, trazemos, à discussão, o olhar
de alguns estudiosos do tema, de forma a contribuir com nossas
concepções sobre o gênero. Porém, como está expresso no título desta
seção do estudo, compreendemos o conto como uma forma de expressão
com múltiplos conceitos, principalmente analisando-o com nosso olhar de
sujeitos fragmentados (BAUMAN, 2005). Acreditamos que existam
tentativas de defini-lo a partir de um parâmetro estético/ formal, mas não
em relação a seu conteúdo/ sua mensagem. Nossa opinião é reforçada
por grande parte daqueles que teorizam sobre o conto e o escrevem.
Passamos a revisitá-los.
Para Anderson Imbert (1999, p. 39), o conto é qualquer narração
que decidimos nomear como tal. Para o pesquisador, só saberemos
definir, ao certo, o gênero após delimitar seus componentes:
O conto vem a ser uma narração breve, em prosa, que, por muito que se
apóie numa real sucessão, revela sempre a imaginação de um narrador
individual. A ação – cujos agentes são homens, animais humanizados ou
coisas animadas – consta de uma série de acontecimentos entretidos
numa trama onde as tensões e distensões, graduadas para manter em
suspense o ânimo do leitor, terminam por resolver num final
38
esteticamente satisfatório .
No
decorrer
de
sua
características do romance39.
existência,
o
conto
adota
algumas
No século XIX, os romances eram
desmembrados e publicados com várias tramas narrativas em folhetins,
periódicos e revistas; ocasionando um interesse maior pela leitura e
produção do autor, já que seu texto poderia ser publicado sucessivamente
em distintos meios40.
espíritos da água, das selvas e dos montes. Porém, antes mesmo da conquista, alguns
contos de espanto já eram difundidos de geração em geração.
38
“El cuento vendría a ser una narración breve en prosa que, por mucho que se apoye
en un suceder real, revela siempre la imaginación de un narrador individual. La acción –
cuyos agentes son hombres, animales humanizados o cosas animadas – consta de una
serie de acontecimientos entretejidos en una trama donde las tensiones y distensiones,
graduadas para mantenerse en suspenso el ánimo del lector, terminan por resolverse en
un desenlace estéticamente satisfactorio.” [Tradução nossa]
39
Alguns críticos como Fuente & Casado (1995) defendem o conto como um laboratório
na vida de muitos escritores consagrados pelo romance do século XX. O conto
proporcionaria uma espécie de experimentação pessoal e espaço de exercício de
escritura pessoal.
40
Na opinião de Giardinelli (1998), o espaço disponível nesses meios acabou sendo
favorável e fortalecendo o gênero nas Américas, porque publicar romances exigia a
54
A história do conto hispano-americano se vê muito imbuída no
futuro do homem americano, na sua condição como ser físico e social,
principalmente, no modo de expor sua realidade: objetiva ou subjetiva,
utópica ou realista, otimista ou pessimista, o indivíduo sempre esteve
como figura central no olhar do contista. Na atualidade, o escritor contribui
em seu jogo de palavras para enlaçar o compromisso moral e político à
fantasia. Nunca podemos esquecer sua responsabilidade perante o
coletivo.
Segundo Marini Palmieri (2002, p. 12), El Matadero (escrito entre
1838-1840), do escritor argentino Esteban Echeverría Espinosa, pode ser
considerado como o primeiro conto escrito das Letras americanas,
principalmente, após ser publicado na Revista del Río de la Plata, em
1871. O fato de ser considerado o primeiro conto americano encontra-se
na forma breve de transmitir símbolos e imagens desse indivíduo
ameríndio que, até aquele momento, só aparecia em forma de versos.
Para o ensaísta guatemalteco Enrique Gómez Carrillo, a arte em prosa
introduzida por Echeverría é uma novidade e um desafio, pois para o
escritor guatemalteco:
A arte, que em poesia é tão antiga como o mundo, em prosa, é uma
conquista recente. Lavrar a frase da mesma forma que se lavra o metal,
dar a ele ritmo como a uma estrofe, retorcer nem mais nem menos como
41
um encaixe, juro que nenhum avô fez isso .
Echeverría trata de revelar o poder da imaginação e do instinto na leitura
do universo ao ser redor, lendo-o como um caos que se faz necessário
ordenar.
Podemos considerar a narração de Echeverría como o ponto de
origem de todas as correntes posteriores. O escritor romântico rompe com
o padrão social e político ao destruir lendas de sua época e ao ser capaz
de denunciar a situação histórica argentina como a ditadura de Juan
Manuel Ortiz de Rosas (1793-1877).
necessidade de uma capacidade industrial maior, porém, naquele momento, ainda era
insuficiente, bem como a distribuição insipiente em livrarias. Por isso, acreditamos que
as revistas foram pioneiras e um importante vínculo entre o público e o escritor.
41
GÓMEZ CARRILLO apud MARINI PALMIERI (2002, p. 14). “El arte, que en poesía es
tan antiguo cual el mundo, en prosa en una conquista reciente. Labrar la frase lo mismo
que se labra el metal, darle ritmo como a una estrofa, retorcerla ni más ni menos que un
encaje, os juro que ningún abuelo lo hizo” [Tradução nossa].
55
Echeverría emprega, em seu texto, a figura mítica do minotauro e
outras forças fundamentais do bem e do mal como elementos simbólicos.
Seus personagens brotam da voz interior de sua consciência a fim de
revelar o mundo e a fantasia captados por seu olhar.
Podemos encontrar, nos discursos dos românticos e modernistas
hispano-americanos (escritores que contribuem para analisar o continente
americano
desde
suas
vozes
interiores),
símbolos
e
alegorias
empregados pelos clássicos Hesíodo e Homero, Novalis e Goethe, Edgar
Allan Poe e Charles Baudelaire.
O Romantismo, introduzido por Echeverría e ocorrido na América
devido às lutas pela independência, impregnadas pelas ideais da
Revolução Francesa, abriu caminho para a chegada do Realismo e do
Modernismo nas Letras. Como o próprio nome induz, o realismo insistiu
no real, rechaçando todo o olhar subjetivo. Em contraposição, o
modernismo voltou-se aos versos clássicos gregos, latinos e franceses,
conseguindo atribuir à linguagem um papel real e, ao mesmo tempo,
subjetivo.
Os movimentos literários não surgiram um após o outro, mas sim no
momento em que seus representantes publicaram obras em anos
variados e percorreram diferentes estilos, como é o caso da produção de
Rubén Darío, Horacio Quiroga, Leopoldo Lugones, José Martí, Manuel
Gutiérrez Nájera, Ricardo Güiraldes e outros.
Notória foi a contribuição dos escritores modernistas na evolução do
conto, principalmente do escritor nicaragüense Rubén Darío, na
concepção do conto contemporâneo. No volume vinte e cinco da revista
parisiense Les mille nouvelles, o seu conto “La muerte de la emperatriz de
la China” já se incluía destacando seu labor como escritor. As palavras de
apresentação classificavam Darío como o poeta sul-americano mais
conhecido daquele momento, inclusive, por seu trabalho com a prosa.
Outro aspecto a ser destacado na maioria dos relatos modernistas é
o emprego da forma narrativa de primeira pessoa como recurso para
destacar temas individualistas. Pelas palavras do escritor venezuelano
56
Manuel Díaz Rodríguez, em Narrativa y ensayo: sobre el Modernismo
(356-357), a primeira intenção do escritor modernista é “a força da
adivinhação com que ele penetra a alma dos seres e, ainda, a alma das
coisas em aparências inanimadas”42. Podemos compreender que, nessa
adivinhação, floresça o desejo modernista introduzido por Darío no seu
livro Prosas Profanas, com a palavra simbolizando o espírito e a essência
secreta do significado.
Na
América,
os
modernistas
adiantaram-se,
a
seu
tempo,
independente da realidade. O movimento não se ocupou com o homem
político, social ou econômico propriamente, mas sim com sua essência
ontológica e metafísica. Preocupou-se com a forma de refletir sobre o
homem e o seu modo de falar para melhor enxergar o indivíduo
americano. Além disso, adequar um novo estilo de escritura que também
fosse americano.
Portanto, entre 1885 e 1920, muitos textos eram lidos de forma
simultânea. O Modernismo, dotado de musicalidade, luta por suas formas
poéticas, transcendência e individualidade, enquanto o realismo e o
naturalismo, impregnados pela visão do urbano infernal, valorizam o
testemunho do homem em sociedade. Ainda, tínhamos outras narrativas,
cujos heróis eram índios com uma condição física e moral precária,
constituindo relatos que enlaçavam traços metafísicos, psicológicos,
sociológicos, positivistas, crioulistas e fantásticos.
Para alguns críticos, a Revolução Mexicana (1910-1920) e a Guerra
do Chaco (1932-1935), fatos históricos marcantes do continente latinoamericano, contribuíram para uma compreensão da realidade do
continente e do retorno de um olhar realista. Muitos escritores hispanoamericanos assumem um papel de verdadeiros historiadores ao produzir
seus contos e romances, caracterizando a realidade em ficção.
Todos esses relatos visavam conhecer um pouco mais da
essência do homem americano e sua história de crueldades e heroísmos.
42
DÍAZ RODRIGUEZ apud MARINI PALMIERI (2002, p. 21). “La fuerza de adivinación
con que él penetra el alma de los seres, y aun el alma de las cosas en apariencias
inanimadas” [Tradução nossa].
57
Através da literatura, podemos discutir as relações estabelecidas entre a
história e a ficção. Devemos reconhecer, na história, um complemento
para se entender a literatura, já que a história do passado auxilia na
leitura da história do presente, ampliando nosso universo de reflexões.
O Modernismo surgiu para afirmar que descrever fielmente a
realidade não era suficiente, mas que o escritor deveria demonstrar,
provar e destacar a nova situação e imagem do homem americano.
Nesse caminho, os escritores buscavam a essência da condição humana,
encontrada nos mitos antigos de Homero, Hesíodo, Sófocles, Pandora,
Orfeo e Apolo. Mitos reconhecidos e empregados pelo continente
americano durante o Modernismo e que se propagaram nas Letras, em
meados do século XX, através do realismo mágico ou maravilhoso como
linguagem literária. Para o escritor espanhol Rafael Barrett, esses mitos
são “a luz rasante e, ao mesmo tempo, nebulosa, quase fantasmagórica
da realidade que delira, de seus mitos e contra-mitos históricos, sociais e
culturais”43, que acabam instaurando o mito e as formas simbólicas como
representação da força social, bem como a ascensão do mito como meio
significativo da realidade.
Nas primeiras décadas do século XX, posterior ao movimento
modernista, os caminhos da narrativa eram os do regionalismo, do
telurismo44 e do indigenismo, destacando-se nomes como os de José
Eustasio Rivera, Rómulo Gallegos, Ricardo Güiraldes, Jorge Icaza, Ciro
Alegría e José María Arguedas, somente para citar alguns.
Os escritores, em seu ofício, têm a função de citar, por meio de
suas criações, fatos marcantes da história ou outros que foram
silenciados pela própria história. O escritor pode brincar com o real,
criando um discurso ficcional e, através da figura do mito, dar possíveis
explicações para o que não pode ser comprovado pela história ou pela
ciência.
43
BARRETT apud MARINI PALMIERI (2002, p. 21). “La luz rasante y al mismo tiempo
nebulosa casi fantasmagórica de la realidad que delira, de sus mitos y contramitos
históricos sociales y culturales” [Tradução nossa].
44
Estamos compreendendo telurismo como a influência do solo de uma região nos
costumes e no caráter dos habitantes.
58
Desse modo, o escritor pode retratar a história das mais diferentes
formas possíveis. Tudo depende do ato de inspiração e de criação
literária do escritor, em que ele é capaz de internalizar, em seu
pensamento, formas possíveis de compreensão da realidade histórica e
transformar em linguagem poética. Conforme o escritor mexicano Juan
Rulfo (1992, p. 18), “todo o escritor que cria é um mentiroso; a literatura é
mentira, porém dessa mentira sai uma recriação da realidade; recriar a
realidade é, pois, um dos princípios fundamentais da criação45”. Ao
escritor, resta-lhe o ofício de tornar reais as palavras de seu discurso, não
se importando realmente com a veracidade. Rulfo reconhece as críticas
em relação à sua obra, já que, para ele, o mais importante não seria
expor a história como mero testemunho, mas sim ressaltar a liberdade
proporcionada pela imaginação. De acordo com o criador da lendária
cidade de Comala e do personagem Pedro Páramo:
Creio que, nesta questão da criação, é fundamental saber
perfeitamente que um escritor dirá mentiras, que se entra na
verdade, na realidade das coisas conhecidas, no que viu ou
46
ouviu, está fazendo história, reportagem . (RULFO, 1992, p.
18)
Na opinião de Rulfo, a obra literária não reflete somente histórias
reais, narradas por meio de fatos ocorridos com personagens que
existiram, mas também a criação de outro real, o simbólico.
Segundo o escritor mexicano José Emilio Pacheco (1966), a
literatura é o resultado de um processo sócio-histórico, ou seja, de uma
tomada de consciência do escritor a partir da história verídica de uma
sociedade. Se pensarmos na literatura desde suas origens, podemos
dizer que ela nasceu ao mesmo tempo em que a história. Como já
expomos, as primeiras manifestações expressivas foram orais, com a
finalidade de relatar, registrar, explicar e perpetuar as experiências
humanas. Também eram essenciais o sonho, a imaginação, na
45
“Todo escritor que crea es un mentiroso; la literatura es mentira, pero de esa mentira
sale una recreación de la realidad; recrear la realidad es, pues, uno de los principios
fundamentales de la creación” [Tradução nossa].
46
“Creo yo que en esta cuestión de la creación es fundamental saber perfectamente que
uno va a decir mentiras, que si se entra en la verdad, en la realidad de las cosas
conocidas, en lo que uno ha visto o ha oído, está haciendo historia, reportaje” [Tradução
nossa].
59
construção do imaginário de uma comunidade. A história propaga-se
através da memória, sendo ela registrada na escritura de muitos autores.
Com o passar do tempo, o modo de representar o mundo e seus
conceitos adquiriu novas linguagens. Não podemos esquecer, nesse
ponto, o conceito de mimesis (Anderson Imbert, 1999, p. 168) como uma
representação do real e, não somente como imitação ou reprodução do
real. O panorama narrativo hispano-americano começa a alterar-se a
partir da metade do século XX, graças à contribuição de um grupo de
escritores mexicanos e argentinos, cujos contos se ocupam de outras
realidades: mágica, fantástica e inquietante. O momento anunciado de
renovação narrativa sinaliza os antecedentes do chamado boom hispanoamericano.
Os escritores hispano-americanos preocupam-se em retratar uma
realidade própria, arraigada a um contexto que pode atuar sobre si
mesmo. Trabalham com múltiplas experiências do cotidiano vinculadas à
memória. Suas narrações inspiram-se num contexto e atuam sobre o
mesmo, convertendo-se em criações de um produto social. Conforme o
semiólogo francês Roland Barthes (1969, p. 36), “a escritura questiona o
mundo, nunca oferece respostas; libera a significação, porém não fixa
sentidos47”.
Nessa tomada de consciência da condição do homem, critérios
como uma nova roupagem na linguagem, por meio do realismo mágico ou
do realismo maravilhoso, ou ainda, do realismo fantástico, isto é, da
supra-realidade, são introduzidos nos discursos de contistas como
Macedonio Fernández, Miguel Ángel Asturias, Roberto Artl, Juan Rulfo,
Alejo Carpentier, Juan Carlos Onetti, Julio Cortázar, Gabriel García
Márquez, Augusto Roa Bastos, Edmundo Valadés, José Emilio Pacheco...
Não podemos deixar de reconhecer a importância do renomado
escritor argentino Jorge Luis Borges no seu árduo e criativo trabalho com
a linguagem, podendo ser considerado herdeiro de Esteban Echeverría,
Leopoldo Lugones e Macedonio Fernández, ao ser introdutor de
47
“La escritura cuestiona el mundo, nunca ofrece respuestas: libera la significación, pero
no fija sentidos” [Tradução nossa].
60
temáticas latentes da literatura hispano-americana. Inclusive, Pacheco
(1966) não esconde a influência recebida por Borges48 ao mencionar:
Mi devoción respecto a Borges fue tan fervorosa como torpe.
Cometí la ingenuidad de querer imitarlo. A veces siento que
sobrevaloré a Borges o quiero librarme de él. Lo releo y vuelvo
a quedar en la misma inocencia deslumbrada de 1958.
Exactamente lo que me ocurre con su enemigo Pablo Neruda
Os ensaios e os contos de Borges determinaram o desenvolvimento
da narrativa hispano-americana em diferentes aspectos, principalmente,
na difusão da literatura fantástica. Em vários textos e conferências, expôs
os procedimentos e elementos fundamentais para compreensão de seus
relatos fantásticos, como a obra de arte inserida dentro da própria obra de
arte, a contaminação da realidade pelo sonho, a viagem no tempo, o
duplo, a alusão ao infinito e aos espelhos. Em sua literatura, temos a
simbiose desses elementos, não como forma de servir de escape do real,
mas como metáfora do mesmo. O escritor afirma, em muitos momentos,
que todas as palavras são misteriosas, guardam um segredo poucas
vezes revelado.
Borges (1997, p. 445), no texto “El cuento y yo”, trata de
proporcionar ao leitor como se dá o processo de criação literária de seus
contos. Ele destaca seu fascínio pela leitura de enciclopédias, porque, de
algum modo, encontramos nelas respostas surpreendentes para as
interrogações do mundo. Para ele, “é natural que o real seja mais
estranho que o imaginado, já que este último parte de nós, enquanto que
o real procede de uma imaginação infinita, a de Deus”49. O escritor
argentino cria um mundo novo dentro do universo de suas narrativas onde
os labirintos, os conflitos militares, as línguas estranhas, os objetos
mágicos, as bibliotecas e os livros mágicos sempre têm espaço. A figura
de Borges é imprescindível na compreensão do conto hispano-americano
contemporâneo.
48
No ano de 1999, centenário do nascimento de Borges, Pacheco pronunciou uma série
de conferências, na sede de El Colegio Nacional, resultando o livro Borges: una
invitación a su lectura.
49
“Es natural que lo real sea más extraño que lo imaginado, ya que lo imaginado
procede de nosotros, mientras que lo real procede de una imaginación infinita, la de
Dios”. [Tradução nossa].
61
Borges e outros escritores mencionados anteriormente, seja no
conto ou no romance, conseguem reverter o estado de crise da narrativa
hispano-americana pelo excesso do tom regionalista e do protesto. Os
autores responsáveis pela narrativa de vanguarda promoveram inéditas
experiências no processo de criação literária orientados por leituras de
Marcel Proust, Franz Kafka, William Faulkner e outros nomes da
psicanálise e do universo cinematográfico. Começam a empregar novas
estruturas, diferentes planos temporais, estudos psicológicos e ambientes
cosmopolitas.
Alguns nomes, após vivenciar o universo parisiense, exaltam o
mundo mítico americano, como por exemplo, Miguel Ángel Asturias em
seus escritos, partindo do surrealismo e empregando a expressão
“realismo mágico” para se referir à confluência de histórias e mitos da
peculiar natureza da América Hispânica. Semelhante a Alejo Carpentier
que formula a expressão do “real maravilhoso” americano na ambientação
caribenha de sua obra.
Os meios de comunicação de massa, o cinema norte-americano, a
nova sexualidade, os hippies, os acontecimentos históricos e o folclore
hispano-americano dão o suporte fundamental para os autores do
chamado boom da narrativa e seus defensores. Esse fenômeno literário
recorrente desde os anos quarenta, mas com maior incidência nos
sessenta, caracteriza um novo romance hispano-americano, que acaba
por influenciar diretamente o conto do mesmo continente. Junto a Carlos
Fuentes, Julio Cortázar, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa
unem-se outros autores com o intuito de mesclar o real e a fantasia para
questionar alguns graves problemas da sociedade do continente, como a
orfandade, a violência, as ditaduras, as guerras e outros temas.
A literatura de García Márquez baseia-se na tradição literária
clássica para a recriação de novos mitos. O universo de seus contos não
se opõe ao de seus romances, pois aparecem os mesmos temas, os
diferentes modelos de poder, as lutas entre a tradição e o progresso, a
corrupção e a violência, as injustiças, personagens idênticos, o humor e
ações em torno a Macondo. Já Fuentes resgata o fantástico de Borges
62
em sua contística para tratar do universo pré-colombiano e das
discussões sobre a urbe. Vargas Llosa também antecipa, em 1959, na
publicação do romance Los jefes, a narrativa da cidade e os temas da
vingança, da violência, do machismo e dos adolescentes marginalizados.
O conto hispano-americano deve ser considerado como um
importante material para a compreensão da evolução do romance da
América Hispânica, pois nele aparecem as correntes literárias e os temas
de maior preocupação do continente.
Ao retornar às discussões sobre o gênero conto, percebemos que o
mesmo recebeu grande contribuição e divulgação no continente
americano por meio de inúmeras publicações organizadas e compiladas
por escritores renomados da literatura desse continente. Entre essas
publicações, destacamos a revista mexicana El Cuento, de Edmundo
Valadés; a argentina Puro Cuento, de Juan-Armando Eplle e Mempo
Giardinelli, e as colombianas Ekuóreo e Zona, de Laurián Puerta, cuja
função, de modo geral, foi compilar os textos de escritores de diversas
nacionalidades e corroborar a idéia do conto como um gênero importante
em processo constante de ascensão e de definição.
Desde o momento do surgimento do conto, os críticos literários e os
escritores apresentaram uma grande dificuldade em sua classificação e
fixação dentro de um modelo estabelecido. Relato breve, miniconto,
micro-conto, minificção, conto instantâneo, síntese imaginativa ou artifício
narrativo, independente do nome, o conto, ao longo dos anos, foi
formando sua estrutura própria, criando uma unidade lógica e sua
linguagem. Conforme o escritor mexicano Valadés (1990, p. 284), houve
uma mudança significativa no modo de compreender o conto clássico e o
contemporâneo:
O conto clássico foi domesticado numa sucessão de palavras sem
encantamentos. O mini-conto surge para liberar as palavras de toda
atadura. E com o objetivo de devolver seu poder mágico, esse poder de
escandalizar [...] Diariamente o conto precisa ser reinventado. Não
possui fórmulas ou regras e, por isso permanece silvestre ou indomável.
63
Não se deixa dominar nem enquadrá-lo e então dialoga com a poesia
50
quando tentam lhe aplicar normas acadêmicas .
O discurso de Valadés iguala-se à opinião de Baquero Goyanes
(1997, p. 189), quando este afirma que o conto clássico, no século XIX,
cultivado por Antón Pávlovich Chéjov, Guy de Maupassant, Rudyard
Kipling e Leopoldo Alas Clarín, baseia-se fundamentalmente no
argumento, privando o texto de qualquer encantamento estético. Baquero
Goyanes (1997) acredita que, na tentativa de buscar componentes como
a tensão narrativa e a vibração emocional, características as quais julga
como primordiais, o conto pode assumir outros contornos, como a do
artigo de costumes, onde prevalecem os elementos descritivos, as notas
satíricas e as digressões.
Além de ser considerado pela crítica especializada como o
verdadeiro propagador do conto no México, Edmundo Valadés revelou,
através de sua revista, inúmeros talentos literários de outros países do
continente americano. Ao ser questionado pela força simbólica do conto,
Valadés opinou:
É um gênero do qual eu gosto muito, que me parece um dos mais belos.
É um gênero que contém, para qualquer país, uma tradição muito
profunda; é um meio para recolher sua circunstância, seu modo de
sentir, seu modo de pensar, seus personagens, sua geografia, seu modo
de falar, sua idiossincrasia [...] E particularmente, como leitura, digamos,
creio que é um dos mais bonitos, produz um impacto, uma satisfação, a
51
suma felicidade .
Valadés realiza uma leitura do gênero conto como um meio
possível de aproximar-se da cultura do outro e de si próprio. O conto seria
a forma literária capaz de expressar muitas circunstâncias de nosso
tempo, como por exemplo, a vida nas cidades com seus contratempos –
solidão, violência, repressão. Em sua opinião, o conto é a forma mais
50
“El cuento clásico ha sido domesticado, convertido en una sucesión de palabras sin
encantamientos. El minicuento está llamado a liberar las palabras de toda atadura. Y a
devolverle su poder mágico, ese poder de escandanizarlos... Diariamente hay que estar
inventándolo. No posee fórmulas o regras y por eso permanece silvestre o indomable.
No se deja dominar ni encasillar y por eso tiende su puente hacia la poesía cuando le
intentan aplicar normas académicas”. [Tradução nossa].
51
OSTROSKY & CARRANZA (2008). “Es un género que a mí me gusta mucho, que me
parece de los más bellos. Y es un género que contiene, para cualquier país, una
tradición muy honda; es un medio para recoger su circunstancia, su modo de sentir, su
modo de pensar, sus personajes, su geografía, su modo de hablar, su idiosincrasia […]Y
aparte, como lectura, digamos, creo que es lo más hermoso, produce un impacto, una
satisfacción, la suma felicidad”. [Tradução nossa].
64
pertinente para tratar questões da problemática humana. Essas se
transformam quase em obsessões que rodeiam a realidade do escritor em
seu processo de criação literária.
Para o escritor mexicano, o conto trata-se de uma categoria
narrativa que escapa das possíveis teorias elaboradas em relação a ele.
Não há como impor limites a esse gênero inconstante, pois a linguagem e
o ritmo são característicos de cada artista no seu trabalho de criação
literária. Valadés, entre tantas nomenclaturas, defende o conto como uma
minificção52 criada por meio de um simples incidente de contar um feito. A
ação deve conduzir aos personagens e projetar um contexto real ou
imaginário, de modo que ative a imaginação do leitor e propicie seu
questionamento. O escritor diferencia o conto da minificção a partir de sua
própria experiência como sujeito leitor ao revelar:
Se me refiro às minificções que mais me cativaram, surpreendido ou
deslumbrado, encontro nelas uma persistência: contem uma história
53
vertiginosa que desemboca num novo enigma (Valadés, 1990, p. 285).
Dessa forma, entendemos a assertiva de Valadés ao expor sua
admiração pelas temáticas dos contos que trabalham com o inesperado,
com o imaginário, conseguido, muitas vezes, através da contraposição
com as histórias reais; no jogo entre o sonho e a realidade, na criação de
personagens ou seres fictícios, ou ainda, a invenção de cidades ou
regiões imaginárias. Seja por meio da sátira, do humor, da surpresa ou da
ironia, o conto deve, segundo Valadés (1990, p. 286), apresentar um final
surpreendente a seus leitores. Sua escritura deve tratar do real, mas ao
mesmo tempo, fugir do convencional.
O pensamento de Valadés sobre o conto direciona nosso estudo
para as demais formas assumidas por esse gênero no decorrer das
práticas literárias e tão importantes nos últimos anos para a compreensão
52
Segundo Zavala (2000), a minificção como forma de escritura dentro do cenário
literário hispano-americano aparece nas primeiras décadas do século XX ocupando um
espaço como gênero literário. Até então essa escrita se identifica como um mero
exercício de estilo do escritor ou uma literatura sem valor. O interesse pela formas
breves explica-se pela mudança do tipo de leitor no decorrer dos anos.
53
“Si me remito a las minificciones que más me han cautivado, sorprendido o
deslumbrado, encuentro en ellas una persistencia: contienen una historia vertiginosa que
desemboca en un golpe sorpresivo de ingenio”. [Tradução nossa]
65
da literatura de José Emilio Pacheco e de outros escritores, que assumem
as vozes de sujeitos da (pós) modernidade.
Para o crítico Carlos Pacheco (1997, p. 13), cada leitor possui,
dentro de seu inconsciente, o que ele denomina de “competência
contística”, contribuindo para que cada sujeito, a partir do seu universo de
leituras, reconheça e diferencie características entre vários textos
narrativos. O crítico também expõe um inconveniente de tal competência,
já que ela pode gerar, no leitor, uma falsa verdade, a de que saberá
diferenciar todas as formas em que se apresenta um determinado gênero.
Ele afirma que a maior parte das teorias sobre o conto tenta
classificá-lo a partir da extensão, de sua comparação a outras
modalidades próximas, destacando suas características distintivas e sua
importância literária e cultural. Segundo o crítico, é sobre essa relativa
brevidade que se apóia, num primeiro momento, o leitor para distinguir o
conto dos demais gêneros narrativos e, especialmente, do romance.
Carlos Pacheco (1997, p. 19) alerta:
É necessário atender ao sentido, à função, à razão de ser da brevidade
do conto. Ela não é um capricho dos autores, ou dos teóricos, não pode
ser imposta em si mesma com um fim ou como um ideal, menos ainda
como um preceito. É mais uma requisição da estranheza estrutural que
deve ser um bom conto. E é muito o que Edgar Allan Poe nos ensinou
54
sobre este aspecto .
Carlos Pacheco busca, em Poe, cujos textos contribuem para uma
compreensão do conto moderno, uma resposta para seu caráter breve, já
que o escritor norte-americano acreditava que, somente dessa forma,
conseguiria a intensidade desejada, pois a recepção da mensagem se dá
no leitor de maneira concentrada e interrupta.
A preocupação de Poe em definir um conto pela sensação
provocada no leitor é algo seguido por escritores hispano-americanos
como Horacio Quiroga, Juan Bosh e Julio Cortázar. Por isso, os três
54
“Es necesario atender al sentido, la función, la razón de ser última de este brevedad
del cuento. Ella no es un capricho de los autores, o de los teóricos, no puede ser
impuesta en sí misma como un fin o como un ideal, menos aún como un precepto. Es
más bien un requerimiento de la exquisitez estructural que debe ser un buen cuento. Y
es mucho lo que Edgar Allan Poe nos ha enseñando sobre este aspecto” [Tradução
nossa].
66
defendem a aproximação do conto ao poema porque em ambos a
recepção do leitor é intensa e breve, efeito que não ocorre no romance, já
que o impacto do texto na vida do leitor vai sendo construído no decorrer
dos capítulos. Seguindo o pensamento de Carlos Pacheco (1997, p. 19):
O conto, pelo comum, assoma à superfície da consciência de um só
golpe, aparece diante dela subitamente, como o clarão de um flash,
corresponde a uma impressão única e vigorosa que encontra, no mesmo
ato de aparecer, sua essencial formulação narrativa. Esta aparição
repentina (que Bosh chama de achado do tema do conto e Cortázar
identifica com uma situação de insuportável urgência criadora que
compele ao contista deixar de lado qualquer outra atividade até terminar
o conto) traz consigo, para alguns contistas, uma verdadeira situação
55
limite .
Carlos Pacheco visualiza o conceito de conto como um verdadeiro
paradoxo, pois se por um lado se apresenta como aquele de mais sólida
definição, por outro lado, é o mais duvidoso e ambíguo dos gêneros.
Prova disso é o pensamento do crítico Baquero Goyanes (1997), que o
classifica, num primeiro momento, como um gênero literário preciso e,
todavia mais adiante em seu estudo, expõe vacilações para o
entendimento do mesmo, ao afirmar que, até o ano de 1949, seria
incapaz de atribuir um conceito para tal.
Manter a precisão e a minuciosidade são as principais tarefas do
contista
no
seu
ofício
de
escritor
de
um
objeto
amplamente
problematizado. O trabalho do contista difere, em parte, do romancista,
pois para este último, exige-lhe um estudo mais documentado da
realidade, foco de seu olhar, além da complexa gradação de ações, tendo
em vista a estrutura macro do objeto narrado.
Essa imprecisão do conto também acompanha outros autores e
escritores, entre eles, Julio Cortázar (1963, p. 15-16), ao expressar a
existência de certas características recorrentes e valores aplicáveis a
contos dramáticos ou humorísticos, realistas ou fantásticos; porém, em
55
“El cuento, por lo común, asoma a la superficie de la conciencia de un solo golpe,
aparece ante ella súbitamente, como el fogonazo de un flash, corresponde a una
impresión única y vigorosa que halla, en el mismo acto de aparecer, su esencial
formulación narrativa. Esta aparición repentina (lo que Bosh llama el hallazgo del tema
de un cuento y Cortázar identifica con una situación de insoportable urgencia creadora
que compele al cuentista a dejar de lado cualquier otra actividad hasta encontrar
cumplido el cuento) trae consigo para algunos cuentistas una verdadera situación límite.
[Tradução nossa]
67
seguida, o enfatiza como um “gênero de tão difícil definição, tão fugidio
em seus múltiplos e antagônicos aspectos e, em última instância, tão
secreto e recolhido em si mesmo”56.
Ainda, na tentativa de conceituar o conto pelo prisma do trabalho do
escritor, Cortázar (1963, p. 136-137) visualiza-o como uma “batalha”
travada entre o homem e a escritura, resultando, nesse momento, no que
ele nomeia de “síntese vivente” e responsável por nosso deslumbramento
por esse gênero. Para Cortázar (1997, p. 404), não basta tentar
simplesmente moldar o conto a uma camisa de força para afugentar o seu
caráter abstrato, mas sim respeitar que sua criação surge de um ato:
[...] simultaneamente terrível e maravilhoso, há uma desesperação
exaltante, uma exaltação desesperada; é agora ou nunca, e o temor de
que o agora possa ser exacerbado, o transforma em máquina de
escrever correndo a todo teclado, esquecendo a circunstância, abolindo
57
o circundante .
Cortázar expõe, de modo muito evidente em seus textos, o estado
angustiante do ato da escritura do conto, principalmente, pelo fato do
escritor ter que se adequar às características fundamentais do gênero,
segundo Cortázar, a tensão, o ritmo, a pulsação interna, o imprevisto e a
forma (intitulada por ele como esfericidad), ao trabalho de criação
individual. Ainda, em relação ao processo de criação pessoal, expõe:
Dessa forma, me tocou escrever muitos dos meus contos; inclusive em
alguns relativamente longos, como Las armas secretas, a angústia
onipresente no decorrer de todo um dia me obrigou a trabalhar de forma
obstinada até terminar o relato e somente após isso, sem reler o texto, ir
à rua e caminhar por mim mesmo, sem ser já Pierre, sem ser já
58
Michele (CORTÁZAR, 19997, p. 402-403).
Seu testemunho confirma que os contos podem surgir de um estado
de transe. Cortázar (1997, p. 405) compreende certa diferença temática
56
“Género de tan difícil definición, tan huidizo en sus múltiples y antagónicos aspectos y
en última instancia tan secreto y replegado en sí mismo”. [Tradução nossa]
57
“Simultáneamente terrible y maravilloso, hay una desesperación exaltante, una
exaltación desesperada; es ahora o nunca, y el temor de que pueda ser nunca
exacerbado el ahora, lo vuelve máquina de escribir corriendo a todo teclado, olvido de la
circunstancia, abolición de lo circundante”. [Tradução nossa]
58
“Así me tocó escribir muchos de mis cuentos; incluso en algunos relativamente largos,
como Las armas secretas, la angustia omnipresente a lo largo de todo un día me obligó
a trabajar empecinadamente hasta terminar el relato y sólo entonces, sin cuidarme de
releerlo, bajar la calle y caminar por mí mismo, sin ser ya Pierre, sin ser ya Michele”.
[Tradução nossa]
68
entre a poesia e o conto. O primeiro pode transmitir uma mensagem
ontológica e o segundo não indaga nem apresenta intenções evidentes,
porém, do ponto de vista da criação, ambos os gêneros:
Nascem de um repentino estranhamento, de um deslocar-se que altera o
regime ‘normal’ da consciência; num tempo em que as etiquetas e os
gêneros cedem a uma estrepitosa bancarrota, não é inútil insistir nesta
59
afinidade que muitos encontrarão fantasiosa .
Conforme Cortázar (1997), o escritor necessita sentir esse estado de
estranhamento para que o texto consiga vida própria e o leitor perceba
essa sensação. O escritor deve configurar como um mediador entre seu
próprio texto e o objeto de criação. Por isso, o escritor destaca, em seu
ensaio, o último princípio do “Decálogo del perfecto cuentista”, de Horacio
Quiroga, quando este menciona: “conta como se teu relato não
interessasse a mais ninguém senão ao pequeno mundo de teus
personagens, dos quais poderias ter sido um60”. O escritor argentino
percebe que o autor uruguaio capta que o universo do ‘conto’ nasce do
interior em direção ao exterior, onde os personagens e o narrador podem
ocupar os mesmos espaços e vozes.
Cortázar (1997, p. 404) resume, nesse texto sobre o ‘conto breve’, o
quão complexo é o ato da escritura e, para sintetizar sua percepção, cita
o verso do poeta chileno Pablo Neruda, quando esse expressa: “Mis
criaturas nacen de un largo rechazo”. Cortázar, por outra parte, também
revela a capacidade do intelectual em criar organismos com vida,
completos e autônomos, termos empregados fazendo alusão ao ‘conto’.
Como já exposto, a concepção do conto permite explorar inúmeras
possibilidades de linguagem e de composição narrativa; apesar disso, o
momento de recepção também é fundamental. Vimos que a leitura de um
poema assemelha-se a de um conto, porém não podemos dizer o mesmo
para a de um romance, em que nele o leitor integra-se ao universo
59
“Nace de un repentino extrañamiento, de un desplazarse que altera el régimen
‘normal’ de la conciencia; en un tiempo en que las etiquetas y los géneros ceden a una
estrepitosa bancarrota, no es inútil insistir en esta afinidad que muchos encontrarán
fantasiosa”. [Tradução nossa]
60
“Cuenta como si tu relato no tuviera interés más que para el pequeño ambiente de tus
personajes, de los que pudiera ser uno”. [Tradução nossa]
69
narrado a partir de diferentes etapas de leitura e de sua memória para
construir gradualmente o mundo ficcional representado.
O poema e o conto requerem uma concentração do leitor para que o
mesmo descubra o efeito único e intenso das palavras (recordemos a
imagem do flash sugerida por Cortázar61). O ato da leitura para Poe seria
um momento de encantamento ou experimento, cujo impacto de um bom
texto na vida do leitor permite-lhe compreender o mundo interior e exterior
de outra forma; sua forma de enxergar o mundo é alterada através do
impacto causado por um bom texto.
Retornando ao pensamento de Baquero Goyanes (1997) em relação
ao gênero foco deste capítulo, pensamos que o mesmo é um nome
importante para nossa compreensão e apreensão das diferenças do conto
a outros tipos de escrito breve. Em seu texto “El cuento y los géneros
próximos”, o crítico trata da lenda, do artigo de costume, do poema em
prosa e da novela corta.
Centraremo-nos em seus comentários em
relação aos dois últimos tendo em vista a seleção de textos de José
Emilio Pacheco para este estudo.
O crítico espanhol começa sua investigação resgatando o conceito
de conto, o qual retoma de autores norte-americanos como Seymour
Menton e H.G. Wells. Problematiza em maior proporção em seu estudo a
brevidade do gênero e o define como aquele texto que podemos ler em
menos de uma hora. Para ele, o romance se diferencia do conto tanto por
sua extensão quanto pela complexidade; os artigos de costumes e as
tradições populares, pela vertente verídica e o rompimento com a veia
artística; as fábulas e as lendas, pelo caráter amplo e a carência de
criatividade do artista.
Apesar de já trazermos para a discussão outros teóricos que
problematizam a brevidade do conto de modo bastante pertinente e não
meramente classificatório, acreditamos ser necessário apresentar alguns
nomes de pesquisadores e/ou de escritores, que defenderam outras
61
Cortázar, em sua teoria sobre o conto, vai assegurar a aproximação do conto à
fotografia e do romance ao cinema. A fotografia pelo fato de limitar o objeto alcançado
pela câmara. No filme, não há como delimitar um espaço, pois a obra precisa de espaço
para desenvolver-se.
70
nomenclaturas para o conto e diferenciaram sua classificação por meio do
número de caracteres empregados ou do tempo destinado para sua
leitura.
Entre esses nomes, nos limitamos, em se tratando do contexto do
estudo, a citar três estudiosos mexicanos: o pesquisador e professor da
Universidad Autónoma Metropolitana Lauro Zavala e os escritores Julio
Torri e Edmundo Valadés, ambos defensores da minificção.
Não compartilhamos com a idéia de classificação dos contos e seus
variantes, proposta por Zavala (2008) como uma simples contagem de
letras ou palavras, mas achamos importante o caráter fronteiriço
sinalizado pelo teórico e outros escritores mexicanos em relação ao
conto. Zavala (2006) levanta, em seus textos, questões de natureza
genérica, estética e tipológica, como: se são contos; como classificá-los;
se podemos chamá-los de textos literários, por que são tão breves;
quantos tipos existem e outras questões.
As “novas formas” utilizadas pelos escritores da contemporaneidade
funcionam como o reflexo das sociedades multiculturais (García Canclini,
1999)62 nas quais estamos imersos. Para Zavala, a fragmentação não é
somente um modo de escrever, mas também, uma forma de ler. A arte
de classificar os textos não é uma mera responsabilidade do autor e do
editor, pois os leitores também interagem ao fazer de uma expressão
literária parte da fala cotidiana.
No México e nos demais países da América Hispânica, o ano de
1917 representa a fundação do conto breve moderno com a publicação
do texto A Circe (1914), que abre o livro Ensayos y Poemas (1917), do
mexicano Julio Torri, que, ao lado de José Juan Tablada, Renato Leduc e
outros, é um escritor fundamental para revelar a literatura mexicana da
primeira metade do século XX. Para Zavala (2006), o texto de Torri
62
O conceito sociedade multicultural será tratado no próximo capítulo.
71
inaugura o que ele chama de cuento ulttracorto63 e sua publicação gera
ampla difusão desta modalidade na América Latina64.
Uma das características de Torri é precisamente sua concisão.
Numa literatura tão prolixa como a mexicana, ele é visível exceção.
Dificilmente classificáveis, seus pequenos poemas em prosa, ou a sua
prosa poética, lembram, de algum modo, a técnica de composição de
Machado de Assis, sobre quem Torri escreveu ensaios e traduziu partes
de Dom Casmurro. Conforme Valadés (1990, p. 287), nenhuma palavra
dos escritos de Torri empregou-se sem uma razão nítida.
A publicação do texto de Torri funciona como referência para
reconhecer a minificção como um gênero literário surgido a princípios do
século XX. Para Zavala (2008), “a minificção não é um miniconto, mas
sim, um texto experimental de extensão mínima com elementos
literários de caráter moderno e pós-moderno”. Em seus estudos, afirma
63
Em outro texto, Zavala (2008) usa o termo minificção como sinônimo de cuento
ultracorto.
64
Estudar a América Latina pressupõe um olhar multicultural para a enorme extensão
territorial que se estende do México ao extremo sul das Américas. As realidades sociais,
políticas, econômicas e culturais são distintas, principalmente, no tocante à identidade.
Segundo o sociólogo brasileiro Nilson Alves de Moraes (2003, p. 157), “o debate cultural
na América Latina exige que sejam consideradas duas ordens de problemas:
multietnicidade e pluralidade. Sob qualquer aspecto, a região se caracteriza pela riqueza
e diversidade cultural. Esta riqueza e a diversidade são observadas na perspectiva da
estética e no volumoso patrimônio histórico-cultural”. Os diferentes países da América
Latina foram sendo constituídos de modo plural. Sabemos que a diversidade de sua
composição étnica, as diferenças entre as economias, a herança colonial com seus
sistemas políticos e as guerras de independência não ocorreram da mesma forma em
todos eles. Por isso, também compartilhamos com a leitura do ensaísta brasileiro
Eduardo Coutinho (2003, p. 42) para a América Latina, quando o pesquisador a define
como “uma construção múltipla, plural, móvel e variável”. No entanto, não só de
diferenças se constitui essa “construção imaginária” da América Latina, mas também de
algumas semelhanças, que identificam suas especificidades quando é comparada a
América Européia, ou melhor, aos Estados Unidos (IANNI, 1993; SAFFORD, 2001). A
construção do conceito de América Latina decorre da necessidade de compreender seu
processo de formação identitária, porque, de um lado, temos uma identidade continental
e, do outro, uma identidade nacional, multicultural dentro do próprio país. Por ocasião da
independência dos Estados, o grande desafio era o de formar uma identidade a partir de
nações separadas e distintas. Apesar de a independência preceder tanto a nação quanto
ao nacionalismo, há um sentido único para a identidade dos Estados. Os mesmos
travam um dilema de não serem semelhantes o suficiente para criar uma identidade
continental e não divergirem, entre si, o bastante para construir uma sólida identidade
nacional. O ensaísta mexicano Octavio Paz (1975, p. 153) tece uma leitura sobre o tema,
revelando a dificuldade em definir a América Latina quando diz “¿es una o varias o
ninguna? Quizá no sea sino un marbete que, más que nombrar, oculta una realidad en
ebullición – algo que todavía no tiene nombre propio porque tampoco ha logrado
existencia propia”.
72
tratar-se de um gênero novo, distinto do conto, da poesia, do romance
e do ensaio, sendo assim, necessita de ferramentas próprias para sua
compreensão.
Segundo Zavala (2008), podemos entender como miniconto
aquele cuja mensagem é auto-suficiente, portanto, uma narrativa
completa, aquela que apresenta um caráter tradicional. Além disso,
mantém os traços do conto clássico tradicional, como o tempo, o
narrador
omnisciente,
os
personagens
arquetípicos,
o
tempo
seqüencial, o espaço verossímil, a linguagem literal, as vozes
implícitas e a extensão breve. Tal concepção assemelha-se, em parte,
à visão da crítica venezuelana Violeta Rojo (1997, p. 523) ao defini-lo:
“o miniconto distingue-se precisamente por sua dificuldade de
caracterização e categorização, sua ambigüidade genérica, seu caráter
de texto inclassificável”65.
Rojo (1997) acredita que as origens do miniconto na América
Latina ainda não estão muito evidentes, porém reconhece que, antes
de Torri, três poetas são considerados como os precursores dessa
modalidade: o nicaragüense Rubén Darío, o chileno Vicente Huidobro
e o venezuelano José Antonio Ramos Sucre. Durante os anos trinta,
quarenta e cinqüenta, ao lado de Torri, estão Jorge Luis Borges, Juan
José Arreola, Enrique Anderson Imbert e Augusto Monterroso, a quem
a crítica expõe a expansão do gênero. Ao final dos anos sessenta e
princípio dos setenta, destacam-se Marco Deveni, Guillermo Cabrera
Infante e Julio Cortázar.
Rojo (1997, p. 531) constrói, em seu texto, uma trajetória para a
aparição e manutenção dos contos curtos na Venezuela, mas que,
segundo a pesquisadora, se estende a todo continente. Ela busca,
através do diálogo com escritores renomados, uma explicação para o
cultivo da brevidade no processo de criação literária, concluindo que
65
“El minicuento se distingue precisamente por su dificultad de caracterización y
categorización, su ambigüedad genérica, su carácter de texto inclasificable”. [Tradução
nossa]
73
certa parcela não sabe por que redige textos tão breves, mas acaba
por acreditar que seja uma reação a um estilo literário anterior; outros
porque acreditam que seja uma moda passageira; muitos afirmam a
contribuição de tertúlias e encontros literários, que possibilitaram
repensar a narrativa desses anos e os recursos criativos.
A pesquisadora venezuelana define a estrutura do miniconto
como a de uma narrativa implícita ou explícita, na qual personagens
realizam ações num espaço e tempo definidos. Ela também toma,
como referência, o fato de sua extensão não poder ultrapassar uma
página ou, resgatando o pensamento de Poe, que o leitor consiga, num
único olhar, ser capaz de acessar todo o texto. Rojo (1997) defende
que, normalmente, os autores de minicontos partem de temáticas já
conhecidas do público leitor para que ganhem mais dinamismo em
seus escritos ou desenvolvam práticas intertextuais de escritura.
Em contrapartida, a minificção surge de uma releitura crítica de
outros textos, compartilhando idéias. Como características do gênero
minificção, temos a hibridação genérica66, a intertextualidade, a ironia,
o humor e o meta discurso. Em suma, um gênero oposto ao miniconto,
já que este, por sua estrutura, não recorre ao emprego de alguns
recursos da linguagem ou o encontro com outras modalidades textuais.
A diferença entre o miniconto e a minificção também se dá no
momento da leitura dos textos. O primeiro sinal de reconhecimento de
uma minificção reside no fato de reler o texto para explorar o maior
número possível de recursos empregados pelo enunciador. Se por um
lado, podemos comparar a minificção à poesia, já que, a cada leitura,
surgem novas revelações; por outro lado, o miniconto esgota-se já na
primeira leitura.
Outra diferença entre ambos os gêneros está na forma como o
início e o final das narrativas se constroem. Nas minificções, o início é
66
Termo empregado por Zavala (2006) para fazer alusão à mescla da minificção ao
conto, ao ensaio, à fábula, à poesia, ao poema em prosa e outros.
74
enigmático, constituindo um primeiro plano de destaque da narrativa, a
ação mais importante já pode ter ocorrido. Conforme os formalistas
russos, seria um início descritivo, conhecido pelo procedimento in
media res, enquanto o final é incompleto, nomeado de final narrativo
por Zavala (2008), surgindo outro enigma a ser evidenciado pelo leitor.
Nos minicontos, o processo é inverso, porque o início se explica a
partir do que virá em seguida e o final esclarece o fato narrado.
Podemos afirmar que a minificção surge da releitura dos demais
gêneros, sua escritura é híbrida e pode ser intertextual. Segundo
Zavala, a minificção constitui-se o mais recente gênero literário, apesar
de ter aparecido desde os primeiros momentos do século XX, porém
será na última década do mesmo século que tal prática foi entendida
como uma modalidade literária independente67. Para o investigador, a
minificção seria o gênero mais “fronteiriço da literatura” (ZAVALA,
2008), porque nele encontramos, por exemplo, traços com a escritura
digital68.
As medidas estabelecidas por Zavala são decorrentes de sua
análise de antologias de contos e dos limites solicitados pelos
concursos do gênero em revistas e/ou periódicos que, de certa forma,
moldaram o formato dos mesmos. Dentro do cenário mexicano,
podemos citar o concurso69 do conto brevíssimo promovido pela revista
El Cuento, organizada por Valadés, cujo limite variava de 250 a 500
palavras.
67
O teórico afirma que é importante classificar o conto, porque o leitor sempre gera
expectativas específicas para qualquer escrito. Borges (1997) corrobora a idéia do
teórico mexicano e afirma que os objetivos de leitura são diferentes a partir da eleição do
gênero. Por exemplo, ler um conto difere da leitura de um artigo de uma enciclopédia. De
acordo com Zavala (2006), o conto convencional oscila entre 2.000 e 30.000 palavras,
em oposição, reconhece três tipos de contos breves, aqueles cujo número não
ultrapassa 2.000 palavras, são eles: cuento corto (1.000 a 2.000 palavras), muy corto
(200 a 1.000 palavras) e ultracorto (1 a 200 palavras).
68
A fragmentação trazida pela escritura hipertextual aproxima-se do conceito de
minificção defendido por Zavala (2000).
69
Na atualidade, ainda encontramos concursos em prol do gênero, como por exemplo: o
Concurso Anual de Minicuentos de la Dirección de Cultura del Estado de Araguá
(Venezuela), o Concurso de Minificción de la Revista Maniático Textual (Argentina), o
Concurso de Minicuentos y Minipoesía de la Revista Casa Grande (Comunidade de
Colômbia em México) e o Concurso de la Revista Zona (Colômbia).
75
Os cuentos cortos recebem diferentes nomeações se analisamos
antologias internacionais, como por exemplo, sudden fiction (por
Charles Baxter), cuentos breves (por Julio Cortázar), short shorts (pelo
crítico americano Irving Howe), cuentos microcósmicos (pela ciência
ficção), porém todas culminam na defesa de histórias completas em
suas tramas, com personagens e clímax desenvolvidos, ainda que um
dos elementos narrativos seja condensado.
O crítico Irving Howe (1983) define o cuento corto como uma
representação paradigmática capaz de provocar no leitor uma imagem
instantânea de uma vida, um fluxo de memória, a capacidade de
comprimir um incidente. Charles Baxter (1989) constrói, em seu texto,
uma leitura interessante da diferença de tratamento atribuído às
personagens no conto curto, no conto tradicional e no romance. No
primeiro, ele acredita que os personagens vivem em momento de
“súbita tensão”, já que não há momento para uma longa e complexa
maturação das idéias como acontece no romance e no conto
convencional.
Como exemplo de cuentos cortos, Zavala destaca alguns textos
e/ ou obras: “El ramo azul”, de Octavio Paz; “El eclipse”, de Augusto
Monterroso; “Amargura para tres sonámbulos”, de Gabriel García
Márquez; Las ruinas circulares (1964), de Jorge Luiz Borges, a
produção contística de Mario Benedetti e as narrações breves de difícil
classificação de Felisberto Hernández, Oliverio Girondo e Macedonio
Fernández.
O cuento muy corto também é chamado de flash fiction por
Zavala que se refere a ele como micro-histórias ou narrações
instantâneas. A crítica Irene Zahava (1990) tenta definir os contos
muito curtos como aqueles que são concebidos num espaço como o
destinado para escrever uma mensagem num cartão postal ou, ainda,
a duração de uma ficha numa cabine telefônica.
76
Suzanne Ferguson (1994) apresenta os contos muito curtos como
tipos de escrito em que se rompe a linearidade da seqüência narrativa
e os divide em duas classes a partir da estratégia adotada de sua
criação: elípticos, quando há omissão de palavras ou fragmentos do
relato, ou metafóricos, quando ocorre a substituição de fragmentos por
outros elementos, ou dissonantes ou inesperados. O emprego de
elipses e de metáforas justifica a aproximação do gênero aos textos
poéticos, tendo em vista que os recursos de estilo de ambos se
fundamentam sobre os mesmos alicerces.
Segundo Zavala (2006), os cuentos muy cortos costumam ter
títulos enigmáticos, certa ambigüidade temática e de estrutura, marcas
de pontuação aleatória e os finais são abruptos ou enigmáticos. Por
conta dessa estrutura, exige-se um leitor totalmente participativo e
ativo para completar a trama. Acrescenta, ainda, que esses contos
apresentam traços semelhantes aos ultracortos. Como exemplos de
cuentos muy cortos, o crítico destaca alguns contos de Manual de
zoología fantástica (1957), de Jorge Luis Borges; de Historias de
cronopios y de famas (1962), de Julio Cortázar e na seção Arenas
Movedizas de ¿Aguila o sol? (1949), de Octavio Paz.
Os cuentos ultracortos70 sintetizam, conforme Zavala (2006), a
essência do conceito de minificção e, por isso, considerados o conjunto
mais complexo dentro do gênero. Não apresenta os mesmos
elementos narrativos do conto tradicional por sua brevidade, em
contrapartida, surgem num trabalho intertextual com outros textos, seja
na utilização paródica ou irônica de gêneros clássicos (fábulas,
bestiários, epigramas, haicais), seja na apropriação de conjuntos
extraliterários (lendas, tradições culturais). A intertextualidade (por
hibridação genérica, alusão, citação, paródia ou silepse) e a ironia são
70
Cortázar nomeia esse tipo de texto como “textículos” ou “minicuentos”. Alfonso Reyes
preferiu os termos “apuntes”, “cartones” e “opúsculos” para fazer referência a seus
trabalhos mais breves. Também encontramos fontes de outros escritores que
denominam esses textos como “detalles”, “instantâneas”, “miniaturas”, “cuadros” e
“situaciones”. O escritor Philip O’Connor propõe chamar de “cue” e Russell Banks de
“poe”, em homenagem a Poe. In: Zavala (2000).
77
marcas imprescindíveis nesse tipo de relato, o qual, segundo Zavala,
consegue representar, com nitidez, os dilemas sociais e ideológicos
das sociedades latino-americanas.
Como exemplo de cuentos ultracortos, Zavala sinaliza as
seguintes obras ou alguns textos de El Hacedor (1960), de Borges;
Memoria del fuego (1982-1986), de Eduardo Galeano e alguns
clássicos mexicanos como Varia invención (1955) e La feria (1962), de
Juan José Arreola; De fusilamientos y otras narraciones (1964), de
Julio Torri; Infundios ejemplares71 (1969), de Sergio Golwarz; Sólo los
sueños y los deseos son inmortales, Palomita (1986), de Edmundo
Valadés; La oveja negra y demás fábulas (1969), de Augusto
Monterroso; El grafógrafo (1972), de Salvador Elizondo e as sessões
Mínima Expresión e Casos de la vida real do livro La sangre de
Medusa y otros cuentos marginales (1990), de José Emilio Pacheco.
Octavio Paz e Alfonso Reyes também são lembrados associando suas
narrativas muito curtas à prática direta da escritura de haikus.
A professora Linda Egan (1995) também estuda o fenômeno da
hibridação genérica em seu artigo sobre a distinção entre crônica e
conto na escritura de alguns narradores mexicanos contemporâneos.
Para ela, na literatura mexicana, sempre houve uma dificuldade de
distinguir entre o conto tradicional, a crônica, o ensaio e a nota
periodística. Já os contos muito breves tendem a se aproximar do
gênero poema em prosa, às vezes, por afinidades temáticas, outras,
pela forma de recepção de determinado texto.
71
Acreditamos válido informar que essa obra se constitui de um conjunto de 42 contos,
em que o primeiro inicia com 500 palavras, considerando-se como um conto curto,
porém, a cada página, o leitor vai deparando-se com contos cada vez mais curtos até o
texto final constituído de uma única palavra. O conto classificado pela crítica como um
dos mais breves do mundo possui como título Dios e essa é a única palavra enunciada.
Interessante levar em conta em sua análise, o contexto de sua produção (o México, um
país altamente católico) e a liberdade proporcionada pelo uso deste vocábulo (a partir do
mundo intertextual de cada leitor, teremos leituras diferenciadas e construídas a partir de
uma leitura elíptica ou metafórica). Apesar de ser constituído por uma única palavra, o
conto apresenta uma narração de extensa imaginação. In: Zavala (2006).
78
A lenda e a balada são espécies narrativas cultivadas pelo
Romantismo que podem ser, essencialmente, consideradas como
poemas em prosa, um bom exemplo disso são as clássicas Leyendas
de Bécquer, em que algumas adotam a disposição, o ritmo, a
sonoridade e o tom musical, características distintivas do poema em
prosa que o diferenciam do autêntico conto de acordo com Baquero
Goyanes (1997). Para o crítico espanhol, o conto diferencia-se do
poema em prosa:
Quando podemos resumir o assunto, o conteúdo de um relato breve em
prosa (quando podemos contá-lo) é que, sem dúvida, estamos diante de
um conto. Quando não seja possível ou, pelo menos, não resulte fácil tal
experiência, podemos supor que estamos diante de um poema em
72
prosa (BAQUERO GOYANES, 1997, p. 191)
A proximidade entre os gêneros encontra lugar em alguns relatos
breves do escritor Rubén Darío, responsável por consolidar a definição do
poema em prosa ao publicar o livro Azul, conjunto de contos em prosa e
seis composições em verso. Foi esse livro que lhe deu a celebridade
continental e, com ele, começa em 1888, data de sua publicação, o
contágio da poesia nova.
Nesse momento, Darío transpõe a musicalidade, a linguagem e o
ritmo para sua prosa, tendência essa que o escritor denominou de
“escritura artística”, numa carta publicada em La Nación, periódico em
que foi correspondente, datada de 1913 quando estava em Paris. Nessa
data, o poeta já tinha vivenciado experiências literárias em Buenos Aires,
Colômbia, Paris e Espanha, inclusive, colaborou com a Generación del
98. Acreditamos que esses contatos possam ter contribuido para que
Darío experimentasse novos elementos rítimicos do verso na prosa. Para
Baquero Goyanes, o conto seria o gênero mais apropriado para tais
experimentos, como prosificar o verso e poetizar a prosa.
Outro gênero, freqüentemente, confundido com o conto é a
novela corta. Ressaltamos tal modalidade, porque analisaremos, no
72
“Cuando podemos resumir el asunto, el contenido de un relato breve en prosa (cuando
podamos contarlo) es que, indudablemente, estamos ante un cuento. Cuando no sea
posible o, por lo menos, no resulte fácil tal experiencia, puede suponerse que lo que
tenemos delante es un poema en prosa”. [Tradução nossa]
79
terceiro capítulo deste estudo, um exemplo dessa outra forma de
narrar o mundo. Alguns críticos mostram-na como o meio caminho
entre a novela e o conto; outros, como sinônimo da nouvelle francesa;
outros a reconhecem como a herdeira das novelas ejemplares de
Cervantes.
O consenso em buscar um conceito para a novela corta parece
amparar-se na noção de extensão, seja no número de páginas, ou no
tempo destinado à leitura. Baquero Goyanes (1997), semelhante à
escritora espanhola Emilia Pardo Bazán, define o gênero como um
cuento largo, pois acredita que haja inúmeras características possíveis
para sua vinculação ao conceito de conto, mesmo que seja mais
problemático que o de romance. Conforme o crítico, a novela corta
apresenta os mesmos elementos do conto, porém exige um número
maior de páginas para o seu desenvolvimento, como vemos nas
palavras que seguem:
O romance curto não é, por conseguinte não deve ser, um conto
dilatado; é um conto longo, coisa muito diferente, já que o primeiro se
refere ao aumento arbitrário – com personagens secundários,
interferências próprias do romance extenso –, e o segundo alude a um
assunto para cujo desenvolvimento não são necessárias digressões,
73
mas sim mais palavras, mais páginas (BAQUERO GOYANES, 1997, p.
192)
Não podemos resumir a definição de novela corta como a de
conto pelo mero fato de sua extensão, contudo precisamos reconhecer
que, por trás de um texto, existe um artista responsável por recortar, da
realidade, uma imagem ou um instante. Além disso, o artista é capaz
de transformar suas imagens, seus sonhos, suas reflexões em
linguagem literária, tendo consciência do número necessário de linhas
e/ou páginas para registrar suas idéias.
Além da diferença de extensão, o crítico norte-americano Brander
Matthews (1997) expõe a espécie como diferença básica entre o conto
73
“La novela corta no es, por consiguiente no debe ser, un cuento dilatado; es un cuento
largo, cosa muy distinta, ya que el primero se refiere a aumento arbitrario – con
personajes secundarios, interferencias propias de la novela extensa –, y el segundo
alude a un asunto para cuyo desarrollo no son necesarias digresiones, pero sí más
palabras, más páginas”. [Tradução nossa]
80
e o romance, pois o conto apresenta capacidade de unidade e de
precisão, característica ausente no romance. Segundo o crítico, as três
falsas unidades do teatro clássico francês estão representadas num
conto: uma ação, um lugar e um tempo determinado.
Em suma, o conto é mais intenso, gera um efeito singular,
completo e auto-suficiente, já o romance tem uma estrutura
segmentada numa série de capítulos. Isso requer um trabalho
diferenciado por parte do contista e do romancista, ambos narram, mas
o primeiro acaba sendo muito mais conciso, em oposição ao segundo,
que pode transitar com mais facilidade dentro da obra.
Matthews (1997) alerta, em seu texto, que nenhum outro gênero
como o conto exige uma nitidez em sua escritura. O escritor, antes de
se aventurar na arte de contar, precisa, primeiro, ter evidente a
concepção do assunto para conceber a forma do texto. De acordo com
o crítico:
O conto não é nada se não existe uma história que contar; até
pode-se dizer que o conto não é nada se não tem trama, a não
ser porque ‘trama’ poderia sugerir, a alguns leitores, certa
complicação e elaboração detalhada que não são certamente
necessárias nele. Porém um plano – se esta palavra se presta
menos que ‘trama’ a más interpretações – é requerido por todo
conto, enquanto que é fácil citar romances de importância que
74
são completamente amorfos (MATTHEWS, 1997, p. 63).
O escritor e político dominicano Juan Bosch, em seu ensaio
“Apuntes sobre el arte de escribir cuentos”, também compartilha a idéia
acima. Explica que a escolha de um tema para um conto faz parte da
técnica do ofício de escrever. Bosch (1997, p. 366) considera o conto
como o mais difícil dos gêneros e revela:
Um bom escritor de contos demora anos para dominar a
técnica do gênero, e a técnica se adquire com a prática mais
que com o estudo. Porém nunca se deve esquecer que o
74
“El cuento no es nada si no hay una historia que contar; hasta puede decirse que el
cuento no es nada si no tiene una trama, a no ser porque ‘trama’ podría sugerir a
algunos lectores cierta complicación y elaboración detallada que no son ciertamente
necesarias en él. Pero un plan – si esta palabra presta menos que ‘trama’ a malas
interpretaciones – es requerido por todo cuento, mientras que es fácil citar novelas de
importancia que son completamente amorfas”. [Tradução nossa]
81
gênero tem uma técnica e que esta deve ser conhecida a
75
fundo .
A técnica do contista dá-se somente através do trabalho
constante de experimentação, mediação e dedicação sobre o escrito.
Somente dessa forma, o escritor será capaz de compreender a
“arquitetura do conto”, denominação atribuída por Bosch (1997, p.
369).
Ainda que a forma e o estilo sejam importantes, o assunto será o
elemento mais importante do conto para alcançar seu propósito de
entregar, aos leitores, imagens da vida com riquezas de detalhes. Não
queremos dizer que o conto deva carecer de forma, mas que essa se
dá a partir do plano construído pelo artista para cada narrativa e de
suas preferências de gênero.
No decorrer destas páginas, mostramos como o conceito do conto
(enquanto gênero e forma) vai sendo construído na literatura hispanoamericana a partir da voz de seus próprios ensaístas, contistas,
romancistas e/ou poetas.
Antes de concluir, voltemos à questão do processo de criação
literária. Rulfo tenta explicá-lo no poder infinito da imaginação, já
Mempo Giardinelli revela o segredo da criação no poder emotivo que
habita cada escritor, porque, afinal, todo escritor busca idéias e recria a
partir de vozes que admiram. Julio Torri também expressou a
existência de dois tipos de escritores, os de imaginação e os de
sentimento, ressaltando que a verdade literária se expressa na
confluência desses elementos no texto. De acordo com Giardinelli
(1998), “[...] na arte, sempre é assim: armazenamos e copiamos,
contribuindo. E para fazer isso, é preciso ler, presenciar, experimentar a
literatura, pois, como conhecimento, como ontologia76”. O escritor
75
“Un buen escritor de cuentos tarda años en dominar la técnica del género, y la técnica
se adquiere con la práctica más que con estudio. Pero nunca debe olvidarse que el
género tiene una técnica y que ésta debe conocerse a fondo”. [Tradução nossa]
76
“En el arte siempre es así: acopiamos y copiamos, aportando. Y para hacerlo hay que
leer, presenciar, experimentar la literatura, pues, como conocimiento, como ontología”.
[Tradução nossa] Texto não paginado.
82
argentino mostra que a criação deve ser entendida como um eterno
caminhar fruto de leituras, experimentalismo e ousadia intelectual. Sua
percepção para com o trabalho do escritor se complementa quando o
mesmo afirma:
Penso que o escritor tem sempre que procurar ser o que –
mais além de seus temas – não se repete, não cai sempre na
mesma fórmula e não se reitera na utilização de uns poucos
recursos mais ou menos brilhantes. Eu admiro mais, e aspiro
ser, essa classe de escritor que sempre busca andar por
caminhos difíceis, porque lhe apaixona buscar e porque tem
dentro de si, parafraseando a Miguel Hernández, um raio que
77
não cessa .
O processo de criação é tão intenso para Giardinelli, que o
mesmo faz referência ao texto como um ser originário, criado e
alimentado dentro do corpo do escritor que, ao ser expelido, explode
na materialidade do papel como uma flecha pronta para atingir o
coração do leitor. O texto precisa ter a capacidade de mostrar o
mundo, de ser um espelho de alguma realidade; deve possuir
características que permitam recordá-lo como um escrito memorável.
Nosso objetivo, nesta seção do estudo, foi o de revelar o conto e
suas múltiplas facetas como uma forma narrativa em constante
processo de definição e de mutação. Podemos sintetizar a minificção
como uma narrativa multiforme: contos curtos cuja estrutura se
diferencia em parte da do conto tradicional, contos com liberdade
narrativa, narrações com tom poético, finais surpreendentes ou
ausência dos mesmos, gêneros arcaicos parodiados, temáticas
diferentes e uso de recursos como a ironia e a intertextualidade. Os
aspectos destacados, até esse momento, são importantes para
compreender a obra de José Emilio Pacheco como uma literatura cujos
gêneros
dialogam;
o
processo
de
criação
literária
renova-se
constantemente enquanto certas temáticas são constantes.
77
“Pienso que uno siempre tiene que procurar ser la clase de escritor que – más allá de
sus temas – no se repite, no cae siempre a la misma fórmula y no se reitera en la
utilización de unos pocos recursos más o menos brillantes. Yo admiro más, y aspiro a
ser, esa clase de escritor que siempre busca andar por caminos difíciles, nomás porque
le apasiona buscar y porque tiene adentro, parafraseando a Miguel Hernández, un rayo
de no cesa”. [Tradução nossa] Texto não paginado.
83
1.2. A poesia: irmã misteriosa do conto?
El poema seguirá siendo una manifestación de la libertad del ser
humano, una imagen del hombre que se crea a si mismo por la
palabra.
Octavio Paz (1989)
A poesia pode nos fazer ver o mundo sob um novo aspecto, ou
nos fazer descobrir aspectos até então desconhecidos desse
mundo; pode chamar nossa atenção sobre os sentimentos sem
nome e mais profundos em que raramente penetramos.
T.S. Eliot apud ANTÔNIO (2002, p. 31)
Abrimos esta seção com um título que nos permite resgatar o
pensamento de Julio Cortázar sobre o parentesco entre o conto e a
poesia. Para o referido autor, a origem do conto está intrinsecamente
ligada à poesia, de modo que a intensidade com que a palavra toma o
leitor, característica tão defendida por Cortázar e demais críticos, está
presente em ambos. Os dois gêneros também são herdeiros diretos das
raízes mais antigas da literatura, a tradição oral.
Segundo Carlos Pacheco (1997), tanto o conto como a poesia
brotam de uma revelação instantânea, proporcionando, ao leitor, uma
sensação de prazer e plenitude. Mas para que essa culminância ocorra,
há a necessidade de um trabalho quase artesanal por parte do escritor na
busca pela melhor palavra. Se por uma lado a tensão, o ritmo, a pulsação
interna e o imprevisto são características fundamentais do conto; por
outro lado, dão sentido ao poema, conforme Cortázar.
O romancista William Flaulkner também traçou um paralelo entre a
poesia e o conto e relatou, durante uma entrevista, que os considera
como os gêneros de mais difícil criação por parte do artista. O escritor
revela:
Sou um poeta fracassado. Acho que todos os romancistas
queriam primeiro escrever poesia. Ao descobrir que não
conseguem, tentam o conto, que é a forma mais exigente
depois da poesia. E após fracassar no conto, um romancista se
dedica a escrever romances (apud REVIEW, 1988)
84
Acreditamos que as palavras de Flaulkner possibilitam uma
reflexão sobre os pontos em comum entre o trabalho de criação artística
dos dois gêneros. O certo é que temos exemplos de escritores que atuam
no romance e no conto, embora com resultados pouco uniformes. E,
outros que nunca se aventuraram a sair do espaço dos contos ou da
poesia, como por exemplo, Jorge Luis Borges.
Outros estudiosos justificam a proximidade entre os gêneros por
conta da perceptível brevidade de ambos. Poe, em Filosofía de la
composición (1846), referia-se à criação do poema e, nesse momento,
aparecem todos os elementos que, tempos mais tarde, se aplicam ao
conto. Sua teoria, reforçada por Chéjov, baseava-se em que o talento da
escritura estava justamente no ato de ser sucinto.
Segundo o crítico
alemão Emil Staiger (1974, p. 72): “[...] cada poesia participa, em maior ou
menor escala, de todos os gêneros literários, já que nenhum deles, como
obra artística baseada na língua, consegue furtar-se à essência da
linguagem”.
Staiger sinalizou, muito antes, a hibridação dos gêneros porque
acreditava ser difícil impor limites à linguagem. Hegel (1980) conceitua o
lirismo enquanto forma individual e particularizada de expressão poética.
Segundo o filósofo, o lirismo limita-se ao homem individual e,
conseqüentemente,
às
situações
e
objetos
particulares.
Mesmo
apontando a particularidade e a individualidade como bases fundamentais
da lírica, Hegel reconhece neste gênero um caráter social: a lírica, como
as formas épicas, pode ligar-se a todos os assuntos da vida social
humana, entretanto, ao contrário da épica, a lírica não é possível
expressar a totalidade do espírito nacional, mas apenas lances
particulares, empíricos, desta totalidade.
Para a professora brasileira Sônia Brayner (1979), a principal
contribuição da lírica é o mergulhar profundo na experiência subjetiva do
indivíduo. Esse mergulho de conhecimento, que engendra uma ficção de
caráter lírico, não apresenta um conceito rígido em relação à forma,
conceituado pela especialista como o instante cuja “a plasticidade da
85
imagem invade a prosa”, momento em que o discurso da prosa vacila e
se poetiza.
A aparente tendência da literatura contemporânea de diluir as
fronteiras entre os gêneros nos possibilita afirmar que o gênero, que
Cortázar (2008) definiu como “irmão misterioso da poesia em outra
dimensão do tempo literário”, o conto, pode ser “invadido” por
características estilísticas de outros gêneros, especialmente da lírica.
Cortázar vai mais além ao falar do “golpe de estado” que dá a
poesia no território da prosa ficcional, golpe que “revela, em toda sua
violência magnífica, as ambições do nosso tempo e seus lucros”.
Acreditamos que esse golpe – recorte de uma realidade significativa –
seja tão intenso na poesia assim como no conto, cuja imagem captada
pelo artista revela ao leitor uma possibilidade de leitura mais ampla, não
restrita ao argumento visual ou literário contido no texto.
Para José Emilio Pacheco a poesia e a prosa também se
assemelham78. O escritor informa que sua prosa surge da necessidade de
complementar sua poesia79:
Yo diría que los géneros no son incompatibles, un cuento es lo
más cercano a un poema (no en términos de ‘prosa poética’,
sino de concentración e intensidad), y con frecuencia se me
ocurren historias que, según creo, pueden interesar. En mi
caso, la poesía no basta; el relato es un complemento
necesario. Hay grandes periodos de esterilidad: la lírica no
puede nacer voluntariamente. Entonces vuelve el deseo de
escribir narraciones quizá porque, antiguas y modernas, las
leo, releo en todo momento… La prosa no-narrativa, de
intención periodística o ensayística, la he practicado
invariablemente de encargo. Aunque intento hacerla lo mejor
posible, en su relectura me deprime: nunca redacté un artículo,
78
No poema “Carta a George B. Moore en defensa del anonimato” (PACHECO, 1987, p.
45-46), o autor sinaliza o poema como uma forma que pode ser transformada em vários
outros gêneros: [...] Y voy a usar, así lo hacían los antiguos, / el verso como instrumento
de todo aquello / (relato, carta, drama, historia, manual agrícola) / que hoy decimos en
prosa”.
79
O Rei Don Juan Carlos I da Espanha (2009), em seu discurso de entrega do Prêmio
Cervantes a Pacheco, destaca a capacidade do autor mexicano em transitar por
diferentes gêneros comparando-o a Miguel de Cervantes e ressalta, ainda, a
aproximação da experiência humana em sua obra. Sobre o estilo da escritura de
Pacheco, o rei comenta: “Ha viajado a través de la riqueza y los matices del español,
desde lo conversacional hasta la alegoría, desde el monólogo dramático a la voz del
cronista, desde el guiño irónico hasta la hondura de un compromiso ético, ejemplar y
necesario […] Pacheco nos adentra en un mundo poético marcado por la conciencia de
lo efímero, y en una narrativa que modula y sopesa de tal modo que nada aparece ni
parco ni desmedido”.
86
nota, reseña, prólogo que fuera más allá de sus límites
específicos y adquiriese un mínimo valor propio. Cumplida su
misión informativa, tales páginas periclitan vertiginosamente
(PACHECO, 1966)
A versatilidade literária de Pacheco80 é demonstrada por todos os
gêneros percorridos pelo escritor. Segundo ele, a idéia a ser desenvolvida
num texto orienta a forma do mesmo, prevalecendo uma marca de estilo
que lhe é própria: a brevidade.
Num estudo da aproximação entre o conto e a poesia, o poeta
venezuelano Javier Lasarte (1991, p. 11), nos anos setenta, considera a
brevidade da poesia:
Consolida-se uma tendência cujo perfil relativamente
homogêneo predominará por um lapso de quase uma década.
Referimo-nos a essa poética que tem, como centro, a idéia da
brevidade, em muitos casos, coincidindo com a defesa do
81
poema breve como molde poético preferencial .
No mesmo texto, o poeta reconhece as influências do conto na
poesia da época e se refere à poesia de Ernesto Cardenal, Juan Gelman
e José Emilio Pacheco como epigramática82. Observamos que o poema
breve alcança um importante destaque na trajetória literária mexicana.
Nesta seção do estudo, esperamos discutir o gênero poesia na
contemporaneidade de modo a comprovar sua presença/ ausência na
vida do homem com o intuito de encontrar um conceito para o mesmo.
Num segundo momento, destacamos o gênero no continente americano,
principalmente no cenário mexicano, como forma de elucidar as principais
vozes poéticas anteriores à obra de Pacheco. Dessa forma, é nossa
80
O poeta mexicano Jaime García Terrés (1986, p. 77), após discurso de Pacheco como
membro do Colegio Nacional de México, comenta sobre sua versatilidade: “José Emilio
Pacheco es, ante todo, poeta. Vale decir, un hacedor intuitivo, un creador. Y esta es la
manera con la cual se forma el crítico de verdad. A partir del substratum o cimiento
poético, pueden derivar o no los demás géneros literarios. Pero sin dicho ingrediente o
catalizador no se dan ni el narrador ni el dramaturgo, ni el crítico de magnitud apreciable
y provechosa”.
81
“Se consolida una tendencia cuyo perfil relativamente homogéneo predominará por un
lapso de casi una década. Nos referimos a esa poética que tiene como centro la idea de
la brevedad, en muchos casos coincidiendo con la defensa del poema breve como molde
poético preferencial”. [Tradução nossa]
82
Poema de breve extensão e de estrutura fixa. Tem em suas origens o sentido de verso
em inscrição de caráter funerário. Na literatura grega, o epigrama possui um caráter mais
reflexivo. Porém no decorrer dos tempos, passa a desempenhar, freqüentemente, outros
aspectos, como político, irônico e moralizante. In: MARCHESE & FORRADELLAS
(1986).
87
intenção assinalar para o leitor que tanto o conto quanto a poesia
percorreram a vida literária de Pacheco.
Ao analisar a obra do escritor mexicano, notamos que os textos
classificados como poéticos são fundamentais para a compreensão de
sua narrativa. Também encontramos fases83 em que o escritor produz
muitos
textos
classificados
como
poema
em
prosa
ou
poesia
conversacional84. Não será foco de análise desta tese a produção
ensaística de Pacheco85.
A partir das palavras de Octavio Paz, poeta e ensaísta mexicano
da modernidade, constantes na epígrafe inicial desta seção, vemos que a
linguagem
se
caracteriza
como
a
principal
responsável
pelo
posicionamento do homem perante a sociedade. Cabe, a este homem,
vencer as barreiras do tempo, criar sua história pelo discurso e cantar em
prol da nação86.
Como já retratado na seção anterior, a tentativa de encontrar-se a
frente de seu tempo, sempre motivou os homens, de modo que
relatassem seus sentimentos e histórias, em um primeiro momento, pelo
emprego de imagens e, em um momento posterior, pela elaboração da
escrita. A vontade e o desejo de comunicação passam pelas mais
distintas culturas, fazendo com que o homem desenvolva, ao longo dos
tempos, maneiras de expressar seus pensamentos. Através desses
símbolos iniciais, surge a linguagem, criando e recriando significados em
nossas vidas e solidificando nosso senso de identidade87.
83
Na poesia de Pacheco, alguns temas são tratados de forma recorrente. Encontramos
em sua produção: poemas de desolação, de fugacidade, históricos ou de reflexão
histórica, em homenagem a outros poetas, metapoéticos, epigramas ou poemas
nostálgicos.
84
Benedetti (2000) acredita que a poesia não deve se destinar somente a temas
subjetivos, mas também a temas de denúncia social. O escritor uruguaio no ensaio “La
realidad y la palabra” usa tais termos para fazer referência a essa poesia.
85
Desde sua juventude, Pacheco escreve artigos semanalmente em jornais mexicanos,
constituindo um rico material de análise para futuros estudos. Porém esse material ainda
não foi compilado.
86
O conceito de nação será problematizado no próximo capítulo.
87
O conceito de identidade aparece em diferentes momentos deste estudo. O subcapítulo 3.1.4 tratará dessa questão. Contudo, optamos por evidenciar, nesse momento,
nossa leitura para o termo. Compartilhamos o conceito proposto pelo pesquisador Stuart
Hall (2006) para a noção de identidade, cuja problemática se centra na crise da
identidade e na substituição das antigas identidades pelas novas. A identidade é algo
88
Para a compreensão da literatura hispano-americana, notória é a
contribuição das civilizações indígenas que habitavam a América antes da
presença de Colombo. Por suas cartas, Colombo torna-se o primeiro
escritor e divulgador do Novo Mundo, imprimindo uma imagem ao
continente desconhecido do mundo ocidental. Com ele, inicia-se uma
literatura de transculturação88 na América Latina89, já que, tivemos a partir
do século XVI, o encontro de escritores da metrópole espanhola e outros
crioulos, que ainda não evidenciavam uma literatura genuinamente
nacional.
As crônicas da conquista do México iniciam-se com as cartas
escritas por Cortês ao rei da Espanha, Carlos V, no período entre 1519 e
1525. A elas, somam-se os relatos de outros espanhóis, como os de
Gonzalo Fernández de Oviedo, Bernal Díaz del Castillo, López de
Gómara, Juan de Castellanos, Frei Bernardino de Sahagún e Frei
Bartolomé de las Casas.
Todos esses relatos, com exceção dos de Cortês, visavam
conhecer um pouco mais da essência do homem mexicano e sua história
de crueldades e heroísmos, o que levou ao surgimento da epopéia no
que nos caracteriza como sujeito de uma sociedade e, ao mesmo tempo, nos diferencia
dos outros ou de um grupo social. Ela é determinada pelo conjunto das funções sociais
desempenhadas por cada sujeito e pelo mundo externo. Em alguns momentos do
estudo, faremos alusão ao conceito de identidade cultural com a intenção de destacar o
pertencimento de um sujeito à cultura em que nasceu e absorveu ao longo de sua vida.
O homem não possui uma identidade natural, contudo a constrói na interação com o
outro da sociedade. Segundo Hall (2006, p. 38), “[...] a identidade é realmente algo
formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato,
existente na consciência no momento do nascimento [...] Ela permanece incompleta,
está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo formada”. Para o teórico, a identidade alterase de acordo com a maneira como o sujeito é representado, por isso, em seu estudo,
apresenta três concepções de sujeito e suas respectivas identidades: o sujeito do
Iluminismo, o sociológico e o pós-moderno. Apesar de defendermos, nesse momento,
nossa visão para o conceito, trazemos para a discussão, em outras partes do texto, a
visão essencialista, que trata a identidade como algo imutável, leitura defendida por
alguns estudiosos mexicanos, entre eles Octavio Paz, como forma de o leitor perceber a
“essência do homem mexicano”. Pacheco, em alguns poemas, canta em prol de uma
identidade mexicana, porque reconhece o descentramento do sujeito na sociedade
moderna. Desse modo, o escritor tenta diminuir o apagamento das marcas culturais
nacionais no contato com as identidades globais.
88
Termo empregado pela primeira vez por Fernando Ortiz, que o utiliza no âmbito
antropológico. O crítico uruguaio Ángel Rama, desde 1982, o transfere para o campo
literário. A crítica Bella Jozef emprega o termo “transculturação” para se referir a
Literatura Hispano-Americana iniciada no período da conquista, portanto, do encontro de
raças e culturas. In: (JOZEF, 2005, p. 13-14).
89
No sub-capítulo 1.1, apresentamos nossa leitura para o conceito de América Latina.
89
Novo Mundo, uma forma de expressão que demonstra os grandes feitos
heróicos e as glórias alcançadas pelos povos. Através dessa forma
poética, muito se discutiu a respeito das relações estabelecidas entre a
poesia e a história. Devemos reconhecer, na história, um complemento
para se entender a epopéia, já que a história do passado auxilia na leitura
da história do presente, possibilitando uma melhor compreensão da
literatura.
Como representante inicial das Letras Mexicanas, destacou-se o
mestiço Francisco de Terrazas90, descendente do conquistador de mesmo
nome e fiel servidor de Cortês. Até hoje, a data de seu nascimento é
incerta. Pesquisas revelam que seria por volta do ano 1525, o que
identificamos é o seu reconhecimento no cenário intelectual, considerado
como o primeiro poeta da terra mexicana, tendo seu dom elogiado por
Miguel de Cervantes no “Canto de Calíope”, em seu romance La Galatea,
em 1584.
Não podemos esquecer que, antes mesmo das crônicas de
viagens e documentos históricos, no México, destacaram-se poetas
astecas que já faziam uso da linguagem poética como forma de propagar
sua cultura, bem como seus cantos testemunhavam a força, o ódio, a luta
pela terra e outros fatos bélicos. Entre esses poetas, merecem ser
lembrados a poetisa Macuilxochitzin e o poeta Nezahualcóyotl.
Ao analisar a trajetória da literatura mexicana, nota-se claramente
que esta possui certa tradição literária, em que a experiência histórica —
pré-colombiana, colonial, republicana, revolucionária e pós-revolução —
forneceu mecanismos para a construção de uma literatura com fortes
preocupações sociais.
90
O posicionamento de Terrazas, perante as expedições de Hernández de Córdoba,
Juan de Grijalba e Hernán Cortés, o posiciona como um dos primeiros representantes da
geração de crioulos do Novo Mundo a expor tais expedições. Seus relatos o favorecem à
medida que dosa seus textos com um olhar crítico e transcultural, transplantando as
características de estilo poético da Espanha para a América, pois seus sonetos eram
vivos de manifestações renascentistas e classicistas, frutos dessa época. Pacheco no
poema “Francisco de Terrazas” (PACHECO, 1987, p. 69-70), retrata a figura do poeta
problematizando a questão da mestiçagem: “¿Quién era en este mundo ni europeo ni
indio? / Ni azteca ni español: criollo / por tanto el primer hombre de una especie nueva”.
A identidade de Terrazas é construída a partir do uso da escritura: “Y halló su identidad
en el idioma / que vino con la cruz hecha de espadas”.
90
Pensar a literatura mexicana não se resume somente em analisar
os gêneros isoladamente, e nem impor datas e estilos a certos gêneros,
mas sim compreendê-la como um verdadeiro e grande discurso que, ao
longo de alguns anos, luta para se fazer real na vida e no imaginário de
seu povo.
Mostramos, na primeira parte deste estudo, que vivemos uma
época de pluralidade de discursos, onde os gêneros são híbridos91.
Pensar os gêneros na literatura não implica pensá-los separadamente,
mas sim reconhecer as características estéticas e os movimentos
literários específicos a cada uma das manifestações artísticas de um
povo.
Antes de passar a contextualizar o cenário da poesia mexicana, no
qual José Emilio Pacheco se inspira, dando continuidade à discussão das
temáticas mais latentes da tradição mexicana, discursamos sobre a
palavra poética em tempos de valores líquidos (BAUMAN, 2005).
As palavras do poeta inglês T. S. Elliot abrem o início desta seção
e nos possibilitam identificar a presença da poesia em nossas vidas.
Somos seres construídos pela linguagem, sendo essa nosso modo de
expressão, de reflexão, de conhecimento, e, por conseguinte, nosso
modo de criação. A linguagem possibilita a compreensão de diversos
signos, sejam eles verbais ou não verbais. Nessa combinação, surgem
palavras e imagens capazes de retratar diferentes realidades e,
sobretudo, diferentes pontos de vista.
Desde o início de nosso estudo, quisemos mostrar que a palavra
caracteriza o homem, pois não há sociedade sem a ferramenta da
comunicação. Desde sua formação, a sociedade convive com trocas
comunicativas e simbólicas proporcionadas pelo poder do discurso. Não
podemos nos esquecer de que as palavras são produtos de uma época,
portanto, de uma cultura e fazem com que o homem crie e represente a si
mesmo, através da própria linguagem. Assim, sem o discurso, não
91
Sobre essa questão, Zavala (2008) opina de modo semelhante a García Canclini
(1999).
91
teríamos civilização, muito menos a complexidade das relações sóciohistóricas e pessoais do mundo.
Ao analisar a história do homem, não podemos deixar de inserir a
essa a história da linguagem, já que graças a seus sentidos, o indivíduo
torna-se um ser de significações, recriando o mundo, produzindo
conhecimentos e transmitindo cultura. Dessa forma, com seu trabalho, o
homem caracteriza-se como um ser pertencente a uma sociedade.
A palavra é imaginação, enunciado e enunciação dos desejos
humanos. Esses desejos impõem ritmo e sentido, assim como, imagem e
emoção à palavra. Desse modo, o homem precisa fazer uso da palavra
poética, pois só ela simboliza o verdadeiro som dos signos enraizados em
nossos discursos. Os sons permitem desvendar e atribuir relações e
significações à nossa realidade.
A palavra poética é capaz de representar o que vemos,
percebemos e sentimos, comunicando o que está ausente em nós ou a
nosso redor. Revelar o ausente resume-se num dos desafios da poesia,
pois esta tenta expor o que não conseguimos dizer na vida real; tenta
descobrir detalhes ou sinais do indizível. Cabe, à poesia, transformar o
não dito em linguagem significativa e criadora.
Na mudança do século XX para o XXI, novamente a poesia está
sendo problematizada e rediscutida pela sociedade de uma forma geral.
Sendo assim, os poetas travam um trabalho constante de redescoberta
de sentidos, valores e formas para o texto, contribuindo para que o
homem também se veja como um ser portador de nova linguagem.
Para que o homem se reencontre consigo mesmo nestes tempos
de valores líquidos, cabe, à literatura, contribuir como um antídoto na
recriação de sentidos à vida em sociedade. Recriar sentidos não
pressupõe aceitar a desfiguração ou fragmentação do ser e a
neutralidade dos discursos, mas sim permitir que pensemos, sintamos,
imaginemos e estabeleçamos um novo olhar às nossas ações. Cabe aos
escritores, com seus cantos, despertar ritmos e sensações veladas pela
correria da vida a partir da chamada (pós) modernidade. Assim, o texto
deve funcionar como uma chama, despertando energias no transcorrer de
sua leitura.
92
Para o poeta e filósofo pré-socrático Heráclito92, a poesia necessita
do silêncio. Somente respeitando esse silêncio, compreendemos a
multiplicidade de suas leituras. O silêncio poético seria algo em constante
mudança e que entenderíamos como o conjunto de ritmos, mistérios,
imagens e sentidos produzidos pelos atos individuais de leitura. Em cada
ato de leitura, não somos mais os mesmos; nem o próprio texto poético se
mantém fiel. Como nos expõe Heráclito93 num de seus fragmentos, nunca
nos banhamos duas vezes no mesmo rio, já que na segunda tentativa,
não seremos os mesmos, incluindo o rio e suas águas.
Resta-nos
entender que as imagens que estão ao alcance de nossos olhos ou até
mesmo em nosso inconsciente mudam a todo o momento; o que
encontramos perante nós, em certo instante, será diferente do que era há
pouco e isso nos permite afirmar que as imagens podem ganhar novas
acepções num futuro.
Os poemas com toda a multiplicidade de vozes seguem
transformando em linguagem simbólica fatos do nosso cotidiano, pois a
poesia está em todos os lugares, restando-nos conviver com seus signos.
Conforme o poeta simbolista francês Stéphane Mallarmé94, a poesia não
se constrói com idéias, mas sim com palavras. Dessa maneira, revela,
mais uma vez, a importância da palavra na construção do som, do sentido
e do ritmo, sendo esses os responsáveis por dar vida própria ao texto,
que reconstruímos com nossos múltiplos intertextos.
O ser humano é um verdadeiro intertexto, não existe separado dos
demais. Sua vida e suas ações sempre se cruzam com as do outro, e
assim, os discursos se interpenetram. Para Bakhtin (1992), a noção do
“eu” nunca é individual, mas sim coletiva e social. Ao aprender a falar, o
homem também aprende a pensar à medida que cada palavra revela as
experiências sociais e os valores de sua cultura.
92
In: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de
filosofia. São Paulo: Moderna, 1993, p. 93.
93
Pacheco no poema “Don de Heráclito” (1999, p. 30) recorda que nada retorna, nem
permanece no seu estado original, seguindo o pensamento heraclitiano, e disso surge a
nostalgia pelo perdido como podemos ver nos seguintes versos: “El reposo del fuego es
tomar forma/ con su pleno poder de transformarse./ Fuego del aire y soledad del fuego/
al incendiar el aire que es de fuego. / Fuego es el mundo que se extingue y prende/ para
durar (fue siempre) eternamente”. O fogo simboliza a eterna luta entre os contrários.
94
In: (ANTONIO, 2002, p. 41).
93
O texto traz, em seu discurso, sinais que permitem identificar o
momento e o lugar de sua produção, de maneira que o universo simbólico
criado pelo escritor também inclua as relações do homem em sociedade.
Podemos identificar a função da poesia a partir do discurso do
pensador alemão Walter Benjamin (1994, p. 226), ao tecer comentários
sobre a obra modernista Angelus Novus, de Paul Klee. Segundo ele, a
obra:
[...] representa um anjo que parece querer afastar-se de algo
que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados,
sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve
ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde
nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma
catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre
ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para
acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma
tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com
tanta força, que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade
o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as
costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu.
Essa tempestade é o que chamamos progresso.
Por seu discurso, entendemos que a poesia deve assumir o papel
do anjo da história, com suas asas voltadas para o futuro, na busca de
novos caminhos a serem desvendados. Os olhos de espanto e a boca do
anjo não podem mais simbolizar somente as catástrofes, o medo e o peso
da história de nossos antepassados, mas sim a luta do coletivo em
transformar a existência. Por isso, resta-nos poetizar nossas vidas.
A seguir, começaremos a tecer uma visão panorâmica das
vanguardas mexicanas, assim como o estilo literário de José Emilio
Pacheco ao colocar-se como um grande defensor das causas do povo
mexicano.
A explosão das literaturas de vanguarda deu-se no México no
período da pós-revolução, o que gerou no país uma forte luta entre a
vanguarda estética e a política, devido às evidências históricas serem
mais acentuadas nesse determinado momento.
Para fixar, em termos temporais, a esse período vanguardista
mexicano, propõe-se entendê-lo como dividido em dois momentos, a
vanguarda, iniciada cronologicamente com a Revolução Mexicana e a
Primeira Guerra Mundial, estendendo-se aproximadamente até 1920,
94
período pelo qual os escritores se formam em meio ao horror
proporcionado pelas guerras vivenciadas, produzindo-se uma literatura,
cuja visão trágica se faz presente. Os poetas revelam seu lado
melancólico, elegíaco, seu lado introspectivo e pessimista para com a
sociedade. A outra fase vanguardista, também chamada de surrealista,
reúne as tendências surgidas a partir do movimento de 1924 na França,
onde várias correntes unem-se e os escritores percebem uma grande
mudança de valores. De certa parte, a partir de 1940, houve uma maior
atenção do mundo em direção à literatura hispano-americana, e os
escritores desse momento se conscientizaram em retratar as suas
ideologias de modo mais intenso.
Evidente
que
correntes
literárias
antagônicas
existiram
e
permanecem existindo para alguns intelectuais. Ao analisar a trajetória de
Octavio Paz, percebe-se que um poeta pode transitar por diversos
campos, pois Paz começa seu trabalho literário comprometido com a
realidade política de seu país e também com a preocupação das marcas
deixadas pela Guerra Civil espanhola. Após revisar as literaturas de
vanguarda, o poeta muda seu ponto de vista sobre a poesia, percebendo
que compete ao escritor a liberdade do uso da palavra; logo, a
capacidade de criar uma linguagem mágica, pois para ele compor um
poema equivale a uma atividade revolucionária.
O grande precursor do movimento vanguardista mexicano, como o
pioneiro da poesia moderna, tanto no México quanto na América
Hispânica, foi José Juan Tablada (1871-1945). Sua obra poética
inaugura-se em pleno tom modernista, mas, tempos mais tarde, introduz,
em sua literatura, a utilização de ideogramas95 e de haiku japoneses,
quase que na mesma época que Apollinaire.
O haiku ganha importância ao ser cultivado, no século XVII, por
Matsuo Bashô, poeta barroco japonês, que influencia Tablada na
composição de seus poemas em Un día (1919) e Li-Po y otros poemas
(1920). Essa influência oriental permitiu uma maior liberdade metafórica à
sua palavra poética, criando uma poesia mais visual, capaz de revelar
95
Símbolos chineses que exprimem idéias através de letras.
95
composições divididas entre o tradicional e o novo, entre o popular e o
culto.
O haiku ou haikai, como também é nomeado, constitui-se por ser
uma pequena composição poética, de origem japonesa, que teve seu
início originalmente no século XIII com função sarcástica, atingindo uma
grande popularidade. Ademais, apresentava uma estrutura poética de
apenas três versos, somando dezessete sílabas, o primeiro e o terceiro
com cinco e o segundo com sete. Além de ser formado com poucas
sílabas, o haiku não apresenta o emprego de rimas, já que a musicalidade
sobressai pela escolha dos semas empregados.
Essa composição poética, segundo sua tradição, representa uma
vivência espontânea, capaz de gerar imagens e valores para o próprio
poeta, porque a tradição do haiku traz um elemento essencial para a
poesia, o que os poetas posteriores nomearam de “instante haiku”96, em
que uma luz transcendental, representando a inspiração, transforma-se
em expressão poética. Tal sensação também se assemelha às relatadas
por muitos contistas latino-americanos no ato de inspiração e criação de
seus textos.
Os poetas espanhóis97, principalmente os da Generación del 27,
adaptam suas poesias ao haiku, pelo emprego de imagens como
símbolos de expressão, deixando transparecer um certo traço de
significação individual. O haiku, para esses poetas, é o jogo, o lúdico, um
reprodutor de imagens, sendo capaz de representar, em cada verso, uma
imagem poética. Podemos dizer que o haiku associa o poema a uma
aquarela, dosando cores com palavras, que representam formas que
ultrapassam a simples realidade.
96
Indicamos a leitura do capítulo “La transparencia universal de la escritura en el
lenguaje poético de Octavio Paz”, que aborda o “instante poético” na concepção e na
obra de Octavio Paz. In: GUBERMAN (1998).
97
Pacheco comenta tal contribuição quando diz: “la influencia de la literatura española
en México fue muy grande. Hay que tener en cuenta que el exilio fue una catástrofe
humana, pero a la vez una bendición cultural y de intercambio. Yo nazco en el 1939, y
por tanto toda mi vida pasa al lado del exilio. Hay dos escritores que tuvieron mucha
importancia en México: Max Aub y Vicente Aleixandre” (BRAVO VARELA, 2009, p. 67).
96
Posteriormente, houve o surgimento do grupo Estridentista,
fundado pela figura de Manuel Maples Arce (1898-1981), que desenvolvia
o movimento desde os anos vinte, mais especificamente em dezembro de
1921 até o ano de 1927. Ele encontrou, através da revista Actual — que
funcionou como uma espécie de manifesto —, a melhor forma de difundir
as idéias de sua geração, responsável por buscar uma nova escritura
poética e a relação da mesma com a pintura.
Maples Arce, ao buscar uma poesia pura, em que a palavra vale
por si própria, diferente de tudo que está presente na realidade, retoma as
idéias da estética criacionista do poeta chileno Vicente Huidobro, de
pensar uma arte que não seja imitação da realidade, mas sim uma poesia
que capte da vida real características essenciais para a criação poética.
Não basta somente descrever e narrar as cenas e fatos da vida
perceptível aos nossos olhos.
Ao longo do período de sua existência, os estridentistas, além de
publicarem suas obras pessoais, divulgaram suas idéias por meio das
revistas Ser (1922), Irradiador (1923), Semáforo (1924) e Horizonte,
Revista mensual de actividad contemporánea (1926-1927), e também
através do jornal El Gladiador. No teor dessas publicações, percebemos
as intenções de Maples Arce de pensar a renovação literária em seu país
pós-revolucionário, já que o México permaneceu indiferente durante
algum tempo a novas idéias e a novos nomes de escritores universais —
principalmente os das escolas européias — vinculados ao período de
vanguarda.
Maples Arce, por meio da revista Actual, convoca os intelectuais
mexicanos a lutarem por qualquer força contrária aos ideais de renovação
estética trazidos por seu movimento, como por exemplo, as idéias
contrárias do doutor González Martínez, que negava a contribuição do
canto do cisne do modernista Rubén Darío aos movimentos posteriores.
Escritores como Germán List Arzubide, Arqueles Vela, Luis
Quintanilla, Salvador Gallardo, Miguel Aguillón Guzmán, Francisco Orozco
Muñoz e Humberto Rivas uniram-se a representantes das artes plásticas,
97
como Leopoldo Méndez, Fermín Revueltas, Diego Rivera, Jean Charltol, e
outros. Também alguns músicos e compositores imprimiram certo caráter
nacional ao movimento estridentista. Todos esses nomes foram os
responsáveis pelo estabelecimento de uma sede do movimento, que,
mais tarde, entraria para a história literária mexicana por meio do
romance98 El Café de Nadie, de Arqueles Vela, obra capaz de revelar,
dentre outras questões, que os estridentistas criaram uma arte para o
presente e não para o passado.
A partir dos ecos de algumas sessões no Café Europa, em Xalapa,
surge um grupo antagonista, Los Contemporáneos. Uma de suas
primeiras aparições deu-se em uma conferência sobre poesia mexicana
ministrada por Xavier Villaurrutia, em 1924, na Biblioteca Cervantes, onde
o poeta reconheceu a importância de Maples Arce ao induzir uma
consciência poética coletiva.
La Generación de los Contemporáneos (1928-1931) surge
lançando mão de uma revista, cujo nome identifica-se ao do movimento,
como meio de levantar as inquietudes da época.
Assim, ambos os grupos representantes da vanguarda no México
estavam compostos, por um lado, com idéias divergentes e, por outro
lado, com pontos em comum.
Segundo Gordon (1994, p. 60), os contemporáneos surgiram do
grupo estudantil “Orchabada”, formado por jovens escritores que
acompanhavam a constante criação e desaparição de revistas literárias
ocasionadas pelo período pós-revoluncionário do México. Esses jovens,
com caminhos cruzados na Escola Nacional Preparatória, foram os
responsáveis por fundar a revista Contemporáneos. Entre os mais
relevantes, destacaram-se Carlos Pellicer, Bernardo Ortiz de Montellano,
José Gorostiza, Jaime Torres Bodet, Xavier Villaurrutia, Gilberto Owen e
Salvador Novo.
98
Merece destacar a importância que assume o romance dentro de um país, visto que o
mesmo se caracteriza por ser um dos principais vínculos de imaginar a nação.
98
Os poetas do movimento, dotados de uma sólida formação cultural
e, alguns deles, ocupantes de importantes cargos no Departamento
Editorial da Secretaria de Educação Pública, conseguiram aproximar a
literatura hispano-americana a novas correntes literárias, como contatos
com a Generación española del 27, com os surrealistas franceses e com
a literatura norte-americana. Sempre conseguiram manter um constante
diálogo com as formas tradicionais de expressão em poesia.
Os
Contemporáneos
como
os
Estridentistas,
além
de
compartilharem o reconhecimento a seus predecessores, José Juan
Tablada e Ramón López Velarde, instauravam-se como movimentos
contemporâneos99 que buscavam uma poesia100 recorrente a formas e
recursos da vida moderna.
Uma nítida diferença entre ambos os movimentos da vanguarda
mexicana reside no fato dos Contemporáneos demonstrarem uma quase
que total indiferença para com a história e seus assuntos públicos, por
isso os poetas criaram seu próprio mundo, povoado pelos sonhos, pela
morte, pelos traços eróticos e pelo linguajar existencialista, recebendo,
este último, influências dos pensamentos de Martin Heidegger (18891976) e Jean Paul Sartre (1905-1980).
Os Contemporáneos, como verdadeiros representantes de um
dandismo, sempre procuraram estar a frente de seu tempo. Entre um
desses, Octavio Paz destaca o “dandismo mexicano” (Paz, 1987, p. 87)
de Salvador Novo, pelo constante desafio de ser moderno e irritar aos que
estivessem a seu redor por meio de seus atos e sua voz poética.
Também os Contemporáneos, através do Manifesto Surrealista,
publicado em 1924, perceberam claramente o automatismo psíquico
proposto por André Breton101. Perceberam que a criação poética pode
99
Em 1926, os estridentistas publicaram, em Xalapa, a revista Horizonte, que
apresentava, em seu sub-título, o vocábulo “contemporáneo”, podendo ser um
sinalizador para rotular o movimento antagônico.
100
A essa poesia, como vimos, os estridentistas nomearam “poesía pura”, e Gilberto
Owen, um dos contemporâneos, de “poesía plena”, sem nada diferenciar do movimento
anterior, contrariando a terminologia dada por Valéry. In: RODRÍGUEZ (1994, p. 86).
101
Breton não seria o pioneiro do termo “surrealismo”, pois, em 1917, Apollinaire o
utilizou, pela primeira vez, como sub-título de uma de suas obras. Antes de seu
99
emergir livremente de qualquer controle imposto pela razão, não
necessitando de uma preocupação com o resultado, ou seja, com a
estética ou com questões sociais e/ou morais, visto que o exercício
poético, livre de toda censura, permitiria ao escritor, sem nenhuma
intenção pré-concebida, criar imagens102 literárias por meio de um
impulso alheio a seu desejo. Além disso, o escritor poderia formular e
associar imagens diversas, representadas no papel somente após serem
previamente elaboradas em sua mente. A essas técnicas Breton nomeou
“escritura automática”.
O ato de produzir imagens livres oriundas do inconsciente
permitiria que os poetas transformassem a realidade, porque os mesmos
conseguiriam escritos puros, oriundos do livre exercício mental. Para
Breton, o sonho tinha uma realidade objetiva e exercia uma considerável
influência na realidade consciente, por isso considerou os estudos de
Freud sobre o sonho e o inconsciente relevantes para a compreensão do
surrealismo.
Os
Contemporáneos
também
perceberam
que
o
nosso
inconsciente funciona a partir de imagens, e através delas, podemos
expor idéias, sensações ou fatos “adormecidos” em nossa mente, que
funcionam como uma espécie de objeto capaz de revelar passagens
intrínsecas do nosso ser e, dessa maneira, ao vê-las ganhar forma
poética, reconhecer ou imaginar os sentidos atribuídos pelas mesmas.
Compreenderam, pois, que a voz poética deve brotar de uma reflexão e
associação entre palavras e idéias.
Após os Contemporáneos, surge uma geração de escritores
portadora de uma linguagem elegíaca, pessimista e melancólica, causada
pelo horror da Segunda Guerra Mundial. A geração de Taller (1938-1940)
tem, entre seus representantes, Octavio Paz, Efraín Huerta e Neftalí
manifesto, Breton une-se a Soupault e Aragon com fins de publicar uma revista que
favorecesse o Movimento Dada, revelando assim suas principais inquietações. O
manifesto de Breton não pode ser considerado como o primeiro a expor e discutir a
estética surrealista, tendo em vista que outras publicações e outros nomes se fizeram
presentes no contexto artístico-literário da época, em um primeiro momento,
fundamentalmente literário, expandindo-se, em um segundo momento, a outras
expressões plásticas da arte.
102
O conceito de imagem será discutido na seção 2.3 do capítulo II.
100
Beltrán. Esta geração buscou seguir os mesmos passos da escola
anterior, como influências pela cultura européia, a palavra poética
funcionando como elemento de transformação, a exploração do
subconsciente, a consciência artística e o rigor técnico pela forma.
Outro grupo, Tierra Nueva (1940-1942), surge com o objetivo de
resgatar uma arte pura defendida por Villaurrutia e os Contemporáneos,
com o fim de encontrar o equilíbrio entre a linguagem moderna e a
tradicional. Para esse grupo, a verdadeira arte estaria no poder da palavra
poética. O mais importante membro do grupo foi Alí Chumacero, seguido
de outros importantes nomes, como os de Alfonso Reyes, Jaime Sabines,
Rubén Bonifaz Nuño, Rosario Castellanos e Jaime García Terrés,
formando assim um grupo de extremo destaque para a poesia mexicana
atual.
Segundo Anderson Imbert (1987), antes do surgimento da voz
poética de José Emilio Pacheco, temos duas correntes, que, ao mesmo
tempo em que são diferentes, apresentam caminhos paralelos, o que
permite, aos escritores, seguir ambas as idéias, e, nesse cruzamento,
encontrarmos a figura de Pacheco. O crítico argentino divide a poesia dos
anos 40 e 50 da seguinte forma: uma, de tradição cultista, estética, com
uma busca pela perfeição da forma e do conteúdo, que vê, em seus
representantes, a luz para se chegar a uma poesia pura; a outra vertente
poética, presa a uma tradição sentimental, anticultista, tornando-se uma
poesia coloquial, portanto, popular, cujos representantes defenderam uma
arte que revelasse a sinceridade e que fugisse dos grandes vôos
poéticos.
Junto a José Emilio Pacheco, na década de 60, unem-se Eduardo
Lizalde e Gabriel Zaid, no resgate de duas vertentes da poesia, uma
subjetiva e irracional, e outra, objetiva e social. Tais poetas primeiro
apreenderam certas tradições anteriores antes de implementarem novos
elementos pessoais a suas poéticas. Semelhante a Octavio Paz, Pacheco
possui o desejo de experimentar, de incorporar a sua arte à compreensão
de outras instâncias, o desejo de criar outras realidades e fazer com que
o leitor possa compreendê-las.
101
Nos capítulos que seguem este estudo, procuramos expor o modo
como Pacheco escreve a sua existência, da qual somos co-criadores.
Pensar sua existência pressupõe aceitar a complementação do outro, em
que cada ser configura-se como um universo de linguagens. Ao
estabelecer um diálogo com o outro, podemos entender nossa parcela
como seres co-participantes, logo, criadores, cuja sociedade seria um
grande poema e, cada um de nós, a palavra, tendo como função atribuir
sentido a essa unidade maior que nos completa. Resta-nos, aos versos,
tentar compreender a época de travessias e de hiper-individualizações a
que estamos imersos. Além disso, tratamos com maior embasamento
teórico a imagem do caos trazida pela Modernidade, que nos revela uma
cidade dilacerada, fragmentada e violenta.
102
II. (RE) LEITURAS DA CIDADE: IMAGENS DO CAOS E DO MAL
ESTAR DOS TEMPOS
En México, no la ciudad, sino el país, porque así llamamos a
ambos sin hacer diferencia, existen numerosas ciudades vitales
que proponen una narrativa personalizada. Ahí también se da
el hecho urbano, las realidades colectivas, la desigualdad y la
injusticia en la convivencia.
Eduardo Langagne (2005, p. 46)
Neste capítulo da tese, buscamos orientar o leitor ao tema central
de discussão de nosso estudo, fundamental para a compreensão de
nossas suposições e análises do próximo capítulo. Trata-se do capítulo
de fundamentação teórica sobre a questão principal de nosso
interesse. Cabe ressaltar, ainda, que existem muitos estudos sobre a
temática citadina, procuramos direcionar nossas leituras para os
teóricos Lynch (1997), García Canclini (1999), Romero (2004), Gomes
(2008), Sarlo (2009) e Bauman (2009), porque percebemos neles
aproximações conceituais e pertinentes ao nosso corpus de estudo.
A cidade é um tema bastante problematizado por grande parte
dos escritores latino-americanos; cantada de inúmeras formas e por
diferentes perspectivas, seja ela uma cidade real ou imaginada. Como
nos diz o ensaísta argentino García Canclini (1999, p. 107):
Devemos pensar na cidade como um lugar para habitar e para
ser imaginado. As cidades se constroem com casas e parques,
ruas, autopistas e sinais de trânsito... Mas também se
configuram com imagens. Também imaginam o sentido da vida
urbana, dos romances, das canções e filmes, dos relatos de
jornal, da rádio e da televisão. As cidades não se fazem
somente para serem habitadas, mas também para viajar por
103
elas
O
pesquisador
sintetiza,
de
modo
bastante
claro,
que
a
compreensão da cidade não se dá somente na análise e leitura de seu
espaço físico, mas sim que o sujeito que também a habita permite lê-la e
103
“Debemos pensar en la ciudad a la vez como lugar para habitar y para ser imaginado.
Las ciudades se construyen con casas y parques, calles, autopistas y señales de
tránsito... Pero también se configuran con imágenes. También imaginan el sentido de la
vida urbana, las novelas, las canciones y películas, los relatos de la prensa, la radio y
televisión. Las ciudades no se hacen sólo para ser habitadas, sino también para viajar
por ellas”. [Tradução nossa]
103
criar imagens para ela. Esse sujeito é capaz de construir diferentes visões
de cidade a partir de seu discurso. Segundo o historiador estadunidense
Lewis Munford (1998), na década de 1960, a cidade, enquanto metrópole,
já ditava modas e costumes e começava a conviver com alguns dilemas
da vida contemporânea.
Com o advento da Modernidade, a cidade104 reforça seu papel como
imagem central do olhar dos sujeitos, dos intelectuais e dos escritores. Na
cidade moderna, as pessoas e as informações passam velozmente, não
há tempo de cruzá-las, de estabelecer laços.
No decorrer deste capítulo, questões como as apontadas no
parágrafo anterior serão apresentadas e problematizadas. Buscaremos,
aqui, trazer também, para a discussão, aspectos desde a fundação das
cidades hispano-americanas até sua contemporaneidade, fazendo com
que o leitor perceba mudanças significativas na forma de ler o espaço
urbano no decorrer do tempo, principalmente, na transição do século XX
ao XXI.
Tendo nossa pesquisa intenção de tratar as nuances das cidades
mexicanas, essencialmente, a da Cidade do México, espaço a que
Pacheco direciona quase toda sua obra, não podemos deixar de
comentar, na leitura da cidade atual, a sobreposição de espaços (templos,
praças, ruas) e a perpetuação de um imaginário indígena em nosso
estudo.
Embora citemos, em alguns momentos deste estudo, fatos da
história mexicana, não é nosso objetivo esmiuçá-la para realizar a leitura
do espaço urbano, mas sim entendê-la como uma marca do estilo do
escritor com o intuito de revelar o desgaste do tempo. Ancoramo-nos em
teóricos
que
pensam
a
cidade
a
partir
de
um
olhar
da
contemporaneidade, o qual pode resgatar certas imagens do passado.
104
Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2009, p. 35), “[...] é nos lugares que
se forma a experiência humana, que ela se acumula, é compartilhada, e que seu sentido
é elaborado, assimilado e negociado. E é nos lugares, e graças aos lugares, que os
desejos se desenvolvem, ganham forma, alimentados pela esperança de realizar-se, e
correm risco de decepção – e, a bem da verdade, acabam decepcionados, na maioria
das vezes”.
104
Para os modernos, a cidade contemporânea é um inferno, uma paisagem
sem vida, um problema, uma utopia. Para Bauman (2009), a urbe é um
espaço fragmentado, campo de batalha e a variedade de vida existente é
fonte de medo e de incerteza:
[...] viver numa cidade é uma experiência ambivalente. Ela atrai
e afasta; mas a situação do citadino torna-se mais complexa
porque são exatamente os mesmos aspectos da vida na cidade
que atraem e, ao mesmo tempo ou alternadamente, repelem
(BAUMAN, 2009, p. 46-47)
O pesquisador brasileiro Renato Gomes (2008), em seu estudo
sobre a experiência urbana, visualiza a cidade a partir de um olhar pósutópico. Para o ensaísta brasileiro Paulo Sérgio Rouanet (1986, p. 39), o
homem moderno não idealiza o futuro porque só tem a “dimensão do
presente – um presente monstruoso, avassalador”. A visão de Rouanet da
atualidade assemelha-se a de Gomes.
As cidades, em nosso contexto, as mexicanas, não existem somente
como espaço físico, mas sim, desde sua fundação, em leituras mediante
relatos da literatura oral dos povos pré-colombianos ou das cartas dos
conquistadores ou dos jesuítas, que foram construindo, pouco a pouco, o
cotidiano urbano das mesmas junto à presença do homem. As cidades
surgem para substituir outras, mas nunca podemos dizer que todas são
iguais, porque cada uma delas possui uma história e cultura específicas
que as diferem.
Para o crítico Walter Benjamin (1994), uma cidade ajuda a
compreender outra. Porém, para Gomes (2008, p. 40) ler uma cidade é
uma tarefa cuidadosa, já que é necessário “reconstruí-la com cacos,
fragmentos, rasuras, vazios, jamais restaurando-a na íntegra”. Calvino
(1990, p. 34) defende que todos trazem consigo um modelo de cidade
que é constantemente revisitado por outras ao expor “confirma-se a
hipótese de que cada pessoa tenha em mente uma cidade feita
exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma,
preenchida pelas cidades particulares”.
A obra de Pacheco evidencia um verdadeiro caos inserido nas
relações sociais da vida contemporânea. A primeira idéia de caos aparece
105
na Bíblia, no livro do Gênesis (1: 2), onde se descreve a seguinte
imagem: “a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, o
espírito de Deus paraiva sobre as águas”. Tal passagem alude à imagem
do vazio e da desorganização das coisas. Ao mesmo tempo em que as
trevas cobrem o abismo, simbolizando a realidade, refletem também a
imaterialidade.
A palavra “caos” provém do grego e descreve uma idéia ou
qualquer
situação
onde
haja
confusão
ou
desordem.
Também
encontramos associação do termo à noção de “escuridão” e, inclusive,
“trevas do inferno”.
Segundo o Dicionário de símbolos de Chevalier e Gheerbrant
(1995, p. 193), temos na expressão hebraica “tohu wa bohu” e nos ideais
da sociedade greco-romana a personificação do caos como a imagem do
vazio e da desordem das formas anteriores à criação do mundo. Essa
imagem da não-ordenação encontra-se em sociedades como a egípcia, a
chinesa e a céltica, que compreendem o caos como origem da criação do
mundo e uma constante força da coexistência de formas.
Pacheco comenta sobre a imagem do caos em sua literatura:
No soy el inventor de la disolución y el caos. Además la poesía
no es un manual de autoayuda. Más bien sirve para llamar la
atención sobre las cosas menos agradables del mundo. Me
parece asombrosa la capacidad de Neruda para celebrar lo
grato y lo placentero. La dicha y el placer son mudos. Sólo la
desgracia y el sufrimiento hablan (BRAVO VARELA, 2009, p.
67)
Pacheco reconhece a carga fatalista de seus textos, pois não há
como renegar a realidade ao redor105. Reconhece, ainda, sua dificuldade
em criar uma literatura mais musical, como relata:
[...] He escrito muy pocos versos rimados y nunca he hecho un
buen soneto, pero defiendo estas cosas con base en mi
experiencia de haber vivido en el puerto de Veracruz, donde
105
No discurso de recebimento do Prêmio Cervantes, Pacheco (2009c) mantém a visão
caótica para o mundo ao expressar: “Nada de lo que ocurre en este cruel 2010 – de los
terremotos a la nube de ceniza, de la miseria creciente a la inusitada violencia que
devasta a países como México – era previsible al comenzar el año. Todo cambia día a
día, todo se corrompe, todo se destruye. Sin embargo en medio de la catástrofe, al
centro del horror que nos cerca por todas partes, sigue en pie, y hoy como nunca son
capaces de darnos respuestas, el misterio y la gloria del Quijote”. No discurso de
ingresso ao Colegio Nacional de México, em 1986, o escritor já demonstrava sua leitura
do caos urbano ao comentar: “[...] Nos rodean una ciudad y un país en ruinas. Por
dondequiera vemos la devastación y la miseria” (PACHECO, 1986, p. 60).
106
hasta hoy se hacen décimas perfectas incluso por autores que
no saben leer ni escribir. Mi trabajo debe mucho a mis años de
Veracruz y a la cultura del verso oral (BRAVO VARELA, 2009,
p. 71)
A cidade da obra de Pacheco é a Cidade do México real, a dos
mapas geográficos, a altamente populosa e poluída, a monstruosa, a
violenta, a caótica, a múltipla, a cantada por alguns escritores como a
“ciudad perra”, “ciudad famélica”, “ciudad lepra y cólera hundida”, “ciudad
del fracaso ansiado” ou “ciudad con tres ombligos”.
Por outro lado, ainda, encontramos esperança de tempos melhores
para o avanço e a qualidade de vida nesta mega-cidade, como nos
sinaliza a escritora mexicana Laura Esquivel em entrevista cedida ao
jornalista brasileiro Zeca Camargo, em abril de 2010:
A Cidade do México me enche de uma energia muito especial
que vem da terra. Você aprende desde criança como festejar a
vida e assim vai formando o conceito da cidade [...] O mais
importante é sempre nossa capacidade de reunião, de vínculo,
de comunhão. Somos nós que escrevemos nossa história.
Temos que ser artistas e nos reinventar todos os dias reinventar nossas cidades, reinventar nossos países
(CAMARGO, 2010).
As palavras de Esquivel reforçam a imagem do sujeito preso a sua
cidade de origem e a vivência e/ ou experimentação do lugar
possibilitando revisitá-lo sempre. A escritora destaca a importância do
coletivo no espaço urbano, aspecto que, na literatura de Pacheco, não se
revela na vida contemporânea do país. Debates como esse também são
lembrados neste estudo, que pretende discutir a cidade no prisma da vida
moderna.
Optamos por introduzir, em alguns momentos deste capítulo,
fragmentos da obra de Pacheco como exemplificação das impressões do
sujeito para a Cidade do México, visualizada como uma cidade do medo,
da violência e do caos.
107
2.1.
O discurso fundador da cidade
As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e
medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto,
que suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas
enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa.
Ítalo Calvino∗
O desejo de criar passa por diversas civilizações, gerando sempre
uma vontade infinita de construir, construir tempos melhores, edificar
caminhos, prédios, cidades... Conforme as idéias de Ítalo Calvino, o
homem projeta seu desejo e encontra prazer somente quando consegue
imaginá-lo infinito.
As cidades fundadas pelos conquistadores espanhóis foram
espaços pensados e planificados na Europa para funcionarem como
colônias, onde essas seriam depósitos de recursos obtidos com a
finalidade de enriquecer a Coroa espanhola, e além do mais, espaços de
conquista dos traços culturais das populações nativas, já que como nos
afirma o crítico argentino José Luis Romero (2004, p. 80), toda cidade
surge “para cumprir uma função pré-estabelecida”.
Com a chegada de Cristóvão Colombo à América, formalizou-se
um primeiro movimento de construção de sentidos para esse novo mundo
através do discurso dos conquistadores. A primeira leitura da América
mostra um europeu tentando abarcar o exótico, o novo, a diversidade
natural, já que segundo Romero, a visão do tropical sempre encantou os
conquistadores. Esses não tinham como objetivo principal a preocupação
em retratar o indivíduo americano, mas esmiuçar o seu território.
A chegada da comitiva de Cortês, em 1519, trará uma nova leitura
e um novo olhar para o continente americano, porém o próprio espanhol
já traz consigo, em seu imaginário, certas imagens da América, geradas
pelas leituras dos primeiros discursos, cabendo-lhe agora, reler,
∗
In: NOGUEIRA M, A. L. “A cidade imaginada ou o imaginário da cidade”. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, volume 1, p.115-123 mar-jun, 1998. Disponível em:
<www.scielo.br/scielo.php>. Último acesso em: 10 set. 2010.
108
redescobrir e produzir novos sentidos para as civilizações da América
Central106.
Nesse encontro de ambas culturas, a do colonizador e a do povo
que será colonizado, são estabelecidos fortes laços pela questão da
identidade de cada uma dessas culturas107, com suas vivências e
experiências anteriores, e será a manutenção dessa identidade, o fator
responsável por transformar a cidade num espaço de mudanças e de
lutas por certas ideologias, como nos assegura Romero (2004).
O sociólogo brasileiro Octavio Ianni (2003, p. 83) nos assegura de
que quase nunca o encontro de culturas se dá de modo unilateral, mesmo
que ocorra o predomínio de uma sobre a outra, todavia o autor acredita
que o encontro acarrete uma simbiose, capaz de fazer com que ambas
pensem e recriem seus costumes. Através de suas palavras, somos
capazes de reconhecer que a conquista das terras americanas gerou
novos horizontes, principalmente, para a economia, a cultura e o
pensamento da sociedade européia.
Ao olhar e tentar compreender a conquista do Novo Mundo pelos
espanhóis, vemos que estes se fundam no seu sentimento de
superioridade ideológica, gerado pela memória da Reconquista, quando
então já tinham vivenciado o sabor da derrota de um inimigo. Sendo
assim, a memória da Reconquista constitui um fato marcante da
identidade espanhola, pois modelou a estrutura do Estado e criou, de
certa maneira, novos hábitos e mudanças no interior dos indivíduos.
Esse patamar de superioridade em que se coloca o indivíduo
espanhol baseia-se também no poder tecnológico e de navegação que os
mesmos possuíam108. A Espanha do século XVI mostra-se civilizada a
partir do momento em que encontrou a sua verdadeira religião, sendo
essa fortalecida ao longo da Reconquista pelo papel da Igreja ao impor
um caminho espiritual e material à sociedade, ou melhor, ao Estado.
106
Cabe relembrar e destacar que os espanhóis também ficaram maravilhados com o
avanço das invenções americanas.
107
Segundo Benjamin (1994), a idéia de cultura traz, impregnada em si, a noção de
barbárie.
108
Para Guberman (1998), temos o seguinte esquema: de um lado, a Espanha,
representando toda a metodologia científica versus a América, com sua mecânica da
pedra.
109
Hernán Cortês, possuidor de imagens estereotipadas das culturas
americanas, chegou à costa do México e imediatamente apoderou-se da
cidade de Tabasco. Antes de migrar para o interior do país, fundou Vera
Cruz, uma nova colônia espanhola. Nesse momento, conheceu a índia
que entrou para a história por suas ações, La Malinche, uma princesa
nativa, que se transformou em sua companheira e num importante
instrumento para vencer os povos inimigos, tendo em vista que a nativa
conhecia os hábitos e línguas dos antigos povos.
Cortês e seus homens não tinham outro fim a não ser o de
descobrir riquezas, principalmente ouro109 e prata, e de transformar a
história de um povo até aquele momento, livre, projetando assim certo
plano de destruição, que atribuía uma nova religião e utilização de
indivíduos como força de trabalho110 para a corte espanhola. Aos olhos de
Cortês, repletos de dor e ira, o objetivo seria acabar com a prosperidade
da cultura do outro, fazendo com que essa se visse abalada social,
cultural e moralmente.
Montezuma, que reinava no Império Asteca, era considerado um
governante severo e fiel às suas obrigações como representante máximo
de uma civilização e verdadeiro responsável pelo esplendor da cultura
asteca. No entanto, com o passar dos anos, esse imperador, preso
fortemente a certos princípios religiosos, acabou, através desses, sendo
tomado por uma certa carga fatalista, que acabaria por escravizar toda
uma civilização em pleno desenvolvimento.
Tal conduta iniciou-se com o mito do deus do vento e da chuva
Quetzalcóatl, pois, pela memória oral de sua civilização e pelos antigos
hieróglifos, relatava-se que esse deus, estereotipado como um homem
branco, alto e de longa barba, viveu junto aos astecas, momentos antes
da chegada dos europeus ao continente americano, e foi também o
109
O ouro para os astecas tinha um valor meramente estético, por isso com a chegada
da comitiva de Cortês, os astecas o entregaram de boa vontade aos espanhóis, e isso
fez com que esses europeus pensassem que esse material seria encontrado em grandes
quantidades nos solos dessa cultura.
110
Essa poderia ser a grande riqueza mexicana, já que, através dessa, os espanhóis
poderiam transformar a Nova Espanha em uma colônia muito produtiva para a Corte
espanhola.
110
responsável por grande parte dos ensinamentos morais e culturais a essa
civilização.
Por isso, o mar representa a expansão, a dominação e o poder.
Para Eliade (1991, p. 151-152), a água traz consigo a simbologia da
renovação, ou melhor, da regeneração dos mundos, gerando a formação
de um “homem novo”. Os conquistadores com suas navegações
funcionariam nessa acepção de Eliade, como os responsáveis por ensinar
e mostrar as mudanças e inovações que surgem no encontro de culturas
diferentes.
No entanto, sabemos que não só de progresso foi gerada a
chegada dos conquistadores através dos mares, mas também que a água
seria um símbolo, desde muitos anos, do derramamento de muito sangue
e objeto de lutas entre diferentes povos do planeta.
O mar denota que, ao mesmo tempo em que os viajantes deixaram
suas marcas e sinais de aprendizagem, também a idéia da guerra fez-se
presente. Eliade comenta que a água “implica tanto a morte como o
renascimento”. Dessa maneira, a água reluz uma simbologia da vida e da
morte desde sua origem como sinal de vida na formação do mundo.
O olhar do viajante espanhol para a cidade nunca buscou
estabelecer uma identidade com o lugar, ou seja, um vínculo afetivo com
o espaço da urbe, contudo procurou usufruir suas principais riquezas.
Conforme as idéias de Romero (2004), esses conquistadores não seriam
mais que aventureiros que vinham para a América tentar apoderar-se de
suas riquezas e com o fim último de explorar tais recursos, para levarem
às suas cidades de origem.
Esses colonizadores traziam consigo, no imaginário, uma imagem
de tais culturas existentes, no entanto acreditavam que essas se
constituíam de um espaço culturalmente vazio, o que Romero (2004, p.
13) conceitua por “cidade ideológica”, ou seja, a esse espaço originário do
propósito de dominação de um território pelos conquistadores, não
reconhecendo, nesse, uma cultura e certos traços característicos de uma
comunidade específica.
O olhar do estrangeiro visualiza um objeto, mas ao mesmo tempo,
não interage com esse, resumindo-se a um olhar de mera observação.
111
Para a pesquisadora brasileira Ana Fani Carlos (1996, p.4), o não
comprometimento com um espaço social é entendido como um olhar do
“não-lugar”, representando a não identificação do sujeito com o espaço
físico ao seu redor e com o coletivo.
Ao pensar nessa função pré-determinada, destinada a cada
espaço, compreendemos que a cidade se colocou, desde suas origens,
como um lugar da observação por parte de um sujeito, onde esse
consegue perceber as dimensões e as formas visíveis desse espaço. A
partir do momento que o indivíduo começa a criar sentidos para esses
espaços, evidenciamos que a cidade não se constitui como um mero
espaço vazio, mas um espaço onde instituições políticas, administrativas
e indivíduos socialmente diferentes cruzam-se nesse “corpo111”, que se
assemelha à cidade, configurando, desse modo, sentidos a esse lugar
habitado, que podemos pensar como cidade.
Toda cidade se funda com o sentido primeiro de proteção e de
privação, tanto para impedir lutas, quanto para evitar o roubo de certas
propriedades. No caso mexicano, a Cidade do México, capital do país,
ergueu-se sobre as ruínas de uma cidade indígena, ou seja, sobre a
eterna memória viva da arquitetura de Tenochtitlán112, capital do Império
Asteca. Cortês, ao observar tal cidade, encantou-se com a proporção
111
Baseamo-nos no conceito de Ferrara (1990, p. 4) ao entender a cidade como um
organismo vivo, mutante e ágil, capaz de atuar por meio das relações sociais que a
caracterizam.
112
A cultura asteca começou por volta do ano de 1325 a erguer a sua cidade. A escolha
de uma ilha próxima a um lago — o Lago Texcoco — de águas salgadas foi determinada
pelo deus da guerra Huitzilopochtli a um sacerdote: sua cidade deveria ser fundada em
um bambuzal, encontrado numa ilha rochosa, onde esse notasse a presença de uma
águia que devoraria uma serpente sobre um cacto, convertendo-se essa imagem, nos
dias atuais, como um dos símbolos mais arraigados da identidade coletiva mexicana,
presente na bandeira nacional do México. Os astecas acabaram refugiando-se nas ilhas
pantanosas do Lago Texcoco. Nessa região, a vivência em tal habitat foi a responsável
pelo desenvolvimento de atividades como a caça de pássaros, a pesca e a criação dos
jardins flutuantes. Com o passar dos anos, os astecas foram substituindo as palafitas por
um tipo de construção em pedra, estando às margens do lago por meio de diques.
Nesse espaço, ergueu-se uma cabana de bambus, representando o santuário do deus
da guerra e estaria fundada a cidade de Tenochtitlán, capital do império asteca, que
Octavio Paz, chamou em seu poema, “Petrificada petrificante” de “ombligo de la luna”
pois foi fundada exatamente no centro do lago Texcoco. Aos poucos, os astecas
levantaram muralhas, palácios, templos e gigantescas pirâmides, e instalaram a capital
do império asteca numa posição estratégica, o que facilitaria o estabelecimento das
relações sociais e comerciais entre os povos vizinhos. Aproximadamente dois séculos
mais tarde, essa mesma cidade, que crescia cada vez mais, deixou os conquistadores
espanhóis maravilhados e encantados com a diversidade de suas riquezas.
112
dimensional da mesma, a ponto de considerá-la maior que as cidades
espanholas de Sevilha, Córdoba e Salamanca, informação revelada num
dos discursos de viagem remetidos à Corte espanhola.
Foi por meio da ideologia e do discurso de Cortês, que os sentidos
do mundo indígena e de sua religião foram quase extintos para serem
substituídos por um pensamento estritamente ocidental e puramente
cristão. A América, nesse encontro de culturas, precisou assimilar o outro,
principalmente porque esse encontro também se deu na língua de
comunicação entre os povos. A imposição da língua espanhola e de seu
extenso léxico tornou-se um dos elementos de colonização do território
americano. Tal língua era inadequada ao mundo americano indígena, e
teve de ser adaptada a esse novo universo, o que explica o emprego de
palavras indígenas, mais próprias a certos contextos. Tanto a língua
espanhola gera novos sentidos ao dialeto indígena, quanto vice-versa,
pois certas palavras ganham novas significações, logo temos discursos
que se relacionam uns com os outros e constroem novas realidades.
Os atos de Cortês e seus homens provocaram uma quase
destruição total da capital asteca, assim como dos seus espaços
sagrados de adoração a suas divindades. Todos os vestígios de uma
civilização foram subjugados pela ganância do branco colonizador.
Após alcançar seu objetivo, Cortês encarrega-se de erguer uma
nova cidade, obviamente com características européias, logo uma nova
Espanha projetava-se em pleno cenário americano, ou seja, das cinzas,
surgiria a Cidade do México, capital do país. Destruindo a capital asteca,
Cortês acreditava que a memória dos antepassados também seria
apagada, pois para ele, os índios eram adoradores do demônio e isso
explicaria a conversão ao cristianismo113 dos mesmos, e o abandono dos
deuses pagãos.
Ao contrário de outras cidades latino-americanas, que se
projetaram em povoados indígenas, a Cidade do México perpetuou a
113
Todos os registros escritos dos astecas foram eliminados pela Inquisição em prol da
cristandade. Afortunadamente, o frei franciscano Bernardino de Sahagún, em sua
viagem ao México em 1529, e devido aos seus laços de amizade para com os índios
locais, aprendeu o náhuatl e conseguiu resgatar e organizar, em forma de relatos
escritos, grande parte da história mexicana antes do período da conquista.
113
localização de certos lugares e monumentos, mas tal território se forma
por meio de um emaranhado de ruas e espaços labirínticos em sua
constituição, cidade essa construída sem um planejamento urbano, que
cresceu sobre as ruínas astecas no Lago Texcoco e que, a cada dia,
ganha novas proporções ao invadir as encostas montanhosas vizinhas.
Cidade do México
114
Os constantes acidentes geográficos e o próprio tempo permitiram
que o mundo pré-colombiano e o da conquista estivessem lado a lado
diante dos olhos dos indivíduos. Como exemplo dessa união de mundos e
de discursos, temos as ruínas do Palácio de Montezuma ao lado do
Palácio Nacional, edifício em estilo barroco, onde podemos encontrar o
Governo e os diversos órgãos públicos; as ruínas do Tiemplo Mayor ao
lado da Catedral Metropolitana; a Plaza de las Tres Culturas, em
114
Foto de Guido Alberto Rossi, publicada no livro México (Editora Manole, p. 67).
114
Tlatelolco, lugar que serve de testemunho do passado e do presente da
cultura mexicana, pois encontramos as ruínas de um templo asteca, uma
igreja colonial com seu interior restaurado e o Ministerio de las Relaciones
Exteriores,
uma
construção
com
traços
modernos,
convivendo
harmonicamente. Esse lugar marca um dos últimos enfrentamentos entre
Cortês e os astecas, recuperando assim uma simbologia do espaço de
encontro de povos e civilizações, já que, num de seus monumentos,
encontramos a seguinte mensagem grafada: “não foi um triunfo nem uma
derrota, mas sim o penoso nascimento de uma nação mestiça, que é o
México de hoje”.
Tal mensagem revela que os mexicanos115 não se consideram
derrotados, nem inferiores culturalmente ao massacre ocorrido em suas
terras, mas por meio deste, encontraram luzes e caminhos para reforçar,
cada vez mais, a identidade116 mestiça de seus indivíduos e a capacidade
de seguir caminhando em busca de novos tempos, sendo esses repletos
de ideais de justiça e participação social de seus habitantes.
O crescimento das grandes cidades marca, em nossa civilização, o
que podemos chamar da vivência em um tempo transitório, portanto,
moderno, segundo as interpretações de Octavio Paz (1989), momento
esse em que as cidades crescem sem parar. Nas palavras de Otávio
Velho (1987, p. 12), nesse sentido dos tempos modernos, a cidade
115
Os mexicas ou os astecas como grande parte das culturas anteriores trouxeram no
seu bojo um forte universo de fatalismo e de superstições que rondavam o imaginário de
seus habitantes, tal característica devido à memória oral e escrita das civilizações
precedentes, que relatava a dor provocada pelas constantes destruições causadas pelas
erupções vulcânicas em solo mexicano. Esse sentimento derrotista seria um dos
possíveis caminhos para se compreender a facilidade com que os mesmos se renderam,
tempos mais tarde, à dominação espanhola. Conforme as idéias de Paz (1989), já se
ensinam aos mexicanos, desde pequenos, a aceitarem as tristezas e as derrotas com
dignidade. Segundo a mitologia asteca, outros momentos anteriores à tomada espanhola
também foram marcados pela violência, como os constantes sacrifícios aos prisioneiros
oriundos de combates, porque para os astecas, os deuses deveriam ser alimentados de
corações palpitantes de guerreiros para que mantivessem sempre o nascimento do deus
do Sol e certa harmonia no império.
116
Alguns críticos trabalham com a noção de que a identidade coletiva da América
Hispânica começou a ser formada com os povos pré-colombianos. Isso fez com que, em
regiões onde os vestígios indígenas são mais fortes, se reivindique os costumes e as
tradições como constituintes autênticos da identidade dos mesmos. Não podemos omitir
a importância da herança pré-hispânica, presente em diferentes regiões e com
identidades próprias antes e depois da conquista, na construção da identidade das
diferentes nações latino-americanas.
115
“rompe-se, nega-se e não pode mais ser captada e estudada como uma
totalidade”.
Plaza de las Tres Culturas
117
A própria cidade rompe suas barreiras, não consegue mais se
auto-explicar, podendo gerar violência, individualidade e dessemelhanças
nos centros urbanos. Segundo a pesquisadora de análise do discurso Eni
Orlandi (2004, p. 13), “quanto maior o número de pessoas num estado de
interação uma com as outras, tanto menor é o nível de comunicação e
tanto maior é a tendência da comunicação proceder num nível elementar
(interesses comuns)”.
Com essas palavras, entendemos que pelo discurso produzido pelo
indivíduo dentro do espaço da cidade, podemos melhor compreender
suas manifestações sociais e sentir esse espaço como um lugar de
reflexão. Devemos pensar a cidade como um espaço que significa, e ao
117
Foto de L. Ricatto, publicada na Enciclopédia Mundial de Geografia Ilustrada, volume
43, Editora Abril Cultural, 1971, p. 863.
116
mesmo tempo, é significado, seja pelo discurso produzido dentro de seus
limites, ou pela simbologia do seu espaço físico ou, até mesmo, pela voz
particular de cada sujeito da cidade.
A posição geográfica das cidades indígenas mexicanas foi ponto
forte para que os conquistadores europeus ocupassem tal território pelos
interesses da metrópole. Foi pelo próprio ato de ocupação dessas cidades
americanas que o ato de fundação de novos territórios se estabeleceu.
Assim,
esses
novos
territórios
trazem
questões
relacionadas
à
constituição de uma nova sociedade e de projetos sócio-econômicos para
as mesmas, já que se estabeleceria nelas o grupo urbano fundador ao
lado das comunidades vencidas. Por tal fato, vemos que, desde a sua
organização, a cidade permite enxergar certos antagonismos entre grupos
totalmente divergentes e com interesses em muitos dos casos contrários.
A idéia de fundação de um espaço, conforme Romero (2004), já
nasce do desejo dos conquistadores ao olharem para as cidades
americanas, constituindo-se também esse olhar como um ato político,
onde, pela força, o estrangeiro invade a terra, e em uma imagem
puramente simbólica, o conquistador “com sua espada dá três golpes no
solo, e por fim, desafia para duelo quem se oponha ao ato de fundação”
(ROMERO, 2004, p. 93).
Como percebemos por essa imagem, o desejo da cidade
americana parecer surgir do acaso, em que o europeu, representando o
outro, o bárbaro, cria um território a partir da idéia de cidade européia,
que possuía em sua mente, já que, para esse aventureiro, todos os
elementos da nova cidade americana deveriam converter-se à lembrança
de sua pátria, desde o sistema político, aos usos burocráticos e,
principalmente, como já abordado, à forma da religião cristã.
Na chamada modernidade, a Cidade do México constitui-se num
espaço híbrido (GARCÍA CANCLINI, 1999), onde devemos ter um sujeito
que observe o espaço e encontre nele o contraste e, ao mesmo tempo, a
superposição de dois imaginários que se misturam e se interpenetram
através do patrimônio físico da cidade. No México, esse espaço fundado
sobre uma única vertente, quer dizer, a única voz e vontade do
conquistador espanhol sobre uma sociedade e cultura conquistadas,
117
perdura até os dias atuais em certa ânsia de re-escrever a história
presente na memória coletiva dos seus habitantes.
Na atualidade, por meio de seus escritores, indivíduos capazes de
escrever e recriar novas realidades, o México canta essas imagens
atrozes de seu passado, que ressurgem no inconsciente dos sujeitos
participantes do processo sócio-histórico de seu país. A história dos fatos
de uma nação nunca escapa aos olhos do escritor, inclusive quando este
relaciona suas sensações mais pessoais ao contexto que lhe tocou
vivenciar. Apesar de o artista criar um universo particular para sua obra, o
mesmo tem o poder de revelar o mundo e permitir que o homem
descubra, cada vez mais, a história de seus antepassados.
2.2.
Cidade do México: da formação de uma nação à
cidade vídeo-clip
[...] a cidade não conta seu passado, ela o contém como as
linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das
janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos páraraios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por
arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.
Ítalo Calvino (1990, p. 14-15)
Interessa-nos, nesta seção, mostrar a transformação física e social
sofrida pelo México desde sua constituição como nação até a
contemporaneidade. Defendemos, ainda, nesta parte, o conceito de
cidade retratado por Pacheco em sua obra, visão corroborada pelos
teóricos selecionados para o estudo. Também os conceitos de cidade e
nação são esclarecidos no decorrer do texto. A seguir, trazemos para
discussão um pouco da história mexicana de modo que o leitor consiga
imaginar o caminho percorrido por essa sociedade até a constituição de
sua Capital Federal e como ela se configura na atualidade.
O México manteve-se colônia da Espanha durante trezentos anos,
e durante esse período, muitos foram os pesares a que se submeteram
os autóctones, entre eles, a servidão, o pagamento de impostos e, até
118
mesmo, contaminação por doenças trazidas pelos conquistadores
europeus.
No transcorrer do século XVII, alguns espanhóis dotados de
riquezas
organizaram
as
chamadas
haciendas,
contribuindo
financeiramente para o aumento da prosperidade de vida dos fidalgos da
Nova Espanha, momento que trouxe certa tranqüilidade para a Colônia,
embora ela ainda continuasse enviando recursos à Corte espanhola.
Houve também um período de estabilidade na economia colonial,
responsável por gerar certo orgulho na elite crioula pela prosperidade de
sua terra. A camada indígena voltou a crescer e a cultivar novos cereais
europeus e a dedicar-se à criação de gado. A força demonstrada pela
Igreja, somada à ausência de um exército próprio, permitiu um ambiente
de paz e de dominação cristã na colônia mexicana.
No século XVIII, o controle espanhol sobre a colônia perdeu-se
pelos confrontos com forças inimigas da América e por lutas internas. A
recente dinastia Bourbon na Espanha fez com que o México recuperasse
sua autonomia total com a diminuição do papel da Igreja, criando um
exército regular e obrigando o aumento na produção de prata,
ocasionando um aumento também nas taxas dos impostos, para que
fossem enviados à Corte. Mas a tomada da Espanha por Napoleão e
lutas pela independência das terras do México ocasionaram um
enfraquecimento no governo colonial.
Através de tais ações, uma vez mais, as relações entre a Espanha
e o México se viram conturbadas, levando a uma queda do nível de vida
da população local, que acelerou o processo de independência das terras
mexicanas. O padre Miguel de Hidalgo, em 1810, na Cidade de Dolores,
foi a pessoa que começou a batalha pela independência, convocando os
mexicanos para que contestassem a exploração e lutassem pela
independência do que se tornaria a nação que hoje conhecemos. O ato
de heroísmo de Hidalgo ficou conhecido como El Grito, pois se tratou
realmente de uma voz em desespero em busca de soluções para sua
nação.
A intenção de Hidalgo fracassou e o padre foi executado. Um
segundo movimento foi chefiado, em 1813, por outro padre, José María
119
Morelos, nome que contribuiu para a proclamação da República e
somente em 1821, Agustín Iturbide venceu definitivamente os espanhóis,
alcançando a tão sonhada independência mexicana. Iturbide nomeou-se
imperador e governou com muitas dificuldades, já que sem o capital
espanhol, o México arrastou um período de obscura economia. Ao ser
deposto Iturbide, o México tornou-se, em 1824, uma República Federal
com sua primeira constituição.
Após a Independência nacional, ainda temos, no México, uma
constituição política de difíceis relações, em que poucos são privilegiados.
A corrupção destaca-se, gerando uma forte injustiça social entre seus
habitantes. Com isso, percebemos e podemos afirmar que os discursos
passam, entretanto algumas ações se repetem e constituem novos
caminhos para o estabelecimento de uma possível compreensão da
história mexicana.
Segundo o cientista político estadunidense Benedict Anderson
(1989), o surgimento da nação deu-se após um período de crise do poder
político da Igreja, momento que permitiu a vontade de fortalecer novas
relações entre os indivíduos, por conseguinte, de aumentar a luta por um
pensamento nacionalista.
Esta sucessão de acontecimentos se deve ao fato de que só
conseguimos visualizar uma nação quando o maior número possível de
seus habitantes reconhece a importância dessas relações e se propõem a
viver em pleno estado de comunhão, ou seja, de permuta com os outros
que interagem dentro de um mesmo espaço. Cabe entender a idéia de
espaço, como propôs a socióloga Ana Fani Carlos (1996, p. 104),
discípula do geógrafo brasileiro Milton Santos, como um espaço
geográfico onde ocorrem as relações sociais, portanto, em que se
evidenciam as relações de coletividade.
Construir uma nação, para o venezuelano Simón Rodriguez,
mestre do libertador Simón Bolívar, dá-se quando pensamos sua
construção de modo coletivo, quer dizer, num desejo de construir um
espaço onde o Estado permita que seus próprios indivíduos apresentem
subsídios para atuarem como “cidadãos ativos” (ROTKER, 1994, p. 8),
120
sendo papel dos responsáveis pela organização da nação educar e
oferecer formas de manutenção da vida em sociedade.
Logo, pensar a nação, como nos assegura Ernest Renan e
Benedict Anderson, é conseguir compreender as relações culturais
estabelecidas entre os indivíduos. Assim como nos define Benedict
Anderson (1989), as nações são “imaginadas” por vontades e desejos dos
indivíduos com fins comuns, que desenvolvem suas atividades em pleno
convívio de companheirismo. O crítico vê a nação como uma
“comunidade imaginada”, com funções políticas e, principalmente, papéis
sociais e culturais.
Benedict Anderson emprega os termos destacados anteriormente
para evidenciar que, dentro de um mesmo espaço, se faz difícil conhecer
a todos os demais membros que formam a nação, por isso o indivíduo
cria imagens em sua mente para todos os que convivem dentro de um
mesmo limite geográfico.
Nessa compreensão do sentido físico de nação, evidenciamos que
dentro de seus limites, é notória a diversidade cultural das pessoas que
cruzam seu interior. A nação é heterogênea, porque engloba outras
comunidades dentro do seu espaço físico, o que Benedict Anderson
nomeia por “sub-nacionalismos”. Ao teorizar sobre o “imaginário nacional”,
o teórico parece enfocar a idéia de homogeneidade para o espaço, porém
sabe que a história dos fatos gera uma nação heterogênea.
Uma nação é constituída pela sucessão de fatos históricos que
conseguem permanecer no (in) consciente de seus indivíduos. Assim, a
nação é vista de modo semelhante a uma configuração histórica, como
nos apresenta o sociólogo brasileiro Octavio Ianni (1988), sendo ela a
responsável pela organização e pelo desenvolvimento de forças sociais,
relações econômicas, papéis políticos e forças culturais. A bandeira, o
hino, o idioma, os valores, o território, a população e outros constituem
uma imagem e uma significação na compreensão do papel da nação.
Todos esses elementos são empregados no entendimento de uma nação
que busca por sua identidade. Sabemos que o desejo de buscar uma
identidade se conecta à vontade de recuperar a origem, para que, desse
modo, estejamos inscritos na história.
121
Pelo exposto, entendemos que a nação está na história, mais além
disso, para Ianni, a mesma também se constrói no imaginário, ou seja, em
um plano não real, portanto, um plano simbólico. Por esse motivo, a idéia
de nação e suas problemáticas, temática de grande evidência na
produção
literária
hispano-americana,
surge
no
pensamento
do
historiador, do escritor, do filósofo e de outros como uma imagem do que
vêem ou do que esperam que seja a vida em comunidade.
A partir desse sucinto recorrido histórico pela formação da nação
mexicana, resolvemos trazer para a discussão a leitura do ensaísta
argentino Néstor García Canclini (1999) em seu livro Imaginarios urbanos,
em que o crítico reúne três conferências ministradas em 1996 na
Universidad de Buenos Aires sobre a desintegração da modernidade, a
hibridização cultural, a globalização do continente americano e os
espaços públicos. Nossa opção pelo teórico explica-se porque o mesmo
centra seus estudos na capital mexicana a partir de uma análise de filmes
e fotos118, que, ao mesmo tempo em que são corpus estáticos e
fragmentam o espaço da cidade, recebem uma crítica leitura aos olhos do
pesquisador.
García
Canclini
parte
do
exemplo
mexicano
para
tentar
compreender o processo de formação das cidades latino-americanas,
cujo passado se vê implicado em processos históricos e políticos. Para
ele, a cidade esconde através de seu conjunto arquitetônico, diversos
discursos, porque o espaço urbano é, sem dúvida, um local de
intercâmbio de informações, principalmente, as culturais. Porém, acredita
que existe pouca articulação e diálogo entre as nações latino-americanas.
Para García Canclini (1999, p. 21):
Se na América Latina existe integração e possibilidades de que
as culturas dialoguem é graças ao processo modernizador.
Porém, a maneira em que se realizou esta modernização
obstrui obstinadamente que o diálogo entre nossas culturas
119
seja produtivo
118
García Canclini (1999) analisou um total de 52 fotos contrastando presente e passado
da Cidade do México.
119
“Si en América Latina hay integración y posibilidades de que las culturas dialoguen es
gracias al proceso modernizador. Pero, a la vez, la manera en que se ha realizado esta
modernización obstruye empecinadamente que el diálogo entre nuestras culturas sea
productivo”. [Tradução nossa]
122
O crítico vê, na globalização política e cultural, uma explicação
para a pouca interação entre as nações e a presença de espaços de
exclusão nos grandes centros. Na primeira parte do livro, o autor vai
reabrir um debate sobre a modernidade120, porque entende que o
conceito de cidade evoluiu a partir da vida moderna. García Canclini
destaca, na produção latino-americana, os estudos teóricos América
Latina: cultura y modernidad, de José Joaquín Brunner; Mundialização e
cultura, de Renato Ortiz e Escenas de la vida posmoderna, de Beatriz
Sarlo como aqueles que apresentam e constituem uma tendência
específica do pensamento moderno, além de desafiar, reformular e
enriquecer os estudos anteriores sobre a modernidade.
Em seu livro Culturas híbridas, García Canclini apresentava a
oscilação entre os termos modernidade e pós-modernidade no sub-título
de sua obra. Para o teórico, a questão central dessa problemática não
seria descobrir se o nosso continente americano é moderno ou pósmoderno, mas como essa modernidade híbrida alcançada através das
relações sociais está se perdendo na mão de pequenos grupos que
detêm o poder ou, ainda, na posição ocupada por alguns países e seu
desenvolvimento internacional.
Para García Canclini, podemos compreender a modernidade
através de alguns processos, entre eles, o da emancipação de certos
setores da sociedade, com destaque para o campo cultural da renovação,
pois o crítico argentino destaca o crescimento na educação média e
superior e o setor cultural que se adapta às inovações tecnológicas e
sociais; também recebe destaque o campo da democratização, com uma
maior participação da cidadania nas estruturas políticas.
Podemos dizer que a democratização ganhou força com os
princípios da Revolução Francesa. No século XX, a democratização e a
modernização da cultura foram impulsionadas pelos meios eletrônicos de
comunicação e pelas organizações sociais, como grupos feministas, de
direitos humanos, da expansão. Segundo García Canclini, quase sempre
não presenciamos um avanço desta última característica na chamada
120
Trataremos da problemática dos conceitos de “modernidade” e “pós-modernidade” na
seção 2.4.
123
modernidade, porque com a urbanização e a industrialização, o que
cresce são as dívidas, a corrupção, a insegurança urbana, etc.
García Canclini expõe que é cada vez mais nítida a presença de
sociedades heterogêneas, sendo essa heterogeneidade não só entendida
pelas diversidades étnicas ou regionais, mas também pela falta de acesso
aos bens modernos. Ele tenta explicar essa heterogeneidade na
passagem do século XX para o XXI, pois houve um momento de abertura
das fronteiras geográficas de cada sociedade com fins de conhecer e
incorporar, em sua própria sociedade, os bens culturais da cultura do
outro. Porém, como afirma o próprio teórico, essa tentativa de
homogeneizar/ reordenar acabam favorecendo as desigualdades.
Atrás de todo esse conflito trazido pela modernidade, que segundo
García Canclini, se explica pela falta de diálogo entre as mais distintas
culturas, temos a imagem do sujeito dentro do espaço urbano. O teórico
reconhece que o conceito de “indivíduo” é um ponto importante trazido
pela modernidade. Por outro lado, afirma que esse indivíduo racional
perde seus princípios devido às estruturas impostas pela globalização.
No segundo capítulo do livro, o ensaísta debate sobre as cidades
multiculturais e as contradições da modernidade. García Canclini defende
a existência de três tipos de cidade dentro da Cidade do México e, ao final
do texto, emprega um termo que sintetiza todas as denominações
anteriores.
O ensaísta começa o texto da segunda conferência questionando
a existência de inúmeras possibilidades de conceitos para a cidade,
todavia nenhuma definição dá conta de todos os aspectos que
envolvem a dimensão do espaço citadino.
García Canclini (1999, p. 69) resgata o discurso do sociólogo
italiano Gino Germani, ao expor que, num primeiro momento, na primeira
metade do século XX, podemos entender o conceito de cidade em
oposição ao de campo. De acordo com este raciocínio, o campo seria o
lugar de relações comunitárias/ primárias e a cidade o espaço de relações
secundárias, de maior multiplicidade e papéis.
124
Conforme o teórico, entende-se como relações comunitárias/
primárias os diálogos intensos de tipo pessoal, familiar e social
específicos de cada povoado, já as relações secundárias fazem
referência a um número maior de contatos desenvolvidos nos centros
urbanos. Tal abordagem é incompleta para definir uma cidade, porque
não considera seus demais constituintes e não pressupõe que as
realidades urbanas e rurais podem conviver dentro de um mesmo espaço
geográfico, onde elementos de ambas as realidades se entrelaçam. De
acordo com o historiador italiano Giulio Carlo Argam (1998), o meio rural
também pode ser considerado urbano, à medida que ambos estabelecem
trocas comerciais, além do mais, o cenário urbano penetra os entornos
rurais através da mídia televisiva e/ ou radiofônica, essencialmente.
Para García Canclini, a cidade transforma-se no núcleo da
modernidade, porque é o lugar da observação. A cidade, por sua
dimensão, foge das pequenas relações estabelecidas dentro do espaço
do campo. O indivíduo em suas relações pode passar ao anonimato sem
se dar conta. O processo de mudança da cidade antiga para a moderna
não ocorre de modo linear, nem de forma única; fatores como a alteridade
fazem a diferença. O esplendor ou a decadência de uma cidade depende
dos mesmos sujeitos que a compõem.
Uma segunda acepção para o conceito, de longa tradição para
García Canclini (1999, p. 70), baseia-se nos critérios geográficos e
espaciais estabelecidos pela Escola de Chicago. Segundo Wirth, um de
seus representantes, a cidade seria um espaço permanente, extenso e
com indivíduos socialmente heterogêneos. Mas, segundo García Canclini,
tal definição também não dá conta dos processos históricos e sociais que
perpassam a estrutura urbana de uma cidade.
Um terceiro conceito define a cidade como o resultado do processo
de desenvolvimento industrial e de concentração capitalista. Desse modo,
a cidade proporciona uma organização e racionalização da vida social de
certa época. Para o sociólogo espanhol Manuel Castells, no livro La
cuestión urbana, tal definição não inclui aspectos ideológicos e sociais.
Conforme afirma García Canclini (1999, p. 72):
125
As cidades não são somente um fenômeno físico, um modo de
ocupar o espaço, de se aglomerar, mas também lugares onde
ocorrem fenômenos expressivos que entram em tensão com a
racionalização, com as pretensões de racionalizar a vida
121
social .
García Canclini parece concordar com o conceito do teórico
Antonio Mela, quando este, na revista Diálogos, apresenta duas
características que definem a cidade, uma é a capacidade de interação
entre sujeitos e a outra é a velocidade dessa troca de informações dentro
de seus limites físicos. Mesmo assim, em seguida, o teórico assegura que
todos os critérios levantados para desvelar a noção de cidade continuam
não definindo com exatidão seu conceito.
O teórico apresenta o conceito de “megaciudades” para fazer
referência às cidades que interagem com outras e as incorporam em seu
centro. Tal classificação inclui, além da dimensão territorial, fatores como
o
crescimento
populacional,
a
complexa
rede
multicultural,
a
heterogeneidade, o número de imigrantes de diversas regiões do país e
de outras nacionalidades. Podemos dizer que esses espaços passam da
concepção de cidade para mega cidade, inclusive, do ponto de vista
cultural. Como exemplos de mega cidades, García Canclini cita Nova York
e Londres, ambas a partir de 1950, e Los Ángeles, Cidade do México,
Paris, Moscou, São Paulo, Tokio e Buenos Aires, a partir de 1970, época
essa de dispersão territorial e crise nas cidades que começam a ser polinucleadas.
Ao mencionar a interação entre múltiplas culturas nos espaços
urbanos, principalmente pelo resultado das migrações dos mais distintos
grupos,
o
ensaísta
sinaliza
que
precisamos
compreender
a
multiculturalidade proporcionada por esses encontros, em que primeiro
devemos identificar as características particulares de cada cidade, para
depois analisar o conjunto. García Canclini baseia-se no fato de que, no
decorrer do tempo, as cidades surgem umas sobre as outras, de forma
que, para compreender um determinado espaço, se faz necessário
121
“Las ciudades no son sólo un fenómeno físico, un modo de ocupar el espacio, de
aglomerarse, sino también lugares donde suceden fenómenos expresivos que entran en
tensión con la racionalización, con las pretensiones de racionalizar la vida social”.
[Tradução nossa]
126
desvendar primeiro as cidades que existiram naquela do tempo presente.
Além dessa “multiculturalidad” presente nas cidades hispano-americanas,
García Canclini destaca o aspecto de “multietnicidad” aparente nas
mesmas pela coexistência de distintos grupos étnicos em decorrência de
inúmeras imigrações em terras americanas.
A partir de sua concepção de cidade e para ilustrar a
multiculturalidade urbana, García Canclini visualiza a existência de três
cidades sob a capital mexicana da atualidade. A primeira cidade é a
‘histórico-territorial’, já que a Cidade do México ergueu-se sobre as ruínas
de uma cidade indígena, ou seja, sobre a arquitetura de Tenochtitlán,
capital do Império Asteca, fundada em 1325. O pesquisador ressalta a
presença visível de uma sobreposição de imaginários ao percorrer suas
ruas e visualizar seus edifícios e construções arquitetônicas.
A segunda cidade recebe o nome de ‘industrial’, porque a capital
do país é uma cidade que surge com o intuito de apagar os limites da
cidade real, devido ao seu crescimento industrial, à expansão de suas
fábricas, à presença de bairros para trabalhadores, aos transportes e aos
serviços. Essa cidade modifica os usos do espaço urbano, ou seja, a
cidade passa a apresentar múltiplos centros. Perde-se o único centro
histórico. Um desses novos centros, por exemplo, passa a ser o shopping
center.
Conforme García Canclini, temos, devido a esta descentralização,
cada vez mais a idéia de não sabermos os verdadeiros limites da cidade:
onde começa, onde termina, onde estamos. Tal fator é o responsável pela
perda da coletividade e solidariedade nos espaços sociais; o sujeito deixa
de pertencer a uma comunidade. A necessidade de compreender a crise
urbana e a desagregação do espaço social levou o teórico a visualizar
uma terceira cidade.
A terceira cidade nomeada de ‘informacional’ ou ‘comunicacional’,
como o próprio nome revela, é a cidade que se comunica com diversos
outros espaços; conecta-se dentro de si mesma e com o estrangeiro,
não somente através dos transportes terrestres e aéreos, do correio e
do telefone, mas também pelo cabo, fax, satélites e internet. Essa
127
cidade caracteriza-se pela automatização do homem, que, aos poucos,
perde sua identidade nacional. A industrialização deixa de ser o agente
econômico mais dinâmico do desenvolvimento das cidades. Apesar de
visualizar a capital como a cidade da informação, o crítico também
expõe que a interação se faz cada vez mais difícil devido aos
problemas da mesma.
Em síntese, García Canclini resume as classificações para a
Cidade do México na chamada “ciudad videoclip”, ou seja, “a cidade
que faz coexistir em ritmo acelerado uma montagem efervescente de
culturas de diferentes épocas” (GARCÍA CANCLINI, 1999, p.88)122.
Percorrer a cidade, para o pesquisador Gomes (2004), é mesclar músicas
e relatos diversos. Já para o antropólogo italiano Massimo Canevacci
(2004, p. 18), em um estudo dedicado à metrópole de São Paulo, afirma
que a multiplicidade de vozes da cidade a transformam num corpo
polifônico, porque essa é “uma cidade que será ‘lida’ e interpretada
utilizando-se pontos de vista diferentes, vozes ‘autônomas’, com as suas
regras, os seus estilos, as suas improvisações”.
O conceito de García Canclini também encontra semelhança nas
palavras do escritor Ítalo Calvino (1990, p. 30-31):
Algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo
e com o mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer,
incomunicáveis entre si. Às vezes, os nomes dos habitantes
permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os
traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e
nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares
acomodaram-se deuses estranhos.
Portanto, na cidade vídeo-clip coexistem todas as demais cidades
com suas culturas individuais, sendo essa uma característica imposta
pela modernidade. A pluriculturalidade tratada por Canclini comprova-se
com a presença de todas essas cidades dentro da mega cidade.
Conforme García Canclini, a Cidade do México constitui-se num espaço
híbrido, cujo sujeito, ao analisar o seu redor, é capaz de perceber a
122
“La ciudad que hace coexistir en ritmo acelerado un montaje efervescente de culturas
de distintas épocas”. [Tradução nossa]
128
superposição, o contraste e a mescla de diferentes imaginários no espaço
físico da urbe.
Após debruçarmos sobre diferentes classificações pela crítica para a
Cidade do México, resolvemos defender a imagem dessa cidade como
um ‘quebra-cabeça’ ou, também, ‘cidade de espelhos’. Pela espacialidade
física da capital mexicana, podemos sintetizá-la como um grande labirinto
urbano formado por ruas, praças e rios que se interpenetram, dispersando
o homem que não consegue se libertar dessa estrutura. Além do mais, as
mega-cidades latino-americanas são poli-nucleadas (SARLO, 2004),
contribuindo, ainda mais, para a imagem da cidade moderna como um
labirinto.
Buscamos a imagem do espelho em Borges (1988), já que o
escritor argentino declara que dois espelhos frente a frente deturpam a
imagem e formam um labirinto. Borges defende a cidade como produto do
homem e da técnica, em que esse cria o espaço para habitar, mas se
torna refém de seus múltiplos labirintos e ramificações. Para a filósofa
brasileira Olgaria Matos (1989, p. 80), a cidade labirinto é “a cidade com
suas múltiplas possibilidades: interseções, passagens, desvios, becossem-saída, ruas-de-mão-única, que constituem espaços de autonomia”.
O labirinto é uma imagem importante da vida moderna e bastante
empregada por intelectuais, poetas e narradores focados no fenômeno
urbano e em suas transformações. A cidade modificada pelo olhar
capitalista e pelo progresso interfere intensamente no modo como o
sujeito interage no ambiente social. De acordo com Gomes (2008, p. 74):
É neste sentido que ele [o homem] examina a metrópole como
lugar de coletividades indefinidas, que pode gerar total
indiferença de cada indivíduo para com o outro, na vida
cotidiana, como traço de autopreservação
García Canclini analisa a importância do imaginário urbano na
constituição da cidade. O imaginário surge de uma interação real. No
México,
podemos
retomar
os
relatos
pré-colombianos
e
dos
conquistadores para compreender o processo de fundação da cidade.
Para o teórico, as cidades também surgem dentro ou a partir dos livros,
129
do discurso jornalístico, das informações vinculadas pelo rádio e pela
televisão. A interação do homem com a cidade não se sintetiza a uma
mera experiência física, mas à construção imaginária da vivência do
sujeito pelo espaço urbano. Ao percorrer a cidade, o indivíduo constrói
leituras e hipóteses sobre as pessoas e o ambiente que o rodeia, pois de
acordo com García Canclini (1999, p. 89), “grande parte do que nos
passam é imaginário, porque não surge de uma interação real. Toda
interação tem uma quota de imaginário”123.
Cidade do México
123
124
“Gran parte de lo que nos pasa es imaginario, porque no surge de una interacción
real. Toda interacción tiene una cuota de imaginario”. [Tradução nossa]
124
Foto de Guido Alberto Rossi, publicada no livro México (Editora Manole, p. 71).
130
O crítico, ao incluir em sua discussão o imaginário, desenvolve a
idéia de patrimônio, já que para ele, as cidades apresentam dois tipos do
mesmo, um chamado de patrimônio visual (elementos materiais) e outro
denominado de patrimônio invisível (imagens, pinturas, mitos e lendas).
Segundo García Canclini (1999, p. 93), o patrimônio invisível ou
intangível:
[...] formou um imaginário múltiplo, que nem todos
compartilhamos do mesmo modo, de que selecionamos
fragmentos de relatos, e os combinamos em nosso grupo, em
nossa própria pessoa, para armar uma visão que nos deixe um
125
pouco mais tranqüilos e localizados na cidade .
García Canclini afirma que o patrimônio é um bem que não
interessa
somente
restauradores),
ao
todavia
passado
algo
que
(historiadores,
nos
ajuda
a
arqueólogos
entender
e
nossa
contemporaneidade. A noção de patrimônio, conforme o teórico, não se
resume a um conjunto estático. O patrimônio cultural de uma cidade
forma uma imagem, que recebe novas leituras a partir da personalidade e
das experiências de vida de cada habitante.
Além da leitura de cada patrimônio diferenciar-se de um habitante
para outro, a interpretação dependerá também das relações sociais em
que o sujeito está inserido no espaço urbano. Portanto, os patrimônios
constituem símbolos de memória e identidade para cada grupo social, que
precisam ser preservados pelo homem através da história, principalmente,
na vida moderna, momento em que o sujeito modifica o ambiente com
inúmeras ações destrutivas.
No decorrer da história da humanidade, sempre houve sinais de
interação entre o homem e o meio ambiente ao seu redor. No início, o
homem retirava da natureza somente o necessário para seu sustento,
porém, com o avanço da agricultura, com o processo civilizatório das
cidades, a diminuição entre as fronteiras rurais x urbanas e a expansão
dos espaços urbanos, o homem mudou sua relação com o meio ambiente
e começou a modificá-lo. De acordo com Ana Fanni Carlos (2003):
125
“[…] ha formado un imaginario múltiple, que no todos compartimos del mismo modo,
del que seleccionamos fragmentos de relatos, y los combinamos en nuestro grupo, en
nuestra propia persona, para armar una visión que nos deje un poco más tranquilos y
ubicados en la ciudad”. [Tradução nossa]
131
O mundo se cria e se recria a partir das relações que o homem
mantém com a natureza e da maneira como ele se constrói
enquanto indivíduo. (CARLOS, 2003, p. 28)
[...]
O espaço geográfico é o produto, num dado momento, do
estado da sociedade, portanto, um produto histórico; é
resultado da atividade de uma série de gerações que através
de seu trabalho acumulado tem agido sobre ele, modificando-o,
transformando-o, humanizando-o, tornando-o um produto cada
vez mais distanciado do meio natural. (CARLOS, 2003, p. 32)
Cabe sinalizar que compreendemos espaço urbano como a área
geográfica destinada à moradia e/ou atividades comerciais e culturais.
Entendemos, portanto, que o espaço urbano é o resultado das
modificações impostas pelo homem e seu grupo social e se constitui em
um local em constante transformação. O olhar para a paisagem e para o
patrimônio de uma cidade revela a ação do homem ao longo da história,
possibilitando extrair informações que colaborem para compreender as
modificações do passado e do presente e, inclusive, projetem novas
mudanças físicas no futuro.
Segundo o geógrafo brasileiro Eliseu Savério Sposito (2004, p. 12),
para entender a cidade, não podemos nos limitar somente a observá-la ou
habitá-la. Faz-se necessário conhecer sua geografia e sua história, ou
seja, a sua dinâmica. Não podemos esquecer que, antes mesmo de
nascer, o espaço urbano já existia e fomos, aos poucos, aprendendo a
enxergar suas contradições. O importante é reconhecer que cada cidade
apresenta uma história e constrói sua identidade no decorrer dos séculos.
García Canclini resgata o discurso de Benedict Anderson, quando
esse menciona o conceito de “comunidades imaginadas”. Somos capazes
de perceber que o nacionalismo é um artefato cultural. Segundo
Anderson, os imaginários coletivos contribuem na formação das
identidades sociais.
No último capítulo do livro, García Canclini trata dos recursos de
sua pesquisa, entre eles, os filmes, as fotos e as viagens dentro da
metrópole mexicana com a finalidade de explorar e de compreender seu
imaginário urbano. Ele considera que o fato de fotografar a cidade dá, ao
sujeito, uma visão fragmentada de sua extensão, pois oferece certas
132
cenas e momentos pontuais, descontínuos. Os espaços vazios entre uma
foto e outra, chamados por ele de “espacios virtuales” devem ser
preenchidos pelo habitante-viajante-espectador, por isso a importância do
sujeito no estabelecimento de sentidos para o espaço.
Em suma, o teórico sintetiza a cidade como um lugar para habitar,
para viajar por suas dimensões e para ser imaginado. Isso evidencia a
relevância do estudo da imagem, já que uma cidade é formada por um
mosaico de imagens e de sujeitos.
2.3.
As imagens e as vozes da cidade
A imaginação não é, como o sugere a etimologia, a faculdade
de formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar
imagens que ultrapassem a realidade, que cantam a realidade.
Gaston Bachelard (1985)
Palavras se desgastam feito pedras roladas em fundo de rio.
No silêncio escutamos nossos próprios desejos e carências e
os dos outros.
Lya Luft (2005, p. 24)
Antes de expor a maneira como Pacheco compreende a cidade,
faz-se necessário tentar entender o conceito de imagem porque o mesmo
é importante na compreensão da cidade.
Ao pensar em uma definição para imagem, muitas podem ser as
concepções geradas por esse vocábulo. Trata-se de um conceito amplo,
pois vê, na representação, um diálogo que envolve percepção, memória e
pensamento. Entre alguns desses sentidos, podemos entendê-la como
aparência exterior de uma pessoa ou objeto, símbolo de uma idéia, visão
poética da realidade por meio da linguagem, reprodução de figuras;
assim, o conceito de imagem perpassa desde a simples análise de um
determinado objeto até a imagem poética.
Neste estudo, colocamo-nos a compreender a imagem literária,
pois a mesma ocorre quando o escritor depara-se com um objeto, e após
esse encontro, formaliza ou cria sentidos para a imagem que captou pelo
olhar. Entender a imagem é compreender a pluralidade de seus sentidos,
em que os sentidos estabelecidos são divergentes aos da realidade,
133
submetendo-se à pluralidade do real, como afirma Octavio Paz (1976, p.
38), já que segundo ele, a imagem põe em contato realidades opostas, e
esse encontro permite uma maior carga de emotividade. Não podemos
esquecer que, ao pensar em imagens, não nos referimos ao real, mas ao
signo lingüístico, ou seja, à representação simbólica.
A invenção da fotografia126 (1826) e o surgimento de algumas
correntes das artes visuais, como o impressionismo (1874) e o cubismo
(1906) possibilitaram o artista retratar inúmeras temáticas, entre elas,
imagens da vida urbana, paisagens e construções físicas da cidade, como
as ruas, as praças, os monumentos, os cafés e os meios de transporte. A
fotografia possibilitou, ao homem, uma visão real do mundo e funcionou
como um instrumento de como captar imagens da história; já os
movimentos artísticos contribuíram em novas formas de se enxergar a
realidade e o artista começou a fazer uso de percepções subjetivas e do
inconsciente na leitura de cenas urbanas.
Na contemporaneidade, vivemos na “era das imagens”127, por
conseguinte, a nossa visão está repleta de recordações, associações,
experiências anteriores, fantasias, leituras interpretativas. Também está
pautada em nossa história, em nosso passado e em nossos costumes. O
que vemos não é uma imagem real, mas o que captamos, selecionamos e
compreendemos em relação ao objeto visto; ressaltamos o que nos
parece mais significativo, atribuindo diversos olhares para um mesmo
objeto.
A imagem literária empregada por Pacheco possui uma tripla
função, além de recuperar a memória social da cultura mexicana, pois a
imagem consegue regular a memória, representa o mundo a partir da
articulação do real com a fantasia e revela a capacidade de comunicação
126
Precisar a origem da fotografia é algo bastante problemático. Na verdade, registros
revelam que, na época de Aristóteles, já se conhecia o fenômeno da produção de
imagens pela passagem da luz – através de um pequeno orifício e boa parte dos
princípios básicos da óptica e da química – acarretando, mais tarde, o surgimento da
fotografia. Outras suposições sobre as descobertas da ciência em relação à captação da
imagem, também são anteriores a 1826, considerado o ano de início do ofício de
fotógrafo.
127
Expressão empregada por Antonio Lara, professor Catedrático de Teoria da Imagem
na Universidade Complutense de Madrid. LARA, Antonio. Prólogo. In: VILLAFAÑE
(2002, p. 11-17).
134
imbuída na imagem, em que essa convida o leitor a recriar sentidos. As
imagens do escritor dizem algo sobre o mundo que estamos inseridos,
revelando-nos o que somos realmente.
Como assinala o poeta francês Pierre Reverdy, a imagem é uma
criação do espírito, assim Pacheco, em suas composições poéticas,
parece interagir com o seu “eu” interior para criar imagens carregadas de
memórias e lirismos, mostrando que essas, no poema, ultrapassam o
valor da mera linguagem. Por meio da visualização de imagens, Pacheco
faz uma leitura do espaço urbano de algumas cidades mexicanas,
principalmente da capital do país e, através desse olhar citadino do
escritor, vemos como o mesmo percebe a cidade e expõe tal percepção.
As relações entre os diversos olhares que cruzam o espaço
citadino permitem que Pacheco estabeleça considerações sobre a
identidade de um povo e represente seu imaginário social, através de
suas criações, já que, conforme o filósofo e pensador grego Cornelius
Castoriadis (1982, p. 68), essa visão do poeta é “a criação incessante e
essencialmente indeterminada de figuras, formas e imagens a partir das
quais é possível falar-se de nação”.
A identidade, segundo Pacheco,
pode ser percebida pelas ações de seus indivíduos e até mesmo pela
arquitetura do espaço físico da cidade em que se inserem, o que a
pesquisadora argentina Beatriz Sarlo (2004, p. 14) nomeia por “identidade
urbana”.
O espaço da cidade é entendido por Pacheco como um local em
constante transformação, onde essas são geradas pelo encontro de
diversos sujeitos, permitindo, a cada um, desenvolver uma voz crítica
dentro desse espaço. Nesse intercruzamento de olhares e discursos, os
aspectos negativos do homem moderno podem se sobressair, como a
violência, a inveja, a vingança, a tristeza, a solidão, a dor, em suma, o
verdadeiro caos das relações humanas e culturais. Analisemos os versos
dos poemas “Enemigos” e “Niños y adultos”, em que o sujeito poético
propõe imagens que retratam tais aspectos do ser humano no espaço
urbano:
Somos espectros uno para el otro
espejos incapaces de copiar al vampiro
que llevamos por dentro
135
y vive de las furias y los rencores
Se ha roto el hilo
de palabras que se ata a los seres. (PACHECO, 1994, p. 135)
[...]
En realidad no hay adultos
sólo niños envejecidos.
Quieren lo que no tienen:
el juguete del otro.
Sienten miedo de todo.
Obedecen siempre a alguien.
No disponen de su existencia.
Lloran por cualquier cosa (PACHECO, 2000, p. 32)
Em seu livro A arquitetura da cidade, o teórico e arquiteto italiano
Aldo Rossi (1995, p. 147) menciona que a cidade é “a memória coletiva
dos povos; e como a memória esta ligada a fatos e a lugares, a cidade é o
‘locus’ da memória coletiva”, portanto o ‘locus’ também é responsável pela
transformação do espaço. O autor define ‘locus’ como a “relação singular,
mas universal que existe entre certa situação local e as construções que
se encontram naquele lugar”128. Em síntese, Rossi entende a cidade
como uma construção coletiva, que, no decorrer dos tempos, vai sendo
completada por novos discursos e sentidos. De suas considerações,
podemos entender a projeção desordenada que, cada vez mais, toma a
capital mexicana, a Cidade do México, levando-nos a pensar que as
atitudes desses vários indivíduos que formam esse espaço plural,
convivendo, dia após dia, e que são responsáveis pelas mudanças na
forma de se compreender a cidade, contribuem para uma melhor leitura
do espaço urbano.
Como
já
abordado
nas
seções
anteriores
deste
estudo,
percebemos que na história mexicana, as cidades vão se destruindo e
novos espaços surgem, e são essas imagens urbanas que fazem com
que os indivíduos reconheçam traços de sua cultura e de sua identidade
coletiva.
Essas imagens captadas pelos mexicanos, ao longo dos tempos ─
conforme nos alerta Kevin Lynch (1997, p. 1), num estudo sobre a
128
Para Rossi (1995), o conceito sempre configurou nos tratados clássicos. A escolha do
lugar tanto para uma construção como para uma cidade tinha um importante valor no
mundo clássico.
136
fisionomia da cidade, o “olhar para as cidades pode dar um prazer
especial” ─ são as responsáveis pela construção das lembranças desses
indivíduos, que projetam seu olhar para as experiências passadas, e, ao
olhar esse espaço, estabelecem novas conexões, pois, como vimos, toda
imagem está repleta de recordações e significações.
E ao olhar para a cidade, o indivíduo transforma-se também em um
corpo significativo dentro desse espaço real; para isso, ao observar as
imagens, todos os nossos sentidos estão combinados nessa leitura
mental que utilizamos para construir significados para o espaço citadino.
Temos de considerar que, nesse espaço citadino, não somos
indivíduos solitários, visto que contamos com a presença de outras
identidades, e cada uma dessas desenvolverá um olhar e um sentido para
os objetos ao seu redor, formando um sentido único para a cidade.
Segundo Lynch (1997, p. 7), “a imagem de uma determinada realidade
pode variar significativamente entre observadores diferentes”.
As palavras de Lynch só vêm a completar a idéia de que, no
espaço da cidade, cada indivíduo assume e cria suas próprias imagens.
Apesar de termos indivíduos pertencentes a uma mesma cultura,
constituem-se sujeitos formados por leituras de mundo heterogêneas;
assim, podemos dizer que cada imagem para um objeto trará consigo
uma identidade, porque o sentido da imagem dar-se-á a partir da relação
entre o observador e o objeto. Por isso, Lynch (1997, p. 51) complementa
que “cada imagem individual é única e possui algum conteúdo que nunca
ou raramente é comunicado”. Portanto, cada maneira de olhar um objeto
só ajudará a reforçar, cada vez mais, a construção de sentidos do espaço
da cidade.
Ao seguir esse jogo interativo entre observador e objeto observado,
Pacheco reforça, por meio de sua obra, as imagens citadinas, tanto pelos
artifícios simbólicos e narrativos, quanto através de um olhar mais
apurado, que analisa as imagens ocultas na imensidão das cidades
mexicanas.
137
2.4.
O caos urbano e o mal estar da (pós) modernidade
na Cidade do México
¿En dónde queda el tiempo, en dónde estamos?
José Emilio Pacheco (2000, p. 26)
O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível.
Oscar Wilde (2006, p. 25)
A grande cidade destrói a natureza, produz mutações nos seus
panoramas, o progresso parece se reverter em regresso.
Massimo Canevacci (2004, p. 10)
Atualmente, muitas reflexões sobre a vivência do homem
contemporâneo são elaboradas a partir do pressuposto de que as
principais características de nossa era se encontram na visualidade, na
superficialidade, na aparência e no predomínio de imagens, portanto, na
banalização da realidade.
Para captar tais características, o homem utiliza o sentido da visão,
recurso capaz de fazer com que enxergue o mundo em sua totalidade e,
além disso, lhe permite imaginar o que transcende a simples realidade.
Oscar Wilde, escritor decadentista irlandês do final do século XIX,
de formação clássica, considerava a vida como uma verdadeira obra de
arte, pois através de seu olhar, não enxergava separadamente a obra de
arte e sua beleza estética, mas sim se revelava como um espectador da
vida como ficção, já que, para ele, a arte era visível na realidade. O olhar
resumia-se a um dos recursos da obra de arte, permitindo não somente
olhar para o objeto, mas também visualizá-lo em imagem, pressupondo
uma leitura mais pessoal e atrelada aos sentimentos, contribuindo assim
para a fixação de imagens mais significativas.
Após vivenciar uma experiência em uma prisão parisiense129
durante
alguns
anos,
Wilde
encontrou-se
em
plena
crise
das
representações, descobrindo que a vida não seria imitação da arte;
129
Tempos mais tarde, os relatos pessoais de Wilde, narrando sua permanência e
experiência na prisão, originaram De profundis, livro construído pelas várias cartas que
redigiu o poeta irlandês nesse difícil período de sua vida. Pacheco teve a oportunidade
de traduzir este livro e deparar-se com o estilo existencialista de Wilde.
138
poderia ser talvez seu reflexo. Ao certo, seria o verdadeiro enigma que
nos motiva a direcionar todos os nossos olhares em busca de sua
compreensão.
Desse modo, como nos assinala a segunda epígrafe inicial desta
seção, o visível torna-se um mistério a ser revelado diante de nossos
olhos. Compreender a cidade não se resume somente em reproduzir o
visível, “mas torná-la visível” (GOMES, 2008, p. 35) por meio do ato de
criação do artista. Na obra de Pacheco, o mistério, como já expresso
neste estudo, está no “corpo” da cidade, tendo em vista que esta se
transforma na verdadeira morada do olhar.
Olhar a cidade significa não simplesmente olhar o espaço ao redor,
mas também ser foco de diversos olhares. O escritor emprega esse duplo
na leitura e na representação do cotidiano. Através do nosso olhar para a
cidade, é possível revelar seus distintos mundos, pois seus espaços se
convertem em imagens diante dos nossos olhos. Ao artista, cabe ler as
imagens do mundo que visualiza, compreendê-las e transformá-las em
criação literária.
Nesta seção do estudo, interessa-nos começar a tratar da questão
do olhar para o processo de modernização da cidade hispano-americana
e das implicações da vida moderna nos grandes centros urbanos. Pensar
tais questões traz à tona discussões que tentam classificar a época em
que vivemos, desde finais do século XIX, como ‘moderna’ e, a partir do
século XX, como ‘pós-moderna’. Mas, afinal, são épocas realmente
distintas? O discurso do artista também pode ser considerado como
moderno ou pós-moderno? Pretendemos, baseando-nos em teóricos
como Bauman (1999), Berman (1986) e Jamenson (2004) problematizar
tais questões.
Na chamada Modernidade, as urbes latino-americanas, se é que
perderam seus traços indígenas e coloniais, procuraram se aproximar, ao
máximo, do modelo parisiense de final do século XIX, mantendo
construções arquitetônicas como cafés, teatros, cinemas, bibliotecas e
outros em estilo art nouveau. Em contrapartida, outras tiveram seu
processo de modernização mais lento e tiveram seu desenvolvimento
graças ao avanço da industrialização.
139
Mas quando começa a Modernidade e qual seu conceito? Para o
ensaísta e poeta mexicano Octavio Paz (1990), a modernidade surge
como uma crítica da história, da moral, da filosofia e da religião. Para o
filósofo francês Michel Foucault (1985), Kant, em seu texto “O que é o
iluminismo?”, publicado em 1784, baseia-se na filosofia como discurso da
modernidade. No século XX, o crítico nova-iorquino Marshall Berman
(1986) e o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2005) caminham na
mesma direção para compreender a época moderna a partir do uso de
expressões que revelam suas leituras: “tudo que é sólido se desmancha”
e
“valores
líquidos”,
respectivamente.
A
pesquisadora
brasileira
Guberman (1998, p. 97) faz referência a esse momento como “dissolução
das fronteiras”.
O homem, na modernidade, devido ao processo acelerado da
industrialização foca seu olhar na cidade e o afasta da natureza. Nesse
momento, alguns artistas e intelectuais criticam a Modernidade, tendo sua
intenção de transformar os homens em máquinas e apagar a
contemplação da beleza da vida.
Ao mencionarmos a questão do olhar do homem para a
transformação física do espaço urbano, não podemos deixar de destacar
a importância de Charles Baudelaire (1996), um dos maiores poetas da
lírica francesa do século XIX, pela originalidade de sua concepção e pela
perfeição de sua forma poética.
Baudelaire, ao tratar da questão do urbano, inaugura tendências
que visam, desde os conflitos íntimos, até a angústia do artista moderno,
ao ver-se solitário nos grandes centros urbanos. Por tratar da questão da
decadência do homem e da tentativa de pensar a poesia na época da
técnica, o autor de As Flores do Mal é considerado o poeta da
Modernidade. Além de ser um dos primeiros a empregar o termo
“modernidade”130, o poeta francês realiza uma verdadeira revolução nas
formas líricas. Rompe os limites e as diferenças entre a poesia e a prosa
e nega a existência da voz do enunciador do poema, já que acredita que
não devemos falar do poeta, mas da própria lógica interna do poema.
130
Conforme Berman, “Jean-Jacques Rousseau é o primeiro a usar a palavra moderniste
no sentido em que os séculos XIX e XX a usaram”. In: BERMAN (1986, p. 17).
140
Baudelaire consegue analisar o homem através de suas fraquezas,
limitações e medos. Desse modo, levanta, em sua poética, a relação de
interdependência existente entre o indivíduo e o ambiente ao seu redor. O
fato de observar a paisagem, no século XIX, permite que o poeta se
depare com os inúmeros avanços impostos pela vida moderna, dentre
eles, as descobertas científicas, a industrialização, a propagação dos
veículos de comunicação de massa e o progresso do mercado capitalista.
Além dessas, não podemos deixar de analisar outras questões, como a
aceleração do tempo, as lutas entre classes, o crescimento demográfico,
a explosão do crescimento das cidades e a aparição dos movimentos
sociais, como fatores que se propagaram na vida moderna.
Estar nesse ambiente de agitação, de turbulência, de expansão e
de desordem, constitui, para Berman (1986), o verdadeiro conceito de
modernidade, pois ele a entende como as possíveis trocas de
experiências entre os indivíduos que vivem dentro de um mesmo espaço.
Porém, afirma que a modernidade também gera lutas, contradições,
angústias e incertezas.
Baudelaire e os demais pensadores do século XIX, ao mesmo
tempo em que se surpreenderam com as inovações da vida moderna,
lutaram para diminuir suas contradições, de maneira que o homem não se
visse refém das máquinas. Baudelaire entende a modernidade como o
sinal da tristeza que rondava um tempo. Logo, segundo sua concepção, o
sentido que a mesma impõe é vago, efêmero, difícil de compreender.
Semelhante a Octavio Paz (1989), o poeta francês entende a
modernidade não como um período restrito da história, mas como
quaisquer tempos em que um artista, um escritor ou um intelectual, por
exemplo, capte da realidade a aparência e o sentimento de um ar
inovador.
Berman também entende que não podemos limitar a modernidade
a um período fechado e concluído. Desse modo, decide dividi-la em três
momentos: o primeiro, do século XVI até o final do XVIII, período no qual
os indivíduos começam a perceber a vida moderna; o segundo, mais
significativo
para
compreender
tal
conceito,
corresponde
a
era
revolucionária vivida a partir de 1790, momento responsável por uma
141
maior participação da sociedade em todos os seus âmbitos; e por último,
refere-se ao processo de modernização que se expande a partir do século
XX, evidenciando, desde aquele momento, sinais de fragmentação e de
descontinuidade, características típicas da atual época em que vivemos.
Para alguns críticos, esse último momento caracteriza-se como o início da
pós-modernidade. Conforme o crítico cultural Fredric Jameson (2004, p.
8),
[...] a base de toda a polêmica é, evidentemente, o tipo de
relação que se postula entre a modernidade e a pósmodernidade. Seria a pós-modernidade uma fase ou
transformação da modernidade, ou seja, a forma que ela toma
atualmente devido a seu próprio impulso de inovação? Seria
um estilo, um fenômeno estritamente cultural? Ou, ao contrário,
constituiria uma ruptura com a modernidade, um afastamento
radical de suas premissas? E, nesse caso, marcaria esse
afastamento apenas uma descontinuidade, ou constituiria,
dentro de uma progressão histórica direcionada, a expressão
da terceira mutação sistêmica do capitalismo mundial?
Através do questionamento de Jameson131, notamos que uma das
grandes polêmicas da atualidade reside no fato de se estabelecerem
diferenças entre ambas as nomenclaturas para referir-se à época que
começou a identificar as conseqüências da globalização. Para Jamenson
(2004) há uma nítida relação do termo pós-moderno com a imagem da
sociedade após a Segunda Guerra Mundial, que começa a ser descrita
como sociedade pós-industrial, de consumo, da mídia, do espetáculo, da
informação.
Berman, para fazer alusão ao que entende por “aventura da
modernidade”132, resgata o discurso do filósofo Karl Marx, ao reconhecer
essa época como o momento em que “tudo o que é sólido desmancha no
ar”133, pois entende o moderno como o fator responsável pelas
dificuldades enfrentadas pelos homens em suas vidas e em suas relações
131
Jamenson (2004), quanto à periodização da pós-modernidade, informa que a mesma
ficaria em torno dos anos de 1960, época em que ocorre uma academização da arte
moderna. Já a professora brasileira Ana Lúcia de Almeida Gazzola (2004, p. 7) vai
defender que “a partir da década de 1980, a questão do pós-moderno tornou-se um dos
itens centrais do debate sobre arte, cultura e sociedade em vários países”. Tais opiniões
só comprovam o quanto é polêmico a estética pós-moderna.
132
Subtítulo de seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar, espécie de ensaio histórico
e literário sobre a visão dos tempos modernos dos séculos XIX e XX.
133
Vale a pena ressaltar que as idéias sobre a vida moderna, no século XIX, também se
moldaram na expressão “derreter os sólidos” do Manifesto comunista. In: BAUMAN
(2009).
142
sociais. Berman, ao fazer uso de tal expressão, reconhece a dor e o
sofrimento de uma época, mas também discute os próprios valores
trazidos por essa modernidade, com a expectativa de que haja uma
reflexão e uma recriação de valores para os males da sociedade.
Berman (1986, p. 328) parece não acreditar em nenhuma estética
posterior
à
modernidade,
porque
a
considera
como
“perpétua
desintegração e renovação, agitação e angústia, ambigüidade e
contradição”. Através de suas palavras, notamos que o crítico vê a
modernidade como interminável, pois sua própria incerteza de finitude
permite retroalimentá-la e mantê-la viva nos seus antagonismos:
O processo de modernização, ao mesmo tempo que nos
explora e nos atormenta, nos impele a aprender e a enfrentar o
mundo que a modernização constrói e a lutar para torná-lo o
nosso mundo. Creio que nós e aqueles que virão depois de nós
continuarão lutando para fazer com que nos sintamos em casa
neste mundo, mesmo que os lares que construímos, a rua
moderna, o espírito moderno continuem a desmanchar no ar.
(BERMAN, 1986, p. 330)
Cabe, portanto, ao escritor, artista de inúmeras realidades, analisar
a ausência e o vazio de valores no espaço urbano. Faz-se necessário
tentar compreender o porquê da sociedade moderna ser considerada
como um “cárcere” (BERMAN, 1986, p. 27), sendo assimilada como um
espaço sem vida e com indivíduos sem espírito de luta, e não como uma
prisão dos princípios de liberdade. Através do olhar para a cidade, o
escritor reconhece, como seus os problemas e as injustiças que se
propagam do objeto visualizado.
O geógrafo britânico David Harvey (2000, p. 47) corrobora, em
parte, com algumas idéias de Berman, pois segundo ele:
Os sentimentos modernistas podem ter sido solapados,
desconstruídos, superados ou ultrapassados, mas há pouca
certeza quanto à coerência ou ao significado dos sistemas de
pensamento que possam tê-los substituídos. Essa incerteza
torna peculiarmente difícil avaliar, interpretar e explicar a
mudança que todos concordam ter ocorrido.
Harvey acredita que a pós-modernidade intensifica alguns valores
traçados na modernidade, como a fragmentação, o individualismo, a
estética e o aspecto quantitativo, o sentido do tempo e do espaço e a
efemeridade, por outro lado, também reage aos mesmos. O geógrafo
defende, em seu texto, que a pós-modernidade, ao contrário da
143
modernidade, promove um novo olhar para o passado e para a tradição
como mecanismo de preservação da identidade individual e coletiva;
adota uma postura pluralista de respeito às diferenças e à alteridade no
processo de compreensão do mundo, e também retoma a espiritualidade
sem esquecer a razão.
Como relatado, a pós-modernidade é, ao mesmo tempo, um
rompimento com a modernidade e uma continuação da mesma, portanto
seu cenário continua sendo a cidade, na qual os elementos da
modernidade são intensificados.
Defendemos a idéia de que a adoção de uma nomenclatura para a
época atual entre modernidade ou pós-modernidade depende do olhar do
sujeito para a realidade e de seu discernimento crítico. Porém, ao certo, o
que temos, a partir do século XX, estendendo-se ao XXI, é a presença, na
cidade, de um sentimento de uma atmosfera caótica, de individualizações
e de interrogações.
Ao direcionar seu olhar para o espaço urbano de Paris, Baudelaire
apresenta o que podemos nomear olhar da observação, da flânerie, pois
busca verificar, no outro e no espaço, as conturbações ocasionadas pela
vida moderna. As próprias paisagens que visualiza lhe permitem realizar
uma leitura do indivíduo e de seu entorno, agora não mais natural, mas
dominado pela industrialização. Por meio desse olhar, Baudelaire entende
sua poética como uma indagação para os problemas do mundo e
descarta a possibilidade de concebê-la como uma resposta aos possíveis
problemas que capta da realidade.
O olhar de Pacheco difere do da flânerie de Baudelaire, pois o
escritor mexicano não compreende seu olhar como o da observação na
busca pelo belo ou como o olhar que prioriza cada instante do tempo.
Reconhece, antes, os traços de um determinado lugar, para então, em
uma segunda instância, desvendá-los. Pacheco acredita em um olhar
investigativo, crítico e perspicaz. Para o escritor, o verdadeiro olhar crítico
de um sujeito dá-se somente a partir da vivência ou experiência com o
objeto visualizado. Como nos afirma Bauman (2005, p. 23):
[...] você só tende a perceber as coisas e colocá-las no foco do
seu olhar perscrutador e de sua contemplação quando elas se
144
desvanecem, fracassam, começam a se comportar
estranhamente ou o decepcionam de alguma outra forma.
Somente dessa maneira, podemos entender o olhar de Pacheco
como um olhar de uma verdadeira testemunha, sempre na busca por
vencer novas barreiras para assim recriar essas imagens em linguagem
literária.
A Modernidade ou a Pós-Modernidade fazem com que o olhar da
flânerie termine, pois nos lança diante de uma nova concepção do tempo,
de acordo com os ideais impostos pela ciência e pela globalização.
Vivemos na era da velocidade das informações, cuja aceleração temporal
transforma o espaço da cidade em múltiplas imagens, que precisam ser
visualizadas simultaneamente. O olhar, na atualidade, atende a todos os
nossos desejos mais internos na busca pelo desconhecido ou na tentativa
de re-analisar fatos marcantes do passado e trazê-los à tona. A
importância da cidade na obra de José Emilio Pacheco permite
reencontrar diversos olhares, logo, os diversos discursos produzidos
dentro de seus limites.
Segundo a socióloga Ana Fani Carlos (1996, p. 124-125), o que
temos, na atualidade, no espaço da cidade, seria um olhar:
[...] que viaja através das paisagens sem nada
efetivamente notar, sem nada observar, conhecer,
lugares assépticos sem cheiro, sem vida, imagens
fugidias que se sucedem num fluxo de informações que
se embaralham pelo excesso, pela diversidade, porque
não são vividas, vivenciadas, vêm de fora para dentro,
exteriorizam-se, pois o sujeito não se apropria.
Pelas palavras anteriores, notamos a existência de um olhar
superficial gerado numa época que o pensador e cineasta francês Guy
Debord (1997, p. 7) nomeia como a “era dos espetáculos”, caracterizada
pelo exagero das ações e pelo excesso de imagens a que somos
submetidos. Tal olhar pode ser explicado pela não interação do sujeito
com seu espaço ou comparado ao olhar do viajante ou estrangeiro, um
olhar externo e fragmentado, capaz de gerar o esquecimento e a dor, uma
vez que não se prende a nenhum valor sentimental com o espaço
observado.
Na primeira metade do século XX, a Cidade do México inseriu-se
na modernidade com a presença de altos edifícios, parques industriais,
145
crescente comércio, diferentes meios de transporte e produtiva vida
cultural (GUBERMAN, 2009, p. 235). O processo de modernização da
capital mexicana não seguiu o modelo de Paris, mas, como já
mencionado em seções anteriores, perpetuou uma “[...] justaposição de
sociedades distintas134” (PAZ, 1985, p. 70), cuja cidade moderna cresce e
convive harmonicamente com os vestígios da cidade asteca e da colonial.
Ainda de acordo com Paz (1985), não se pode conceber a história
do México como um processo linear, porque tudo alude às civilizações
pré-hispânicas, mesmo os nomes das coisas, das plantas, dos animais,
inclusive, os nomes dos lugares da cidade.
A Cidade do México é uma cidade centralizada por conta da Praça
do Zócalo, erguida sobre as ruínas do Templo Maior dos astecas, onde
tudo ocorria na época pré-hispânica. Nesse espaço, encontra-se o centro
político e religioso; o Palácio do Governo, ocupando o mesmo local da
sede do governo asteca, a Catedral Metropolitana e as ruínas do Templo
Maior. Na atualidade, todas as manifestações políticas e culturais
continuam se realizando nessa zona central da urbe (GUBERMAN, 2009,
p. 235).
García Canclini deixa evidente que, na América Latina, não existem
cidades pós-modernas, aquelas que o teórico caracteriza como “ciudades
multifocales, policéntricas” (GARCÍA CANCLINI, 1999, p. 81), contudo há
urbes com um pensamento pós-moderno por conta da circulação de
informações, da globalização e da cultura de massa, aspectos que
contemplam a chamada pós-modernidade. A pesquisadora argentina
Beatriz Sarlo (2004, p. 13) também vai defender, na pós-modernidade, a
existência
de
metrópoles
poli-nucleadas
e
de
relações
sociais
estabelecidas e mediadas pela troca de mercadorias.
Devido ao desordenado crescimento da Cidade do México, muitos
habitantes deixam de reconhecer seu passado pré-hispânico e colonial,
para se centrarem somente nas imagens trazidas pela modernidade. O
pesquisador mexicano Demetrio Anzaldo González (2003, p. 41-42),
revela umas das muitas contradições da capital mexicana: “A mesma
134
“[…] yuxtaposición de sociedades distintas”. [Tradução nossa]
146
nação que no exterior manifesta ter três mil anos de esplendor da arte
indígena/ nacional, no seu interior mantêm um combate à morte, contra o
seu povo indígena135”.
Sabemos que a maioria das grandes urbes na modernidade acaba
por refletir, em seus habitantes, as tensões políticas e econômicas. A
visão romântica da maior parte das cidades européias, presa à tradição,
ao passado glorioso, não é retratada por Pacheco em sua obra, mas sim
o imaginário de uma cidade indígena.
Segundo o crítico uruguaio
Fernando Aínsa (1998, p. 167-168), a imagem das cidades latinoamericanas da contemporaneidade é a de crescimento acelerado e
muitas contradições, como ele coloca:
Aparecem como um caos inumano feito de
marginalidade e pobreza, de bairros que diferenciam
drasticamente as classes sociais. As capitais latinoamericanas crescem de forma arbitrária, barulhenta e
confusa.
[...]
A cidade reúne arranha-céus e bairros marginais, favelas
e guetos de ricos protegidos por barreiras, códigos e
guardas privados. Trânsito congestionado, dificuldades
de transporte, contaminação e degradação do meio
136
ambiente .
Recorremos a Aínsa porque ele defende a Cidade do México,
distinta de todas as demais capitais latino-americanas, como a única que
oferece uma imagem literária apocalíptica. Os arranha-céus, o trânsito e a
contaminação são nítidos exemplos da cidade moderna transformada
pela visão capitalista. Para o crítico, essa leitura está presente na obra de
diversos escritores mexicanos e pode ser explicada por sua intensa
pluralidade cultural e por acontecimentos trágicos da história, como os
terremotos de 19 e 20 de setembro de 1985. Outro teórico, Richard
135
“[…] La misma nación que en el exterior manifiesta tener tres mil años del esplendor
del arte indígena/ nacional y que al interior, mantiene un combate a muerte, en contra de
su población indígena”. [Tradução nossa]
136
“Aparecen como un caos inhumano hecho de marginalidad y pobreza, de barrios que
diferencian drásticamente las clases sociales. Las capitales latinoamericanas crecen en
forma arbitraria, ruidosa y confusa” […] “La ciudad aúna rascacielos y barrios marginales,
villas miserias y ‘ghetos’ de ricos protegidos por barreras, códigos y guardias privadas.
Tráfico congestionado, dificultades de transporte, contaminación y degradación del
medio ambiente”. [Tradução nossa]
147
Sennett já anunciava que as metrópoles são espaços de proliferação e de
abundância, onde os sujeitos são massacrados pelo excesso de imagens.
Pacheco comove-se com os terremotos de 1985 e escreve o
poema “Las ruinas de México (Elegía del retorno)”, um dos textos mais
extensos dedicados à Cidade do México. Nesse poema, o autor
apresenta uma leitura apocalíptica da cidade, retratando seu vazio e sua
destruição. O escritor não estava no país no momento do acidente
geográfico e, ao retornar, transforma sua tristeza, diante das ruínas da
cidade, num canto poético em homenagem aos mortos: “A los amigos que
no volveré a ver, / A la de desconocida que salió a las seis / para ir a su
trabajo de costurera para aprender/ computación e inglés en seis meses, /
quiero pedir disculpas por su vida y su muerte. [...] Muerto que no
conozco, mujer desnuda [...] tú, el enterrado en vida; tú mutilada; / tú que
sobreviviste para sufrir / la inexpresable asfixia: perdón. […] Perdón por
hallarme aquí contemplando / en donde estuvo un edificio / el hueco
profundo / el agujero de mi propia muerte”.
O sujeito poético expressa um sentimento de culpa e de impotência
diante do desastre provocado pela natureza. Os versos denotam a própria
destruição vivida pelo eu-lírico. Contudo, ele, de modo esperançoso,
canta em prol de uma nova cidade a partir do cenário de caos: “No quiero
darle tregua a mi dolor / ni olvidar a los que murieron / ni a los que están a
la intemperie. / Todos sufrimos la derrota / somos víctimas del desastre /
pero en vez de llorar actuemos: / con piedras de las ruinas hay que forjar /
otra ciudad, otro país, otra vida” (PACHECO, 1987, p. 59-60). Esse
poema explicita, de modo claro, uma experiência vivida pelo artista
transformada em linguagem poética.
A cidade da obra de Pacheco não difere da anunciada por Aínsa. O
escritor mexicano retrata uma cidade a caminho da modernização, que
não esqueceu seu passado marcado de dor pelo encontro com outras
culturas e que se revela caótica e infernal a partir de vozes ou de
personagens, que retratam o medo e a agonia de habitar tais espaços.
A provável origem de um pensamento caótico é explicado pela
pesquisadora brasileira Guberman (2008) ao expor:
148
Dois fatos históricos ocorridos no século XX provocaram o caos
na humanidade: a explosão da bomba atômica nas cidades de
Hiroshima e Nagasaki (Japão) e a fumaça de napalm no
Vietnam. Certamente, a partir desses acontecimentos trágicos
e das desilusões da humanidade, surgiu um pensamento
caótico e com tendência a contemplar o vazio de um mundo
sem imagem.
[...]
O progresso e o processo de industrialização desmesurado
transformaram a modernidade em uma época deshumanizada.
Em seu pensamento, a autora entende os atos do homem como o
reflexo da sociedade preocupada somente com a idéia da obtenção do
capital intensificada através da Revolução Industrial, a partir do século
XIX. Isso contribuiu para uma certa fragmentação dos conceitos de
identidade, sociedade e coletividade. Ao direcionar nosso olhar para as
grandes catástrofes do século XX (grandes calamidades, pestes, guerras,
fomes, bombas e outros), sentimo-nos refém do medo e do vazio trazido
pela (pós) modernidade. A bomba atômica, o napalm, as guerras
mundiais e os terremotos, por exemplo, trouxeram o caos para a
sociedade e mostram ao homem sua impotência diante da ciência, do
poder sem limites e da natureza.
A imagem de cidade caótica não é somente uma leitura advinda da
modernidade. Na mitologia judaico-cristã, o primeiro conceito de cidade
surge no livro de Gênesis (4: 16-24), onde seu começo demonstra
indícios para o bem e para o mal. O primeiro homicídio praticado por Caim
contra seu irmão Abel marca a fundação da cidade como sinal de
maldição.
Como castigo, Caim é banido de sua cidade e condenado à
condição de homem errante pelo mundo. Ele não se arrepende do
assassinato de seu irmão, mas teme a punição de Deus e a perseguição
dos demais pelo desejo de vingança. Caim parte em busca de um futuro
indefinido, porém leva consigo uma marca determinada por Deus para
não ser morto.
Caim, após partir com sua família para a terra de Node (terra da
fuga), localizada no lado leste do Éden, ergue sua primeira cidade a qual
recebe o nome de seu filho, Enoch. O termo tem relação com o verbo
149
‘iniciar’ e significa “consagração” ou “inauguração”, logo representaria
uma nova fase para Caim. Talvez a idéia de fundar uma cidade e
permanecer nela fosse uma tentativa de amenizar a maldição de Deus
sobre si mesmo. A cidade de Enoch não foi, necessariamente, o primeiro
espaço ou aglomerado humano a que se tem registro, mas uma das
primeiras cidades que consta na Bíblia. A necessidade de limitar um
espaço urbano e a relação do homem com o outro explicam sua
fundação.
A cidade criada por Caim pode ser entendida como produto de
uma maldição137 e, se a comparamos com as cidades contemporâneas,
elas assemelham-se por meio do caos urbano. Através dessa experiência
do caos, as cidades criam cidades dentro de si próprias138.
Outro exemplo no livro de Gênesis (11: 1-11) de cidade, próximo
ao conceito atual de metrópole, encontra-se no mito de Babel, também
como demonstração da desobediência do homem ao Criador. Segundo o
estudioso religioso Derek Kidner (1991, p. 72), “na Bíblia, esta cidade veio
a simbolizar crescentemente a sociedade ateísta, com suas pretensões,
prazeres, pecados e superstições, suas riquezas e sua eventual ruína”. O
termo Babel está relacionado a um verbo hebraico cujo sentido é o de
“confundir”, embora o sentido de “portão de Deus” fosse o mais adotado
pelos babilônios.
O relato bíblico diz que os homens não aceitaram ser espalhados
pela Terra e decidiram construir uma torre que os tornasse reconhecidos
e os possibilitasse permanecer naquele espaço. A construção da torre
deu-se porque “os homens partiram do Oriente, deram com uma planície
na terra de Sinear; e habitaram ali” (Gn, 11: 2). A idéia era construir uma
cidade cujo “topo chegasse ao céu” (Gn 11:4) e “para que os homens se
137
Essa cidade-maldição simboliza a separação com o Deus criador e o desafio de
romper a ordem perfeita.
138
Vários são os exemplos, na contemporaneidade, que nos sinalizam a presença de
cidades dentro de cidades, por exemplo, as chamadas micrópoles (ARGULLOL, 1994).
Como exemplo dessa classificação, destacamos os condomínios, que além de
funcionarem como espaço de moradia, se constituem de um conjunto de rede de lojas de
conveniência, bancos e, principalmente, de todo um aparato de segurança e/ou grades
de proteção, garantindo uma vida tranqüila apesar do caos externo da vida na cidade.
Outro exemplo, cada vez mais latente de uma mini-cidade, são os shoppings centers.
Sobre esse espaço público, comentamos mais no capítulo de análise do conto “Shelter”.
150
tornassem célebres para que não fossem mais espalhados por toda a
terra” (Gn 11: 4). Ainda, segundo o relato (Gn, 11: 1-9), os homens
pretendiam que a cidade criada servisse de modelo para as demais e
funcionasse como símbolo do poder dos habitantes daquele local. Deus
decide cumprir a vontade dos homens, contudo, gera inúmeras línguas
diferentes ocasionando a confusão que nomeia a Torre, como forma de
impossibilitar sua construção.
O texto bíblico não relata a destruição nítida da torre, porém a
presença de várias línguas e a falta de comunicação entre os homens não
possibilitariam
sua
construção.
A
mescla
de
línguas
pode
ser
compreendida como a destruição simbólica da torre, a presença do caos
e da confusão. Deus acabou por dispersar os homens por toda a terra
provocando o isolamento entre os povos como forma de castigá-los.
Os elementos do relato sinalizam o caos das cidades: número
elevado de pessoas dividindo o mesmo espaço, o uso de línguas
distintas, a idealização de projetos particulares, com o objetivo de
preservar sua comunidade e identidade e a produção de riquezas próprias
(KINDNER, 1991). As cidades da contemporaneidade são o reflexo do
mito de Babel, já que a confusão, o caos e a falta de entendimento
predominam na vida moderna. Faz-se difícil harmonizar e homogeneizar a
pluralidade de vozes que habitam o espaço urbano para construir um
sentido, como foi a intenção da globalização139. Tal visão é corroborada
por Gomes (2008, p. 84-85) ao mencionar:
Esta crise do mundo urbano esboçada [...] em traços largos
gera imagens apocalípticas de moldura bíblica. Se esta já havia
informado o tratamento da cidade no século XIX e persiste no
XX, acentua agora uma tendência a retomar os mais velhos
arquétipos como base para as novas imagens que, em sua
intermitência, experimentam ler a cidade ilegível [...] Essas
metáforas [...] conflitantes e do inferno projetam-se ainda na
imagem da grande cidade – confusão, esfacelamento da
comunidade, não-comunicação, individualidade exarcebada,
indiferença – lida como Babel, o caos urbano original, que
parece materializar-se nas megalópoles de hoje.
As palavras de Gomes (2008) denunciam perfeitamente que o mito
bíblico ecoa nas grandes metrópoles modernas como sinal da
impossibilidade de comunicação, do esfacelamento do tempo e do
139
O conceito de globalização será discutido na seção 3.1.4 do capítulo III.
151
espaço, da urbanidade. A releitura do mito de Babel na grande urbe
explica-se ao depararmo-nos com sujeitos diversos em busca de poder e
de vaidades, num cruel processo de diminuição da presença do outro e,
ao mesmo tempo, de vozes solitárias na imensa multidão. Ainda,
seguindo a Gomes (2008, p. 85):
[...] o desenvolvimento de uma cultura da individualidade e das
formas de violência [...] são alguns dos sintomas que indicam a
ilegibilidade
das
megalópoles
contemporâneas,
que
intensificam o caos.
Como as cidades sempre estão sendo (re)construídas, vemos
recorrência e atualidade do mito de Babel na leitura da cidade
contemporânea e de acordo com Gomes (2008a):
O mito bíblico torna-se recorrente, enquanto suporte semântico
de uma série de produtos midiáticos, que se orientam para uma
nova síntese simbólica agregada e essa forma mítica arcaica,
com a qual procuram formalizar uma representação da cidade
em permanente atualização modernizadora, emblematizada na
imagem de um edifício-torre em construção, ou de sua
destruição.
Sabemos que a cidade está formada por discursos impregnados
pela desordem, desse modo, quanto mais confuso, caótico e fragmentado
estiver o espaço urbano, maior será a capacidade de ressemantização do
mito bíblico. De modo recorrente, a Babel moderna é reerguida com a
finalidade de organizar o que em seu bojo já se encontra disperso.
A cidade moderna, do século XXI, perde seus traços mais
determinantes, seja na arquitetura, na cultura local ou até mesmo nas
relações sociais. A cidade compartilha sua arquitetura tradicional junto às
novas construções futuristas cada vez mais presentes; a cultura local
ainda permanece, no entanto com nítidas contribuições de outras culturas
ocasionadas pelos deslocamentos de imigrantes no período de guerras
ou pós-guerras e pela quebra de barreiras proporcionada pela
globalização. A presença da cultura norte-americana e a imposição de
novos costumes da sociedade de consumo são temas recorrentes na
narrativa de Pacheco.
Ao tratar da mudança física das cidades, desses espaços que se
expandem e se contraem, Bauman (1999, p. 86) usa o conceito de
“habitats de significado” para fazer alusão às multiplicidades que
152
compõem uma cidade, composta por inúmeras referências de outras
culturas. A partir de sua leitura, depreendemos que são poucas as
cidades que guardam sua identidade e suas referências históricas, sem
que as mesmas dialoguem com outras. O maior problema da arquitetura
da cidade moderna é a perda de marcas que permitam identificá-la, já que
a Modernidade e seus desdobramentos contribuíram para a semelhança
entre elas.
Já as relações sociais estabelecidas na urbe refletem o caos da
vida moderna: indivíduos solitários, isolados e com diferentes medos.
Conforme o crítico Rafael Argullol (1994, p. 61) no artigo “A cidadeturbilhão”:
Um dos eixos principais em torno do qual se estruturam certas
arquiteturas atuais, é o da configuração de um tipo de
subcidade regida pelo isolamento, a verticalidade e a
claustrofobia. O surgimento de micrópoles, seja no interior de
velhas metrópoles, seja como catapulta de metrópoles em
crescimento, é um dos fenômenos mais preocupantes no que
diz respeito à compreensão da dinâmica entre arquitetura e
cidade [...] face ao iminente fim de século. Tais micrópoles
implicam não mais na criação de uma segunda natureza, como
era próprio da cidade tradicional (isto é, do ‘lugar do
representar’ que relembra o perdido ‘lugar do habitar’), mas na
formulação de uma autêntica cidade ficcional em que a
interiorização
simulada
da
natureza
acompanha
a
interiorização, não menos simulada, das funções antigas da
cidade
O aparecimento dessas micrópoles, cuja utopia de vida se vê de
modo seguro e feliz, também pode ser entendida como a releitura da
cidade como maldição e castigo, porque a segurança que os homens
buscam na micrópole se opõe à realidade de medo e de violência que faz
parte do dia-a-dia da cidade, não sendo possível distinguir as realidades.
A violência e o pavor anunciados no rádio e na televisão deixam de ser
apenas notícia e passam a fazer parte do cotidiano dos sujeitos que
habitam os grandes centros urbanos. Como tratamos, existem cidades
dentro das metrópoles que não se encontram, não se comunicam e vivem
dentro de si mesmas, porém na sociedade global os limites entre o
público e o privado são cada vez mais reduzidos. Para Bauman (2009, p.
32), “as cidades se transformaram em depósitos de problemas causados
pela globalização”.
153
Uma metrópole só existe porque é o resultado de um amálgama de
diversos “eu” e “nós”, caracterizada ainda por um cotidiano tumultuado
repleto de hibridismo, diversidade étnica e racial, múltiplas culturas,
entretanto imersos numa falsa imagem de ordem. Essa idéia de ordem
vê-se abalada paulatinamente na Modernidade, a qual pressupõe novas
reconfigurações, junção de experiências e novas interseções. Conviver
com o diferente sempre pareceu ser algo inerente às condições humanas,
haja vista as experiências em defesa de um objetivo particular ou coletivo
em guerras e/ou conquistas, por exemplo. Segundo o crítico Michel
Maffesoli (2004), não existe a possibilidade de pertencimento a um local
sem que ocorra um sentimento de contrários, de alteridade. Bauman
também confirma que as cidades são espaços repletos de desconhecidos
vivendo uma relação de estreita aproximação.
A problemática da modernidade (ou pós-modernidade) gerou
certos entraves no contato com o outro, nesses deslocamentos e nesses
encontros, promovendo individualizações numa tentativa de manter o
original, de preservar a construção de uma unidade nacional, conforme
mencionado por García Canclini (2009), todavia, por outra parte, vivemos
numa época onde é impossível negar a multiculturalidade presente nos
espaços urbanos. As diferentes vozes e realidades urbanas acabam por
redesenhar e resignificar a cidade constantemente.
A pluralidade de vozes acaba por ser um desafio para a literatura e
para o próprio artista, porque precisa dar conta da urbe, que não
consegue ser retratada na totalidade. Por isso, a literatura vai adotar o
conceito de ruína para atribuir sentido ao que não o tem. Entendemos
ruína como o conceito capaz de revelar o cotidiano de uma cidade
transitória, em constante movimento, efêmera; dando significado ao que é
fugaz. Por meio da destruição, o artista vai dar sentido ao que já não tem
sentido.
Os textos de Pacheco formam um painel que tenta dar conta da
Cidade do México, mas que não representa sua totalidade, pois esta é
impossível de ser captada. Para a literatura, é difícil representar a
permanente mudança do espaço geográfico e suas constantes, sejam
físicas ou sociais, já que a cidade de hoje não é necessariamente a de
154
amanhã, assim como a própria Modernidade é um eterno desconstruir
para reconstruir (IANNI, 1993). Ao longo da próxima seção, tecemos
nossa leitura para a forma como o autor mexicano significa os inúmeros
discursos sobre o sujeito que juntos formam o retrato do espaço urbano
mexicano.
155
III. SUJEITO, CIDADE E EXPERIÊNCIAS URBANAS NA OBRA DE
PACHECO
3.1.
A cidade e o poeta mexicano
Tenemos una sola cosa que describir: este mundo
José Emilio Pacheco (1987, p. 35)
Após a leitura, análise e compreensão dos livros que compõem o
corpus desta pesquisa, constatamos que a obra poética de José Emilio
Pacheco pode ser dividida em três momentos. A primeira fase caracteriza
o poeta centrado no interesse pelos autores clássicos, o que pode ser
comprovado pela leitura de seus poemas, destacando-se os cantos
elegíacos.
O poeta, nessa primeira fase, prende-se a temas metafísicos,
filosóficos e mais abstratos perante a precariedade da existência. Os
poemas mostram imagens duradouras, utilizando, para isso, a figura do
fogo, como objeto que simboliza a destruição e também a criação de
todas as coisas existentes, fazendo uma analogia ao passado de seus
ancestrais: “Todo el mundo está en llamas.”/ “Lo visible”/ “arde y el ojo en
llama lo interroga.” (PACHECO, 1999, p. 62).
Pacheco parece revelar que todo o mundo sofre, inclusive o único
recurso que permite a liberdade do poeta, a poesia: “Es hoguera el
poema”/ “y no perdura”/ “Hoja al viento” (PACHECO, 1999, p. 63). Na
primeira fase de sua poética, nem mesmo a poesia mostra-se salva dessa
catástrofe, o poeta parece ver somente, como nos indica o próprio título
da obra em que foram extraídos os versos mencionados, o fogo como
instrumento que pode gerar certa mudança no olhar da sociedade.
Desde seu primeiro livro de poesia Los elementos de la noche
(1963), Pacheco manifesta as temáticas latentes de sua literatura: uma
visão crítica da história mexicana, o transcurso do tempo, uma reflexão
sobre e a linguagem e, principalmente o espaço urbano, cuja visão
156
apocalíptica se expressa em toda sua obra. O escritor peruano, prêmio
Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa (1994, p. 41), comenta sobre o
estilo de Pacheco nesse livro:
En Los elementos de la noche son ensayadas [...] con igual
sabiduría formas métricas clásicas y modernas, y se emplean
los procedimientos expresivos con idéntico rigor. Desde el
poema en prosa hasta el soneto de ley rígida, Pacheco pasa de
una forma de construcción, y su desenvoltura y su destreza
formales son semejantes en el verso libre o el rimado, en la
poesía consonante y asonante. El conocimiento del lenguaje y
la vasta poética que su libro manifiesta, permiten a Pacheco
una asombrosa libertad de movimiento en el dominio de la
forma
A linguagem precisa, uma das características da poesia do autor,
está presente no poema “Égloga Octava”, cuja angústia pela passagem
do tempo é expressada pelo sujeito poético nos seguintes versos:
Sólo hay este presente.
No existen el mañana ni el pasado.
Pero seguramente
No estaré ya a tu lado
En otro tiempo que nació arrasado (PACHECO, 1987, p. 15)
No livro El reposo del fuego (1966), o fogo anuncia a destruição da
cidade, do tempo presente e do porvir, conforme o eu-lírico expressa:
“Contempla tu dominio: este es tu reino, / una triste ciudad de agua y
aceite que sin unirse flotan”. A cidade como o espaço do progresso,
simbolizada pelo elemento “aceite” mostra-se, aos poucos, como um lugar
inabitável na obra de Pacheco. O poeta retrata a noite140 como sinal da
desolação da sociedade mexicana:
Pero los sordos, imperiosos ritmos,
los latidos secretos del desastre,
arden en la extensión de la mansedumbre
que es la noche de México (PACHECO, 1999, p. 52)
Na segunda fase da poética de Pacheco, percebemos uma
mudança em seu estilo de pensar e retratar a realidade. Volta-se a uma
literatura de auto-exame, cuja preocupação em revelar a história de sua
nação pode ser considerada o ponto forte de toda a sua produção
poética. Denuncia em suas palavras a literatura de cunho social,
preocupada, muitas das vezes, na visão do outro dentro de uma
140
Normalmente, a imagem da noite na poesia de Pacheco simboliza a dor e o sacrifício
dos antepassados mexicanos, seu desejo pelo retorno dos deuses e a esperança da
saída do sol entre os vulcões, representando o início de um novo ciclo vital.
157
sociedade tão injusta. Pacheco inicia o uso de alegorias em sua poética e
desenvolve, nessa fase, a temática infantil, representada também em sua
produção em prosa. Surge, nesse período, uma preocupação por parte do
poeta em renovar a poesia de seu país, sendo assim deposita todas suas
esperanças em cantar a criança141 mexicana, ser indefeso perante a
ferocidade dos homens e do mundo global.
Essa mudança na perspectiva de criação artística de Pacheco
pode ser entendida como uma aproximação à mudança do olhar sobre a
poesia hispano-americana dos anos 60 e 70, onde se buscou uma poesia
mais voltada para a realidade concreta da vida, permitindo o uso da prosa
e da anedota, como recursos poéticos, diferente do ideal de poesia dos
anos 50, que mais relevante, na própria produção poética de Pacheco,
seria o desejo de um canto utópico. Sobre essa mudança de estilo, o
poeta e crítico argentino Saúl Yurkievich opina:
Eu também acreditei e creio na interpenetração dos gêneros, mas a volta
da poesia latino-americana em direção ao prosaísmo e anedótico agora
parece-me negativa. Evidentemente, a poesia dos anos cinqüenta era
muito utópica e ucrônica, muito ahistórica, demasiada distante de nossa
experiência imediata. Então houve um empenho em voltar a relacionar
essa poesia com o mundo de todos, com o cotidiano, com a realidade
concreta, em fazê-la descender para que possa registrar, na língua oral
ou língua viva, as restrições do real empírico. Nossa poesia volta-se
142
conversacional, doméstica, popular, de via pública .
Segundo o escritor mexicano Jorge Fernández Granados (2003),
nessa fase, Pacheco parece resgatar traços da antipoesía143 de Nicanor
Parra e da irreverência de Ernesto Cardenal — a quem Pacheco
reconhece como seu grande mentor, dedicando-lhe algumas epígrafes
num de seus livros dessa fase — ou de Jaime Sabines. Pacheco mostra
141
No poema “Tierra incógnita” (PACHECO, 2009a, p. 24), Pacheco corrobora sua visão:
“Cuánto dolor del mundo en el inocente / que por fortuna no se da cuenta de nada.../ o
eso creemos, al vernos, / Igual que él, de repente, un día. / Nadie está a salvo”.
142
“Yo también he creído y creo en la interpenetración de los géneros, pero el viraje de la
poesía latinoamericana hacia lo prosaico y anecdótico ahora me parece negativa.
Evidentemente, la poesía de los años cincuenta era demasiado utópica y ucrónica,
demasiado ahistórica, demasiado distante de nuestra experiencia inmediata. Entonces
hubo un empeño en volverla a conectar con el mundo de todos, con la cotidianeidad, con
la realidad concreta, en hacerla descender para que registrase en la lengua oral o lengua
viva las restricciones de lo real empírico. Nuestra poesía se vuelve conversacional,
doméstica, polular, callejera”. [Tradução nossa] In: STANTON (1991, p.109-110).
143
Escritura elaborada a partir da negação das características essenciais de outras
escrituras e de outros códigos literários ou não-literários. In: MARCHESE &
FORRADELLAS (1986).
158
certa transparência em sua linguagem, convertendo sua erudição para
uma linguagem da vida cotidiana.
Essa etapa, para o poeta, caracteriza-se como a de uma enorme
pluralidade estética e, de certa forma, genérica, na qual lhe permite
apagar as diferenças entre prosa e verso, surgindo poemas em prosa144,
que dialogam de modo mais nítido com o leitor. A forma poética faz-se
plural, heterogênea e até mesmo fragmentada. O poeta insere, em sua
poética, outras vozes, que parecem se esconder atrás de máscaras. Daí a
criação e o emprego por Pacheco de heterônimos como recurso simbólico
em seus poemas.
Ernesto Cardenal, ao ser um defensor do prosaísmo na América
Hispânica, revela que, em um poema, cabem fragmentos de cartas,
dados estatísticos, notícias jornalísticas, editoriais de um jornal, crônicas
de uma história, documentos, textos humorísticos; mostrando assim
tendências que realmente eram típicas da prosa, e não da poesia
(BENEDETTI, 2000, p. 77). E a partir dessa influência, Pacheco dosará
de imagens, que se por um lado chocam, por outro são semelhantes, para
a formação de outra imagem, porém, que revele, aparentemente, o seu
trabalho de construção poética e sua maneira de pensar a realidade.
Assim sendo, baseado nesse prosaísmo da poesia, o poeta além
de fazer referência à história contemporânea do México, à realidade
urbana, à opressão social e política, faz com que os poemas dessa fase
abram a sua linguagem para setores extraliterários, como o mundo da
propaganda, a entrada de muitos produtos estrangeiros no mercado, do
jornalismo
e,
inclusive,
temas
sobre
destruição
ecológica.
E,
principalmente, há neles uma tentativa de questionar a noção da
originalidade de um texto literário, já que Pacheco sente um texto como
um objeto anônimo145, portanto, coletivo e capaz de sofrer alterações no
decorrer de sua existência.
144
No livro Desde entonces (1980), os primeiros poemas em prosa de Pacheco
aparecem, os quais apresentam as mesmas preocupações de seus livros anteriores, em
especial, ao tema da cidade entendida como imagem da confusão e da morte. O poeta
desenvolve seus pensamentos, contudo não faz uso de versos muito longos.
145
Num poema em homenagem ao poeta Juan Ramón Jiménez, Pacheco chama
atenção para o caráter coletivo da poesia nos seguintes versos: “Acaso leyó usted que
Juan Ramón Jiménez/ pensó hace mucho tiempo en editar una revista. / Iba a llamarse
159
Torna-se um hábito de estilo nos poemas dessa fase a recriação
por parte do poeta de textos escritos por outros autores e, inclusive, em
outros idiomas. Conforme argumenta o próprio Pacheco, ele somente
aproxima esses poemas ao contexto mexicano dos dias atuais, já que a
poesia permite vencer a passagem do tempo, porque, para ele, a poesia
revela-se “não como criação eterna, mas como trabalho humano, produto
histórico e duradouro”146.
Outro procedimento adotado nessa segunda fase pelo poeta
mexicano, fazendo jus à idéia de socializar e coletivizar a idéia poética, é
a utilização da técnica de collage147, resgatada da vanguarda cubista. E
para Pacheco, a collage funcionaria como mostra prática da escritura
vista como intertextual. Nesse ponto, podemos estabelecer, uma vez
mais, um contato de Pacheco com Borges, ao deixar evidente em seus
contos, a idéia de que vivemos num mundo, onde o grande articulador de
discursos é, pois, o leitor, responsável por enlaçar signos e pelo jogo dos
tempos e dos sentidos.
O fogo como símbolo da destruição novamente aparece na obra
No me preguntes cómo pasa el tiempo (1969). A imagem do caos surge
da confusão de imagens, entre o passado e o presente mexicano, já que
o escritor é testemunha da história. No poema “Lectura de los ‘Cantares
mexicanos’: manuscritos de Tlatelolco”148, Pacheco denuncia o massacre
de Tlatelolco ocorrido na cidade por meio do olhar de testemunha de seu
tempo:
‘Anonimato’. / Publicaría no firmas sino poemas; / se haría con poemas, no con poetas. /
Y yo quisiera como el maestro español / que la poesía fuese anónima ya que es
colectiva / (a eso tienden mis versos y mis versiones) […] Posiblemente usted me dará la
razón. / Usted que me ha leído y no me conoce. / No nos veremos nunca pero somos
amigos. / Si le gustaron mis versos / qué más da que sean míos / de otros / de nadie. /
En realidad los poemas que leyó son de usted: / Usted, su autor, que los inventa al
leerlos.” (PACHECO, 1987, p. 48)
146
“no como creación eterna sino como trabajo humano, producto histórico y
perecedero”. [Tradução nossa] In: STANTON (1991, p. 110).
147
O termo foi usado primeiramente para as artes plásticas, porém se estendeu a
diferentes técnicas textuais. A técnica do collage consiste em tomar um determinado
número de elementos de obras, de objetos, de mensagens já existentes e integrá-los em
uma nova criação. In: MARCHESE & FORRADELLAS (1986).
148
O escritor refere-se a esse texto como um “poema coletivo”, conforme declara, numa
nota de página, “hecho con frases entresacadas de las narraciones orales y, en menor
medida, de las noticias periodísticas que Elena Poniatowska recoge en La noche de
Tlatelolco”.
160
Y todo esto pasó con nosotros.
Con esta lamentable y triste suerte
nos vimos angustiados.
En los caminos yacen dardos rotos.
Las casas están destechadas.
Enrojecidos tienen sus muros.
Gusanos pululan por calles y plazas
(PACHECO, 1987, p. 32)
Pacheco trata do ambiente de desordem e de caos gerado pelo
progresso e pelo crescimento da cidade, com a expansão de suas ruas,
de estradas, a construção de edifícios, de galerias, de túneis subterrâneos
e de shopping centers. Aliado a isso, ainda, sinaliza o crescimento
acelerado da população. No poema “Shopping Center”, o autor aborda o
aumento da pobreza149 e os contrastes do progresso decorrente da
expansão da urbe:
Una autopista de cemento fúnebre abierta entre las
ruinas de la ciudad conduce al shopping center. La
carretera irrespirable sirve doblemente a los fines del
consumo superfluo que no se propone satisfacer
necesidades reales sino calmar la ansiedad
[…]
Imagina el porvenir de estos colores deslumbrantes.
Contempla la plaza como un inmenso proyecto de
basurero. Y en vez de quienes comprando tratan de
ajustar su imperfección humana al imposible ente
plastificado que la publicidad exige de ellos, mira a los
niños que buscan sustento en la basura (PACHECO,
1987, p. 105)
O termo “basura” alude ao consumo desmedido da sociedade e a
imagem da cidade como espaço desgastado no presente e no futuro150. A
149
No poema em prosa “Otro espejo” (PACHECO, 2009b, p. 47-48), o sujeito poético
retrata as contradições e a desordem do espaço urbano nos seguintes versos: “Mala
cara tiene ‘mi’ ciudad a la hora en que la infame noche se convierte en otro día de horror.
Ya somos demasiados en todas partes. Aquí parecen concentrarse las multitudes que
vienen del campo sin futuro a la ciudad en ruinas. Las niñas esclavas son prostituidas en
cada puerta. Los adolescentes venden globitos, bolsas de plástico que contienen un
gramo de cristal, la droga de los pobres, la más destructiva, la que causa más daños
irreparables en el organismo y en el tejido social […] Policías y ladrones, ya
indistinguibles, hacen cuentas sobre el botín de la jornada nocturna. Circulan de mano
en mano billetes en que se ha impreso toda la mugre del país y del mundo manchado de
sangre y la vida sin esperanza […] Su fealdad externa e interna es el reflejo de la
nuestra. Su corrupción es nuestra podredumbre. Su desorden responde a nuestro íntimo
caos”. Nesse poema, a noite simboliza a pobreza, o desgaste e a corrupção do país e da
sociedade mexicana. Pacheco sintetiza, nessa narrativa poética, o outro lado da
realidade citadina mexicana.
150
No poema “En el camión de la basura” (PACHECO, 2009a, p. 80), o sujeito do poema
sinaliza o risgo do apagamento da memória dos individuos quando menciona: “Los
161
estrada aparece unida aos centros comerciais, como uma espécie de
condução a um mundo falso, cuja ansiedade dos consumidores nunca se
satisfaz. O sujeito poético levanta os antagonismos entre a vida
consumista e a necessidade da reciclagem do lixo como fonte de
subsistência. Pacheco demonstra olhar não apenas para o presente, mas
também para o futuro. Esse olhar visionário para a cidade consta em
grande parte de seus poemas.
Na terceira fase da poesia de Pacheco, há o resgate do uso de
alegorias, já realizado no momento anterior. A grande carga pessimista
gerada pela história do México toma uma relevante importância na
produção poética de Pacheco. A presença do surrealismo evidencia-se
nesse momento final de classificação de sua poética, dialogando lado a
lado
a
uma
tendência
de
poesia
conversacional,
sendo
essa
caracterizada por apresentar poemas com estilo prosaico, em que esses
são dotados de harmonia, entonação, elegância de expressão, emoção e
outros recursos que permitem identificar traços do linguajar poético151.
Nesse momento, dá-se também a implementação de outros
gêneros, como a fábula e a alegoria, em seu discurso poético. Surge
também, nessa fase, a influência oriental sobre a poética de Pacheco por
meio da aquisição do estilo e da elaboração de haikús, responsáveis em
revelar, ao leitor, a capacidade moralizante do poeta mexicano, e, além
disso, as experiências e sonhos do poeta.
Pacheco mostra, com sua voz, a importância do olhar e da
participação do indivíduo na compreensão dos problemas que assolam
seu país. O olhar crítico do escritor mexicano faz despertar as vozes
adormecidas do espaço citadino, de tal forma que seus textos denunciam
a dor diante do caos instaurado em nosso planeta pela globalização, que
para Bauman (2008, p. 48), seria sinônimo de desordem mundial.
papeles, las cartas que ya nunca / volverán a escribirse / y las fotos de ayer. / Todo lo
nuestro está hecho / para acabar en la basura”.
151
Segundo o crítico Mario Calderón (2006), “lo esencial en la poesía de José Emilio
Pacheco, en cuanto al significante, es la musicalidad, y en cuanto al significado, es la
visión de un mundo mal construido visto desde la ubicación de la justicia y la cortesía, y
tal vez esa amabilidad y cortesía sea lo que representa Pacheco en la literatura
mexicana contemporánea”.
162
O conjunto poético de Pacheco oferece uma variedade de temas,
porém a cidade e seus dilemas constituem grande preocupação do
escritor. Pacheco nos poemas “La lluvia en Copacabana”, “El Alba de
Montevideo” e “Amanecer en Buenos Aires” simboliza aspectos distintos
dessas cidades da América do Sul se comparamos à essência
pessimista, predominante em seus textos para a capital mexicana.
Nesses poemas, o poeta emprega cores claras e a imagem do céu como
representação da esperança: “El alba de Montevideo”: “la noche
lentamente se deshace ante la luna/ que avanza llena de eternidad”
(PACHECO, 1987, p. 89). Não há vestígios de violência, do ar
contaminado, da multidão das ruas e de outros agravantes da capital
mexicana.
O escritor constrói uma poética urbana para denunciar os
antagonismos aparentes na capital mexicana. O escritor emprega, em sua
obra, certos temas que sintetizamos neste estudo como desdobramentos
da imagem do caos urbano ou dilemas da vida moderna que afligem os
sujeitos da Cidade do México. Esse cenário caótico adotado como plano
de fundo de sua obra, além de funcionar como um espaço de debate por
tempos melhores, reforça o não comprometimento do sujeito com seu
espaço social e sua solidão apesar de habitar um grande labirinto
citadino.
Nos próximos sub-capítulos, esperamos evidenciar o estilo de
Pacheco chamando atenção do leitor para as vozes, os desejos, os
corpos e as calamidades, que constituem o caos urbano retratado em sua
obra poética.
163
3.1.1. O sujeito e a cidade da memória
Si en algún lugar vive la historia,
ese lugar es sin duda la memoria.
Ricard Vinyes (2002, p. 7)
Atualmente, no México, a imagem de Tenochtitlan representa a luta
por rememorar o esplendor da cultura asteca — dizimada pelo ardor do
conquistador espanhol. Essa imagem de uma grande cidade, em cujo
presente só temos a imagem da lembrança, fez- se símbolo do poder e
centro de uma cultura, o que permite afirmar que gerou, em seus
habitantes remanescentes, imagens fragmentadas, carregadas da pura
dor de um povo, devido a esse traço negativo evidente em suas raízes.
Desse modo, analisamos essas imagens no poema “La ciudad en
estos años cambió tanto”, de Pacheco:
La ciudad en estos años cambió tanto
que ya no es mi ciudad, su resonancia
de bóvedas en ecos. Y sus pasos
ya nunca volverán.
Ecos pasos recuerdos destrucciones.
Todo se aleja ya. Presencia tuya,
hueca memoria resonando en vano,
lugares devastados, yermos, ruinas,
donde te vi por último, en la noche
de un ayer que me espera en las montañas,
de otro futuro que pasó a la historia,
del hoy continuo en que te estoy perdiendo (PACHECO, 1999, p.
50)
Percebemos
que,
pela
voz do
sujeito do
poema, há o
questionamento, no tempo presente, de um passado memorável. O
sujeito poético afirma não reconhecer mais a sua própria cidade, aqui
entendida como sua morada simbólica, ou seja, a imagem de seu
próprio país152. Nota-se que, segundo o eu-lírico, os vestígios desse
152
Pacheco busca uma explicação para a destruição na cidade nesse outro poema: “Esa
que allí no ves, que no está / ni volverá a alzarse nunca, / fue en otro mundo la casa /
donde nací./ La avenida que pueblan damnificados / me enseñó a caminar. / Jugué en el
parque / hoy repleto de tiendas de campaña. / Terminó mi pasado / Las ruinas se
desploman en mi interior. / Siempre hay más, siempre hay más (PACHECO, 1987, p.
164
México “nunca más volverán”. Segundo a professora e crítica Bella
Jozef (1980, p. 174), “o tempo perdido é irreversível, mas recobrado
pela memória se transforma em poesia”.
Assim, o poeta procura em suas raízes, em sua própria vida, a
chave da existência”. Nessa busca pelo passado153 de sua história,
encontramos, no eu-lírico, somente a imagem de uma “hueca memoria
resonando en vano”, que assume estar perdendo os traços de sua
identidade nacional quando diz “del hoy continuo en que te estoy
perdiendo”. No poema “Desechable”, Pacheco complementa a idéia
anterior, ao revelar que “nuestro mundo se ha vuelto desechable”
(PACHECO, 1994, p. 85).
A Cidade do México é retratada por Pacheco como um espaço da
recordação e, ao mesmo tempo, fantasmal, onde as antigas vozes dos
deuses habitam seu lago subterrâneo154, como percebemos nas
seguintes imagens:
Brusco olor del azufre, repentino
color verde del agua bajo el suelo.
Bajo el suelo de México se pudren
todavía las aguas del diluvio.
Nos empantana el lago, sus arenas
movedizas atrapan y clausuran
La posible salida
Lago muerto en su féretro de piedra.
[…]
Bajo el suelo de México verdean
eternamente pútridas las aguas
126). A imagen da casa, no poema, simboliza seu país e as transformações decorrentes
da vida moderna.
153
No poema em prosa “La plegaria del alba” (PACHECO, 2009b, p. 72), o sujeito
poético corrobora essa impossibilidade de retornar ao passado: “Ayer no resucita. Lo que
hay atrás no cuenta. Lo que vivimos ya no está. El amanecer nos entrega la primera hora
y el primer ahora de otra vida. Lo único de verdad nuestro es el día que comienza”.
Pacheco confirma a necessidade de se preparar para o futuro. O escritor sabe que não
há como deter o caráter transformador do tempo. No poema “Por desgracia” (PACHECO,
2009a, p. 178), o eu-lírico expressa: “Nada resulta estable y hay lugares / devorantes,
borrados, engullidos [...] Y sin embargo está lo que no cambia: / El mapamundi actual es
como el de antes / una mancha feroz de fuego y sangre”. Essa mesma idéia está
presente no poema “La mancha” (PACHECO, 2009a, p. 181): “Porque nada está firme.
Todo se va. / Sólo la mancha sigue aqui / como una huella de sangre”.
154
Esse espaço é visto como misterioso como revelado pelo eu-lírico do poema “El canal
de la Nada” (PACHECO, 2009a, p. 189): “Cuántos años vividos sobre estas calles / Sin
pensar nunca en lo que yace aquí abajo. / Y no supe tampoco / Qué había ocurrido al
fondo de mi propio pasado, / tan misterioso / como el ayer de todas las personas”.
165
que lavaron la sangre conquistada
[…]
Queda el lodo
en que yace el cadáver de la pétrea
ciudad de Moctezuma (PACHECO, 1999, p. 47-48)
O cheiro de enxofre e o lodo detonam a agonia do homem perante
uma história de usurpações e infâmias. Com esse compromisso de
levantar imagens que trabalhem como um canto doloroso de uma
cultura ou com traços de uma literatura histórica, se destaca a figura de
Pacheco nas Letras Mexicanas. Sua linguagem simbólica, como já dito
anteriormente, permite ao leitor ir compreendendo e interpretando o
seu passado e, ao mesmo tempo, preenchendo as imagens que o
poeta constrói.
Segundo o próprio Pacheco, não há a idéia de texto concluído; o
poeta deixa evidente que as palavras só se realizam no momento de
sua leitura por parte do outro, que pode compreender de outra maneira
as imagens pré-criadas e concebidas do poeta, isso devido ao
indivíduo ser capaz de relacionar o teor de um texto ao seu
conhecimento de mundo e, numa amplitude maior, a sua própria vida.
Sobre essa questão da pluralidade de um texto, Octavio Paz (1989, p.
108-109) reflete da seguinte maneira nos fragmentos abaixo:
O mundo não é um conjunto de coisas, mas sim de signos: o
155
que chamamos de coisas são palavras .
[...]
O texto que é o mundo não é um texto único: cada página é a
tradução e a metamorfose de outra página e assim
sucessivamente. O mundo é a metáfora da metáfora. O mundo
perde sua realidade e converte-se em uma figura de
156
linguagem .
[...]
A pluralidade de textos implica que não existe um texto
157
original .
[...]
155
“El mundo no es un conjunto de cosas, sino de signos: lo que llamamos cosas son
palabras”. [Tradução nossa]
156
“El texto que es el mundo no es un texto único, cada página es la traducción y la
metamorfosis de otra y así sucesivamente. El mundo es la la metáfora de la metáfora. El
mundo pierde su realidad y se convierte en una figura de lenguaje”. [Tradução nossa]
157
“La pluralidad de textos implica que no hay un texto original”. [Tradução nossa]
166
O verdadeiro autor de um poema não é o poeta nem o leitor,
mas sim a linguagem [...] o poeta e o leitor não são mais que
158
dois momentos existenciais da linguagem .
Pacheco, em sua poética, sabe que não podemos reviver
plenamente por meio de imagens os momentos gloriosos de toda uma
civilização. Nos versos “No tomes muy en serio”/ “lo que te dice la
memoria” (PACHECO, 2000, p. 23), o sujeito poético sugere que não
podemos nos basear somente por nossa memória, devemos, pois,
buscar outras respostas no tempo presente. Conforme o filósofo
francês Georges Didi- Huberman (2000), ao voltar no tempo pela
memória, essas imagens que relembramos não se resgatam em sua
totalidade, mas podem ser revividas e reconstruídas completamente,
com as interferências do tempo atual.
O poeta faz uso da palavra escrita não somente para reconstruir
um fato ou uma lembrança, mas também com a intenção de gerar um
novo olhar ― do presente ― que permite rever o passado, e de certo
modo projetar o futuro. A memória, nesse caso, é um alargamento da
própria experiência individual do poeta que é compartilhada com o
outro.
Pacheco, no poema “Crónica de Indias”, resgata o imaginário do
conquistador espanhol ao olhar para a nova colônia159. O sujeito
poético destaca a impiedade do conquistador para com os indivíduos
mexicanos, além disso, revela a sua não identidade assumida com o
novo espaço ao expor somente o interesse por suas riquezas. O eulírico, fazendo uso da ironia, mostra que a empreitada espanhola
estava baseada em boas intenções, já que todas suas ações eram a
favor de Deus e da Igreja:
Después de mucho navegar
por el oscuro océano amenazante, encontramos
tierras bullentes en metales, ciudades
158
“El verdadero autor de un poema no es ni el poeta ni el lector, sino el lenguaje... el
poeta y el lector no son sino dos momentos existenciales del lenguaje”. [Tradução nossa]
159
“No poema em prosa “Crónicas de la conquista” (PACHECO, 2009b, p. 63), o eu-lírico
demonstra a superposição dos espaços e a tentativa de diminuir a presença da cultura
indígena: “[...] Nada lograron las armas de pedernal contra la pólvora y los metales. Todo
fue arrasado sin consideración para su ser, su modo de vida, sus creencias y tradiciones.
Los nuevos templos se alzaron sobre los recintos sagrados. Lo esclavizaron y saquearon
su naturaleza hasta convertirla en desierto”.
167
que la imaginación nunca ha descrito, riquezas,
hombres sin arcabuces ni caballos.
Con objeto de propagar la fe
y arrancarlos de su inhumana vida salvaje,
arrasamos los templos, dimos muerte
a cuanto natural se nos opuso.
Para evitarles tentaciones
confiscamos su oro.
para hacerlos humildes
los marcamos a fuego y aherrojamos.
Dios bendiga esta empresa
hecha en Su Nombre (PACHECO, 1987, p. 34-35)
No poema “Conozco la locura y no la santidad”, o sujeito poético
também revela-nos o olhar de ira do conquistador espanhol em relação à
cidade:
Ojos, ojos,
cuántos ojos de cólera mirándonos
en la noche de México, en la furia
animal, devorante de la hoguera:
la pira funeraria que en las noches
consume a la ciudad.
Y al día siguiente
sólo vestigios ya.
Ni amor ni nada:
tan sólo ojos de cólera mirándonos (PACHECO, 1999, p. 52)
Pacheco, ao olhar para a cidade, coloca-nos diante de uma série
de desafios provocados pela aceleração do tempo, oriundos das
mudanças provocadas pela globalização das nações, evidenciando-nos o
rápido processo de transformação a que foi submetida a cidade e o
esfacelamento dos indivíduos, como podemos visualizar nos versos do
poema “Pero ¿es acaso el mundo un don del fuego...?:
¿Para qué estoy aquí, cuál culpa expío,
es un crimen vivir, el mundo es sólo,
calabozo, hospital y matadero,
ciega irrisión y afrenta al paraíso? (PACHECO, 1999, p. 41)
O poeta mexicano tenta revelar, em seu canto, um olhar que se
impressiona com a história dos acontecimentos. Portanto, dois olhares se
interpenetram em seus poemas: o olhar do passado pré-colombiano no
momento presente e o olhar da modernidade com projeções futuras. Para
unificar esses olhares, Pacheco parece reconhecer que, somente no
olhar, estão concentrados todos os nossos sentidos, de maneira que olhar
um objeto, uma pessoa ou um espaço não se resume somente a flashes
168
imediatos sem considerar uma história antecedente. Some-se a isso, o
fato
de
que
esses
olhares
aliam-se
ao
poder
de
renovação
desempenhado pela memória. O papel do poeta está na percepção do
real através do olhar.
Através do ato de percepção, Pacheco tenta interpretar o espaço
das cidades mexicanas para, então, criar. Todo ato de compreensão do
real assume um instante de criação poética, mesmo quando a realidade
não se configura mais no campo visual do artista. O poeta compreende
que qualquer objeto passa a existir em sua imaginação e em sua memória
depois de um primeiro olhar de compreensão para o mesmo.
A memória significa a capacidade de conservar e lembrar o
passado. Dessa maneira, podemos compreendê-la como um instrumento
capaz de reter com precisão certos fatos de nossa existência e
transformá-los em imagens em nosso consciente e/ou inconsciente,
sendo essas imagens solicitadas à medida que o indivíduo necessite
dispô-las na vida prática. A memória, responsável por manter certas
informações e dados, permite que o indivíduo esteja sempre atualizando
suas impressões ou vivências passadas. Pela memória, o sujeito é capaz
de avaliar seu passado e buscar melhorias no que tange sua vida no
presente e no futuro. Entretanto, nem sempre há esperança para o futuro.
Esse também é visto como “podredumbre”, “basura” e “ruina”, como
observamos nas imagens do poema “Séptimo sello”:
Y poco a poco fuimos devorando la tierra
Emponzoñada ya hasta su raíz
no queda un árbol
ni semblanza de río.
El aire entero es podredumbre
y los campos océanos de basura
Soy el último hombre
Sobreviví a la ruina de mi especie
Puedo reinar sobre este mundo
pero de qué me sirve (PACHECO, 1987, p. 54)
Porém, de acordo com a filósofa alemã Jeanne Marie Gagnebin
(1985, p. 16), a memória não resgata simplesmente o passado, mas:
Salvá-lo no presente graças à percepção de uma semelhança
que o transforma em dois: transforma o passado porque este
assume uma forma nova, que poderia ter desaparecido no
esquecimento; transforma o presente porque este se revela
como sendo a realização possível dessa promessa anterior,
169
que poderia ter-se perdido para sempre, que ainda pode se
perder se não a descobrirmos, inscrita nas linhas do atual.
Existem diversos tipos de memória, entre elas, a social, a histórica,
a coletiva, a mítica, a nacional e a poética. Mesmo sendo um conceito que
se refere ao que é vivo na consciência do ser humano e na de sua
comunidade, podemos compreender que a memória estabelece uma
relação bastante direta com o indivíduo antes de ser evidente a toda uma
sociedade. Podemos assim dizer que a memória possui um estágio
prioritariamente particular e individual, funcionando de maneira que
estabeleça um canal direto entre o “eu” do homem e os fatos guardados
no reservatório da memória.
Todo indivíduo pertence a uma sociedade, como já foi exposto
anteriormente neste estudo, e será ela a responsável em dar meios para
o sujeito armazenar em seu consciente certas vivências. No interior de
cada um, convivem elementos conhecidos e desconhecidos, e são esses
elementos desconhecidos, conforme o psiquiatra suíço Jung (apud
GUBERMAN, 1998, p.48), que permanecem em nosso inconsciente. O
inconsciente pode ser entendido como o espaço das informações
conhecidas, porém das passagens não bem resolvidas e entendidas por
nosso ser ou, ainda, daquelas que merecem uma atenção especial de
nossa parte, porque, caso contrário, podem se transformar em
verdadeiros traumas, gerando bloqueios em nossa vida em sociedade.
Para o melhor entendimento da presença da memória na poética
de Pacheco, fez-se necessário não só desvendar a memória individual do
poeta, mas a de toda a história a que esteve submetido, logo,
compreender a história marcante de seu país, principalmente analisar, em
seu discurso simbólico, a presença do substrato cultural das civilizações
pré-colombianas
e
dos
diversos
movimentos
que
buscaram
a
independência do México, como forma de integrar lado a lado diversas
camadas da população, que constituem o rico país que conhecemos, seja
por sua história, seja por sua diversidade cultural, caracterizando a cultura
mexicana como uma força tipicamente mestiça desde suas origens.
170
Certo afirmar é a existência e convivência no imaginário de
Pacheco de uma memória individual e coletiva. Ao vivenciar experiências
em um determinado espaço, estamos inseridos em um mundo de
imagens, sejam essas visíveis aos nossos olhos ou invisíveis,
constituindo-se essas um verdadeiro desafio para nós, leitores e videntes
desses sentidos, que temos que construir e, muitas das vezes, buscar
sentidos através da história de nossos antepassados.
Para Calvino (1990), ao relatar as viagens do personagem de
Marco Polo, a memória é ativada a partir do momento que o sujeito olha
para a cidade e transporta imagens na leitura de outra ou, às vezes, traz
recordações na leitura de cidades nunca antes percorridas. O narrador
viajante de Calvino (1990, p. 28) revela:
Quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades
distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia
atravessado para chegar até lá, e reconstituía as etapas de
suas viagens [...] Ao chegar a uma nova cidade, o viajante
reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa
daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se
nos lugares estranhos, não nos conhecidos.
Seguindo esse pensamento, Pacheco utiliza como complemento a
sua memória individual, traços e imagens da memória mexicana,
conseguindo assim gerar um novo olhar poético para o tempo presente,
pois de acordo com o historiador espanhol Ricard Vinyes (2002, p. 7):
[...] através da memória a história continua vivendo e reelaborando as esperanças, projetos ou desânimos de homens
e mulheres que buscam dar um sentido à vida, por ordem ao
caos, dar soluções conhecidas a problemas desconhecidos,
160
provavelmente novos. A memória é história de fato
Pela colocação de Vinyes, temos clara a idéia de que a história é
capaz de resistir à passagem do tempo, sempre construindo novas
lembranças e imagens, responsáveis em dar a conhecer a presença do
passado no tempo presente e futuro. Nossa vida resume-se como um
eterno caminhar, e nesse percurso, temos a memória orientando-nos
como fonte de informação e de caminho a ser seguido.
160
“A través de la memoria la historia continúa viviendo y reelaborando las esperanzas,
proyectos o desánimo de hombres y mujeres que buscan dar un sentido a la vida,
encontrar (o poner) orden en el caos, soluciones conocidas a problemas desconocidos,
quizás nuevos. La memoria es historia en acto”. [Tradução nossa]
171
A memória sendo nosso reservatório de recordações e informações
não permite que vejamos o presente e projetemos o futuro com certas
reminiscências do passado, mas sim que, a partir do resgate delas, ou
pelo menos de parte das mesmas, examinemos a experiência individual e
coletiva dos indivíduos de uma sociedade na formação de ideais e de
valores, de modo que colaborem com a manutenção das relações
humanas no espaço urbano.
Cabe entender a memória como um mecanismo superior a um
mero registro de dados. Graças a sua função social, a memória perde seu
sentido físico em nosso corpo, ao ser também vinculada ao discurso oral
e
escrito.
Com
o
desenvolvimento
das
sociedades
na
vida
contemporânea, a memória torna-se um elemento fundamental para
entendermos o que chamamos por identidade, seja essa também coletiva
ou individual. Entender a identidade será re-visitar a história de um povo,
por isso lançar-se de corpo e alma na memória que reluz as origens, os
costumes e as ações de uma comunidade.
Na poética de Pacheco, a memória permite pensar as imagens
inerentes às experiências vividas pelo poeta, pois a imagem não se faz
fora de um tempo. Os nossos referentes visuais sempre estão presos ao
registro da realidade e, principalmente, ao das relações sociais que
evidenciamos ao nosso redor. Esse tempo do qual uma imagem pode ser
revelada, mostra-se um tempo heterogêneo, em que os referentes são
meras construções mentais no olhar do próprio poeta, e servem para a
compreensão dos fatos de uma determinada civilização.
O poeta, à medida que trabalha com a visualidade dos fatos que
rodeiam seu universo, permite ao outro ― ao leitor ― estabelecer
diálogos entre esses tempos imaginários e o poder de encontrar
semelhanças entre os momentos vivenciados por seu povo. Essa
interação entre os tempos ― presente, passado e futuro ― revela-se
pelas imagens poéticas como o tempo da busca, da reconfiguração do
presente e da projeção, respectivamente.
172
De certo modo, Pacheco busca, em sua poética, encadear os
acontecimentos, mostrando certa unidade dos fatos. Esta unidade é que
nos permite entrever um sentido nas imagens de seus poemas, ainda que
algumas vezes encontremos contradições. Vejamos essas imagens
poéticas no poema “Se han extraviado ya todas las claves para salvar al
mundo”, que faz parte de El Reposo del fuego:
Se han extraviado ya todas las claves
para salvar al mundo. Ya no puedo
consolar, consolarte, consolarme.
Tierra, tierra ¿por qué no te conmueves?
Ten compasión de todos los que viven.
Haz que nadie mañana – algún mañana–
tenga ocasión de repetir conmigo
mis palabras de hoy y mi vergüenza.
(PACHECO, 1999, p. 43)
Pela sucessão dos acontecimentos, o sujeito do poema revela-nos,
por meio das imagens anteriores, que não há mais esperança “para salvar
al mundo”, restando somente, ao próprio poeta, a função de “consolar,
consolarte, consolarme”. O eu poético destaca, ao que seria o verso
principal do poema, em que canta, chora e questiona essa lembrança do
passado de seu país e do sofrimento de seus antecessores.
Mas ao mesmo tempo, em “Tierra, tierra ¿por qué no te
conmueves?”/ “Ten compasión de todos los que viven”, dotado do dom e
do exercício de trabalhar com a linguagem, o sujeito poético demonstra a
vontade de seguir fazendo história ao clamar por piedade para os que
presenciam as ferocidades impostas pela vida. O eu poético projeta e
interroga, por outro lado, a existência de um tempo futuro, colocando em
dúvida esse amanhã161 — “algún mañana”. Para o sujeito poético, só
resta lutar para diminuir a imagem de uma cidade desgastada, sendo
essa representada simbolicamente pela “verguenza” revelada no seu
discurso poético.
Em outros versos, Pacheco mostra que as imagens do tempo
geram buscas na memória implícita dos indivíduos, que apagam e
161
A incerteza pelo porvir, também, aparece no questionamento do eu-lírico do poema
“Preguntas” (PACHECO, 2009a, p. 83): “Total misterio a cada instante la vida. / ¿Quién
soy, para qué estoy aquí, / qué va a pasar de ahora en adelante conmigo? / No lo sé, /
Nunca lo sabré”.
173
resgatam acontecimentos ao mesmo tempo, semelhante ao papel da
própria escritura poética: “Miro sin comprender, busco el sentido”/ “de
estos hechos brutales” (PACHECO, 1999, p. 14).
As imagens do tempo se dispersam por todas as partes de uma
cidade, principalmente, aquelas refletidas na arquitetura, e nos demais
monumentos construídos pelo homem, com a finalidade de escrever no
tempo a sua existência e a de seu povo.
Para Pacheco, o passado transforma-se em história e aproxima-se
mais da realidade quando o analisamos no tempo presente; sendo assim,
a realidade contemporânea será o suporte da memória histórica, em que
se acomodam as imagens selecionadas pelo próprio tempo e pelos
indivíduos. Entre as imagens, que se repetem do mundo real e das
criadas por nosso inconsciente, somente as mais significativas são
guardadas e recordadas pelos indivíduos, sendo essas, possíveis de
serem reconstruídas por meio de novos sentidos dados a esses fatos já
vivenciados e experimentados na história do homem.
Portanto, o indivíduo sempre insere seu discurso num tempo
cronológico e num espaço marcado. Só o inconsciente é atemporal,
deixando intactas para sempre certas lembranças. Por meio do poema
“México: vista aérea” (PACHECO, 1987, p. 74), notamos essas imagens
das ações do homem, que busca sua identidade nas ruínas da Cidade do
México, eterna lembrança de Tenochtitlán.
Nesta composição poética, podemos perceber que o sujeito do
poema tece um jogo de palavras, transformando-as em imagens que
serão reveladas aos poucos, por meio do sentido da visão, para o qual o
leitor é chamado à atenção. Já no título do poema e no primeiro verso
“Desde el avión”, percebe-se essa marca visual. Pacheco, seguindo as
concepções de Paz, entende e sente um poema como uma revelação,
que se abre diante dos olhos do leitor como símbolo da criação poética.
Podemos entender essa visão aérea do México, por parte de
Pacheco, como sendo uma recriação de uma técnica visual muito
utilizada pelo poeta chileno Vicente Huidobro, o criador da estética
174
criacionista na América Hispânica. Também a vemos em Paz (1989, p.
201-202): “[...] as palavras são como pára-quedas que se abrem em pleno
vôo [...]. Antes de tocar terra, estalam-se e se dissolvem em explosões
coloridas”162. Através desse recurso, percebemos sua contribuição na
leitura das imagens apresentadas a seguir.
Em “México: vista aérea”, a voz do sujeito do poema dialoga com
um “tu”, que comprovamos através dos seguintes versos: “¿qué
observas?”, “tu tierra es de ceniza”. Esse emprego, ao mesmo tempo em
que se apresenta como um mero diálogo entre o canto do poeta e o seu
público-leitor, o inclui nos atos e acontecimentos que serão cantados em
sua obra, como o passado guerreiro de seus ancestrais, que
influenciaram na constituição da identidade nacional de seu povo, bem
como as belezas naturais de sua terra. Podemos observar a participação
do sujeito do poema como um agente coletivo no verso “Somos una isla
de aridez”.
O México canta com suas mil vozes; é impossível abrangê-lo:
canta com a voz de seus poetas e de suas expressões artísticas. Essas
particularidades são transformadas em imagens segundo as palavras de
Pacheco, podendo resumi-las em um canto a sua cultura: paisagens, que
conotam o resplendor de seu sol, portanto da sua “hoguera”, e a
imensidão de seus mares, “isla de aridez”.
Todas as marcas existenciais de um povo, vistas através de suas
ruínas, vão sendo exploradas pelo sujeito do poema. Podemos perceber
tal afirmação nos seguintes versos: “pesadas cicatrices de un desatre”,
“Sólo montañas de aridez”, “de una tierra antiqüísima”. Dessa maneira, o
eu-lírico permite que aflore o que restou de uma civilização — a imagem
da cultura pré-hispânica — após a chegada dos espanhóis em sua terra.
Esta imagem apresenta-se mais nítida nos versos: “muerta hoguera”, “tu
tierra es de ceniza”.
162
“[…] las palabras son paracaídas que se abren en pleno vuelo [...]. Antes de tocar
tierra, estallan y se disuelven en explosiones coloridas”. [Tradução nossa]
175
No nível da conotação, temos a representação de uma cidade sem
vida, convertida em pedras163, “sólo costras”, paralisadas de terror
perante a ferocidade dos invasores. Ao mesmo tempo em que a fogueira
de um povo foi destruída, restaram as cinzas dessa fogueira. Na chama
dessa cultura, simbolizada pela “hoguera”, temos a representação da
força de uma civilização que canta suas vitórias e seu esplendor através
de suas ruínas, vestígios de uma arquitetura exuberante, e também
sentimos um desejo latente de reviver os momentos gloriosos de seus
antepassados. Os versos seguintes, por meio de imagens, traduzem bem
essa exuberância: “Monumentos que el tiempo”/ “erigió al mundo”/
”Mausoleos” / “sepulcros naturales” [...] “el polvo/ reina copiosamente
entre su estrago”. O “polvo” representa um elemento de destruição, mas,
ao mesmo tempo, retrata a imagem da recordação dos vestígios da antiga
cidade.
A própria disposição dos versos do poema leva-nos a imaginar e
refletir sobre a busca do indivíduo no presente e no passado da cultura
mexicana. Pacheco abandona as formas clássicas de estrofe, métrica,
rima e sintaxe. O poeta vê-se livre em seu processo de criação artística
graças à instauração de novas formas poéticas introduzidas pelo
movimento das vanguardas: linguagem muito mais plástica, visual e
repleta de movimento. Conforme Paz (1990, p. 110):
A escritura poética alcança sua máxima condensação e sua
extrema dispersão. Ao mesmo é o apogeu da página como
espaço tipográfico e o começo de outro espaço. O poema
cessa de ser uma sucessão linear e escapa à tirania
tipográfica.
Percebemos, na escrita de Pacheco, um reconhecimento às
linguagens vanguardistas, apresentadas no primeiro capítulo deste
estudo, porque o escritor se propõe a criar novas formas e novas
163
A pedra é uma importante imagem na poesia de Pacheco. Ela aparece como marca
da passagem do tempo, ou seja, da destruição, contudo, representa a resistência do
mesmo, como podemos depreender seus sentidos nos versos: “¿Sólo las piedras
sueñan?/ ¿Su hosca presencia / es la inmovilidad? / ¿El mundo es sólo / estas piedras
inmóviles?” (PACHECO, 1987, p. 52). Esse símbolo, também, está presente na poesia
de Octavio Paz. Pacheco, no início de sua carreira literária, escreve um ensaio
analisando o poema Piedra de Sol e termina descrevendo sua admiração pelo texto de
Paz: “Para comunicar mi entusiasmo perdurable por este gran poema, diré que tengo
tres ejemplares de Piedra del Sol: uno para leer, uno para releer y uno para ser
enterrado con él” (PACHECO, 1971, p. 137).
176
maneiras de se expressar por meio de uma revisão das estéticas do
passado. A principal contribuição das vanguardas mexicanas na poesia
de Pacheco está, além de recriar sentidos para a realidade, em entender
seu canto como uma voz crítica e denunciadora das transformações do
espaço urbano, no plano físico (externo) e no plano social (interno). O
espaço urbano nunca é neutro, e a partir disso, o crítico Aínsa (1998, p.
171) trata da relação entre o espaço externo e interno:
A espacialidade externa, que gera a ordem urbana, tem
sempre o reverso de uma espacialidade intensa vivida
interiormente, o que não supõe um espaço dual, mas sim
somente um único, que, por um lado, é exterioridade e por
outra interioridade, peculiar manifestação ‘in-tensa’ do
164
‘extenso’ .
Os versos do poema “México: vista aérea” representam não
somente os muitos redemoinhos que a sociedade pré-colombiana
presenciou, mas também a própria marca que delimita o presente e o
passado de uma nação, revelados nas imagens criadas pelo sujeito do
poema: um jogo do tempo em duas instâncias da cultura mexicana.
Cada colocação, cada termo revela como foi a civilização anterior à
chegada dos espanhóis, as lutas pelas quais passou e o que restou após
sua tomada, e não sua conquista. Quando um verso se inicia ao final de
outro, este fixa os momentos de vivência e as marcas possíveis de
nostalgia165 ou fugacidade dos mexicanos. Cada espaço em branco gera
um momento de reflexão, e, em seguida, de fixação das imagens que se
apresentam.
A voz do eu-lírico nos deixa clara a idéia de que a civilização
mexicana, mesmo com todas as atrocidades que vivenciou, caminha com
o próprio tempo, tentando resgatar sua própria história. O que se
comprova no seguinte verso: “Sin embargo la tierra continua”. Muitos
substratos de um povo nem sempre são perdidos, podem ser esquecidos
por certos momentos, porém sua essência se perpetua na memória de
164
“La espacialidad externa que genera el orden urbano tiene siempre el reverso de una
espacialidad intensa vivida interiormente, lo que no supone un espacio dual, sino un solo
y mismo espacio que, por un lado, es exterioridad y por otro interioridad, peluciar
manifestación ‘in-tensa’ de lo ‘extenso’”. [Tradução nossa].
165
Podemos recordar, nesse momento, a Baudelaire quando disse que a nostalgia é a
fonte de toda poesia sincera.
177
uma nação. Vejamos os seguintes versos: “y todo lo demás pasa”, “se
extingue”, “se vuelve arena para el gran desierto”. Octavio Paz, em seu
livro sobre a alma do indivíduo mexicano, El Laberinto de la soledad,
deixa nítida a idéia de que somente o tempo pode explicar um feito.
Podemos concluir que só o tempo foi capaz de perceber a
mudança e auxiliar na tentativa de perpetuação de uma identidade
nacional. A marca do povo mexicano pode ser entendida em sua
representação dada pela “arena”, símbolo cuja força faz acender e brotar
a recordação das lutas que a civilização presenciou no México em busca
de sua identidade.
A realidade e a imaginação tomam formatos e sobrevivem, na
memória, por meio dos sistemas de signos empregados pelo poeta. Por
meio da linguagem, temos um homem que se relaciona com o mundo,
produzindo idéias, crenças e histórias que se acumulam em busca de um
mundo melhor. Na imagem da cidade exposta por Pacheco, podemos
correlacionar as expressões artísticas e os vestígios arqueológicos como
um texto vivo, um texto em pedra, e desvendar, ao indivíduo, os símbolos
do passado. O conjunto de monumentos da cidade, para Pacheco, revela
parte da essência do indivíduo que habita esse espaço e permite
prolongar um passado vivenciado. A comunicação do sujeito com o
patrimônio ao redor foi discutida no capítulo anterior a partir do teórico
Lynch (1997) e encontra semelhança na leitura de Aínsa (1998, p. 173) ao
dizer:
Os monumentos são apreendidos não somente pela forma
geométrica e pelas formas arquitetônicas em que se resumem
e simbolizam o mundo exterior das aparências, mas sim
através de uma complexa relação subjetiva que parte sempre
do ‘estar no mundo’ e do situar-se em função do ‘lugar’ em que
166
se vive .
Em outro poema de temática citadina, Pacheco também trabalha a
imagem da pedra como reveladora do passado de um povo que se faz
166
“Los monumentos son aprehendidos no sólo por la forma geométrica y las fórmulas
arquitectónicas en que se resumen y simbolizan el mundo exterior de las apariencias,
sino también a través de una compleja relación subjetiva que parte siempre del ‘estar en
el mundo’ y del situarse en función del ‘lugar’ en que se vive”. [Tradução nossa].
178
presente pelas metáforas do sujeito do poema. Trata-se do poema
“Tulum” (PACHECO, 1987, p. 68-69).
A Cidade de Tulum está situada no Estado da Quintana Roo da
República Mexicana, na costa da Península de Yucatán, às margens do
Mar do Caribe167, estando a uns 131 km da Cidade de Cancún, cidade
essa que pertenceu à civilização maia.
Os espanhóis chegaram a Tulum no século XVI, em 1518, época
em que a cidade foi abandonada, liderados por Juan de Grijalva, e, ainda,
contava com a presença de Francisco de Montejo, conquistador de
Yucatán. Os espanhóis ficaram maravilhados com a grandeza de algumas
construções da cidade maia, principalmente com a torre central da região,
denominada El Castillo, situada a aproximadamente doze metros sobre o
Mar do Caribe, o que proporcionava uma visão panorâmica de tal ponto.
Além disso, a edificação esbanjava perfeição ao ter suas fachadas
decoradas com serpentes em total sintonia com a paisagem local.
Outras construções também completam o centro cerimonial de
Tulum, e são essas construções as que estão posicionadas dentro da
muralha que protege a cidade: Templo del Dios Descendente, dedicado
exclusivamente ao Deus Kukulkán168. A forma da disposição dos
elementos que compõem o templo foi disposta de modo a representar a
descida do deus do céu. Outro ponto de destaque dessa construção está
nas pinturas murais, nas fachadas ou em seu interior, retratando cenas da
vida cotidiana dos demais deuses. E o Templo de los Frescos, construção
de notória importância por seu conjunto arquitetônico de esculturas;
pinturas retratando como se divide o universo maia (mundo dos mortos,
167
A posição geográfica foi favorável a esse paraíso maia. A localização costeira e a
altura, onde se ergueu a cidade, representou sólidos conhecimentos no campo da
astronomia e um privilegiado comércio marítimo.
168
Deus visto na representação de um homem pássaro-serpente, que se originou
primeiro no Antiplano Central com o nome de Quetzalcóatl. Para os nativos de Tulum, os
deuses eram vistos como divindades, e cada uma delas exercia seu papel específico
para a sociedade. O Deus Kukulkán é o deus de maior destaque devido a sua
preocupação com a fertilidade e bem estar do povo. Segundo estudiosos, também pode
ser nomeado como Deus Descendente, Deus Vênus ou Deus Sol. Conforme a lenda, o
Deus Vênus emergia da escuridão, pois saía do mundo dos mortos, e nascia novamente,
trazendo a luz para a região de Tulum.
179
dos vivos e dos deuses); gravuras; colunas; altares e figuras de
deuses169, entre elas, o deus Chac e a deusa da lua.
A magia dessa civilização reflete-se nos vestígios de sua
arquitetura, conseqüentemente de suas ruínas, onde estas, através da
voz do poeta, são cantadas para nós. Tulum traz, em seu sentido
etimológico, a significação de “muralha”, o que podemos associar aos
muros que a protegem, a cercam e a ligam ao mar, logo esse sentido faz
jus ao sítio arqueológico, devido aos muros que rodeiam três de seus
lados (norte, sul e oeste), sendo o quarto (leste) de contato direto com as
águas transparentes do Mar do Caribe.
Segundo o geógrafo brasileiro Márcio Piñon, na origem da cidade e
de seu discurso fundador, encontramos, como um de seus objetivos
latentes, o desejo “de proteção ou de um lugar onde os indivíduos
possam se sentir seguros e se protegerem dos riscos oferecidos pela
natureza ou violência dos outros” (OLIVEIRA, 2002, p. 54).
Conforme as palavras de André Antolini e Yves-Henri Bonello
(1994, p. 19):
Assim, desde a origem, a cidade tornar-se-ia esse lugar
ambíguo destinado a proteger da violência um conjunto de
homens, ao mesmo tempo que não deixaria de ser um lugar de
luta, onde, acordados em torno de sua proteção, alguns
homens aterrorizam outros.
Por tais palavras, percebemos que a idéia de proteção e segurança
entre os indivíduos de uma comunidade sempre se fez presente e são
essas as imagens refletidas por Pacheco ao trabalhar com a questão da
idéia de viver em comunidade, como modo de fortalecer os laços sociais
de indivíduos de uma mesma civilização.
No poema “Tulum”, a imensidão dos mares reflete e expande o
resplendor do Sol dessa cidade maia. O nome original da região maia foi
“Zamá”, que, em língua maia expressa o sentido de “amanhecer” ou de
“manhã”, corroborando com o discurso das crônicas historiográficas da
época relatadas pelos espanhóis, nos quais expressavam suas
169
Os maias possuem uma cultura não dual, diferente do pensamento dualista ocidental.
Assim, a religião em Tulum desempenhava um importante papel na vida do indivíduo
maia, por isso necessitavam dos deuses para intervirem em seus problemas. Foram
numerosos os santuários erguidos a estes, bem como muitas pinturas religiosas e
míticas, revelando-nos até hoje o modo de vida de um povo.
180
admirações em visualizar a plenitude da saída do Sol na região. Tudo isto
que foi levantado pode ser confirmado através da voz do eu-lírico do
poema.
No decorrer da composição poética, Pacheco vê as ruínas de
Tulum, não só como uma memória da cultura pré-hispânica maia, mas
também como o vestígio dos deuses e o testemunho dolorido do povo
que teve sua vida extinta, possivelmente pela conquista de outros povos.
Através de suas pedras sagradas, o coração de Tulum vai sendo
construído pela voz do sujeito do poema. A pedra representa a revelação
do passado do povo maia. Essas imagens levantadas pelo eu poético de
seus poemas seriam produto tanto das sensações imediatas, quanto das
experiências passadas da cultura maia, convertendo-se em imagens com
grande teor interpretativo e emocional para seus indivíduos.
Percebemos, no poema, o jogo de imagens através de dois
campos semânticos que podem ser subentendidos pelo leitor: o campo da
petrificação — com semas que simbolizam imagens, e estes, em sua
grande maioria, trabalham com a questão da memória de um povo, ou
seja, da cultura maia; e o campo do movimento — cujas palavras
empregadas permitem que este seja considerado um poema cíclico, no
qual os tempos (presente e passado) se correlacionam.
Podemos notar uma assimetria no poema, cuja função deve ser a
de gerar, no leitor, a lembrança, a recordação sempre viva de um povo
que lutou bastante para erguer esse Império do Sol, cujo Deus é Criador.
Essa assimetria reflete-se, até mesmo, na disposição dos versos nas
estrofes que compõem o poema.
Da maneira que se dispõem os versos no poema, estes geram uma
dificuldade na separação por estrofes; logo, dividimos o poema em três
unidades maiores de sentido, mera divisão metodológica, com o intuito de
facilitar nossa análise crítica do poema.
Em “Tulum”, verificamos que o poema está centrado na palavra
pedra, “sus palabras se harían de piedra”. Essa idéia apresenta-se em
todo o primeiro bloco, cujo eu-lírico deixa aparente a idéia de uma cidade
extinta “si este silencio hablara”, cuja lembrança faz-se presente por meio
das construções em pedra. O sujeito do poema faz uso da conjunção
181
condicional “si” nos três primeiros versos, o que demonstra uma união
entre as imagens que perpassam os dois campos semânticos já
apresentados: “silencio” X “piedra”, “piedra” X “mar”, “olas” X “piedra”.
Tulum, cidade que se apresenta diante do Sol, “Tulum está de cara al
Sol”, também pode percebê-lo na escuridão de suas muralhas, de modo
que o obstrua “de algún sol en tinieblas”, simbolizando assim um povo do
qual só restam ruínas, passado de um “planeta muerto”, quer dizer,
Tulum.
O Sol visto pela voz do eu-lírico seria uma representação física,
que iluminou o passado e continua clareando o presente. Ao mesmo
tempo em que se expõe como luz, também é sombra ao resgatar raízes
de uma civilização: vestígios que se iluminam num presente. O Sol é,
ainda, o Deus criador e centralizador dos tempos na cultura maia,
permanecendo como objeto de reverência no ar sagrado de Tulum:
“Porque el aire es sagrado como la muerte”, “Como el Dios”. Este Deus
protege e se faz presente no espaço.
Todas as marcas existenciais atuais remetem ao sujeito do poema,
como as presenças externas, desconhecidas, não vivenciadas: “Aqui todo
lo vivo es extranjero”. A dominação e a conquista do povo maia quase
anularam sua história, seu passado, que se distancia aos poucos,
restando somente a essência, que faz o indivíduo se manter preso às
tradições e os costumes de seu tempo. Além do mais, podemos dizer que
os remanescentes maias não aceitam os estrangeiros, para que não
venha, com eles, os percalços da Modernidade, permanecendo assim o
silêncio, como uma fuga ao possível avanço da ciência e esquecimento
das belezas naturais da cultura maia. “Y la hierba se prende y prevalece”,
“Fuego en el que ofrendamos nuestro tiempo”. O fogo representa a vida,
exaltando-a em sua existência, ou seja, numa luta para oferecê-la de uma
melhor maneira ao tempo presente.
“Tulum”, ao final do poema, apresenta-se em duas acepções: “Es
el Sol” e “Es nucleo”. E estas fazem referência aos tempos e
acontecimentos que a cidade vivenciou. Na primeira, Tulum continua
sendo viva, mas em outra instância da cultura, por isso “es el Sol en otro
ordenamiento planetario”, e, na segunda, resgata Tulum como centro,
182
base de uma civilização, cujas lembranças podem ser sentidas pelas
ruínas, desse modo, “es núcleo de otro universo que fundó la piedra”.
Dessa civilização antiga, só restou a sombra simbolizada pelas
marcas de seus homens na arquitetura de seus monumentos ruínas/pedras/construções,
e
estas
refletidas
no
mar,
como
se
representasse a fugacidade de algo já vivenciado: “Y circula su sombra
por el mar”. O poder de toda uma cultura, que traz, no seu bojo, a
existência de sua forma, é refletida nas águas do mar, pois estas circulam
e se movimentam na sintonia de suas ondas, “la sombra que va y vuelve”,
como a memória que permanece ativa e que se converte em lembrança
“hasta mudarse en piedra”.
O poema aborda uma sociedade que, ao acumular saber e arte,
deixa-nos a essência, com a qual o eu-lírico tece, através das realidades
e dos sonhos vivenciados, a alma do povo maia.
Na poética de Pacheco, as cidades guardam confissões, segredos
nas próprias contradições do antigo e do novo, o que fazem deste o
repertório da memória. As imagens do passado são vistas como os olhos
do presente, e são lidas com as referências da contemporaneidade,
graças ao olhar do poeta. A nostalgia presente no discurso do poeta
revela o enfrentamento do indivíduo com a realidade dos fatos.
Pelas idéias expressas por sua voz poética, Pacheco não analisa a
cidade como algo natural, mas dependente, sobretudo, da vontade do
indivíduo para perpetuar-se. Por isso, o poeta usa o dom de sua palavra
em prol dos mexicanos, trabalha com a idéia de que a vontade pessoal de
um homem pode representar a coletividade, já que acredita que a cidade
deve funcionar como espaço democrático.
Dessa maneira, sendo conhecedor das lamentações mexicanas,
Pacheco trata das problemáticas de seu povo e canta, de modo poético,
tais inquietações, o que o torna um poeta de prestígio reconhecido em
seu país, por fazer uso de sua consciência crítica ao pensar as questões
que envolvem o universo mexicano. Segundo o crítico indo-paquistanês
Homi Bhabha (apud MOITA LOPES, 2002, p. 197), “é a vontade do
homem que unifica a memória histórica e assegura o consentimento de
cada dia. A vontade é, de fato, a articulação do povo- nação”.
183
Pacheco crê na vontade do homem de esquecer seu passado, de
apagar, de sua memória, os atos de violência de seus antepassados, na
busca de construir um passado diferente ao da história real, como
expressa nos versos: “con piedras de las ruinas hay que forjar / otra
ciudad, otro país, otra vida” (PACHECO, 1987, p. 60). Daí o desejo do
poeta em questão em criar poemas repletos de lirismo170 em nome de
uma terra sem conflitos na atualidade, tentando esquecer os tempos
conflituosos de seu povo. Cada época pretende substituir outra, apagar
seu passado para que nenhum vestígio relembre o sofrimento anterior do
sujeito, conforme enuncia o eu-lírico do poema “El descubrimiento”:
Gran cielo malva y en el fondo azulea
la tierra prometida por los muertos. Será
bosque sólo plantado para cortar madera
y campo de cultivo que alimente no sus bocas,
las nuestras.
Pero ante todo el oro,
piedra color de sol que es color de Dios.
Y sobre esta piedra
fundaremos el Nuevo Mundo. (PACHECO, 1997, p. 67)
As imagens do passado transformaram-se numa visão motivadora
para o futuro dessa nação. Segundo o arquiteto e escritor canadense
Witold Rybczynski (2002, p. 212), “somente quando aceitarmos que
nossas cidades não serão como as do passado, será possível ver no que
elas podem se transformar”. E esse futuro seria o tempo a ser
conquistado e moldado pelo indivíduo mexicano. Analisemos o haiku a
seguir:
El futuro nunca lo vi:
se convirtió en ayer
cuando intentaba alcanzarlo. (PACHECO, 1994, p. 107)
O poema recebe o título de “Esperanza”, cujo texto gera imagens
que revelam que o passado do homem ajuda-o a construir seu futuro,
mas este seria o tempo do acaso, o tempo de uma busca constante, logo
interminável do indivíduo para com seu país. Pacheco, com o emprego da
alternância de sílabas em seus versos, resgata uma tradição oriental, de
170
Ao usar tal vocábulo, pensamos em mostrar o lugar da não-conformidade com o
mundo.
184
modo que tal recurso representa as fases da existência humana, que são
elas, ascensão, apogeu e decadência, respectivamente.
Segundo o poeta, “estamos a la intemperie. Somos los dueños del
vacío” (PACHECO, 1994, p. 54) , por isso devemos ser curiosos para
pensar a nossa própria vida e identidade, e, segundo Paz (1973), cabe à
imaginação do homem preencher tais espaços vazios. Para Pacheco, “la
realidad es ficción. Mentimos siempre para sobrevivir” [...] “para estar
vivos” (PACHECO, 1994, p. 63). Seus versos assemelham-se ao
pensamento de Juan Rulfo sobre o papel do escritor, exposto no primeiro
capítulo deste estudo. Por ser a realidade um espelho da ficção, mostrase aparente o desejo de criar imagens que completam o indivíduo e
possam ironizar até, certa medida, os aspectos negativos da sociedade.
Analisemos as seguintes imagens sobre a esperança desse tempo
do acaso no seu poema “El silencio de la luna: temas y variaciones”:
El aire está en tiempo presente.
La luna por definición en pasado.
Tenues conjugaciones de la noche.
El porvenir ya se urde
en los fuegos que hacen el alba.
Invisible para nosotros, porvenir nuestro,
Como otro sol en la maleza del día.
(PACHECO, 1994, p. 151)
Nessa estrofe, temos a utilização de um cruzamento entre os
elementos “aire”, “luna”, “presente” e “pasado”, nos dois primeiros versos.
A figura de linguagem empregada — o oxímoro — parece excluir a idéia
de que alguma esperança, “el aire”, com seu movimento que traria uma
nova vida, estaria no “tiempo presente”; ao contrário, gera uma imagem
obscura. Devido a isso, a representação pela “noche”, que, por outro lado,
por sua luz poderia iluminar o presente, não o faz por causa de tanta
destruição anterior.
Pacheco revela, nesse poema, a influência de Sor Juana Inés de la
Cruz, pioneira nas Letras Mexicanas por seus sonetos filosóficos-morais,
nos quais poetiza a miscigenação cultural. O poeta herda as desilusões e
a carga pessimista, que predominavam nos sonetos barrocos da freira
mexicana. Tal influência nos provoca a imaginação de que “el porvenir ya
se urde”. E esse futuro é um segredo, portanto “invisible para nosotros”.
185
Analisemos essas outras imagens em seus poemas “Fin de la
historia” e “La sombra”:
Este muro ya en ruinas sigue viviendo
y de nuestra esperanza no queda nada
(PACHECO, 1994, p. 55)
[...]
De lo perdido ¿qué aparece?
La sombra
[...]
sólo tenemos este ahora
Ya no está aquí:
Se hundió en la boca del insaciable pasado
(PACHECO, 1994, p. 53)
Como já explicitado nesse estudo, a pedra assume uma imagem
representativa muito intensa na produção do escritor mexicano: ela acaba
por simbolizar sua cidade-nação. O poeta revela que o México, apesar de
suas crises e seu passado, por essa razão “ya en ruínas”, tem a
necessidade de lutar, buscar uma saída, porém, a voz do sujeito do
poema deixa-nos, de maneira nítida, a idéia do vazio de sua alma e,
portanto, a perda da esperança, ou seja, de “nuestra esperanza no queda
nada”. Depois de tantos pesares, o homem só consegue absorver uma
imagem negativa dessa cidade-nação171.
Conforme o pesquisador brasileiro Gomes (1995, p. 13), “no
labirinto das ruas da cidade nua, o eu à deriva busca referências, a face
perdida. Busca sentidos e lê ruínas, ou vazio. Já não reconhece a sua
cidade que muda mais rápido que o coração de um mortal”.
Assim sendo, “la sombra” reflete novamente a imagem da união
dos três tempos — presente, passado e futuro —, pois a sombra se
perdeu, reapareceu e se mantém na memória.
171
Em alguns poemas, Pacheco projeta dias melhores para sua cidade, porém, essa
idéia não se sustenta pelos agravantes da vida moderna. No poema “El lugar de la duda”
(PACHECO, 2009a, p. 191), o eu-lírico denuncia à realidade: “No vivimos en calma,
nunca hay paz, / la vida toda es combate incesante. / Por eso nos convienen el tal vez, el
acaso, / el quizá, el sin embargo y el no obstante”. A imagen do caos e de seus
desdobramentos, também, se configura nas imagens poéticas de “En la acera”
(PACHECO, 2009a, p. 1987): “La muerte acecha siempre, / el deterioro / reina todos los
días, / marca y signo / de la ciudad en que nada permanece”.
186
E será nessa busca constante pelo tempo, que o homem deixará,
na história, sua marca, seja erguendo templos, monumentos, espaços ou
cidades. Tudo o faz para eternizar a memória do seu povo, seus hábitos e
costumes, pois, de acordo com Aínsa (1998, p. 166):
As cidades se levantam com materiais que não somente
provém de pedreiras, de serrarias e fundições, mas também
dos arquivos da memória. As cidades estão feitas de tijolos, de
ferro e de cimento. E de palavras. Já que é o modo em que
foram chamadas, tanto como os materiais com que se as
172
construiu, o que desenha sua forma e seu significado .
Segundo Pacheco, o homem sempre imagina encontrar um lugar
perdido, sendo esse a própria cidade, possivelmente uma cidade
imaginária, que vê, em seus monumentos, os estágios da sociedade, que
chegam
até
nós
e
nos
provocam
certas
interpretações
e
questionamentos. A cidade, nessa acepção, é imagem dos sonhos do
poeta, pois tem o poder de levar o indivíduo a compreender-se e
completar-se. E, pela voz do eu-lírico poético, “sólo existe algo que él [o
indivíduo] no puede prohibir: los sueños” (PACHECO, 1994, p. 45), que
seriam a possibilidade de nós, indivíduos pertencentes a uma nação,
projetarmos nossas aspirações e desejos para o espaço da cidade, sendo
esse um espaço de constantes encontros, com nós mesmos ou com os
objetos que nos rodeiam.
Para Pacheco, “sólo vivimos para alcanzar – un mañana”
(PACHECO, 1994, p. 119), e aqui, na visão do poeta, seria uma imagem
futura para essa cidade, que ainda caminha na escuridão de suas marcas
históricas.
Podemos concluir esta seção constatando que, conforme o
professor espanhol Justo Villafañe (2000), as imagens que surgem no
imaginário do poeta podem constituir modelos da realidade; sendo assim,
as imagens projetadas pela voz íntima de Pacheco revelam que os ecos
do tempo apresentam a história do homem. A imagem da cidade préhispânica, entendida como nação, não passaria de um depósito da
172
“Las ciudades se levantan con materiales que no sólo provienen de canteras,
aserraderos y fundiciones, sino también de los archivos de la memoria. Las ciudades
están hechas de ladrillos, de hierro, de cemento. Y de palabras. Ya que es el modo en
que han sido nombradas, tanto como los materiales con que se las construyó, lo que
dibuja su forma y su significado”. [Tradição nossa]
187
memória, pois para Pacheco, o passado esplendoroso de uma cultura,
vaga nas sombras da imortalidade da pedra e a cidade na acepção do
poeta será um caminho constante de superposição dos tempos —
passado, presente e futuro do homem.
3.1.2. A cidade moderna e o poeta
“Escribir poesía hoy es un misterio, todo está
en contra. Se escribe en legítima defensa. El
mundo es desastroso. Las cenizas del volcán
no son nada comparadas con los terremotos,
con la violencia que sufre mi tierra. Cómo me
gustaría haber influido en la realidad de mi
país con tanta violencia y crueldad como
existe”.
José Emilio Pacheco (2009a)
A cidade é o lugar onde percebemos mais facilmente as
transformações impostas pelo sistema capitalista e pela Revolução
Industrial. Como sabemos, a industrialização e o progresso transformaram
a modernidade numa época cruel, em que o sujeito e a urbe acabam por
sofrer inúmeras consequências. O progresso deixa de ser o lugar das
grandes expectativas e evoca os pesadelos de um tempo. Em relação ao
progresso, Bauman (2009, p. 52-53) se posiciona:
Hoje se formulam previsões apavorantes e fatalistas, e o
progresso representa a ameaça de uma inexorável e inevitável
mudança que não promete paz nem repouso, mas crises e
tensões contínuas, sem um segundo de trégua, uma espécie
de ‘jogo das cadeiras’
O progresso, antes manifestação de otimismo e promessa de
novos tempos, se junta à fragmentação da essência humana gerando a
perda da imagem do mundo.
Como afirmamos no primeiro capítulo deste estudo, a poesia
constrói-se nas relações com os outros e, nessas relações, vemos que,
cada vez mais, o espaço para a linguagem poética é problematizado.
Conforme Paz (1973, p. 12), a poesia brota “[...] como uma configuração
de signos em dispersão: imagem de um mundo sem imagem”.173 A
173
“[…] como una configuración de signos en dispersión: imagen de un mundo sin
imagen” [Tradução nossa].
188
linguagem sempre foi problematizada pelos intelectuais, porém, a
modernidade trouxe, novamente, uma nova crise das representações, da
razão e do esgotamento das grandes verdades. Segundo a pesquisadora
brasileira Julliany Mucury (2009), a saída para o sentimento de dor da
(pós) modernidade é a poesia. O homem moderno, carente de modelos
da atualidade, ao mesmo tempo em que lhe sobram possibilidades de
ser o que quiser no sistema social, acaba por perder as referências de
sua identidade e começa a se sentir um corpo fragmentado no espaço
da urbe. Alguns teóricos como Gomes (2008) e o ensaísta brasileiro
Rouanet (1992) ressaltam o isolamento dos sujeitos que habitam os
grandes centros por conta do medo e do choque das relações sociais. De
acordo com Roaunet (1992), o homem gasta todas suas forças na
tentativa de se proteger dos perigos na cidade.
O mundo encontra-se cada vez mais fragmentado e antipessoal.
Doutrinados e dominados pela tecnologia da informação, ou seja, pelo
tecnicismo de um modo geral, fomos tornando-nos seres, cada vez mais,
solitários174 e sem voz dentro dos espaços públicos. No poema “Siglo”,
Pacheco anuncia a incapacidade do homem perante as transformações
da realidade:
En el silencio de la noche se oye
el discurso del polvo como un murmullo incensante.
Pues todo lo que abarca la mirada
está por deshacerse (PACHECO, 2000, p. 43)
O homem está saturado de números175 e informações. Ao mesmo
tempo constitui-se como um corpo vazio na sociedade na busca
constante por entender sua personalidade. Por isso, a voz da poesia
174
No poema em prosa “Reality Show” (PACHECO, 2009b, p. 32-33), o sujeito poético
emprega o cenário de um programa de reality show para demonstrar o desgaste da
convivência e o mal-estar da vida moderna: “Cámaras y micrófonos testimonian qué
triste y sórdida es la existencia humana [...] Todos queremos lo mismo y hacemos cosas
terribles para lograrlo. Si no lo conseguimos (lo más frecuente) la envidia, el odio y la
amargura nos devoran. Si por excepción alcanzamos nuestros fines nos espera lo de
siempre: el temor a perder el botín, la angustia del animal herido que se hunde en la
poza atestada de pirañas”. O eu-lírico destaca, ainda, as máscaras usadas pelos sujeitos
nas práticas diárias: “A la corrupción nada le cuesta hacer visible la infinita fealdad que
llevamos por dentro, convertirnos al fin en la viva imagen muerta de lo que siempre
hemos sido bajo apariencias y disfraces”.
175
Para o poeta francês Charles Baudelaire, o homem na Modernidade está sujeito a
transformar-se em número.
189
aparece
como
algo
secundário
nessa
sociedade
de
imagens
estereotipadas, de discursos pré-concebidos e de imagens de consumo.
Pacheco no poema “Escrito con tinta roja” (PACHECO, 1987, p.
62), personifica a palavra poética ao revelar por meio do vocábulo “roja” o
sofrimento diante do esquecimento de seu brilho: “La poesía es la sombra
de la memoria”/ “pero será materia del olvido”.
O escritor visualiza a
poesia como a sombra da memória, mas, por outro lado, sabe que a
mesma ainda é capaz de criar sentidos para os fatos. Desse modo, cabe
aos poetas re-descobrirem e mostrarem seu valor significativo, para
posteriormente, reencontrarem o papel do homem como um ser portador
de linguagem. Pacheco expõe que, na atualidade, o homem perde o
poder de suas ações e de seu discurso. Vejamos os versos dos poemas
“Días” e “Mañana”, no qual o sujeito poético caracteriza a passividade e a
revolta do indivíduo mexicano para esse tempo:
Los días se van sumando hasta formar una época.
Entonces los miramos con recor
y decimos: Ya basta. (PACHECO, 2000, p. 44)
[...]
Hoy ya se fue.
Se hizo mañana de pronto
Y no sé qué decirle. (PACHECO, 2000, p. 44)
Para que o homem se reencontre consigo mesmo, cabe à poesia
contribuir como um antídoto na recriação de sentidos à vida em
sociedade. Recriar sentidos não pressupõe aceitar a desfiguração ou
fragmentação do ser e a neutralidade dos discursos, entretanto permitir
que pensemos, sintamos, imaginemos e estabeleçamos um novo olhar às
nossas ações. Cabe aos poetas, com seus cantos, despertarem ritmos e
sensações veladas pela correria da vida a partir da modernidade. Assim,
o poema deve funcionar como uma chama, despertando energias no
transcorrer de sua leitura. No poema “Presagios” (PACHECO, 2000, p.
56), o poeta mexicano, mesmo envolto pela nostalgia da modernidade,
revela nos versos “dicen que el sol no ha muerto”/ “y existe otro mañana” ,
uma esperança mesmo que remota, através da imagem do “sol”, para o
dinamismo dos novos tempos.
190
Outro ponto que caracteriza a diminuição da presença do gênero
poético, em nossas vidas, reside na falta de interação e compreensão do
próprio texto. No poema “Disertación sobre la consonancia”, Pacheco,
através de um diálogo com seu próprio leitor, contrariando o caráter
monofônico da poesia proposto pelo filósofo da linguagem russo Mikhail
Bakhtin (1992), discute e problematiza o lugar da poesia na sociedade
moderna:
Un nombre, cualquier término (se aceptan sugerencias)
Que evite las sorpresas y cóleras de quienes
- tan razonablemente- leen un poema y dicen:
‘Esto ya no es poesía’. (PACHECO, 1987, p. 36)
O eu-lírico expõe a banalização da poesia na sociedade
contemporânea, de modo que essa perde o prestígio de sua forma.
Conforme Pacheco, a captação da mensagem poética se dá no momento
de sua leitura, momento esse, em que leitor e texto se fundem num só
corpo, no corpo da escritura. No poema “Contra los recitales”, podemos
visualizar tais colocações do poeta:
Si leo mis poemas en público
le quito su único sentido a la poesía:
hacer que mis palabras sean tu voz
por un instante al menos. (PACHECO, 1987, p. 62)
Pacheco dialoga com o leitor e mostra-nos que esse deve ser
capaz de interagir com o discurso do poeta. Assim, a leitura é um veículo
que permite estabelecer uma relação entre qualquer texto e indivíduo,
possibilitando a obtenção de uma mensagem por meio da decodificação
de um sistema de signos lingüísticos e sua interação com uma base de
conhecimentos adquiridos. Para Kleiman (1997, p. 10), “a leitura é um ato
social, entre dois sujeitos ─ leitor e autor ─ que interagem entre si,
obedecendo a objetivos e necessidades socialmente determinados”. Ou
seja, a leitura é uma atividade de interação à distância entre leitor e autor,
via texto.
A leitura não se limita à obtenção de informações; torna-se, na
realidade, uma ferramenta de grande influência para o desenvolvimento
do
pensamento
formal,
desenvolvimento cognitivo.
vinculando-se
estritamente
com
o
191
Esse processo de interação entre o texto e o leitor envolve
compreensão. E, conforme apontado por Solé (1998, p. 22), compreender
implica atribuir sentido ao que se lê:
[...] o significado que um escrito tem para o leitor não é
uma tradução ou réplica do significado que o autor quis
lhe dar, mas uma construção que envolve o texto, os
conhecimentos prévios do leitor que aborda e seus
objetivos.
O leitor exerce, assim, um trabalho ativo na construção do sentido
do texto, a partir dos objetivos que tem, de seu conhecimento sobre o
assunto ou sobre o autor e de todas as informações das quais dispõe.
Nos dias de hoje, para estabelecer comunicação, para se informar
e interagir com a sociedade, o sujeito deve ser capaz de ler o mundo e
suas múltiplas linguagens, sejam escritas, visuais ou sonoras:
[...] a importância social da leitura revela-se a partir dos
valores que essa prática adquiriu nas sociedades
urbanas modernas. A habilidade do falante na condução
e adequação dos atos discursivos, principalmente em
interações públicas, pressupõe seu acesso aos diversos
códigos e variedades que compõem o repertório
lingüístico da comunidade. (RIBEIRO, 2003, p. 4)
O ato da leitura deve ser entendido como um momento de criação
ou co-criação, cabendo ao leitor saber vivenciar o texto e respeitar seus
limites na compreensão de suas imagens e ritmos.
3.1.3. Preocupações de final de século na poesia do
escritor
Los hombres de este reino
son seres para siempre condenados
a eterna oscuridad y abatimiento.
Para callar y obedecer nacieron.
José Emilio Pacheco (1999, p. 53)
A tentativa de compreender a nossa existência, formada por
verdadeiros simulacros e também, por um conjunto de espelhos,
sobressai no canto poético de Pacheco. Notamos que, para o poeta, a
existência não é algo concluído e entregue ao homem, sem um mínimo
192
de esforço deste. É antes, um conceito que se forma por meio de
escolhas, decisões e tentativas relacionadas à vida em comunidade.
A influência de um tom existencialista faz-se presente na poética
de Pacheco, possivelmente, a partir do contato que estabeleceu com os
textos de Oscar Wilde. Porém não podemos afirmar que o escritor
mexicano seja um típico existencialista. Podemos dizer que, em suas
idéias, encontramos alguns pontos de contato com uma filosofia
existencialista de vida.
O existencialismo abrange diferentes doutrinas, cada uma dotada
de distintos olhares, para um determinado objeto. No entanto, todas
consideram o homem como centro de valores, responsável por sua
própria existência, ou seja, por seu destino. O vocábulo “existência”,
derivado do latim existere, significa sair de um domínio ou de um
esconderijo, pressupondo, dessa forma, a revelação da essência
particular do ser ao coletivo.
O movimento filosófico existencialista destaca-se na Europa, após
a época de crise generalizada imposta pela Segunda Guerra Mundial,
propagando-se por todo o mundo. O fato de vivenciar uma luta armada de
tamanha proporção gerou um ambiente traumático, de desespero e de
desânimo em todo o mundo, sentimentos que se mantêm vivos até hoje
no
imaginário
coletivo.
Por
isso,
reconhecemos
certa
essência
existencialista na produção poética de Pacheco, por este pregar idéias
amargas, sombrias, mórbidas e sórdidas da existência humana, ou seja,
idéias que se prendem às exceções da vida social.
O existencialismo busca filosofar mais do ponto de vista do
indivíduo do que do mundo em que ele vive. Para o filósofo francês Jean
Paul Sartre176, o homem é um ser lançado no mundo por acaso, logo,
nasce livre para decidir e escolher seus projetos de vida. Assim, essa
liberdade dada ao homem deve estar acompanhada de uma parcela de
responsabilidade, pois, caso não ocorra uma total harmonia no espaço
social, teremos uma discrepância de valores morais que colocarão em
evidência os aspectos negativos do homem em sua relação com o outro,
176
COBRA, Rubem Queiroz. “Jean Paul Sartre. In: Filosofia Contemporânea”. 2001.
Disponível em: <www.cobra.pages.nom.br>, Último acesso em: 25 set. 2010.
193
como a angústia, a solidão, o desespero, a perda de autenticidade e, até
mesmo, a perda de crenças religiosas.
Sartre assegura que para compreender a personalidade dos
indivíduos, de nada adianta analisar suas experiências passadas, ou seja,
toda a sua trajetória histórica e cultural. Desse modo, rompe com todas as
idéias postuladas por Freud, ao mencionar que não temos um
inconsciente, que armazena certas informações relevantes de nossa vida
e, que ao mesmo tempo, não podemos utilizá-lo, a qualquer instante, para
resgatar imagens de nossa memória implícita. Mesmo reconhecendo a
angústia do homem, transformando-se essa mais intensa, nos últimos
anos, Pacheco não compartilha das idéias de Sartre na forma como o
filósofo visualiza as relações humanas nos espaços sociais, porque
entende que nosso comportamento e nossos próprios atos contribuem
para definir como somos, fomos e seremos. Além disso, o poeta também
defende a tese de que elas podem ser responsáveis pela transformação
do ambiente ao nosso redor.
Como forma de exemplificar a carga existencialista do poeta
mexicano e o modo como entende o papel do homem na sociedade atual,
analisamos imagens de sua poética que denunciam seu canto de lamento
e de incompreensão dos fatos do cotidiano mexicano.
No poema “Caracol” (PACHECO, 1989, p. 11-13), Pacheco iguala
o ser humano a um crustáceo, animal indefeso e aparentemente vazio, ao
revelar tais imagens “te escondes indefeso y abandonado”, “eres tan
pobre como yo”/ “como cualquiera de nosotros”, em que segundo o eulírico ambos sofrem as ações do avanço da sociedade. Ainda acrescenta
os seguintes versos “prisionero de tu mortaja”/ “expuesto como nadie a la
rapiña”, como representação de imagens que evidenciam nossas
inseguranças177 na vida em sociedade, pois cada um de nós deve
177
Sobre essa sensação do mal-estar de habitar sua cidade, Pacheco destaca “Antes de
la inseguridad, esta ciudad [Cidade do México] era muy agradable. Por eso se vino a
vivir aquí Gabriel García Márquez, tanta gente. Yo conocía a los cineastas, a los
pintores. Ahora no conozco ni a los escritores. Entonces se podía vivir en la calle. Yo
acompañaba a Monsiváis a su casa y de regreso él me acompañaba a mí” (BRAVO
VARELA, 2009, p. 68). O escritor, no poema em prosa “A la extranjera” (PACHECO,
2009b, p. 31), confirma o enfraquecimento dos laços humanos e lamenta por um retorno
da cidade do passado: “A usted le duele esta ciudad que también ha hecho suya y
lamenta ver cómo la hemos destruido y la seguimos arrasando. No entiendo sus razones
194
escolher o nosso próprio caminhar e, quase sempre, nesse trajeto, nos
perdermos em nossas próprias escolhas e incertezas.
Para o poeta, o caracol representa uma figura passiva e indefesa,
perdendo, pouco a pouco, seu espaço na natureza; logo, representa a
incapacidade do homem, também comprovada nos seguintes versos:
Como tiemblas de miedo a la intemperie,
expulsado
de los dominios en que eras rey
y te veneraban las olas
De nuevo Moctezuma ante Cortés
que llega de otro mundo y viene armado
por los dioses de hierro y fuego
[...]
Del habitante nada quedó...
[...]
y al fin también se hará polvo. (PACHECO, 1989, p. 13)
Pacheco resgata figuras marcantes da história mexicana para
estabelecer uma analogia com a época da técnica e dos valores externos
a que estamos imersos. Desse modo, a imagem de Cortês é uma
metáfora da sociedade global dos séculos XX e XXI, responsável por
apagar os traços do nacional, como aparece revelado no verso “del
habitante nada quedó”, em que temos a formação de um outro sujeito, já
influenciado pelas idéias negativas trazidas pelos males da vida
contemporânea. Nos versos,
A vivir y a morir hemos venido
Para eso estamos
Pasaremos sin dejar huella (PACHECO, 1989, p. 12)
Pacheco revela o nosso papel como seres pertencentes a uma nação.
Porém, ao mesmo tempo, seu discurso simbólico denuncia um papel
secundário que nos é atribuído pela sociedade. No poema “Lost
Generation”, o eu-lírico revala a nossa passividade diante do mundo:
Otros dejaron a la “posteridad”
grandes hazañas o equivocaciones
para amar un sitio desesperante y sin esperanza. O tal vez existe la esperanza porque
usted se encuentra aquí una vez más y llena de luz otra estación sombría […] Ahora
también en mi suelo natal soy extranjero en tierra extraña. Ya no conozco a nadie ni
reconozco nada”. O sujeito poético anuncia, inclusive, a desilusão do homem em relação
ao futuro.
195
Nosotros
Nada dejamos
Ni siquiera espuma. (PACHECO, 1987, p. 92)
Podemos observar a repetição da idéia anterior por parte de
Pacheco nos seguintes versos do poema “Los indefesos” (PACHECO,
1989, p. 47): “Somos los indefesos que se hunden”/ “en la noche que no
pidieron”. Neles, o sujeito poético classifica-nos, literalmente, como seres
indefesos diante da “noche”, essa simbolizando algo obscuro, sombrio,
pavoroso e sofrido, cujo poder permite que o indivíduo seja reduto de
seus próprios medos e incertezas.
A sociedade leva o homem a entrar em conflito consigo mesmo. Ao
vivenciarmos, como nos afirma Debord (1997), a “sociedade do
espetáculo”, nos tornamos seres duplos, ou seja, passamos a utilizar
diferentes máscaras. No poema “El cuchillo” (PACHECO, 1989, p. 52-53),
Pacheco compara a vida moderna a um verdadeiro circo. No verso “en
este circo sin piedad”, o eu-poético ressalta, mais uma vez, a perda da
suposta coletividade, pois vivemos numa época marcada pela falta de
amparo entre nossos semelhantes. Outro poema que marca essa
mudança de perspectiva se nomeia “Perra vida” (PACHECO, 1989, p. 22),
em cujo título, observamos que o poeta une lado a lado dois substantivos
comuns. No entanto, acaba atribuindo um valor qualificativo ao vocábulo
“perra”, expressando, assim, sua opinião pessoal sobre como avalia o seu
dia-a-dia. O emprego deste adjetivo denota uma vida repleta de injustiças,
como revelada pelo eu-lírico no verso “por nuestro voto de obediencia al
más fuerte”, imagem que desvenda “nuestra necesidad de buscar amos”.
O sujeito do poema, ainda, compara nossos sentidos aos de um cachorro,
pois, segundo ele, se tivéssemos o mesmo “don”, simbolizando a
percepção, não seríamos tão burlados e insultados. Vejamos tais imagens
através da segunda estrofe do poema:
Sin embargo los perros miran y escuchan
lo que no vemos ni escuchamos
A falta de lenguaje
(o eso creemos)
poseen un don que ciertamente nos falta.
Y sin duda piensan y saben. (PACHECO, 1989, p. 22)
196
Cada ser deve encontrar em seus próprios atos margens para um
questionamento de suas ações. Analisamos as imagens do poema “El
enemigo”, de Pacheco:
Allá entre cada una de mis acciones
Encuentro siempre al enemigo: el YO,
[...]
Para su inmensa desgracia
El monstruo no está solo:
[...]
al son de sus propios himnos individuales:
Quiero, devoro, dame, quítate, reverénciame.
(PACHECO, 1989, p. 50)
Dessa maneira, Pacheco, por seus versos, nos revela que no
interior de cada homem habita um verdadeiro “monstruo”, o responsável
pelas crises de valores e de ações do indivíduo, que transformam o
homem num ser dúbio em suas práticas sociais178. Por isso, pela
ganância, inveja e luxúria — visíveis em grande proporção nas relações
humanas atuais — nada nos resta a não ser a esperança do re-encontro
do homem com seus próprios valores e raízes. Assim, não chegamos,
como Pacheco anuncia, a um mundo com “la forma del cuchillo”
(PACHECO, 1989, p. 53), onde nos resta a constante batalha para
permanecermos vivos diante das adversidades. O poeta acredita ser esta
uma verdadeira luta, pois menciona “y por eso la bestia nunca se sacia”/
“y en todas partes sigue la matanza” (PACHECO, 1989, p. 50). Podemos
compreender a “bestia” como uma nítida presença da figura de Cortês no
imaginário mexicano, configurando-se numa imagem reveladora de todas
as forças contrárias ao bem estar da nação. Pacheco não nega a
existência de uma nação mexicana, portanto, de uma identidade nacional,
mas reconhece que essa identidade já não é a mesma, pois, ao resgatar
o discurso de um escritor uruguaio e, ao mesmo tempo, nomear a
composição poética de Juan Carlos Onetti, Pacheco revela:
178
A percepção da humanidade como um espaço sem vínculos afetivos é explorada por
Pacheco no poema “Microscopio” (PACHECO, 2009a, p. 177): “El microscopio me
engrandece. Veo / multitudes, batallas, grandes éxodos. / La vida que se mueve siempre
en combate. / Y en todas partes el dolor y el miedo”. O microscópio funciona como o
instrumento capaz de confirmar a visão do autor sobre o espaço citadino, simbolizado
como um campo de lutas e de rivalidades.
197
“Sin excepción nacemos
para el fracaso.
La derrota
es el destino único de todos.
Nadie se salva”,
[...]
Todos vamos sin pausa hacia el desastre.
Toda vida termina en el fracaso. (PACHECO, 1994, p. 38)
Sua voz é áspera e profunda. A desilusão transforma-se em sua
sentença poética. Seus versos adotam um tom profético para sinalizar a
devastação do mundo. Apesar da melancolia, o poeta não perde sua
capacidade lírica como também acontece nos seguintes versos:
Cuando todos se hallaban reunidos
Los hombres en armas de guerra cerraron
Las entradas, salidas y pasos.
Se alzaron los gritos.
Fue escuchado el estruendo de la muerte.
Manchó el aire el olor de la sangre. (PACHECO, 1987, p. 25)
No poema “El enemigo” (PACHECO, 1989, p. 52-53), Pacheco
também defende a idéia de que o mundo global já não tem mais salvação,
pois “está sangrando”. O sujeito do poema lamenta a agonia dos homens
perante o “campo de sangre” e “matanzas” em que se transformou “el
mundo entero”. Resta-nos avaliar, mais uma vez, nossos próprios atos,
como aparece na voz de tormento do eu-lírico nos seguintes versos:
Hasta cuándo
saldremos en qué forma
del matadero
que cubre todo:
página o pantalla,
escenario o abismo,
plaza o calle. (PACHECO, 1989, p. 52)
Não é no individualismo exacerbado que logramos reerguer as
bases para um novo mundo. Podemos comprovar esta afirmação no
poema “La sal”, em que se direcionando ao indivíduo, o eu-lírico sugere:
si quieres analizar su ser, su función
su utilidad en este mundo,
no puedes aislarla:
tienes que verla en su conjunto. (PACHECO, 1989, p. 18)
Para Pacheco, os indivíduos devem atuar na sociedade tendo a
mesma consistência que o elemento “sal”, pois desta forma constituem o
que o sujeito poético chama de “tribu solidaria”, em que “sin ella cada
198
partícula sería como “un fragmento de nada”/ “su acción perdida en un
agujero negro inasible”. Através dessas imagens, compreendemos que o
eu-lírico, ao revelar seu canto doloroso e elegíaco em relação aos objetos
ao seu redor, dotado de uma riqueza imaginativa, cria uma atmosfera de
esperança para a condição humana e busca vias de reconciliação do
homem com o meio. Contudo, sabe que a idéia de nação ideal só se faz
visível no imaginário do poeta com o surgimento de um novo mundo, e,
com esse, de novos seres dotados de princípios sociais e éticos. O poeta
revela tais imagens nos seguintes versos do poema “César Vallejo”,
dedicado especialmente ao renomado escritor peruano179:
México en el páramo
que fue bosque y laguna
y hoy es terror y quién sabe. (PACHECO, 1989, p. 19)
[...]
Aire nuestro que fue llama y ahora
no volverá a encenderse. (PACHECO, 1989, p. 31)
Por tais imagens poéticas, vemos que ao resgatar imagens de seu
passado, como a força da “llama” da cultura, Pacheco nos revela que
“sólo nosotros somos el pasado” (PACHECO, 1989, p. 51). Assim, busca
explicações e soluções para os problemas do presente. Reconhece o
esplendor de seus antepassados e a chegada do colonizador, mesmo
com todos os problemas ocasionados por esses, como vemos nos versos
“cuánta sangre”/ “la derramada en esta tierra” (PACHECO, 1989, p. 26),
tentando gerar imagens de uma provável esperança. Apesar desta ser
remota, como afirma, jamais o fogo de uma civilização volta a brilhar. A
imagem atual do que somos, aparece revelada no poema “La ceniza”
(PACHECO, 1989, p. 31), no verso “el fuego ya de luto por sí mismo”.
Somos seres responsáveis por nossas próprias ações e por nossas
maneiras de reagir diante do mundo. Resta-nos redescobrir nossa
identidade na grande imensidão de novos discursos e valores da
sociedade global.
179
Os temas da miséria e da fatalidade, também, eram o foco do fazer artístico de
Vallejo, por isso, reconhecemos um diálogo entre ambos os escritores.
199
3.1.4. A
identidade
mexicana
no
contexto
da
globalização
No somos ciudadanos de este mundo
sino pasajeros en tránsito por la tierra
prodigiosa e intolerable.
José Emilio Pacheco (1987, p. 124)
Em tempos globalizados, um dos maiores desafios vigentes
relaciona-se à temática identitária, que está completamente vinculada à
cultura de certa comunidade. Dessa maneira, e segundo esse olhar, a
globalização não é somente de um processo político-econômico, mas
também inclui, entre outros, a tecnologia, os direitos humanos, a cultura e
a comunicação. Segundo Anthony Giddens, sociólogo britânico, a
globalização:
[...] é um processo altamente contraditório, pois não deve
ser entendido somente como um conceito econômico,
nem como um simples desenvolvimento do sistema
mundial ou como um desenvolvimento de instituições
mundiais de grande escala [...] não se trata de um
simples conjunto de processos, e também não caminha
em uma só direção. Em alguns casos gera solidariedade
e em outros casos a destrói. Possui conseqüências muito
diferentes segundo a posição geográfica mundial que se
localize, podendo gerar novas formas de integração que
180
coexistem com novas formas de fragmentação .
O termo globalização começou a ser empregado a partir dos anos
oitenta, pois até então existia uma provável noção do que seria
globalização pela dimensão de certos problemas ou ameaças globais.
Pensar a globalização não se resume somente em refletir a respeito de
um dado momento do mundo, caracterizado como inovador, entretanto,
como
nos
apresenta
Giddens,
verificar
esse
momento
como
responsável por uma imagem do discurso da modernidade.
180
“[…] es un proceso sumamente contradictorio, no debe entenderse tan sólo como un
concepto económico, ni como un simple desarrollo del sistema mundial o como un
desarrollo puramente de instituciones mundiales a gran escala [...] no es un simple
conjunto de procesos ni tampoco va en una sola dirección. En algunos casos genera
solidariedades y en otros las destruye. Tiene consecuencias muy distintas según sea la
ubicación geográfica mundial de que se trate, generando algunas formas nuevas de
integración que coexisten con formas nuevas de fragmentación”. In: apud GANDARILLA
SALGADO (2000). [Tradução nossa]
200
Como podemos verificar neste estudo, muito se discute sobre o
conceito do que seria modernidade. Vimos que se trata de um termo de
difícil definição, porque não sabemos a qual época se refere, ou seja,
surge uma dificuldade em traçar seu início. Segundo Octavio Paz
(1989, p. 18) “[...] existem tantas modernidades e antiguidades como
épocas e sociedades”181. Assim, notamos que o conceito de
modernidade varia de acordo com o tempo, porque o moderno é o que
rompe criticamente com o passado e se apresenta como o novo.
Para compreender a evolução desse tempo transitório devemos
perceber que a descontinuidade é fundamental para tal. Conforme Paz
(1989, p. 20):
[...] o que diferencia nossa modernidade das outras
épocas não é a celebração do novo e do surpreendente,
ainda que isso também conte, mas o fato de ser uma
ruptura: crítica do passado imediato, interrupção da
182
continuidade .
Paz caracteriza o tempo moderno como um tempo transitório, em
que a comunicação revela-se como espaço essencial de construção da
sociedade183 e, nesse espaço, a mesma permite romper as fronteiras
interculturais.
O sociólogo polonês Bauman analisa a globalização como uma
mudança radical e irreversível, principalmente porque afetou as relações
entre os Estados, as relações de trabalho, a vida cultural, a vida cotidiana
e as relações entre os indivíduos. Por isso, Bauman (2005, p. 11) nomeia
essa grande transformação como o período da “modernidade líquida”,
devido ao fato de vivermos num mundo onde tudo é ilusório e, muitos
problemas, como a dor, insegurança, solidão, angústia, são provocados
pela vida em sociedade e pelas relações entre seus indivíduos.
181
“[…] hay tantas modernidades y antiguidades como épocas y sociedades”. [Tradução
nossa]
182
“[…] lo que distingue a nuestra modernidad de las de otras épocas no es la
celebración de lo nuevo y lo sorprendente, aunque también eso cuente, sino el ser una
ruptura: crítica del pasado inmediato, interrupción de la continuidad”. [Tradução nossa]
183
Para Paz, o homem moderno já não está de acordo consigo mesmo. Todos esses
estão voltados à solidão, pois caminham sem uma direção. Podemos dizer que essa
construção em sociedade reduziria a solidão do homem trazida pela modernidade dos
tempos.
201
Nesse cenário, Bauman pensa a identidade como um termo
ambivalente, algo que traz em si uma idéia de constante batalha, pois
será o resultado da recordação de um passado unido aos fatos dessa
época líquido-moderna, caracterizada por estar dividida em vários
fragmentos pouco coordenados.
A globalização, segundo o sociólogo espanhol Manuel Castells184,
seria o fenômeno que estrutura as sociedades contemporâneas, pois
adapta a realidade histórica atual às mudanças econômicas, sociais e
culturais das próprias sociedades. Por isso, a globalização pode provocar
ao mesmo tempo processos de inclusão e exclusão, que geram
conseqüências não só econômicas, mas também sociais e culturais.
Pode-se afirmar que a globalização não implica necessariamente num
processo de homogeneização cultural, apesar de termos uma série de
valores cosmopolitas e consciências que tentam uniformizar culturalmente
certos grupos sociais. A diversidade cultural é mais nítida do que nunca
nos dias atuais, em que num mesmo espaço, compreendido não somente
do ponto de vista geográfico, convivem valores diversos.
Em seu poema “Bagatela” (PACHECO, 1987, p. 89), Pacheco
revela-nos claramente a percepção do homem moderno, e a mudança do
seu olhar para a compreensão da realidade que o rodeia. O sujeito lírico
questiona o momento atual, “para quien no haya visto lo que yo vi”/
“parecerá mentira lo que se pasó”; através do seu duplo olhar — crítico e
nostálgico — considerando a si próprio como uma identidade perdida, “mi
nombre ya no soy yo”, em um “mundo diferente”. Para o sujeito do poema
“todo cambió”, apesar de que o desejo utópico nunca é totalmente extinto
do imaginário coletivo, entendendo essa utopia como a capacidade de o
sujeito fazer-se real, posicionando-se como um indivíduo ativo, e com voz
nas relações da sociedade. Pacheco espera que o homem vivencie e
questione o seu momento presente, baseando-se nos fatos do passado, e
que suas conclusões mais intrínsecas possam contribuir para a
compreensão do tempo futuro, segundo o poeta, o tempo das incertezas,
e com isso percebemos a capacidade do homem de ultrapassar as
184
CASTELLS, Manuel. Síntesis Globalización, identidad y diversidad. Fórum Barcelona
2004 – Disponível em: <www.barcelona2004.org>. Último acesso em: 10 nov. 2008.
202
barreiras do tempo, pois só a vivência dos fatos constrói a verdadeira
imagem do homem em sua totalidade.
Conforme Villafañe (2002, p. 30-31), “toda imagem possui um
referente na realidade, independente de qual seja essa natureza, inclusive
as imagens que surgem do imaginário, mantêm nexos com a
realidade”185. Por meio de suas palavras, vemos que o mundo da imagem
está em torno de nós, e desse modo a globalização revela-se como uma
imagem modernizada do mundo, em que o homem aparece como um ser
indefeso perante a grandiosidade tecnológica e política das grandes
potências capitalistas186.
Podemos dizer que o vocábulo globalização encontra fortes raízes
e pontos de contato na época do Renascimento187, momento em que as
artes, a música, a literatura, o comércio e as ciências se expandem e,
com isso, povos, comunidades, cidades e nações. O aparecimento e a
formação destas gera uma nítida mudança no modo de vida, pois os
indivíduos deixam de viver em pequenas regiões separadas e
independentes para construir um conjunto mais uno em termos de limites
geográficos e, de certa forma unir, identidades, a partir dos costumes, da
língua, da idiossincrasia, colocando em questão o que há de comum,
puro, autêntico e ressaltando possíveis diferenças.
Mesmo com essa idéia de unificação entre os indivíduos, temos de
fato um mundo dividido por valores, como por exemplo, valores
capitalistas versus valores socialistas. Conforme as colocações de Ianni
(2003), na mudança do século XX para o XXI, tivemos a passagem de
185
“La idea base de la que parto es que toda imagen posee un referente en la realidad
independiente de cuál sea su grado de iconicidad, su naturaleza o el medio que la
produce. Incluso las imágenes que surgen del nivel de lo imaginario, mantienen con la
realidad nexos, que a veces son más sólidos de lo que una primera lectura hieciera
suponer”. [Tradução nossa]
186
Com a globalização parece que o mundo inteiro se transformou em capitalista, onde
os indivíduos e as coletividades movem-se pelo valor das mercadorias. Ianni afirma que
“a história do capitalismo pode ser lida como a história da mundialização, da
globalização do mundo”. In: IANNI (2003, p. 64).
187
Com tal afirmação não se pretende dizer que a globalização tenha seu surgimento na
época renascentista, já que a globalização é uma idéia contemporânea, por ser uma
imposição de mudanças e transformações. A explicação para essas raízes dá-se no fato
de que o Renascimento se caracterizou como uma época em que o homem europeu se
dizia confiante do saber, com ideais de expansão, e ao mesmo tempo, configurou-se um
momento em que o conhecimento vem à tona como maneira de grande entusiasmo para
as questões do mundo.
203
uma sociedade nacional, caracterizada pelo jogo de forças sociais que
não se esgotam, mas que eram repensadas e transformadas, a uma
sociedade global. Em resumo, Ianni (2003, p. 50) nos expõe;
Quando o Estado-nação se debilita, devido ao alcance e
à intensidade do processo de globalização das
sociedades nacionais, emerge outra realidade, uma
sociedade global, com suas relações, processos e
estruturas. Trata-se de uma totalidade histórica-nacional
diversa,
abrangente,
complexa,
heterogênea
e
contraditória.
Por suas palavras, evidenciamos que a sociedade global possibilita
um processo de mundialização das relações, com isso os dilemas da
globalização modificam as condições de vida, de trabalho, as maneiras de
agir, pensar e comportar-se no mundo, ou seja, alteram os campos
sociais, coletivos e individuais. Temos com o aparecimento da sociedade
global uma multiplicidade de formas. Resta-nos entender que viver em
sociedade pressupõe aceitar a coexistência de pensamentos e culturas
diversos, o que implica viver na diversidade.
O complexo processo de globalização, fenômeno plural, já que
revela os diversos modos de ser no mundo, permitiu a implementação de
novas políticas e o estabelecimento de novos modelos culturais, impondo
aos indivíduos certos domínios, porém em muito dos casos sem
resistência. Ao analisarem esses modelos externos, os latino-americanos
lutam cada vez mais pela manutenção de uma cultura nacional, mas não
negam um contato com o mundo. Ao contrapor sua identidade e seus
valores com os do outro, ambos os indivíduos conseguem se enriquecer,
mas nunca apagando o que há de mais pessoal na essência destes, pois
para o crítico uruguaio Alberto Zum Felde “para viver a experiência do
outro é necessário preservar aquilo que a cada um é próprio [...] pois o
contato permanente, que facilita o conhecimento, não elimina as
peculiaridades de cada cultura”188.
Esse encontro de vozes e a idéia de preservar o nacional, no
contexto da globalização, devem ser repensados, já que a noção de
188
ZUM FELDE apud JOZEF (2001, p. 236). “para vivir la experiencia del otro es
necesario preservar aquello que a cada uno es proprio... pues el contacto permanente,
que facilita el conocimiento, no elimina las peculiaridades de cada cultura”. [Tradução
nossa]
204
dependência não significa que estamos presos a certos traços culturais.
Esse contato com outras culturas não representa a perda de uma
identidade, mas sim o rompimento de fronteiras interculturais, levandonos a viver em espaços híbridos, onde aceitar as diferenças, num primeiro
momento, constituía um empecilho ao progresso da nação. Contudo, em
tempos modernos, será na contraposição dessas diferenças que
estabeleceremos um diálogo efetivo189.
Desde os ideais do modernista cubano José Martí, a identidade na
América Latina deve ser pensada em sua construção com os demais. No
contexto da globalização ocorre o questionamento da identidade como
uma unidade fixa, imutável e homogênea. Conforme Stuart Hall (2006, p.
13):
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos, identidades momentos, identidades que não são
unificadas ao redor do ‘eu’ coerente [...] A identidade
plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de
significação e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis.
As identidades culturais foram enfraquecidas pelo fenômeno da
globalização. O contato das culturas nacionais com o mundo externo
gerou o enfrentamento entre as diferentes identidades na época
contemporânea. De acordo com Hall (2006, p. 74), “[...] é difícil conservar
as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem
enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural”.
Portanto, a sociedade moderna descentralizou e deslocou os sujeitos.
Esse fenômeno apresenta pontos positivos, pois desarticulou as
identidades estáveis do passado e possibilitou a criação de novas. Os
sujeitos não conseguem mais mantê-las de modo fixo e estável, contudo
se transformam em sujeitos fragmentados, com identidades contraditórias
e inacabadas.
189
Nesse contexto cabe destacar a idéia da ruptura que se faz necessária ao pensarmos
no mundo contemporâneo. E essa ligada a de que temos ao reconhecer o outro o
encontro com a nossa autêntica base em uma sociedade global. Essa convivência será
gerada pela aceitação do outro, ou seja, a partir do momento em que estabelecemos
espaços para aceitar outros discursos, que não sejam somente os nossos próprios
pensamentos.
205
No mundo contemporâneo, a ruptura com o tradicional faz-se
necessária para que nos identifiquemos cada vez mais e avancemos no
reconhecimento do outro. Temos o fortalecimento de uma autêntica
sociedade global na repercussão de nossa identidade e na aceitação
dessa pelos outros, permitindo a convivência de distintas culturas no
mundo global do novo milênio, melhor dizendo, atualmente há a
necessidade de estar aberto a novas informações e contatos, para manter
e reforçar o nosso lugar num mundo, que a cada momento o espaço para
o “eu” se faz reduzido, acarretando uma crise da razão manifestada pela
crise do indivíduo.
Conforme Bauman (1999, p. 65-66), a idéia de globalização traz
consigo o processo de desnacionalização e um forte sentimento de
catástrofe. Para o sociólogo, esse tempo em que vivemos reflete a
verdadeira imagem da desordem global, pois forças díspares e dispersas
atuam como as principais responsáveis pela perda do sentido de
totalidade do mundo. Chegamos a uma época em que não há mais como
prever e controlar as ações humanas. A globalização não só deve ser
pensada como o meio para acabar com as diferenças, a tradição ou a
memória coletiva de uma cultura, mas também como um intento de
diminuir a força dominante de nações externas. Não podemos reconhecer
na globalização o germe da homogeneização, nem muito menos de
princípios democráticos e igualitários de poder nas nações. Nesse mundo
dividido, resultado dos diferentes processos de hibridação, frutos das
mais diversas relações entre culturas, cabe ao indivíduo buscar seu lugar
no mundo e revalidar seu próprio discurso. Nossos referentes não podem
ser o desencanto com o mundo ou o individualismo, muito menos a
fragmentação, porém o humanismo e a unidade compreendida na
diversidade.
Como sabemos, a globalização não é um processo homogêneo,
pois traz em si uma certa ideologia de poder e dominação, abrangendo
diferentes espaços, permitindo que esses ressaltem suas identidades
individuais. Também não podemos deixar de reconhecer que, através do
contato diário entre os indivíduos, as identidades culturais revelam o
verdadeiro hibridismo de diferentes tradições culturais, sendo esse o
206
produto e o resultado dos diversos cruzamentos, que vêem na
globalização sua força motriz. Nessas trocas interculturais, como nos
afirma Bauman, não há a assimilação total dos traços da cultura alheia,
todavia ocorre uma interconexão entre culturas.
Pacheco, percebendo essa época de desordem global, por meio do
universo imagético de sua poética, ressalta o conceito de identidade,
dentro de sua comunidade, pois, sabe que essa, no início de sua
civilização, vivenciou uma história sofrida, o que gerou, no pensamento de
sua gente, um passado sangrento, cheio de dor e sofrimento e, ao mesmo
tempo, um latente desejo de reviver os momentos gloriosos desse tempo,
que se mantém vivo pela memória, ou seja, desse tempo possivelmente
lembrado pelas metáforas apresentadas pelo poeta em sua obra, já que,
como assinala Jozef, “sem as acumulações da memória, não temos
cultura”190.
É por meio desse universo ilusório que se ergue a poética de
Pacheco. As imagens poéticas reveladas em sua obra não se cerram em
somente uma única função. Essas formas de revelar o mundo podem
recuperar a memória social de uma cultura, bem como representar a
mesma a partir da articulação do real com a fantasia, ou melhor, da união
de processos criativos do poeta, que buscam despertar no outro certas
sensações de descoberta e até mesmo de resgate no tempo. Conforme o
poeta chileno Gonzalo Rojas, “a poesia é a realidade através da
realidade”191, daí a abertura para que o autor leia o mundo por meio de
imagens. Deste modo, Pacheco comunica-se com o leitor por meio de
uma linguagem poética simbólica192.
Toda civilização passa por momentos de conflitos entre si ou com
povos vizinhos, e esses podem servir de estímulo a cada comunidade na
busca por um desejo de mudança, melhoria ou, por outro lado, de
exaltação do próprio indivíduo ao retratar suas ações benéficas para com
a história de seu povo. Essas são, portanto, as imagens guardadas pelos
190
“Literatura e identidade”. Palestra proferida pela Professora e crítica literária Dra.
Bella Jozef na Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro em 1996 (Texto não
publicado).
191
ROJAS apud JOZEF (1980, p. 174).
192
Pacheco mostra-nos que a palavra literária pode criar um universo independente da
realidade empírica.
207
habitantes de uma região, que são perpassadas, no decorrer dos tempos,
e fazem com que os escritores — responsáveis pelo desejo de dar um
novo sentido aos fatos — possam expressar-se por meio de sua
linguagem pessoal.
Segundo Freud193, desde o nascimento, o homem já traz em si
uma parcela de violência, que pode ser aumentada no decorrer dos anos
pelo contato entre os demais indivíduos na vida em sociedade. Pacheco
coloca-se no lugar do grande descobridor da Psicanálise por meio de sua
voz poética ao dizer que “el delito del hombre es haber nacido”
(PACHECO, 1987, p. 61). Pacheco reconhece a parcela de violência que
o homem carrega em sua história e mostra por meio de sua poesia um
rechaço a esse tipo de homem que tanto apagou o brilho do passado
mexicano.
A partir do nascimento de um indivíduo, esse já pode se ver
inserido dentro de uma comunidade, com hábitos e costumes prédefinidos, logo, uma cultura específica. Nasce com esse ser uma
identidade herdada de seus antepassados, não cabendo a este procurála, pois antes mesmo de chegar a esse mundo, ela já o esperava. Mas
então, por que será que o homem continua buscando sua identidade?
Que identidade é essa que nos impõem desde nossas origens?
O que se pode dizer é que existe uma identidade própria perante
outras, mas cada indivíduo já a possui e vive a buscá-la e, muitas das
vezes, acredita reencontrá-la; outros pensam realmente tê-la perdido e,
portanto buscam resgatá-la.
Dentro de uma mesma comunidade, podemos encontrar certos
tipos de identidade, a racial, a étnica, a nacional, a cultural, logo nesse
trabalho, ao pensar sobre a identidade, nos remetemos a uma identidade
cultural coletiva, porque essa engloba todas as demais facetas,
contribuindo para que haja um diálogo entre os indivíduos de diversas
culturas na criação de um discurso igualitário de identidade.
193
MACIEL, Maria Regina. “Freud, o inconsciente e a educação”. In: MACIEL, Ira Maria,
org. Psicologia e Educação: novos caminhos para a formação. Rio de Janeiro: Ciência
Moderna, 2001, p. 137-152.
208
Identidade é um termo polissêmico. Antes de analisar os diversos
sentidos do termo, faz-se necessário entender esse conceito como um
instrumento de construção social dos sujeitos. Não cabe somente pensar
a identidade como um mero conceito vinculado a princípios de igualdade
e liberdade, como vem sendo empregado o problema da identidade latinoamericana de uma maneira geral desde os discursos do pensador Simón
Bolívar. Pensar a identidade, no contexto globalizado, será pensá-la na
vida contemporânea, em que percebemos, cada vez mais forte, sujeitos
autônomos ou o que Bauman (2005, p. 69) nomeia de “homens sem
vínculos”,
conseqüentemente,
teremos
possíveis
construções
de
identidades individuais. A partir do exposto, Leopoldo Zea, filósofo
mexicano, entende a identidade como objeto humano e responsável em
gerar uma consciência coletiva:
Todos os homens e povos são iguais pelo fato de serem
diferentes; por contar com uma personalidade e uma
individualidade singulares. Encontramo-nos diante de
seres humanos concretos que lutam por mostrar sua
identidade, por participar com o outro, junto aos demais.
Afirma-se a igualdade a partir de traços múltiplos e sem
194
desentendimento .
Apesar de sabermos através do sentido primeiro da palavra
identidade que não há como encontrarmos índices idênticos em todos os
homens, devemos propor, como nos sugere Zea, espaços híbridos de
convivência, em que as igualdades e as diferenças tentam conviver, lado
a lado, destacando-se um olhar do indivíduo para si mesmo, ou a
aproximação das características deste para com as do outro, ou também,
os pontos de contato que todos os sujeitos compartilham. Assim, restanos reconhecer que a globalização dos tempos também uniu elementos
heterogêneos na constituição de uma “identidade coletiva”.
Conforme as idéias apresentadas por Pedro Gómez García (1998),
professor da Universidad de Granada, não podemos comprovar
totalmente a existência de uma identidade coletiva para certas
sociedades, pois, ao analisar a história da América Hispânica, desde sua
194
“Todos los hombres y pueblos son iguales por el hecho de ser distintos; por contar
con una personalidad y una individualidad singulares. Nos hallamos ante seres humanos
concretos que luchan por hacer patente su identidad, por intervenir como pares junto a
los demás. Se afirma la igualdad a partir de las filiaciones peculiares y sin desmedro del
entendimiento mutuo”. In: BIAGINI (2002: 39). [Tradução nossa]
209
formação, baseada no encontro de raízes culturais diferentes e ao pensar
em indivíduos que se formaram deparando-se com uma realidade
nitidamente
fragmentada
ou
até
mesmo
antes
e
depois
das
Independências (e essa conseguida em tempos bastante distintos entre
as repúblicas), percebemos, ao certo, a formação de uma identidade
plural e abstrata, como mero produto de uma evolução temporal, e que
nos permite pensar e compreendê-la como uma identidade fragmentada.
Para Hall (2006), à medida que o mundo moderno se torna mais
complexo, emerge no sujeito a inexistência de uma identidade única. Ele
sabe que não é mais autônomo e auto-suficiente, entretanto, compreende
a dependência do outro e observa que, ainda, assume diferentes
identidades no decorrer do tempo. Como a identidade do sujeito pode ser
mantida numa sociedade em constante mudança? De acordo com Hall
(2006, p. 75):
[...] Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado
global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens
internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de
comunicação globalmente interligados, mais as identidades se
tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares,
histórias e tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’.
Ratificando as considerações anteriores, Bauman (2005, p. 84)
confirma que, na falta de uma identidade verdadeira na sociedade global,
o que temos seria uma identidade fragmentada e diluída, em constante
movimento, capaz de revelar as incertezas e inseguranças de cada
indivíduo nesse tempo de valores instáveis, quer dizer, nessa época
transitória na qual estamos inseridos.
Nesse momento a literatura, por meio da linguagem, representa
leituras da realidade, dando voz a autores que retratam essas identidades
sempre confusas e conflitantes dentro dos espaços, com um incansável
desejo utópico em aproximar indivíduos, cujos pensamentos são
divergentes, de modo a contribuir para o bem-estar da nação. Segundo
Jozef (1996)195, a conquista de uma identidade cultural própria se dará a
195
“Literatura e identidade”. Palestra proferida pela Professora e crítica literária Dra.
Bella Jozef na Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro em 1996.
210
partir da avaliação e da mudança de nosso papel como seres ativos na
história e não somente como observadores dos fatos.
Por meio do caos gerado pelo próprio homem na sociedade
contemporânea, cada indivíduo se identificará consigo mesmo ou como
pertencente a um grupo, e ainda que estabeleça contatos com esses, se
limitará a certas particularidades. Cada indivíduo está formado por
diversas contribuições e com cada sujeito divide algumas das mesmas,
entretanto com ninguém compartilha todas suas experiências. Temos em
cada ser um certo espaço restrito, que ao outro não pode ser revelado. O
indivíduo, então, deve encontrar-se e sentir sua identidade em suas
ações, no que realiza em sociedade. Não podemos pensar que somos
seres completos, e que nossa história e identidades estão construídas, e
bem fortificadas. Resta-nos um processo de atualização constante. A
identidade está em nossas opções, preferências, afinidades, no que
escolhemos ser, na bagagem que nos foi dada, de modo que vamos
sempre construindo e alterando a mesma ao longo de nossas vidas.
Pacheco, ao retratar os problemas que assolam seu país, tenta por
meio da sua voz poética reconhecer e mostrar esse sujeito perdido nos
espaços, revelando-nos figuras individuais, solitárias e sem voz, pois
estas trazem em si um conceito de identidade particular, ou seja,
fragmentado, pois são produtos do encontro de suas aspirações pessoais
e do que o mundo contemporâneo permite que sejam.
Como vimos no capítulo anterior, a cidade sempre foi um espaço
de várias identidades, um verdadeiro labirinto. Assim, para Pacheco, as
grandes cidades mexicanas, devido às complexas relações econômicas e
sociais, impedem que saibamos definir com que espécie de indivíduos
estamos vivenciado e dialogando a cada dia, podendo assim as relações
humanas e sociais serem corrompidas facilmente. Segundo o sociólogo
norte-americano Richard Sennett (1998, p. 153), “a cidade é um grande
teatro”, e é nessa cidade que os indivíduos usam máscaras e são atores,
e constroem novas realidades, que o encontro do verdadeiro “eu” se torna
uma tarefa difícil.
211
A voz de Pacheco, sempre atenta às questões atuais, faz com que
não nos submetamos à imagem do vazio gerado pela globalização, como
o poeta levanta em uma das epígrafes iniciais desta seção. Sennett
revela-nos que cada vez mais com o declínio das cidades, perdemos, aos
poucos,
uma
cultura
urbana,
cujo
indivíduo
construía-se
na
experimentação e vivência de modelos, pois a vida contemporânea gera
espaços simplistas, pessoais, de solidão; resumindo, espaços vazios.
Vale recorrer ao exposto por Berman (1986, p. 15), que segundo ele, a
modernidade, ao mesmo tempo em que une os seres humanos, gera
espaços de lutas e desunião nos mesmos. Conforme o teórico alemão
Walter Benjamin, o lugar da cultura na vida cotidiana e moderna passa a
ser não o “lugar de onde se fala”, porém “o lugar onde a fala foi
roubada”196. Esta afirmação se justifica pelo fato de a sociedade estar
voltada ao consumo e com olhos direcionados a um futuro em que os
homens esquecem seu passado, pouco a pouco, até mesmo porque não
o sentem como parte atual de sua vida. Podemos dizer que o indivíduo
não estabelece raízes tornando-se, então, uma identidade perdida197.
Pacheco, através de seu labor poético, faz com que o indivíduo
não seja conduzido a pensar somente o seu mundo, visto como espaço
particular, e sim que possa cooperar, por meio de seus atos e idéias, para
uma nova identidade mexicana, portanto, uma identidade eternamente
em busca. Desse modo, Pacheco mostra uma constante utopia de seguir
vivendo.
Ao analisar a trajetória literária de diversos escritores e após
algumas leituras de suas produções, sempre vemos e sentimos,
independente da nacionalidade de cada um desses, um forte desejo em
ser o mais fiel possível à realidade de seu povo, ou seja, a realidade que
lhe toca viver.
Em Pacheco, vemos a realidade mexicana ligada diretamente a
sua palavra poética, expressa por imagens que dialogam a todo o
196
BENJAMIM apud MORAES (1997, p. 262).
Segundo o escritor mexicano Carlos Fuentes, o valor da história está na cultura de
um povo. Quando o indivíduo não lembra mais o passado, deve resgatá-lo pela
imaginação. In: MACIEL (1999).
197
212
momento com a história da civilização mexicana e com diversos temas da
atualidade desse povo. Ao pensar na expressão poética de um autor é
importante ressaltar que essa deve ser lida e compreendida por meio do
contexto da época a que as imagens o conduzem. Um texto poético
sempre se origina do processo interno de criação literária do escritor,
mas, principalmente, das tensões da realidade. O poeta, envolto pela
realidade, sente a necessidade de expressar-se por meio do jogo poético,
conforme o escritor uruguaio Mario Benedetti (2000, p. 79):
Hoje poderíamos dizer que o poeta é talvez menos pragmático.
Quando passa pela realidade, esta o envolve, o convoca, o
acusa. Para o poeta a realidade é uma rede de sentimentos. E
nem sempre pode libertar-se dessa. Transitória ou
definitivamente, permanece nela, não como um prisioneiro,
mas como alguém que busca ser interrogado, convocado,
198
solicitado .
O poeta, ao descrever a realidade de seu país, cria em seus
poemas retratos que revelam a leitura de uma época concreta, cujas
falhas
e
virtudes,
desse
momento
histórico,
aparecem
como
representação de certo comportamento da época, e às vezes também
como denúncia para os problemas que atingem tal sociedade.
Aos olhos de Pacheco, um poema deve servir como testemunho de
certo momento, portanto prova viva de fatos que marcam a essência de
um homem e que permitem ao poeta revelar o seu ponto de vista sobre o
que poetiza. Apesar de mostrar seu tom crítico, parece reconhecer uma
dificuldade de distanciar-se de tais problemas que rodeiam o seu país,
logo, sua morada simbólica.
A partir dessa importância em não copiar o real, mas transformá-lo
e revivê-lo, podemos afirmar que os temas da poética de Pacheco são
apresentados e entendidos, superando a possível divisão em fases,
exposta pela crítica. Ao mesmo tempo em que estilos específicos definem
cada fase, a temática proposta por Pacheco em seu discurso poético
ultrapassa os limites da denotação: tem-se a verdadeira busca da palavra,
198
“Hoy podría agregar que el poeta es tal vez menos pragmático. Cuando pasa por la
realidad, ésta suele rozarlo, aludirlo, convocarlo, acusarlo, indultarlo. Para el poeta la
realidad es una malla de sentimientos. Y no siempre puede liberarse de esa red.
Transitoria o definitivamente, permanece en ella, no como un cautivo, sino como alguien
que busca ser interrogado, convocado, querido”. [Tradução nossa].
213
que possa gerar o desejo latente pela manutenção de uma identidade
cultural para o povo mexicano.
A própria ação devastadora do tempo, gerado pela história da
sociedade mexicana, constitui o tema que, segundo o crítico Anthony
Stanton, conduz toda a obra poética de Pacheco. No poema
“Pasatiempo”, Pacheco revela que estamos sujeitos as ações do tempo:
El tiempo hace lo que le dicta la eternidad:
construye y destruye,
se presenta sin avisar y se va cuando quiere
(PACHECO, 2000, p. 53)
O tempo é visto, na atualidade, pelo poeta mexicano como o
responsável pela esperança de melhores momentos para seu país e seus
habitantes; tempo que se desprende, aos poucos, da carga nostálgica de
retorno a um passado que não há mais como recuperar.
Pacheco, através de sua linguagem, revela uma poesia que flutua
por diferentes caminhos para realizar-se distinta do real. Ao mesmo
tempo em que retrata o real simbólico, essa poesia, por possuir uma voz
autônoma, aborda a história como tema e luta pela consciência de outras
realidades sociais. A partir dos problemas que atingiram sua vida desde
sua infância, o poeta se torna um grande conhecedor dos assuntos que
rodeiam o pensamento do mexicano e, às vezes, nos revela certa
esperança em sua poesia, mas, em outros casos, demonstra-nos
fortemente sua visão trágica e fatalista de seu país.
Pacheco revela ao leitor a sua preocupação perante a fugacidade
da vida e do desgaste progressivo gerado pelo próprio mundo a seu
redor. Esses sentimentos são passíveis de serem discutidos em suas
composições poéticas. No poema “Ciudades”, Pacheco mostra a
degradação do espaço e das próprias relações pessoais199 entre os
indivíduos:
Las ciudades se hicieron de pocas cosas:
madera (y comenzó la destrucción)
lodo piedra agua pieles
199
No poema “Galeotes” (PACHECO, 2009a, p. 22-23), o sujeito poético revela o
sofrimento de seguir habitando o mundo e a falta de companheirismo: “De las formas de
infierno / diseñadas en este mundo / para hacer indeseable la existencia / la más amarga
es nuestra condena […] Todo lo compartimos: el martirio, / la sed, el calor y la
desesperanza. / Sin embargo no existe entre nosotros / fraternidad alguna. / Tan sólo la
cadena que llevamos / nos ata en la desgracia”.
214
de las bestias cazadas y devoradas
Toda ciudad se funda en la violencia
y en el crimen de hermano contra hermano.
(PACHECO, 1987, p. 91)
Pelo sujeito do poema, a violência, responsável pelo caos,
apresenta-se na essência de cada indivíduo; desde sua origem e na luta
constante pela sobrevivência diante do mundo. O emprego de elementos
naturais como a madeira, a água, a carne e as peles dos animais
denotam a selvageria convertida em consumo na vida cotidiana. Pacheco
anuncia o lado obscuro da violência quando menciona “el crimen de
hermano contra hermano”. O escritor parece fazer uma alusão à história
bíblica de Caim contra Abel. Enoch, primeira cidade fundada na terra e
erguida por Caim, teve a violência e o crime como antecedentes.
Pacheco, no poema “Caín”, retrata a presença da imagem do caos desde
a origem da primeira urbe. O homem nasce de um enfrentamento com o
espaço ao redor:
Su nombre es testimonio de la Caída.
Caín el can de la corrupción,
el perro rabioso
que la tribu mata a pedradas...
Caín, nuestro padre.
El fundador de las ciudades.
(PACHECO, 1989, p. 42)
A poesia urbana de Pacheco mostra-nos que a “realidade” está
fundada no sofrimento. Cabe ao poeta denunciar por sua voz poética a
injustiça que vê, porém nem sempre a poesia pode ser entendida e
ouvida pelo outro e, neste momento, o poeta, também, permite sentir sua
voz em pleno martírio; ao não ser escutada. O escritor lamenta a
impotência do seu papel: “Y yo qué hago y yo qué puedo hacer”200. Para
Verani (1994, p. 94), Pacheco
[...] está fundamentalmente preocupado pelo papel do poeta e
da poesia num mundo de guerra cruel, sofrimentos e injustiças
universais. Pacheco sempre foi um
poeta muito
autoconsciente: abundam as alusões à arte do poeta ou sua
201
presença no poema .
200
BINNS (2001).
“[…] está fundamentalmente preocupado por el papel del poeta y el significado de la
poesía en un mundo de guerra cruel, sufrimientos e injusticias universales. Pacheco
siempre ha sido un poeta muy autoconsciente: abundan las alusiones al arte del poeta o
su presencia en el poema”. [Tradução nossa]
201
215
O sofrimento e a fugacidade, na obra poética de Pacheco, estão
presentes desde a primeira fase poética, em que se percebe a dor
perante a precariedade da existência dos indivíduos, até a última fase, em
que temos a dor do poeta em relação aos temas físicos e sociais que
atingem seu povo, como a doença, a fome, o envelhecimento, a morte,
etc.
Sem sombra de dúvida, a poesia de Pacheco não se classifica
como totalmente negativa; revela-nos a tentativa de luta do poeta contra a
devastação do tempo e o desgaste de sua voz em prol de tempos
melhores para seu país. Se por um lado esse universo é pessimista, por
outro lado, levanta a esperança para o México. A respeito desse olhar
dialético de Pacheco, opina o crítico cubano Enrique Sáinz:
Esta experiência agonizante do poeta que percebe e
suporta a decomposição de um mundo e que observa o
surgimento de outro ou entre as imagens do caos e da
incapacidade, por um lado, e da possibilidade de uma
202
plenitude, por outra parte .
O que Pacheco deixa claro em seus versos é que, sem a
passagem do tempo, revelando momentos de plenitude, sua poesia
poderia paralisar-se somente nos momentos de sofrimento, criados pela
própria história de seu país. Vejamos essa incerteza em seus versos:
Triste que todo pase...
Pero también qué dicha este gran cambio perpetuo
Si pudiéramos
detener el instante
todo sería mucho más terrible
Qué gran tristeza la fugacidad
¿Por qué tenemos que pasar como nubes?
(PACHECO, 2000, p. 36).
Pacheco, como nos mostra em sua poética, parece já ter
vivenciado e cantado diversos temas, e quando, segundo o crítico literário
uruguaio Hugo Verani (1994), o poeta já escreveu, inovou e experimentou
diversos caminhos, o único que lhe resta é reformular e repensar o até
202
“Esta experiencia agónica del poeta que percibe y padece la descomposición de un
mundo y que entrevé la aparción de otro o entre las imágenes del caos y la caducidad,
por un lado, y de la posibilidad de una plenitud anhelada, por otra parte”. In: BINNS, N.
(2000). [Tradução nossa]
216
então concluído e pensado. Daí, Verani atenta para a poética de Pacheco
como uma literatura de agotamiento.
Nesse universo ricamente intertextual de sua poética, Pacheco
entra em cena com outra temática sempre visível em seus textos. O poeta
trabalha com a questão da metapoesía203, à medida que analisa a obra
poética em si e a defesa de sua importância para o nosso mundo, ou seja,
o tema meta-poético em Pacheco consiste na defesa de sua própria
poesia; a sua palavra poética que se faz verdade absoluta. Ao trabalhar
com a linguagem, explicando a própria linguagem poética, Pacheco
justapõe em sua poesia o passado e o presente, para ressaltar o que está
ocorrendo na sociedade atual de seu país. Na medida em que o mundo
vai sendo destruído, a poesia deve receber novas funções.
No poema “Al fin el porvenir” (PACHECO, 2000, p. 110), o sujeito
do poema tece considerações sobre seu canto poético e sobre a
realidade mexicana. O eu-lírico revela-nos que, após vivenciar vários
estilos poéticos, pode estar experimentando uma fase de maior
maturidade: “Al cabo de tanto ayer encontré un gran futuro.”/ “Por fin la
edad de oro”/ “el buen tiempo”/ “la bella época”. Ao permitir outra leitura,
os mesmos versos nos geram imagens que nos levam a pensar “la bella”
como o momento atual por que passa a sociedade mexicana, já que o
sujeito do poema complementa com os seguintes versos: “la que soñó
cada una”/ “de las generaciones de los muertos”. Temos na figura desses
mortos a representação simbólica dos próprios escritores anteriores ao
poeta ou dos indivíduos que habitaram o México nos momentos iniciais de
sua formação como sociedade. O sujeito do poema que, no início do
canto, nos leva a essa dupla leitura, termina o poema com a carga
negativa típica do poeta, ao afirmar que: “el futuro también pasó”/ “Hoy se
ha perdido en el ayer terrible”. Pelas palavras do eu-lírico, o próprio poeta
volta a perder-se em seu estilo, não aderindo em maior proporção a
nenhuma
203
característica
das
gerações vanguardistas
anteriores
e
Conceito retirado de BINNS (2001), citado por Doudoroff em relação à poética de
José Emilio Pacheco. Segundo ele, essa meta-poesia se dá de maneira rica a medida
que Pacheco neutraliza as experiências entre literatura e qualquer tipo de outra ciência,
isso não quer dizer que o poeta confunda realidade e ilusão, mas evidencia ambos
saberes na tessitura de seus poemas. Cabe destacar que entendemos a meta-poesia
como o discurso na poesia sobre a poesia.
217
mostrando, em outra leitura, que “la bella época” não passa mais uma vez
de um sonho de dias melhores para seu país.
No poema “Idilio” (PACHECO, 1987, p. 52-54), temos a
representação de um espaço rupestre, gerando uma recuperação da
liberdade e da tranqüilidade para o mundo: “El mundo”/ “volvía a ser un
jardín”, e, nessa imagem do jardim, o sujeito do poema põe em cena a
construção de um espaço positivo, que será negado mais adiante, ao
representar o som de um “tañido funerario”. O ambiente de paz recebe
um “olor de muerte”, as águas calmas do mar “se mancharon de lodo y de
veneno”. Toda a linguagem elaborada representa, mais uma vez, um
espaço de degradação na poesia, tanto na estrutura, quanto no conteúdo
de temática ambiental, espaço sempre deformado para Pacheco.
Outro tema que surge das imagens poéticas criadas por Pacheco
seria uma poesia voltada para a busca de um novo mundo, sendo essa
uma espécie de poesia que busca traços na literatura apocalíptica, em
que conforme o crítico Lois Parkinson Zamora204, essa não se resume
somente a uma literatura catastrófica, pois existe nela uma tensão muito
nítida entre o pessimismo e o otimismo para com a sociedade. Pela
tradição bíblica, os presságios e os castigos representam tanto uma
punição de Deus, quanto um alerta para o mundo de que as atitudes dos
homens devem ser repensadas e, portanto, modificadas. Nessa análise, o
caos vivido na sociedade global representa um símbolo de força para que
os indivíduos lutem pela manutenção de sua existência e identidade em
um espaço cuja voz humana se desintegra cada vez mais. Nessa última
instância, está inserida a poesia de Pacheco, ao anunciar, em suas
imagens, tal condenação divina e, paralelamente, justiça e salvação aos
indivíduos. Pacheco parece anunciar em sua poesia sinais de violência e
de destruição no seu poema “El Gran Teatro del Mundo”:
Cada noche del año atroz de 1976 deja su
cargamento de muertos en Beirut, Belfast, Buenos
Aires, Montevideo, Santiago, Sudáfrica... Se abre la
tierra, se desploman ciudades, los volcanes florecen
de lava, el mar borra las poblaciones de la orilla,
cerca el desierto, aumenta el hambre, la violencia se
adueña de los agonizantes centros urbanos.
Seguimos viviendo el tiempo de los asesinos.
204
ZAMORA apud BINNS (2001).
218
‘No son signos del juicio final; se trata nada más de
los terrores del milenio”, dicen quienes observan
como si estuvieran a salvo. “El mundo ha sido
siempre el mismo; sólo que ahora estamos mejor
informados. Vendrán tiempos mejores. No hay
problema’ (PACHECO, 1987, p. 99-100)
Pacheco, por meio do título dado a sua composição poética,
parece parodiar o título da obra do renomado dramaturgo espanhol Pedro
Calderón de la Barca. Não se trata de uma paródia com sentido irônico ou
cômico, mas uma tentativa do poeta mexicano de elaborar um pastiche da
obra original.
A preocupação pelas questões sociais de Pacheco encontra lugar
reservado em alguns escritos de Calderón de la Barca, filho de uma
família nobre, tendo desde criança uma sólida formação humanística
escolar, que possivelmente lhe gerou um certo interesse pelos temas
sociais e religiosos, já que se ordenou sacerdote aos cinqüenta e um
anos de idade. Outro fator que permite entender tal preocupação do
escritor madrilenho para os aspectos sociais de uma nação é o fato de ter
exercido funções militares durante uma passagem de sua vida, que
explica seu olhar para com os injustiçados e suas imagens trágicas da
vida em sociedade. Como merece destacar, nesse momento, a
mensagem de uma de suas obras mais difundidas La vida es sueño, em
que o dramaturgo mostra o verdadeiro sentido dramático da vida ao
deixar evidente a idéia de que a vida seria uma simples farsa.
Acreditamos que somos um indivíduo, porém, depois, somos levados a
acreditar que não sabemos mais quem somos.
O auto-sacramental205, El gran teatro del mundo, escrito por
Calderón de la Barca, em 1636, gênero genuinamente espanhol, ao lado
da mística e da picaresca, revela a vida como uma representação teatral,
de maneira que essa terminará justamente com o desabrochar da morte.
O discurso barroco de Calderón de la Barca traz-nos a imagem da
205
Esses auto-sacramentais tinham a função de transmitir o saber teológico ao grande
público. O seu teor seria o dogma e o pensamento católico. O teatro europeu mesmo
tendo recebido influências da escola greco-latina está intrinsecamente ligado aos
princípios da liturgia da Igreja Católica. Reconhece como um gênero grandioso, pois
convivem nesse a ideologia, o drama, a poesia, a teatralidade e principalmente a
teologia.
219
Espanha decadente, após o período da Reconquista, talvez, por
representar um verdadeiro jogo entre luzes e sombra, perdas e vitórias,
sonhos e decadências.
Por meio da leitura do poema de Pacheco, podemos comprovar
que o mundo já não é o mesmo para o poeta, o sofrimento agora toma
proporções maiores, o próprio planeta caminha para a destruição de seu
estado natural, como também a própria espécie humana. O poeta termina
o
seu
questionamento
afirmando
que
somos
espectadores
e
sobreviventes do drama que enfrenta o mundo, e interrogando, ao final de
seu poema, “¿por cuánto tiempo?”, uma pergunta que indaga sobre o
limite de tempo que os seres humanos podem suportar. Semelhante a
Calderón de la Barca, o poeta mexicano parece colocar em debate206 o
sentido e o rumo da vida contemporânea. A destruição e o tempo como
um labirinto invadem os versos do poema “Como aguas divididas”:
El mundo suena a hueco. En su corteza
ha crecido el temor. Un hombre a veces
puede mirarse vivo. Pero el tiempo
le quitará el orgullo y en su boca
hará crecer el polvo, ese lenguaje
que hablan todas las cosas.
(PACHECO, 1987, p. 18)
Em outra composição poética, “Malpaís” (PACHECO, 1987, p. 133135), Pacheco traz a temática apocalíptica207 para a sua própria cidade
natal,
considerada
possivelmente
como
uma
das
zonas
mais
contaminadas do planeta (BECKNER, 2003). Mostra que sua cidade, vista
como “ciudad de las montañas”, teve um passado glorioso, em que
“desde cualquier esquina se veían las montañas”. Os vulcões Iztaccíhuatl,
Popocatépetl e Ajusco perderam suas funções ao serem vedados por um
“telón irrespirable”, gerando uma devastação do parque que os rodeia, as
proximidades num espaço de puro “asfalto” e de enorme “asfixia” para os
seus habitantes. Após uma série de atitudes de degradação ambiental, o
sujeito do poema, nas estrofes finais, faz surgir a visão de um novo
206
Pela leitura de alguns auto-sacramentais observa-se que era comum encontrar como
protagonistas desses textos a figura de Deus, do homem e do diabo, contando cada um
desses com seus aliados. Pacheco ao mencionar no poema o juízo final parecer querer
evidenciar ao leitor o encontro possível entre essas três figuras presentes na obra de
Calderón de la Barca.
207
A palavra “apocalipse” surge do latim com o significado de “revelação”. In:
CHEVALIER & GHEERBRANT (1995).
220
mundo para o povo mexicano, após as catástrofes ocasionadas pelos
próprios homens, que utilizaram sua “inmensa capacidad destructiva”. O
ressurgimento da vida nessa cidade se dá a partir do momento que
[...] renacerán los volcanes
Vendrá de lo alto en gran cortejo de lava.
El aire inerte se cubrirá de ceniza
El mar de fuego lavará la ignominia
y en poco tiempo se hará piedra.
Entre la roca brotará una planta.
Cuando florezca tal vez comience
la nueva vida en el desierto de muerte.
(PACHECO, 1987, p. 134-135)
Pela segunda estrofe, percebemos que o eu-lírico faz uma alusão
ao surgimento de uma nova realidade para os mexicanos, relacionada ao
desabrochar das flores de um novo tempo: “Cuando florezca tal vez
comience”. O surgimento de uma planta em plena rocha simboliza o
desejo do poeta de seguir cantando e transformando sua nação.
Pacheco, na última parte do poema, mostra a própria ambigüidade de sua
poética, pois ao mesmo tempo em que busca soluções para os problemas
de seu país, por outro lado, continua gerando imagens negativas da
realidade mexicana:
[...]
Allí estarán, eternamente invencibles
astros de ira, soles de lava
indiferentes deidades
centros de todo en su espantoso silencio,
ejes del mundo,
los atroces volcanes.
(PACHECO, 1987, p. 135)
Pelas imagens anteriores, notamos que o sujeito do poema
resgata os elementos que destruíram as vidas anteriores e afirma que os
mesmos sempre estarão presentes no solo mexicano.
Outro
poema
de
mesma
temática,
“Crónica
Mexicáyotl”
(PACHECO, 1987, p. 136-137), revela um sujeito que parece resgatar o
discurso de seus antepassados massacrados na luta da Conquista, o
lamento desses indígenas assemelha-se ao dos vencidos de Tlatelolco208:
“añicos y agujeros en red”/ “nuestra herencia de ruinas.” Ao final da
composição poética, a voz do sujeito do poema parece realizar uma
208
Fazendo referência aos indígenas do poema “Lectura de los cantares mexicanos:
manuscrito de Tlatelolco”.
221
analogia entre o fim dessa civilização e o esgotamento total da Cidade do
México:
Por fin tenemos
que hacerlo todo a partir
de esta nada que por fin somos (PACHECO, 1987, p. 137)
Nessa estrofe, o eu-lírico, mais uma vez, mostra a esperança de
mudança para a sociedade moderna, a partir do nada a que fomos
reduzidos.
No poema “Lectura de los ‘Cantares mexicanos’: manuscritos de
Tlatelolco” (PACHECO, 1987, p. 31-32), temos um canto pensado a partir
de narrações orais astecas e da tradução de poesias em náhuatl.
Pacheco, ao adotar a técnica cubista, permite ao leitor realizar uma leitura
sobre a poesia mexicana de seus antepassados. O eu-lírico revela, desde
os momentos iniciais, uma possível luta: “Entonces se oyó el estruendo,”/
“entonces se alzaron los gritos”, passando pela agonia dos astecas a fim
de se salvarem dos “hombres en armas de guerra”, e por fim, mostra-nos
a lembrança trágica e negativa, que restou no pensamento daqueles que
sobreviveram, já que com a batalha “el olor de la sangre manchaba el
aire” / “los mexicanos estaban muy temerosos”/ “miedo y verguenza los
dominaban”. A partir dessas marcas de existência, o sujeito do poema
afirma que a herança do povo mexicano é uma “red de agujeros”,
evidenciando, dessa forma, que o caos da sociedade moderna é o reflexo
do sofrimento dos antepassados indígenas.
Outros temas fazem-se presentes no rico conjunto poético da obra
de José Emilio Pacheco, porém os que vimos anteriormente apresentamse de modo implícito e explícito na voz poética do escritor, seja por
preferência temática, seja por características de estilo, ou até mesmo de
adequação a sua trajetória de vida e seu modo de viver em um país tão
marcado pelos fatos históricos.
222
3.2. A cidade e o contista mexicano
Mientras existan hombres y ciudades que ansían
conocer su pasado las historias quedarán vivas.
Eduardo Langagne (2005, p. 45)
Siempre he querido escribir cuentos. La novela me
parece inalcanzable, y me conformo con leer, a
menudo admirar, las que otros hacen. Algunos me
han reprochado que escriba cosas tan diversas,
que no me ‘centre’ en un solo género.
José Emilio Pacheco (1966)
A figura do poeta costuma habitar todos os gêneros em que
Pacheco percorre, é poeta em tempo completo e antes de tudo no
momento de criar. A ficção de Pacheco é independente de sua poesia,
mas muitos elementos e muitas imagens surgem dela. Seu verso pode
parecer suave, celestial e amoroso em algumas leituras, porém não
esconde as garras e a dor da história de seu país e de sua cidade natal.
Não importa o gênero para o autor. Seu estilo repete-se nos contos, no
romance e em seus ensaios. A mesma voz inconformada com realidade
de sua produção poética reflete-se numa prosa com o interesse de
mostrar, quase sempre, o sofrimento da sociedade mexicana.
A poesia e a prosa dialogam na narrativa num trabalho de criação
artística que pretende tecer uma leitura da urbe como organismo vivo,
dando conta de uma realidade fragmentada e esfacelada.
Uma cidade é um espelho dos sujeitos que vivem nela e suas ruas
projetam mistérios. Os versos e a prosa de Pacheco revelam um autor
leitor desse espaço urbano, a partir de um conhecimento vivido ou obtido
através de leituras e diálogos com outros escritores, com o intuito de
desvendar a seu público leitor as experiências urbanas e mostrar a
passagem do tempo como o reflexo da deterioração.
O fio condutor dos contos de Pacheco é a vida na cidade,
discutindo sobre a questão do desconforto do homem no tempo. A
literatura de Pacheco quer dar conta da realidade, mas consegue captar o
real e transformá-lo em linguagem artística, logrando um jogo de
223
linguagens e imagens para criar uma realidade urbana. Para isso, o
escritor rompe com a forma tradicional do conto e adota uma linguagem
fragmentária
assim
como
a
realidade
ao
redor.
Semelhante
à
fragmentação e à individualidade do homem moderno, seus contos, como
obras cíclicas e abertas, possibilitam ao leitor a (re)construção de seus
sentidos.
Pacheco não odeia sua cidade ou seu país, mas os valoriza a
ponto de mostrá-los como se apresentam, com o intuito de permitir uma
reflexão do coletivo. O universo de sua prosa também remete à geografia
do espaço da Cidade do México e às colônias em torno da grande
metrópole, particularmente a Colônia Roma209. O poema “Alta traición”
(PACHECO, 1987, p. 33) resume a visão do autor relativa à cidade:
No amo mi patria
Si fulgor abstracto
es inasible.
Pero (aunque suene mal)
daría la vida
por diez lugares suyos,
cierta gente,
puertos, bosques, desiertos, fortalezas,
una ciudad deshecha, gris, monstruosa,
varias figuras de su historia,
montañas
- y tres o cuatro ríos.
Pacheco é uma testemunha da história e, a partir desse olhar,
constrói um cenário para seus contos. Por meio de uma rede de
elementos históricos ou verossímeis, parece se prender ao real, mas, ao
mesmo tempo, manifesta a dúvida. A preocupação pelo México e suas
209
Alguns aspectos da obra de Pacheco aproximam à história de sua vida pessoal. Ele
nasceu na Colônia Roma da Cidade do México, em 1939, ano de alguns fatos ou
momentos históricos importantes, como por exemplo, o início da Segunda Guerra
Mundial, o período em que se consuma a vitória de Franco contra Espanha e contra os
republicanos, o México começava a desenvolver sua indústria com o presidente Lázaro
Cárdenas. Não havia televisão, o cinema mexicano estava num momento de esplendor e
a literatura nacional contava com um público leitor considerável. A capital do país em
nada se assemelhava a cidade caótica da contemporaneidade. A Colônia Roma era um
espaço híbrido habitado por famílias conservadoras e renomadas e casas mais
modestas. A colônia contava com construções enriquecidas pelos elementos de art decó
como La Iglesia de la Sagrada Familia e o Club Vanguardias (LANGAGNE, 2005).
Quando questionado sobre a presença de traços autobiográficos em sua obra, Pacheco
afirma “[...] nunca he hecho ni haré textos confesionales. No sé hablar de mí mismo,
aunque es nuestra ocupación predilecta […] Todas mis narraciones son imaginarias […]
por supuesto, parten de mi experiencia, la única que tengo, pero nada es literalmente
verídico” (BRAVO VARELA, 2009, p.68-70).
224
cidades, seus tempos históricos, o modo de ser de seus habitantes e a
atmosfera política e social são temas presentes nas entrelinhas de seus
relatos e imprimem um local único para o escritor na vocação
historiográfica das Letras Mexicanas. Segundo o crítico cultural e escritor
mexicano Juan José Reyes (2005, p. 12-13), Pacheco recolhe o legado
de seus antecessores e consegue se distanciar dos mesmos, já que:
Rosario Castellanos (dedicada a mostrar as injustiças contra as
mulheres e os preconceitos estúpidos da classe média nos
relatos admiráveis de Los convidados de agosto ou dos índios
chiapanecos em suas outras narrações) ou de José Revueltas
(nunca distante do corte eminentemente político) ou Carlos
Fuentes (que encarna mitos que se cruzam entre grandes
coordenadas temporais, sobre um cenário dramático). Pacheco
distancia-se de toda intenção de aquela índole ao colocar
literalmente sobre um limpo tabuleiro diante de si e dos leitores,
um cenário sobre o que dançará o fogo da história mexicana da
segunda metade do século XX, chamas que dão vida a
210
personagens realmente entranháveis
Os contos de Pacheco levam-nos a um período da industrialização,
anterior ao presente, momento em que a vida é tomada pelos meios de
comunicação. O progresso transforma-se no reflexo dos avanços
mecânicos e cibernéticos, principal fonte de riqueza da vida moderna. O
escritor emprega normalmente o olhar infantil, ora ingênuo, ora selvagem,
para mostrar o desencanto do sujeito com o contexto social ao seu redor.
Não evita o pessimismo como base desoladora em seus contos. Esse
pessimismo provém da forma como o autor configura seus textos, uma
narração normalmente dividida em outras, deslocada do presente em
direção a um passado, considerado próximo pela vontade de revivê-lo, o
cenário da cidade que deixou de ser o que foi.
Para Barthes (1973), a escritura é uma realidade formal que se
localiza entre a língua e o estilo particular de cada autor. Mediante isso, a
escritura estabelece a relação entre a criação e a sociedade, constituindo
210
“Rosario Castellanos (dedicada a mostrar el injusto sometimiento de las mujeres y los
prejuicios estúpidos de la clase media en los relatos admirables de Los convidados de
agosto o de los indios chiapanecos en sus otras narraciones) o de José Revueltas
(nunca lejano del corte eminentemente político) o de Carlos Fuentes (que hace encarnar
mitos que se cruzan entre grandes coordenadas temporales, sobre un escenario fársico
y dramático en veces alternadas). Pacheco se distancia de toda intención de aquella
índole al tender literalmente un limpio tablero delante de sí y de los lectores, un
escenario sobre el que danzará el fuego de la historia mexicana de la segunda mitad del
siglo XX, llamas que dan vida a personajes de veras entrañables”. [Tradução nossa]
225
uma literatura; a linguagem funciona como meio de se recuperar a
memória da coletividade. A escritura surge de um confronto entre o
escritor e sua sociedade, sua liberdade está condicionada pela história e
pela tradição. Essas imprimem uma carga semântica às palavras, pois se
revestem de novos significados de modo que nunca esgotam seus
sentidos. Não se pode desarticular a escritura de seu passado histórico.
A escritura propõe constantemente um significado que se evapora.
A escritura de Pacheco manifesta o trabalho do escritor e do intelectual do
século XX e XXI, um culto ao novo, à pluralidade, ao registro aberto, em
busca de novos modelos culturais. A escrita nesse estilo não permite a
linearidade, mas conduz o leitor à multiplicidade de formas. Segundo
Fernando Burgos (1985, p. 103), a escritura deste momento caminha no
sentido oposto a toda tentativa convencional ou linear:
Transgressões e provocações: [...] modificação da ordem
habitual; escritura aleatória, escritura subversiva, transgressão
do cânone, transgressão de transgressões, [...] escritura
receptiva aberta à novidade [...]. Escrituras de todas as
técnicas: mosaico, collage, assemblage e de mesclas de todas
211
as técnicas. Escritura desmembrada, intertextual .
A nova escritura reúne linguagens, estilos, realidades, textualidade
e intertextualidade212. Seus signos podem provir do real, do social ou do
subjetivo. O texto transforma-se em exercício para o leitor. Ele busca
desvendar e explorar os desafios textuais propostos pelo autor.
Uma das maiores contribuições da narrativa de Pacheco é o
protagonista criança ou adolescente que conta sua experiência de
descobertas, sua inocência e as frustradas ilusões a partir da vivência
num conflituoso “mundo real”.
Normalmente,
seus
personagens
são
“falsas”
crianças
e
adolescentes213, porque falam desde o tempo presente (fase da vida
211
“Transgresiones y provocaciones: [...] modificación de lo ordinário y habitual; escritura
azar; escritura subversiva, transgresión del canon, transgresión de transgresiones, […]
escritura receptiva abierta a la novedad […] Escrituras de todas las técnicas: mosaico,
collage, ensamblaje y de las mezclas de todas las técnicas. Escritura desmembrada,
intertextual”. [Tradução nossa]
212
A intertextualidade será um pouco mais desenvolvida no capítulo de análise do conto
“El viento distante”.
213
Ao ser questionado por César Guemes, numa entrevista, sobre seus personagens
adolescentes de El viento distante, Pacheco explica sua criação: “Es que no había en
226
adulta), momento da enunciação, sobre imagens do passado. Portanto,
os personagens apresentam uma visão crítica para o que narram.
Normalmente, os personagens têm características identitárias próximas,
como acontece nos relatos “El parque hondo” e Las Batallas en el
desierto. O olhar maduro do personagem em direção ao passado, consta
abaixo na fala de Jorge, protagonista de “El principio del placer” e na voz
do narrador de “Tarde de agosto”, respectivamente:
No lo van a creer, dirán que soy un tonto, pero de chico mis
ilusiones eran volar, hacerme invisible y ver películas en mi
casa. Me decían: espérate a que venga la televisión, será como
un cine en tu cuarto. Ahora ya estoy grande y me río de todo
eso. Claro, hay televisores por todas partes y sé que nadie
puede volar a menos que suba a un aeroplano. La fórmula de
la invisibilidad aún no se descubre. (PACHECO, 1997, p. 13)
[…]
Nunca vas a olvidar esta tarde de agosto. Tenías catorce años,
ibas a terminar secundaria. No recordabas a tu padre, muerto
al poco tiempo de que nacieras. Tu madre trabajaba en una
agencia de viajes. Todos los días, de lunes a viernes, te
despertabas a las seis y media. Quedaba atrás un sueño de
combates a la orilla del mar, ataque a los bastidores de la
selva. Desembarcos en tierras enemigas. Y entrabas en el día
en que era necesario vivir, crecer, abandonar la infancia.
(PACHECO, 2000, p. 21)
A criança retratada por Pacheco, normalmente, é o ser ingênuo
rumo às descobertas da adolescência; é aquele que apresenta conflitos
na família ou vive um conflito por ter uma paternidade problemática ou
desconhecida; recebe os cuidados em tempo parcial de uma mulher, não
necessariamente sua mãe, o que lhe sugere a orfandade, denunciando
sua solidão dentro da imensa cidade.
Os relatos de Pacheco denunciam seu inconformismo perante a
realidade hostil. Todas as temáticas constantes nos contos do autor
anunciam a vida moderna: os segredos familiares, os pecados e as
culpas revelam a hipocrisia; o poder se concentra em certa parcela da
sociedade; o abandono da criança e da mulher reflete no esquecimento
de toda a sociedade, principalmente, das classes menos favorecidas.
As fantasias, presentes no imaginário dos personagens, surgem de
ese momento niños o adolescentes en la narrativa mexicana. Los hubo después, pero no
mientras los escribía” (GUEMES, 2000).
227
outros relatos como os livros de aventuras, de autores mexicanos, norteamericanos, italianos, franceses ou dos cómics, mencionados nos contos
de Pacheco. Como exemplo, citamos uma cena do conto “El castillo de la
aguja”, em que essa evidência ocorre:
Pablo leía El Corsario Negro y Viaje al centro de la tierra”,
libros prestados por Gilberto. En eso consistían sus vacaciones
y representaban algo parecido a la felicidad. Cuando
terminaran volvería al internado y a las obligaciones, regaños,
burlas, golpes. (PACHECO, 2000, p. 49).
Essas
épicas
infantis
seriam
uma
preparação
ou
um
reconhecimento por parte do adolescente do mundo da vida adulta, ou
seja, o da corrupção moral e política, da infidelidade, das injustiças e das
diferenças sociais, do consumismo e da globalização. As ficções de
Pacheco retratam esse momento de experimentação da vida adulta e de
um olhar crítico sobre a história, haja vista que os narradores de quase
todos os contos fazem referências a nomes de presidentes e de datas
significativas do contexto mexicano.
O romance curto Las Batallas en el desierto214 exemplifica de modo
simples o posicionamento do escritor diante da sociedade, tendo em vista
que a história ocupa um papel fundamental na obra de Pacheco. Carlitos
e Jim, personagens centrais da trama, estudam na mesma escola, mas
pertencem a classes sociais distintas: o uso do inglês, os costumes
diários e os produtos, por exemplo, constroem a imagem da influência
norte-americana na sociedade mexicana.
A trama gira em torno da
história de Carlitos, cujo destino é ser repudiado pela hipócrita sociedade
ao se apaixonar pela mãe de seu melhor amigo. O caso é relatado após
muitos anos do possível incidente, por isso o narrador/ protagonista
recupera as imagens de sua memória. O sujeito da enunciação e a
214
Sobre esta obra, Pacheco comenta: “El ambiente es real pero la historia es por
completo imaginaria. No tuve una adolescencia como la de Carlos, su protagonista. En
toda actividad humana hay algo de horrible y en este caso es que ya no puedo
disculparme ante mis padres porque muchas personas que me hacen favor de leer el
libro creen que fueron como los padres de Carlos, cuando en realidad eran todo lo
contrario”. O escritor aborda, ainda, o momento histórico de inspiração para a narrativa
quando menciona: “Tal vez para escribir ese libro fue necesaria otra de las muchas
muertes de la ciudad de México: la apertura en 1977-1978 de los llamados ‘ejes viales’
que no sirvieron sino para enriquecer aún más a los ladrones que en aras de la codicia
han hecho de verdad inhabitable este lugar”. (BRAVO VARELA, 2009, p. 69).
228
história já não são mais os mesmos, o próprio tempo encarregou-se de
dar um novo sentido a essas histórias.
Normalmente, nas ficções de Pacheco os “de arriba” da sociedade
não conseguem se unir aos “de abajo”, porque essa é a forma encontrada
pelo escritor para denunciar as relações de interesse, a humilhação, o
menosprezo pelo inferior e a crueldade da vida. Nossa visão confirma-se
no destino da personagem Mariana, de Las Batallas en el desierto e no
interesse do colegial Pablo, protagonista do conto “El castillo en la aguja”,
em cortejar e namorar Yolanda, irmã de seu melhor amigo, quando o
convite para ir a sua casa se converte na vergonha em ser identificado
como filho ilegítimo e de uma criada.
Pablo era filho de pai nunca revelado e de Catalina, criada dos
Aragón, família que enriqueceu junto à política. Como os Aragón não
tinham filhos, resolveram pagar um colégio interno para o menino. Pablo
sentia viver numa “casa ajena”, num “castillo en la aguja”, porque fazia
alusão à casa de campo da família Aragón, semelhante a um castelo
próximo a uma colina. Pablo “nunca entendió por qué estaba en un sitio
que no era el suyo” (PACHECO, 2000, p. 50). O narrador do conto reforça
essa diferença de classes:
A pesar de la amistad Giberto nunca lo había invitado a su
casa. Un domingo lo hizo por fin y entonces Pablo conoció a
Yolanda. Gilberto los presentó, su hermana retuvo por un
instante la mano de Pablo y lo miró a los ojos. (PACHECO,
2000, p. 50)
[…]
Otro domingo fueron a un pueblo a orillas del río. En un
restaurante hecho de tablas comieron mojarras y camarones y
escucharon música de arpas y guitarras […] El ingeniero le
recordó a su esposa que se hallaban en un lugar al que sólo
habían ido por la frescura de sus productos recién sacados del
agua. Allí había gente de otra clase: indios, negros, obreros,
estibadores, sirvientas, empleadas de almacén, personas
vulgares. (PACHECO, 2000, p. 51)
O fato de Yolanda não ter cumprimentado a Pablo com um aperto
de mãos sinaliza a barreira entre os ricos e os pobres no conto.
Benavides, engenheiro e pai de Gilberto e Yolanda, marca em seu
discurso a divisão de classes presente em alguns contos de Pacheco. O
engenheiro enxergava em Pablo um intruso e acreditava que o fato de tê-
229
lo levado numa atividade de sua família lhe seria um grande favor.
Inclusive, o narrador destaca o incômodo e a passividade do menino:
“Pablo, que no había abierto la boca en toda la tarde, habló al oído de
Gilberto” (PACHECO, 2000, p. 51).
Pablo convida a família de Gilberto, porque no fundo percebe a
distância da família de seu amigo, inclusive se preocupa com Yolanda, já
que se interessa por ela. O caminho até a casa dos Aragón possibilita
uma aproximação entre Pablo e Yolanda, demonstrada pelo toque das
mãos e das pernas. Ao chegar a casa, Pablo “trató de ver a los ojos de
Yolanda” e perguntou-lhe se havia gostado do local. A imagem da cena
parece sintetizar seu encanto com a menina e a projeção do sonho do
casamento, já que aquela casa poderia ser sua futura moradia. No
entanto, sofre uma decepção logo ao chegar em “sua casa”, ao ser
recebido pela senhora Aragón: “Dile por favorcito a tu mamá que nos
prepare café y sirva helados para los niños” (PACHECO, 2000, p. 53).
O discurso da senhora Aragón marca a proposta de Pacheco de
denunciar a humilhação e a segregação das classes. Essa denúncia não
é algo restrito à vida moderna, mas intensificada pela individualidade e
pela fragmentação dos valores do homem moderno. O clima de desilusão,
tristeza e abandono tomam conta dos relatos de Pacheco.
O prazer e a desilusão são temas de outra coletânea de contos de
Pacheco, El Principio del placer, homônimo ao título do romance curto
que inicia o livro. A última narrativa da obra termina com uma interrogação
sinalizadora da angústia que perpassa toda a obra: “Dios mío, ¿cómo
pudo pasarnos lo que nos pasó, cómo vamos a vivir en un mundo que ya
no es otro mundo?” (PACHECO, 1997, p. 140). A mesma leitura aparece
no discurso do adolescente Jorge de “El principio del placer” ao concluir
seu diário “Sí, en opinión de mi mamá, esta que vivo es ‘la etapa más feliz
de la vida’, cómo estarán las otras, carajo” (PACHECO, 1997, p. 55).
A felicidade e o prazer na obra acabam tendo um gosto amargo de
sofrimento no decorrer das mudanças físicas e sociais da cidade, visão
anunciada ao leitor já na epígrafe da obra “lo que hoy es dicha y placer
230
mañana será amargura y pesar”. No conto “Cuando salí de La Habana,
válgame Dios”, os personagens viajam no tempo, partem de La Habana
em 1912 e chegam a Veracruz, três dias após, em 2012, num outro
mundo, pois não o reconhecem mais como o seu. Estar no navio
Churruca representa uma mescla entre estar salvo – no ano de 1912
ocorre uma rebelião travada entre os cubanos e as tropas americanas,
que invadem Cuba com o pretexto de proteger interesses americanos
naquelas terras – e sofrer por estarem impedidos ou sem condições de
deixar o país. O narrador relata o prazer e a desilusão:
Qué alegría estar a salvo en un camarote del Churruca, no hay
como estos vapores de la Compañía Transatlántica Española,
además sirven excelente comida, siento mucho no haberme
despedido de quienes fueron tan amables conmigo.
(PACHECO, 1997, p. 132)
[…]
A bordo del Churruca la gente parece triste, sólo Dios sabe qué
va a pasar en Cuba, toca la orquestra esa habanera tan
215
melancólica, La paloma . (PACHECO, 1997, p. 132)
Do mesmo modo que em outros contos do livro, existe um nível na
trama cujos acontecimentos se envolvem num mistério revelador. Todo o
sentimento de prazer vivenciado pelo personagem no decorrer dos “três
dias de viagem” se desvanece na chegada ao porto, pois o personagem
não reconhece mais aquele espaço:
Es el 23 de noviembre de 2012, algo pasó, nos tardamos en
llegar todo un siglo, no puedes imaginarte lo que ha ocurrido en
el mundo, no lo podrás creer nunca, mira, asómate, dime si
reconoces algo, hasta la gente es por completo distinta, no nos
permiten desembarcar. (PACHECO, 1997, p. 140)
No final da narrativa, percebemos que os personagens estão
mortos e o navio não passa de uma embarcação fantasma, pois “el
Churruca de la Compañía Transatlántica Española se perdió en el mar al
salir de La Habana en 1912” (PACHECO, 1997, p. 140). Pacheco, em
suma, evidencia não haver saída para o peso da história.
215
La Paloma é o título de uma canção de Sebastián Iradier, escrita em 1863, após sua
visita a Cuba, em 1861, escrita dois anos após sua morte em Espanha. O título do conto
de Pacheco origina-se do primeiro verso da letra. A canção fez-se muito popular do
México e era das umas preferidas do Imperador Maximiliano I. O narrador nos fornece,
inclusive, essa informação. O tema da letra está relacionado às aves, que entregam as
mensagens de amor dos marinheiros, que se perderam no mar, em suas casas. A
“paloma” representa o último vínculo do amor entre a morte e a separação.
231
Já o conto “La fiesta brava”, apresenta uma estrutura complexa, há
um conto dentro do conto principal e, no final do relato, as duas histórias
se cruzam graças a um episódio do primeiro que se repete na “realidade”
ficcional do segundo. O personagem Andrés Quintana, o autor da ficção,
personifica o papel do escritor hispano-americano, principalmente, na
sociedade. Quintana é criticado por tratar temas já discutidos por grandes
nomes da literatura, como Carlos Fuentes, Julio Cortázar e Rubén Darío,
como se um tema não pudesse ser resgatado ou revisto. Quintana é uma
das vítimas do mundo moderno na obra de Pacheco. O autor usa esse
conto para mostrar a presença, cada vez menor, do México histórico na
vida moderna.
No conto “Tenga para que se entretenga”, Pacheco adota a mesma
técnica: uma imagem do passado devora o presente. A figura do
imperador Maximiliano I com todo seu poder retorna ao mundo moderno
para levá-lo ao dos mortos, já que o mesmo se encontra sem salvação.
Pacheco busca o reencontro com esse passado, ao mesmo tempo tão
presente no México, embora rechaçado, como uma saída para dias
melhores.
Nos contos de El viento distante, Pacheco retrata ambientes de
crueldade, de mistério e de incompreensão em torno da vida do homem,
seja ele o adolescente, a mulher feia, o homem de negócios ou o escritor.
As palavras introdutórias desta seção funcionam como um convite
para a leitura dos próximos capítulos de análise do estilo narrativo de
Pacheco. Como forma de verificar o trabalho do escritor em tecer a leitura
da cidade e de seus dilemas, analisamos as denúncias sociais dos
seguintes textos: duas minificções de La sangre de Medusa y otros
cuentos marginales, “Tríptico del Gato” e “Shelter”; o romance curto Las
Batallas en el desierto; dois contos de El principio del placer216, “La zarpa”
e “La fiesta brava” e três minificções e um conto de El viento distante217,
respectivamente, “El parque hondo”, “El viento distante”, “No entenderías”
216
O romance curto “El principio del placer” e o relato “Cuando salí de La Habana,
válgame Dios” pertencem a esse livro.
217
Os relatos “Tarde de agosto”, “La cautiva”, “El castillo de la aguja” e “Jericó”
pertencem a esse livro.
232
e “La reina”. Outros contos218 são citados no decorrer dos capítulos com a
única finalidade de exemplificação de alguma técnica narrativa ou
afinidade temática por parte do escritor.
218
Esses outros contos são os mencionados nas notas anteriores.
233
3.2.1. “Tríptico del Gato”: sinais da fragmentação do
homem moderno no primeiro conto do autor
La literatura de José Emilio saca del olvido los
fragmentos de nuestro ser desprendidos durante
luchas pasadas, caídos en el olvido y encubiertos
con el polvo que levantó el paso del tiempo. La
voz narrativa despierta la memoria, individual o
colectiva, y la encamina hacia los hechos lejanos
Pol Popovic Karic (2006, p. 9)
O conto “Tríptico del gato” é o primeiro esboço narrativo escrito por
Pacheco, no ano de 1956, aos dezessete anos de idade e publicado na
Revista Estaciones. O texto original foi modificado e aparece reeditado no
ano de 1990, na coletânea La sangre de Medusa. Atualmente, a crítica
especializada compreende a necessidade constante do escritor de revisar
e reeditar seus escritos, em sua vontade de entregar um rico material ao
leitor que se aproxime pela primeira vez de seu texto. Conforme as
palavras de Pacheco, em entrevista a César Guemes (2000):
Lo he pensado, pero en cuanto los vuelvo a leer, no resisto. Si
resistiera, imagínate cuántos problemas me evitaría. Ahora, si
los dejara tal como aparecieron sería privilegiar al autor y no al
texto. Y lo que importa es lo escrito. De modo que si vuelve a
aparecer, tengo que entregarle a quien vaya a leerlo el mejor
trabajo posible.
Nesta entrevista cedida, do La Jornada, em agosto de 2000, sobre a
publicação de uma nova versão do livro El viento distante, Pacheco (In:
GUEMES, 2000) justifica seu trabalho de retornar ao já escrito e
publicado:
No hablamos de corrección estilística o un intento de mejorar la
prosa en que están escritos los cuentos, sino que me pareció
que había cabos sueltos en ellos […] Para colmo de
contradicciones, cuando corrijo poemas, los voy haciendo más
breves. En cambio en la prosa lo que he hecho en varias
ocasiones ha sido ampliar.
Interessante observar como Pacheco explica o seu ofício de dar
vida a antigos textos e sua facilidade de expandir os textos narrativos em
comparação aos em verso. Sobre o ato da reescritura, o escritor informa:
No creo en el autor intocable. Si puedo mejorar lo que escribo
lo haré como se mejoran y actualizan los libros de texto.
234
Muchos autores lo hacen, pocos se dan el valor de confesarlo
[…] No es algo voluntario: me releo y no puedo evitar el
impulso de cambiarlo. Me encantaría preguntarle al joven que
fui qué piensa de las modificaciones que le he hecho a su
trabajo (BRAVO VARELA, 2009, p. 70)
A coletânea El viento distante, publicada pela primeira vez em
1963 reunia seis contos; a edição de 1969 já compilava quatorze textos.
Outras edições apareceram em 1990 e 2000 com textos ampliados e
corrigidos. O romance Morirás lejos, publicado pela primeira vez em 1967,
contava com 137 páginas, já a partir da segunda edição, em 1977, passa
para 159 páginas, com o acréscimo de novas cenas. El principio del
placer também passou por pequenas mudanças desde sua primeira
edição de 1972. Por outro lado, verificamos a preocupação do autor em
tornar o argumento mais evidente ao leitor e não modificar ou melhorar a
linguagem
do
material.
Ainda
sobre
este
processo,
Pacheco
complementa: “Es verdaderamente atroz, es muy difícil, porque además
no puedes salirte de lo que ya tienes. Simplemente se vuelve al mismo
texto y se trata de hacerlo mejor” (GUEMES, 2000).
Pacheco afirma, no decorrer da entrevista, que as mudanças
realizadas em seus textos são inocentes e, caso os leitores e/ ou críticos
discordem de sua prática, ele prefere assumir publicamente sua
necessidade de reescrevê-los219 no decorrer dos anos. De acordo com o
autor, outros escritores modificam seus originais, mas acabam não
esclarecendo tais correções ou acréscimos ao público leitor220.
Pacheco revela nesta entrevista que sempre gostou de ler versos
desde muito pequeno, mas seu ofício como escritor começa como
219
No poema em prosa, “Un ritual”, Pacheco (2009b, p. 57-58) refere-se ao trabalho do
escritor como uma atividade em constante evolução: “Ningún arte llega a aprenderse de
verdad. Hasta en la disciplina practicada a diario desde edades tempranas hay siempre
fallas, errores, movimientos en falso [...] No importa el tiempo invertido. Así como en el
texto mil veces revisado saltan los errores cuando ya no hay remedio, al terminar de
afeitarse nunca falta un sector impune, una leve maleza irreductible a las navajas”. Com
este poema, o escritor corrobora seu pensamento em relação à necessidade de corrigir
seus textos. Numa entrevista a Bravo Varela (2009, p. 68), Pacheco complementa “Con
20 años [de ofício] piensas que tal vez un día llegues a escribir con una facilidad, con
una certeza y un conocimiento... Y no, nunca. Siempre es por primera vez, siempre. Y,
además, la mayoría de las cosas salen muy mal”.
220
Pacheco cita na entrevista as três versões diferentes do texto El Buscón, de Quevedo
e algumas da obra El amante de lady Chaterley, de Lawrence.
235
contista221. A poesia aparece mais tarde, quando ele próprio percebe
certa maturidade em seus textos. Ao fazer referência a seu início como
contista, Pacheco revela “Con todos estos años que me separan de ese
joven escritor no me siento en modo alguno superior a él [...] tiene
muchas cosas que enseñarme”.
Além disso, no prólogo de La sangre de Medusa, o autor reforça a
valorização das vozes anteriores ao seu fazer artístico e a construção de
uma literatura coletiva:
[…] En una época en que se perseguían como crímenes las
‘influencias’ y lo ‘libresco’, mucho antes de que se formulara el
concepto de intertextualidad, estos relatos se atrevieron a
tomar como punto de partida textos ajenos y a creer que lo
leído es tan nuestro como lo vivido. (PACHECO, 1990, p. 10)
O conto objeto de análise deste capítulo foi revisado, tem partes
comprimidas e outras expandidas pelo escritor maduro em 1990, que
através de suas próprias palavras afirmou:
Sin que nadie me corrigiera y bajo la noción entonces vigente
de la ‘espontaneidad’ (difundir lo que saliera al primer intento,
sin reescritura ni versiones sucesivas), estas páginas no
podían reaparecer en su estado original. No aconsejo el
descenso a los sepulcros hemerográficos para ver las reliquias
atroces, pero quien lo desee tiene a su disposición la copia
Xerox, la microficha, el fax y el módem. Aunque las he
modificado por completo, su primitiva escritura sigue intacta.
Podemos cambiar todo menos nuestra visión del mundo y
nuestra sintaxis. (PACHECO, 1990, p. 9)
Após observar as duas versões do conto, notamos que a estrutura
narrativa permanece inalterada, porém a mensagem assume uma maior
agilidade devido à retirada de sinais de pontuação (vírgulas, pontos) e
diminuição dos adjetivos. A intenção e os sentidos do texto não se
alteram, mas sim a forma como se expressam. Segundo Verani (1994), a
nova versão imprime um caráter mais preciso à trama narrativa. Ao ler
221
Em outra entrevista, Bravo Varela (2009, p. 70) também o interroga sobre seu fazer
literário e o início de suas atividades como contista. O escritor comenta: “Es una
iniciación rara porque casi todos comienzan escribiendo versos aunque no vuelvan a
hacerlo. Mi proceso fue distinto. Desde niño me gustaba mucho la poesía y la miraba con
gran respeto por la extrema dificultad que hay en escribirla, mejor dicho en hacerlo bien”.
O autor cita o rádio, nos anos quarenta, como uma máquina de contar histórias e uma
fonte de inspiração para suas narrativas: “No sólo trasmitían radionovelas, sino cuentos,
adaptaciones de los clásicos, leyendas de las calles de México y obras hechas
específicamente para ese medio con autores y actores”. Pacheco informa que o verso
era algo cotidiano na família (“nuestros padres y abuelos solían improvisarlos sin
ninguna pretensión literaria para referirse al acontecer local y nacional”, nos jornais
(“publicaban epigramas”) e na escola (“se enseñaba declamación”).
236
ambas as versões, compreendemos os detalhes aos quais Pacheco se
refere quando menciona que todo texto sempre deixa tarefas a realizar.
Para ele, a reescritura resulta da “colaboración entre un escritor precoz y
otro tardio que aún está aprendiendo su oficio” (PACHECO, 1990, p. 17).
Por suas palavras, notamos a simplicidade de um escritor conhecedor dos
pormenores da arte de escrever. Por conta disso, adotamos a segunda
versão para tecer comentários nesta seção da pesquisa.
A primeira dúvida que surge após ler o texto refere-se à
classificação genérica do mesmo. Seria um conto? Um exemplo de
minificção? Ou uma espécie de um ensaio sobre a história do gato? Ou
ainda um informativo técnico sobre a vida dos felinos? Classificamos esse
texto como um exemplo de minificção com vestígios de outros gêneros. O
dilema sobre a que gênero ao certo pertence o texto não implica em
dificuldade de compreensão. Sabemos que o texto da primeira versão era
classificado como um conto e o da versão analisada também porque está
reunido numa coletânea de textos reconhecidos como contos pelo autor.
Mas, talvez, nossa pergunta deveria ser substituída por outra com o
intuito de desvendar a real intenção do autor com o relato, com essa
tripartição da obra.
Em relação à estrutura do texto, esse primeiro já apresenta um
aspecto recorrente na maioria dos contos de Pacheco: a divisão da
história principal em narrativas menores. Temos três partes que compõem
o conto: “Biografía del gato”, “El gato en la noche” e “Los tres pies del
gato”. O título do texto já alude à possível divisão em três momentos.
Numa primeira leitura, parecem narrativas independentes, mas acabam
ligadas graças ao elemento “gato”. De acordo com o pesquisador
argentino Pablo Brescia (1998, p. 155), essa técnica narrativa de Pacheco
é uma estratégia para “[...] metaforizar a problemática da sociedade
moderna”222, conforme é tratado neste e em outros contos do autor.
Na primeira parte do texto, intitulada “Biografía del gato”, Pacheco
nos apresenta o mundo felino, suas características, história, costumes e
222
“[...] metaforizan la problemática de la sociedad moderna”. [Tradução nossa]
237
alguns traços do comportamento dos animais223. Na segunda parte
nomeada “El gato en la noche”, com apenas uma página de extensão, o
autor descreve a vida sexual felina como uma sangrenta batalha noturna.
Na terceira parte, “Los tres pies del gato”, encontramos sinais para
classificação do texto como pertencente à família do conto, pois aparece
o protagonista Angelito, sua mãe e a gata Cleo. Toda a trama gira em
torno da possibilidade de cortarem uma pata da gata para atender a um
recente capricho do protagonista em ter um felino de três patas.
Pacheco é um dos primeiros escritores mexicanos de sua geração
a empregar a imagem de felinos. Eduardo Lizalde, seu contemporâneo,
centra-se em sua poesia, a partir de 1970, na imagem solitária e trágica
do tigre. Para Lizalde o mesmo simboliza a imagem suprema da maldade,
da morte e da beleza física. Desde a publicação de El Tigre en casa
(1970) até Nueva memoria del tigre (2005), última antologia que reúne
seus poemas clássicos, Lizalde emprega a imagem do felino na tentativa
de aproximar todos os aspectos selvagens do animal aos sentimentos e
comportamentos do homem: a inveja, a solidão, o sofrimento, a falta de
amor, a desunião e a criminalidade.
Segundo o Dicionário de Símbolos de Chevalier & Gheerbrant
(1995, p. 884-885), o tigre é um animal que evoca em si “idéias de poder
e ferocidade”, caracterizado por ser um elemento capaz de desempenhar
forças negativas. Por exemplo, na iconografia hindu, o felino representa
um “monstro na escuridão”. Já, na Sibéria, o tigre, através de seus
hábitos e ações, assume o papel de um verdadeiro homem, ou seja, sua
roupagem de tigre seria uma mera máscara, utilizada pelo sujeito para
fugir da realidade ou enganar ao outro.
223
No conto “Parque de diversiones”, Pacheco trata do homem como vítima de uma
rebelião de animais, em que uma família é devorada por formigas e cachorros. Em sua
poesia, o autor também recorre aos animais para representação de um mundo em
decomposição, como registrado nos versos: “las punitivas ratas que se aprestan/ a
desbordar el suelo y fieramente/ deshacer la soberbia./ Y los gusanos,/ envidiosos del
topo, urden la seda, / la voraz certidumbre del sudario. (PACHECO, 1999, p. 17). Em
outro poema, Pacheco denuncia os animais como agentes da natureza que castiga a
arrogância humana: “De noche los ratones poseen/ tus orgullosas propiedades privadas/
Los mosquitos lancean el cuerpo que amas/ Las cucarachas burlan tus medidas
higiénicas/ Malos sueños afrentan tu respetabilidad/ Bajan los gatos a orinar tu soberbia”.
(PACHECO, 1999, p. 66).
238
Lizalde aproxima-se à literatura e à figura do tigre ainda criança.
Por meio de seu pai, grande amante da poesia, o então menino
demonstra seu interesse pela leitura e começa a esboçar seus primeiros
sonetos. Aos seis anos de idade, lê o primeiro romance de sua vida, La
perla roja, de Emilio Salgari. A partir de então, apaixona-se pelos
romances de Rudyard Kipling e pelas histórias de Tarzán, momento que
desvenda seu interesse pela figura do tigre. Pacheco também revela em
algumas entrevistas o interesse pelo mesmo tipo de literatura enquanto
leitor adolescente. Com seus doze anos de idade, Lizalde já se
encontrava envolvido nas leituras de Honoré de Balzac, Émile Zola,
William Blake e Rainer María Rilke, grandes pensadores a quem o poeta
nunca negou sua admiração, sendo capaz de nomear tais personalidades
num de seus ensaios como “tigrómanos ejemplares” (ROJAS, 2005)224,
incluindo, ainda, nessa denominação outros dois escritores hispanoamericanos, Jorge Luis Borges e Horacio Quiroga.
O professor de Filosofia Plínio Junqueira Smith (2004) relata sua
opinião sobre a presença do tigre na poesia de Lizalde225:
É impossível não sentir a grandeza da descrição do tigre,
animal plástico que representa o ser humano em suas várias
facetas e relações; é impossível não reconhecer o impacto de
seus poemas sobre o ódio, ódio que constitui a única prova da
226
existência de alguma coisa .
Não é aleatório o fato de Pacheco e Lizalde pertencerem a uma
mesma geração de escritores e empregarem elementos comuns em seus
textos, seja na poesia ou na prosa, a imagem do tigre, do gato ou de outro
224
Texto não paginado.
Não é nosso objetivo, neste estudo, comparar a obra de Pacheco à de Eduardo
Lizalde. Mas é nossa intenção destacar a presença de elemento felino no pensamento
de outro escritor mexicano. Para fins de conhecimento, entre os anos de 1983 e 1985
publicam-se as primeiras recopilações da obra de Lizalde. Nesse momento, muito
apreciado pela crítica e com um número considerável de leitores, Lizalde lança suas
antologias: Memoria del tigre (1983), mostrando à evolução de sua poesia desde La
mala hora até La zorra enferma; Tigre, tigre! (1985), nome originário do primeiro verso do
poema “The Tyger”, do pintor e poeta romântico inglês William Blake, incluindo os livros
El tigre en la casa e Caza Mayor; e, Antología impersonal (1986), constando de uma
seleção de poemas realizada pelo próprio Lizalde, que ainda, empregou o emblema do
tigre na capa de tal edição. No Brasil, essa antologia foi traduzida pelo professor Plínio
Junqueira Smith. Lizalde, em Otros tigres (1995), volta a resgatar as imagens assumidas
pelo tigre, porém, grande parte da obra se resume a uma série de traduções de poemas
magistrais que empregam a figura do felino em diversas línguas.
226
Disponível em: <http://www.letraslibres.com/index.php?art=9921>. Último acesso em:
05 nov. 2010.
225
239
felino, mas sim que ambos representam, através da literatura, traços dos
sujeitos pertencentes à sociedade mexicana daquele momento.
Retornando ao conto de Pacheco, podemos dizer que o texto é
pouco comum, não só por seu tema, mas também pela estrutura como
demonstramos até esse momento. Esse desconcerto inicial e as dúvidas
provocadas no leitor são sinais para que o mesmo perceba a finalidade
irônica do conto, estratégia utilizada por Pacheco, que gera a confusão no
leitor. Mas como e para que o autor emprega o recurso da ironia em seu
texto? Antes de analisar como Pacheco trata tal questão, resta-nos tecer
uma breve revisão ao conceito de ironia.
Alguns estudos teóricos da retórica mostram que o conceito de
ironia faz-se bastante complexo porque é difícil estabelecer os limites que
a diferenciam de outras figuras como a sátira, a paródia e o humor, por
exemplo. Ou, ainda, os efeitos produzidos por essas figuras se
relacionam entre si. O número existente de teóricos com o propósito de
definir a ironia já nos revela a complexidade desse conceito.
Normalmente, encontramos teóricos que buscam seus próprios métodos
para tentar defini-la227. Um ponto de encontro entre diferentes estudiosos
do tema é o seu caráter esquivo; identificado algumas vezes com
facilidade e outras após muitas leituras, inclusive, podemos imaginar
detectá-la onde não está explícita.
A ironia é uma figura retórica criada na antiga tradição da arte do
bem dizer com a intenção de criar efeito de sentido no receptor da
mensagem ao reconhecê-la e, ao mesmo tempo, busca embelezar a
linguagem (BERISTÁIN, 2000, p. 277). Em suma, há dois tipos de ironia:
figuras de significação (de palavras) e figuras de pensamento.
Independente do caso, as palavras assumem um sentido diferente
daquele originário dos termos, ou seja, a ironia provoca uma mudança de
227
Linda Hutcheon (2000), no panorama dos estudiosos que, modernamente, têm se
dedicado ao estudo da ironia, compreende a ironia como um processo comunicativo,
alçando-se muito além do que tem sido colocada pela crítica, ou seja, como uma mera
figura de linguagem no estudo da retórica. A teórica inicia sua discussão destacando o
papel do interpretante, isto é, daquele que atribui sentidos à ironia, ao precisar levar em
conta o contexto específico de cada caso. Hutcheon chama atenção, ainda, em seu
estudo, para a “carga efetiva”, que não pode ser descartada quando se busca um
sentido irônico. Ela constrói uma teoria em que se estabelece nove funções
desempenhadas pela ironia.
240
significado nos sentidos dos vocábulos, a partir do interesse e dos
objetivos do sujeito que enuncia, seja o de criticar, de denunciar ou
censurar.
Cabe ao leitor desvendar uma pista no contexto da mesma frase
ou em contexto próximo para descobrir o sentido verdadeiro com que se
deve interpretar o discurso do escritor. O sentido produzido pela ironia
não é tão simples de ser identificado, porque o mesmo altera a estrutura
lógica da mensagem. O leitor precisa recorrer à noção de contexto
ampliado da obra, o que o enunciador nos diz em fragmentos anteriores e
posteriores ou mesmo a busca por informações implícitas ao texto,
trazendo para a leitura o conhecimento das temáticas de um autor, dele
próprio e outras. Essa última foi nossa estratégia para compreender o tipo
de ironia presente no conto em análise. Em relação à ironia como figura
de pensamento, a palavra assume outro sentido a partir da entonação
atribuída pelo enunciador, necessitando o ouvinte recursos para poder
interpretá-la.
De acordo com Zavala (1996), para o reconhecimento da ironia
entram em jogo três dimensões comunicativas: a dialógica, competências
interpretativas do leitor; a formal, recursos linguísticos e estilísticos; e a
funcional, intenções implícitas do autor, sua visão de mundo e de
literatura.
Ainda que muitos teóricos determinem com precisão diferentes
tipos de ironia (dramática, acidental, de caráter, intencional, intraelemental, metafísica...), no geral, entendemos a ironia como o contrário
do que as palavras literalmente comunicam. Mas, independente da
definição, há uma condição primordial para o entendimento da ironia, o
desdobramento de seus sentidos, sejam eles literais ou figurados.
Também é tarefa do leitor determinar os limites estabelecidos pelo autor
entre um sentido e outro.
O escritor Juan Pellicer (1990, p. 57) cita D. C. Muecke como um
dos teóricos clássicos para se entender a ironia, responsável por
mencionar que cabe aos olhos do espectador reconhecer a beleza da
ironia. Pellicer resgata o discurso de Muecke em que podemos encontrar
elementos para afirmar que a ironia já estava presente em livros como a
241
Bíblia e a Odisséia, mesmo que ainda não existisse um termo para
designá-la. Na República, Platão utiliza pela primeira vez o termo eironeia
fazendo referência a um método empregado por Sócrates.
A ironia adquire com Aristóteles o sentido retórico de dizer o
contrário do que se queria enunciar com finalidade de enganar,
envergonhar ou criticar. Durante essa época e na Europa anterior ao
século XVIII228, não há oscilação do conceito. Com o Romantismo, a
importância da ironia aumenta e seu sentido expande-se. Para os
românticos a ironia é uma tentativa de harmonizar o mundo imaginário e o
mundo material; como se a ironia resultasse dessa necessidade de unir
os opostos. O artista deveria ser realista e idealista, emotivo e racional,
criador e crítico para que sua obra representasse o retrato da realidade e
a ficção de um tempo; além disso, ele deve ter consciência da ironia do
mundo. A ironia romântica pretendeu conciliar a arte com a vida,
outorgando um valor estético à ironia e não meramente retórico.
O percurso conceitual assumido pela ironia desde a Antiguidade
encontrou no Romantismo um importante momento para reafirmar
conceitos. Para alguns, possibilitava a arte, a essência máxima da
palavra, para outros, pura criação de Deus, aquele que poderia servir de
modelo ao qual o artista deveria imitar (BERISTÁIN, 2000). Outros
estudiosos chegaram a compará-la ao romance, como sinônimo, já que
era uma das principais marcas do Don Quijote de La Mancha, marco
clássico do romance moderno da literatura universal.
A ironia nunca deixou de intrigar os pesquisadores, e o
aparecimento de novos tipos de ironia sinaliza a necessidade de buscar
uma definição que melhor explique seu funcionamento (ZAVALA, 1996).
Encontramos registros de autores que já empregam marcas gráficas,
sejam sinais ou letras em itálico, por exemplo, com o fim de sinalizar para
o leitor a presença da linguagem irônica, já que vimos que uma de suas
características é o ocultamento, a capacidade do autor em transformar um
significado literal em figurado.
228
Cabe ressaltar a importância da ironia como recurso expresso do movimento barroco.
242
Depois dessa breve exposição do conceito de ironia, que não
pretende ser completa em se tratando de não ser o tema central deste
estudo, passemos ao reconhecimento de algumas marcas irônicas no
conto de Pacheco. Entendemos o conto de Pacheco como uma crítica
irônica da humanidade e para isso faz-se necessário desvendar a
intencionalidade de sua linguagem no decorrer da narrativa tripartida.
Como podemos depreender, o discurso de Pacheco menciona no
início de seu conto que o gato é a verdadeira origem das espécies,
inclusive do homem: “El Génesis lo calla pero el gato debe de haber sido
el primer animal sobre la tierra, el núcleo a partir del cual se generaron
todas las espécies” (PACHECO, 1990, p. 17).
Somente no plano da ironia podemos compreender o verdadeiro
sentido das palavras de Pacheco. Pellicer (1999) cita, em seu estudo, a
Wayne Clayson Booth, outro teórico da figura retórica, cuja proposta de
entendimento da ironia se baseia num modelo capaz de reconstruir o
significado das palavras que empregou um autor com o objetivo de
desvendar a verdade em seu discurso. Segundo Wayne Booth, o leitor
realiza essa reconstrução de sentidos, ainda que não perceba, por meio
de quatro etapas: na primeira, não internaliza o sentido literal da
expressão porque nota uma incoerência entre o dizer e o que acredita
conhecer; na segunda, há a dúvida sobre a equivocação e se essa pode
ser intencional ou um erro real do autor; na terceira, a dúvida entre a
possibilidade ou não do autor cometer tal irregularidade e, na quarta,
opta-se pela adoção de um significado depreendido das palavras do
escritor. Esse teórico apresenta também que todo autor em seu processo
de criação artística dispõe de quatro a cinco elementos em seu texto para
permitir ao leitor identificar seu verdadeiro propósito.
A partir da noção de Wayne Booth para a reconstrução de sentidos
e das pistas identificáveis num texto, tratamos de apresentar a seguir
nossa leitura do conto de Pacheco. O processo de reconstrução de
sentidos da leitura do conto de Pacheco começa ao percebermos certa
incoerência entre nosso pensamento, ou melhor, o que defendemos e as
palavras do autor. Após ler as primeiras linhas do conto, não
compartilhamos com o sentido literal do material lido. Quando o autor
243
afirma que todo ser animado sobre a terra, incluindo o homem, provém do
gato e que este fato foi um segredo guardado pela religião e pela ciência,
tendo em vista ser uma revelação “demasiado incómoda para los sabios”
(PACHECO, 1990, p. 17), somos levados a duvidar da realidade fornecida
e reconstruir a verdadeira intenção do enunciador do texto.
Num primeiro momento, buscamos, de acordo com Booth, o que o
teórico chama de advertências no discurso do autor: títulos, epígrafes,
pistas diretas, indiretas ou complementares com a finalidade de adiantar
ao leitor o trabalho de reconstrução do material a ser lido. Esses
elementos funcionam como guias para leitura irônica do texto. O conto de
Pacheco não apresenta nenhuma epígrafe que aluda a outras obras, mas
sim títulos dados às narrativas. Também alguns elementos no decorrer do
texto constituem marcas inconfundíveis de Pacheco.
Os títulos “Biografía del gato” e “Los tres pies del gato” devem
chamar atenção do leitor desde o início. Ao mesmo tempo em que não
podemos desprezar essas pistas, tampouco podemos acreditar em sua
veracidade, pois podem ser uma estratégia do autor ou mesmo uma
maneira de insinuação, comprovada somente por outras pistas no
decorrer do texto. Por meio disso, entendemos com mais segurança
outros momentos do texto de Pacheco, como, por exemplo, quando o
autor contrapõe o gato ao homem, um mecanismo para ironizar o ser
humano:
Compartimos algunas semejanzas. Por ejemplo, el cortesano
plagia los ardines del gato y todos imitamos su ingratitud.
Nunca damos las gracias y siempre dejamos de ronronear en
cuanto hemos obtenido lo que esperábamos.
[…]
Durante unas horas serán gatos y luego volverán a
transformarse en bestias como nosotros (PACHECO, 1990, p.
18-20)
O discurso do narrador do conto de Pacheco permite-nos inferir
que a intenção do autor não está simplesmente em narrar ou informar os
hábitos dos gatos, mas sim criticar o comportamento do homem
mexicano.
244
Também fazemos uso da segunda proposta do modelo de Booth
com o fim de reconhecer o começo absurdo do relato, quando somos
preparados para encontrar nos demais contextos do relato “equivocações”
do autor.
Claro que, nessas incongruências do relato, o autor sabe
claramente os objetivos que pretende alcançar.
Pacheco, ao começar seu conto, não ignora que os leitores
conheçam a passagem bíblica da criação presente no livro de Gênesis,
mas nos oferece desde o primeiro momento mostras de ironia. Na
verdade, o que o autor espera dos leitores é que percebam o sentido da
ironia no texto e pensem de modo crítico sobre alguns dados históricos
oferecidos. No entanto, Pacheco também sabe que os leitores
compartilham de juízos convencionais, porque do contrário sua ironia não
se faria compreender. Talvez seja por isso que opte pela escolha do gato
para sua narrativa, pois sabe como esses animais foram castigados pela
ignorância do homem. O gato é um animal que traz consigo um instinto de
selvageria, crueldade e ingratidão. Ou mesmo, animal com certos laços
demoníacos, possuidor de uma maldade inata e uma baixeza de
sentimentos.
Pacheco
busca
evidenciar
nas
qualidades
do
felino
as
características do homem, que ao relembrar o instinto do animal, também
se revolta contra sua maldade e ingratidão. A ironia do conto coloca em
similitude o comportamento felino e o humano. O homem não reconhece
facilmente seus defeitos e vê no castigo ao animal uma forma de
recompensar seus vícios e de toda a impureza humana, por isso ao
maltratá-lo acredita conseguir perdão.
A terceira etapa da proposta de Booth consiste em encontrar
contradições dentro da própria obra com a finalidade de desvendar a
presença da ironia. Quase não encontramos, no conto de Pacheco,
nenhuma referência direta a contradições, somente nos três fragmentos
que formam a narrativa. A tripartição da trama por si só já resulta
contrastante. Uma contradição direta está entre as partes “Biografía del
gato” e “El gato en la noche”. Na primeira parte, como já apresentado
neste capítulo, Pacheco mostra a capacidade engendradora do felino, sua
superioridade intelectual diante do homem, lhe atribui a criação de
245
correntes filosóficas como o existencialismo: o autor, no final do texto,
ainda o apresenta como aquele capaz de refletir “veinticuatro horas al día
en el absurdo y la vacuidad de todo” (PACHECO, 1990, p. 19). Já na
outra parte citada, no segundo fragmento do conto, o narrador mostra-o
em sua total animalidade.
Nessa segunda parte da narrativa, Pacheco, tal qual a um
naturalista, descreve com precisão o ato sexual felino com riqueza de
detalhes na apreensão dos movimentos e no passo a passo da copulação
do animal. O narrador parece reconhecer o feroz e violento ato sexual
felino, principalmente, o comportamento da fêmea, que ao se oferecer ao
macho e ser penetrada, rechaça-lhe com toda a violência de suas garras
e provoca rixas entre outros machos com a intenção de obter o direito de
penetrá-la.
Nos cinco parágrafos da segunda narrativa, através da ironia, o
autor compara a imagem do gato à do homem, quando sabemos que este
também demarca limites e sempre reduz questões básicas à dominação e
à procriação:
Con hermosas palabras el hecho de que la existencia no tiene
sino el sentido de prolongar la especie
[…]
Al reducirlo todo a cuestiones básicas: el coito y la guerra
(PACHECO, 1990, p. 19)
A contradição entre as primeiras partes do conto encontra reforço
nas colocações do narrador: onde está o gato que “limó su astucia y su
sabiduría” para despetar “el respeto y el recelo que inspira todo ser
superior” e que “no reprime sus deseos pero tampoco vive atrapado en
ellos” porque “deja para nosotros la esclavitud de la obsesión?”
(PACHECO, 1990, p. 17-19). O ódio despertado pelos gatos explica-se
pela fácil capacidade do animal procriar-se, mas sem a necessidade
interessada do homem em perpetuar sua espécie, já que este visa à
manutenção
de
nomes,
riquezas
e
poder,
e
não
somente
o
estabelecimento e a proteção de territórios.
A quarta etapa da proposta apresentada por Booth é facilmente
identificada pela diferença de entonação na narração de cada fragmento
246
do conto. Essa diferença no conto de Pacheco dá-se com o objetivo de
desconcertar o leitor e verificar até que ponto este é capaz de descobrir a
ironia. O conto de Pacheco reforça o irônico a partir de sua técnica
narrativa dividida em três partes, cujo autor adota tons e estilos distintos.
Podemos afirmar que esse conto de Pacheco adianta o estilo e os
temas recorrentes das obras do escritor. “Biografía del gato” seria uma
espécie de crítica à sociedade e preocupação do autor pela história; já em
“El gato en la noche”, visualizamos certa linguagem poética presente no
seu primeiro livro de poemas, Los elementos de la noche, que se constrói
na cena de violência do coito do felino, como podemos ver na descrição
abaixo:
La noche se derrama en la azotea: tálamo y campo de batalla
[…]
Un gato se encrespa, se arquea, mastica la soledad, la pule en
su lengua áspera ya la escupe. Sus maullidos claman piedad
en el desierto de este mundo. Pero la luz apaga el esplendor
de tantos ojos nocturnos. La sociedad secreta se deshace. El
día se lleva la luna y el amor. Si los encuentra vivos, la próxima
noche volverá a contemplar la ceremonia erótica.
[…]
Al partir el último gato el lucero del alba se desvanece.
(PACHECO, 1990, p. 19-20)
“Los tres pies del gato”, terceira parte do conto, destaca o mundo
infantil recorrente na contística de Pacheco, no qual o escritor desmitifica
a infância como a etapa da pureza, da inocência e da felicidade para
destacar a maldade presente em seus protagonistas, como um traço inato
do homem. O autor converte a infância numa época incerta e dolorosa. O
nome do personagem e protagonista da terceira parte do conto, Angelito,
já sinaliza outra ironia do conto. Egoísta, cruel, mimado, caprichoso e
corrompido por sua mãe são algumas das características construídas
para o personagem, em que o mais importante de sua rotina diária está
em sua própria vida, todo o resto não tem nenhuma importância, como
por exemplo, o pedido de amputação de uma das patas de sua gata Cleo.
Caso o leitor desse conto não desconfie, desde o início, da falta de
lógica ou do jogo entre o sentido literal e figurado empregado
intencionalmente pelo autor, não verá muito significado e atração no texto,
247
muito menos será capaz de determinar a interpretação mais convincente.
Quando percebemos o real propósito irônico da produção de Pacheco – a
intolerância em relação ao gato é o reflexo da aversão às atitudes
humanas e aquelas mais difíceis de desprendermos – seu conto adquire
sentido e dinamismo. Todavia, para captarmos essa sensação faz-se
necessário ler as três partes como um todo inseparável.
Em “Biografía del gato” temos o maior número de elementos
responsáveis por definir a presença da ironia graças também à
complementação de sentidos oferecida pelas partes posteriores do texto.
Pacheco inicia esse parágrafo relembrando a história do gato, tomado
como um deus pelas primitivas religiões, condenado e temido durante a
Idade Média, e desde o Renascimento era “parte integrante de la galería
familiar”
(PACHECO,
1990,
p.
17).
Relata
também
a
imagem
supersticiosa construída para o felino, desde o fato de possuir sete vidas
até atrair, no caso de um gato preto, a má sorte, porém, mais adiante, nos
informa que nada do relatado importa para sua vida, pois o gato: “sigue
tan gato cuando era adorado por los egípcios o lo acosaban la ignorancia
y salvajismo de épocas tan oscuras como la nuestra” (PACHECO, 1990,
p. 17).
A passagem anterior é o outro momento irônico denunciado por
Pacheco. Mostra que apesar do tempo e da evolução da humanidade, na
atualidade, não deixamos ainda de ser selvagens, muito menos
intransigentes. Romper a imagem de homem civilizado é o objetivo de
Pacheco em seu conto. Em toda a primeira parte da narrativa, Pacheco
pretende, a partir da comparação entre as atitudes do gato e as do
homem, informar que o comportamento do animal não está longe da
conduta da sociedade, ou pelo menos, de alguns de seus indivíduos. São
atitudes que eles mesmos não compreendem:
Señor de horca y cuchillo del mundo que alcanza a percibir con
sus ojos fosforescentes y sus sensitivos bigotes, aterra verlo
cuando tortura un ratón. Esta voluptuosidad de hacer el mal,
este afán de sentirse superior, constituyen la parte oscura y
abominable del gato, así como el rasgo más humano que
pueda hallarse en él (PACHECO, 1990, p. 18).
O gato do plano real não se diverte fazendo o mal aos outros. Ao
caçar sua presa não tem consciência do sofrimento que provoca, mas sim
248
aprende com as adversidades da vida a caçar para sobreviver. Não
aprisiona outro animal por puro prazer ou para sentir-se superior aos
demais. Matar por prazer ou conquistar o mundo só o fazem os gatos dos
desenhos animados. O homem é a única espécie do reino animal capaz
de torturar e sentir prazer ao fazê-lo, sente satisfação e superioridade
diante dos demais, aplica dor e, ao mesmo tempo, lamenta as súplicas da
mesma. Pacheco acaba por confessar que aos gatos: “Sólo les interesa
dormir en lechos de seda, en cajas de cartón o sobre un trapeador; tener
caricias, leche, pellejos; ser objetos curiosos, venerados, temidos”
(PACHECO, 1990, p. 20).
O conto de Pacheco faz oscilar a imagem do gato entre a bondade
e a repressão. Trata da maldade e da vileza do animal; trata-o como um
animal intrigante, porque ao mesmo tempo em que aceita a companhia e
o alimento do homem, não lhe fornece sinais de lealdade ou gratidão; não
reconhece as carícias recebidas, pois “en pleno idílio suele clavar las
uñas en quien lo mima” (PACHECO, 1990, p. 20). Pacheco revela a todo
o momento o sentido real de suas palavras: “como este mundo es un
espejo donde todo lo vemos invertido, en la dimensión de la verdad el
gato se encuentra muy por encima de nosotros” (PACHECO, 1990, p. 17).
Cabe atribuir ao homem e não ao gato as atitudes impiedosas do relato.
O jogo de crueldade simbolizado pelo gato é o reflexo da vida nessa
cidade de muitas imagens (espelhos), onde impera a crueldade do
homem que, ao suprimir o gato, acredita liberar-se de seus demônios
internos.
A última parte do tríptico, “Los tres pies del gato”, encerra
plenamente o sentido irônico da narrativa. Algumas pistas fornecidas nos
fragmentos anteriores permitem tal compreensão. Em “Biografía del gato”,
ao narrar os aspectos da maternidade felina, esses são confrontados aos
da maternidade humana na última narração. A passagem abaixo serve
para revelar a ironia final do conto de Pacheco:
Atiende a su propio parto [la gata] como si hubiera hecho
estudios de medicina. En las semanas que siguen al
alumbramiento, se porta como madre ejemplar. Adiestra a los
gatitos ciegos y sordos en todas las artes de la supervivencia y
luego los enseña a cazar. Cuando pueden valerse por sí
249
mismas no vuelve a ocuparse de sus crías (PACHECO, 1990,
p. 18)
Neste último episódio do texto conta-se a vida dos Bonilla, uma
família rica composta por Santiago Bonilla, “hombre de mucha edad”, sua
jovem esposa sem instrução, mas com dinheiro e casada “por
conveniencia familiar” e Angelito, filho de ambos, um menino mimado a
quem as excessivas permissões de sua mãe o fizeram um sujeito sem
limites.
De modo oposto ao relatado em relação às gatas e suas crias, que
ensinam seus filhotes a serem independentes no futuro, a senhora Bonilla
cobre o filho de “exceso y asfixia”, permitindo que o mesmo, com quase
oito anos, sinta receio de ir à escola e possa “perder sus privilegios de
niño mimado” (PACHECO, 1990, p. 20).
Artemio, um amigo de Angelito, quando teve o pedido de copo de
um água negado, pelo simples fato da senhora Bonilla proibir a entrada
de colegas de seu filho em casa, disse para Angelito: “cómo eres díscolo
nomás por ser tan rico. Pero no le andes buscando los tres pies al gato
porque ya verás” (PACHECO, 1990, p. 20). O discurso de Artemio parece
demonstrar conhecimento do interesse de Angelito em ter um gato com
três pés e, mais adiante, no conto, critica o menino por seu caráter
impiedoso.
A partir dessa conversa, Angelito não hesita em pedir a sua mãe
tal proeza. Depois de muita euforia, consegue que sua mãe compartilhe
da idéia e veja uma saída possível para realizar o desejo do menino:
cortar uma das patas de Cleo, uma gata branca recebida de presente pela
avó do garoto.
Pacheco novamente coloca o leitor numa situação de desconfiança
na confrontação homem x gato, ao tentar fazer com o mesmo descubra
aquele mais cruel. Para permitir que o leitor compartilhe da opinião do
autor do texto, destaca a resposta do senhor Bonilla a sua mulher quando
esta lhe informa sua decisão para o pedido de Angelito:
El señor Bonilla golpeó la mesa. - ¿Estás loca? ¿Eso inculcas a
tu hijo? Eres un monstruo de crueldad. ¿No te bastas el daño
que le hiciste al pobre animal ahogándole a sus gatitos?
¿Acaso por ser gata no siente las cosas? (PACHECO, 1990, p.
21)
250
Nesse momento da narrativa, já sabemos a mensagem que
Pacheco quer denunciar: a de uma sociedade cruel, repleta de maldades
e de falta de honestidade. Uma sociedade capaz de culpar os outros
(nesse caso a vida do gato) em prol de satisfazer pequenos desejos.
Todos os adjetivos empregados por Pacheco para fazer alusão às
maldades do gato, agora também se aplicam a Angelito e sua mãe.
O autor nos faz ver o gato como um ser superior, remarcando a
presença da ironia no conto. Após a cena anterior, o senhor Santiago
sentindo-se incomodado com a situação, ordena que Angelito se retire e
este vai em direção a um quarto da casa até que começa a gritar e chorar
após a gata arranhar-lhe o rosto. Sua mãe, ao ver o menino com o rosto
ensangüentado, acende o ódio em seu interior e resolve novamente
açoitar o animal, o qual como forma defesa, acaba também por arranharlhe a pálpebra. Nesse momento, a narrativa de Pacheco ganha certo
dinamismo e provoca o interesse do leitor em desvendar o final da trama.
A mãe do menino recorre a José, uma espécie de mordomo da
casa, para que ele pegue a gata, como uma forma de fazer justiça, e
menciona: “ahora sí, mi hijito, vas a tener tu gato de tres pies”, porém o
empregado nega o pedido suplicando:
Señora, por la Virgencita del Carmen, usted sabe que la sirvo
en lo que le guste y mande, pero no me ordene que mate un
gato porque eso trae siete años de mala suerte. Mi comadre
ahorcó uno y al poco tiempo se le murieron todos sus hijitos.
(PACHECO, 1990, p. 21-22)
Essa é a última pista fornecida por Pacheco ao leitor. Motivado por
incertezas, mas pensando na recompensa oferecida pela senhora Bonilla,
José sobe ao terraço portando uma vassoura para acertar a gata que
estava escondida num arbusto. A premonição advertida pelo empregado
momentos antes se cumpria fatalmente. O solo do terraço não sustentou
seu peso e José caiu ensangüentado diante da outra empregada da casa
e da indiferença de Angelito e sua mãe, que pouco se importaram com o
fato. Enquanto isso, Cleo deixa a marca de suas patinhas na poeira que
se formou no chão da casa dos Bonilla e sai tranqüilamente.
As três partes do texto não devem ser lidas de modo
independente, porém como componentes de um só conto, um tríptico
251
composto por ironias. O texto avança até levar-nos ao final do conto e a
compreender a crítica à conduta humana elaborada pelo autor por meio
do recurso da ironia, procurando um leitor partícipe e capaz de descobrir
e reconstruir os sentidos da ironia.
Podemos afirmar que a minificção “El parque hondo” traz
semelhanças se a comparamos ao conto analisado. O tema da crueldade
do homem e o desfecho terminando com a fuga do animal repetem-se
nos dois contos. Em “El parque hondo”, Arturo, uma criança de nove anos
e protagonista do relato, mora com Florencia, sua tia e cartomante,
porque foi abandonado pelos pais. Ao receber uma cliente em casa,
Arturo escuta sua tia comentar sobre seu passado:
Arturo cree que su mamá se fue al cielo y que su papá lo visita
sólo de cuando en cuando porque es piloto aviador y siempre
anda de viaje. A los niños no se les puede contar la verdad.
Ricardo tiene una nueva familia y lo anterior, gracias a Dios,
quedó borrado. El chico no es mayor problema. Vive conmigo
desde que su madre lo abandonó y, ya ve usted, lo estoy
educando como formé a mi hermano (PACHECO, 2000, p. 14)
Florencia demonstra ter preocupação no cuidado com o menino,
porém, mais adiante, revela “Mi única compañía es mi gatita, porque
Arturo es un ingrato y ni siquiera me dirige la palabra...” (PACHECO,
2000, p.14). Já Arturo pensa o contrário, pois acredita que sua tia só
encontra tempo para a gata. Arturo sofre consigo da solidão:
El mundo se reducía a Florencia, la casa de un piso, la gata
que no se deja tocar, la primaria ‘Juan A. Mateos’ y Rafael, su
condiscípulo, su amigo, el que lo acompañaba en las funciones
de cine y la pesca furtiva en el estanque del parque hondo
(PACHECO, 2000, p. 13)
Diferente de Angelito, Arturo não possui uma família nos moldes
tradicionais e sente ciúmes da gata de sua tia: “Es horrible la gata. No sé
cómo la quiere tía Florencia” (PACHECO, 2000, p. 14). A tia e a gata
formam uma unidade, em que o menino é visto como um intruso. Para
amenizar a solidão do menino, o narrador expõe a tentativa de Arturo de
ter um animal de estimação. Arturo leva um sapo e um rato branco para
casa, mas não tem êxito nas duas tentativas, pois, na primeira sua tia
lança o sapo contra a lareira e na segunda a gata acaba matando o rato,
motivo de satisfação para Florencia.
252
Florencia sinaliza sinais de crueldade e insensibilidade, porque não
aceita carinhosamente a Arturo, muito menos realiza suas vontades. Ao
conversar com uma de suas clientes, demonstra mais sinais de sua
personalidade. Sabemos que o menino não vê sua mãe há sete anos e
seu pai o visita quando pode. Para Arturo sua mãe havia morrido há pelo
menos sete anos, mas, ao escutar a conversa de sua tia, descobre que
ela escondeu durante os últimos anos a verdadeira história de sua vida. O
clima misterioso e de meias verdades é uma característica particular dos
relatos do Pacheco. Para Florencia “a los niños no se les puede decir la
verdad”. Arturo, portanto, é fruto de uma união ilícita, foi abandonado por
seus pais por ser considerado um martírio.
O ponto central da trama não está no melodrama da relação da tia
com o menino, mas sim na gata, que se vê doente e sem salvação.
Florencia não encontra outro remédio senão o sacrifício. Pede para Arturo
levá-la ao consultório, pois só assim diminuiria seu sofrimento e de certa
maneira o da gatinha:
No quiero que siga sufriendo [...] Florencia la besó, la acarició y
la cubrió de lágrimas. Incómoda ante la presencia de Rafael, se
sintió obligada a explicar: - No saben lo que siento. Me ha
acompañado por más de diez años. No volverá a haber otra
igual. La acomodó entre algodones en una bolsa de henequén
(PACHECO, 2000, p. 15)
Arturo tem a companhia de seu amigo Rafael nessa penosa tarefa.
Ambos caminham rumo ao consultório e passam pelo “parque hondo”,
descrito na primeira cena do relato. Rafael cumpre uma função diabólica
ao lado de Arturo, pois tenta corromper seu caráter. Sugere a Arturo que
ambos fiquem com o dinheiro e soltem a gata: “- ¿Cuánto traes? / - ¿Todo
eso te dio? / - ¿Sabes qué se me ocurre?: dejarla en el parque y
quedarnos con el dinero / - Pero si ya está muriendo ¿No la ves?
Haremos una obra de caridad” (PACHECO, 2000, p. 15). As dúvidas
envolvem a Arturo, que nega por medo de um possível retorno da gata:
“¿Te imaginas si revive y vuelve? Mi tía me mata”. O medo de enfrentar a
culpa diante de sua tia gera a dúvida no personagem, apesar disso ele diz
“te juro que me da lástima la gata”.
Rafael tenta corromper seu amigo de todas as formas e o grau de
intensidade das maldades aumenta conforme as dúvidas de Arturo.
253
Primeiro, tenta fazer com que mude de opinião a partir de sonhos
consumistas: “Imagínate lo que podemos hacer con ese dinero: ir al cine,
a remar en Chapultepec, comprar toda clase de dulces y de refrescos. En
fin...” (PACHECO, 2000, p. 16). Depois propõe, na seguinte ordem, dar o
felino de presente para alguém, afogá-lo e enforcá-lo. À medida que
sugere as possibilidades, Rafael vai conseguindo influenciar Arturo. O
menino vai aos poucos concordando com a idéia de Rafael para se vingar
do carinho dado pela tia à gata e a indiferença de Florencia para com ele.
O autor emprega algumas frases em itálico para indicar a voz
interior do protagonista. Seria como a voz de seu inconsciente pedindo
que aceite a proposta de Rafael: “Es mala. Florencia la quiere más que a
mí […] No debo tener miedo. Mejor acabar con ella de una vez”
(PACHECO, 2000, p. 16).
Rafael encontra um pedaço de concreto para acertar um golpe
certeiro na cabeça da gata. Arturo retira a gata da sacola para acomodála em suas mãos, mas parece não estar seguro de seus atos, pois “[...] se
estremeció de frío y chasqueó los dedos”, além disso, relata “Mi tía es
capaz de todo si sabe que la desobedecimos y nos robamos el dinero” [...]
¿No hay otro remedio? (PACHECO, 2000, p. 16-17). A gata parece ter
pressentido o perigo, desperta, cai ilesa, corre e se esconde no bosque
do “parque hondo”.
Rafael e Arturo buscam cansativamente entre as árvores, mas a
gata não aparece. Arturo teme o retorno da gata a sua casa, teme
encontrá-la no sofá. Remoído pela culpa, não consegue confessar a
verdade, Arturo, ao chegar a casa e encontrar sua tia jogando cartas e
chorando, justifica a demora pelo excesso do número de pessoas no
consultório. O menino tem uma noite infernal porque o remorso não lhe
permite dormir nenhum instante. O pensamento de Arturo é destacado
novamente pelo autor:
Qué va a pasar cuando Florencia se entere de que no llegamos
al consultorio. No creerá nunca que la gata escapó. Dirá: ‘Tú
siempre la odiaste. Fue tu venganza. No te perdonaré nunca.
Ese niño es malo. Él te aconsejó. Ustedes la mataron para
hacerme daño y robarme el dinero. Maldito, hijo de tu madre
tenías que ser. Ahora verás quién soy yo […] Por culpa de
Rafael estoy en un lío del que nadie me sacará. (PACHECO,
2000, p. 18)
254
O retorno da gata é a única esperança para Arturo. Pensava
inúmeras desculpas para apresentar a sua tia, como por exemplo, faltoulhe coragem para levá-la para matar, a gata reviveu e decidiu deixá-la no
parque; também gostava do animal. Finalmente, pegou o dinheiro e
resolveu rasgá-lo e lançá-lo da janela, porque, dessa forma, estaria se
livrando da culpa e do gesto selvagem. No final da narrativa, Arturo quer
fugir daquela casa assim como o vento ao dispersar os pequenos papéis.
Pensa que o melhor seria sair de casa e não retornar, mas qual seria seu
destino? Arturo pensa consigo “Pero ¿adónde iré si no sé hacer nada y ni
siquiera conozco bien la ciudad? (PACHECO, 2000, p. 18).
Arturo pode não conhecer a cidade grande porque sua vida
sempre se limitou a três espaços: a escola, a casa e o “parque hondo”,
onde, neste último, o menino demonstrou sentir medo e serviu de local de
fuga para a gata e seu futuro incerto, misterioso como a maioria dos
textos de Pacheco. No entanto, os sentimentos cruéis demonstrados por
Rafael e por Florencia, o desprezo da tia e a solidão anunciaram a
vivência de Arturo diante de alguns dos dilemas da cidade moderna.
3.2.2. Las Batallas en el desierto: México a caminho
da Modernidade
A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e
ao futuro.
Jacques Le Goff (2003)
Várias são as temáticas presentes no romance curto de Pacheco,
porém neste capítulo destacaremos a imagem do México pósrevolucionário, em especial a época que consolidou o movimento social
de 1910 e as mudanças físicas e sociais ocorridas na cidade e na
mentalidade de seu povo mediante a presença da modernidade.
“Me acuerdo, no me acuerdo: ¿qué año era aquél?” Desse modo,
inicia o romance demarcando uma incerteza cronológica em relação à
época enunciada pelo narrador do texto. Mesmo sem uma exatidão do
255
contexto referido por Pacheco, o autor retrata o México do avanço
econômico alcançado pelo primeiro civil a chegar à presidência, Miguel
Alemán Valdés, que governou entre 1946 e 1952. Apesar de todo
crescimento na economia229, o governo também foi acusado por
esquemas de corrupções e excesso de poder:
La cara del Señorpresidente en dondequiera: dibujos inmersos,
retratos idealizados, fotos ubicuas, alegorías del progreso con
Miguel Alemán como Dios Padre, caricaturas laudatorias,
monumentos (PACHECO, 1981, p. 10)
[…]
Qué importa […] si bajo el régimen de Miguel Alemán ya
vivimos hundidos en la mierda (PACHECO, 1981, p. 10)
O narrador introduz desde o início da narrativa as imagens de suas
recordações do passado e da história. Ao mesmo tempo em que parece
fornecer uma informação precisa, em seguida acaba por mudar de
opinião. Acreditamos que esse recurso funcione como uma forma de
mostrar a oscilação das suas lembranças. Sua memória consegue
resgatar muitos detalhes e trazer para o momento da leitura as imagens
daquele passado: os objetos e produtos em uso nos anos quarenta, as
referências à Guerra, a derrota eleitoral de Miguel Henríquez Guzmán e
outros detalhes, cuja função permite ao leitor compartilhar uma visão do
passado com informações precisas de acontecimentos locais, nacionais e
estrangeiros.
A narrativa constrói-se a partir da memória do narradorpersonagem Carlos, que recorda as lembranças de infância e
adolescência desde o local onde viveu todo esse período, na Colônia
Roma: “Ciudad en penumbra, misteriosa colonia Roma de entonces.
229
No período do governo de Alemán, o Campus Central da Cidade Universitária da
UNAM foi construído, junto a conjuntos habitacionais de Juárez e Alemán, na capital
mexicana. Foi grande incentivador do Turismo na região, principalmente, no balneário de
Acapulco, com vistas ao desenvolvimento do país e o estabelecimento de contatos.
Incentivou o desenvolvimento industrial do país, aumentou a malha ferroviária, melhorou
a condição das ferrovias e das escolas e incentivou projetos de irrigação rural. Para
alcançar tais avanços, contraiu empréstimo com os Estados Unidos no ano de 1947.
Afirmou acordos de paz com algumas nações após a Segunda Guerra Mundial.
Estabeleceu relações com o governo norte-americano em prol dos trabalhadores ilegais
mexicanos nos Estados Unidos. No entanto, seu governo foi acusado por esquemas de
corrupção, fatos que permanecem até hoje no imaginário coletivo mexicano. Foi uma
época em que os políticos enriqueceram através de contratos do governo federal com
empresários estrangeiros, relação essa que perdura até hoje. In: VASCONCELOS
(1975).
256
Átomo del inmenso mundo” (PACHECO, 1981, p. 30). A partir de uma
linguagem simples, o narrador adulto revela a complexidade da vida na
Cidade do México. Retrata as transformações ocorridas em seu país e em
sua cidade como o processo acelerado de industrialização, a expansão
da infraestrutura física e de serviços, o crescente processo de
transculturação e a mudança de mentalidade e valores dos habitantes. O
período retratado também é o do pós-guerra evidenciado em algumas
passagens do texto.
O discurso de Carlos adulto está impregnado de críticas e de
referências históricas, como por exemplo, a dor causada pela explosão da
bomba atômica. Pacheco retrata com tanta naturalidade as imagens do
México daquele momento que os leitores dos anos quarenta podem
acabar comprovando a veracidade ou não das referências históricas da
obra. O leitor encontra em suas páginas marcas de produtos comerciais,
nomes de filmes e programas de rádio, costumes, dados e outros. Nesse
cenário, o narrador descreve a influência externa dos domínios da urbe e
seu processo de modernização tecnológica: o excesso de propagandas
de produtros de outros países, a circulação de veículos americanos, o
crescente uso do spanglish pela classe média e outros, além dos surtos
de poliomielite:
Ya había supermercado pero no televisión, radio tan sólo [...]
Circulaban los primeros coches producidos después de la
guerra: Packard, Cadillac, Buick, Chrysler, Mercury, Hudson,
Pontiac, Dodge, Plymouth, De Soto (PACHECO, 1981, p. 9)
[…]
Decían los periódicos: el mundo atraviesa por un momento
angustioso. El espectro de la guerra final se proyecta en el
horizonte. El símbolo sombrío de nuestro tiempo es el hongo
atómico
[…]
Mientras
tanto
nos
modernizábamos,
incorporábamos a nuestra habla términos que primero habían
sonado como pochismos en las películas de Tin Tan y luego
insensiblemente se mexicanizaban: tenquíu, oquéi, uasamara,
sherap, sorry, uan móment pliis. Empezábamos a comer
hamburguesas, páys, donas, jotdogs, malteadas, áiscrim,
margarina, mantequilla de cacahuate. La cocacola sepultaba
las aguas frescas de jamaica, chía, limón (PACHECO, 1981, p.
11-12)
[…]
Hay que blanquear el gusto de los mexicanos (PACHECO,
1981, p. 12)
257
[...]
Fue el año de la poliomielitis: escuelas llenas de niños con
aparatos ortopédicos; de la fiebre aftosa: en todo el país
fusilaban por decenas de miles de reses enfermas; de las
inundaciones: el centro de la ciudad se convertía otra vez en
laguna, la gente iba por las calles en lanchas (PACHECO,
1981, p. 10)
A reflexão sobre o sentido da história também está presente no
romance. Se por um lado, o autor apresenta certos dados como precisos
e verdadeiros, por outro conduz o leitor a duvidar de algumas referências
do passado, inclusive, porque não expressa de modo direto a data dos
acontecimentos. Essa atitude crítica de retratar fatos do passado é uma
característica constante no conjunto da obra de Pacheco (VERANI, 1994),
independente do gênero, inclusive confirmada pelo escritor em sua coluna
Inventario. Claro que a presença desses dados históricos na obra de
Pacheco não se explica como uma mera recordação, mas sim,
principalmente, com o interesse de reforçar o papel do leitor como crítico
do seu próprio meio.
Não são poucos os estudos que levantam a presença da história
na obra de Pacheco. Aqui resgatamos três dessas leituras com o fim de
buscar a explicação para tal vinculação na literatura pachequiana. O
escritor e pesquisador mexicano Ignacio Trejo Fuentes (1994), num
estudo sobre a prosa de Pacheco, refere-se a três motivos recorrentes: a
lembrança por uma cidade antiga, habitável, ingênua comparada à atual;
a nostalgia por uma infância e adolescência inocente e uma constante
reflexão sobre a identidade mexicana através da história. Já a
pesquisadora Cynthia Steele (1994), enuncia que em Batallas, há de
modo nítido a visão de história de Pacheco e uma tentativa de explicar a
crise política e econômica dos anos oitenta. O crítico e escritor Hugo
Verani (1994) afirma como constante em Pacheco a passagem do tempo
e os aspectos socioculturais do México moderno. As palavras dos críticos
permitem que enxerguemos o romance de Pacheco como denúncia de
momentos e situações significativas do período em questão.
A vinculação de Batallas com a história reflete as ambigüidades
típicas de uma obra literária, que dificilmente retrata de modo fidedigno a
258
realidade. O trabalho de criação artística de Pacheco demonstra a
necessidade de envolver o leitor na reconstrução do passado e a
presença do mesmo no romance. Pacheco (1985, p. 50) acaba definindo
sua narrativa como histórica230 ao mencionar:
La novela ha sido desde sus orígenes la privatización de la
historia. Gracias a ella la gente común tomó por asalto el
mundo de las letras como protagonistas y como autores.
Historia de la vida privada, historia de quienes no tienen
historia, la novela habla de un ‘aquí’ y un ‘ahora’ que
necesariamente son un ‘allá’ y un ‘entonces’, porque sólo es
narrable lo que está lejos, lo que ya ha pasado. En este sentido
todas las novelas son novelas históricas
Além de possibilitar a classificação de seu romance como histórico
do ponto de vista da criação literária, o pensamento de Pacheco permite
estabelecer um paralelo entre a ficção e a história, tema bastante
problematizado por teóricos, historiadores e escritores. Alguns críticos
defendem certa proximidade, outros o total distanciamento. Segundo o
filósofo francês Paul Ricoeur (1996, p. 780),
A reconfiguração do tempo mediante a história e a ficção se
concretiza devido aos empréstimos que os dois modos
narrativos estabelecem reciprocamente. Estes empréstimos
consistirão: que a intencionalidade histórica somente se realize
incorporando a seu objetivo os recursos de formalização da
ficção que derivam do imaginário narrativo, enquanto que a
intencionalidade do relato de ficção produz seus efeitos de
detenção e de transformação do obrar e do padecer somente
assumindo simetricamente os recursos de formalização da
história que lhe oferecem as tentativas de reconstrução do
231
passado efetivo
230
Conforme Menton (1993, p. 44), Pacheco emprega, em 1985, o termo ‘novo romance
histórico’ para fazer referência ao seu romance Morirás lejos, em que o autor aproveitase da dificuldade de conhecer o passado para convertê-lo numa fonte de inspiração para
sua ficção. Dessa forma, o autor enfatiza a vida cotidiana dos personagens históricos,
transformando-os em seres mais humanos. O surgimento desse estilo nasce da
necessidade de se realizar uma releitura da história, cujo objetivo é mudar a visão
perpetuada pela história oficial. Em 1949, Alejo Carpentier no romance El Reino de este
mundo já havia se referido ao gênero. O escritor uruguaio Ángel Rama o emprega em
1981, o mexicano Juan José Barrientos em 1983 e o venezuelano Aléxis Márquez
Rodríguez em 1984. Segundo Pacheco, “la Historia con mayúscula no tiene forma ni
principio ni fin. Lo que llamamos Historia es la historiografía, su expresión escrita. Lo que
no está escrito es como si nunca hubiera sucedido. Y aquí se muestra en su verdadera
dimensión la frase de que ‘una imagen vale más que mil palabras” (BRAVO VARELA,
2009, p. 68).
231
“La reconfiguración del tiempo mediante la historia y la ficción se concretiza gracias a
los préstamos que los dos modos narrativos se hacen recíprocamente. Estos préstamos
consistirán en esto: que la intencionalidad histórica sólo se realiza incorporando a su
objetivo los recursos de formalización de ficción que derivan del imaginario narrativo,
mientras que la intencionalidad del relato de ficción produce sus efectos de detección y
de transformación del obrar y del padecer sólo asumiendo simétricamente los recursos
259
Na concepção do historiador e romancista mexicano Antonio Rubial
García (2000, p. 46), para se considerar uma obra literária como histórica
É válido construir e reconstruir personagens em situações
possíveis e criar interações que não ocorreram [...] mas a
recriação de época e o argumento devem estar mais presos a
232
documentação que reflete a realidade que se pretende narrar
Cabe destacar a construção dos personagens literários e a
realidade ficcional da obra. Podemos dizer que Pacheco tem a mesma
idade de Carlitos, no momento em que ocorrem os acontecimentos,
porém isso não nos permite classificar a obra como autobiográfica ou,
ainda, afirmar que o texto é totalmente fiel à realidade, apesar de o autor
ter vivenciado aquele contexto. Identificamos na obra de Pacheco, de
modo geral, que seus personagens se constroem sempre à base de
elementos
fornecidos
compartilhadas
por
pelo
vários
real,
sejam
indivíduos
da
essas
sociedade
características
ou
mesmo
particulares. Os personagens de Pacheco representam o homem comum
do dia-a-dia, mas sofrem manipulações naturais por parte do artista.
Independente do ponto de vista do escritor para sua obra, mesmo
que a considere histórica, não podemos negar o caráter ficcional de
qualquer obra de arte, pois de acordo com a escritora espanhola Esther
Tusquets (1990, p. 111) “no momento em que contamos um
acontecimento já nos estamos distanciando da realidade objetiva:
estamos fantasiando, pondo ordem, inventando233”. Acreditamos que o
resgate do passado é uma tarefa problemática dentro da obra de arte, já
que implica certos fatores, como a posição ou o lugar de enunciação do
narrador, o sentido do tempo e da memória.
O acontecimento histórico principal da obra de Pacheco está no
processo de modernização industrial ocorrido com o alemanismo. Antes
dos anos quarenta do século XX, sob o comando de José de la Cruz
de formalización de la historia que le ofrecen los intentos de reconstrucción del pasado
efectivo”. [Tradução nossa]
232
“Es válido construir y reconstruir personajes en situaciones posibles y crear
interacciones que no sucedieron […] pero la recreación de época y el argumento deben
estar lo más apegados a la documentación que refleja la realidad que se pretende
narrar”. [Tradução nossa]
233
“En el momento mismo en que contamos un acontecimiento nos estamos alejando ya
de la realidad objetiva: estamos fantaseando, poniendo orden, inventando.” [Tradução
nossa]
260
Porfirio
Díaz,
também
se
encontrou
um
esforço
em
prol
do
desenvolvimento do país. Díaz também se empenhou em contribuir para
o crescimento da indústria, do aumento dos serviços públicos e da
comunicação interna, decorrentes da tarefa modernizadora do país. O
narrador retrata a lembrança da cidade dos tempos de Porfirio Díaz:
La plaza Ajusco adonde me llevaban recién nacido a tomar sol
y en donde aprendí a caminar. Sus casas porfirianas, algunas
ya demolidas para construir edificios horribles. Su fuente en
forma de trébol, llena de insectos que se deslizaban sobre el
agua (PACHECO, 1981, p. 33)
Carlos, já envolto pela atmosfera da vida numa cidade moderna e
com inúmeros agravantes, narra com saudade da capital do país antes da
mudança sofrida pelo espaço com a construção de arranha-céus e a falta
de zelo com o patrimônio público. Após Porfirio Díaz, os vestígios da luta
armada para fortalecer os objetivos da Revolução Mexicana e os
desdobramentos da Segunda Guerra Mundial não contribuíram para a
manutenção do desenvolvimento industrial do país. Alemán ocupou a
cadeira presidencial após o final da Segunda Guerra e devido à
proximidade com o país vencedor, os Estados Unidos, converteu-se no
“mister amigo” por facilitar negociações e compartilhar certos ideais.
Os cenários da narrativa são descritos com precisão de modo a
permitir ao leitor a reconstrução exata de certas imagens do México
daqueles anos; a nostalgia perpassa a obra. O trabalho de linguagem de
Pacheco parece fotografar a realidade daquele período de maneira a
aproximar o leitor da mensagem do relato. O narrador enuncia, a partir de
seu presente, o contexto de uma cidade que se transformou numa megacidade e por isso sofre as consequências dessa transformação,
observadas na falta de comunicação entre seus habitantes, na crescente
solidão, na mudança de valores sociais e na ineficiência das instituições
sociais.
As conseqüências da vizinhança com os Estados Unidos e a
modernização do país são as questões centrais do romance de
Pacheco234, evidentes na própria vida do protagonista e narrador da
234
No conto “La catástrofe”, presente no livro La Sangre de Medusa, Pacheco também
se refere aos anos de pós-guerra e ao grande sonho modernizador do governo do
presidente Alemán, momentos decisivos na história mexicana. No relato, Pacheco
261
história. Carlos sofre preconceito, na casa de Harry Atherton, com quem
estabelece uma breve relação de amizade, por conta de seu
comportamento no jantar:
Voy a darte un consejo: aprende a usar los cubiertos. Anoche
comiste filete con el tenedor del pescado. Y no hagas ruido al
tomar la sopa, no hables con la boca llena, mastica despacio
trozos pequeños (PACHECO, 1981, p. 25)
Este ato simboliza, na narrativa, a subordinação perante o norteamericano, enquanto que em sua amizade com Jim (filho de um norteamericano e uma mexicana), o autor destaca a inferioridade de Carlitos
diante de um compatriota, mas que teve acesso à cultura do norte. As
palavras abaixo retratam a presença da cultura norte-americana nas
ações da família de Atherton a partir do olhar de Carlitos:
Millionario frente a Rosales, frente a Harry Atherton yo era un
mendigo. El año anterior, cuando aún estudiábamos en el
Colegio México, Harry Atherton me invitó una sola vez a su
casa en Las Lomas: billar subterráneo, piscina, biblioteca,
despensa, cava, gimnasio, vapor, cancha de tenis, seis baños
(¿Por qué tendrán tantos baños las casas ricas mexicanas?).
Su cuarto daba a un jardín en declive con árboles antiguos y
una cascada artificial. A Harry no lo habían puesto en el
Americano sino en el México para que conociera un medio
totalmente de lengua española y desde temprano se
familiarizara con quienes iban a ser sus ayudantes, sus
prestanombres, sus eternos aprendices, sus criados
(PACHECO, 1981, p. 25)
Carlos conhece a mãe de Jim, Mariana, por quem se encanta de
imediato porque a mesma é representada como jovem, bela e sensual, o
protótipo da mulher moderna oposto à imagem típica da mulher mexicana
tradicional. Pelas palavras de Carlinhos vemos como ele constrói a
imagem da mãe de Jim, que se opõe claramente à sua mãe. Além disso,
também retrata sua surpresa ao presenciar um convívio235 mais moderno
entre seu amigo e Mariana:
aborda o tema de como os ricos acabam entregando o país às tropas e ao capital
estrangeiro, por conta do sentimento de derrotismo presente na sociedade mexicana.
Segundo Paz, os mexicanos aprendem, desde pequenos, a aceitar as tristezas e
derrotas com dignidade. Já o escritor Carlos Monsiváis resume esse complexo de
inferioridade na possível “postración en el subdesarrollo” do país. Pacheco busca na
história as causas dessa sensação e encontra nela a explicação para suas hipóteses,
principalmente, na dependência, primeiro, a Espanha, e depois aos Estados Unidos.
235
No contexto histórico retratado no relato, ainda estava vigente a distinção de
costumes entre a capital e as províncias. O modo de falar dos pais de Carlitos (uso de
‘usted’ pelas famílias procedentes do interior) e os costumes culinários são recursos
empregados por Pacheco para reforçar essas diferenças.
262
Nunca pensé que la madre de Jim fuera tan joven, tan elegante
y sobre todo tan hermosa. No supe qué decirle. No puedo
describir lo que sentí cuando ella me dio la mano. Me hubiera
gustado quedarme allí mirándola (PACHECO, 1981, p. 27-28)
[…]
Éramos tantos hermanos que no podía invitar a Jim a mi casa.
Mi madre siempre arreglando lo que dejábamos tirado,
cocinando, lavando ropa; ansiosa de comprar lavadora,
aspiradora, licuadora, olla express, refrigerador eléctrico (el
nuestro era de los últimos que funcionaban con un bloque de
hielo cambiado todas las mañanas). En esta época mi madre
no veía sino el estrecho horizonte que le mostraron en su casa
(PACHECO, 1981, p. 22)
[…]
Oye ¿Cómo dijiste que se llama tu mamá? Mariana. Le digo
así, no le digo mamá. ¿Y tú? No, pues no, a la mía de usted;
ella también les habla de usted a mis abuelitos. No te burles
Jim, no te rías (PACHECO, 1981, p. 28)
O retrato da mãe do narrador denuncia a servidão a que se
submeteu a mulher mexicana dos anos quarenta e cinquenta. Devido ao
trabalho intenso desenvolvido em casa, sua mãe aspira às facilidades dos
aparelhos eletrônicos intensificados pela era do consumismo. Segundo o
sociólogo italiano Mauro Magatti (2009, p. 8), “é nas grandes áreas
urbanas que se concentram as funções mais avançadas do capitalismo”.
O próprio sistema capitalista é quem dita os moldes culturais a que
os sujeitos devem se encaixar. Quando isso não ocorre, sofrem os
preconceitos da sociedade moderna que aparenta pregar a liberdade do
homem. Para o sociólogo alemão Georg Simmel (1998), o dinheiro tem
um papel decisivo no sistema capitalista, porque seria um facilitador entre
o homem e seus desejos; uma espécie de “Deus da modernidade”. Ainda
de acordo com o pesquisador, “forma-se a idéia de que toda a felicidade e
toda satisfação definitiva na vida são ligadas, intrinsecamente, à posse de
certa forma de dinheiro” (SIMMEL, 1998, p. 33). O dinheiro permite a
independência do sujeito e torna-se o mediador das relações sociais. Há
uma crítica de Carlos adulto em relação ao provincianismo de sua mãe.
Nesse momento da narrativa, há um primeiro encontro de Carlitos
com a modernidade, fazendo com que o mesmo pareça maior de idade.
Outra aproximação, do ponto de vista material, foi sua reação ao ver os
brinquedos de Jim:
263
Jim me enseñó su colección de plumas atómicas (los bolígrafos
apestaban, derramaban tinta viscosa; eran la novedad absoluta
aquel año en que por última vez usábamos tintero, manguillo,
secante), los juguetes que el Señor le compró en Estados
Unidos: cañón que
disparaba cohetes
de
salva,
cazabombardero, tanques de cuerda, ametralladoras de
plástico (apenas comenzaban los plásticos), tren eléctrico
Lionel, radio portátil. No llevo nada de esto a la escuela porque
nadie tiene juguetes así en México. No, claro, los niños de la
Segunda Guerra Mundial no tuvimos juguetes (PACHECO,
1981, p. 28)
Interessante observar a crítica implícita no discurso de Carlitos, ao
descrever os brinquedos de seu amigo, quase todos fazendo alusão ao
contexto bélico, porém nenhum deles era comum no México daquele
momento. O narrador também denuncia a imagem de uma infância
proibida, quando se refere às crianças que foram privadas de brincar, no
contexto da grande guerra mundial.
A adoção de certos vocábulos em inglês, de alimentos e de
marcas, referências já destacadas no início deste capítulo, confirmam a
influência da cultura norte-americana e as transformações provocadas por
elas na sociedade.
O protagonista retrata, na primeira parte da narrativa, sua
recordação da época chamada como o “mundo antiguo”, lugar da
enunciação, aquele em cuja infância também já anunciava sinais de
degradação, como percebemos em sua leitura, a qual estava muito
influenciada pela opinião de seus pais:
Era el mundo antiguo. Los mayores se quejaban de la inflación,
los cambios, el tránsito, la inmoralidad, el ruido, la delincuencia,
el exceso de gente, la mendicidad, los extranjeros, la
corrupción, el enriquecimiento sin límite de unos cuantos y la
miseria de casi todos. (PACHECO, 1981, p. 10-11)
Esse retrato traçado pelo personagem pode ser entendido como o
estado em que se encontrava o país antes do governo de Alemán. O
narrador também critica a posição ditatorial da escola e, mais uma vez,
acaba por levantar aspectos de transformação do espaço físico:
Escribíamos mil veces en el cuaderno de castigos: debo ser
obediente, debo ser obediente, debo ser obediente con mis
padres y con mis maestros. Nos enseñaban historia patria,
lengua nacional, geografía del DF: los ríos (aún quedaban
ríos), las montañas (se veían las montañas). (PACHECO,
1981, p. 10)
264
Pelo
levantamento
dos
diálogos
e
dos
acontecimentos
recuperados, somos levados a perceber a figura do narrador adulto que
ratifica o discurso do menino, protagonista da trama. Existe uma relação
constante entre Carlos, o que relembra, e Carlitos, aquele cujo passado é
rememorado a partir das principais ações da época. Cada momento de
vida do narrador simboliza um momento da história. O narrador adulto
traz para a narrativa todas as experiências vividas e as mudanças pelas
quais passou, inclusive, as ideológicas. Portanto, podemos afirmar que ao
enunciar desde o presente também constam marcas da degradação do
tempo no espaço da cidade contemporânea.
O passado modela a nossa vida no presente e somos o que somos
por conta disso e das informações recuperadas pela memória,
corroborada pela escritura. As informações prestadas pela memória de
Carlos permitem ao leitor construir certa fidelidade entre o real e a
narração, pois somos capazes de reconhecer coerência em suas imagens
e o fato ocorrido. Segundo Ricoeur (2003, p. 192):
Qualquer que seja a falta originária da confiabilidade do
testemunho, não temos em última análise, nada melhor que o
testemunho para nos assegurar de que algo ocorreu, algo
sobre o que alguém atesta conhecer em pessoa e que o
principal, se não o único recurso às vezes, diferente de outras
classes de documentos, segue sendo a confrontação entre
236
testemunhos .
Durante todo o romance, apreciamos o conflito entre o presente do
narrador, que se apóia na memória para trazer os fatos do passado, e o
passado dos adultos daquele momento. Isso é evidente, principalmente,
nas recordações permanentes da mãe de Carlitos, segundo ela, um
tempo maravilhoso. A concepção de Ricoeur refere-se basicamente à
história e nos permite contrapor seu pensamento ao romance, já que o
autor de uma obra pode transmitir testemunhos de uma época, pelo
simples fato de ter presenciado um acontecimento ou participado de uma
ação, e o faz com o auxílio da memória. Ao ler um texto literário, somos
236
“Cualquiera que sea la falta originaria de fiabilidad de testimonio, no tenemos en
último análisis, nada mejor que el testimonio para asegurarnos de que algo ocurrió, algo
sobre lo que alguien atestigua haber conocido en persona, y que el principal, si no el
único recurso a veces, aparte de otras clases de documentos, sigue siendo la
confrontación entre testimonios”. [Tradução nossa]
265
levados por vezes a acreditar no discurso de certo personagem, apesar
de sabermos que o mesmo pode não estar ajustado à realidade.
Na passagem abaixo, temos uma recordação de Carlos, a partir do
pensamento de Carlitos, logo após conhecer a mãe de Jim. Nesse
fragmento, o leitor é capaz de perceber a consciência do narrador sobre a
importância daquele dia em sua vida:
Miré la avenida Álvaro Obregón y me dije: voy a guardar intacto
el recuerdo de este instante porque todo lo que existe ahora
mismo nunca volverá a ser igual. Un día lo veré como la más
remota prehistoria. Voy a conservarlo intacto porque hoy me
enamoré de Mariana. ¿Qué va a pasar? No pasará nada. Es
imposible que algo suceda. ¿Qué haré? ¿Cambiarme de
escuela para no ver a Jim y por tanto no ver a Mariana?
¿Buscar una niña de mi edad? Pero a mi edad nadie puede
buscar a ninguna niña. Lo único que puede es enamorarse en
secreto, en silencio, como yo de Mariana. Enamorarse
sabiendo que todo está perdido y no hay ninguna esperanza.
(PACHECO, 1981, p. 31)
A memória ocupa um papel importante na vida do narrador, já que
menciona “voy a guardar intacto el recuerdo de este instante”. Mas, nesse
momento, o leitor pode questionar se tal consciência ocorre na infância de
Carlitos ou de Carlos, que mais maduro, recorda os acontecimentos e
lhes atribui o devido valor. Incomoda-nos pensar o fato de um menino da
idade de Carlitos ter clareza para avaliar a importância do acontecimento
e da memória. De acordo com Verani (1994, p. 264), a narrativa de
Pacheco parece simples, porém o leitor deve ser capaz de observar a
originalidade do texto, oculta basicamente nesse jogo de narradores, pois
“[...] se escutam, constantemente indiferenciadas, a voz do adulto que
comunica a visão madura dos fatos e a voz do menino incapaz de
elucidar a situação vivida237”. Acreditamos que seja o narrador adulto o
responsável por dotar de sentido a consciência do narrador pequeno ao
tratar da história com olhar crítico.
Pacheco expressa em sua narrativa o crescimento de Carlitos e o
da própria cidade, onde ambos são arrastados pelas mudanças impostas
pela modernização e pela globalização neoliberal:
Sólo en el confinamiento entendemos que vivir es tener
espacio. Hubo un tiempo feliz en que podíamos movernos,
237
“[...] se oyen, constantemente indiferenciadas, la voz del adulto que comunica la
visión madura de los hechos y la voz del niño incapaz de dilucidar la situación vivida”.
[Tradução nossa].
266
salir, entrar y ponernos de pie o sentarnos. Ahora todo cayó
(PACHECO, 1981, p. 64)
A globalização acaba por romper as relações entre os sujeitos da
cidade, as relações entre a família, os gestos mais humanos como um
simples carinho ou um beijo desaparecem. A metrópole tenta sobreviver
na constante mutação de suas formas e novos discursos em seu interior.
A racionalidade é a única arma de defesa. Ao final do relato, o discurso do
narrador resume a indiferença da vida cotidiana e a vontade de apagar da
memória o passado de incerteza, dor e angústia:
Qué antigua, qué remota, qué imposible esta historia. Pero
existió Mariana, existió Jim, existió cuanto me he repetido
después de tanto tiempo de rehusarme a enfrentarlo. Nunca
sabré si el suicidio fue cierto. Jamás volví a ver a Rosales ni a
nadie de aquella época. Demolieron la escuela, demolieron el
edificio de Mariana, demolieron mi casa, demolieron la colonia
Roma. Se acabó esa ciudad. Terminó aquel país. No hay
memoria del México de aquellos años. Y a nadie le importa: de
ese horror quién puede tener nostalgia (PACHECO, 1981, p.
67-68)
Estudar a história não se resume somente à soma de informações
sobre diferentes acontecimentos, muito menos esse é o papel do
romance de Pacheco, mas também sobre a valorização dos registros do
passado, seus elementos formadores, entre eles a memória. O texto
literário funciona como uma mostra fornecida ao leitor para que esse
busque o limite do narrado com o real; isto é, o romance vale como um
registro simbólico. Interessa-nos destacar no discurso do narrador acima
sua inquietude diante da impossibilidade de precisar sua história.
Ao mesmo tempo em que o narrador revela uma leitura de um país
repleto de problemas, projeta uma imagem de esperança de novos
tempos, período marcado no discurso do narrador por meio de um ano
específico, o de 1980. Vale ressaltar que um ano após foi a data de
publicação da primeira versão da obra. O narrador revela sua imagem de
cidade do futuro, que talvez fosse aquela esperada após o período de
Alemán no poder:
Para el impensable 1980 se auguraba – sin especificar cómo
íbamos a lograrlo – un porvenir de plenitud y bienestar
universales. Ciudades limpias, sin injusticia, sin pobres, sin
violencia, sin congestiones, sin basura. Para cada familia una
casa ultramoderna y aerodinámica (palabras de la época). A
nadie le faltaría nada. Las máquinas harían todo el trabajo.
Calles repletas de árboles y fuentes, cruzadas por vehículos sin
267
humo ni estruendo ni posibilidad de colisiones. El paraíso en la
tierra. La utopía al fin conquistada (PACHECO, 1981, p. 11)
O discurso do narrador adulto esconde uma dimensão crítica e um
forte desengano, características do homem moderno, já que o contexto
mexicano retratado era o da multiplicação dos meios de comunicação de
massa e a sociedade de consumo. A visão retratada do futuro por Carlos
assemelha-se à da propaganda, tanto política como publicitária, sendo
essa última aquela dos sonhos de moradia ideal difundida pelos jornais e
revistas, além da importação do modelo de vida dos Estados Unidos. O
narrador demonstra o crescimento da cidade e o prestígio da figura de
Alemán:
Afortunadamente en México no había guerra desde que el
general Cárdenas venció la sublevación de Saturnino Cedillo.
Mis padres no podían creerlo porque su niñez, adolescencia y
juventud pasaron sobre un fondo continuo de batallas y
fusilamientos. Pero aquel año, al parecer, las cosas andaban
muy bien: a cada rato suspendían las clases para llevarnos a la
inauguración de carreteras, avenidas, presas, parques
deportivos, hospitales, ministerios, edificios inmensos […] Por
la regla general era nada más un montón de piedras. El
presidente inauguraba enormes monumentos inconclusos a sí
mismo. Horas y horas bajo el sol sin movernos ni tomar agua
[…] esperando la llegada de Miguel de Alemán. Joven,
sonriente, simpático, brillante, saludando a bordo de un camión
de redilas con su comitiva (PACHECO, 1981, p. 16)
Em contrapartida, em várias cenas da narrativa, o governo de
Alemán é duramente criticado. A mãe de Carlitos tece uma leitura da
Cidade do México como um espaço capaz de corromper a honestidade e
os bons costumes de seus habitantes, atribuindo a culpa à falta de
medidas mais severas para punir tais culpados. Mas como almejar isso se
o próprio sistema é considerado como corrompido?
No cesaba de repetir mi madre, estábamos en la maldita
ciudad de México. Lugar infame, Sodoma y Gomorra en espera
de la lluvia de fuego, infierno donde sucedían monstruosidades
nunca vistas en Guadalajara […] Siniestro Distrito Federal en
que padecíamos revueltos con gente de lo peor. El contagio, el
mal ejemplo. Dime con quién andas y te diré quién eres
(PACHECO, 1981, p. 50)
A mãe de Carlitos em outra crítica ao governo de Alemán238 nos
fornece uma pista exata do momento, portanto, do contexto político, em
que o narrador adulto recupera suas lembranças:
238
Após o término do governo de Alemán, o general Miguel Henríquez Guzmán disputa
as eleições, em 1952, mas perde para Adolfo Ruiz Cortines, filiado ao Partido
268
Tanto quejarse de los militares, decía, y ya ven cómo anda el
país cuando imponen en la presidencia a un civil. Si no le
hubieran hecho fraude a mi general Henríquez Guzmán,
México estaría tan bien como Argentina con el general Perón.
Ya verán, ya verán cómo se van a poner aquí las cosas en
1952. Me canso que, con el PRI o contra el PRI, Henríquez
Guzmán va a ser presidente. (PACHECO, 1981, p. 23)
Em outro romance curto do autor, El principio del placer239, a trama
acontece em Veracruz e também encontramos referências históricas
dessa época. O narrador-personagem comenta no relato em forma de
diário, suporte escolhido pelo autor para desenvolver a narrativa, a
relação entre seu pai, o governo e o exército. Faz menção ao período do
presidente Miguel Alemán e do seu sucessor, Ruiz Cortines240:
Revolucionário Institucional (PRI) e ex-oficial e chefe da Secretaria de Governo do
presidente Alemán (entre 1941 e 1944 e de 1948 a 1951). Em 1952, a vitória de Ruiz
Cortines nas urnas levou inúmeros protestos reprimidos com violência em vários locais
da República. O segundo lugar obtido por Miguel Henríquez Guzmán gerou intensos
protestos dessa camada contrária ao monopólio do Partido Revolucionário Institucional.
Apesar disso, os resultados em nada alteraram a realidade dos fatos e Guzmán retirouse da vida pública até sua morte, no ano de 1972. Ruiz Cortines, em seu mandato,
apoiou a construção de redes ferroviárias, estradas, escolas, hospitais; promoveu a
integração da capital com a região costeira; criou projetos para melhorar as condições de
vida da sociedade rural; projetos de reforma agrária; mudou a constituição do país,
possibilitando a mulher direitos iguais aos do homem, como o direito ao voto nas
eleições federais a partir do ano de 1953; promoveu programas de habitação; o avanço
da indústria de pequeno e médio porte; desenvolveu a indústria petroquímica e de
energia nuclear; impulsionou a educação em todos os níveis, principalmente melhorando
a estrutura e os equipamentos da Universidad Nacional Autónoma de México
(VASCONCELOS, 1975). Porém, seu governo também passou por alguns momentos de
crise como no ano de 1954, quando se dá a fuga de capital externo e a desvalorização
da moeda nacional diante das estrangeiras. Ruiz Cortines, último presidente a participar
da Revolução Mexicana, entrega o poder em 1958. A alusão e o desejo da mãe de
Carlitos em idealizar um mandato em que Guzmán assumiria a presidência do país por
fim não se concretizou na realidade. Cabe ressaltar que Guzmán deixou o PRI no ano de
1951 por desavenças ideológicas. O intelectual mexicano José Vasconcelos, no livro
clássico Breve Historia de México, citado inclusive pelo narrador do texto de Pacheco
como umas das leituras daquela época, define o PRI: “O partido oficial composto dos
militares, os governadores, os presidentes e ex-presidentes, os generais, os chefes e
autoridades de todo gênero, tem em suas mãos toda a riqueza do país e acredita que
possa reger seus destinos, pelos séculos e séculos. ‘Em prol de um México melhor’ é o
lema adotado, fazendo eco do jargão marxista. Sob a autoridade totalitária do PRI, o
238
país não conta sequer com um prefeito que não pertença ao partido oficial”
(VASCONCELOS, 1975, p. 565).
239
No capítulo de análise do conto “La fiesta brava”, traçamos um comentário deste
relato. Nesta narrativa, semelhante à Las Batallas en el desierto, Pacheco expõe através
da voz do narrador-personagem as incertezas de uma sociedade em relação ao governo
do presidente Ruiz Cortines. O diário escrito pelo personagem serve para anunciar o
contexto histórico. As injustiças, a falsa moralidade, a hipocrisia, o poder e as diferentes
manifestações da cultura popular caracterizam a cidade de Veracruz.
240
Outra crítica ao contexto histórico que merece ser pontuada: “Regresó mi padre.
Aseguró que había ido a Jalapa a tratar de asuntos militares con el futuro presidente. (Se
teme que haya una rebelión pues algunos generales lo acusan de ser un traidor que
colaboró con los norteamericanos cuando invadieron Veracruz en 1914. Según mi
269
Las cosas van de mal en peor. Comí en Boca del Río con toda
mi familia y Yolanda, una amiga guapísima de mis hermanas.
En un momento en que mis padres fueron a otra mesa, para
saludar a don Adolfo Ruiz Cortines, el viejito que dentro de
pocas semanas será presidente (PACHECO, 1997, p. 35)
Retomando a análise de Las Batallas en el desierto, a cidade no
decorrer da narrativa vai assumindo sua posição como um personagem,
demonstrando seu crescimento rumo a ser uma mega-cidade. As forças
de produção capitalista, a promessa de novos empregos e de melhores
serviços públicos são pontos positivos vislumbrados no discurso do
narrador. A classe média tenta se adaptar ao processo de modernização
e à inserção cada vez mais intensa de empresas norte-americanas. No
entanto, a presença de camadas marginais na cidade ainda permanece:
Si vas a Romita, niño, te secuestran, te sacan los ojos, te
cortan las manos y la lengua, te ponen a pedir caridad y el
Hombre del Costal se queda con todo. De día es un mendigo;
de noche un millonario elegantísimo gracias a la explotación de
sus víctimas. El miedo de estar cerca de Romita. El miedo de
pasar en tranvía por el puente de avenida Coyoacán: sólo
rieles y durmientes; abajo el río sucio de La Piedad que a
veces con las lluvias se desborda (PACHECO, 1981, p. 14)
Essa dupla permanência é notória na vida daqueles que habitam a
cidade
contemporânea,
gerando
um
sentimento
de
medo241.
O
pensamento da mãe de Carlitos expressa o medo da classe média urbana
ao se deslocar dentro de “sua” cidade. De acordo com Magatti (2009, p.
8-9),
[...] enquanto os bairros centrais são valorizados e tornam-se
objeto de grandes investimentos urbanísticos, outras áreas são
corroídas pela degradação e tornam-se marginais. Quem
possui recursos econômicos ou tem condições de deslocar-se
tenta se defender criando verdadeiros enclaves.
Os principais medos presentes no imaginário coletivo são
decorrentes da própria humanidade. Num mundo social idealizado, na
busca contínua pela segurança e pela proteção, os sofrimentos humanos
surgem da própria fragilidade dos nossos corpos e do convívio com os
demais. Conforme Bauman (2009, p. 55), “a segurança pessoal tornou-se
muito importante, talvez o argumento de venda mais necessário [...] o
familia, es una calumnia porque Ruiz Cortines, aunque no sea brillante ni simpático al
estilo de Miguel Alemán, es un hombre honrado. Cuando menos no parece un ladrón
como los demás […] Tiene casi sesenta años, como el cura Hidalgo y Venustiano
Carranza, las momias más vetustas de la historia de México)”. (PACHECO, 1997, p. 36).
241
Buscamos desenvolver mais o tema no capítulo de análise do conto “Shelter”.
270
‘capital do medo’ pode ser transformado em qualquer tipo de lucro político
ou comercial”.
Já que a vida na cidade está cada vez mais propensa ao perigo
angustiante, um número maior de indivíduos busca áreas residenciais e
espaços de lazer isolados. As micrópoles funcionam como um exemplo
dessa busca por um refúgio separado da grande cidade. O isolamento é
visto como uma alternativa para se obter qualidade de vida, pois se
mantêm, teoricamente, fora da desconcertante e ameaçadora vida
urbana. Além disso, os moradores de condomínios242, por exemplo, se
isolam também de todos aqueles considerados socialmente inferiores. A
cidade moderna constrói-se a partir da necessidade de proteção
individual. Segundo Bauman (2009, p. 42), a proposta desses espaços
vetados “é a de claramente dividir, segregar, excluir, e não criar pontes,
convivências agradáveis e locais de encontro, facilitar as comunicações e
reunir os habitantes da cidade”. O medo transforma-se numa fonte do
capitalismo em nossa sociedade. Ao explorá-lo, os veículos de
comunicação acabam por reforçar a sensação de caos em nossas
atitudes.
Não há como manter uma relação de convívio sem que o medo se
expresse, porque o ser humano é alimentado, em grande parte, por
diferentes
emoções.
O
medo
acompanha-nos
e
garante
nossa
sobrevivência física desde o início do percurso histórico e evolutivo. Por
ser uma emoção, o medo não resulta de uma experiência obtida de modo
passivo, mas sim da resposta do organismo provocada pela consciência
de um perigo iminente ou presente, provocada pela vivência num espaço
coletivo.
O histórico empresarial do pai de Carlitos é descrito pelo narrador
como de insucessos:
Para colmo mi padre – despreciado, a pesar de su título de
ingeniero, por ser hijo de un sastre – dilapidó la herencia del
suegro en negocios absurdos como un intento de línea aérea
entre las ciudades del centro y otro de exportación de tequila a
los Estados Unidos. Luego, a base de préstamos de mis tíos
242
Para garantir essa vida tranqüila e segura, o sujeito busca diferentes proteções:
cercas e muros ao redor das casas e dos condomínios, vigilantes diários, câmeras e
outros aparelhos de segurança, guardas armados, carros blindados, roupas de proteção,
aulas de autodefesa e outros.
271
maternos, compró la fábrica de jabón que anduvo bien durante
la guerra y se hundió cuando las compañías norteamericanas
invadieron el mercado nacional (PACHECO, 1981, p. 48-49)
O pai de Carlos, dono de uma pequena fábrica de sabão, acaba
vendendo-a a um poderoso consorcio de detergentes e se vê obrigado a
aprender inglês para incorporar-se ao âmbito gerencial: “Mi padre había
vendido la fábrica y acababan de nombrarlo gerente al servicio de la
empresa norteamericana que absorbió sus marcas de jabones”
(PACHECO, 1981, p. 58). Com isso, sua família aproxima-se do mundo
capitalista. O narrador nos comenta a atitude de sua mãe em busca dos
salões de beleza, já que aquela imagem de mulher mexicana tradicional,
a que cuida da casa e do esposo, construída no início da narrativa, é
repensada pela própria personagem ao observar as facilidades da vida
moderna: “‘Alfonso y Marcos’, donde mi madre se hacía permanente y
maniquiur antes de tener coche propio y acudir a un salón de Polanco”
(PACHECO, 1981, p. 59). Observamos que a mãe de Carlitos já possui
automóvel e se preocupa com sua imagem, em acompanhar a moda.
O narrador revela a apreensão de seu pai para dominar a língua
dos negócios do mundo capitalista:
No conozco otra persona adulta que en efecto haya aprendido
a hablar inglés en menos de un año. Ciertamente no le
quedaba otro remedio. (PACHECO, 1981, p. 55)
[…]
Acababa de aprobar, el primero en su grupo de adultos, un
curso nocturno e intensivo de inglés y diariamente practicaba
con discos y manuales (…) Muy de mañana, después del
ejercicio y antes del desayuno, repasaba sus verbos irregulares
– be, was/ were, been; have, had, had; get, got, gotten; break,
broke, broken; forget, forgot, forgotten – y sus pronunciaciones
– Apple, wordl, country, people, business – que para Jim eran
tan naturales y para él resultaban de lo más complicado.
(PACHECO, 1981, p. 47)
Pacheco oferece esse exemplo ao leitor como meio de anunciar a
reação da classe média às mudanças impostas pela globalização: “Mi
padre no salía de su fábrica de jabones que se ahogaba ante la
competencia y la publicidad de las marcas norteamericanas” (PACHECO,
1981, p. 23). A globalização trouxe graves consequências aos países
latino-americanos.
272
Centramos nossa atenção, a partir deste momento do estudo, na
figura de Mariana, personagem objeto de desejo do narrador e imagem de
mulher moderna, oposto ao retrato de mulher mexicana do contexto da
narrativa, e de demais ações decorrentes dessa relação intencional
proposta por Pacheco como denúncia do desgaste do tempo243 nas
grandes urbes.
Pacheco em Las Batallas en el desierto parece adotar os
pressupostos do movimento de arte popular Pop art, principalmente
britânico e americano, cuja denominação se empregou pela primeira vez
no ano de 1954244, pelo crítico inglês Lawrence Alloway, como forma de
destacar o consumismo dos produtos da cultura ocidental, com destaque
aos provenientes dos Estados Unidos. A estética Pop Art surge como um
tipo de arte com o objetivo de se comunicar com o público através dos
símbolos da cultura de massa e do próprio cotidiano, a partir das
experiências do artista e do espectador.
Nos Estados Unidos, a
tendência ganha força nos anos sessenta com repercussão internacional.
O mundo descobre os sinais da modernidade, da sociedade de
consumo, dos meios de comunicação de massa e do uso intensivo de
imagens corriqueiras da televisão, do cinema, dos cartuns e da
publicidade, fundamentalmente importadas dos Estados Unidos.
Os artistas da Pop Art tinham como objetivo problematizar os
conceitos de arte e de cultura a partir da vivência num mundo em
243
Pacheco opina que a passagem do tempo ensina o homem a valorizar mais as coisas
ao seu redor. O escritor chega a essa conclusão a partir da recordação do passado:
“Quizás hay ahí cierto determinismo por ser yo de Ciudad de México, donde hemos
vivido tan claramente ciertas destrucciones. Pasé toda mi vida por la Plaza de
Insurgentes, que han destruido, pero ya no recuerdo qué había allí, la destrucción
material se lo lleva todo” (ARGUELLES, 2009)
244
Pop Art é uma abreviação em inglês com o significado de Arte Popular. Encontramos
indícios que, desde o final da década de 1950, um grupo de artistas já empregava
símbolos e imagens do universo da propaganda dos Estados Unidos em temáticas de
suas obras. A estética apropriou-se de temas de linha surrealista, cubista (collage) com a
noção de fragmentação e do dadaísmo, de Duchamp. A Pop art consta como uma arte
divergente ao expressionismo abstrato dominante até o momento da Segunda Guerra
Mundial, porque envolve elementos e materiais da realidade na leitura do mundo. A arte
é entendida como pertencente à grande massa e recebe novos contornos, cores
intensas e tamanhos enormes. A escultura e a pintura aderem novas linguagens e
materiais, como o gesso, o plástico, o lixo. Num primeiro momento, a estética parecia
uma crítica e um rompimento com as belas artes, porém seu objetivo marca a
necessidade de uma releitura da arte em que novas configurações estéticas sejam
permitidas e possíveis. In: (HOHL, 2007).
273
constante processo de mudança e de reprodução de imagens e costumes
importados. Mas, ao mesmo tempo em que produzia uma crítica, a Pop
Art precisava dos símbolos de consumo, promovendo, inclusive, a
profusão dos mesmos, como ocorreu, por exemplo, com o trabalho de
serigrafia sobre tela de embalagens de latas de sopas Campbell e de
garrafas de Coca-Cola, de Warhol. O mesmo artista apropria-se, em
1967, da imagem da atriz norte-americana Marilyn Monroe para denunciar
que um mito também pode ser descartável assim como uma lata.
Campbell (1968) e Coca-cola (1962), de Andy Warhol
O romance de Pacheco está repleto de elementos denunciadores
de uma provável aproximação a essa estética. O autor denuncia seu
interesse pelas artes plásticas ao intitular o capítulo II como “Los
desastres de la guerra”, uma possível alusão à uma série de gravuras do
pintor espanhol Francisco de Goya, retratadas entre 1810 e 1815, em que
o artista, em sua decadência física, denunciava as torturas cometidas na
Guerra da Independência Espanhola. O principal retrato de alusão à Pop
Art é o retrato da personagem Mariana, conforme comentaremos mais
adiante neste capítulo.
Outra referência significativa da proximidade do romance de
Pacheco a tal estética artística é o trabalho do pai de Carlitos numa
fábrica de sabão, como também já mencionamos neste capítulo. A
expansão
de
mercado,
proporcionada
pelos
detergentes
norte-
americanos, pode ser compreendida pela voz do narrador-personagem:
274
Anunciaban por radio los nuevos detergentes: Ace, Fab, Vel, y
sentenciaban: El jabón pasó a la historia. Aquella espuma que
para todos (aún ignorantes de sus daños) significaba limpieza,
comodidad, bienestar y, para las mujeres, liberación de horas
sin término ante el lavadero, para nosotros representaba la
cresta de la ola que se llevaba nuestros privilegios (PACHECO,
1981, p. 23)
As caixas de detergente também tiveram uma importância na obra
de Andy Warhol, que cria sua Brillo boxes, na Stable Gallery, em 1964,
com o objetivo de questionar o conceito de arte (MATOS JÚNIOR, 2009).
245
Brillo boxes (1964), de Andy Warhol
Encontramos registros da ajuda financeira de grandes marcas de
detergentes e de sabão norte-americanas como patrocinadoras dos meios
de comunicação, inclusive, sendo vinculadas à aparição do gênero
seriado ou rádio novela, denominado em inglês como soap opera. Isso só
deixa mais evidente o uso dos produtos da Pop Art no romance de
Pacheco. Essa tentativa de aproximar seu romance à noção de
coletividade e rechaço de traços elitistas da Pop Art aparecem nas
entrelinhas do seu texto “Una defensa del anonimato”, em que Pacheco
(1984) se coloca:
Acaso leyó usted que Juan Ramón Jiménez pensó hace medio
siglo en editar una revista poética que iba a llamarse
Anonimato. Anonimato publicaría poemas, no firmas: estaría
hecha de textos y no de autores. Y yo quisiera como el poeta
español que la poesía fuese anónima ya que es colectiva (a
eso tienden mis versos y mis versiones).
245
As obras de Andy Warhol estão disponíveis no site: <http://www.warhol.org/>. Último
acesso em 09 nov. 2010.
275
O desejo e a defesa por um trabalho mais coletivo não impediram a
criação de um estilo artístico próprio do escritor mexicano. Pacheco
consegue captar os detalhes e os grandes fatos da história. A escolha do
título de seu romance curto ressalta sua delicadeza ao usar a linguagem.
Pensamos que o título Las Batallas en el desierto faz referência direta a
um aspecto da história, aos conflitos, a partir de 1948, entre árabes e
israelenses por conta de controles de territórios e de fronteiras. Pacheco
consegue retratar tais guerras de modo singular ao transportá-las para o
universo infantil e da escola, como recupera Carlos de sua memória:
Jugábamos en dos bandos: árabes y judios. Acababa de
establecerse Israel y había guerra contra la Liga Árabe. Los
niños que de verdad eran árabes y judíos sólo se hablaban
para insultarse y pelear. Bernardo Mondragón, nuestro
profesor, les decía: Ustedes nacieron aquí. Son tan mexicanos
como sus compañeros. No hereden el odio. (PACHECO, 1981,
p. 13)
O capítulo inicial do romance, “El mundo antiguo”, já mencionado
antes neste capítulo, retrata esse ambiente de pós-guerra, evocando a
tradicional sociedade mexicana alerta à evolução e ao desenvolvimento
das sociedades da América do Norte. Apesar de o narrador relembrar a
inexistência da televisão, sem especificar a data haja vista a dúvida
temporal gerada na primeira linha da narrativa, não deixa de mencioná-la
e em seguida constam inúmeras referências a uma sociedade de
consumo principiante e a aparição dos meios de comunicação,
configurando a existência de uma cultura popular. O narrador também
menciona inúmeros nomes de programas de rádio e de personalidades da
época como mecanismo de aproximar o leitor à cultura popular:
Las aventuras de Carlos Lacroix, Tarzán, El Llanero Solitario,
La Legión de los Madrugadores, Los Ninõs Catedráticos,
Leyendas de las calles de México, Panseco, El Doctor I.Q., La
Doctora Corazón desde su Clínica de Almas. Paco Malgesto
narraba las corridas de toros, Carlos Albert era el cronista de
fútbol, el Mago Septién transmitía el beisbol. (PACHECO, 1981,
p. 9)
Conforme já citamos, o rádio, as marcas de carros norteamericanos e supermercados aparecem como sinais da industrialização
do México a caminho da modernização. Além disso, a imprensa e o
cinema também são mencionados como meios de comunicação de
276
massa, assumindo um papel relevante no romance, principalmente o
último:
Decían los periódicos: El mundo atraviesa por un momento
angustioso. El espectro de la guerra final se proyecta en el
horizonte. (PACHECO, 1981, p. 11)
[…]
Íbamos a ver películas de Errol Flynn y Tyrone Power, a
matinés con una de episodios completa: La invasión de Mongo
era mi predilecta. (PACHECO, 1981, p. 9)
O romance curto de Pacheco está repleto de sinalizadores da
transculturação (“el lenguaje importado y la multiplicación de palabras”)
vivida pelos mexicanos no período de Alemán, da modernidade
(“supermercados”), da sociedade de consumo norte-americana (“radio”,
“televisión”, “cine”, “grandes titulares de los periódicos”) e de objetos e
imagens (“hamburguesas”, “jotdogs”, “Coca-cola”246) da corrente artística
Pop Art, cuja finalidade, como tratamos, era de criar uma arte moderna,
de acordo com o progresso, o avanço da industrialização e do
consumismo.
A Coca-cola aparece em algumas cenas importantes do romance
de Pacheco. A primeira na relação dos produtos mexicanos substituídos
pelos norte-americanos: “La cocacola sepultaba las águas frescas de
jamaica” (PACHECO, 1981, p. 12); a segunda, quando Carlitos visita a
Mariana com o intuito de anunciar-lhe seu amor: “¿Quieres un chocolate,
una cocacola, un poco de agua mineral?” (PACHECO, 1981, p. 37),
pergunta a mãe de Jim. A terceira e última menção dá-se no último
encontro entre Carlitos e Rosales:
Nos sentamos en la tortería. Pidió una de chorizo, dos de lomo
y un Sidral Mundet. ¿Y tú, Carlitos: no vas a comer? No puedo:
me esperan en mi casa. Hoy mi mamá hizo rosbif que me
encanta. Si ahora pruebo algo, después no como. Tráigame
por favor una coca bien fría. (PACHECO, 1981, p. 60)
A cena acima revela a transculturação sofrida pela família de
Carlitos. Entre os muitos elementos de transculturação dispostos no
decorrer da narrativa, destaca-se a Coca-cola, revelando a integração à
cultura norte-americana por parte de seus familiares ou dele próprio.
246
Cabe destacar que alguns artistas da Pop Art exploraram o universo do fast food,
entre eles destacamos Andy Warhol.
277
Carlitos joga tênis no Junior Club, lê um romance de Perry Mason, sente
nojo ao observar a maneira como Rosales se alimenta, viaja a Nova York
para passar as férias. A modernidade tomou conta da vida de Carlitos
como podemos perceber nas cenas abaixo:
Un mediodía yo regresaba de jugar tenis en el Junior Club. Iba
leyendo una novelita de Perry Mason en la banca transversal
de un Santa María (PACHECO, 1981, p. 58)
[...]
Trajeron el servicio. Rosales mordió la torta de chorizo. Antes
de masticar el bocado tomó un trago de sidral para
humedecerlo. Me dio asco [...] Hambre atrasada y ansiedad:
devoraba. Con la boca llena me preguntó [...] Temí que se
asfixiara [...] Come lo que quieras y cuanto quieras – yo pago.
(PACHECO, 1981, p. 60-61)
[…]
Yo con mi raqueta de tenis, mi traje blanco, mi Perry Mason en
inglés, mis reservaciones en el Plaza (PACHECO, 1981, p. 6465)
Pacheco com seu romance, semelhante aos artistas da Pop Art,
defende uma literatura plural; luta contra o caráter individual da obra de
arte. Tanto o resgate dos produtos industriais, característico da estética
Pop Art, como o emprego por Pacheco de múltiplos símbolos culturais de
uma época, entre eles, os programas de rádio, as canções, os filmes, as
personagens de filmes e histórias em quadrinho sinalizam o desejo
artístico de pensar a arte de modo autenticamente popular e o interesse
de inserir tais elementos na realidade cotidiana. Ademais, os produtos e
imagens característicos da sociedade de consumo também constituem a
essência de uma época, inclusive seus paradoxos, capazes de
perpetuarem a memória de um grupo ou suas mudanças históricas na
sociedade daquela época.
O romance de Pacheco permite ao leitor repensar inúmeras
questões e verificar como o autor critica a sociedade, a partir do momento
em que trata alguns temas, entre eles, citamos: a uniformização do modo
de vida do mexicano, a intensa transculturação, o crescimento
desordenado da urbe, a industrialização excessiva, o idealismo pelos
objetos da modernidade, o consumismo, o poder, o mercantilismo e a
corrupção. Vale a pena resgatar o título irônico do capítulo III da obra, “Alí
278
Babá y los cuarenta ladrones”. Segundo Bauman (1999), temas como
esses apresentam um lado positivo e outro negativo para a sociedade,
como a busca pelo progresso e o medo à catástrofe, o otimismo e o
pessimismo, a riqueza e a pobreza, o sonho e os traumas, o excesso e a
simplicidade.
O narrador recupera uma passagem em que demonstra uma
tentativa de um religioso do país de frear o avanço norte-americano em
busca de uma sociedade mais igualitária: “Monseñor Martínez, arzobispo
de México, decretó un día de oración y penitencia contra el avance del
comunismo” (PACHECO, 1981, p. 23). Outra, no sentido de denunciar a
xenofobia gerada pela vida numa cidade caótica. O narrador destaca a
aversão de sua mãe pelos mexicanos nascidos na capital e o ensino dado
a Carlitos pela escola, após uma briga na escola com Rosales, quando
ele o estereotipa de pobre e indígena:
Detestaba a quienes no eran de Jalisco. Juzgaba extranjeros al
resto de los mexicanos y aborrecía en especial a los
capitalinos. Odiaba a la colonia Roma porque empezaban a
desertarla las buenas familias y en aquellos años la habitaban
árabes y judíos y gente del sur: campechanos, chiapanecos,
tabasqueños, yucatecos (PACHECO, 1981, p. 22)
[…]
Gracias a la pelea mi padre me enseñó a no despreciar […]
Llamé ‘indio’ a Rosales. Mi padre me dijo que en México todos
éramos indios aun sin saberlo ni quererlo, y si los indios no
fueran al mismo tiempo los pobres nadie usaría esa palabra a
modo de insulto. Me referí a Rosales como ‘pelado’. Mi padre
señaló que nadie tiene la culpa de estar en la miseria, y antes
de juzgar mal a alguien debía pensar si tuvo las mismas
oportunidades que yo (PACHECO, 1981, p. 24)
Pacheco constrói um relato em que o retrato de uma época
constitui o plano de fundo para tratar do amor impossível de um menino
pela mãe de seu amigo. O romance não é totalmente nostálgico, mas
adota uma linguagem precisa e um olhar crítico para tratar de questões
sociais. Segundo Verani (1994, p. 263), o autor “[...] parte do cotidiano e
imediato, do irrelevante mundo da adolescência, com o propósito de
279
reconstruir o espaço sócio-cultural de um momento histórico, o do México
da Segunda Guerra Mundial247”.
Antes de mencionar o nome da personagem de Mariana ou mesmo
tornar mais evidente o tema do amor proibido em seu romance, Pacheco
oferece ao leitor algumas pistas para que se construa aos poucos o
retrato da mãe de Jim. O narrador menciona, no primeiro capítulo da obra,
a letra de um bolero: “Volvía a sonar en todas partes un antiguo bolero
puertorriqueño: Por alto esté el cielo en el mundo, por hondo que sea el
mar profundo, no habrá una barrera en el mundo que mi amor profundo
no rompa por ti” (PACHECO, 1981, p. 9-10).
Acreditamos que a
recordação dessa música não seja aleatória, contudo uma evidência logo
nas primeiras páginas do romance do provável amor de Carlitos por
Mariana. A expressão “no habrá” na letra do bolero afirma a inexistência
de uma barreira em relação à idealização desse amor, haja vista a
diferença de idade entre ambos.
Outro sinal da aparição da personagem está na cena cujo narrador
descreve a presença das fotos do rosto do presidente em diferentes
partes do país graças aos “dibujos inmensos, retratos idealizados, fotos
ubicuas, alegorias del progreso [...] alegorias laudatórias” (PACHECO,
1981, p. 10). As referências não possuem um mero intento histórico de
cultivar a imagem e a presença de Miguel Alemán no México daquele
momento, mas nos conduzem à família de Jim, seu pai, “poderosísimo
amigo íntimo y compañero de banca de Miguel Alemán” (PACHECO,
1981, p. 18) e sua mãe, Mariana.
Pacheco denuncia a propaganda política no México e a aparição
da família de Jim ao citar os retratos em sua obra. Ao mesmo tempo,
identificamos mais uma referência à tendência Pop Art: no ano de 1972, o
artista Warhol tece um retrato da figura do líder comunista chinês Mao
Tse-tung. De acordo com Marco Giannotti (2004), o interesse do artista
pela imagem de Mao poderia ser explicado por sua popularidade entre os
jovens
247
ocidentais,
sua
figura
carismática
e
revolucionária.
Os
“[...] parte de lo cotidiano e inmediato, del intrascendente mundo de la adolescencia,
con el propósito de reconstruir el espacio sociocultural de un momento histórico, el de
México de la segunda posguerra”. [Tradução nossa]
280
pensamentos do líder chinês também foram publicados em livro,
ocasionando um número maior de seguidores, motivo suficiente para
chamar a atenção de Warhol.
Mao Tse-tung (1972), de Andy Warhol
248
Essa analogia entre as imagens de Alemán e de Mao é intencional,
pois as fotos e os retratos assumem um importante papel na obra de
Pacheco; demonstram a proliferação dos meios de comunicação, criticam
o excesso de imagens na vida moderna e o uso irresponsável das
mesmas, seja com fins político, erótico, etc.
Ao retratar as inaugurações das obras públicas na cidade e a
presença dos alunos nesses atos, o narrador reforça a importância da
fotografia no mundo moderno, em que prevalece a aparência, como
demonstrada na seguinte cena: “Joven, sonriente, simpático, brillante […],
la eterna viejecita que rompe la valla militar y es fotografiada cuando
entrega al Señorpresidente un ramo de rosas” (PACHECO, 1981, p. 1617). A imagem na obra é o reflexo da necessidade e da velocidade da
vida moderna, em que sobressai a perfeição, a “eterna juventud”,
inclusive da senhora, a quem o narrador com o emprego do termo
“eterna”, relativo à foto, parece querer imortalizar. O retrato é capaz de
vencer as barreiras destrutivas do tempo. Carlos adulto resgata a imagem
de Miguel Alemán como o “Dios Padre” do povo mexicano.
248
Disponível em: <http://www.warhol.org/>. Último acesso em 09 nov. 2010.
281
Outro enigma relacionado ao tema da imagem (retrato/foto) no
romance, nesse trajeto que nos leva a Mariana, está na forma como o
narrador constrói a imagem do pai de Jim. A descrição desse personagem
é um tanto misteriosa:
En las inauguraciones, que ya formaban parte natural de la
vida, Jim decía: Hoy va a venir mi papá. Y luego: ¿Lo ven? Es
el de la corbata azulmarina. Allí está junto al presidente
Alemán. Pero nadie podía distinguirlo entre la cabecitas bien
peinadas con linaza o Glostora. Eso sí: a menudo se
publicaban sus fotos. (PACHECO, 1981, p. 17)
Fato esse bastante questionado pelos amigos de escola de Jim, já
que seu pai só existia nas imagens dos jornais e devido às fotos oficiais
do governo: “Jim cargaba los recortes en su mochila. ¿Ya viste a mi papá
en el Excélsior? Qué raro: no se parecen en nada. Bueno, dicen que salí
a mi mamá. Voy a parecerme a él cuando crezca” (PACHECO, 1981, p.
17). O narrador resgata da memória a cena da desconfiança dos amigos
de Jim, devido ao fato de ele não se parecer com o pai.
O narrador, o adulto do nosso ponto de vista, também desconfia de
aspectos da vida de Jim, como por exemplo, o de estudar numa escola de
classe média, o de morar num bairro simples, como podemos ver na
lembrança a seguir:
Era extraño que si su padre tenía un puesto tan importante en
el gobierno y una influencia decisiva en los negocios, Jim
estudiara en un colegio de mediopelo, propio para quienes
vivíamos en la misma colonia Roma […] Aún más indescifrable
resultaba que Jim viviera con su madre no en una casa de Las
Lomas, o cuando menos Polanco, sino en un departamento en
un tercer piso cerca de la escuela. Qué raro (PACHECO, 1981,
p. 18-19)
Os meninos da escola e o narrador compartilham as mesmas
imagens, dúvidas e acusações à família de Jim e a seu pai:
[...] Se decía en los recreos: la mamá de Jim es la querida de
ese tipo. La esposa es una vieja horrible que sale mucho en
sociales. Fíjate cuando haya algo para los niños pobres (je je
mi papá dice primero que los hacen pobres y luego les dan
limosna) y la verás retratada: espantosa, gordísima. Parece
guacamaya o mamut. Y él, terciaba Ayala, no es hijo de ese
cabrón ratero que está chingando a México sino de un
periodista gringo que se llevó a la mamá a San Francisco y
nunca se casó con ella. El Señor no trata muy bien al pobre de
Jim. Dicen que tienen mujeres por todas partes. Hasta estrellas
de cine y toda la cosa. La mamá de Jim sólo es una entre
muchas (PACHECO, 1981, p. 19)
282
Na cena anterior, aparece a primeira alusão direta à mãe de Jim, a
partir de alguns comentários envolvendo os mistérios da vida do menino.
A existência de outra mulher, a esposa oficial, é mencionada pelas notas
e fotos dos jornais. As fotos de Alemán, as do pai de Jim e as de sua
esposa oficial nos aproximam de Mariana, por quem vai se apaixonar
Carlitos. Em Batallas, a história coletiva serve para filtrar a história
pessoal de Carlos.
A menção à dessemelhança entre Jim e seu pai, criando uma
possibilidade de filiação menos prestigiosa e uma atmosfera de mistérios,
também, está retratada no fragmento anterior. A mãe de Carlitos também
levanta suspeitas e tece leituras da mãe de Jim: “[...] Porque en realidad
no se sabe quién habrá sido el padre entre todos los clientes de esa
ramera pervertidora de menores” (PACHECO, 1981, p. 50). O nome de
Jim de origem norte-americana também gera incertezas e, talvez, explicase pela origem de seu verdadeiro pai.
A beleza da mãe de Jim começa a ser destacada, “[...] la mamá de
Jim es joven, muy guapa, algunos creen que es su hermana” (PACHECO,
1981, p. 19) em oposição ao espantoso retrato da mulher oficial do Señor,
sinalização utilizada na obra para se referir ao “suposto pai” de Jim. A
imagem da esposa oficial, aquela responsável pelas atividades caseiras,
envolvida em atividades sociais e envelhecida pelo matrimônio, retrata
novamente a imagem da mulher mexicana tradicional, escrava da
dominação masculina e do machismo, em contraste com a beleza e a
elegância de Mariana, fruto da industrialização e dos modelos norteamericanos.
No decorrer da narrativa, o retrato da mãe de Carlitos vai sendo
construído para o leitor. No início, ela é refém do conservadorismo, mas
acaba por evoluir devido à modernização da cidade e do país, além de se
estabelecer como pertencente à classe média mexicana. O retrato da
mãe de Rosales também consta no relato, mas plasma uma pessoa
maltratada, seja pelas adversidades da vida, seja pelo domínio do
homem, mas também representa o oposto da jovialidade da mãe de Jim:
“A los veintisiete años su madre parecía de cincuenta […] Rosales dormía
283
sobre un petate en la sala. El nuevo hombre de su madre lo había
expulsado del único cuarto” (PACHECO, 1981, p. 26).
O texto associa a mãe de Jim às estrelas do cinema, mais uma
referência direta aos novos meios de comunicação, ao mencionar que o
Señor possuía várias mulheres, inclusive estrelas de cinema. Mariana era
um desses muitos casos. Em contrapartida, a mulher oficial só aparece
em atividades decorrentes do trabalho do marido, em funções que lhe
exigiam compaixão e caridade.
Outra referência ao cinema aparece quando o narrador descreve a
empolgação de Carlitos e Jim ao assistirem algumas produções norteamericanas:
Los viernes, a la salida de la escuela, iba con Jim al Roma, el
Royal, el Balmori, cines que ya no existen. Películas de Lassie
o Elizabeth Taylor adolescente. Y nuestro predilecto: programa
triple visto mil veces: Frankenstein, Drácula, El Hombre Lobo.
O programa doble: Aventuras en Birmania y Dios es mi
copiloto. O bien [...] Adiós, míster Chips. Me dio tanta tristeza
como Bambi. Cuando a los tres o cuatro años vi esta película
de Walt Disney, tuvieron que sacarme del cine llorando porque
los cazadores mataban a la mamá de Bambi (PACHECO,
1981, p. 20-21)
Ao recordar a tristeza pelo assassinato ficcional da mãe de
249
Bambi
, Carlitos retrata as imagens atrozes da vida nas grandes urbes e
o vestígio do caos gerado pelas temidas guerras:
En la guerra asesinaban a millones de madres. Pero no lo
sabía, no lloraba por ellas ni por sus hijos; aunque en el
Cinelandia – junto a las caricaturas del Pato Donald, el Ratón
Mickey, Popeye el Marino, el Pájaro Loco y Bugs Bunny –
pasaban los noticieros: formación de bombas cayendo a plomo
sobre las ciudades, cañones, batallas, incendios, ruinas,
cadáveres (PACHECO, 1981, p. 21)
As figuras dos personagens infantis norte-americanos predominam
no imaginário das crianças daquele momento. O narrador apresenta tal
influência quando mostra a diminuição do interesse pelas leituras das
aventuras dos clássicos infantis nacionais ou hispânicos. A amizade de
Jim influencia a mudança de hábitos do narrador-personagem:
Una y otra vez le rogaba que me llevara a su casa para ver los
juguetes, los libros ilustrados, los cómics. Jim leía cómics en
inglés que Mariana le compraba en Sanborn´s. Por tanto
249
O filme de animação, considerado um clássico, produzido pelos estúdios Disney foi
lançado pela primeira vez em 13 de agosto de 1942. Acreditamos que a data possibilita
contextualizar o leitor na leitura do romance, já que Pacheco alguns dados verídicos.
284
despreciaba nuestras lecturas: Pepín, Paquín, Chamaco,
Cartones, para algunos privilegiados el Billiken argentino o El
Peneca chileno (PACHECO, 1981, p. 34)
O narrador relembra não gostar dos comentários entre os meninos
da escola sobre a vida de Jim (“No es cierto, les contestaba yo. No sean
así”). Porém, ao mesmo tempo em que demonstra uma preocupação com
a privacidade da vida de seu amigo, acaba por desconfiar do caráter de
seu pai e do governo de Alemán, ao recuperar as imagens abaixo.
Paulatinamente, o leitor aproxima-se da história do pai de Jim por conta
da alusão do narrador aos retratos de Alemán e aos atos públicos
acompanhados pelos alunos.
[...] el ganador de millones y millones a cada iniciativa del
presidente: contratos por todas partes, terrenos en Acapulco,
permisos de importación, constructoras, autorizaciones para
establecer filiales de compañías norteamericanas; asbestos,
leyes para cubrir todas las azoteas con tinacos de asbesto
cancerígeno; reventa de leche en polvo hurtada a los
desayunos gratuitos en las escuelas populares, falsificación de
vacunas y medicinas, enormes contrabandos de oro y plata,
inmensas extensiones compradas a centavos por metro,
semanas antes de que se anunciaran la carretera o las obras
de urbanización que elevarían diez mil veces el valor de aquel
suelo; cien millón de pesos cambiados en dólares y
depositados en Suiza el día anterior a la devaluación
(PACHECO, 1981, p. 18-19)
O narrador retrata-nos algumas recordações que podemos
classificar como contraditórias, como as anunciadas no parágrafo anterior.
Carlitos menciona a hipocrisia como um defeito humano e também faz
revelações de seu pai, atitudes que fogem dos bons costumes e do
modelo de família tradicional, corrompido com o sistema capitalista:
Todos somos hipócritas, no podemos vernos ni juzgarnos como
vemos y juzgamos a los demás. Hasta yo que me daba cuenta
de nada sabía que mi padre llevaba años manteniendo la casa
chica de una señora, su exsecretaria, con la que tuvo dos niñas
(PACHECO, 1981, p. 41-42)
Ninguém se atrevia a fazer tão cruéis críticas ou revelações a Jim,
mas o mesmo parecia já prever os comentários e sempre se justificava,
brigava e se indispunha com os meninos da escola, exceto com Carlitos,
já que o próprio narrador comenta “Jim se ha hecho mi amigo porque no
soy su juez” (PACHECO, 1981, p. 20). O narrador recupera a leitura de
Alcaraz em relação ao pai de Jim, corroborando com a imagem do
sistema de corrupção descrita na cena anterior:
285
[...] ‘Trabajando a servicio de México’: Alí Babá y los cuarenta
ladrones. Dicen en mi casa que están robando hasta lo que no
hay. Todos en el gobierno de Alemán son una bola de
ladrones. Ya que te compre otro suetercito con lo que nos roba
(PACHECO, 1981, p. 20)
A construção e a compreensão do retrato de Mariana dependem
desse percurso traçado por nós.
No capítulo V da narrativa, Pacheco retoma a letra do bolero
anunciado no primeiro capítulo como título, “Por hondo que sea el mar
profundo”, possibilitando o anúncio do amor entre Carlitos e Mariana. Vale
a pena destacar que para chegar nesse momento, o narrador já traz
consigo algumas visitas a casa de outros amigos, como na de Rosales e
Harry, e reconhece o papel delas no lar e na própria sociedade
mexicana250. Não acontece diferente ao visitar a casa de seu amigo Jim.
O ambiente é o primeiro a chamar a atenção do narrador, tanto pelo
cheiro quanto pelos objetos “El departamento olía a perfume, estaba
ordenado y muy limpio. Muebles flamantes de Sears Roebuck”
(PACHECO, 1981, p. 27). O narrador imagina qual seria o segredo dessa
mulher já que era bonita, se cuidava e mantinha um apartamento
arrumado, inclusive Jim informa que eles não tinham empregada.
Novamente o narrador reforça a diferença entre o contexto de Mariana e o
de sua mãe. O cheiro do perfume parecia envolver-lhe numa atmosfera
de curiosidade e sensualidade.
As fotos afirmam mais uma vez sua importância na obra. Elas vão
conduzir à obsessão do narrador por Mariana. No início, ele descreve as
imagens da sala como um mero espectador: “Una foto de la señora por
Semo, otra de Jim cuando cumplió un año (al fondo el Golden Gate),
varias del Señor con el presidente en ceremonias, en inauguraciones”
(PACHECO, 1981, p. 27). O contato com Mariana e as fotos fazem com
que ela se transforme em objeto de desejo e de pura fascinação por
Carlitos, como ele mesmo coloca “Me hubiera gustado quedarme allí
mirándola” (PACHECO, 1981, p. 27). Novamente, reforçamos que esse
250
O papel assumido pela mulher na sociedade mexicana constitui mais uma referência
histórica na obra, pois foi no governo de Ruiz Cortines que elas começam a lutar em prol
de direitos. Outra menção na narrativa aparece quando Rosales comenta da atitude de
sua mãe: “Mi mamá se quedó sin trabajo porque trató de formar un sindicato en el
hospital” (PACHECO, 1981, p. 61).
286
encontro possibilita o amadurecimento de Carlitos: “Pero no me
importaban los juguetes. Oye, ¿cómo dijiste que se llama tu mamá?”
(PACHECO, 1981, p. 28). O desejo é a busca por uma auto-afirmação do
personagem. O narrador revela que Jim a chama pelo nome e isso acaba
por simbolizar um diferencial entre ela e as outras mães, escapando ao
destino de progenitora.
Ao preparar um lanche para Carlitos e Jim, a admiração por
Mariana aumenta, e a comida parece lhe envolver ainda mais naquele
ambiente. A situação constrói a imagem de uma mulher fascinante e
desejada:
Y nos sentamos. Yo frente a ella, mirándola. No sabía qué
hacer: no probar bocado o devorarlo todo para halagarla […]
Me encantan, señora, nunca había comido nada tan delicioso.
Pan Bimbo, jamón, queso Kraft, tocino, mantequilla, ketchup,
mayonesa, mostaza […] ¿Quieres más platos voladores? Con
mucho gusto te los preparo (PACHECO, 1981, p. 29)
A forma como foi recebido por Mariana fez o narrador, mais uma
vez, comparar a realidade de sua casa e uma experiência na de Rosales,
o que deixou aparente a distância entre as realidades presenciadas. Os
produtos e os objetos utilizados pela mãe de Jim não faziam ainda parte
do contexto das outras mães:
Eran todo lo contrario del pozole, la birria, las tostadas de pata,
el chicharrón en salsa verde que hacía mi madre (PACHECO,
1981, p. 29)
[…]
Me recibió muy amable y, aunque no estaba invitado, me hizo
compartir la cena. Quesadillas de sesos. Me dieron asco.
Chorreaban una grasa extrañísima semejante al aceite para
coches (PACHECO, 1981, p. 26)
Ao se despedir, Carlitos avisa que pedirá a sua mãe que lhe
prepare aqueles sanduíches (“platos voladores”) ou utilize tais produtos
(“asador”), porém, como intervém Jim, “No hay en México [...] Si quieres
te lo traigo ahora que vaya a los Estados Unidos” (PACHECO, 1981, p.
30). Além disso, a fascinação mais intensa é a de permanecer naquele
apartamento ou pelo menos levar uma foto de Mariana como lembrança
daquele instante único. O narrador expressa essa sensação atordoante:
“Como me hubiera gustado permanecer allí para siempre o cuando
menos llevarme la foto de Mariana que estaba en la sala”. (PACHECO,
287
1981, p. 30). O encontro despertou também a sensibilidade do narrador
para o sentimento do amor expresso numa letra de bolero, ouvida numa
estação de rádio:
Hasta ese momento la música había sido nada más el Himno
Nacional, los cánticos de mayo en la iglesia, CriCri, sus
canciones infantiles […] y la melodía circular, envolvente,
húmeda de Ravel con que la XEQ iniciaba sus transmisiones a
las seis y media, cuando mi padre encendía la radio para
despertarme con el estruendo de La Legión de los
Madrugadores. Al escuchar el otro bolero que nada tenía que
ver con el de Ravel, me llamó la atención la letra. Por alto esté
el cielo en el mundo, por hondo que sea el mar profundo
(PACHECO, 1981, p. 30-31)
O capítulo V é o primeiro momento em que o narrador resolve
chamar de amor ao que está sentido por Mariana (“Hoy me enamoré de
Mariana”), porém em seguida não sabe como conseguirá manter esse
sentimento em se tratando da mãe de seu melhor amigo e pelo fato da
idade de Mariana:
¿Qué va a pasar? [...] Es imposible que algo suceda. ¿Qué
haré? ¿Cambiarme de escuela para no ver a Jim y por tanto no
ver a Mariana? ¿Buscar una niña de mi edad? Pero a mi edad
nadie puede buscar a ninguna niña. Lo único que puede es
enamorarse en secreto, en silencio, como yo de Mariana.
Enamorarse sabiendo que todo está perdido y no hay ninguna
esperanza (PACHECO, 1981, p. 31)
Carlitos demonstra durante a narrativa ser uma criança curiosa. Já
o narrador adulto nos dá sinais de um sujeito dúbio, afinal recorda
melancólico daquele amor e da própria vida numa época melhor,
comparada à cidade desde o presente que enuncia. Carlitos não possui
idade para o namoro, tanto que confirma isso em seu discurso. O amor de
Mariana não poderá ser correspondido e Carlitos parece ter consciência
disso, porém o bolero, ao fundo, possibilita-lhe acreditar em suas
emoções. A última frase de seu discurso resume a impossibilidade desse
amor já apresentada ao leitor e, de certo modo, o tema do desengano
traçado na obra de Pacheco.
O capítulo VI revela no título “obsesión” como se resume a vida de
Carlitos após aquela descoberta do amor na casa de Jim. Não podemos
afirmar se Carlitos (o narrador criança) teria condições de se posicionar
de modo tão crítico e expressivo em relação aos seus sentimentos ou se
na verdade Carlos (o narrador adulto) demonstra, após ter vivenciado
288
outras experiências, aquela loucura de infância. O narrador reconhece
nesse capítulo o erro de ter construído esse amor: “¿Cómo puedes
haberte enamorado de Mariana si sólo la has visto una vez y por su edad
podría ser tu madre? Es idiota y ridículo porque no hay ninguna
posibilidad de que te corresponda” (PACHECO, 1981, p. 33-34).
O narrador dialoga com a voz de seu interior, como num solilóquio,
e reconhece que tudo será em vão. No entanto, em seguida, mostra não
conseguir controlar sua obsessão em rever Mariana: “[...] únicamente
repetía su nombre como si el pronunciarlo fuera a acercarla [...] Mariana
se había convertido en mi obsesión” (PACHECO, 1981, p. 34-35). Carlitos
criava situações para ir à casa de Jim. Como mencionado no capítulo III,
os dois tinham o hábito de ir ao cinema às sextas e depois Carlitos
aproveitava o ensejo para tentar rever Mariana:
Como siempre nos dejaban mucha tarea sólo podía ir los
viernes a casa de Jim. A esa hora Mariana se hallaba
invariablemente en el salón de belleza, arreglándose para salir
de noche con el Señor. Volvía a las ocho y media o nueve y
jamás pude quedarme a esperarla (PACHECO, 1981, p. 34)
O narrador levanta uma questão relacionada à intimidade de
Mariana, quando nos demonstra mais uma vez o tema da beleza e o da
sedução na obra. Parece que Pacheco quis retratar uma espécie de
prática do voyeurismo, cujo leitor e o narrador vão descobrindo aos
poucos os segredos e as armas de sedução de Mariana. Carlitos retrata
ter visto outra foto de Mariana nua, quando bebê, o que nos demonstra
outra cena puramente erotizada, cujo corpo transforma-se em objeto de
fetiche e pensamentos afetuosos:
Una vez, al abrir Jim un closet, cayó una foto de Mariana a los
seis meses, desnuda sobre una piel de tigre. Sentí una gran
ternura al pensar en lo que por obvio nunca se piensa: Mariana
también fue niña, también tuvo mi edad, también sería una
mujer como mi madre y después una anciana como mi abuela.
Pero en aquel entonces era la más hermosa del mundo
(PACHECO, 1981, p. 35)
A pele de tigre é outro elemento para aguçar a imaginação e o
desejo de Carlitos. Nesse momento, ele percebe a evolução do corpo de
Mariana até assumir o objeto de obsessão que o envolve. A foto, mais
uma vez na narrativa, reforça o amor do personagem. Segundo
Guberman (1998, p. 33), “a sociedade capitalista desenvolveu técnicas de
289
produção acelerada, introduzindo como instrumento de propaganda o
próprio corpo251”. De acordo com Paz (1993), na modernidade, a família,
os valores, as crenças e as instituições evoluem e ganham novos
sentidos. Para Paz, a modernidade dessacralizou o sentido do corpo252,
pois para o ensaísta mexicano o mesmo nunca esteve oculto, mas coube
ao homem moderno reconhecer seu verdadeiro significado.
O capítulo termina com o resgate da letra de bolero, que remete à
profundidade do mar (“por hondo que sea el mar profundo”), fazendo
possivelmente uma alusão erótica à Mariana253. A umidade do mar é
simbolizada como elemento representativo do corpo feminino.
Mariana é um retrato fiel da Pop Art, da mulher moderna anunciada
nas propagandas e nos meios de comunicação que chegam ao universo
cultural
mexicano.
Mariana
é
a
imagem
da
mulher
mexicana
contemporânea, aquela que mantém o diálogo, compreensiva, tolerante,
que mora num apartamento repleto de produtos e tecnologias da
sociedade norte-americana, espaço de desejo de muitos. A mãe de Jim é
construída quase como um ser vazio, sem profundidade, uma imagem
publicitária. A personagem parece querer denunciar os retratos de
personalidades vazias e impessoais retratadas por Andy Warhol, como as
estrelas da música e do cinema. No capítulo III, a imagem de Mariana é
retratada como uma “estrella de cine”.
Pacheco critica a imagem pela imagem, a imagem estática, a
artificial, a da publicidade e do cinema de Hollywood, a dos cartuns. Vale
assinalar que, todas as sextas, o cinema fornece imagens de mulheres
dos anos quarenta e cinqüenta, nas quais o narrador evoca as atrizes
Elizabeth Taylor, adolescente, e Rita Hayworth. Pacheco pode ter se
251
“La sociedad capitalista desarrolló técnicas de producción acelerada, introduciendo
como instrumento de propaganda el propio cuerpo”. [Tradução nossa]
252
Para aprofundamento desse tema, sugerimos a leitura de Goldenberg (2007).
253
No conto “La cautiva”, de Pacheco, o narrador personagem relata a descoberta de um
corpo feminino nas ruínas de um antigo convento, mulher essa que em vida teve um
caso extraconjugal com um monge. O personagem do padre refere-se à mulher como “la
puerta del demonio. Por ella entró el Mal en el paraíso y lo convirtió en este valle de
lágrimas” (PACHECO, 2000, p. 45). A imagem de Mariana pode ser vista como a de uma
mulher pervertedora de menores, ou seja, a imagem do mal que desvirtua o caminho da
boa moral.
290
baseado nos “cómics en inglés”, os quais Mariana comprava254 para Jim
em lojas importadas e fascinavam tanto a Carlitos, para construir a
imagem dessa mulher.
Carlitos resolve, após muito pensar consigo mesmo, declarar seu
amor a Mariana no capítulo “Hoy como nunca”. Aparece novamente a
referência à idéia de umidade ao empregar o termo “nublado”: “Hasta que
un día – un día nublado de los que me encantan y no le gustan a nadie –
sentí que era imposible resistir más” (PACHECO, 1981, p. 36). Como
narrado no capítulo anterior, Pacheco escreve o texto de modo que
Carlitos revele aos poucos a vida privada de Mariana, como num ritual de
voyeurismo. Carlitos estava na escola assistindo aula de língua nacional,
primeira alusão à aprendizagem de algo da própria cultura, quando
resolve sair em segredo e visitar a Mariana para lhe contar o que não
consegue mais esconder. A cena descrita permite ao narrador idealizar
ainda mais a mãe de Jim como um objeto sexual:
Toqué el timbre del departamento 4. Una dos tres veces. Al fin
me abrió Mariana: fresca, hermosísima, sin maquillaje. Llevaba
un kimono de seda. Tenía en la mano un rastrillo como el de mi
padre pero en miniatura. Cuando llegué se estaba afeitando las
axilas, las piernas. Por supuesto se asombró al verme [...] De
algún modo los dos nos sentamos en el sofá. Mariana cruzó las
piernas. Por un segundo el kimono se entreabrió levemente.
Las rodillas, los muslos, los senos, el vientre plano, el
misterioso sexo escondido. (PACHECO, 1981, p. 36-37)
Mesmo sem maquiagem, o narrador revela a beleza de Mariana.
Carlitos parece percorrer o corpo de Mariana ao desvendar sua
intimidade. A alusão aos pelos de seu corpo permite-nos novamente
enxergar o fetiche provocado por Mariana no protagonista. O retrato
descrito de Mariana remete mais uma vez à imagem de glamour das
mulheres retratadas no cinema e das revistas de publicidade. Essa
imagem das mulheres norte-americanas aparece mais adiante na
narrativa, quando o pai do narrador lê algumas revistas em inglês: “Mi
padre me esperaba muy serio en la antesala, entre números maltratados
254
Os brinquedos norte-americanos de Jim, mencionados no capítulo V do romance,
aludem à obra de outro artista da Pop Art, ao pintor estado-unidense Roy Lichtenstein,
cujo universo artístico girava ao redor do tema de armas, aviões e explosões. Ou seja,
retratos dos brinquedos trazidos pelo “pai” de Jim dos Estados Unidos. O artista também
retratou temas americanos em suas histórias em quadrinhos, com o predomínio de
imagens de mulheres artificiais, sanduíches e outros símbolos do consumismo.
291
de Life, Look, Holiday” (PACHECO, 1981, p. 47). A recordação de Carlitos
revela imagens de uma sexualidade invisível (“sin maquillaje”, “Mariana
cruzó las piernas”, “el sexo escondido”) e ao mesmo tempo visível
(“fresca”, “hermosísima”, “el kimono se entreabrió levemente”) para ser
fruto de desejo do homem, seja do Señor ou de Carlitos.
A pesquisadora Cynthia Steele (1994, p. 284) define a imagem de
Mariana da seguinte maneira:
[...] é o máximo consumidor e o máximo produtor de consumo,
eternamente adquirindo móveis, artigos de cozinha, roupa e
cosméticos, porém produzindo unicamente imagens comerciais
255
de si mesma como fetiche para o consumidor masculino .
A imagem de Mariana reflete a sociedade de consumo da vida
moderna, em que ela se submete à economia do desejo. Sua exibição a
transforma numa mercadoria. Apesar da imagem de mulher moderna, ela
não deixa de ser submissa ao homem, já que é um homem, o Señor, que
a mantém, mas, por outro lado, também a domina como um objeto sexual.
Isso reforça a imagem da personagem como uma mulher passiva, cuja
vida depende do dinheiro e do desejo de um homem. Mariana não
representa o modelo ultrapassado de mulher mexicana, “escrava do lar”,
já que tem acesso aos produtos e às facilidades norte-americanas, porém
acaba sendo uma escrava daquele que lhe proporciona tal “liberdade”.
A aproximação de Carlitos ao corpo feminino também começa
quando o mesmo vai ao cabeleireiro e se depara com algumas revistas do
gênero. O espaço do salão de beleza não é aleatório no texto de
Pacheco, pois remete a outro lugar característico da beleza e da
feminilidade:
Junto a las revistas políticas estaban Vea y Vodevil. Aproveché
que el peluquero y su cliente, absortos, hablablan mal del
gobierno. Escondí el Vea dentro del Hoy y miré las fotos de
Tongolele, Su Muy Key, Kalantán, casi desnudas. Las piernas,
los senos, la boca, la cintura, las caderas, el misterioso sexo
escondido. (PACHECO, 1981, p. 42)
A cena de Carlitos, recordando as imagens das mulheres da
revista, também evoca a noção de visível e invisível do corpo feminino. O
255
“[…] es a la vez el máximo consumidor y el máximo producto de consumo,
eternamente adquiriendo muebles, artilugios de cocina, ropa y cosméticos, y sin
embargo produciendo únicamente imágenes comerciales de sí misma como fetiche para
el consumidor masculino”. [Tradução nossa]
292
narrador diz que precisou esconder a revista dentro de um jornal para
conseguir observar, mesmo que por alguns minutos, o “misterioso sexo
escondido”.
Segundo a pesquisadora Cynthia Steele (1994, p. 283), a imagem
de Mariana nua, vestida de roupão de seda e portando uma espécie de
barbeador eletrônico, evidencia o erotismo e o perigo, a beleza e a
tecnologia a serviço do homem e antecipa a imagem do suicídio da
personagem, ocorrido no final da trama.
Começamos a desconfiar do desejo erótico camuflado pelo menino
já em sua infância, ao relembrar as imagens das revistas destinadas a
adultos, dos detalhes do corpo de atrizes do cinema e da beleza da
empregada de sua casa. Além disso, em sua própria casa, o menino nos
revela não ter bons exemplos. O próprio Carlitos sabia da outra família de
seu pai, e seu irmão, Héctor, tinha um passado obscuro, envolvimento
com drogas e com a violação de mulheres, como podemos perceber
abaixo:
[…] en aquella época: sirvientas que huían porque ‘el joven’
trataba de violarlas (guiado por la divisa de su pandilla: ‘Carne
de gata, buena y barata’, Héctor irrumpía a medianoche,
desnudo y erecto, enloquecido por sus novelitas, en el cuarto
de la azotea; forcejeaba con las muchachas y durante los
ataques y defensas Héctor eyaculaba en sus camisones sin
lograr penetrarlas: los gritos despertaban mis padres; subían;
mis hermanas y yo observábamos todo agazapados en la
escalera de caracol […] Héctor se endrogó con sus amigos del
parque Urueta e hizo destrozos en un café de chinos.
(PACHECO, 1981, p. 52)
A convivência com Héctor poderia ter provocado no narrador os
mesmos sintomas de certo desespero sexual do irmão mais velho? O
narrador não responde diretamente a tal pergunta, tenta buscar
explicações para seu desejo incontrolável por Mariana, mas acaba por
acreditar que todas suas loucuras sejam explicadas pelo simples fato do
amor. Após a família descobrir sua paixão, o narrador se justifica “Pero no
estaba arrepentido ni me sentía culpable: querer a alguien no es pecado,
el amor está bien, lo único demoniaco es el odio” (PACHECO, 1981, p.
44).
293
Carlos adulto conduz o leitor ao presente da enunciação quando
expõe a imagem regenerada de seu irmão. O próprio narrador parece não
acreditar na possibilidade tão notória de mudança:
Héctor, quién lo viera ahora. El cincuentón enjuto, calvo,
solemne y elegante en que ha convertido mi hermano. Tan
grave, tan serio, tan devoto, tan respetable, tan digno en su
papel de hombre de empresa al servicio de las transnacionales.
Caballero católico, padre de once hijos, gran señor de la
extrema derecha mexicana. (PACHECO, 1981, p. 51)
Retornando ao momento da reveleção de Carlitos à Mariana, a
cena do roupão faz analogia à outra pintura da Pop Art, a Woman in bath,
de 1963, do artista norte-americano Rony Lichtenstein, em que uma
mulher bonita e sorridente, típica imagem publicitária da mulher feliz, está
numa banheira segurando uma esponja, outra referência possível à
empresa de sabão e detergentes norte-americanos da obra, presente no
romance e financiadora de propagandas, já que esses produtos veiculam
o cuidado ao corpo e a preocupação com a higiene. Destacamos também
que graças à venda desses produtos, a família de Carlitos assume a
posição de classe media alta na sociedade mexicana e começa a adotar
costumes dos Estados Unidos. O emprego do pai de Carlitos
proporcionou, inclusive, a educação de seus irmãos no exterior: “Héctor
estudiaba en la Universidad de Chicago y mis hermanas mayores en
Texas” (PACHECO, 1981, p. 58).
Woman in bath (1963), de Roy Lichtenstein
256
256
Disponível no site: < http://www.lichtensteinfoundation.org/>. Acesso: 09 nov. 2010.
294
Carlitos expressa seus sentimentos à Mariana e essa recebe a
notícia sem se assustar com a sinceridade do menino:
Te entiendo perfectamente [...] Ahora tienes que
comprenderme y darte cuenta de que eres un niño como mi
hijo y yo para ti soy una anciana: acabo de cumplir veintiocho
años. De modo que ni ahora ni nunca podrá haber nada entre
nosotros. (PACHECO, 1981, p. 38)
As palavras de Mariana ressaltam sua preocupação em fazer com
que Carlitos não sofra no presente e mesmo no futuro: “¿Verdad que me
entiendes? No quiero que sufras” (PACHECO, 1981, p. 38). O narrador
descreve toda a confusão de sentimentos e a tristeza que o assola, mas
destaca com suavidade o momento em que Mariana pede para lhe
segurar suas mãos e o beijo no rosto. O beijo recebido foi simples, como
aqueles recebidos por Jim ao chegar da escola, mas Carlitos sente seu
corpo estremecer ao ser beijado.
A mãe de Carlitos, ao tomar conhecimento da relação e do amor
deste por Mariana e de saber que o mesmo lhe revelou seu sentimento,
fica indignada e busca explicações para tal tragédia, inclusive recorre à
religião. Nunca havia acontecido um fato semelhante em sua família
conforme aparece no discurso do narrador:
Mi madre insistía en que la nuestra – es decir, la suya – era
una de las mejores familias de Guadalajara. Nunca un
escándalo como el mío. Hombres honrados y trabajadores.
Mujeres devotas, esposas abnegadas, madres ejemplares.
Hijos obedientes y respetuosos. (PACHECO, 1981, p. 49)
Ela sabe que a vida na cidade grande é repleta de imoralidades, e
talvez esteja aí a explicação para tal ato de impudor de Carlitos. A mãe de
Carlitos reconhece nos meios de comunicação de massa a sua parcela de
culpa, porque acabam criando ilusões nas cabeças dos jovens: “Ve las
revistas, la radio, las películas: todo está hecho para corromper al
inocente” (PACHECO, 1981, p.56).
O pensamento da mãe de Carlitos destaca de forma nítida seu
olhar em relação à sociedade moderna. O texto de Pacheco denuncia a
mudança do homem, dos valores e da família diante da vida
contemporânea, corroborando a visão de Berman (1986), Bauman (2005)
e García Canclini (1999) para as mudanças da mentalidade do sujeito na
vida moderna. A vida errante de Héctor também seria, segundo a mãe do
295
narrador, uma motivação para que esse se desviasse do caminho do bem
e da moral:
Nunca pensé que fueras un monstruo. ¿Cuándo has visto aquí
malos ejemplos? Dime que fue Héctor quien te indujo a esta
barbaridad. El que corrompe a un niño merece la muerte lenta
y todos los castigos del infierno. Anda, habla, no te quedes
llorando como una mujerzuela. Di que tu hermano te
malaconsejó para que lo hicieras […] Todavía tienes el cinismo
de alegar que no has hecho nada malo. En cuanto se te baje la
fiebre vas a confesarte y a comulgar para que Dios Nuestro
Padre perdone tu pecado. (PACHECO, 1981, p. 41)
O discurso da mãe de Carlitos está fortemente marcado pelo
catolicismo como salvação para o pecado do mundo. No confessionário257
e movido pelas rezas de sua mãe, o narrador reconhece seu desvio:
[...] Gracias a mis primeros viernes, seguía acumulando
indulgencias. Mi madre se quedó en una banca, rezando por mi
alma en peligro de eterna condenación. Me hinqué ante el
confesionario. Muerto de pena, le dije todo al padre Ferrán
(PACHECO, 1981, p. 43)
Porém, a conversa com o padre da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
lhe inculcou mais dúvidas e lhe gerou a imaginação de cenas proibidas
não pensadas por ele a partir das perguntas induzidas pelo padre:
¿Estaba desnuda? ¿Había un hombre en la sala? ¿Crees que
antes de abrirte la puerta cometió un acto sucio? […] ¿Has
tenido malos tactos? ¿Has provocado derrame? No sé que es
eso, padre. Me dio una explicación muy amplia. Luego se
arrepintió, cayó en cuenta de que hablaba con un niño incapaz
de producir todavía la materia prima para el derrame, y me
echó un discurso que no entendí: Por obra del pecado original,
el demonio es el príncipe de este mundo y nos tiende trampas,
nos presenta ocasiones para desviarnos del amor a Dios y
obligarnos a pecar: una espina más en la corona que hace
sufrir a Nuestro Señor Jesuscristo (PACHECO, 1981, p. 43-44)
O discurso do padre parece não levar em conta seu diálogo com
um menino da idade de Carlitos, contudo revela o desejo de alimentar sua
curiosidade. Os argumentos e a “involuntaria guia práctica para la
masturbación” referidos pelo padre Ferrán impressionam de tal modo a
Carlitos, a ponto desse revelar “Llegué a mi casa con ganas de intentar
los malos tactos y conseguir el derrame. No lo hice. Recé veinte
padresnuestros y cincuenta avesmarías. Comulgué al día siguiente”
(PACHECO, 1981, p. 44). O desespero da família de Carlitos era tanto
257
A imagem do confessionário será empregada por Pacheco em outro conto
denominado “La zarpa” analisado também nesta tese.
296
que o levaram ao consultório psiquiátrico. Os médicos também não
chegam a um consenso do problema do menino:
Es un problema edípico clarísimo, doctor. El niño tiene una
inteligencia muy por debajo de lo normal. Está sobreprotegido y
es sumiso […] Discúlpeme, Elisita, pero creo todo lo contrario:
el chico es listísimo y extraordinariamente precoz […] La
conducta atípica se debe a que padece desprotección, rigor
excesivo de ambos progenitores, agudos sentimientos de
inferioridad: es, no lo olvide, de muy corta estatura para su
edad y resulta el último de los hermanos varones […] Anda en
busca del afecto que no encuentra en la constelación familiar
(PACHECO, 1981, p. 46)
Carlitos indigna-se com a conversa dos médicos diante de si, do
envio futuro das respostas dos testes a seus pais e revolta-se porque diz
sofrer simplesmente de amor:
Me dieron ganas de gritarles: imbéciles, siquiera pónganse de
acuerdo antes de seguir diciendo pendejadas en un lenguaje
que ni ustedes mismos entienden […] ¿Por qué no se dan
cuenta de que uno simplemente se enamora de alguien?
¿Ustedes nunca se han enamorado de nadie? (PACHECO,
1981, p. 47)
Para Carlitos passar por tudo isso foi um sofrimento terrível.
Somente Héctor parecia entender seus motivos, apesar de ser irônico
com a situação. A imagem cinematográfica da personagem de Mariana
reaparece quando Héctor parabeniza Carlitos pela aventura e astúcia e a
compara com uma diva dos anos quarenta:
Me pareció estupenda puntada. Mira que meterte a tu edad con
esa tipa que es un auténtico mango, de veras está más buena
que Rita Hayworth. Qué no harás, pinche Carlos, cuando seas
grande. Haces bien lanzándote desde ahora a tratar de coger,
aunque no puedas todavía […] Qué espléndido que con tantas
hermanas tú y yo no salimos para nada maricones (PACHECO,
1981, p. 48)
O discurso de Héctor está impregnado de machismo e também
sugere a iniciação da vida sexual assim com o fez o padre,
intencionalmente ou não.
Por via das dúvidas, seus pais proibiram que Carlitos continuasse
dividindo o mesmo quarto com sua irmã caçula, Estelita, e também o
proibiram de compartilhar o espaço com Héctor. Carlos revive tais
lembranças:
Cuando me declararon perverso, mi madre juzgó que la niña
corría peligro. La cambiaron a la pieza de las mayores, con
gran disgusto de Isabel, que estudiaba en la Preparatoria, y de
297
Rosa María que acababa de recibirse de secretaria en inglés y
español (PACHECO, 1981, p. 54)
[…]
Héctor pidió que compartiéramos la habitación. Mis padres se
negaron. A raíz de sus hazañas policiales y su último intento de
forzar a una criada, Héctor dormía bajo candado en el sótano
(PACHECO, 1981, p. 55)
A mãe de Carlitos trocou-o de escola como forma de distanciá-lo
de Jim, das demais más companhias e da vergonha, pois todos souberam
do caso de seu filho. Carlitos relata sua insatisfação na nova escola e a
constante fixação da imagem de Mariana: “No conocía a nadie. Una vez
más fui el intruso extranjero. No había árabes y judíos ni becarios pobres
ni batallas en el desierto – aunque sí, como siempre, inglés obligatorio”
(PACHECO, 1981, p. 56). Os pais de Carlitos acreditavam na cura do
menino por conta do castigo, da confissão e dos testes psiquiátricos aos
quais se submeteu.
Como forma de estar mais próximo de Mariana, ao menos em
pensamento, Carlitos:
[...] compraba Vera y Vodevil, practicaba los malos tactos sin
conseguir el derrame. La imagen de Mariana reaparecía por
encima de Tongolele, Kalantán, Su Muy Key […] el amor es
una enfermedad en un mundo en que lo único natural es el
odio (PACHECO, 1981, p. 56)
Carlitos relaciona a imagem da mãe de Jim à de uma estrela de
cinema. O destino da falsa atriz Mariana caminha na mesma direção
daquele do personagem Esteban, namorado de Isabel e ator nos anos
trinta quando jovem, porque ambos sofrem desilusões. Pacheco emprega
o casal Isabel e Esteban para igualá-los ao de Mariana e Carlitos, porém
com a diferença que, no primeiro, é a mulher, Isabel, quem se fascina
pelo homem: “en los años treinta Esteban había sido famoso como actor
infantil. Lógicamente, al crecer perdió su vocecita y su cara de inocencia.
Ya no le dieron papeles en cine ni en teatro” (PACHECO, 1981, p. 53). O
narrador fornece pistas para expor a semelhança de sua relação com
Mariana na história de Isabel e Esteban:
Isabel era aficionada fanática. Esteban le parecía maravilloso
porque Isabel lo vio en época de oro y, a falta de Tyrone
Power, Errol Flynn, Clark Gable, Robert Mitchum, o Cary Grant,
Esteban representaba su única posibilidad de besar a un artista
298
de cine. Aunque fuera de cine mexicano (PACHECO, 1981, p.
53).
Semelhante a sua irmã que se apaixonou pela eterna imagem do
jovem Esteban, Carlitos sentiu o mesmo pelas imagens e fotos da
jovialidade de Mariana, considerando-se também como fanático. Carlitos
pode ter se apegado à imagem de Mariana na impossibilidade de estar ao
lado de atrizes como Rita Hayworth e Liz Taylor, citadas por ele.
Mesmo que represente uma atriz de forma indireta e possa ser
considerada uma fantasia (talvez, um fantasma) na vida de Carlitos,
Mariana vai imitar o trágico destino de Esteban e cometer suicídio. De
modo significativo, Pacheco atribui o título de “espectros” ao capítulo. Em
relação ao destino de Esteban, o narrador comenta:
Llegaba a verla borracho, sin corbata, oliendo a rayos, con el
traje manchado y luido, los zapatos sucios [...] aniquilado por el
fracaso, la miseria y el alcoholismo, Esteban se ahorcó en un
íntimo hotel de Tacubaya. A veces pasan por televisión sus
películas y me parece que contemplo a un fantasma
(PACHECO, 1981, p. 53-54)
A lembrança de Carlos adulto daquele amor do passado parece
querer denunciar um arrependimento em tê-lo declarado públicamente:
“Qué estupidez meterme en un lío que pude haber evitado con solo
resistirme a mi imbécil declaración de amor” (PACHECO, 1981, p. 57).
Mas, sabe que não é possível voltar ao tempo passado, somente pela
memória e, imediatamente, se arrepende e retifica o mencionado “[...] hice
lo que debía y ni siquiera ahora, tantos años después, voy a negar que
me enamoré de Mariana” (PACHECO, 1981, p. 57).
A morte de Mariana é revelada ao narrador por seu amigo Rosales,
sinalizando de certa forma um retorno de Carlitos às origens. O narrador
destaca sua surpresa diante das mudanças ocorridas na Colônia Roma:
Los Packards, los Buicks, los Hudsons, los tranvías amarillos,
los postes plateados, los autobuses de colores, los transeúntes
todavía con sombrero (PACHECO, 1981, p. 60)
A Colônia passou pela mesma transformação e destruição ocorrida
no centro da capital mexicana, levando Pacheco (1966, p. 254) a
comentar essa perda do encantamento pelo espaço urbano e da
constante transição da história ao pronunciar:
299
He visto, en la damnificada zona antigua de la capital, que
cuando cae un maravilloso edificio de la colonia o el siglo XIX,
invariablemente lo sustituye un bodrio indómito que bulle en
fachaletas y cristales […] Creer que todo empezó con nosotros,
por nosotros, y terminará cuando acabemos, me parece
l’illusion comique de las generaciones […] La gran enseñanza
del siglo XX es la conciencia de que cuanto hacemos es
provisional y lo que hoy tuvo valor y sentido no lo tendrá
mañana […] Ni mundo ni arte se conciben sin cambios y
movimientos, muertes y resurrecciones. La historia no se
detiene: todo instante es transición.
Essas mudanças são sinalizadas por Pacheco no romance curto,
no qual o crescimento da classe média proporciona uma modernização do
espaço e um rompimento com certos costumes para adoção de novos.
A família de Carlitos enriquece, mas o narrador sinaliza o momento
de crise atravessado pelo país ao mencionar: “Yo que nunca había
trabajado […] Yo el magnánimo que a pesar de la devaluación y de la
inflación tenía dinero de sobra” (PACHECO, 1981, p. 59). Pacheco
introduz novamente um acontecimento do passado mexicano. A que tudo
indica se refere ao governo de Ruiz Cortines, no ano de 1954, momento
de desvalorização da moeda nacional e fuga do capital estrangeiro.
Antes de Rosales anunciar o trágico destino de Mariana, comenta
com Carlitos como estão todos da escola e como repercutiu sua aventura.
Em vários momentos tenta ir direto ao assunto, mas tem receio e por
vezes muda de tema para reiniciar o problema:
Bueno, Carlitos, es que, mira, no sé cómo decirte: en nuestro
salón se supo todo. Eso de la mamá. Jim lo comentó con cada
uno de nosotros. Te odia. Nos dio harta risa no que hiciste.
Qué loco. Para colmo, alguien te vio en la iglesia confesándote
después de tu declaración de amor. Y en alguna forma se
corrió la voz de que te habían llevado con el loquero.
(PACHECO, 1981, p. 61)
Carlitos nada comenta, somente escuta a Rosales, todavia
percebendo que esse lhe queria dizer algo grave, em vários momentos
titubeia na conversa, altera a voz e demonstra nervosismo: “Anda ya de
una vez [...] Di lo que me ibas a decir”. Rosales não encontra saída e
declara “Es que mira, Carlos, no sé cómo decirte: la mamá de Jim murió”
(PACHECO, 1981, p. 62). Carlitos recebe a notícia de modo atônito e aos
poucos vai recuperando a consciência à medida que Rosales lhe explica
os motivos. Nesse momento, também fica comprovado que o verdadeiro
300
pai de Jim vive em San Francisco, Califórnia, e, com a morte de Mariana,
veio em busca do filho.
De acordo com o discurso de Rosales, a morte de Mariana também
se relaciona à situação econômica e política do país naquele momento, já
que ela resolve denunciar os roubos no governo num jantar ao lado do
Señor, como aparece na memória do narrador:
Estaban él y la señora – se llamaba Mariana ¿no es cierto? –
en un cabaret, en un restorán o en una fiesta muy elegante en
Las Lomas. Discutieron por algo que ella dijo de los robos en el
gobierno, de cómo se derrochaba el dinero arrebatado a los
pobres. Al Señor no le gustó que le alzara la voz allí delante de
sus amigos poderosísimos: ministros, extranjeros millonarios,
grandes socios de sus enjuages, en fin. Y la abofetó delante de
todo el mundo y le gritó que ella no tenía derecho de hablar de
honradez porque era una puta (PACHECO, 1981, p. 62)
Ao não saber o nome da mãe de Jim, Rosales confirma a imagem
fantasmal de Mariana. O fato da desavença acontecer num cabaré ou
num restaurante revela uma intenção de Pacheco por detrás disso. Sua
opção por um lugar público pode reforçar o fato de Mariana ser hostilizada
pelo homem que a mantém, afinal ele a ridiculariza diante da “boa
sociedade”, ou seja, daqueles políticos locais e dos contribuintes das
trapaças e armações (“extranjeros millionarios”) do governo; o verdadeiro
capital externo responsável pela presença cada vez menor de produtos e
marcas nacionais. Vale a pena lembrar que o governo do presidente
Alemán foi acusado por sistema de corrupção, em que os políticos
recebiam constantes ajudas financeiras (VASCONCELOS, 1975).
O choque causado em Carlinhos ao ver a morte da mãe de Bambi
pelos caçadores, representada no filme, pode ser revivido, em seu
imaginário, na morte de Mariana. Os caçadores seriam o político e seus
súditos e Jim encarnaria a figura de Bambi, o cervo que junto a seu pai
aprende a dar continuidade a sua vida.
Rosales não narra com exatidão os últimos momentos da vida de
Mariana após pegar um libre, um táxi, como se ela estivesse livre da
relação de dependência com o Señor:
Mariana se levantó y se fue a su casa en un libre y se tomó un
frasco de Nembutal o se abrió las venas con una hoja de
rasurar o se pegó un tiro o hizo todo esto junto, no sé bien
cómo estuvo. El caso es que al despetar Jim la encontró
muerta, bañada en sangre (PACHECO, 1981, p. 62)
301
O final de Mariana está repleto de dúvidas, como uma verdadeira
história de ficção, uma novela televisiva, uma sucessão de clichês, em
que Mariana assume o lugar da atriz. Rosales evoca inúmeras imagens
que permitem ao leitor aferir essa imagem. O próprio narrador tem
dificuldades em acreditar na veracidade dos fatos:
Mariana encontrada bañada en sangre por su hijo […] Yo no
me atreví a verla muerta, pero cuando la sacaron en camilla las
sábanas estaban todas llenas de sangre […] Su mamá le dejó
a Jim una carta en inglés, una carta muy larga en que le pedía
perdón y le explicaba lo que te conté. Creo que también
escribió otros recados – a lo mejor había uno para ti, cómo
saberlo – aunque se hicieron humo (PACHECO, 1981, p. 6263)
Além de informações importantes retratadas por Rosales com certo
voyeurismo e até mesmo em tom acusativo, já que revela o poder do
político em esconder a história do suicídio de Mariana, pois afinal a carta
deixada por ela podia conter informações ameaçadoras e precisou ser
queimada: “el Señor de inmediato le echó tierra al asunto y nos
prohibieron hacer comentarios entre nosotros y sobre todo en nuestras
casas” (PACHECO, 1981, p. 63). Numa atitude ditatorial, o político resolve
calar as possíveis testemunhas. A dúvida plantada por Rosales sobre o
que poderia estar escrito na carta destinada a Carlitos o perturba ainda
mais.
Entretanto, ao mesmo tempo, o narrador não acredita na
veracidade do que escutou, pois mais parece um melodrama:
Rosales, no es posible. Me estás vacilando. Todo eso que me
cuentas lo inventaste. Lo viste en una pinche película mexicana
de las que te gustan. Lo escuchaste en una radionovela cursi
de la XEW. Esas cosas no pueden pasar. No me hagas bromas
por favor (PACHECO, 1981, p. 63)
A imagem do sofrimento de Mariana, retratado no último capítulo
da obra, também se assemelha, novamente, à mulher chorando presente
nos quadros de Pop Art, Crying Girl (1963) e Hopeless (1967), ambos de
Roy Lichtenstein.
O leitor depara-se num primeiro momento com uma narrativa
linear, mas acaba descobrindo inúmeros intertextos no decorrer da leitura
e releituras. Desde o início da narração do último capítulo, tudo remete à
ficção, ao melodrama; como se o autor tivesse a intenção de contaminar a
realidade com o universo dos meios de comunicação, dos cartuns, das
302
novelas radiofônicas, do cinema – outras formas criadoras de ficção.
Como se o narrador-personagem também tivesse participado desse jogo,
afinal menciona “Yo en el papel de la Doctora Corazón desde su Clínica
de Almas” (PACHECO, 1981, p. 59), aludindo a essa troca de realidades.
O que seria identificado como um programa de ficção se transforma em
parte da realidade, em que não há limite entre o ficcional e o real.
Crying Girl (1963) e Hopeless (1967), de Roy Lichtenstein
258
O suicídio de Mariana e de Esteban demonstra a essência da
sociedade de consumo, em que os próprios sujeitos consumistas acabam
por sofrer as consequências do avanço da mesma e se transformam em
vítimas. Mariana tenta revoltar-se contra o sistema numa atitude corajosa
e pública revelando a corrupção de seu amante, porém, apesar de tudo,
seu discurso é silenciado. O suicídio mostra a outra face da sociedade
capitalista e individualista. Ambos os personagem presenciam uma vida
repleta de contradições: felicidade/ desgraça, abundância/ ausência,
amor/ solidão e outros.
Após
rever
o
retrato
de
Mariana
no
decorrer
da
obra,
principalmente, seu desfecho, no último capítulo, como um possível
melodrama mexicano ou a rádio-novela, a nosso ver intensifica a
258
Disponível no site: < http://www.lichtensteinfoundation.org/>. Acesso: 09 nov. 2010.
303
presença da estética Pop Art no texto de Pacheco. A história de Mariana
assemelha-se a da diva do cinema Marilyn Monroe, retrata por And
Warhol259, a partir de 1962 (The two Marilyns).
The two Marilyns (1962), de Andy Warhol
260
Alguns fatores permitem-nos fazer essa analogia: a semelhança
entre seus nomes; a figura sexual de ambas; o fato de Monroe ter sido
amante do presidente John Kennedy, já no caso de Mariana, ela também
era amante de um influente político próximo a Alemán e o final trágico do
suicídio. A atriz norte-americana faleceu261, em 1962, enquanto dormia
em sua casa e sua morte levantou inúmeras suspeitas, prevalecendo a
versão de overdose. Encontramos informações que os dados sobre as
gravações de seus telefonemas, bem como a documentação do FBI sobre
sua morte desapareceram. Amigos e familiares com interesse em buscar
259
Vale destacar que Warhol só começa a pensar nos retratos e serigrafia da artista
após sua morte. Desse modo, ele foi um dos primeiros a eternizar a imagem da atriz,
cujo sucesso após a morte parece em maior proporção que em vida. O artista demonstra
interessar-se por temas reveladores da fraqueza humana, além do sucesso instantâneo.
Marilyn teve um final trágico, Elvis Presley teve depressão e problemas com drogas, já
Elizabeth Taylor, depressão e doenças graves. Os três foram retratados pelo talento de
Warhol.
260
Disponível em: <http://www.warhol.org/>. Último acesso em 09 nov. 2010.
261
A alusão em sua obra da vida de Monroe e, principalmente, o ano de sua morte são
pistas para que o leitor desvende o contexto histórico da obra de Pacheco.
304
evidências receberam ameaças. Tal aproximação do texto de Pacheco à
vida da artista não deve ser mera coincidência.
Mariana é a pura imagem do consumismo no romance de Pacheco,
seja do cinema, da publicidade ou como objeto de desejo. No final do
relato, Carlitos quer comprovar que Mariana não está morta e começa a
se deparar com a morte em todos os lados da cidade: “Vi la muerte por
todas partes […] Vi la muerte en los refrescos: Mission Orange, Spur,
Ferroquina. En los cigarros: Belmont, Gratos, Elegantes, Casinos
(PACHECO, 1981, p. 64)”. Ao buscar sinais da existência de Mariana e
Jim, o narrador surpreende-se mais ainda, pois ninguém os conhecia:
Pues no. Estoy en este edificio desde 1939 y, que yo sepa,
nunca ha vivido aquí ninguna señora Mariana. ¿Jim? Tampoco
lo conocemos. En el ocho hay un niño más o menos de tu edad
pero se llama Everardo. ¿En el departamento cuatro? No, allí
vivía un matrimonio de viejitos sin hijos. Pero si vine un millón
de veces a casa de Jim y de la señora Mariana. Cosas que te
imaginas, niño (PACHECO, 1981, p. 66-67)
Teria sido o relato uma pura fantasia do narrador? O narrador
informa “Qué antigua, qué remota, qué imposible esta historia”
(PACHECO, 1981, p. 67). A mesma imprecisão do início do relato consta
no final “Me acuerdo, no me acuerdo ni siquiera del año”. Carlos adulto é
o narrador do término do relato, aquele que, após a morte de Mariana, se
muda para Nova York e tenta apagar essas memórias, caso sejam reais,
mas parece não conseguir, inclusive, a letra do bolero não lhe sai da
cabeça:
Me acuerdo, no me acuerdo ni siquiera del año. Sólo estas
ráfagas, estos destellos que vuelven con todo y las palabras
exactas. Sólo aquella cancioncita que no escucharé nunca. Por
alto esté el cielo en el mundo, por hondo que sea el mar
profundo. (PACHECO, 1981, p. 67)
O narrador afirma nunca mais escutar a canção, porque parece
reconhecer a morte de Mariana e com ela a beleza da vida, afinal o
mesmo evoca:
Demolieron la escuela, demolieron el edificio de Mariana,
demolieron mi casa, demolieron la colonia Roma. Se acabó esa
ciudad. Terminó aquel país. No hay memoria del México de
aquellos años (PACHECO, 1981, p. 67)
Somos levados a duvidar da veracidade do relato, no entanto o
narrador nos fornece um importante elemento para continuar a acreditar
305
no passado do protagonista: “Nunca sabré si aún vive Mariana. Si viviera
tendría sesenta años” (PACHECO, 1981, p. 68). Nesse trecho, ele marca
sua maturidade e a eterna imagem de Mariana em sua memória, aquela
mulher moderna e bonita. O desgaste do tempo é uma constante na obra
de Pacheco.
Ao empregar o verbo “demolieron”, o narrador faz referência às
lembranças do seu passado, de Mariana e de seus sonhos, como
também mostra o surgimento de uma nova cidade, de um novo país, de
uma nova sociedade mexicana, onde só resta a esperança de tempos
melhores, pois “de ese horror quién puede tener nostalgia” (PACHECO,
1981, p. 68). A ficção, assim como a vida, também é alimentada por
esperança.
3.2.3. “El viento distante”: a solidão na urbe
Con todo lo que pasa en el país y en el
mundo se necesitaría mucha indiferencia o
mucha insensibilidad para decir que uno
es absolutamente feliz
José Emilio Pacheco (2000a)
Dentro da classificação da minificção proposta por Zavala (2006), o
relato “El viento distante”, de Pacheco, corpus selecionado para este
capítulo classifica-se como cuento corto, um exemplo da minificção do
autor.
Os
cuentos
cortos
recebem
diferentes
denominações
se
analisarmos as antologias internacionais, como por exemplo, sudden
fiction (por Charles Baxter), cuentos breves (por Julio Cortázar), short
shorts (pelo crítico americano Irving Howe), cuentos microcósmicos (pela
ciência ficção), porém todas culminam na defesa de histórias completas
em suas tramas, com personagens e clímax desenvolvidos, ainda que um
dos elementos narrativos seja condensado.
O conto selecionado é homônimo da antologia de quatorze textos
do escritor mexicano. Segundo a crítica especializada, o livro é sutil,
irônico e melancólico, cujas experiências da infância – às vezes repleta de
aventuras cotidianas e misteriosas – revelam a profunda e a perplexa vida
306
humana, os anos distantes de um país, cujas protagonistas são capazes
de encarnar os sofrimentos mais profundos a uma vida sem alegria ou de
paixões
enganosas.
O
livro
condensa
imagens
e
temas
recontextualizados em outros textos de Pacheco, a partir de suas próprias
percepções e intenções.
Pacheco, como fiel amante da literatura de Jorge Luis Borges e da
sua noção de intertextualidade262, defende que um texto nunca deixa de
se escrever, independente do gênero. A minificção “El viento distante”
aparece originalmente em 1963, corrigido e aumentado em 1969 e sujeito,
desde então, ao trabalho constante de aperfeiçoamento defendido pelo
próprio escritor cuja preocupação está na qualidade da leitura oferecida
ao público leitor. Esse livro demonstra até hoje um exemplo do cânone
literário mexicano. Nossa análise baseia-se na versão da edição de 2000.
No novo texto, encontramos marcas do anterior, porém elementos novos
foram acrescentados. O conto permite questionar o modo como se
processa a intertextualidade na obra de Pacheco.
O conto está dividido em três partes como uma espécie de
narração de micro-relatos. Um narrador onisciente conta em tempo
presente a imagem de um homem que se encontra numa barraca de
espelhos, próximo a um aquário, sujeito esse que aparece fumando,
transpirando e olhando atentamente para uma tartaruga dentro deste
aquário. A barraca é descrita como “sola”, “miserable” e localizada numa
feira “ambulante”. O narrador relata a seguinte imagem:
En un extremo de la barraca el hombre cubierto de sudor fuma,
se mira al espejo, ve el humo al fondo del cristal. Se apaga la
luz. [...] El hombre va hasta el acuario, enciende un fósforo, lo
deja arder y mira la tortuga que yace bajo el agua. (PACHECO,
2000, p. 27)
A ação principal realizada pelo homem descrito é o olhar, seu rosto
aparece refletido no espelho, a fumaça no fundo de cristal e, depois,
através do vidro e, ainda, no que está embaixo da água. Percebemos o
emprego, desde o título do relato, dos quatro elementos da natureza: “el
viento”, “el aire”, “el agua”, “el humo”. O vento é uma corrente de ar
262
Segundo Gérard Genette (1989), a intertextualidade trata da relação de co-presença
entre dois ou mais textos mediante a citação, o plágio ou a mera alusão. O termo
consegue explicar a relação dialógica entre textos de épocas e contextos diferentes.
307
constante e não se paralisa; o ar detém-se como a água do aquário; a
fumaça desprende-se de modo rápido, restando apenas as cinzas do
cigarro. Os fluídos parecem levar a recordação de um tempo já vivenciado
por aquele homem. Não há claridade nas imagens refletidas no espelho e
no aquário. O tempo parece estar estacionado naquele momento em que
o homem fuma e observa o redor: primeiro, graças à luz do cigarro;
depois, a do fósforo. Não encontramos outros sinais, como barulhos ou
pessoas, denotando a passagem do tempo. O homem, possivelmente,
reflete sobre um acontecimento num espaço e num tempo diferente
daquele onde se concentra: “Piensa en el tiempo que los separa y en los
días que se llevó un viento distante” (PACHECO, 2000, p. 27).
O cenário da narrativa aparece nesse primeiro momento como um
local de clima caloroso, denso e triste ao ser revelado pelo narrador como
“sólo hay silencio en la feria ambulante [...] El aire parece detenido”. A
noite é descrita como densa, árida e escura, adjetivos capazes de aludir à
vida do homem observada pelo narrador do texto. O leitor começa aos
poucos a construir uma imagem do contexto da narrativa, não muito
evidente até esse momento. Temos um grande interrogante e enigma que
perpassa o imaginário do leitor: que homem é esse? Onde ele está? Que
barraca de espelhos é essa? Uma tartaruga?
Na segunda divisão do conto, o narrador personagem descreve
com nitidez o tempo e o espaço em que se desenvolvem a narrativa.
Descreve certas imagens de uma tarde de domingo numa espécie de
feira ambulante. No decorrer da narrativa, identificamos o cenário como
um possível parque de diversões, muito comum em pequenos povoados e
que estão sempre em processo de deslocamento para outras cidades.
Nesse momento do relato, também fica clara a presença de uma mulher
chamada Adriana, que acompanha o narrador. O espaço da narrativa vai
ficando mais nítido à medida que o leitor percorre as duas únicas páginas
do texto. O narrador nos fornece a seguinte descrição como possível
mostra do espaço da narrativa:
En una plaza hallamos una feria ambulante y Adriana se
obstinó en que subiéramos a algunos aparatos. Al bajar de la
rueda de la fortuna, el látigo, las sillas voladoras, aún tuve
puntería para abatir con diecisiete perdigones once oscilantes
figuritas de plomo. Luego enlacé objetos de barro, resistí
308
toques eléctricos y obtuve de un canario amaestrado un papel
rojo que develaba el porvenir (PACHECO, 2000, p. 27)
O narrador emprega o tempo verbal passado para fazer referência
às ações realizadas por ele e Adriana no momento da enunciação do
relato. O discurso do narrador revela que a ida a feira e as ações
realizadas ocorrem por acaso, já que relata: “Para matar las horas, para
olvidarnos de nosostros mismos. Adriana y yo vagábamos por las
desiertas calles de la aldea” (PACHECO, 2000, p. 27).
A forma como o narrador constrói a narrativa demonstra que os
personagens por alguns instantes esqueceram-se do mundo real, de suas
inquietações e do próprio tempo, pois menciona:
Adriana era feliz regresando a una estéril infancia. Hastiados
del amor, de las palabras, de todo lo que dejan las palabras,
encontramos aquella tarde de domingo un sitio primitivo que
concedía el olvido y la inocencia (PACHECO, 2000, p. 27)
Em contraste com o ato de observar da primeira parte da narrativa,
a ação principal da segunda parte é a de regressar a um tempo de
ingenuidade. O narrador retoma, através da imagem de felicidade de
Adriana, seu prazer por relembrar alguns momentos de seu passado
como uma criança livre na imensidão da grande urbe. Além disso, os
personagens são levados a enxergar aquele espaço e tempo como um
momento distante, ou melhor, um viento distante, decorrente de uma
imagem de inocência resgatada pela memória. Talvez, essa seja a
primeira referência ao leitor da urbe e de seus dilemas.
Num certo momento da narrativa, os personagens avistam uma
cabana, de aspecto pobre, localizada nas redondezas da feira, lugar esse
onde funciona uma espécie de jogo de espelhos. O narrador, numa
primeira resposta, nega a se aproximar e entrar na cabana (talvez seja
uma sinalização do autor em relação à impossibilidade do homem
moderno de recuperar traços de ingenuidade numa vida cada vez mais
individualista), mas eles acabam sendo atraídos pelas palavras do
misterioso homem e entram naquela espécie de tenda.
A entrada na cabana é uma forma de reviver mais uma vez a
infância, mesmo que essa seja ilusória. Nesta cena da narrativa, o
homem sugere a entrada dos personagens para que escutem a história
309
trágica de uma menina chamada Madreselva, que se converteu em
tartaruga após desobedecer a seus pais por não ir à missa aos domingos
e como resposta a um castigo divino. O homem padece e demonstra
solidão. O movimento realizado pelos personagens possibilita chegar a
essa imagem: aldea, plaza, barraca en la orilla de una feria, acuario. Os
personagens tendem à consciência ou à ilusão como duas possibilidades
da captar a realidade.
A terceira seção da narrativa descreve o que foi visto pela dupla
por meio do emprego do tempo verbal presente. O narrador descreve o
espaço da cabana como uma espécie de “un acuario iluminado”, onde
encontraram uma pequena menina disfarçada de tartaruga. Pela
descrição do homem, possivelmente pai da menina, desde a primeira
parte do relato, depreendemos certa solidão e nostalgia em suas ações;
além disso, sua barraca está um pouco distante da feira ambulante, ou
seja, reforçando sua presença/ausência naquele espaço. O olhar da dupla
para a cena de transformação da menina dentro daquele aquário também
era uma mescla de tristeza, dor e incerteza:
Adriana y yo sentimos vergüenza de estar allí y disfrutar la
humillación del hombre y de una niña que con toda
probabilidad era su hija (PACHECO, 2000, p. 27)
[…]
Es horrible, es infame – dijo Adriana en cuanto salimos de la
barraca […] Cada uno se gana la vida como puede. Hay cosas
mucho más infames. Mira, el hombre es un ventrílocuo
(PACHECO, 2000, p. 28)
Ao mesmo tempo, o próprio olhar da menina representa um pedido
de salvação. Dessa forma o narrador relata: “Cuando acabó el relato, la
tortuga nos miró a través del acuario con el gesto rendido de la bestia que
se desangra bajo los pies del cazador” (PACHECO, 2000, p. 27). O
aquário pode servir de espelho permitindo à dupla se identificar com o
lamento da menina. Há uma intenção do autor em querer colocar a figura
da menina/tartaruga numa posição de destaque diante dos observadores,
porque esse animal pode viver em meios diferentes (na água e na terra).
A água do aquário reforça o aprisionamento da menina.
Os personagens, ao visualizarem a cena, pensam no jogo de poder
imposto pelo possível pai à menina. Mas, ao mesmo tempo em que o
310
autor tece uma leitura de cunho social, quando deixa evidente a atitude do
homem em explorar a pequena, fazendo com que ela se fantasie e
engane aqueles que entram em tal cabana; por outro lado, também
realiza outra leitura, que busca a explicação para a transformação física
da menina numa tartaruga. A menina converte-se num animal milenário.
Segundo o Dicionário de Símbolos de Juan Eduardo Cirlot (1992, p. 447),
a lentidão do réptil pode simbolizar a evolução natural do homem. Paul
Ricoeur (1995), num estudo sobre os símbolos, demonstra uma tendência
à duplicidade de sentido dos mesmos, possibilitando novas dimensões da
realidade. No conto, a carapaça da tartaruga pode simbolizar a busca por
proteção, porque a infância é uma fase remota e, ao mesmo tempo,
separação, ruptura com essa fase. A luz cotidiana da tarde e a iluminação
do aquário escondem a verdade sobre a aparente normalidade da cena
presenciada por eles.
O narrador busca desmascarar toda a ilusão do homem. Convida
Adriana a conhecer o “verdadero juego”. Explica-lhe o jogo de imagens e
a voz do homem, que modificada parece ser a da menina relatando sua
tragédia ao se apresentar aos pagantes. Conforme o narrador “la niña se
coloca de rodillas en la parte posterior del acuario. La ilusión óptica te
hace creer que en realidad tiene cuerpo de tortuga. Es simple como todos
los trucos” (PACHECO, 2000, p. 28).
Como forma de comprovar o mencionado, o narrador resolve
retornar à cabana sem ser notado e busca um lugar entre as tábuas para
revelar à Adriana uma visão racional para o ocorrido, novamente temos
na narrativa a imagem de um tempo concentrado. Há uma busca pela
consciência como ocorreu na reflexão do homem na primeira parte do
relato. Contudo, uma imagem acaba surpreendendo-os e fazendo com
que eles nunca voltem a falar daquela tarde de domingo. Visualizam
lágrimas nos olhos da menina que profere palavras, mas que não são
ouvidas ou não podem ser atendidas naquele momento: “La tortuga se
quita la cabeza de niña. Su verdadera boca dice oscuras palabras que no
se escuchan fuera del agua” (PACHECO, 2000, p. 28).
Ao tentarem descobrir o “verdadero juego”, os personagens
percebem uma realidade da qual eles mesmos não conheciam ou se
311
distanciavam, a solidão que acompanha o homem. Nesse momento, o
narrador constata a inexistência de maldade naquele homem, porque
percebe que ele se aproxima com carinho da menina e demonstra sofrer
junto com ela. O homem também se reconhece naquele corpo de
tartaruga, na verdade, chora sobre sua projeção. O narrador compreende
a dor e a solidão sentida por ambos. Pacheco adota-os como exemplos
dos muitos sujeitos reféns das desigualdades existentes dentro da
sociedade mexicana, como se verifica pela voz do narrador descrevendo
a cena:
El hombre se arrodilla, la toma en sus brazos, la atrae a su
pecho, la besa y llora sobre el caparazón húmedo y duro.
Nadie entendería que la quiere ni la infinita soledad que
comparten. Durante unos minutos permanecen unidos en
silencio (PACHECO, 2000, p. 28)
Ao final do conto, o narrador evoca o sentimento de tristeza
perante a impossibilidade de mudança daquela situação, já que a menina
recoloca a cabeça de plástico, afoga o choro e, outra vez, retorna ao
centro do aquário para pronunciar seu relato, enquanto seu pai começa
novamente a venda de entradas. O aquário concentra a idéia de
sofrimento e dor, ele simboliza a separação entre o que está dentro e
fora. O olhar de dor da menina, captado pela dupla, reflete a imensa
aflição e incompreensão do sujeito diante de uma etapa da vida que
nunca poderá ser recuperada.
O tempo como agente destruidor é um tema bastante recorrente na
obra de Pacheco, principalmente, em sua poesia. O crítico Anthony
Stanton, estudioso de poesia mexicana, aborda as mudanças de estilo de
Pacheco no decorrer do tempo, entretanto afirma que o tempo é um
assunto latente na obra do escritor. Para Stanton (1991, p.12): “[...] se as
técnicas e o tom mudam, se a poesia de sua segunda etapa é menos
filosófica e menos abstrata, não é por isso que deixa de existir uma
profunda continuidade temática e espiritual”263. Pacheco mostra o
esgotamento da unidade do tempo, instalando uma atmosfera de
degradação e de medo.
263
“[...] si las técnicas y el tono cambian, si la poesía de su segunda etapa es menos
filosófica y menos abstracta, no por eso deja de haber una profunda continuidad temática
y espiritual”. [Tradução nossa]
312
Pacheco plasma a imagem do vento em sua obra para simbolizar a
passagem do tempo, a recordação de um momento proveitoso, como se
nota na voz do narrador de um de seus contos: “El viento disperso
aquellos trozos de papel y no deshizo el miedo” (PACHECO, 2000, p. 22).
O narrador do conto “El castillo de la aguja”, vê no passado a plenitude do
tempo quando recorda o sussurro do vento (“Por la noche, antes de
quedarse dormido, escuchaba el galope del viento sobre el campo de
espigas”). No tempo presente, levanta os estragos causados pelo vento
quando menciona “el viento del norte empieza a correr sobre el campo y
dobla y quiebra las espigas [...] Las ventanas se abren y el viento y la
arena entran en la casa y se adueñan de todo y lo destruyen”
(PACHECO, 2000, p. 53). Em outros contos do livro El viento distante, o
autor trata da solidão, da intolerância e da violência decorrente do
contexto do pós-guerra, do avance norte-americano e do crescimento
sem controle da urbe.
Pacheco repete temas, símbolos e imagens em sua narrativa e em
sua poesia, o que possibilita encontrar certas semelhanças entre o conto
“El viento distante” e alguns de seus poemas. A idéia da infância como
período de unidade e de comunhão com o mundo é retomado por
Pacheco no poema “Jardín de niños” (PACHECO, 1987, p. 106-119), cujo
eu-lírico compara a criança a um poeta, mas devido aos atropelos da
vida, “ahora en definitiva es otro mundo”, acaba perdendo sua inocência.
“Los juguetes, las fotos, los cuadernos casi ilegibles hallados de repende
al limpiar la casa” constituem as “ruinas” da “infancia irrestituible”.
No poema 19 de “Jardín de niños” (PACHECO, 1987, p.117),
Pacheco elabora um paralelismo entre os homens e os peixes. O símbolo
do aquário aparece como cárcere, mas o sujeito poético alude uma
esperança de salvação:
Como del fondo sube una burbuja y los peces,
encadenados al acuario, horadan el tedio
en feroces o mansas coreografías, nosotros
estamos ciegos para ver más allá del gran vidrio,
del agua turbia que llamamos el tiempo.
Somos los peces de este ahora
que velozmente se transforma en entonces.
Los prisioneros, los reducidos a soñar un futuro
que otros muchos soñaron y ya es este
313
presente miserable
No poema “La sirena” (PACHECO, 1987, p. 85-86), o autor
recupera as imagens da feira e do aquário na tentativa de tratar o tema do
tempo e da solidão:
En el domingo de la plaza la feria
y la barraca y el acuario con tristes
algas de plásticos fraudulentos corales
Cabeza al aire la humillada sirena
acaso hermana de quien cuenta su historia
Pero el relato se equivoca:
De cuándo acá
las sirenas son monstruos
o están así por castigo divino
Más bien ocurre lo contrario
Son libres
son instrumentos de poesía
Lo único malo es que no existen
Lo realmente funesto es que sean imposibles
O único lugar possível para se encontrar uma sereia é na poesia.
O sujeito poético lamenta-se pela inexistência desse símbolo de
encantamento. Representa a feira como um lugar de fraudes e de
exposição de aparentes monstros. A voz que narra a história da sereia
quer vê-la como monstro. A tristeza da sereia e a solidão da mulher/sereia
também se encontram mergulhadas no aquário.
Há uma continuidade temática na obra de Pacheco e o leitor é
capaz de perceber facilmente a repetição de idéias e imagens. O próprio
autor converte-se em leitor de sua obra e usa seus textos para suscitar
outros novos. Tal prática demonstra a idéia da autoria coletiva e da
necessidade de reescritura, ambas defendidas pelo escritor. Para ele, não
há textos mortos e concluídos. Além disso, Pacheco admite uma leitura
de múltiplas interpretações para seu texto porque o leitor se converte num
co-autor. Toda leitura é capaz de gerar outra escritura como busca ou
resposta a alguma inquietação.
314
3.2.4. O medo perante a urbe em “Shelter”
¿En dónde queda el tiempo, en
dónde estamos?
José Emilio Pacheco (2000, p. 26)
Neste capítulo analisamos a minificção “Shelter”, na qual o escritor
emprega o solilóquio como recurso de estilo para lograr o medo, a
insegurança e a solidão que assolam a sociedade contemporânea e
geram um homem refém das atrocidades provocadas pelo convívio social
proporcionado pelo espaço urbano.
Ao iniciar a leitura de “Shelter”, notamos que o tema do medo e da
loucura surge a partir da vivência em uma sociedade capitalista, individual
e obscura, cujos problemas sociais atormentam e conduzem o homem a
desvendar suas vozes silenciosas, permitindo que o mesmo desenvolva
um olhar crítico na tentativa de compreender o caos instaurado na
sociedade contemporânea. De acordo com Bauman (2009, p. 16),
[...] poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas
várias manifestações, é caracterizada pelo medo [...]
Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a
confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na
regularidade da solidariedade humana
Bauman parece encontrar respaldo no individualismo moderno, na
tarefa do indivíduo cuidar de si próprio e de lutar por si mesmo contra toda
a insegurança e o perigo inerentes à sociedade, mas com uma diferença,
não se pensa mais em uma comunidade sólida e unida.
As colocações de Eduardo Galeano (2008) e Michel Foucault
(2006) corroboram nossas análises e reflexões em considerar o medo e a
loucura como temáticas recorrentes da sociedade moderna. Todo o
homem é passível de sentir o medo e transmiti-lo264 de inúmeras formas:
tristeza, solidão, loucura, porque constituem um conjunto de emoções que
compõem a sua condição de existência. Cada sociedade, a partir de
aspectos políticos, econômicos, temporais e espaciais, apresenta
264
Diferentes fatores causam o medo e expressam o temor do homem. Entre esses
fatores, podemos citar: a morte, o terror, a violência, as guerras, as doenças, o outro,
aquilo que é conhecido ou até mesmo o desconhecido.
315
inquietações para certos perigos e a intensidade varia de acordo com os
aspectos mencionados.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano (2008), quando questionado
numa entrevista, sobre uma palavra que nunca deveria ser dita, menciona
o medo como resposta, pois segundo ele:
Creio que estamos vivendo uma ditadura do medo na
balança universal. Então, para mim é a pior palavra, mas
o que significa medo? É uma paralisia das melhores
energias que o ser humano contem, energia de
comunicação, das ousadias, das valentias, todas
proibidas pelo medo: ‘Isso não se pode fazer, isso não
se pode dizer, não faça...’ O medo de viver, o medo de
relembrar, o medo de falar, é o signo do nosso tempo. O
265
medo de caminhar, o pânico da insegurança
[...]
A insegurança é o medo, o medo do outro, do vizinho, do
ser humano que nem parece humano porque é pobre,
não tem dinheiro, é um perigo público que é uma
ameaça e não uma promessa, é uma ameaça, está aí se
ameaçando. Então, creio que o ar está sendo muito
266
intoxicado por esse medo
Galeano leva-nos a identificar um paradoxo ao se pensar na idéia
de cidade como proteção – aquela que na origem nasce com o intuito de
garantir
a
segurança
de
seus
habitantes
–
porque,
na
contemporaneidade, as cidades estão cada vez mais associadas ao
perigo e ao medo. As cidades (re) constroem-se constantemente, porém o
medo aumentou. O medo pode ser compreendido tanto de uma forma
negativa quanto positiva por cada sujeito da sociedade. O lado positivo
está no alarme diante de situações de risco capazes de provocar males
de naturezas variáveis, inclusive à morte. Contudo, o lado negativo do
medo pode ser aquele direcionado a uma lembrança do passado ou em
relação a algo do futuro.
265
“Creo que estamos viviendo una dictadura del miedo en la balanza universal.
Entonces, para mí es la peor palabra, pero, ¿qué significa el miedo? Es una parálisis de
las mejores energías que el ser humano contiene, energía de comunicación, de las
osadías, de las valentías, todas prohibidas por el miedo: “Eso no se puede hacer, eso no
puede decir, no haga....” El miedo de vivir, el miedo de recordar, el miedo de hablar, es el
signo de nuestro tiempo. El miedo de caminar, el pánico de la inseguridad”. [Tradução
nossa].
266
“La inseguridad es el miedo, el miedo del otro, del vecino, de ser humano que ni
parece humano porque es pobre, no tiene dinero, es un peligro público que es una
amenaza y no una promesa, es una amenaza, esta ahí amenazándote. Entonces, creo
que el aire está siendo muy intoxicado por ese miedo”. [Tradução nossa].
316
A apreensão do medo sofreu alterações no decorrer dos tempos e
foram motivadas por aspectos diferentes dependendo da sociedade.
Segundo o historiador francês Jean Delumeau (1989), o medo já era uma
condição imposta e controlada pelos deuses na Grécia Antiga. Para os
gregos, o sentimento do medo era resultante da punição dos deuses
Deimos267 e Phobos268, por isso o povo buscava manter uma relação de
harmonia com eles. Para os gregos antigos, o medo era indiferente a
suas vontades, pois era um elemento externo a eles, podendo ser
projetado pelos deuses. Por isso, assumia um papel importante no
destino de cada homem. A valentia gerada pela ausência do medo e a
garantia de que estava presente no íntimo dos adversários constituíram
atributos que determinaram as epopéias e as muitas lutas reais
provocadas pelos gregos antigos.
Na Idade Média, os intelectuais da Igreja Católica modificam o
pensamento em relação ao medo exteriorizado porque defendem a
interiorização dele por conta da onipresença e onipotência de Deus. A
introspecção das emoções esteve circunscrita à relevância e à função do
cristianismo no contexto social e na mentalidade da época. A mudança do
pecado como algo inerente à humanidade encontra-se numa fronteira
entre o bem e o mal, tendo o corpo como território demarcador. O respeito
às normas morais estabelecidas pela Igreja e a remissão aos pecados
poderiam assegurar o direito do homem de ir para o paraíso, portanto,
afugentando de maneira definitiva a temerosa e agonizante vida no
inferno, após o dia do Juízo Final. O controle das emoções, das ações,
das paixões e do controle da sexualidade eram responsabilidades de
cada sujeito e determinavam a vida no paraíso ou no inferno (Delumeau,
1989). O medo da condenação eterna, de não encontrar Deus e do
inferno foram os principais reguladores do comportamento do sujeito,
buscando em si combater todos os pecados, a pureza de espírito e o
equilíbrio.
267
Na mitologia grega, Deimos é um dos filhos de Ares (Marte) e Afrodite (Venus).
Deimos é um vocábulo grego cujo significado expressa "pânico".
268
Na mitologia grega, Fobos também é um dos filhos de Ares (Marte) e Afrodite
(Venus). Phobos é o vocábulo grego que significa "medo" e funcionou de raiz para a
palavra "fobia".
317
O medo e o mal-estar269 observados na época contemporânea
diferem daquele de épocas anteriores mencionados até esse momento.
De acordo com os professores Josepa Bru e Joan Vicente (2005), três
aspectos são identificados como fontes geradoras do medo e, por
conseguinte, de uma sensação de mal-estar, são eles: a diversidade, a
desigualdade e a incerteza.
Habitar a cidade é compreender esse espaço da diversidade, da
convivência, sendo ela conflitante ou não, e da presença múltipla da
diferença (étnica, religiosa, sexual). Não conhecer ou respeitar o outro e
seu espaço como ser social gera conflitos, receios, leituras estereotipadas
e intolerância, contribuindo para a instalação do medo nas urbes. O grupo
ameaçado recorre a atos de violência como combate à intolerância,
ocasionando a cultura do amedrontamento ou da insegurança (BAUMAN,
2009).
Quando a desigualdade e as condições de distribuição de renda
dos indivíduos não se assemelham, há um mal-estar nas cidades que
provoca o crescimento dos índices de marginalização. A incerteza é
materializada pelo medo do futuro, criando uma sensação de angústia
perante inúmeras questões da vida, às vezes, as dúvidas envolvem a um
todo coletivo.
A minificção “Shelter” centra-se no discurso de um personagem
como forma de representar o seu olhar de desespero para a sociedade ao
seu redor. Tanto medo gera-lhe momentos de fuga do real, em que
269
Sugerimos a leitura de O mal-estar na civilização (1978), de Sigmund Freud, em que
o psicanalista afirma que a civilização ao produzir um mal-estar tinha uma condição
intrínseca e imutável que possibilitava a ordem da sociedade moderna (repressão dos
instintos e dos desejos, maior rigidez, controle da liberdade do sujeito). Critica a
impossibilidade da utilização dos progressos científicos e tecnológicos como benefício
para a humanidade em relação ao alcance de uma maior felicidade. Aborda, ainda, do
sentimento de frustração imposto pela civilização aos sujeitos. Porém, sua leitura sobre
os sofrimentos da civilização se dá baseado na sociedade antiga, muito mais rígida,
comparada à atual, fragmentada, desnorteante e em constante processo de mudança.
Os desejos na sociedade atual estão alicerçados no universo capitalista, na capacidade
de consumir bens. Desta maneira, a realização dos desejos não se contempla sem que
se provoquem sofrimentos, seja daqueles que buscam o prazer e não o realizam por
algum motivo ou daqueles sem condições, principalmente econômicas, de concretizar
seus desejos. O medo e a produção do mal-estar não são apagados porque são
condições intrínsecas do indivíduo. Os desejos reprimidos e não satisfeitos produzem
mal-estar, porque normalmente esse desejo está ligado ao consumo e a lógica de
mercado. Bauman (2009) informa que o sujeito abandona sua segurança em prol da
felicidade proporcionada pelo poder de consumir bens materiais.
318
percebemos certo desvio psíquico em suas ações. De acordo com
Bauman (2009), o sentimento de medo está relacionado a um estado
psíquico cuja reação normalmente é passageira. Pacheco constrói uma
narrativa intimista, na qual o narrador-personagem se mantém no
anonimato no decorrer do texto e revela seu pavor e agonia de habitar a
Cidade do México, empregada como representação do mundo que rodeia
o protagonista da história.
Alguns pequenos dados sobre sua identidade são oferecidos ao
leitor, pseudo-interlocutor do texto, como recurso para que este entenda a
personalidade e visualize os atos do narrador-personagem da história.
Entre eles, temos o resgate da solidão na infância e na adolescência, o
fato de ser uma pessoa contrária ao matrimônio, um ser humano egoísta
e desenhista de profissão. A leitura do personagem constrói-se nas
primeiras linhas do texto:
No hay infierno. Aquí pagamos todo. De niño pensé que
el infierno era un lugar lleno de miedo y soledad. Y
siempre estuve solo y sentí miedo. Al cumplir sesenta
años volvió a obsesionarme la idea infantil. Junto a mí
todos compartían lo peor y lo mejor con los demás. Yo
no. Ni siquiera pensé en casarme: temí que de hacerlo
sólo añadiría problemas y malestares a los que ya me
agobiaban. Roído por todos los pecados del egoísmo,
sólo tuve un don: buena mano para dibujar. (PACHECO,
1990, p. 90)
Pelo discurso do personagem sentimos a solidão como uma
constante em sua vida desde a infância, responsável possível pela
amargura e pelo medo desenvolvido pelo narrador no decorrer do conto.
No final do fragmento, o narrador-personagem aponta como uma de suas
vantagens para o fato de desenhar; por outro lado, informa ao interlocutor
do texto um malefício em sua atividade quando nos revela “gracias sobre
todo a los aviones que contribuí a producir entre 1941 y 1945 y arrasaron
tantas ciudades alemanas y japonesas, acumulé fortuna” (PACHECO,
1990, p. 90). Notamos, no momento da enunciação, a preocupação do
personagem em destacar que o seu prazer foi utilizado novamente a favor
da desgraça alheia. Ao narrar, faz uma alusão às cenas de caos
provocadas pelos atos de barbárie dos idealizadores da Segunda Guerra
Mundial.
319
Os danos da guerra foram avassaladores, em grande proporção,
para os países envolvidos. Foram milhões de mortos e feridos, cidades
destruídas, indústrias e zonas rurais arrasadas e dívidas incalculáveis. O
racismo esteve presente e deixou uma ferida grave, principalmente na
Alemanha, onde os nazistas mandaram para campos de concentração e
mataram aproximadamente seis milhões de judeus. O Japão sofreu um
forte ataque dos Estados Unidos, que despejou bombas atômicas sobre
as cidades de Hiroshima e Nagazaki. Uma ação desnecessária que
provocou a morte de milhares de cidadãos japoneses inocentes, deixando
um rastro de destruição nestas cidades. Nos tempos atuais, os principais
motivos dos perigos e riscos para a humanidade têm origem nela própria.
O legado político-econômico, social e cultural são os principais
responsáveis pela produção dos medos e da sensação de mal-estar.
O narrador-personagem mostra sua parcela de culpa na criação,
em seu imaginário, de um sentimento de medo e de terrorismo, que
rondam a sociedade moderna. Isso comprova o medo com um sentimento
intríseco ao homem, além disso, ressalta a cultura do amedrontamento
(BAUMAN, 2009) na qual estamos imersos.
No conto “La cautiva”,
Pacheco também aborda essa temática. O narrador adulto resgata suas
lembranças de infância em que vemos que o medo é alimentado pelo
discurso dos mais velhos da região, pois relacionam a ocorrência de
tremores de terras e de terremotos a um castigo de Deus para com o
homem. A ação responsável pelo desencadeamento da trama é o terror
diante do terremoto:
A las seis de la mañana un sacudimiento pareció arrancar de
cuajo al pueblo entero. Salimos a la calle con miedo de que los
techos se desplomaran sobre nosotros. Luego temimos que el
suelo se abriera para devorarnos. Calmado el temblor, nuestras
madres seguían rezando. Algunos juraban que el sismo iba a
repetirse con mayor fuerza. (PACHECO, 2000, p. 41)
O medo aumenta na narrativa à medida que os personagens
percorrem as ruínas de um antigo convento, porque como diz o narrador
“El terremoto nos ha permitido apreciar la superioridad de lo moderno
sobre lo antiguo. Como pueden ver, los más dañados son los edificios
coloniales” (PACHECO, 2000, p. 41). Os personagens visitam o convento
como uma saída de enfrentar e combater o medo interior, porém, quando
320
se deparam com um corpo mumificado de uma mulher, que se desfaz ao
ter contato com as mãos do narrador, a sensação de insegurança e de
temor é novamente resgatada.
A
menção
feita
pelo
narrador
às
diferentes
construções
arquitetônicas e a permanência de certos vestígios na vida moderna é
bastante significativa. Nessa imagem, vemos a intenção de Pacheco em
tratar do mito da Modernidade, que pode ser interpretado como a
demolição do velho para a construção do novo, que será velho amanhã, é
o eterno movimento cíclico: desconstruir para reconstruir.
O narrador do conto “La cautiva” descobre, ao conversar com o
padre da comunidade, o motivo pelo qual a mulher foi castigada; ela era
casada e manteve relações com um monge. O assunto provoca muitas
dúvidas nos habitantes da cidade, mas o professor e o padre da
localidade conseguem encontrar uma saída racional para a descoberta
dos meninos. O narrador adulto demonstra, em seu discurso, que o medo
é uma sensação constante em sua vida:
Pasó el tiempo. Los niños de 1934 nos hicimos adultos y nos
dispersamos […] Pero cada temblor me llena de pánico. Siento
que la tierra devolverá a sus cadáveres para que mi mano les
dé al fin el reposo, la otra muerte (PACHECO, 2000, p. 45)
No conto “Jericó”, o narrador observa com tristeza a vida da capital
mexicana, pois o próprio homem destrói o ambiente e apresenta sinais de
violência:
Antes de levantarse, junta la hierba seca y prende fuego as las
ruinas. El aire se impregna de un olor extraño […] H llega a las
montañas que dominan la capital. De pie en los acantilados ve
por un instante el terror, el caos, las llamas que arrasan la
ciudad, los edificios desplomados, el aire letal que todo lo
devora mientras el hongo de humo y escombros se eleva el sol
fijo o en el espacio (PACHECO, 2000, p. 132)
Retornando à análise da minificção “Shelter”, o narradorpersonagem direciona seu olhar para a sociedade e acredita na
ocorrência de um possível apocalipse nuclear ou uma espécie de Terceira
Guerra Mundial, em que nenhum homem conseguiria salvação. Sendo
assim, o personagem visualiza uma única solução possível para seu
problema, erguer uma espécie de refúgio subterrâneo e anti-atômico,
nomeado pelo personagem como “mi shelter”, com a ajuda de homens
321
estranhos de cidades vizinhas, pois, além de não possuir amigos, seria
um projeto secreto. Segundo Bauman (2009, p. 41):
A incerteza do futuro, a fragilidade da posição social e a
insegurança da existência – que sempre e em toda parte
acompanham a vida na modernidade líquida, mas tem raízes
remotas e escapam ao controle dos indivíduos – tendem a
convergir para objetivos mais próximos e a assumir a forma de
questões referentes à segurança pessoal: situações desse tipo
transformam-se facilmente em incitações à segregaçãoexclusão
A fuga simboliza uma resposta imediata do organismo para se
livrar de uma situação de risco. Ela é o recurso encontrado pelo narradorpersonagem para superar a situação de perigo. De acordo com Bauman
(2009), a ação de fuga provocada pelo medo, evita o sofrimento diante do
perigo e pode impedir o enfrentamento do sujeito com os conflitos
decorrentes da sensação de insegurança. Dessa maneira, o medo
permite o combate do mesmo, possibilitando condições para o sujeito
superá-lo mediante vivência do problema.
Na minificção de Pacheco, dois possíveis interlocutores do
narrador são mencionados: os construtores e os demais indivíduos da
sociedade. O narrador-personagem não busca uma alternativa para
ajudá-los, pois afirma “que los demás se salvaran por sus medios”. O
fragmento vai de encontro com o sentimento de individualizações da
sociedade moderna, em que cada um deve se preocupar com a vida
individual, não compartilhando experiências, pois conforme Bauman
(2008, p. 115-116), “Neste mundo, os laços humanos são segmentados,
as identidades, em máscaras usadas sucessivamente [...] desde o
princípio dos tempos modernos, as cidades têm sido reuniões de
multidões anônimas”.
A passagem seguinte mostra-nos a preparação para a nova vida e
o sentimento de medo do personagem diante da possibilidade de
mudança a qualquer momento:
Durante años cuidé hasta el mínimo detalle, abastecí mi
casa subterránea con todo lo necesario para sobrevivir al
holocausto en vida, pero mantuve la sangre fría pese a
las noticias alarmantes que nos bombardeaban a todas
horas [...] Me rodeaban muros invulnerables, depósitos
de agua pura, miles de latas de conservas, toneladas de
frutas y verduras en los congeladores, energía eléctrica
suficiente para medio siglo, quinientos discos de música
322
clásica y popular, ochocientas novelas policiales y
ciencia-ficción (PACHECO, 1990, p. 91)
O
próprio
personagem
constrói
mentalmente
um
universo
fantasioso. Suas desconfianças atordoam-lhe o pensamento até um dia
em que, segundo o texto “la crisis estalló”, ele se encontra num shopping
center270 comprando utensílios e comida para sua futura vida em prisão.
Nesse momento, o narrador-personagem parece perder um pouco da
consciência, pois começa a agir através do seu inconsciente, ou melhor,
das imagens vazias capturadas por viver numa época de insegurança e
medo. Isso gera-lhe uma mudança natural de seu estado psíquico, como
se observa no fragmento a seguir:
Intenté controlarme y llamé por teléfono a la estación [...]
Me asomé a la ventana. No había nadie en la calle. Me
aterró el estruendo de los aviones supersónicos sobre la
ciudad. Del edificio vecino salió un grito: - ¡Ha estallado
la guerra! – y una invocación a la piedad de Dios [...]
Bajé al refugio. Estaba a salvo. Cerré la puerta secreta
que iba a defenderme de la explosión, las llamas, el
estroncio 90 (PACHECO, 1990, p. 92)
A reação do narrador- personagem leva o leitor a desconfiar em
vários momentos de seu estado psíquico, pois conforme o filósofo francês
Michel Foucault (2006, p. 120):
Ainda no começo da idade clássica, a loucura era vista
como pertencendo às quimeras do mundo; [o homem]
podia viver no meio delas e só seria separada no caso
de tomar formas extremas ou perigosas.
O olhar do personagem e suas ações transportam-nos para um
real simbólico construído por seu imaginário. As palavras lançadas por ele
são projeções do real, no entanto, fruto de uma leitura antecipada dos
270
Acreditamos que seja intencional por parte do autor o emprego desse local no texto,
porque, além do shopping center ser um símbolo da modernidade, sinaliza outro
exemplo de uma micrópole, onde o sujeito também se isola do mundo externo, mas
diferente de um condomínio de luxo, por exemplo, o centro comercial não exclui. O
shopping como uma cidade de serviços foi erguido para substituir a cidade real. De
acordo com Beatriz Sarlo (2009, p. 18-19), “El shopping center asegura algunos de los
requisitos que se exigen de una ciudad: orden, claridad, limpieza, seguridad, y que no
están garantizados en las ciudades de los países pobres o sólo se obtienen parcialmente
fuera de los enclaves del capitalismo globalizado. El shopping de la ilusión de
independizarse de la ciudad y del clima: la luz es inalterable y los olores son siempre los
mismos […] en el shopping los viejos y los adolescentes pueden pasear seguros, hay
servicios al alcance de todo el mundo, es muy difícil robar o ser robado, y lo que se da
para ver es lo que todos quieren mirar […]. El shopping es de las familias, de los pobres
decentes, de las capas medias cuando pueden comprar y también cuando no pueden”.
O shopping como um espaço público oferece novos modelos e novas formas de agrupar
pessoas, sem que essas assumam laços sociais.
323
fatos visíveis no decorrer de sua vida e a partir das ações humanas
ocorridas na sociedade. Ainda segundo Foucault (2006, p. 113):
[...] nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo
momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista,
uma verdade talvez adormecida, mas que no entanto
está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à
espera de nossa mão para ser desvelada.
O discurso do filófoso francês somente ratifica o mencionado
anteriormente, porque em nosso inconsciente já temos planificado
imagens projetadas de nossa vida, sejam elas otimistas ou pessimistas. O
personagem construiu seu refugio como estratégia de fuga do real, já que
após
estar
encarcerado
revela:
“por
fortuna
evité
que
hubiera
comunicaciones de ningún tipo; ni radio ni teléfono no televisor. ¿Para
qué?” (PACHECO, 1990, p. 92). Com essas palavras, ele afirma o desejo
de desvencilhar-se do tempo presente, das notícias sangrentas, de lutas e
de revoltas.
Conforme Bauman (2009, p. 25), “existem, em muitas áreas
urbanas, um pouco no mundo todo, casas construídas para proteger seus
habitantes, e não para integrá-los nas comunidades às quais pertencem”.
A sensação de viver numa eterna situação de perigo provoca reações
como a do protagonista da minificção: a construção de uma espécie de
casa subterrânea para obter segurança e diminuir o medo e o mal-estar.
O narrador-personagem refugia-se no espaço subterrâneo na
tentativa de se distanciar dos perigos e do caos instaurado na sociedade,
garantindo, dessa forma, sua existência após novas guerras idealizadas
por ele, contudo seu olhar para o futuro também se apresenta
contaminado pelo sentimento de medo e horror:
Si años más tarde, cuando las nubes y el polvo
radiactivo se hubieran alejado, otros hombres salían de
sus refugios con la esperanza de fundar un mundo
nuevo, yo no iba a estar entre ellos. Jamás regresaría a
la tierra devastada para vivir entre monstruos cubiertos
de pústulas y escamas. No me forjaba ilusiones. El
shelter sería por lo pronto mi salvación y dentro de
algunos años mi tumba. (PACHECO, 1990, p. 93)
O narrador-personagem resume os mais de dez anos em que
esteve refugiado a espera da salvação, mesmo que ilusória, para os
problemas da humanidade. A agonia não foi retirada de dentro de si em
324
nenhum momento, pois a todo instante, em seu relato, surgem cenas de
devaneio e constante preocupação. Analisemos nos fragmentos abaixo:
Pasé despierto las primeras noches, torturado por la
sensación de que allá arriba todo se quemaba, se
asfixiaba, se corrompía. Meses depués el terror me
sobrecogió al escuchar ruidos levísimos en la puerta [...]
Nadie podría descubrir nunca.
[...]
Me estremecí de sólo imaginar a aquellos seres
deformes y el horror de sus llagas [...] Mi soledad quedó
obsesionada por el pánico.
[...]
Me revolví en las tinieblas durante muchas horas,
temiendo la visión infernal que iba a encontrar afuera.
(PACHECO, 1990, p. 92-93)
O narrador-personagem não consegue suportar tais dúvidas, além
disso, a fome e a sede se instalam em seu corpo. Por outro lado,
podemos fazer uma análise baseada num retorno do personagem ao
mundo real, porém, ao acompanhar passo a passo de seu discurso,
notamos que o surto provocado nele pelo medo da vida turbulenta
continua ou, ainda, foi mais intensificado, pois o personagem regressa a
sua rotina diária e se depara com uma nova realidade:
Ya a punto de morir de sed, abrí la puerta, ascendí hacia
la oscuridad que se había adueñado de la Tierra, caminé
a ciegas y escuché de repente los gritos de lo que
(supuse) había sido una mujer (PACHECO, 1990, p. 93)
[...]
Quise acercarme. Ella escapó. Golpeándome contra las
paredes me interné en un laberinto. A trechos veía algo
semejante a una luz rojiza. Tropecé y caí de bruces.
Poco a poco recobré algo de vista. Con asombro y pavor
me di cuenta de que la casa era mi casa (PACHECO,
1990, p. 93)
O personagem retorna pouco a pouco à realidade de sua casa, da
rua, da cidade, porém confessa não pertencer mais a essa sociedade,
porque o medo lhe sufocou e fez com que fugisse do próprio real. Ele,
após ser reconhecido como o vizinho desconhecido, se auto-descreve “mi
mal olor, mis larguísimos cabellos blancos, mis ojos dementes, mi boca
desdentada y carcomida por el escorbuto, mi piel llena de pústulas y
escamas” (PACHECO, 1990, p. 93). No final, após todo o seu sofrimento,
325
descobre que “no hubo guerras [...] el mundo estaba en paz y había
destruido todas sus armas nucleares” (PACHECO, 1990, p. 93). Logo, o
personagem principal do relato pode representar a todos aqueles homens
comuns que cruzam o espaço citadino, vivenciando e observando nele
inúmeras contradições e um certo caminhar sem rumo. O personagem só
comprova um fato verídico de nossa sociedade: muitos são os casos de
identidades perdidas ou desencontradas na imensidão dos espaços das
grandes urbes.
Toda a narrativa constrói-se a partir de um tempo presente –
momento da enunciação do personagem – e num ambiente específico, o
“hospital en que ahora agonizo”. De acordo com Foucault (2006, p. 118),
“até pouco tempo o hospital foi um lugar ambíguo: de constatação para
uma verdade escondida e de prova para uma verdade a ser produzida”. O
filósofo ainda analisa sobre a funcionalidade do hospital “permitir a
descoberta da verdade da doença mental, afastar tudo aquilo que, no
meio
do
doente,
possa
mascará-la,
confundí-la,
dar-lhe
formas
aberrantes, alimentá-la e também estimulá-la” (FOUCAULT, 2006, p.
121). Dessa forma, concluimos que a vivência num mundo de caos e de
relações conflitantes pode gerar imagens de indivíduos frios, violentos e
agressivos, podendo cada um, desenvolver tais sintomas de inúmeras
formas, refugiando-se pelo medo de tudo, lutando ou adaptando-se ao
sistema já corrompido.
A minificção “Shelter” destaca a figura de um homem comum da
sociedade mexicana, num momento de fuga do real, expondo a trajetória
de sua vida repleta de medos, dores e dúvidas. A temática do medo
aparece, no relato, na força simbólica das ações realizadas pelo
enunciador do texto. O discurso do narrador-personagem envolve o leitor
numa reflexão sobre o espaço citadino habitado por todos e como este se
transforma no decorrer dos séculos, provocando inúmeras sensações nos
indivíduos que habitam esses espaços.
Em outra minificção intitulada “No entenderías”, Pacheco aborda,
principalmente, o tema da mixofobia (BAUMAN, 2009) – medo de
misturar-se – focando no racismo como um dos resultados do medo
326
cultural da sociedade. A sociedade moderna e da globalização impôs um
ambiente plural, em que os mais variados tipos humanos, estilos de vida,
crenças, ideais culturais e línguas percorrem a urbe, gerando uma
sensação de incômodo e de desordem. Apesar da idéia de unificação
proposta pela globalização, o caos é recorrente na Babel em que o
mundo se transformou devido ao próprio homem. A vida na cidade
moderna retoma o castigo e a maldição da narrativa bíblica. Pacheco
demonstra em sua literatura a nostalgia de um tempo que se foi, de uma
memória perdida e de um presente que se anuncia como pesadelo.
Em “No entenderias”, temos o diálogo entre um pai e sua filha
percorrendo as ruas da capital mexicana até o momento em que
presenciam uma cena de violência na entrada de um parque público. O
narrador-personagem é a imagem do homem conhecedor dos perigos da
cidade quando menciona “caminaba rápido y la niña tenía que esforzarse
para avanzar a mi paso” (PACHECO, 2000, p. 107). Já a menina é
representada como ingênua, indefesa e sem maldade. Enquanto o pai
caminhava apreensivo pelas vias, a menina queria aproveitar o momento
para brincar. Além disso, fazia inúmeras perguntas, que seu pai não sabia
como lhe responder ou, simplesmente, não podia dizer a verdade.
Antes de ambos presenciarem a cena de violência contra um
menino, o ambiente da cidade é descrito pelo narrador com um ar de
certo mistério como se anunciasse o perigo:
Obscureció. El firmamento estaba lleno de nubes plomizas. En
los botes de basura se pudrían los desechos. Bajo el rumor
lejano del tránsito se escuchaban caer gotas de lluvia
escurridas de las ramas […] En ese instante los gritos llegaron
hasta nosotros. (PACHECO, 2000, p. 107-108)
[…]
El parque me parecía interminable. Nunca íbamos a alcanzar la
estación del metro, jamás regresaríamos a casa, la niña no
cesaría de preguntarme ni yo de darle respuestas inútiles, las
mismas que recibí a su edad (PACHECO, 2000, p. 109)
Um menino é espancado dentro do parque por um grupo, mas o
narrador não nos revela naquele momento o motivo de tal agressão,
somente descreve a cena. O pai e a menina observavam tudo atrás de
uma árvore. O pai estava imóvel diante do perigo, não pensou em ajudar
327
ou pedir auxílio, porém a menina, mesmo sem entender aquelas imagens,
cobra uma atitude do pai. O temor do narrador para o ato de violência é
transmitido da seguinte maneira:
Diez o doce niños habían cercado a otro […] Entonces se
lanzaron contra él […] Vi la cara oscura enrojecida por las
manos blancas […] El muchacho se desplomó y ya en tierra lo
patearon entre todos. Alguien lo puso de pie y los demás lo
abofetearon de nuevo (PACHECO, 2000, p. 108)
O narrador relata o sofrimento do rapaz. Nenhuma informação ou
causa para tal incidente nos é apresentada. Somente sabemos da
agressão a um menino de pele escura, conforme o narrador o descreve.
O pai, ao presenciar a cena, tenta disfarçar seu medo diante da menina e
busca retirá-la daquele local, já que a mesma se surpreende:
- ¿Qué están haciendo?
- Peleando. Vámonos de aquí.
La presión de sus dedos fue como un reproche. Se había dado
cuenta. Yo era responsable ante ella. A su vez la niña
significaba para mí una coartada, una defensa contra el miedo
y la culpa […] La niña observaba la escena sin parpadear
- Diles que no hagan eso
- Vámonos. Apúrate (PACHECO, 2000, p. 108)
O narrador explica-nos o motivo de sua não intervenção na briga.
Somente mostra uma tentativa de apartar a violência com um grito, mas
revela: “sólo uno de ellos se volvió a mirarme y me despachó con un
doble gesto de amenaza y desdén” (PACHECO, 2000, p. 108). O narrador
sabia que não conseguiria lutar contra eles e precisava proteger sua filha.
Isso ele não revela para sua filha, mas conversa consigo mesmo. O grito
pode ter sido uma forma encontrada de extravasar o medo guardado. Os
vândalos nem se preocuparam em insultar ao pai e a menina. Ela
questiona o pai sobre os motivos da agressão do menino e, novamente,
lhe dirige novas perguntas:
- ¿Por qué le pegaron si él no les había hecho nada?
- Se pelearon, no sé
- Ellos eran muchos. Son malos ¿verdad?
[...]
- Entonces es bueno el niño al que le sacaron sangre los otros
- Sí, es decir, no sé
- ¿O es malo también?
- No, los malos son los otros porque no se debe actuar así
(PACHECO, 2000, p. 109)
328
As perguntas da menina eram tantas que o caminho de retorno a
casa parecia cada vez mais longo. A sensação de insegurança na cidade
faz com que o pai não saiba mais diferenciar entre as pessoas boas e as
más. De acordo com o professor mexicano José Luis Cisneros (2008), a
sociedade atual apresenta inúmeras formas ilegais de sobrevivência,
produtos da insegurança econômica e social, constituindo uma nova
ordem. Para o pesquisador, um dos motivos do aumento da delinqüência
na Cidade do México está no seguinte fato:
[...] é o incremento constante da participação de jovens ou
grupos de adolescentes que se apoderam de ruas da cidade
como parte do seu habitat natural, emergindo de maneira
considerável em quase todas as zonas da Cidade do México.
271
(CISNEROS, 2008, p. 60)
A participação cada vez maior de jovens em atos delinqüentes ou
em organizações de crimes organizados, o crescimento urbano e os
estereótipos dos sujeitos difundidos pelos meios de comunicação criam
um ambiente social estigmatizado, de segregação e de medo do uso do
espaço público da cidade. Isso favorece a criação de espaços de terror.
Segundo Cisneros,
A insegurança que se vive na Cidade do México propiciou uma
imagem de não proteção e perigo constante, que em muitos
casos é real e em outros se encontra constituído por um
horizonte de imaginários sociais da delinqüência e da violência.
A manutenção dessa representação é constituída pelos meios
de comunicação de massas, os quais produzem uma
dramatização das ações, ao difundir de maneira espetacular os
272
crimes violentos, os seqüestros e os roubos
(CISNEROS,
2008, p. 62)
[...]
[...] os medos culturais invadem ao indivíduo e debilitam as
coletividades, de modo que se constrói um medo do outro. Um
medo que se mostra pela perda de controle do espaço, pela
271
“[...] es el incremento constante de la participación de jóvenes o agrupaciones de
adolescentes que se apoderan de las calles de la ciudad como parte de su hábitat
natural, emergiendo de manera considerable en casi todas las zonas de la ciudad de
México”. [Tradução nossa]
272
“La inseguridad que se vive en la ciudad de México ha propiciado una imagen de
desprotección y peligro constante, que en muchos casos es real y en otro tanto se
encuentra constituido por un horizonte de imaginarios sociales de la delincuencia y la
violencia. El mantenimiento de esta representación, es constituido por los medios de
comunicación de masas, los cuales producen una dramatización de las acciones, al
difundir de manera espectacular los crímenes violentos, los secuestros y los robos”.
[Tradução nossa]
329
gente
desconhecida,
pela
diferença
de
costumes,
273
comportamentos, códigos e práticas diferentes a nós
(CISNEROS, 2008, p. 60)
O menino agredido também olha com desprezo ao homem e ignora
sua ajuda, apesar de estar machucado. Seria uma revolta por esse ter
observado tudo e nada ter feito ou, simplesmente, impera seu
individualismo e acredita não precisar do outro? Os fragmentos abaixo
demonstram o mencionado:
Ya a salvo, nos acercamos. El muchacho golpeado se
incorporó. Sangraba por las narices y la boca. Le dije: Permítame ayudarlo. Lo llevaré…
[...]
Me vio sin responder. Se limpió la sangre con los puños de la
camisa a cuadros. Le ofrecí un clínex. No hubo siquiera una
negativa, sólo desprecio en sus ojos […] El muchacho nos
volvió la espalda sin decir nada y se alejó arrastrando los pies
sobre la tierra húmeda (PACHECO, 2000, p. 108-109)
O relato de Pacheco apresenta a destruição do espaço citadino
não através da maldição profetizada do fogo da Babilônia bíblica, mas por
meio da capacidade destrutiva do sujeito contra seu semelhante. O pai
detecta temor nos olhos do menino e de sua filha como uma espécie de
cobrança por uma atitude não tomada. O narrador relata o encontro com
o policial e o momento em que a menina lhe conta em poucas palavras o
ocorrido.
O policial considera adequada a atitude do homem em nada ter
feito, pois segundo seu discurso: “- Es irremediable. Pasa a todas horas.
Hizo bien en no entrometerse. Son peligrosos. Andan armados. Dicen que
el parque es sólo para blancos y todo negro que entre en él pagará las
consecuencias” (PACHECO, 2000, p. 109). As palavras do oficial
explicam o ato de violência do grupo, porém no surpreendem por sua
passividade em se tratando de um oficial da lei. As palavras de Cisneros
(2008, p. 59) corroboram nosso ponto de vista quando ele menciona:
273
“[...] los miedos culturales invaden al individuo y debilitan las colectividades, de modo
que se construye un miedo al otro. Un miedo que se muestra por la pérdida de control
del espacio, por la gente desconocida, por la diferencia de costumbres,
comportamientos, códigos y prácticas diferentes a nosotros”. [Tradução nossa]
330
[...] as instituições encarregadas de outorgar segurança aos
cidadãos mostram suas dificuldades para estabelecer um nível
de contenção, aparece um ambiente de perda de credibilidade
e confiança que dificulta ainda mais a tarefa destas instituições,
e junto a isso se constrói também um imaginário social formado
por espaços de tensão que costumam ser expressos pelos
cidadãos como espaços de terror e medo, produto da
274
insegurança que se vive na Cidade do México
As palavras do policial apresentam aquele espaço da cidade como
um local de segregação, onde os habitantes do bairro não aceitam
pessoas negras dividindo os mesmos espaços que os brancos,
prevalecendo o desejo do homem de se fechar em grupos com interesses
iguais. Trata-se do medo da desordem, do caos e da incerteza. O homem
teme a seu semelhante porque sabe que ele não é diferente a si próprio e
que esse outro também tenta se defender, portanto a discórdia será
permanente.
O pai da menina, desde o início da narrativa, sinalizou a presença
do medo, apesar de senti-lo, não defende a segregação dos grupos e
discorda do pensamento do policial. Na saída do parque, ao cruzar com
três jovens negros, volta a sentir um mal-estar somente pelo olhar dos
meninos: “Nadie me había mirando nunca en esa forma. Vi las navajas de
resorte y pensé que iban a atacarnos. Pasaron de largo y se internaron en
la arboleda” (PACHECO, 2000, p. 110). A menina também sentindo-se
coagida, questiona seu pai perguntando-lhe o motivo de tanta discórdia.
O pai novamente se vê numa situação difícil, acreditando que a
mesma não entenderia, ou melhor, seria muito pequena para passar por
tamanho sofrimento. O pai dá-lhe um abraço como uma forma de
simbolizar sua proteção diante daquela cidade, cujo destino era retornar à
selvageria, já que o narrador coloca “La estreché levemente, con ternura y
con miedo [...] El parque avanzaba sobre la ciudad. Todo iba a ser de
nuevo selva” (PACHECO, 2000, p. 110).
274
“[...] las instituciones encargadas de otorgar seguridad a los ciudadanos, muestran
sus dificultades para establecer un nivel de contención, aparece un ambiente de pérdida
de credibilidad y confianza que dificulta aún más la tarea de estas instituciones, y junto a
ello se construye también un imaginario social formado por espacios de tensión que
suelen ser expresados por los ciudadanos como espacios del terror y miedo, producto de
la inseguridad que se vive en la Ciudad de México”. [Tradução nossa]
331
Os atos de delinqüência são o reflexo da urbe como produtora de
medo pelos acontecimentos violentos nela vividos, mas também como o
resultado de um imaginário criado e propagado pelos meios de
comunicação. O medo do outro dilui o sentimento de pertencer a um
grupo social e o de compartilhar uma identidade urbana. No contexto
deste conflito, a percepção da desordem na urbe pode ser resumida pela
existência de algumas questões, entre elas: a diminuição ou extinção do
diálogo entre os grupos sociais; o isolamento dos mesmos; a busca e a
identificação da origem do medo como responsabilidade do outro que
está ao nosso lado, normalmente mais fraco e a estigmatização de certos
ambientes da cidade classificados como perigosos.
3.2.5. O poder das palavras na confissão de “La
zarpa”
Si supiera quién eres y quién soy,
si supiese por qué eres y por qué soy,
la vida perdería su intensidad lacerante.
José Emilio Pacheco (2009a, p. 182)
A necessidade de narrar acompanha toda a história do ser
humano. Sempre existiu no decorrer da história da humanidade uma
vontade de escutar relatos do já vivido e os anseios do porvir. O conto “La
Zarpa”, de Pacheco, é a comprovação do poder que as palavras
assumem no momento de sua enunciação. O conto fundamenta-se numa
confissão da narradora-personagem Zenobia, quando ela relata ao padre
toda sua solidão, amargura, tristeza e inveja, principalmente, em relação a
sua amiga de infância Rosalba.
O conceito de poder, no conto de Pacheco, associa-se a todo o
momento ao discurso de Zenobia em relação à posição que ocupa como
o “eu” central da narrativa. O título do conto alude à palavra “zarpa”, as
garras – verdadeiras palavras – utilizadas e pronunciadas por Zenobia no
decorrer da confissão. Pacheco conduz os leitores para o mundo
332
simbólico do conto. Trata-se de uma narrativa intimista, na qual a
narradora-personagem revela seus problemas e a sociedade que a cerca.
Segundo o filósofo francês Michel Foucault (1985, p. 185), “o poder
não é algo que se possa dividir entre os que o possuem e o aplicam e os
que não o possuem e lhe são submetidos”. Para o filósofo, o poder
representa algo que vai além de uma simples forma de atuação dos mais
fortes, ou seja, de forças políticas autoritárias sobre outras. Para que seja
verdadeiramente subjugado de um para o outro, o poder deve
movimentar-se em cadeia através de mecanismos. Vemos nesses
“mecanismos de poder” a atuação de Zenobia através da imagem de si
mesma e de suas palavras.
O poder no conto de Pacheco está no momento em que o autor dá
voz ao sujeito discursivo do relato. O poder é exercido por Zenobia e,
paralelamente, sofrido por ela no momento que retoma o seu passado de
amargura.
O autor emprega, em seu conto, um exercício hermenêutico, pois
cada palavra pode apresentar um duplo sentido dentro da trama narrativa.
Desde o primeiro momento do relato, temos uma voz enunciativa –
Zenobia275 – que expõe sua experiência em primeira pessoa do singular
num solilóquio em que surge um pseudo-interlocutor, “el cura”. Num
segundo plano da narrativa, está a figura do padre (ou do leitor) como ser
passivo durante todo o ato da confissão. A personagem protagonista
centraliza em seu discurso o verdadeiro motivo e o agente principal de
suas dores e problemas no tempo real da enunciação – a figura que traz
de Rosalba desde sua imagem do passado.
O gênero confissão assume a posição de intertexto ao inserir-se no
conto do escritor mexicano. Na confissão não se narra realmente como
são os fatos, mas, segundo o olhar e o poder das palavras de quem
enuncia, ou seja, o poder de decidir fatos relevantes pela palavra. O
sujeito enunciativo a partir das interferências de sua própria história de
vida, contrariando todo o ritual moralista que pressupõe o ato da
275
O leitor escuta somente na narrativa a voz dessa mulher confessando, técnica que
nos recorda Juan Rulfo, em “Lluvina”.
333
confissão, relata a sua versão dos fatos. Para a filósofa e ensaísta
espanhola María Zambrano (2001, p. 35):
A confissão tem também um começo desesperado.
Confessamos o cansaço de ser homem, de si mesmo. É
uma fuga que, ao mesmo tempo, quer perpetuar o que
ocorreu, aquilo do que fugimos. Quer expressá-lo para
distanciá-lo e para ser outra coisa, porém quer, ao
276
mesmo tempo, deixá-lo para assim, realizá-lo
Através das palavras de Zambrano, percebemos a necessidade do
indivíduo de escapar de si mesmo, de seus próprios medos e angústias
internas. Por outro lado, ao resgatar muitos momentos de sua história
individual e, indiscutivelmente, coletiva, temos a falta de sorte de
relembrar alguns inconvenientes, mas, nesse segundo momento, como
uma saída para resolução de possíveis pendências. No instante em que
Zenobia expõe sua vida ao padre de sua Igreja, percebemos seu
questionamento interno: “No sabe cuánto me apena quitarle tiempo con
mis problemas, pero ¿a quién si no a usted puedo confiarme? De verdad
no sé cómo empezar” (PACHECO, 1997, p. 59)
A confissão pressupõe reconhecer o poder da palavra e dos atos
sobre si mesmo – inversão do poder –, sendo que o reconhecimento de
uma culpa sempre vem seguido de uma penitência. O ato da confissão
constitui
um
ritual em
que
manifestamos
a
preocupação
e
o
arrependimento por nossos pecados277, principalmente, quando se
aproximam as datas importantes para a Igreja Católica como, por
exemplo, a Semana Santa ou o Natal. Entretanto, nem sempre nossas
faltas são totalmente expostas ou demonstramos nossa sincera culpa. O
ritual da confissão só se concretiza quando é repassada a “sentença” do
sacerdote como meio de amenizar a gravidade dos pecados; sejam eles
pagos em orações ou em ações em benefício do próximo.
276
“La confesión tiene también un comienzo desesperado. Se confiesa el cansado de ser
hombre, de sí mismo. Es una huída que al mismo tiempo quiere perpetuar lo que fue,
aquello de que se huye. Quiere expresarlo para alejarlo y para ser ya otra cosa, pero
quiere al mismo tiempo dejarlo ahí, realizarlo.” [Tradução nossa]
277
Segundo a tradição bíblica, os primeiros pecados eram mais simples, verdadeiros
deslizes por parte dos que lhe cometiam, muitas vezes ocasionados por falta de
conhecimento. Os segundos classificavam-se em pecados graves e excluíam aqueles
que os cometesse da vida espiritual ao lado de Deus.
334
Um ato exemplar de perdão na tradição cristã mostra-se na
imagem de Jesus Cristo na cruz, no momento de sua morte, como um dos
legados mais fortes do cristianismo. No conto, observamos o oposto. Em
muitas ocasiões da vida não pedimos perdão aos outros e, também, não
somos humanos o suficiente para perdoar, contrariando, assim, os
princípios recebidos pela Igreja por meio do sacramento do batismo ou da
penitência. Segundo Bauman (2009, p. 21):
Quando a solidariedade é substituída pela competição, os
indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues a
seus próprios recursos – escassos e claramente inadequados.
A corrosão e a dissolução dos laços comunitários nos
transformaram, sem pedir nossa aprovação
Na tradição bíblica, a liberação do pecador de suas culpas é a
exposição de suas faltas cometidas e não a recordação dos atos
positivos, conforme podemos ver nos Provérbios (28,13): “Quem esconde
suas faltas jamais tem sucesso; mas quem as confessa e abandona,
obtém compaixão”. Conforme o Dicionário de Símbolos de Chevalier e
Gheerbrant (2006, p. 271), “o pecado é um laço, um nó espiritual”. Sendo
assim, só a confissão é capaz de desatar os obstáculos e dar liberdade
ao homem, portanto, o ato da confissão tem o poder de retirar o indivíduo
do caminho da perdição e do mal.
A confissão, do ponto de vista narrativo, baseia-se, em suma, no
poder do relato, ou seja, na narração do próprio indivíduo num momento
humilde, livre e consciente que faz de sua vida diante de alguém com o
objetivo de justificá-la. A voz narrativa assumida pelo sujeito no relato de
suas ações identifica-o como ponto central da confissão. O sujeito impõe
uma identidade narrativa ao indagar e responder questões sobre sua vida.
Para María Zambrano, as narrações e os sonhos complementam o
imaginário de todo ser humano. A filósofa entende o ato da confissão
como uma possível forma de sonho, cujo homem traz, no momento de
seu discurso, imagens do inconsciente, pois a confissão, como revelação
da alma, funciona como uma “espécie de processão dos sonhos
335
objetivados que o ser humano revela a si mesmo e busca seu lugar no
universo278” (ZAMBRANO, 1986, p. 77).
O poder da confissão centra-se na figura do “eu” evocativo que
sempre demonstra a dificuldade de sua vida, por conseguinte, expressa
suas ausências, insatisfações e carências. Esse “eu” assume o poder da
narração, pois ultrapassa a concepção do relato ao imaginar e criar novas
realidades279.
Para Foucault (1985), o poder não é algo que podemos deter, mas
sim uma força manifestada sempre por alguém: no conto de Pacheco, a
figura de Zenobia sempre assume a posição de enunciadora. Conforme o
filósofo, existem “manifestações de poder”, as quais se desenvolvem de
maneira diferente segundo o ambiente, o contexto e a situação
estabelecida. Por isso, pelo poder ser instável, o “eu” que detêm o poder,
Zenobia, repassa e recebe ao mesmo tempo ações do próprio poder de
suas palavras. Elas atuam sobre Rosalba e essa, também, atua
significativamente sobre sua pessoa, como uma catarsis. Ninguém detém
o poder para si, a pessoa manifesta-o em seu ambiente ou no ato da
enunciação. A partir do momento em que muda de posição ou ambiente,
qualquer pessoa está submetida aos “mecanismos de poder”. Por isso, o
poder pode ser manifestado de diferentes formas em múltiplas situações.
María Zambrano classifica a confissão como um gênero literário
superior ao relato, pois não se prende a uma temática ou estilo específico.
A confissão surge a partir da necessidade individual em transmitir
experiências. No conto em questão, desde o início da narrativa, Zenobia
apresenta a causa do sentimento de inveja perante Rosalba, de modo
que suas ações e conclusões, mesmo que precipitadas e infundadas, são
o resultado de sua vivência.
A confissão, tanto como gênero e ato, revela a identidade de seu
enunciador, já que as palavras nos orientam o caminho percorrido por
seus atos. O indivíduo constrói e questiona sua identidade narrativa no
278
“Especie de procesión de los sueños objetivados en que el ser humano se revela a sí
mismo y busca su lugar en el universo.” [Tradução nossa].
279
Rousseau e Santo Agostinho, ao escreverem suas Confissões, partem do olhar de
insatisfação da vida à criação de uma nova realidade por meio da escritura.
336
decorrer do relato através de suas ações. Zenobia reconhece sua inveja e
avalia seu rancor com Rosalba num momento de indagação:
Ese encuentro se me grabó en el alma. Si iba al cine o
me sentaba a ver la televisión o a hojear revistas siempre
encontraba mujeres hermosas parecidas a Rosalba.
Cuando en el trabajo me tocaba atender a una muchacha
que tuviera algún rasgo de ella, la trataba mal, le
inventaba dificultades, buscaba formas de humillarla
delante de los otros empleados para sentir: Me estoy
vengando de Rosalba (PACHECO, 1997, p. 63)
[…]
Usted me preguntará, padre, qué me hizo Rosalba.
Nada, lo que se llama nada. Eso era lo peor y lo que más
furia me daba. Insisto, padre: siempre fue buena y
cariñosa conmigo. Pero me hundió, me arruinó la vida,
sólo por existir, por ser tan bella, tan inteligente, tan rica,
tan todo (PACHECO, 1997, p. 63-64)
Nas palavras de Zenobia, vemos sua verdadeira essência. A
imagem construída de si mesma e a formada pelos outros permitiu que
gerasse um ódio a Rosalba pelo simples fato de esta ser atraente,
simpática, inteligente. No pensamento de Zenobia não havia nenhum
motivo para justificar seus atos e questionamentos, pois Rosalba nunca
lhe fez mal, pelo contrário, sempre se mostrou amável. Zenobia atua de
acordo com a insatisfação do rumo que levou sua vida, questionando,
assim, a própria vontade de Deus. Ao final da narrativa, todos os
problemas de Zenobia são resolvidos com a confissão.
Não podemos explicar os atos da protagonista, baseando-nos
somente no poder de crescimento e no avanço das cidades e na sua total
perda de comunicação entre os indivíduos que a habitam, mas também
pelos modelos impostos pela Modernidade, pelo poder do capital, que
possibilita a freqüência às academias de ginástica, ao dermatologista, ao
endocrinologista, por exemplo.
Zenobia ao mencionar “no la monstruosidad que padecemos ahora
en 1971” (PACHECO, 1997, p. 59) expõe o presente da narrativa, o
momento atual em que se insere sua confissão. No decorrer da narrativa,
duas são as referências ao tempo real dos fatos mencionados na
confissão: “Sería época de Ávila Camacho o Alemán” (PACHECO, 1997,
p. 62) – alusão ao governo presidencial da época – e “Aquella reunión en
337
Santa María debe de haber sido en 1946” (PACHECO, 1997, p. 64).
Ambas sentenças são formas empregadas pelo sujeito discursivo para
mostrar o imaginário e o retrato político-social do México daquele
momento; a passagem de um país rural a moderno. Zenobia acaba
agindo com esse olhar transitório dos tempos.
A monstruosidade, referida pela personagem principal, do presente
da narrativa gera-se no passado e explica o olhar agressivo da mesma ao
recordar os fatos. O sentimento de repúdio contra Rosalba brota da leitura
de si mesma: “¿por qué las cosas están mal repartidas? ¿Por qué a
Rosalba le tocó lo bueno y a mí lo malo? Fea, gorda, bruta, antipática,
grosera, díscola, malgeniosa. En fin...” (PACHECO, 1997, p. 60). Zenobia
ao descrever-se como “antipática” e “malgeniosa” realiza uma leitura
negativa de sua identidade que se reforça no emprego das reticências,
porque sabe que lhe resta assumir o papel criado por seu interior.
Nessa leitura de si, a protagonista, ao mesmo tempo em que está
segura de suas angústias e atos, levanta a dúvida sobre a vontade de
Deus, porém, em seguida, recupera sua identidade deturpada e nos
aponta um referencial do início do desafeto com Rosalba:
Qué injusticia ¿no cree? Nadie escoge su cara. Si
alguien nace fea por fuera la gente se las arregla para
que también se vaya haciendo horrible por dentro. A los
quince años, padre, ya estaba amargada. Odiaba a mi
mejor amiga y no podía demostrarlo porque ella era
siempre buena, amable, cariñosa conmigo (PACHECO,
1997, p. 60)
Por suas palavras, notamos certa carga do agir conforme as ações
do coletivo do México daquele momento. Zenobia, no seu interior, não
sabe ao certo o porquê de seu ódio. A protagonista ao assumir o centro
da narrativa – como já abordado, pois não temos marcas de interlocução,
ou seja, existe um padre fictício que pode ser o leitor –, demonstra tudo
que lhe inquieta ou o que lhe parece mais relevante a ser exposto.
Segundo Zambrano (1993), a revelação do nosso interior pode:
Chegar a um exorcismo que o ser distancia e retira do
seu coração o que lhe obscurece: uma purificação
extrema, portanto: uma purificação que não pode ser
verificada, mas sim reconhecida em todos os erros, a
partir de algum, pois sempre que há algum delito dotado
de capacidade de gerar indefinitivamente, ou de
338
multiplicar-se alucinadamente na galeria de espelhos do
tempo sucessivo.
A confissão, como gênero e ato, transmite uma explicação vital que
pode ou não ser entendida pelo interlocutor como uma verdade. No
decorrer da leitura do texto de Pacheco, o leitor tenta construir essa
verdade. Zenobia teve toda sua vida para elaborar sua confissão e gerar
no leitor uma imagem verídica. Com essa tentativa, ela confessa no final
do seu relato:
Yo sé lo que es estar en el infierno, padre. Sin embargo,
no hay plazo que no se cumpla ni deuda que no se
pague. Aquella reunión en Santa María debe de haber
sido en 1946. De modo que esperé un cuarto de siglo. Y
al fin hoy, padre, esta mañana la vi en la esquina de
Madero y Palma. Primero de lejos, después muy de
cerca. No puede imaginarse, padre: ese cuerpo
maravilloso, esa cara, esas piernas, esos ojos, ese
cabello, se perdieron para siempre en un tonel de
manteca, bolsas, manchas, arrugas, papadas, várices,
canas, maquillaje, colorete, rímel, dientes falsos,
pestañas postizas...(PACHECO, 1997, p. 64)
O relato-confissão redigido por Pacheco apresenta a história de
vida de Zenobia e, indiretamente, a de Rosalba, desde o momento que
suas identidades se cruzam. Vejamos esse cruzamento no seguinte
fragmento:
Mire, Rosalba y yo nacimos en edificios de la misma calle, con
apenas tres meses de diferencia. Nuestras madres eran muy
amigas. Nos llevaban juntas a la Alameda y a Chapultepec.
Juntas nos enseñaron a hablar y a caminar. Desde que
entramos en la escuela de párvulos Rosalba fue la más linda,
la más graciosa, la más inteligente. Le caía bien a todos, era
amable con todos. En primaria y secundaria lo mismo: la mejor
alumna, la que portaba la bandera en las ceremonias, bailaba,
actuaba o recitaba en los festivales. ‘No me cuesta trabajo
estudiar’, decía. ‘Me basta oír algo para aprendérmelo de
memoria’. (PACHECO, 1997, p. 59-60)
A identidade de Rosalba forma-se por meio do olhar disperso,
perturbado, confuso e anti-reflexivo de Zenobia, que numa situação
específica – a da confissão –, decide lembrar e contar sua vida. Ao
mesmo tempo em que suas palavras têm o poder de desconfigurar a
identidade de Rosalba, demonstra-nos que o narrador-personagem
descobre a si mesmo. Quando se encontra com seu passado e busca
explicações para experiências não vividas, Zenobia procura uma nova
339
solução, um novo rumo para sua vida, cabendo ao leitor reconhecer a
verdade em suas palavras.
A confissão, conforme María Zambrano (2001, p. 78), é um
pensamento do homem real com problemas que relata seu interior na
tentativa de desfazer e livrar-se de suas angústias mundanas. O indivíduo
transforma sua vida a partir da recordação das experiências vividas. A
personagem de Pacheco, Zenobia, foge de si e dos demais, porém sabe
que não há como negar a realidade. No momento que assume a culpa, a
protagonista mostra-se mais humilde e capaz de enxergar uma saída. No
final do relato, reconhece não haver mais diferenças e rancor devido a
seu amadurecimento como ser humano:
Me apresuré a besarla y abrazarla. Había acabado lo que
nos separó. No importaba lo de antes. Ya nunca más
seríamos una la fea y otra la bonita. Ahora Rosalba y yo
somos iguales. Ahora la vejez nos ha hecho iguales
(PACHECO, 1997, p. 64)
Segundo o pensamento de María Zambrano, o homem deve
confessar-se e revelar seus medos intrínsecos como forma de reconciliarse com seu interior. O relato de Zenobia permite encontrar a própria
identidade perdida, sua condição de mulher excluída – feia, gorda e de
condição social inferior – e de compreender o resultado de suas ações:
Me quedé arrumbada en el departamento donde nací, en las
calles de Pino. Santa María perdió su esplendor de comienzos
de siglo y se vino abajo. Para entonces mi madre ya había
muerto en medio de sufrimientos terribles, mi padre estaba
ciego por sus vicios de juventud, mi hermano era un borracho
que tocaba la guitarra, hacía canciones y ambicionaba la gloria
y la fortuna de Agustín Lara. Pobre de mi hermano: toda la vida
quiso hacerse digno de Rosalba y murió asesinado en un
tugurio de Nonoalco (PACHECO, 1997, p. 61)
Na confissão, o outro recebe um papel de destaque. O outro,
também, pode ser o leitor que escuta, lê e completa a teia de sentidos.
Zenobia só consegue formar sua identidade simbólica ao se dirigir ao
outro. Este último esconde-se no próprio discurso da protagonista:
Me reclamó que no la buscara, aunque ella me mandaba cada
año tarjetas de Navidad. Me dijo que el próximo domingo el
chofer iría a recogerme para que cenáramos en su casa.
Cuando llegamos, por cortesía la invité a pasar. Y aceptó,
padre, imagínese: aceptó. Ya se figurará la pena que me dio
mostrarle el departamento a ella que vivía entre tantos lujos y
comodidades. Aunque limpio y arreglado, aquello era el mismo
340
cuchitril que conoció Rosalba cuando andaba también de
pobretona. Todo tan viejo y miserable que por poco me suelto a
llorar de rabia y de vergüenza […] Para qué exponerme a ser
comparada de nuevo con Rosalba. No seré nadie pero tengo
mi orgullo, Padre (PACHECO, 1997, p. 62-63)
Zenobia oprimida por sua vida invisível e indefinida encontra no
padre uma figura de conforto, uma figura que a completa, pois segundo a
pensadora Zambrano (1993):
O ser visto é requisito indispensável para ver a si mesmo.
Somente nos vemos em outro quando alguém recolheu nossa
história, a história de nossos castigos, de nossa animação e de
nosso fracasso, então sabemos nós mesmos. Como conhecer
as pessoas se ninguém nos conhece.
Nas palavras de Zambrano podemos identificar essa mulher
ficcional e, muitas das vezes, sem o poder da voz, cuja imagem é
levantada pelo autor em seu conto. Pacheco consegue revelar,
totalmente, na tessitura de seu conto, a identidade simbólica de Zenobia
no momento em que sua vida se esclarece e a personagem torna-se mais
evidente.
No desenrolar da confissão, a vida de Zenobia converte-se mais
visível e compreensível aos demais. A inveja e as amarguras sentidas se
desfazem no instante em que Zenobia encontra o outro atribuindo valor a
suas palavras. No momento que Zenobia assume o “eu” do discurso, a
narrativa nasce como sujeito poético e constrói um rosto próprio numa
viagem de aprendizagem e sentimentos.
Zebonia, durante todo o relato, experimenta um conflito interior,
entre o mundo que habita, a cidade real, e o mundo desejado, a cidade
ideal. No final da narrativa, entendemos a cidade ideal como algo utópico,
difícil de existir no plano real, mas sim no simbólico. Ela pode ser
sonhada, imaginada e construída nos discursos dos antepassados
existentes no espaço social.
No conto “La zarpa”, Pacheco emprega o tema da confissão de
uma mulher como forma de representar a realidade mexicana e seus
problemas sociais. Com isso, o autor induz o leitor a complementar a
leitura do conto com suas reflexões sobre o que está nas entrelinhas do
texto, fazendo com que esse caminhe mais além do código escrito.
341
3.2.6. “La Reina”: representações do sujeito na
cidade
Acabou nosso carnaval,
ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou [...]
Vinicius de Moraes e Carlos Lyra
280
No conto “La Reina” o foco da narrativa centra-se na figura de uma
adolescente obesa, habitante da cidade de Vera Cruz, no México.
Pacheco inicia o conto com palavras do escritor colombiano Porfirio Barba
Jacob como recurso para apresentar a personalidade de Adelina,
protagonista do conto, classificando-a como “rencorosa” e “enlutada”. O
uso da letra maiúscula no título do texto permite o questionamento do
leitor em relação à figura dessa rainha. Ela não seria uma mera rainha,
mas sim a rainha. Quando pensamos em reis e rainhas somos levados a
imaginar contextos históricos, famílias reais, poder, ambição, inveja.
De certa forma, alguns dos temas expostos estão presentes no
conto de Pacheco, porém o autor desenvolve a narrativa numa
ambientação urbana e, ainda, na época de Carnaval. Portanto, o termo
“Reina” refere-se à mulher mais representativa dessa festa popular em
que não há separação entre classes e todos os seres humanos são
iguais. Nas passagens a seguir notamos o cenário e o contexto da
narrativa de Pacheco:
Eran las diez de la mañana. Todo lo impregnaba el calor. Un
organillero tocaba el vals Sobre las olas. Lo silenció el
estruendo de un carro de sonido en que vibraban voces
incomprensibles (PACHECO, 2000, p. 63)
[...]
No había tránsito: la gente caminaba por la calle tapizada de
serpentinas, latas y cascos de cerveza. Encapuchados,
mosqueteros, payasos, legionarios romanos, ballerinas,
circasianas, amazonas, damas de la corte, piratas, napoleones,
astronautas, guerreros aztecas y grupos y familias con
máscaras, gorritos de cartón, sombreros zapatistas o sin disfraz
avanzaban hacia la calle principal (PACHECO, 2000, p. 68)
280
In:
Marcha
da
quarta
feira
de
cinzas.
Disponível
http://www.revista.agulha.nom.br/vm1.html>. Último acesso em 04 fev. 2010.
em:
<
342
Através dos elementos acima, percebemos certa agitação e
confusão, características de qualquer festa de Carnaval celebrada num
grande centro urbano. O autor recria o cenário de consumo do Carnaval
de Vera Cruz. Pacheco, ao utilizar esse contexto para sua narrativa, tem
por objetivo mostrar até que ponto o homem reage às provocações do
meio ao seu redor. Pacheco emprega estratégias discursivas, que
implícita ou explicitamente, configuram as crises, os desencantos, os atos
de fé e as diferentes relações de poder aparentes numa cidade moderna.
O Carnaval atrai grande atenção do público, convidado a consumir
bebidas e drogas, provocando extravagâncias e certos desejos.
Pacheco utiliza o olhar de Adelina para percorrer as ruas em festa
da cidade de Veracruz, observando o colorido, as máscaras e os
disfarces
dos
personagens
fantásticos,
reais
e
os
fatos
mais
representativos ao longo da história como:
Cavernarios, kukluxklanes, Luis XV y la nobleza de Francia con
sus blancas pelucas entalcadas y sus falsos lunares, Blanca
Nieves y los siete enanos, Barbazul en plena tortura y
asesinato de sus mujeres, Maximiliano y Carlota en
Chapultepec, pieles rojas, caníbales teñidos de betún y
adornados con huesos humanos, Romeo y Julieta en el balcón
de Verona, Hitler y sus mariscales, llenos de suásticas y
monóculos, gigantes y cabezudos, James Dean al frente de
sus rebeldes sin causa, Pierrot, Arlequín y Colombina, doce
Elvis Presleys que trataban de cantar en inglês y moverse
como él (Adelina cerró los ojos ante el brillo del sol y el caos de
épocas, personajes, historias) (PACHECO, 2000, p. 69)
A identidade narrativa de Adelina se constrói no transcorrer do
conto, porém, no início da narrativa, já percebemos que ela sofre de
inúmeros traumas e cobranças de uma sociedade individualista e
capitalista: o fato de ser gorda, de se achar feia, de não ser compreendida
pela família, amigos e conhecidos, de ser ridicularizada e ter um amor não
correspondido.
A personagem principal é vítima dessa sociedade moderna
retratada por Pacheco. Aliado a isso, o narrador do conto destaca todo o
rancor de Adelina na busca de um sonho. A personagem principal
lamenta-se, no decorrer da narrativa, pelo fato de não ter condições de
ser a “Reina” do Carnaval, e isso faz com que ela reaja negativamente à
Letícia, a verdadeira rainha da festa, a quem Adelina classificava como
343
uma “negra débil mental”. Ainda complementa “no es reina ni es nada: su
familia compró todos los votos y ella se acostó hasta con el barrendero de
la comisión organizadora. Así quién no” (PACHECO, 2000, p. 65).
Segundo Bauman (2009, p. 48):
A arte de viver pacífica e alegremente com as diferenças e de
extrair benefícios dessa variedade de estímulos e
oportunidades está se transformando na mais importante das
aptidões que um citadino precisa aprender e exercitar
Nas palavras de Adelina está o resultado da convivência num
espaço onde o que vale é o poder da aparência, da beleza, do corpo,
resumindo, da imagem. Ela reage de acordo com as provocações do
ambiente ao redor. Notamos que a modernidade é responsável pela
dissolução da solidariedade e pela desestabilização da unidade do sujeito
da narrativa.
O autor do conto mostra a competitividade para chegar ou estar na
classe mais alta da sociedade. Adelina era uma mulher de classe média e
desejava ser rainha do Carnaval para ocupar um lugar, nas altas esferas
da sociedade, haja vista o status do reconhecimento pela beleza. Uma
mostra dessa separação de classes aparece na cena:
Desde un inesperado balcón las Osorio, muertas de risa, se
hicieron escuchar bajo el estruendo del carnaval:
- Gorda, gorda: sube. ¿Qué andas haciendo allí abajo revuelta,
con la peble y los chilangos? ¿Ya no te acuerdas de que la
gente decente de Veracruz no se mezcla con los fuereños, y
mucho menos en carnaval? (PACHECO, 2000, p. 70)
Pacheco, neste conto, também aborda a instabilidade do poder,
demonstrado pelos atos de Adelina e Letícia. Nenhuma delas detém o
poder para si, mas sim o submetem. Letícia pouco aparece no relato,
mesmo assim se mostra superior a Adelina:
Leticia, toda rubores, toda sonrisitas, entre los bucles
artificiales que sostenían la corona de hojalata, saludaba a
izquierda y derecha, sonreía, enviaba besos al aire [...]
Atronaban aplausos. Leticia Primera recibía feliz la gloria que
iba a durar unas cuantas horas, en un trono destinado a
amanecer en la basura. Sin embargo, Leticia era la reina y
estaba cinco metros por encima de Adelina que – la cara
sombria, el odio en la mirada – la observaba sin aplaudir ni
agitar la mano (PACHECO, 2000, p. 70)
Adelina também exerce o poder de sua maneira, mas esse sendo
representado por sentimentos negativos, como por exemplo, quase que
344
rezando para que sua rival caia do carro alegórico, rasgue a fantasia, ou
ainda, questionando o excesso de maquiagem de Leticia. Observemos o
sentimento de rancor expresso pela protagonista:
- Cómo puede cambiar la gente cuando está bien maquillada
[...]
- Ojalá se caiga, ojalá quede en ridículo, ojalá de tan apretado
le estalle el disfraz y vean el relleno de hulespuma en sus tetas
(PACHECO, 2000, p. 70)
O desejo de pertencer ao grupo dominante da sociedade é muito
intenso. Numa outra cena, Adelina, novamente, exerce poder sobre
Leticia no momento em que ameaça roubar seu posto no próximo
carnaval: “Ya verá. Ya verá el año que entra: los lugares van a cambiarse.
Leticia estará aquí muerta de envidia y yo...” (PACHECO, 2000, p. 70). A
certeza da protagonista é marcada pelo uso do advérbio “aquí” como
recurso sinalizador da troca de papéis, proporcionando a Adelina uma
posição superior e de destaque expressa pelo uso das reticências.
Numa conversa telefônica com seu irmão Óscar, Adelina
demonstra todo seu mau-humor, incrementado pelas ações da vida em
sociedade, vejamos:
- ¿Qué quieres, pinche enano maldito?
- Cálmate, gorda, es un recado de our father. ¿Por qué
amaneciste tan furiosa, Adelina? Debes de haber subido otros
cien kilos.
- Qué te importa, idiota, imbécil. Ya dime lo que vas a decirme.
Tengo prisa.
- La verdad, gorda, es que te mueres de envidia. Qué darías
por estar ahora arreglándose para el desfile en vez de Leticia.
- ¿El desfile? Ja ja, no me importa el desfile. Tú, Leticia y todo
el carnaval me valen una pura chingada.
- Que bonito trompabulario. Dime dónde lo aprendiste. No te lo
conocía.
- Vete al carajo.
- Ya cálmate, gorda. ¿Qué pasa? ¿De cuál fumaste? Ni me
dejas hablar...
- Cierra el hocico y ya no estés jodiendo.
- Voy a desquitarme, gorda maldita. Te vas a acordar de mí,
bola de manteca (PACHECO, 2000, p. 65)
Óscar, ao iniciar a conversa, aborda de imediato um ponto que
incomoda sua irmã. Tais provocações encontram-se no modo como ele
se refere à Adelina (“Gorda”, “bola de manteca”) e, principalmente, ao
mencionar seu despeito para com Leticia. Ao mesmo tempo em que o
discurso
de
Adelina
mostra
sua
imparcialidade
em
relação
às
345
provocações de seu irmão, o léxico empregado por ela comprova sua
revolta, ódio, inveja e raiva, características evidentes da sociedade dita
globalizada.
A cena inicial do conto de Pacheco demonstra a preocupação de
Adelina com seu corpo. Ela aparenta preparar-se para alguma festa
arrumando-se com diversos acessórios e um excesso de maquiagem. No
momento da escolha pela roupa, o narrador comenta “escogió un vestido
floreado. La crinolina ya no se usaba pero, según la modista, no había
mejor recurso para ocultar un cuerpo como el suyo” (PACHECO, 2000, p.
63). Sabemos que o corpo representa um elemento importante no jogo da
sedução, porque através dele a mulher é capaz de atrair para si olhares e
aumentar sua própria auto-estima.
O conceito de corpo281 na história da humanidade demonstra
importantes concepções filosóficas, tendo em vista sempre o privilégio da
mente em detrimento ao do corpo. Enquanto o homem está vivo, a mente
e o corpo são elementos indissociáveis, desfazendo-se após a morte,
porque só a alma é imortal, já o corpo se descompõe. Para os filósofos
Platão e Aristóteles, o corpo fere os princípios da razão, da mente e da
alma. Tal visão se apóia na tradição cristã, em que a mente e o corpo se
comparam à distinção do que é imortal e mortal. O pensamento ocidental
é
marcado
pelo
cartesianismo
e
apresenta
algumas
leituras
contemporâneas para o corpo: instrumento para as ciências humanas,
veículo à disposição da consciência e símbolo de expressão social. Em
todas essas concepções, notamos uma verdadeira desvalorização social
do corpo. O corpo pode ser compreendido segundo o olhar do dualismo
cartesiano, à luz das teorias feministas e apoiado pelo pensamento de
Espinosa, Foucault e Deleuze, cujo corpo é entendido como uma tessitura
histórica e cultural.
281
Não nos propomos nesta tese a realizar um estudo profundo para a questão do corpo
físico, já que nosso interesse está em desvendar a cidade e os problemas decorrentes
da vida moderna. No caso de Adelina, vemos que a não aceitação de seu corpo provoca
um sujeito perdido no corpo da cidade. Para embasamento teórico da temática do corpo,
indicamos a leitura de Foucalt (1980) e de Guberman (1998;1999), neste último, a autora
tece uma trajetória do corpo na historiografia literária e o relaciona à sensualidade e ao
desejo.
346
Para as feministas Julia Kristeva e Nancy Chodorow, o corpo
marca socialmente o masculino e o feminino como opostos, porque elas
entendem o corpo como elemento da representação ideológica buscando,
assim, a mudança de valores, crenças e atitudes. Já para Simone de
Beauvoir, o corpo da mulher é importante, mas não é totalmente diferente
ao do homem. Segundo ela:
A sujeição da mulher à espécie, os limites de suas capacidades
individuais são fatos de extrema importância; o corpo da
mulher é um dos elementos essenciais da situação que ela
ocupa neste mundo. Mas não é ele tampouco que basta para a
definir. Ele só tem realidade vivida enquanto assumido pela
consciência através das ações e no seio de uma sociedade; a
biologia não basta para fornecer uma resposta à pergunta que
nos preocupa: por que a mulher é o Outro? Trata-se de saber
como a natureza foi nela revista através da história; trata-se de
saber o que a humanidade fez da fêmea humana (BEAUVOIR,
1980, p. 57)
Outras teorias feministas ainda apontam para o corpo como
espelho de lutas econômicas, sexuais, políticas e intelectuais. Seguindo
essa linha, as teóricas Luce Irigaray (2008) e Judith Butler (2003)
concebem o corpo como instrumento cultural e retrato fiel de diferentes
culturas. Em resumo, existem tipos específicos de corpos, reconhecidos
pelo nível sócio-econômico-cultural, pela etnia e pelo sexo, ou seja, com
características particulares e únicas. Por isso, acreditamos que os corpos
devem ser entendidos mais em sua concepção histórica do que,
simplesmente, por seu caráter biológico.
O corpo, ao longo dos anos, representa uma marca indiscutível das
representações identitárias dentro de uma sociedade, principalmente, o
corpo feminino, que ocupa espaço de destaque na indústria cultural, seja
literária, cinematográfica, publicitária ou da moda. Na contemporaneidade,
o corpo deixa de representar a identidade do indivíduo a partir do
momento que o mesmo recorre a tratamentos estéticos ou, ainda,
situações onde órgãos artificiais substituem os naturais (HARAWAY,
1980).
Retornando à análise do conto, vemos que Adelina assume estar
acima do peso e diz tentar reduzi-lo através de dietas e de exercícios,
porém, naquele dia, antes de sair de casa, ela, ainda, recorre à balança
do banheiro da casa, conforme o relato do narrador:
347
[...] subió a la balanza. Se descalzó, incrédula. Pisó de nuevo la
cubierta de hule. Se desnudó y probó por tercera vez. La
balanza marcaba ochenta kilos. Debía estar descompuesta: era
el mismo peso registrado una semana atrás al iniciar la dieta y
ejercicio (PACHECO, 2000, p. 63)
O desejo de ficar magra ou de, pelo menos, se sentir melhor leva
Adelina a retirar sua roupa por não se conformar com o mesmo peso. Tal
ação só constata dados da personalidade da personagem, como por
exemplo, a obsessão por um corpo magro e bonito. A imagem da
personagem reflete a maioria das mulheres de nossa sociedade, levadas
pelos meios de comunicação e propagandas a utilizar produtos
emagrecedores, remédios, equipamentos de ginástica e operações
cirúrgicas em prol da beleza e da moda. Como tratamos em Las Batallas
en el desierto, a imagem da mulher norte-americana influencia os hábitos
e o pensamento da mulher mexicana tradicional.
Numa das cenas do conto, Adelina encaminha-se à cozinha e
encontra fotos antigas que permitem um retorno a seu passado, quando
aos seis meses de idade já ganhava o concurso “El bebé más robusto de
Veracruz”. O narrador leva o leitor a percorrer momentos da vida da
protagonista como a declamação do poema “Madre o mamá”, de Juan de
Dios Peza, aos nove anos, ou ainda, lembranças da valsa catastrófica
encenada por ela e seu pai na festa dos quinze anos. Adelina, ao pensar
nessas cenas, fala sozinha “Qué triste todo eso”. Nesse instante, ela
acredita que tal lembrança se dá pela falta do café da manhã naquele dia.
Após este episódio, prepara um milk shake de banana com leite
condensado e começa a ler o romance sentimental Huracán de amor que
estava esquecido na cozinha. Sua mãe Hortensia não permitia que
Adelina lesse esse tipo de história, porque ainda a via como uma menina.
Um dos fragmentos da obra chama a atenção do leitor para Adelina, ao
expressar “No hay más ley que nuestro deseo” (PACHECO, 2008, p. 64).
O leitor melhor compreende a colocação da personagem ao descobrir sua
paixão não correspondida pelo cadete Alberto.
Adelina já estava pronta para sair quando recebe a ligação de seu
irmão já relatada anteriormente. Após essa briga, sente vontade de chorar
e busca seu diário junto ao armário infantil localizado em seu quarto, que
348
segundo o narrador, ainda contém adesivos e enfeites de Walt Disney.
Mais uma vez, o narrador revela traços de uma sociedade de consumo,
onde o império do lucro e da moda envolvem o sujeito narrativo. Temos
como exemplos latentes “los pañuelos clínex”, “el Listerine”, “las
calcomanías de Walt Disney” e “el despertador de Bugs Bunny”.
Até esse momento da narrativa, acreditamos que Adelina é uma
adolescente em via de transformação em mulher adulta e ciente de sua
fala, porém, através desses elementos em seu quarto, vemos que o
narrador revela dados de ingenuidade da personagem. Há uma digressão
da história principal a ser narrada. No instante em que Adelina senta na
sala de jantar para escrever em seu diário, a saída da casa para ir à festa
foi interrompida. O tempo da outra narrativa passa a ser divergente.
Adelina, ao redigir o diário, sai do tempo cronológico, portanto do mundo
exterior, para entregar-se a um tempo interior, cujas aflições de amor por
Alberto e sua rivalidade perante Leticia a rodeiam.
Adelina desafoga a frustração imposta pela vida a partir do
momento que começa a escrever em seu diário282. Ela inicia o texto
evidenciando seu cansaço em repetir tal ação: “Por milésima vez hago en
este cuaderno una carta que no te mandaré nunca” (PACHECO, 2000, p.
66). O diário representa para Adelina a possibilidade de dirigir-se
diretamente a Alberto, já que na vida real não consegue se declarar
totalmente, além disso, seus escritos funcionam como fuga da realidade
diante de seus olhos. Vejamos esses exemplos no seguinte fragmento:
Alberto mío, dentro de un rato voy a salir. Te veré de nuevo,
por más que tú no me mires, cuando pases en el carro
alegórico de Leticia. Te lo digo de verdad: ella no te merece. Te
282
O narrador-personagem do romance curto El principio del placer também emprega o
gênero diário como um modo de manter em segredo seus sentimentos eróticos pela
personagem de Ana Luisa. Em ambos os relatos, encontramos intertextos em formato de
cartas, bilhetes e avisos. O desejo transforma-se na busca constante pela escritura, cujo
prazer se concretiza. Entre as características do gênero diário, citamos: a
espontaneidade na descrição dos acontecimentos, a exposição fragmentada, a presença
de marcas temporais no texto, a narração em primeira pessoa, a escritura surge de
acordo com os impactos dos acontecimentos, o autor do diário também é seu leitor, o
diário converte-se numa fuga, cuja escritura irônica reflete o desagrado do homem com o
mundo externo. Semelhante à autobiografia ou às memórias, o autor do diário trata de
acontecimentos vividos, tece reflexões e comentários, nomeia as pessoas com quem se
relaciona (KOHAN, 2000). Através do diário, o leitor também participa dos segredos de
Adelina. Valenzuela (2003) informa que não existe literatura sem segredo haja vista o
jogo possível entre racionalidade e ficcionalidade no trabalho com a linguagem. A escrita
transforma-se num meio de desvendar e anunciar os mistérios da realidade.
349
ves tan... tan, no sé cómo decirlo, con tu uniforme de cadete.
No ha habido en toda la historia un cadete como tú.
(PACHECO, 2000, p. 66)
O tom depreciativo da protagonista em relação à Leticia se mantém
no decorrer do escrito no diário. Adelina define-a como “muy vulgar”, “muy
corriente”, “[...] es tan coqueta”, “se cree muchísimo”. Ademais, sempre
relata a perseguição de outros para com ela, como por exemplo, Las
Osorio. Vejamos:
[…] se juntan para bularse de mí porque soy más inteligente y
saco mejor calificaciones. Claro, es natural: no ando en fiestas
ni cosas de ésas, los domingos no voy a dar vueltas al Zócalo,
ni salgo todo el tiempo con muchachos. (PACHECO, 2000, p.
66)
O discurso de Adelina é preconceituoso ao dividir as mulheres da
sociedade em dois grupos. Ela acaba inserindo-se no grupo das mulheres
de boa índole e de bons costumes. O marco central da Cidade do México,
o Zócalo, é utilizado, no conto, como um local negativo onde há
vulgaridade.
As brigas com seu irmão e seus pais, sua visão sobre Leticia e Las
Osorio, suas declarações de amor por Alberto e as faltas cometidas por
ele, ao não comparecer a certos compromissos, são os assuntos sempre
recorrentes de suas cartas. Durante todo o relato, Adelina espera ser
correspondida pelo cadete, mas há momentos em que não identificamos
se o sentimento é correspondido ou se suas palavras chegam até Alberto:
“Pero tú, Alberto, ¿me recuerdas? ¿Te has olvidado de que nos
conocimos hace dos años – acababas de entrar en La Naval – una vez
que acompañé a mi papá a Antón Lizardo?” (PACHECO, 2000, p. 66-67).
Uma prova da não resposta de Alberto aos pedidos de Adelina está
no fragmento em que a mesma relata sua reação após o não
comparecimento dele na sorveteria “Yucatán”:
Te esperé todo el día ansiosamente. Lloré tanto esa noche...
Pero luego comprendí: no llegaste para que nadie dijese que te
interesaba cortejarme por ser hija de alguien tan importante en
la Armada como mi padre (PACHECO, 2000, p. 67)
Adelina não quer enxergar a realidade dos fatos: seu amor não é
recíproco. Vê o poder e o nome de sua família como barreiras para
aproximação do amado. Porém, em seguida, Adelina, na tentativa de ter a
350
presença do cadete ao seu lado, acaba propondo algo contrário a sua
visão de mulher correta “quedamos en vernos el domingo para ir al
Zócalo” (PACHECO, 2000, p. 67).
A vontade de ser centro do olhar e objeto de desejo de Alberto,
além de obter poder é demonstrada pela voz narrativa da protagonista
quando a mesma anuncia:
Te prometo que esta vez sí adelgazaré y en el próximo
carnaval, como lo oyes, yo voy a ser ¡LA REINA! (Mi cara no es
FEA, todos lo dicen) [...] Pero el año próximo, te juro, tendré un
cuerpo más hermoso y más esbelto que el suyo (PACHECO,
2000, p. 67)
Suas palavras destacam a constante preocupação com a imagem
do corpo e a vontade desmedida de representar a dama maior da referida
festa popular. Outros momentos da narrativa denunciam novamente a
postura de Adelina como figura central dos olhares externos e a
propagadora do poder, reforçado através de sua união a Alberto e
provável redução de peso, mesmo que ilusória: “Todos los que nos miren
te envidiarán por llevarme del brazo” (PACHECO, 2000, p. 67). A
protagonista luta para pertencer a uma classe social mais alta ou,
simplesmente, tenta conseguir destaque nas altas esferas da sociedade
de Vera Cruz, sinais reveladores da necessidade de reprodução ou
manutenção de certos modelos pelo homem moderno.
Pacheco mostra a cobiça como fruto do problema de ordem
econômica, mas com a intenção de gerar, na realidade, um caminho em
direção ao socialismo. O narrador emprega o cenário do Carnaval como
forma de representar o humanismo entre as classes, pois nessa festa não
há distinção de classes, todos interagem, todos transgridem, usam
máscaras, subvertem a realidade.
O narrador do conto retoma sua voz a partir do momento que a
personagem principal regressa a seu quarto, abandona o diário sobre a
cama e retoca a maquiagem e os cosméticos de sua mãe para sair para a
festa. Nas cenas seguintes, há um reforço da imagem ridicularizada de
Adelina através do olhar do outro, seja ele conhecido ou não pela
personagem. Esse emprego enfatiza a imagem dos habitantes como
vítimas de uma sociedade de consumo, na qual Adelina está imersa,
351
prejudicando de certa forma sua auto-estima. Analisemos esses
momentos de desprezo da figura da adolescente:
Al verla maquillada le preguntaron si iba a participar en el
concurso de disfraces o si acababa de lanzar su candidatura
para Rey Feo [...] Cuatro muchachas se volvieron, la
observaron y la dejaron atrás. Escuchó su risa unánime y
pensó que se estarían burlando de ella como los amigos de
Óscar [...] Advirtió que varias mujeres la escrutaban con sorna
(PACHECO, 2000, p. 68)
[...]
La sobresaltaron un aliento húmedo de tequila y una caricia
envolvente: - Véngase, mamasota, que aquí está su Rey
(PACHECO, 2000, p. 69)
[...]
Todo el mundo pareció descubrirla, escudriñarla, repudiarla
(PACHECO, 2000, p. 70)
O narrador revela as provocações e as ofensas cometidas contra
Adelina, mas por outro lado não especifica claramente qual seria o motivo
de tal desrespeito pelo ser humano. O cenário em que se passa a história
narrada contribui para isso? A zombaria seria uma mera brincadeira ou a
protagonista acaba sendo menosprezada por não pertencer ao discurso
dominante, ou seja, por não ter um corpo perfeito? Adelina foge dos
padrões estéticos impostos pelos ideais de beleza da modernidade? As
palavras do narrador reforçam o jogo de poder centrado ora num
indivíduo, ora em outro. Afirmarmos que Adelina não exerce poder sobre
os demais, pelo contrário, ela atua em diversos momentos da narrativa
como peça central dos males da sociedade moderna. Ao mesmo tempo
em que Adelina283 busca entender as piadas e o porquê das pessoas
agirem daquela forma, ela repassa sentimentos de ódio, inveja e rancor.
A temática central do conto de Pacheco é o desejo de uma
adolescente ocupar o posto de rainha do carnaval de sua cidade. A festa
acaba por problematizar questões da personalidade da protagonista e,
ainda, revela as conturbadas relações de poder e de solidão dentro dos
centros urbanos. Apesar de estar numa festa de Carnaval, vemos Adelina
283
A participação da mulher em festejos populares sempre foi alvo de muitas críticas,
pois segundo os ideais burgueses, essa deveria simbolizar a castidade e a honra. Muitas
críticas foram dirigidas às mulheres, inclusive, às esposas e às mães, que em situações
como a de Carnaval, desfrutavam de certa liberdade, pois se fantasiavam, se
maquiavam e dançavam nas ruas e blocos.
352
como uma identidade solitária e perdida no corpo da cidade. O contexto
escolhido para o conto retrata bem o carnaval como sinônimo da
interação de classes, da liberação e da quebra de regras em que a
sexualidade, a bebida e a comida ganham destaque.
A mulher ao assumir sua sensualidade, seja em festas ou em
rituais, demonstra sua resistência em relação ao discurso de uma
sociedade autoritária e uma defesa pela cidadania feminina. Temos tais
ideais no pensamento da professora e pesquisadora brasileira Rachel
Soihet (2003, p. 195), quando afirma:
A sensualidade, por longo tempo vista como apanágio da negra
e da mulata, torna-se visível nas mulheres de todas as cores e
segmentos, que a exercem com garra invejável, negando
estereótipos de longa data. Acelera-se o passo rumo ao reino
da liberdade, que encontra no Carnaval um momento de
expressão maior.
Para Bakhtin (1987), o corpo sempre é utilizado pelos populares
como um centro de luta e resistência, principalmente, de significados
oficiais. O Carnaval acaba assumindo, nos contos, uma valorização do
corpo feminino e da sexualidade na vida real.
A protagonista do conto de Pacheco percorre as ruas da cidade
com uma miscelânea de sentimentos e questionamentos dentro de si.
Vejamos como o narrador retrata essas imagens:
Los miró con furia y desprecio [...] Adelina apretó el paso [...]
Pensó en sacar de su bolsa el espejito para ver si, inexperta,
se había maquillado en exceso [...] Con grandes dificultades
llegó a la esquina elegida. El calor, la promiscua cercanía de
tantos extraños y el estruendo informe le provocaban un
malestar confuso [...] Adelina sentía que la empujaban y
manoseaban [...] La transpiración humedecía su espalda
(PACHECO, 2000, p. 68-69)
Adelina circulava em meio a carros alegóricos, guindastes e
pessoas mascaradas. Inúmeras épocas e personagens históricos e
fantasiosos passavam diante de seus olhos contribuindo para o aumento
da sensação de mal estar e solidão dentro da própria urbe. Ela não era
capaz de identificar, naquela multidão brincalhona ou entusiasmada pelo
álcool, os culpados por tanta frustração.
No instante em que passava o carro com a rainha do carnaval,
Adelina parecia querer repassar todo rancor concentrado em si contra
Leticia. Entretanto, acaba sendo, novamente, vítima de humilhação
353
quando lançam uma bolsa de anilina sobre sua cabeça, justamente no
momento da passagem do carro alegórico com Alberto e Leticia. O rapaz
interrompe a pose de estátua para soltar um riso irônico e Leticia percebe
no meio da multidão o fato e age com risos. Além disso, após ter limpado
o rosto com as mangas de seu vestido, uma chuva de confete recai sobre
sua pele úmida. Havia acabado a festa para Adelina. Ela tentava correr,
fugir, fazer-se transparente no meio da multidão, no seguinte cenário:
Las calles estaban repletas de chilangos, de jotos, de
mariguanos, de hostiles enmascarados y encapuchados que
seguían aventando confeti a la boca de Adelina entreabierta
por el jadeo, bailoteaban para cerrarle el paso, aplastaban las
manos en sus senos, desplegaban espantasuegras en su cara,
la picaban con varitas labradas de Apizaco (PACHECO, 2000,
p. 71)
Na tentativa de chegar a casa o mais rápido possível, Adelina,
ainda, encontra um casal de vizinhos árabes, com quem não tem um bom
convívio e eles aproveitam tais circunstâncias para humilhar mais a
menina já entristecida, porque em nenhum momento seu amado resolve
descer do carro para defendê-la ou vingá-la:
Y bajo unas máscaras de Drácula y de Frankestein surgían
Aziyadé y Nadir, la acosaban en su huida, le cantaban,
humillante y angustiosamente cantaban, un estribillo
interminable: - A Adelina/ le echaron anilina/ por no tomar
Delgadina./ Poor noo toomaar Deelgaadiinaa (PACHECO,
2000, p. 71)
O casal provoca Adelina fazendo uma analogia entre o nome de
um remédio de emagrecimento, a anilina lançada sobre seu rosto e a
sonoridade de seu nome. A protagonista não pode menos que ficar
enfurecida e revida a provocação com tapas e pontapés até ser contida
por participantes da festa. A humilhação passada naquele dia era
tamanha que Adelina foge no meio da multidão com o intuito de esconderse em sua casa, porém ao chegar a seu quarto, novamente, a menina
sente sua intimidade invadida quando percebe que seu diário estava
remexido, no chão, com marcas de digitais de tinta fresca, possivelmente,
de Óscar e seu grupo de amigos. Mais uma vez, Adelina sofre abuso de
poder de outra pessoa sobre si. Ela imagina que, possivelmente, tenha
sido seu irmão aquele responsável por lhe lançar bolsas de anilina, ovos
354
podres e confete, valendo-se dos disfarces e máscaras para não ser
reconhecido.
Naquele momento, Adelina não se contém de tanta raiva guardada
em seu coração e se revolta contra todos a partir do momento em que
enuncia:
- Maldito, puto, enano cabrón, hijo de la chingada. Ojalá te
peguen. Ojalá te den en toda la madre y regreses chillandro
como un perro. Ojalá te mueras. Ojalá se mueran tú y la puta
de Leticia y las pendejas de las Osorio y el cretino cadetito de
mierda y el pinche carnaval y el mundo entero (PACHECO,
2000, p. 72)
A própria seleção vocabular de Adelina revela o reflexo do poder
exercido por todos aqueles que a fizeram sofrer de alguma forma. Alberto
transforma-se de homem amado a odiado pelo sentimento da
protagonista, seja ele momentâneo ou duradouro, não podemos
assegurar. A cena demonstra um momento de evasão de Adelina do
mundo que a cerca.
O conto termina com a protagonista diante do espelho olhando a si
mesma, seu cabelo loiro e seus olhos verdes aliados a um rosto coberto
de anilina, suor, gordura, maquiagem e lágrimas. O choro de Adelina não
denota somente a tristeza e a vergonha pelo fato ocorrido, contudo a
promessa de buscar uma reviravolta em sua vida, já que a mesma
termina a narrativa dizendo “- Ya verán, ya verán el año que entra”
(PACHECO, 2000, p. 72). O discurso de Adelina comprova muito
claramente que o indivíduo impõe um limite de convívio entre o eu e o
outro da sociedade para um relacionamento mais harmônico. Esse limite,
no conto, logo é rompido pelas constantes oscilações do poder. Adelina
não se enxerga como uma mulher bonita, digna de ser a rainha do
carnaval ou, ainda, ter um amado, porque atua como reflexo da sociedade
que rechaça certos modelos, como por exemplo, o feio, o gordo, o negro,
o homossexual, o pobre e outros tantos estereótipos. Dessa forma,
seguindo os pressupostos de Foucault, todos os segmentos da sociedade
exercem relações de poder.
O conto tomado como corpus destaca a figura de uma adolescente
insegura por sua aparência tendo sua visão corroborada pela sociedade
capitalista.
Essa
questão
desencadeou
outros
temas
como a
355
superioridade entre os indivíduos, o discurso dominante e a sensualidade
revelada pelo corpo. A temática do poder aparece, no conto, na força
simbólica das ações realizadas pelo enunciador do texto. O relato do
narrador-personagem envolve o leitor numa reflexão sobre o espaço
citadino habitado por todos e como este se deturpa cada vez mais no
decorrer dos séculos, provocando inúmeras sensações nos indivíduos
que habitam esses espaços.
3.2.7. “La fiesta brava”: entre a tradição e a
modernidade mexicana
Ayer no resucita. Lo que hay atrás no cuenta. Lo
que vivimos ya no está. El amanecer nos entrega
la primera hora y el primer ahora en otra vida. Lo
único de verdad nuestro es el día que comienza.
José Emilio Pacheco (2009c)
O conceito de literatura e sua relação com a realidade são
novamente problematizados por Pacheco no livro El principio del placer,
que contém um romance curto homônimo e um conjunto de cinco contos,
dois quais analisamos o relato “La fiesta brava”. O interesse desta
coletânea está em problematizar o desconforto do homem perante a
complexidade da vida.
No romance curto El principio del placer, o autor recorre ao gênero
diário para configurar o texto, aborda o tema da escritura a partir da vida
de um adolescente no início de sua vida sexual. O despertar da
sexualidade, que indica o final da adolescência, também adianta a
entrada do jovem no mundo da hipocrisia, no universo dos adultos. No
romance, a escritura volta-se como uma necessidade, uma ponte com o
leitor, que compartilha o segredo, e uma conexão entre o presente e o
passado (entre a ingenuidade da infância e a vida adulta repleta de
corrupção) mediante o diário. O leitor faz-se cúmplice das memórias
relatadas no diário do narrador.
O narrador em primeira pessoa constrói sua identidade por meio da
escritura e nessa deposita suas experiências. O protagonista permite-nos
356
conhecer seu mundo interior por meio das dúvidas e apreensões sobre os
acontecimentos do cotidiano.
Jorge, o protagonista, e sua família deslocam-se da Cidade do
México a Vera Cruz, ao final do governo do Alemán, ou seja, no momento
em que o país caminhava para a modernização284. O caminho narrativo
do protagonista começa na capital mexicana transformada pela influência
dos Estados Unidos. A noção de coletividade vê-se afetada pela presença
dos meios de comunicação de massa, dos costumes e das tradições
modificadas pela novidade da televisão, segundo a voz do narrador:
Me acuerdo de la primera vez. Pusieron un aparato Regalos
Nieto y en esquina de avenida Juárez y San Juan de Letrán
había tumultos para ver las figuritas. Pasaban nada más
documentales: perros de caza, esquiadores, playas de Hawai,
osos polares, aviones supersónicos (PACHECO, 1997, p. 13)
A cidade de Vera Cruz é onde o protagonista começa sua viagem
emocial e experimenta seu processo de iniciação à vida sexual. Jorge
muda-se de cidade para acompanhar seu pai a serviço do Governo de
Miguel Alemán. O contexto social não é o mesmo da Cidade do México,
porque o narrador retrata a dificuldade em se relacionar com as pessoas.
O ambiente é provinciano e conservador. A forma de vida é tradicional
porque, ainda, não foi influenciada pela televisão:
Dejé varios meses en blanco. De hoy en adelante trataré de
hacer unas líneas todos los días o cuando menos una vez por
semana. El silencio se debió a que nos cambiamos a Veracruz.
Mi padre fue nombrado jefe de la zona militar. No me
acostumbro a este clima, duermo mal y se me ha hecho muy
pesada la escuela […] sólo hay tres cines y todavía no llega la
televisión” (PACHECO, 1997, p. 14-15)
A partir de seu olhar para a realidade e para as pessoas que o
cercam, ele constrói, em seu diário, sua percepção sobre o espaço
urbano de Vera Cruz, mas isso se modifica ou deixa de ser um problema
ao se apaixonar por Ana Luisa.
284
Alguns dados do romance (o lugar, o momento e os costumes do menino) coincidem,
mais ou menos, com a biografia de Pacheco. O autor relata “pasé la mitad de mi infancia
con mis abuelos en Veracruz. Ellos me enseñaron a leer. Obsequio a mi aplicación fue
un resumen infantil de Quo Vadis?, el primer libro que leí. Como la mayor parte de los
niños prehistóricos que apenas conocieron la televisión y los comics, recorrí la obra
completa de Emilio Salgari” (PACHECO, 1966, p. 244). Acreditamos que o caráter
autobiográfico é inevitável em toda a obra de qualquer escritor.
357
A partir deste momento, centramos nosso estudo na análise do
conto “La fiesta brava”, com o objetivo de elucidar como o texto de
Pacheco retrata o contexto social no qual se desenvolvem as ações e
com que finalidade. Entendemos por realidade aquela verificável e
comum à experiência coletiva.
A crítica analisou o conto destacando inúmeros pontos, a ironia, o
papel do intelectual, o caráter metaficcional, o fantástico, o prazer
estético. Alguns estudiosos visualizaram no conto uma crítica aos
escritores mexicanos colonizados (JIMÉNEZ DE BÁEZ, 1959); outros um
jogo entre a realidade e a ficção mediante a poética do fantástico
(MELÉNDEZ,
1988);
Zavala
(1997)
defende
a
presença
da
intertextualidade e o exercício da meta-ficção irônica; Gray Díaz (1984)
trata
do
aspecto
social.
Independente
do
direcionamento
dos
pesquisadores houve um consenso em reconhecer o tema da identidade
nacional como uma indagação da obra de Pacheco. A questão da
identidade do sujeito, como já deixamos evidente neste estudo, é um
tema problematizado pela maioria dos escritores latino-americanos.
De acordo com o intelectual mexicano Pedro Henríquez Ureña
(1949), o tema da identidade é muito importante para a cultura hispanoamericana porque reflete o contato intercultural com os europeus, fato
histórico que mudou a forma de organização dessas culturas, em
diferentes níveis e proporções. Nossas colocações, neste capítulo
caminham em busca do diálogo do texto com a representação do México
dos anos sessenta e setenta, elaborada pelo autor, possivelmente
comprovado pela história. O ano de 1971 é citado como o ano em que se
desenvolvem os acontecimentos da narrativa e, novamente, o espaço da
Colonia Roma é o cenário central do relato de Pacheco.
Em “La fiesta brava” o autor trata do tema da escritura para
convidar o leitor a um jogo da ficção dentro da ficção. A estrutura do conto
inclui mini-narrativas relacionadas pelo eixo da própria escritura, mescla
de discursos, espaço de ficção em que personagem e escritor possuem o
mesmo destino, a morte.
358
O conto critica a invasão norte-americana existente no México,
geradora de relações de dependência na econômica e no campo cultural.
O texto constrói um passado nostálgico, cuja palavra “nostalgia”, repetida
três vezes, conduz o leitor ao tema do conto, o da resistência cultural e o
da tentativa de manutenção da identidade nacional, um “regreso a lo
indígena”. Acreditamos que seja um convite do autor para repensar a
questão em todo o continente.
A forma como o conto de Pacheco apresenta-se resgata a
definição do gênero atribuída pelo escritor argentino Ricardo Piglia (2001,
p. 123):
Um conto sempre conta duas histórias. O conto clássico (Poe,
Quiroga) narra em primeiro plano a história um e constrói em
segredo a história dois. A arte do contista consiste em saber
decifrar a história dois nos interstícios da história um. Um relato
visível esconde um relato secreto, narrado de modo elíptico e
285
fragmentário .
Somos capazes de identificar que o conto trabalha com dois níveis
ficcionais, semelhante a alguns contos de Julio Cortázar, num jogo entre
realidade ficcional e realidade crível. Podemos encontrar três mininarrações no conto de Pacheco286: a primeira narração, o conto de um
escritor (Andrés Quintana287); a segunda, relata a história de Andrés
Quintana e o processo de escritura de seu conto; a terceira, um intertexto,
um anúncio de jornal, logo na primeira página do conto, retratando o
desaparecimento de Quintana no dia 13 de agosto de 1971. O jogo do
tempo e do espaço se encontra presente desde o início do conto.
O conto escrito por Quintana também se chama “La fiesta brava” e
relata a história de Mr. Keller numa visita a Cidade do México. Keller é um
militar norte-americano que esteve no Vietnam, dono de um caráter
impiedoso e que espera uma oportunidade de ser convidado por seu país
para um trabalho civil. O nome atribuído ao turista é uma possível
285
“Un cuento siempre cuenta dos historias. El cuento clásico (Poe, Quiroga) narra en
primer plano la historia 1 y construye en secreto la historia 2. El arte del cuentista
consiste en saber cifrar la historia 2 en los intersticios de la historia 1. Un relato visible
esconde un relato secreto, narrado de un modo elíptico y fragmentario”. [Tradução
nossa]
286
Esta é uma característica adotada pelo escritor em muitos relatos, basta recordar que
seu primeiro conto publicado, aos dezessete anos, já trazia uma tripartição.
287
Na primeira narrativa, atribui-se a autoria da narrativa à Andrés Quintana.
359
analogia à expressão serial killer (assassino), sinalizando a carga
negativa e o passado do personagem. O conto de Andrés Quintana
começa expondo a imagem do caos e das atrocidades provocadas pelo
militar no Vietnam. O tema de guerras (armadas e interiores que
aparentam alguns personagens) é uma constante na obra de Pacheco:
La tierra parece ascender, los arrozales flotan en el aire, se
agrandan los árboles comidos por el defoliador, bajo el
estruendo concéntrico de las aspas el helicóptero hace su
aterrizaje vertical, otros quince se posan en los alrededores,
usted salta a tierra metralleta en mano, dispara y ordena
disparar contra todo lo que se mueva y aun lo inmóvil, no
quedará bambú sobre bambú, no habrá ningún sobreviviente
en lo que fue una aldea o orillas del río de sangre, bala,
cuchillo, bayoneta, granada, lanzallamas, culata, todo se vuelve
instrumento de muerte, al terminar con los habitantes incendian
las chozas y vuelven a los helicópteros, usted, capitán Keller,
siente la paz del deber cumplido, arden entre las ruinas
cadáveres de mujeres, niños, ancianos, no queda nadie
porque, como usted dice, todos los pobladores pueden ser del
Vietcong, sus hombres regresan sin una baja y con un
sentimiento opuesto a la compasión, el asco y el horror que les
causaron los primeros combates (PACHECO, 1997, p. 68)
Keller recorda numa visita a um museu, ao escutar o relato de uma
guia turística, o trágico passado mexicano e o compara às cenas de
violência e de inferno daquela terra arrasada por ele e pelo napalm. Da
mesma forma que não possuía nenhuma compaixão pelos vietnamitas e
suas vidas destroçadas, sentimento semelhante se repetia ao ouvir o
relato da guia e ver aquelas imagens de uma cultura rememorável como
foi a dos astecas. Nada lhe provocava emoção:
Camisa verde, Rolleiflex, de pie en la Sala Maya del Museo de
Antropología, atiende las explicaciones de una muchacha que
describe en inglés cómo fue hallada la tumba en el Templo de
las Inscripciones en Palenque […] En realidad nada le ha
impresionado […] no le producen mayor emoción los vestigios
de un mundo aniquilado por un imperio que fue tan poderoso
como el suyo (PACHECO, 1997, p. 69)
Porém, a percepção de uma imagem da cultura asteca, poderosa
em seu tempo, envolve-lhe quando chega à Sala Mexica:
Vamos a ver, dice la guía, apenas una mínima parte de lo que
se calcula produjeron los artistas aztecas sin instrumentos de
metal ni ruedas para transportar los grandes bloques de piedra,
aquí está casi todo lo que sobrevivió a la destrucción de
México-Tenochtitlan, la gran ciudad enterrada bajo el mismo
suelo que, señoras y señores, pisan ustedes […] La violencia
inmóvil de la escultura azteca provoca una respuesta que
ninguna obra de arte le había suscitado […] Coatlicue, madre
de todas las deidades, del sol, la luna y las estrellas, diosa que
360
crea la vida en este planeta y recibe a los muertos en su
cuerpo (PACHECO, 1997, p. 69-70)
A imagem da deusa Coatlicue fascina-lhe de tal modo que o
mesmo não consegue entender. Acreditamos que seja pela síntese de
vida e o poder de destruição representado por esse símbolo da cultura:
“violencia inmóvil”. A imagem pode ser o símbolo que o levará ao
sacrifício no final do conto. Keller deixa de realizar outros passeios
previstos na viagem e, numa atitude estranha para os trabalhadores do
museu, senta-se diante dessa estátua, que tanto lhe fascina, três dias
seguidos. Os amigos de viagem começam a desconfiar de seu sumiço e
pedem para que ele tenha cuidado em se tratando da violência e do
perigo da capital mexicana. Esse seria o primeiro momento, em que
Pacheco traz um dado da realidade passível de se acreditar dentro da
narrativa de Quintana. A imagem do caos urbano é plasmada no conto:
[...] en donde se ha metido durante estos días, ¿acaso no leyó
a D.H. Lawrence, no sabe que la ciudad de México es siniestra
y en cada esquina acecha un peligro mortal?, no, no, jamás
salga solo, capitán Keller, con estos mexicanos nunca se sabe,
no se preocupen, me sé cuidar (PACHECO, 1997, p. 70)
Outra cena em relação à vida e aos costumes mexicanos surge
quando, Keller, no domingo, resolve deixar de retornar ao museu para ver
a estátua e acompanha o grupo dos demais turistas numa festa chamada
de “Fiesta Brava”, um espetáculo de touros. Keller choca-se com as
imagens presenciadas, o que revela uma nítida ironia tendo em vista seu
passado:
[…] sale el primer toro, lo capotean, pican, banderillean y
matan, usted se horroriza ante el espectáculo, no resiste ver lo
que le hacen al toro, y dice a sus compatriotas, salvajes
mexicanos, cómo se puede torturar así a los animales, qué
país, esta maldita FIESTA BRAVA explica su atraso, su
miseria, su servilismo, su agresividad, no tienen ningún futuro,
habría que fusilarlos a todos, usted se levanta, abandona la
plaza, toma un taxi, vuelve al Museo a contemplar a la diosa
(PACHECO, 1997, p. 71)
Keller intriga-se com a morte de animais. Os assassinatos
cometidos por ele não teriam uma carga fatalista maior? A ironia está
mais uma vez implícita nas entrelinhas da literatura pachequiana.
Keller resolve não ficar até o final da tourada e, ao sair, caminha
pelas ruas da cidade até o momento em que é abordado, na altura do
361
Castillo de Chapultepec, por um vendedor de sorvetes, que faz
suposições sobre o interesse de Keller em relação à cultura asteca e lhe
pergunta do interesse em ver algo nunca antes visto. O vendedor
promete-lhe uma experiência inesquecível. A fascinação, ou melhor, a
curiosidade pelo passado simbólico dos astecas será o caminho de sua
destruição. Com o intuito de fazer com que Keller não desconfie de seu
caráter, pois sabe que ele traz consigo uma leitura negativa dos
mexicanos, o vendedor tenta desfazer tal imagem deturpada: “puede
confiar en mí, señor, no trato de venderle nada, no soy un estafador de
turistas, lo que le ofrezco no le costará un solo centavo” (PACHECO,
1997, p. 71). Porém, no final da narrativa, os atos do vendedor revelam o
contrário.
A partir desse encontro, para alguns críticos, instala-se o
fantástico288 na narrativa289. Como dissemos no início deste capítulo,
nosso interesse está em verificar as referências históricas possíveis na
narrativa. Como vimos, a primeira narrativa trata do conto de autoria de
Andrés Quintana, personagem protagonista da segunda narrativa de
Pacheco. Apesar de sabermos o caráter ficcional da primeira narrativa,
somos levados a encontrar referências históricas e sociais da cultura
mexicana. Será a partir do encontro de Keller com o vendedor que o leitor
perceberá uma mudança de realidade na narrativa. Acontecem fatos que
não podem ser explicados dentro da racionalidade do mundo.
O vendedor dá a Keller algumas orientações para que ele chegue
ao local combinado, na sexta-feira, dia 13 de agosto. Um dado chama
nossa atenção, pois a data combinada com Keller é a mesma do sumiço
de Quintana, constante no anúncio de jornal (terceira narrativa):
[...] sólo tiene que subirse al último carro del último metro el
viernes 13 de agosto en la estación Insurgentes, cuando el tren
se detenga en el túnel entre Isabel la Católica y Pino Suárez y
las puertas se abran por un instante, baje usted y camine hacia
el oriente por el lado derecho de la vía hasta encontrar una luz
verde, si tiene la bondad de aceptar mi invitación lo estaré
esperando. (PACHECO, 1997, p. 72)
288
Não é nosso objetivo, neste estudo, abordar a vertente fantástica em alguns contos
de Pacheco.
289
Indicamos a leitura de Meléndez (1988).
362
Nesse instante, o vendedor aborda um táxi e orienta o taxista a
levar o turista ao seu hotel, mas, vale ressaltar, que em nenhum momento
lhe foi informado o nome ou o endereço do mesmo. A caminho do hotel,
Keller fica pensativo e acredita que tudo não passou de uma brincadeira
de mau gosto contra um turista americano, mas depois acaba mudando
de opinião. Percebemos, nessa parte do relato, as primeiras alusões à
quebra de uma racionalidade, de uma sequência “real” possível nas
ações da trama.
Keller resolve ir ao encontro no dia combinado com uma camisa
verde, talvez a mesma com que estava no museu ou, ainda, uma camisa
tipo militar. Nota-se que umas das referências dadas ao turista seria a de
caminhar, após descer na estação determinada, até que encontrasse uma
luz verde na imensidão do túnel subterrâneo. A maior parte da narração é
em segunda pessoa, como se outra pessoa (outra voz) estivesse guiando
o protagonista e indicando-lhe o caminho a ser percorrido rumo a um
destino final. Seria talvez a voz da imaginação de Keller? Um sonho do
protagonista do conto de Quintana?
O túnel290 do metrô parece simbolizar o caminho do personagem a
outra realidade, a qual não conhece. Keller é conduzido pela voz até o
encontro com o vendedor no local combinado e ambos começam o trajeto
por uma galeria de pedra até a chegada ao local prometido. O ambiente,
o forte cheiro, as infiltrações, a falta de ar, tudo parece conduzir Keller a
outra realidade. O odor (“todo huele a encierro y a tumba, el pasadizo es
un inmenso sepulcro) e a conversa do vendedor deixa-o cansado,
receoso e, principalmente, confuso “todo es tan irreal, parece tan ilógico y
tan absurdo” (PACHECO, 1997, p. 75). Mas, por alguns instantes, parece
retornar a razão, a achar que está sendo assaltado e a sentir medo. Keller
confessa sentir mais medo que o terror provocado no Vietnam: “quiero
salir, sáqueme de aquí, le pago lo que sea [...] quiero irme ahora mismo le
digo, usted no sabe quién soy yo [...] en qué lío puede meterse si no me
obedece” (PACHECO, 1997, p. 74).
290
O túnel representa também o passado subterrâneo do México. Ao entrar no túnel, o
sujeito não pode sair mais, porque se vê fascinado por um mundo oculto e obscuro,
incompreensível, porém vivo, trazendo certas marcas para a cultura mexicana atual.
363
O vendedor explica ao turista que ele foi o único “hombre blanco”
escolhido para conhecer a Piedra Pintada – quando esse questiona por
que estava ali e para onde estava sendo levado – a maior escultura
asteca em comemoração às conquistas do imperador Ahuizotl, nunca
antes descoberta, nem mesmo durante as escavações do metrô. Não
podemos esquecer que o metrô é uma facilidade da vida moderna. O guia
parece ser um grande conhecedor dos mistérios ancestrais e recorda a
Keller a grandeza do passado asteca e a barbárie espanhola. Há uma
crítica aos invasores a favor da manutenção da tradição e dos costumes
indígenas:
Usted, capitán Keller, fue elegido, usted será el primer blanco
que la vea desde que los españoles la sepultaron en el lodo
para que los vencidos perdieran la memoria de su pasada
grandeza y pudieran ser despojados de todo, marcados a
hierro, convertidos en bestias de trabajo y de carga
(PACHECO, 1997, p. 73)
No percurso, encontramos mais referências históricas ao passado
mexicano, mencionadas pela voz do vendedor. Esse sempre marca em
seu discurso a grandeza dos astecas, o sofrimento dos antepassados, a
tentativa do colonizador em apagar a memória dos indígenas, em tratá-los
como mercadorias e o presente/passado da capital mexicana. Abaixo
temos essas referências:
[...] el olor a cieno en el lecho del lago muerto sobre el que se
levanta la ciudad […] los que llamamos indios llegaron por el
Estrecho de Bering, ¿no es así? México también es asiático,
podría decirse […] puesto que ha descendido a otro infierno
espera el premio de encontrar una ciudad subterránea que
reproduzca al detalle la México-Tenochtitlan con sus lagos y
sus canales como la representan las maquetas del Museo,
pero, capitán Keller, no hay nada semejante, sólo de trecho en
trecho aparecen ruinas, fragmentos de adoratorios y palacios
aztecas, cuatro siglos atrás sus piedras se emplearon como
base, cimiento y relleno de la ciudad española […] el pasadizo
es un inmenso sepulcro, abajo está el lago muerto, arriba la
ciudad moderna, ignorante de lo que lleva en sus entrañas
(PACHECO, 1997, p. 73-74)
Por que Keller foi escolhido? Seria uma espécie de castigo por
seus atos no Vietnam? O personagem principal, a todo o momento,
parece estar em transe entre a normalidade e certo delírio:
[...] qué vine a hacer aqui, quién demonios me mandó venir a
este maldito país, cómo pude ser tan idiota de aceptar una
invitación a ser asaltado, pronto llegarán a quitarme la cámara,
364
los cheques de viajero y el pasaporte, son simples ladrones, no
se atreverán a matarme (PACHECO, 1997, p. 75)
Keller acredita que será assaltado e seus pertences levados. Em
alguns momentos do relato, afirma ser perigoso. O vendedor ironiza a
Keller, quando menciona: “usted no ruega, no pide, manda, impone,
humilla, está acostumbrado a dar órdenes, los inferiores tienen que
obedecerlas, la firmeza siempre da resultado” (PACHECO, 1997, p. 75),
pois sabe que nada poderá afastá-lo de seu trágico destino.
O forte cheiro funciona como uma espécie de alucinógeno. Escuta
conversas ao longe num idioma estranho. Keller acaba adormecendo e ao
despertar imagina ter tido um pesadelo, talvez não devesse ter “cenado
esa atroz comida mexicana”, pois ela seria a responsável por essas
imagens confusas em seu inconsciente: “[...] el Museo, la escultura
azteca, el vendedor de helados, el Metro, los túneles extraños y
amenazantes del ferrocarril subterrâneo” (PACHECO, 1997, p. 76).
Imagina ter acordado no quarto do hotel Holiday Inn após o horror
vivenciado. O transe de realidades permanece.
No conto, no plano da realidade “aparente”, a idéia de um possível
acerto de contas do mexicano contra a resistência cultural e o norteamericano são leituras possíveis da primeira narrativa. No plano
simbólico, a trama permite inferir um acerto de contas de Keller consigo
mesmo, devido aos atos de barbárie cometidos (“¿habrá gritado en el
sueño?, menos mal que no fue el otro, el de los vietnamitas que salen de
la fosa común en las mismas condiciones en que usted los dejó pero
agravadas por los años de corrupción” (PACHECO, 1997, p. 76).
A última cena da narrativa de Quintana mostra o desfecho do
destino de Keller. Sua morte lembra os constantes rituais de sacrifícios
dos indígenas prisioneiros oriundos de combates, porque para os astecas
os deuses deveriam ser alimentados de corações palpitantes dos
guerreiros, para que mantivessem sempre o nascimento do deus do Sol e
a harmonia no império. Os maias também acreditam na necessidade do
auto-sacrifício como mecanismo para agradar aos deuses:
[...] la gran mesa circular acanalada, en una de las pirámides
gemelas que forman el Templo Mayor de México-Tenochtitlan,
365
lo aseguran contra la superficie de basalto, le abren el pecho
con un cuchillo de obsidiana, le arrancan el corazón, abajo
danzan, abajo tocan su música tristísima, y lo levantan para
ofrecerlo como alimento sagrado al dios-jaguar, al sol que viajó
por las selvas de la noche […] de la sangre que acaban de
ofrendarle el sol renace en forma de águila sobre MéxicoTenochtitlan, el sol eterno entre los volcanes (PACHECO,
1997, p. 76)
Um ritual é, em seu sentido mais restrito, um ato de repetição de
uma ação, cujo momento de criação não queremos que desapareça. De
acordo com Octavio Paz, o ritual é um eterno retornar, não há regresso a
um tempo sem um ritual, sem encarnação ou manifestação da data
sagrada. Sem ritual não há regresso ao passado. Desta forma, o sacrifício
encerra o conto de Quintana e a primeira narrativa de Pacheco.
Conseguimos evidenciar a presença da intertextualidade entre o conto de
Quintana e o do escritor nicaragüense Rubén Darío, “Huitzilopochtli”, cuja
trama gira em torno da destruição de um norte-americano.
A morte de Keller é uma forma encontrada por Pacheco para o
acerto de contas do personagem com seu passado. O autor parece ter a
intenção de comparar o sacrifício do ritual asteca com a violência exercida
por Keller no Vietnam, universos e épocas diferentes, mas enlaçados pela
ficção.
As três narrativas começam de modo enigmático e também
terminam da mesma forma, corroborando com os estudos sobre a
minificção de Zavala (2008), além disso, há uma relação nítida entre as
três. Dentro da divisão estabelecida por nós, o conto de Pacheco
apresenta-se na seguinte ordem: narrativa três, um e dois. A narrativa três
só faz sentido após a leitura da primeira e da segunda e a primeira é
decorrente da atividade profissional do personagem da segunda. Porém,
para compreender o destino do personagem da narrativa dois, anunciado
na narrativa três, é necessário retornar a narrativa um. Portanto, há um
cruzamento entre as histórias e um embate entre as realidades ficcionais.
Após tratarmos da primeira narrativa, começamos a desvendar os
momentos mais significantes, dentro de nossa proposta de análise, da
segunda narrativa do conto de Pacheco, cuja trama gira em torno à vida
de Andrés Quintana, um escritor decadente e tradutor. O conto tem início
366
com o personagem em seu apartamento, meditando sobre os melhores
termos para uma tradução que realiza e sua insatisfação com seu ofício.
Para Quintana, a criação literária ficou esquecida no passado, em sua
época de juventude e de universidade.
O ambiente inicial da narrativa conspira a presença norteamericana na residência e nos hábitos de Quintana e, inclusive, de seus
vizinhos. Quintana escreve numa máquina elétrica Smith-Corona, lê e
traduz The Population Bomb291, consulta o dicionário New World, ouve o
eco da palavra FBI, reproduzida pela televisão do apartamento ao lado, e
seus vizinhos da frente formam um conjunto de rock e cantam em inglês.
Ao longo do texto, outros exemplos de produtos funcionais são citados: o
papel de escrever (Bond Kimberley Clark), os cigarros (Viceroy, Benson &
Hedges, Raleigh) e a bebida (Coca-cola).
Além disso, Quintana traduz do inglês para o espanhol. O narrador
destaca um exemplo de seu ofício:
En 1979 el gobierno de México (¿el gobierno mexicano?),
último no-comunista que quedaba en América Latina
(¿Latinoamérica, Hispanoamérica, Iberoamérica, la América
española?), es reemplazado (¿derrocado?) por una junta militar
apoyada por China (¿con respaldo chino?) (PACHECO, 1997,
p. 78)
Quintana é um escritor passivo e insensível aos textos que traduz,
pois acaba prestando mais atenção à forma que ao conteúdo. Parece não
enxergar a promoção norte-americana diante dos textos que traduz,
evidenciado, no final da narrativa, ao passar por um anúncio com uma
inscrição sobre os assassinatos de Tlatelolco. Limita-se a corrigir
mentalmente (porque não mecanicamente) um desvio da norma e não
reage ao contexto de enunciação da mensagem.
O conto contextualiza-se no ano de 1971, período de profunda
dependência do país aos Estados Unidos e às empresas internacionais.
Temos,
nesse
momento,
um
cenário
de
expansão
comercial,
caracterizado em tempos modernos como o fenômeno da globalização. O
291
A tradução para o português da expressão é “A explosão demográfica”. Livro
publicado em 1968 de autoria de Paul Ralph Ehrlich. O texto é claramente representativo
da ideologia dominante norte-americana, imperialista e expansionista, trata da destruição
acelerada e total do ser humano e do mundo (In: JIMÉNEZ DE BÁEZ, 1979).
367
texto traduzido por Quintana projeta um futuro duvidoso para o país. Suas
dúvidas, dispostas entre parênteses, nos remetem a questões históricas
importantes não só para o sujeito mexicano, mas também para todo o
continente. As dúvidas funcionando como uma crítica implícita do autor
em busca de uma revisão dos acontecimentos da história.
Após desconsiderar a leitura em voz alta do esboço de sua
tradução, Quintana critica seu próprio trabalho (“suena horrible [...] qué
prosa. Cada vez traduzco peor”) e resolve descartá-lo. Enquanto se
questiona sobre a qualidade de sua tradução, toca o telefone, um antigo
colega e editor da revista Trinchera da época da universidade, Ricardo
Arbeláez, o convida para publicar um conto numa nova revista
internacional, em que ele era editor e o editor chefe um senhor chamado
Mr. Hardwick. A ligação292 de Arbeláez pode significar um novo
reencontro de Andrés com a literatura.
Arbeláez demonstra o interesse de colocá-la em circulação a partir
de dezembro daquele ano, por conta do número de anunciantes,
publicitários e patrocinadores. Pacheco denuncia mais uma vez a
penetração e o domínio do território mexicano pelos meios de
comunicação norte-americanos.
A todo o momento, o personagem de Arbeláez faz referência ao
México empregando o diminutivo (Mexiquito), não num sentido carinhoso,
porém depreciativo, como uma forma de criticar os diferentes setores da
sociedade e, claramente, querendo passar uma visão de país atrasado e
subdesenvolvido: “Ya es hora de que se nos quite lo subdesarrollados y
aprendamos a cobrar nuestro trabajo” (PACHECO, 1997, p. 80).
Quintana empolga-se com o convite porque afinal não escreve há
muito tempo e pensa que a revista seja totalmente literária, porém fica um
pouco desenganado com a resposta de Arbeláez:
Vamos a sacar una revista como no hay otra en Mexiquito […]
Se trata de hacer una especie de Esquire en español. Mejor
dicho, una mezcla de Esquire, Playboy, Penthouse y The New
292
A ligação interrompe a vida frustrada de Andrés, semelhante ao que ocorre, na
primeira narrativa, em que o encontro de Keller com o vendedor de sorvetes tem a
mesma função.
368
Yorker - ¿no te parece una locura: - pero desde luego con una
proyección latina […] Hay dinero, anunciantes, distribución,
equipo: todo. Meteremos publicidad distinta según los países
[…] Queremos que en cada número haya reportajes, crónicas,
entrevistas, caricaturas, críticas, humor, secciones fijas, un
‘desnudo del mes’ y otras dos encueradas, por supuesto, y
también un cuento inédito escrito en español (PACHECO,
1997, p. 79)
A descrição do estilo da revista feita por Arbeláez foge um pouco
ao modelo mexicano daquele momento. A criação da revista ao estilo das
citadas e com um editor norte-americano é mais um exemplo do domínio
e ocupação dos Estados Unidos no território mexicano e latino-americano.
Arbeláez é mexicano, contudo sua convivência com o diretor da revista
altera completamente as tradições e os hábitos mexicanos. A ideologia
norte-americana está evidente no discurso de Arbeláez, que recebe
ordens de um americano. À medida que a revista ganhe público-leitor,
serão difundidos, mais os costumes e a ideologia do americano. Pacheco
parece denunciar uma segunda colonização, mas, agora, por parte dos
norte-americanos.
Arbeláez informa a Quintana de seu interesse em “lanzar con
proyección continental a un autor mexicano”, por isso pensou nele,
contudo revela a verdadeira intenção do diretor da revista “Para el primero
se había pensado en comprarle uno a Gabo...” (PACHECO, 1997, p. 79).
Essa informação já soa um tanto misteriosa. Por que abriria mão de
Gabriel García Márquez em favor de um escritor sem sucesso como
Quintana? Como já sinalizou Arbeláez o problema não era financeiro,
entretanto o interesse em ajudar a divulgar um talento nacional das
Letras.
Quintana fica empolgado com o convite, principalmente, ao ser
informado da quantia paga pela revista, no entanto, apreensivo porque
não dispõe de nenhum texto novo e sabe que tarda a escrever (“Ricardo,
sabes que me tado siglos con un cuento... Hago diez o doce
versiones293”). Arbeláez critica o pouco reconhecimento do papel e do
trabalho do escritor mexicano ao afirmar:
293
O discurso de Quintana assemelha-se ao de Pacheco. Como já expusemos, o autor
defende a reescritura em busca da qualidade de leitura para o público leitor.
369
Debo decirte que por primera vez en este pinche país se trata
de pagar bien, como se merece, un texto literario. A nivel
internacional no es gran cosa, pero con base en lo que suelen
darte en Mexiquito es una fortura. He pedido para ti mil
quinientos dólares (PACHECO, 1997, p. 80)
Quintana parece não acreditar na quantia oferecida e, nesse
momento, percebemos através de sua empolgação uma provável
dificuldade financeira em sua vida. O editor novamente tenta mostrar
vantagem dos norte-americanos em relação aos mexicanos, pois serão
eles os responsáveis por melhorar a remuneração dos escritores locais.
Ao mesmo tempo em que parece ser favorável à divulgação da literatura
mexicana, o discurso de Arbeláez acaba por menosprezar o trabalho dos
mesmos ao dar a entender que aceitam qualquer quantia por seus textos.
Quintana anota o endereço e a direção da revista no único papel
existente, na margem esquerda do jornal, em que aparecia o título de
uma matéria, destacada pelo narrador, em caixa alta: “HAY QUE
FORTALECER LA SITUACIÓN PRIVILEGIADA QUE TIENE MÉXICO
DENTRO DEL TURISMO MUNDIAL” (PACHECO, 1997, p. 80-81).
O desenvolvimento do turismo no país era uma meta do programa
de governo de muitos candidatos, desde Alemán. Além disso, já sabemos
que a ação geradora do clímax da primeira narrativa acontece com um
turista norte-americano em visita à Cidade do México. Quintana esperou a
chegada de sua mulher, Hilda, com ansiedade, idealizando começar e
acabar o conto numa única noite. Já tinha o título e as primeiras palavras.
A dependência econômica e intelectual do México de uma cultura
dominante, a comercialização da cultura mexicana transformada numa
sociedade de consumo, a degradação dos valores nacionais, do passado
pré-hispânico e contemporâneo, colocam em evidência o caminho do país
desde o governo de Miguel Alemán (1946-1952), primeiro presidente a
desenvolver o turismo como fonte de economia. Pacheco trata, nesse
conto e em boa parte de sua obra, da vida caótica da Cidade do México e
de um modo de vida baseado num passado de traições à cultura e aos
valores nacionais.
370
A partir disso, ocorre uma digressão na narrativa, um retorno ao
passado de três personagens do conto (Quintana, Ricardo e Hilda) e da
articulação entre suas vidas. Quintana conhece a Arbeláez na
universidade, este tinha uma relação suspeita com Hilda. De acordo com
o narrador, a vida de Ricardo era um mistério, inclusive, para seus amigos
mais próximos: “Se murmuraba que tenía esposa e hijos y, contra sus
ideas, trabajaba por las mañanas en el bufete de un abogángster,
defensor de los indefendibles” (PACHECO, 1997, p. 82). Ricardo era
graduado em Direito e também se converte num abogángster, uma
primeira evidência do caráter duvidoso do personagem, somando-se a
outros quando veio a ser editor de uma revista financiada por capital
norte-americano. Porém, numa viagem de Ricardo a Cuba, Quintana e
Hilda se aproximam:
Hilda se fijó en Andrés. Entre todos los de Trinchera sólo él
sabía escucharla y apreciar sus poemas […] Hilda estaba
siempre al lado de Ricardo. Su relación jamás quedó clara. A
veces parecía la intocada discípula y admiradora de quien les
indicaba qué leer, qué opinar, cómo escribir, a quién admirar o
detestar. En ocasiones, a pesar de la diferencia de edades,
Ricardo la trataba como a una novia de aquella época y de
cuando en cuando todo indicaba que tenían una relación
mucho más íntima […] Durante su ausencia Hilda y Quintana
se vieron todos los días y a toda hora. Convencidos de que no
podrían separarse, decidieron hablar con Ricardo en cuanto
volviera de Cuba […] Arbeláez no objetó la unión de sus
amigos pero se apartó de ellos y no volvió a Filosofía y Letras
(PACHECO, 1997, p. 82-83)
O narrador apresenta referências históricas para o reconhecimento
daqueles anos como os do governo de Adolfo Ruiz Cortines (1952 a
1958). O contexto do conto, também, retrata anos difíceis e de catástrofes
que entraram para a história da sociedade mexicana:
En la Ciudad Universitaria recién inaugurada Andrés conoció al
grupo de la revista Trinchera, impresa en papel sobrante de un
diario de nota roja, y a su director Ricardo Arbeláez, que sin
decirlo actuaba como maestro de esos jóvenes […] Arbeláez
quería doctorarse en literatura y convertirse en el gran crítico
que iba a establecer un nuevo orden en las letras mexicanas
[…] su obra se limitaba a reseñas siempre adversas y a textos
contra el PRI y el gobierno de Ruiz Cortines (PACHECO, 1997,
p. 81-82)
[…]
371
Arbeláez pasó unas semanas en Cuba para hacer un libro, que
no llegó a escribir, sobre los primeros meses de la revolución.
Insinuó que él había presentado a Ernesto Guevara y a Fidel
Castro y en agradecimiento ambos lo invitaban a celebrar el
triunfo […] La misma tarde de la conversación en el café
Palermo, el 28 de marzo de 1959, las fuerzas armadas
rompieron la huelga ferroviaria y detuvieron a su líder Demetrio
Vallejo (PACHECO, 1997, p. 83)
A Universidad Nacional Autónoma de México obteve sua
autonomia no ano de 1929 e, entre os anos de 1949 e 1952, ainda no
governo de Alemán, ocorreram as obras de construção do Campus
Central da Cidade Universitária, cujo conjunto arquitetônico é dotado de
inúmeras referências às tradições locais e, especialmente, ao passado
pré-hispânico, sendo considerado um dos mais importantes ícones da
modernidade latino-americana.
Como sinalizamos no capítulo de análise de Las Batallas, houve no
México certa resistência ao governo de Ruiz Cortines (1952-1958),
sucessor de Alemán, e a supremacia política do Partido Revolucionário
Institucional294. Uma alusão à Revolução Cubana (1959) também consta
quando o narrador menciona o incerto encontro entre Ricardo, Guevara e
Fidel Castro. Vale a pena recordar a importância desse fato histórico na
vida de Pacheco, como ele mesmo coloca:
Para los que teníamos veinte años en 1959, la Revolución
Cubana fue un acontecimiento que nos sacudió con la misma
fuerza que la Guerra de España debe de haber ejercido en la
generación de Paz y Efraín Huerta. Fin de una era y comienzo
de otra, espada de fuego, nos arrojó de una arcadia apolítica,
de un limbo estetizante donde el mayor problema era la lucha
contra el que o el exterminio radical del gerundio (PACHECO,
1966, p. 248).
O relato de intelectuais e escritores sobre suas impressões diante
de grandes repercussões históricas é bastante comum. Porém, no caso
de Pacheco, os mesmos permitiram um questionamento por parte do
autor do direcionamento de sua escritura diante da angustiante vivência
no mundo moderno dominado pela violência e injustiça, como podemos
depreender de suas palavras:
294
Nome dado ao antigo Partido da Revolução Mexicana que, a partir de 1946, adota tal
denominação com o objetivo de enfatizar um novo momento para o governo mexicano,
em que esse não seria mais liderado por revolucionários, contudo por instituições sociais
originárias a partir da guerra civil. O presidente Miguel Alemán foi o principal artífice da
mudança de nome do partido.
372
¿Qué puede hacer el escritor en un mundo en que millones de
seres mueren de hambre, y otros son incinerados en los
arrozales de Vietnam, y otros se suicidan al no resistir las
tensiones de una sociedad tecnológica cuyo fin es la
abundancia de objetos que cosifican y enajenan? [...] Si no se
puede transformar un mundo que pertenece a los técnicos y a
los empresarios, a los políticos y los militares, lo mejor ¿no es
desertar? Ya que casi la única manera de no ser cómplice en
nuestra época es la resistencia pasiva, el silencio puede ser un
modo de protesta contra la injusticia y la abyección
contemporánea. Pero este nihilismo es hoy una actitud
profundamente
reaccionaria:
es
necesario
escribir
precisamente porque hacerlo se ha vuelto una actividad
imposible. (PACHECO, 1966, p. 260)
Esta atitude de Pacheco procede do sentido ético atribuído a sua
escritura, com base numa concepção estética de pensar a arte como
meio capaz de proporcionar uma rápida mudança em nossas sociedades.
A presença do mundo norte-americano na sociedade de Quintana
é inevitável, apesar disso, o texto apresenta sinais dessa resistência
cultural, ainda que sejam reprimidos por essa ordem vigente. Há três
momentos que marcam uma resistência social de setores da sociedade
mexicana contra a entrega do México ao capital estrangeiro. As datas
aparecem
cronologicamente
na
narrativa:
1959,
ano
de
greves
ferroviárias; 1968, período de demonstrações estudantis e do massacre
na Praça das Três Culturas, em Tlatelolco e 1971, sob a presidência de
Luis Echeverría Álvarez (1970 a 1976), ano da manifestação estudantil na
Cidade do México em apoio aos estudantes de Monterrey, ocasionando o
assassinato de vários universitários por forças paramilitares denominadas
Los halcones. Só restam as marcas de uma resistência ativa, mesmo que
minoritária, do ano de 1971, contexto do presente conto, como indica o
grafite político295, observado por Quintana na estação de metrô, numa
propaganda de Coca-cola: “Asesinos, no olvidamos Tlatelolco y San
Cosme” (PACHECO, 1997, p. 98).
295
Aparece na página 84 do conto uma referência à CIA (Central Intelligence Agency),
agência governamental dos Estados Unidos, responsável por analisar casos de ameaças
à segurança nacional do país por governos, corporações ou indivíduos, a partir de uma
matéria publicada por Arbeláez num jornal mexicano. Em 2006, Echeverría Álvarez foi
decretado, em juízo, culpado pelos assassinatos de 1968 e 1971, meses depois voltam
ao caso e ele é absolvido do genocídio. Também encontramos indícios da colaboração
do ex-presidente como informante da CIA.
373
A narrativa apresenta a evolução dos personagens no decorrer dos
anos, outra pista para identificação do contexto ao qual se criaram os
mesmos.
Quintana nunca escondeu de seus pais a paixão pelas Letras. O
narrador revela a assistência do jovem a alguns cursos da Faculdade de
Filosofia e Letras, local esse onde conhece Ricardo e Hilda. O narrador
reforça a paixão de Quintana, desde pequeno, ao universo do conto:
Andrés halló de niño su vocación de cuentista y quiso
dedicarse sólo a este género [...] Contra la dispersión de sus
amigos él se enorgullecía de casi no leer poemas, novelas,
ensayos, dramas, filosofía, historia, libros políticos, y frecuentar
en cambio los cuentos de los grandes narradores vivos y
muertos (PACHECO, 1997, p. 81)
A narrativa destaca a mudança de status social sofrida por
Quintana no decorrer de sua história pessoal. Quintana é descrito como o
estudante de arquitetura, obrigado como filho único a dar continuidade à
carreira do pai, porém nunca se identificou com o curso, além disso, não
conclui a faculdade por conta da gravidez inesperada de Hilda, no ano de
1960:
Los señores Quintana lo consideraron una equivocación: a
punto de cumplir veinticinco años Andrés dejaba los estudios
cuando ya sólo le faltaba presentar la tesis y no podría
sobrevivir como escritor (PACHECO, 1997, p. 84)
Quintana nunca hesitou em assumir o filho e em casar com Hilda.
Os pais de Quintana ajudaram o casal com dinheiro e construindo uma
casa, no bairro de classe média de Coyoacán. Após seis meses de
gestação, Hilda perde o filho e a capacidade de gerar, e também muda o
rumo de sua vida ao abandonar a universidade e suas poesias. Quintana
precisou alugar a casa de Coyoacán para complementar a renda, já que
escrevia contos e traduzia para uma empresa norte-americana, e se
“mudaron a un sombrío departamento interior de la colonia Roma”
(PACHECO, 1997, p. 84). Alguns familiares conseguiram-lhe uma vaga
na Secretaria de Obras Públicas e Hilda começou a trabalhar com sua
irmã na butique de Madame Marnat.
Quintana começa a atuar como tradutor porque já não consegue se
sustentar da própria arte. No início da narrativa, expressa o desagrado
374
também com essa atividade. A empresa que o contratou para realizar as
traduções não comercializava textos literários dos Estados Unidos,
entretanto, propagava a promoção da ideologia norte-americana com o
intuito de apoiar a campanha da “Alianza para el Progreso y la imagem de
John Fiztgerald Kennedy296” (PACHECO, 1997, p. 84), ao que tudo indica
uma alternativa estratégica dos Estados Unidos para controlar o avanço
das forças sociais alternativas inspiradas na Revolução Cubana.
Quintana
não
conseguia
êxito
em
nenhum
projeto,
em
contrapartida a vida de Arbeláez é apresentada com muitas conquistas. O
retrato construído por Pacheco para cada personagem parece ser
intencional, um deles simboliza o homem/escritor mexicano passivo e o
outro, o mais ativo. Quintana representa aquele escritor mexicano (ou
latino-americano) que não participa do avanço capitalista e dos meios de
massa, porque ninguém o convida:
Nunca escribió notas ni reseñas. Ya que no podía dedicarse al
periodismo, mientras intentaba abrirse paso como guionista de
cine tuvo que redactar las memorias de un general
revolucionario. Ningún script satisfizo a los productores […] El
general murió cuando Andrés iba a la mitad del segundo
volumen. Los herederos cancelaron el proyecto […] Por su
parte Arbeláez empezó a colaborar cada semana en México en
la Cultura (PACHECO, 1997, p. 84)
[…]
Lo último que supieron Hilda y Andrés fue que había emigrado
a Washington y trabajaba para la OEA (PACHECO, 1997, p.
86)
O narrador cita dois fatos importantes da historiografia literária
mexicana, relacionados à ficcionalidade do conto de Pacheco. Como
Andrés Quintana era um escritor em busca de oportunidades, encontrou
na coleção Ficción, da Universidad Veracruzana, organizada pelo escritor
mexicano Sergio Galindo e na Revista El Cuento, dirigida por Edmundo
Valadés, uma possibilidade de divulgar sua arte. Pacheco mostra uma
época muito significativa para a literatura mexicana, pois convida o leitor a
visitar momentos importantes para a vida intelectual mexicana, e essa é
mais uma relação do conto com o tema da escritura. O narrador trata do
296
John Kennedy foi presidente dos Estados Unidos entre os anos de 1961 e 1963.
375
esquecimento do conto devido ao boom da narrativa hispano-americana e
a redução do espaço destinado ao gênero em revistas. Ambos buscavam
difundir obras e autores, que com o tempo, se converteram em modelo de
arte, de pensamento e criação literária no continente latino-americano:
En 1962 Sergio Galindo, en la Serie Ficción de la Universidad
Veracruzana, publicó Fabulaciones, el primer y último libro de
Andrés Quintana […] Después las revistas mexicanas dejaron
durante mucho tiempo de publicar narraciones breves y el auge
de la novela hizo que ya muy pocos se interesaran por
escribirlas. Edmundo Valadés inició El Cuento en 1964 y
reprodujo a lo largo de varios años algunos textos de
Fabulaciones (PACHECO, 1997, p. 85)
Andrés não teve êxito com a publicação de Fabulaciones, do total
de 2000 exemplares, vendeu 134 livros e comprou outros 75. Segundo o
narrador, o autor não teve sorte porque García Márquez lançou dois de
seus livros na mesma época:
Fabulaciones tuvo la mala suerte de salir al mismo tiempo y en
la misma colección que la segunda obra de Gabriel García
Márquez, Los funerales de la Mamá Grande, y en los meses de
Aura y La muerte de Artemio Cruz (PACHECO, 1997, p. 85)
O livro de Andrés teve uma única resenha publicada no suplemento
La Cultura en México, escrita por Ricardo. Quintana envia-lhe uma carta
de agradecimento, mas nunca obteve resposta. Além da pouca recepção
da obra e de não ter conseguido sucesso no concurso para uma bolsa do
Centro Mexicano de Escritores, Quintana decide parar de escrever por um
período até resolver seus problemas financeiros.
No momento posterior à chamada telefônica de Ricardo, que
relembra de Andrés após muitos anos, há o retorno ao tempo presente da
narrativa. De qualquer forma não lhe aparecia nenhum trabalho, contudo
achava que as traduções e os ofícios burocráticos não deixavam de ser
uma forma de escritura. Quintana critica os escritores contemporâneos e
defensores de ideáis consumistas: “Además no quiero competir con los
escritorzuelos mexicanos inflados por la publicidad; noveluchas como las
que ahora tanto elogian los seudocríticos que padecemos” (PACHECO,
1997, p. 87). Em outra crítica, Quintana responsabiliza o novo estilo de
literatura imposto pelos meios de comunicação de massa como o
responsável pelo apagamento da leitura de seu livro: “En el subdesarrollo
376
no se puede ser escritor./ Estamos en 1971: el libro ha muerto: nadie
volverá a leer nunca: ahora lo que interesa son los mass media”
(PACHECO, 1997, p. 87). Quintana é um escritor ressentido pela escassa
recepção de Fabulaciones, apesar disso, acredita que sua literatura seja
superior à literatura de consumo de massas, considerada como inferior.
Em contrapartida, reconhece a possibilidade de extrair dos meios de
comunicação de massa experiências para construir sua literatura.
Quintana não pensa duas vezes antes de aceitar a proposta de
Ricardo porque dessa forma poderia “pagar sus deudas de oficina, a
comprarse las cosas que le faltaban, a comer en restaurantes, a irse de
vacaciones con Hilda” (PACHECO, 1997, p. 87). O valor pago pelo conto
corresponderia a três meses de salário por suas traduções. Numa mescla
de frustração e ressentimento, deixa de dormir para escrever “La fiesta
brava” (narrativa um), porque esta produção poderia possibilitar-lhe
projeções internacionais, mesmo que a revista fosse de corte norteamericano. Nunca antes Quintana havia conseguido escrever um conto
em tão pouco tempo, numa única noite:
A las cinco de la mañana puso el punto final ‘entre los dos
volcanes’. Leyó sus páginas y sintió una plenitud desconocida.
Cuando se fue a dormir se había fumado una cajetilla de
Viceroy y bebido cuatro coca colas pero acababa de terminar
LA FIESTA BRAVA (PACHECO, 1997, p. 88)
Quintana criticava os hábitos e os produtos norte-americanos, mas,
sem mesmo se dar conta, acaba sendo o reflexo da sociedade
consumista, haja vista o consumo de cigarro importado, da coca-cola e de
seus sonhos consumistas, como ir a um bom restaurante ou viajar nas
férias. Não há como fugir do processo de modernização do México
daquele tempo.
Com todo seu nervosismo, Andrés consegue combinar um horário
com Ricardo para entregar-lhe o conto. Não se viam há exatos doze anos,
desde 28 de março de 1959. Andrés imaginava como seria esse encontro
e as conversas como forma de recuperar os momentos felizes do
passado, mas ledo engano. O abraço de Ricardo conforta-lhe, porém não
é suficiente para se sentir à vontade naquele escritório: “Andrés volvió a
sentirse fuera de lugar en aquella oficina de ventanas sobre la Alameda y
377
paredes cubiertas de fotomurales con viejas litografías de la ciudad”
(PACHECO, 1997, p. 89). O narrador reforça as impressões e as
diferenças entre ambos os personagens:
Andrés llegó puntual a la oficina [...] La secretaria era tan
hermosa que él se avergonzó de su delgadez, su baja estatura,
su ropa gastada, su mano tullida […] Arbeláez le pareció
irreconocible con el traje de Shantung azul-turquesa, las
patillas, el bigote, los anteojos sin aro, el pelo entrecano […]
Andrés sintió forzada la actitud antinostálgica, de como
decíamos ayer, que adoptaba Ricardo. Ni una palabra acerca
de la vieja época, ninguna pregunta sobre Hilda, ni el menor
intento de ponerse al corriente y hablar de sus vidas durante el
largo tiempo en que dejaron de verse […] Para romper la
tensión Arbeláez lo invitó a sentarse en el sofá de cuero negro.
Se colocó frente a él y le ofreció un Benson & Hedges (antes
fumaba Delicados) (PACHECO, 1997, p. 89)
Viviana, a secretaria, é o símbolo da mulher moderna e atualizada.
Sua beleza é o primeiro indício do cenário capitalista do escritório da
revista. Tudo é oposto à simplicidade demonstrada por Andrés.
Em
algum momento, ele visualiza Hilda em Viviana, quando sua esposa podia
se vestir com roupas do estilo da butique de Madame Marnat, “pero no
alcanzaba comprarse” pelas dificuldades financeiras de ambos.
A entrada na sala de Ricardo representa o convite para que Andrés
conheça o universo capitalista e o poder do editor. Pacheco usa o
reencontro entre Andrés e Ricardo para criticar a relação escritor-capital.
No final, o rechaço do texto de Andrés confirmará o poder de Ricardo ou
um possível ajuste de contas com o passado.
A mudança dos hábitos (a roupa, a marca do cigarro, a
cordialidade com certa distância) de Arbeláez faz dele um novo homem.
Andrés questionava-se em como o editor da antiga Trinchera e crítico
severo das corrupções literárias e humanas do México se converteu
naquele homem disposto a fazer uma revista contrária a tudo o que
lutaram juntos no passado. Quintana parece encontrar uma resposta para
sua dúvida ao se colocar numa situação parecida: “¿Por qué yo mismo
respondí con tal entusiasmo a una oferta sin explicación posible?”
(PACHECO, 1997, p. 92). Pacheco denuncia a mudança do homem
diante dos bens e dos produtos da sociedade capitalista. Quintana acaba
por concluir: “Tan terrible es el país, tan terrible es el mundo, que en él
378
todas las cosas son corruptas o corruptoras y nadie puede salvarse”
(PACHECO, 1997, p. 92). Pacheco interroga a função do escritor latinoamericano na sociedade capitalista.
Andrés aguarda na sala de Ricardo, enquanto esse e Mr. Hardwick
se reúnem para a leitura de seu texto, não conseguindo controlar sua
inquietude. Aquela situação era tão estranha, tão outra, tão nova, da
mesma forma que a cidade vista pela janela da sala, “la Alameda
sombría, la misteriosa ciudad, sus luces indescifrables” (PACHECO, 1997,
p. 90). As fotos das paredes faziam-lhe retornar a um passado nostálgico
da cidade: “Lamento la muerte de aquella ciudad de México”.
Andrés já esperava por duas horas naquele escritório, o tempo
converte-se no seu pior inimigo. Ele se questiona sobre aquele
procedimento de análise do texto:
¿Por qué este procedimiento insólito cuando lo habitual es
dejarle el texto al editor y esperar sus noticias para dentro de
quince días o un mes? / ¿Cómo es posible que permanezcan
hasta medianoche con el único objeto de decidir ahora mismo
sobre la colaboración más entre las muchas solicitadas para
una revista que va a salir en diciembre? (PACHECO, 1997, p.
93)
Ao olhar as imagens da antiga cidade e relembrá-las, Quintana
começa a se fazer perguntas sem resposta, a levantar suposições num
jogo de retorno ao passado: o convite de Ricardo seria intencional para
destacar seu fracasso? Ricardo queria aproximar-se novamente de Hilda?
Será que o convidou somente porque sabia das dificuldades de Hilda?
Seria uma gentileza ou insulto da parte de Ricardo? Quintana questiona,
inclusive, do seu casamento:
¿Me tendieron una trampa, me cazaron para casarme a fin de
que él, en teoría, pudiera seguir libre de obligaciones
domésticas, irse de México, realizarse como escritor en vez de
terminar como un burócrata que traduce ilegibros pagados a
trasmano por la CIA? (PACHECO, 1997, p. 91-92)
Num momento, Quintana busca uma explicação para seu
insucesso como escritor. Ele demonstra ser um escritor de ambições
nacionais, mas, por adversidades da vida e/ou de não se permitir arriscar,
acaba se transformando numa pessoa frustrada, num tradutor refém da
política norte-americana.
De imediato, se dá conta da injustiça que
379
pensara ao desconfiar da esposa, que já passou por tantas dificuldades e
depressões a seu lado, e de Ricardo, seu mestre e amigo, que sempre o
elogiou e por generosidade lhe oferecera aquela oportunidade de
recomeço.
Depois de pouco mais de duas horas, “nos tardamos siglos [...]
estuvimos dándole vueltas y vueltas a tu historia” (PACHECO, 1997, p.
93), Ricardo aparece na sala e Quintana parece prever a resposta ao
refletir sobre este instante: “Ya viví este momento. / Puedo recitar la
continuación [...] Sin esperanza, seguro de la respuesta” (PACHECO,
1997, p. 93). Quintana não se enganara. Ricardo emprega o termo
“historia” para se referir ao conto de Andrés, porém este não se incomoda
e acredita que o mesmo cometeu um anglicismo ou uma tradução mental
a partir de “story” ou “short story”. Ricardo também parecia não estar à
vontade ao mencionar: “Mira, no sé cómo decirte. Tu narración me gusta,
es interesante, está bien escrita...” (PACHECO, 1997, p. 93). O uso das
reticências passa a idéia da aprovação de Ricardo pela “história”, mas um
desagrado do editor chefe. Nossa visão é comprovada quando Ricardo
comenta “De verdad créemelo, no sabes cuánto lamento esta situación.
Me hubiera encantando que Mr. Hardwick aceptara LA FIESTA BRAVA.
Ya ves, fuiste el primero a quien le hablé” (PACHECO, 1997, p. 94).
O conto é ferozmente criticado e descartado pelos dois editores da
revista por duas características básicas: problemas de forma – a estrutura
é confusa, deficiente e copia outros contos existentes, apresentando
problema de conteúdo – pois é uma provocação ao norte-americano.
Ricardo impõe inúmeras críticas ao conto e ao desempenho de
Quintana como escritor. Emprega a primeira pessoa do plural como forma
de amenizar a crítica num primeiro momento, mas no fundo seu discurso
mostra o consenso entre ele e o editor chefe da revista norte-americana.
Ricardo, ao citar Chejov e Maupassant, ironiza ferozmente o fato de
Andrés ter escrito o conto numa noite:
Como en Mexiquito no somos profesionales, no estamos
habituados a hacer cosas sobre pedido, sin darte cuenta
bajaste el nivel, te echaste algo como para otra revista, no para
la nuestra. ¿Me explico? LA FIESTA BRAVA resulta un
380
maquinazo, tienes que reconocerlo […] Sólo Chejov y
Maupassant pudieron hacer un gran cuento en tan poco tiempo
(PACHECO, 1997, p. 93)
Ricardo inferioriza a capacidade do escritor mexicano de um modo
geral. Andrés escutou com atenção as críticas e em alguns momentos
pensou em revidar ou contra-argumentar, mas não o fez. Sua atitude
demonstra a passividade já comentada por nós em relação a Andrés.
Pacheco emprega-o como imagem do mexicano que teve sua voz
silenciada ao longo da história, seja pelo colonizador espanhol, pelo
imperialismo norte-americano, por outras forças potencializadoras da
globalização. Andrés recordou as árduas horas da noite anterior na
construção de seu conto, mas tinha claro que o mesmo era o reflexo do
estudo e de seus pensamentos de anos inteiros na trama ideal para “La
fiesta brava”. Além disso, Andrés comentou “me duele menos perder el
dinero que el fracaso literario y la humillación ante Arbeláez” (PACHECO,
1997, p. 94).
Após escutar tantos rodeios e não saber o verdadeiro motivo do
não aceite do conto, Quintana parece reagir ao dizer “las excusas salen
sobrando: di que no sirve y se acabó. No hay ningún problema”
(PACHECO, 1997, p. 94). Com o comentário, Arbeláez ofende-se e
direciona-lhe mais críticas ofensivas, como a falta de precisão e de
símbolos no texto, os parágrafos confusos, o uso da segunda pessoa, em
suma, um escritor ainda reproduzindo um estilo de 1962:
Sí hay problemas. Te falta precisión. No se ve al personaje.
Tienes párrafos confusos – el último, por ejemplo – gracias a tu
capricho de sustituir por comas los demás signos de
puntuación. ¿Vanguardismo a estas alturas? Por favor, Andrés,
estamos en 1971, Joyce escribió hace medio siglo. Bueno, si te
parece poco, tu anécdota es irreal en el peor sentido. Además
eso del ‘sustrato prehispánico enterrado pero vivo’ ya no
aguanta, en serio ya no aguanta. Carlos Fuentes agotó el tema.
Desde luego tú lo ves desde un ángulo distinto, pero de todos
modos… El asunto se complica porque empleas la segunda
persona, un recurso que hace mucho perdió su novedad y
acentúa el parecido con Aura y La muerte de Artemio Cruz.
Sigues en 1962, tal parece (PACHECO, 1997, p. 94)
[…]
El final sugiere algo que no está en el texto y que, si me
perdonas, considero estúpido. No entiendo (PACHECO, 1997,
p. 95)
381
Não há intervenção nesse momento. Andrés escuta calado a todas
as críticas. O narrador não nos revela nenhuma informação sobre sua
reação ou seu comportamento. Ricardo defende a idéia de que “ya todo
se ha escrito. Cada cuento sale de otro cuento” (PACHECO, 1997, p. 94)
e diz que o conto de Andrés recorda a “La noche boca arriba”, de Julio
Cortázar e “Huitzilopochtli”, de Rubén Darío. Ricardo menospreza o texto
de Andrés por este dar voz ao indígena e resgatar o passado préhispânico numa época em que o mundo já é outro. Refere-se a Fuentes,
como o escritor responsável por explorar bastante o passado indígena
mexicano. Andrés afirma não ler literatura mexicana: “Jamás he leído un
libro suyo. No leo literatura mexicana... Por higiene mental” (PACHECO,
1997, p. 94).
O discurso da revista é a forma encontrada por Pacheco para
denunciar o olhar preconceituoso do estrangeiro para a produção local.
Ricardo sempre discrimina seu país; o uso do diminutivo Mexiquito
resume seu olhar de inferioridade para a nação. Andrés compreende o
rancor contra a literatura mexicana na fala de Ricardo. O mesmo no
passado recebeu comentários contrários ao que defendia em sua tese
sobre o romance mexicano:
El gran esfuerzo de revisar la novela mexicana halló un sólo
eco: Rubén Salazar Mallén, uno de los más antiguos críticos,
lamentó como finalmente reaccionaria la aplicación dogmática
de las teorías de Georg Lucáks. El rechazo de su modelo a
cuanto significara vanguardismo, fragmentación, alienación,
condenaba a Arbeláez a no entender los libros de aquel
momento y destruía sus pretensiones de novedad y
originalidad. Hasta entonces Ricardo había sido el juez y no el
juzgado. Se deprimió (PACHECO, 1997, p. 86)
O
resgate
da
desilusão
sofrida
por Ricardo
explica
sua
aproximação, adoção e defesa de costumes norte-americanos, uma
verdadeira transculturação. Darío (1975) já se perguntava, no ano de
1905, se a intervenção de capital americano no continente latinoamericano seria idêntica à espanhola: “Seremos entregues aos bárbaros
ferozes? / Tantos milhões de homens falaremos em inglês?297”. A
297
“¿Seremos entregados a los bárbaros fieros? / ¿Tantos millones de hombres
hablaremos inglés?”. [Tradução nossa]
382
resposta a essa pergunta, no contexto mexicano retratado no conto de
Pacheco, seria sim. Andrés não fala inglês por vergonha, mas traduz
mediante pagamento. Segundo as palavras de Ricardo, não há mais
salvação para o país, porque “México será la tumba del imperialismo
norteamericano, del mismo modo que en el siglo XIX hundió las
aspiraciones de Luis Bonaparte, Napoleón III298” (PACHECO, 1997, p.
95).
De alguma forma, Andrés reage ao sistema dominante e à
resistência cultural externa. O escritor, deslocado da fama, do centro e do
status que o país lhe outorga, parece vingar-se com seu conto “La fiesta
brava”, em que propõe um ritual asteca (retorno ao passado indígena)
como mecanismo de controle às forças estrangeiras (a morte de um
militar norte-americano). Os motivos pelos quais Quintana elabora seu
conto são nítidos: romper a resistência cultural e castigar o invasor anglosaxão. Atos que anunciam a compreensão final do conto de Pacheco.
Parece que esse retorno a uma identidade nacional, proposta do conto de
Quintana, também é uma denúncia de Pacheco. Infelizmente, Andrés não
prevê o poder de seu cliente, Mr. Hardwick, tampouco sabe como reagir.
O editor chefe da revista simboliza a imagem da cultura destruída no
conto de Quintana. Ricardo comenta:
Pero, Andrés, en qué cabeza cabe, a quién cabe, a quién se le
ocurre traer a una revista con fondos de allá arriba un cuento
en que proyectas deseos – conscientes, inconscientes o
298
O personagem faz alusão ao período entre 1862 e 1867, quando Bonaparte interveio
no México, numa guerra que arruinou as finanças francesas. Com a finalidade de manter
o comércio francês na América, controlar a crescente hegemonia norte-americana e
acabar à instabilidade política entre grupos locais, as tropas francesas invadiram e
prestaram apoio à oposição ao governo do México, derrubando seu presidente Benito
Juárez. Bonaparte e os monarquistas mexicanos conseguem nomear imperador
Maximiliano de Habsburgo-Lorena, que governa com muitas dificuldades, de 1964 a
1967. O governo do presidente Juárez é citado por Pacheco no conto “La cautiva”
quando o narrador se refere a um convento utilizado como quartel pelas tropas
francesas: “En el siglo XIX lo expropió el gobierno Juárez y durante la intervención
francesa sirvió como cuartel. Por su importancia estratégica fue bombardeado en los
años revolucionarios y la guerra cristera condujo a su abandono definitivo en 1929”
(PACHECO, 2008, p. 41). Segundo Bruley (2009), "é difícil imaginar, hoje, o quanto o
México fascinava a Europa em meados do século XIX. Naqueles anos de otimismo e
audácia inusitados, os intelectuais já estudavam os maias e os astecas, sua escrita
misteriosa e seus monumentos enigmáticos [...] Os franceses passaram a imaginar um
tipo de efeito dominó: depois do México, haveria um modelo a ser seguido por quase
todas as ex-colônias tornadas repúblicas nas Américas".
383
subconscientes – […] de chingarte a los gringos (PACHECO,
1997, p. 95)
Ricardo questiona a ingenuidade de Andrés escrever um conto
com desejos de afastar o turismo do país e de atacar ferozmente aos
gringos numa revista mantida com o capital norte-americano. Imbuídos
por seus ideais compatriotas, não é aleatória a acusação de Mr. Hardwick
ao conto “[...] la trama le pareció burda y tercermundista, de un
antiyanquismo barato” (PACHECO, 1997, p. 95). Após esta crítica,
Quintana rompe o silêncio e simula ter aceitado a opinião de Ricardo
sobre a agressão disfarçada aos Estados Unidos em seu conto: “Quizás
tengas razón. A lo mejor yo solo me puse la trampa” (PACHECO, 1997, p.
96).
Ricardo dá algum dinheiro a Andrés pelo trabalho realizado e
solicita que o mesmo apresente outra idéia, mesmo que não seja para o
primeiro
número.
Na
verdade,
pede-lhe
para
que
reveja
seus
posicionamentos. Mais críticas ao país surgem nas palavras de Ricardo,
ao perceber o receio de Quintana em receber a quantia:
Esta revista no trabaja a la mexicana: lo que se encarga se
paga. Aquí tienes: son doscientos dólares nada más, pero algo
es algo. Ricardo tomó de su cartera diez billetes de veinte
dólares […] No te sientas mal aceptándolos. Es la costumbre
en Estados Unidos […] fírmame este recibo y déjame unos días
tu original para mostrárselo al administrador y justificar el pago.
Después te lo mando con un office boy, porque el correo en
este país… […] Oye, el pago no te compromete a nada:
puedes meterte tu historia en cualquier revista local.
(PACHECO, 1997, p. 96)
As palavras de Ricardo denotam o desprezo pelo conto de
Quintana, o mesmo não vale mais que duzentos dólares, além de
dispensar reter uma cópia do texto. O personagem faz uma crítica ao
sentimento
paternalista
das
revistas
mexicanas
daquele
tempo
interessadas, sobretudo, na divulgação e no reconhecimento de novos
talentos locais.
Andrés sai daquela sala rumo ao metrô querendo esquecer toda
aquela agonia e conversa. O narrador descreve sua saída do prédio e do
caminho até a estação num tom um pouco sombrio:
384
Andrés regresó a la noche de México. Fue hasta la estación
Juárez y bajó a los andenes solitarios […] Hacía calor en el
túnel. De pronto lo bañó el aire desplazado por el convoy que
se detuvo sin ruido. Subió, hizo otra vez el cambio en Balderas
[…] sólo había tres pasajeros adormilados. (PACHECO, 1997,
p. 97)
Andrés retira da pasta a última cópia de seu conto e decide rasgálo e descartá-lo. Retira do bolso os dólares, os contempla por alguns
minutos, mas pensa na tamanha humilhação a que fora submetido e em
como contaria tudo à Hilda. Andrés via sua imagem refletida no carro do
metrô devido ao jogo de luzes e reflete:
Cara de imbécil. / Si en la calle me topara conmigo mismo
sentiría un infinito desprecio. / Cómo pude exponerme a una
humillación de esta naturaleza […] Todo es siniestro. / Por qué
no chocará el metro. / Quisiera morirme. (PACHECO, 1997, p.
97)
Os três homens presentes no vagão o observavam, talvez Andrés
estivesse falando em voz alta todos seus pensamentos. Nesse momento,
a história “real” de Andrés parece cruzar-se a do personagem Keller de
seu conto. Acreditamos que Quintana tenha percebido algo, porque
“desvió la mirada y para ocuparse en algo descorrió el cierre del
portafolios y cambió de lugar los dólares” (PACHECO, 1997, p. 98).
Desceu na estação de Insurgentes com seus portfólios, escutou pelo altofalante o anúncio da última viagem da noite. Nisso, avistou uma inscrição
num cartaz com a seguinte mensagem “Asesinos, no olvidamos Tlatelolco
y San Cosme”. Andrés identifica e corrige mentalmente o erro na frase,
seu emprego não é aleatório. Possivelmente, critica o mandato de
Echeverría Álvarez e sua ligação com os Estados Unidos.299 Não se dá
conta da mensagem política presente no escrito, na demanda contra a
violência dos mexicanos contra mexicanos.
299
O massacre de Tlatelolco ocorreu, no dia 02 de outubro de 1968, na Plaza de las Tres
Culturas, em Tlatelolco, na Cidade do México, dez dias antes do início das Olimpíadas,
naquele ano, celebradas no México. O genocídio partiu de meses de instabilidade
política na capital mexicana, eco do local das manifestações e de rebeliões estudantis.
Com a atenção do mundo focada no México por conta dos jogos, os estudantes
exploram essa oportunidade para protestar. O presidente Gustavo Díaz Ordaz Bolaños
ordena que o exército ocupe o campus da Universidad Nacional Autónoma de México e
controle as manifestações ocorridas na Plaza. Especula-se a participação dos Estados
Unidos nessa matança, porém o certo é que, por conta da segurança dos jogos,
forneceram ao México equipamentos de comunicação, armas, munição, material de
treino para controle de atentados e outros.
385
O cenário parece muito ao ambientado pelo próprio Andrés em seu
conto. Seu personagem embarca no último vagão do metrô, numa sextafeira, 13 de agosto, à noite, na estação de Insurgentes, rumo ao
desconhecido, à morte. Enquanto caminhava na estação, Andrés
acompanhou o trem que ganhava velocidade no sentido da estação
Zaragoza, e conseguiu observar um homem de aspecto norte-americano
e camisa verde no último vagão. Nesse momento, podemos afirmar que
há o enlace entre as duas narrativas (a primeira e a segunda, de acordo
com nossa divisão) até aquele momento separadas, inclusive, com
realidades distintas, pois uma seria “real” (a vida de Andrés Quintana) e a
outra “ficcional” (um conto criado por Quintana). Ambas conduzem o leitor
à terceira narrativa.
O homem do último vagão avistado por Quintana seria Keller. O
narrador da primeira narrativa narra o momento exato do cruzamento de
ambos:
[...] y por la noche del viernes señalado, camisa verde,
Rolleiflex, descenderá a la estación Insurgentes y cuando los
magnavoces anuncien que el tren subterráneo se halla a punto
de iniciar su recorrido final, usted subirá al último vagón, en él
sólo hallará a unos cuantos trabajadores que vuelven a su casa
en Ciudad Nezahualcóyotl, al arrancar el convoy usted verá en
el andén opuesto a un hombre de baja estatura que lleva un
portafolios bajo el brazo y grita algo que usted no alcanzará a
escuchar (PACHECO, 1997, p. 72)
Andrés, na plataforma do metrô e portando seus portfólios, tentou
gritar, porém não conseguiu ser ouvido. Keller encontra-se em outro nível
do “real” e não escuta o aviso de Andrés. O que Andrés teria a dizer
aquele homem? Será que percebeu a coincidência dos “fatos reais” com a
história escrita por ele na noite anterior? O homem do último trem seria
Keller? Ou qualquer outro homem? As ações e a descrição elaboradas
pelo narrador da primeira história assemelham-se à “vida real” de Andrés.
A segunda narrativa termina com a seguinte imagem:
El capitán Keller ya no alcanzó a escuchar el grito que se
perdió en la boca del túnel. Andrés Quintana se apresuró a
subir las escaleras en busca de aire libre. Al llegar a la
superficie, con su mano hábil empujó la puerta giratoria. No
pudo ni siquiera abrir la boca cuando lo capturaron los tres
hombres que estaban al acecho. (PACHECO, 1997, p. 98)
386
Algumas pistas permitem traçar leituras possíveis para o final de
Andrés, restando ao leitor chegar a uma conclusão possível. Na
passagem acima, Andrés parece sentir a mesma falta de ar do
personagem de seu conto. No conto de Quintana, o personagem Keller
buscou, em vários momentos, encontrar uma saída, uma porta ou uma
passagem entre as galerias do túnel que o levassem à saída, Andrés
consegue, mas é capturado na saída do metrô. Ambos são acometidos
pelo mesmo fim, a morte, consequente com o momento histórico em que
se encontram. Quem teria capturado a Andrés? Seriam os mesmos
homens de camisa verde que o observavam no vagão? Seriam norteamericanos?
Ao se despedir de Ricardo, Andrés convida-o para partirem juntos,
porém esse não aceita porque ainda precisava dar alguns telefonemas.
Andrés suspeita desta atitude por conta do horário, afinal eram umas
onze da noite. Teria Ricardo contratado alguém para castigar Andrés
devido à ideologia de seu conto? Seria Andrés uma ameaça ao avanço
norte-americano? Ou ele também poderia ter sido capturado por
criminosos mexicanos, habitantes da cidade caótica? Ou, ainda, poderia
ter sido capturado pelos astecas da Guerra Florida?
A terceira narrativa representa o anúncio publicado num jornal em
que se recompensa “AL TAXISTA o a cualquier persona que informe
sobre el paradero del señor Andrés Quintana” (PACHECO, 1997, p. 67).
Ao especificar um grupo (o dos taxistas) dentro do demais, verificamos
que há outra relação com o conto escrito por Quintana, pois, um táxi
suspeito também conduziu Keller do Castillo de Chapultepec até seu
hotel. Keller foi conduzido até a morte por meio das estações do metrô da
cidade, já o táxi pode ser o meio de transportar Quintana até seu fim
trágico.
O conto de Pacheco mostra uma tentativa de regresso à cultura
indígena através da primeira narrativa (o conto de Quintana). O “sustrato
prehispánico enterrado pero vivo”, ao qual Arbeláez se refere de modo
irônico como um tema “literário” totalmente explorado por Fuentes, sai da
“ficção” e passa ao “real” e isso é mais um elemento que comprova o
387
cruzamento dos “reais ficcionais” da história de Andrés e Keller. A
esperança de retorno ao passado indígena como forma de resolver o
problema da identidade fragmentada dos mexicanos e a dependência
cultural aos Estados Unidos se vê cancelada por duas ações da narrativa:
a primeira quando o próprio Quintana descarta o original de seu conto e, a
segunda, quando ele é capturado e desaparece na saída do metrô,
independente de quem o captou.
Pacheco ao empregar o cenário do metrô (a estação Insurgentes
anuncia e cancela a proposta indígena), um dos símbolos de uma cidade/
sociedade moderna, parece, dotado de seu papel intelectual, anunciar a
ruptura entre o México histórico e o contemporâneo. A nostalgia indígena
é tida como uma realidade impossível diante dos símbolos e elementos
da sociedade globalizada. O escritor se dá conta, talvez, de uma
realidade óbvia: nada irá recuperar a noção de uma identidade nacional
ou reafirmar os direitos indígenas, porque esses também já são herdeiros
de um tempo de degradação, de marginalização e de caos. O papel do
escritor mexicano está em insistir na formação da nacionalidade, criticá-la,
revisá-la, melhorá-la e construí-la com os outros.
A partir do monstruoso crescimento da cidade do México e da
corrupção política evidente nos anos setenta, Pacheco transfere os
conflitos sociais ao terreno da literatura. Retoma a história e problematiza
fases obscuras para projetá-las desde seu olhar e sua verdade. Pacheco
manifesta, em sua obra, a corrupção, a violência, a solidão, o vazio, entre
outros males da sociedade, como temas que não encontram uma solução
sem que haja o controle do caos provocado pelos modelos e discursos
hegemônicos.
388
CONCLUSÃO
A análise detalhada da obra de José Emilio Pacheco, por meio de
uma fundamentação teórica pertinente para corroborar nossa leitura e
hipótese, nos permite destacar e concluir pontos importantes para a
compreensão do estilo literário desse escritor.
Na primeira parte deste estudo, revelamos a figura de Pacheco
como intelectual, humanista, eterno leitor e defensor da literatura como
obra coletiva. Além disso, o escritor é um observador e crítico severo das
questões políticas e sociais de seu país. Constatamos que para uma
melhor compreensão da obra de Pacheco faz-se fundamental o
conhecimento da notória contribuição das civilizações indígenas do
México. Isso comprova que a história do passado contribui na leitura do
momento presente, sendo o próprio texto literário o mediador e o
responsável pelo enlace desses tempos. Ao tomar a história como plano
de fundo de sua arte, Pacheco, em seu momento de inspiração e criação
literária, cria um discurso ficcional a partir do seu olhar para a realidade,
sabendo também que é tarefa do escritor criar novas realidades ilusórias.
Pela leitura de sua obra, podemos compreendê-la como recriação
e tentativa de resgate de inúmeras realidades. Independente de suas
temáticas, expressa o desejo de Pacheco em deixar transparecer os
problemas mais latentes que atingem o homem mexicano — desde o seu
passado pré-hispânico até à contemporaneidade — e, principalmente, o
entorno histórico que envolveu os momentos de formação de sua
identidade cultural.
No primeiro capítulo da pesquisa, a necessidade de compreender o
fazer artístico de Pacheco exigiu nossa atenção para os dois gêneros em
que o escritor mais publicou. A classificação da literatura em gêneros
inicia-se com os estudos de Platão e de Aristóteles. Desde então, a teoria
proposta pelos dois filósofos modela-se e complementa-se, no decorrer
dos séculos, na tentativa de dar sentido à materialidade dos textos. Em
contrapartida, outros teóricos se mostraram contrários à divisão dos textos
em gêneros. No México, o uso da palavra como representação artística
389
fez-se presente desde os poemas e as narrativas orais dos astecas, que
propagavam sua cultura, seus feitos históricos e suas mágoas; passou
por escritores crioulos e mexicanos, que construíram, cada qual a sua
maneira, uma literatura autêntica com fortes preocupações na vida
cotidiana.
Na visão de Pacheco, a arte de criação artística é um trabalho
solitário, pois o escritor pode decidir os contornos de um texto a partir da
necessidade temática e, ao mesmo tempo, coletivo, quando temos em
mente que todo discurso traz implícito diversas vozes.
Buscamos traçar a presença e o desenvolvimento do gênero conto
no cenário hispano-americano para compreender o modo como Pacheco
o idealiza. Afinal, a primeira experiência literária do autor se deu no
campo da narrativa, no texto “Tríptico del gato”, cuja trama se divide em
três relatos. Pacheco rompe com a linguagem tradicional e mostra,
através da forma como escreve, o pensamento de um sujeito moderno. A
realidade fragmentada da sociedade do século XXI reflete, numa narrativa
de começo e final inesperados, o caos, a violência, o medo e a solidão de
habitar a metrópole mexicana. Para alcançar essa essência de uma
realidade esfacelada, o escritor dialoga sua prosa com sua linguagem
poética e outras influências artísticas.
A arte de escrever contos funcionou para Pacheco como um
laboratório
para
experimentação
de
novas
textualidades.
Compreendemos que para o escritor, o trabalho de criação do conto trava
uma batalha entre a realidade visível e a realidade imaginada. Através de
imagens significativas, o autor transmite a alquimia que lhe é significante
num espaço sintetizado, pois o conto, desde suas origens, se preocupou
em ser breve. Diferente do romance, o conto limitou-se a recortar uma
ampla imagem da realidade, semelhante ao papel de uma máquina
fotográfica, ao captar uma imagem estática e reduzida de uma pessoa,
lugar ou objeto, para plasmá-la numa linguagem que ultrapasse os limites
constantes de uma folha de papel.
390
Os discursos introduzidos pela vanguarda mexicana, representada
pelos movimentos poéticos Estridentista e Contemporáneos, souberam
expor suas ideologias e defender a inovação estética da linguagem como
símbolo
de
liberdade.
É
notório
nos
movimentos
vanguardistas
mexicanos, certas parcelas de influência da Generación del 27, da
escritura proposta por Valéry e Breton e da literatura norte-americana.
Portanto, sempre há um diálogo permanente entre a renovação e a
tradição.
Também não podemos esquecer a contribuição da geração Taller,
no desenvolvimento do canto pessimista de Pacheco. A partir dessa voz,
não há como negar a influência dos movimentos anteriores à sua poesia.
Pacheco afirma, de modo semelhante à trajetória literária de Octavio Paz,
que cabe ao escritor vivenciar todas as formas de manifestação da
linguagem, extraindo as sementes inspiradoras para a constituição de sua
arte. No caso da poética de Pacheco, sobressai a vertente da poesia de
caráter social, devido também a seu interesse e experiência por temas
jornalísticos. O texto, para Pacheco, é a única forma de comunicação
capaz de revelar os sentimentos mais intrínsecos do ser, pois resulta, no
ato de sua leitura, de um espaço de encontro de experiências.
A vivência em sociedades multiculturais, marcadas pelo avanço da
tecnologia, reflete, de modo direto, na configuração de novas formas
literárias contemporâneas. O miniconto, a minificção e o poema em prosa
não são gêneros tão recentes, porém adquirem novas roupagens na
literatura pachequiana. Vimos que, constantemente, a linguagem
necessita se remodelar para captar a cidade como um corpo vivo. A
complexidade, a presença de diferentes culturas e o individualismo
exacerbado resumem o factual cotidiano da urbe dos últimos anos, e o
projeto literário alimentado por Pacheco ao assimilar um discurso bem
próximo da realidade que o ampara.
Ao propor, neste estudo, uma análise do espaço urbano mexicano
na produção em verso e em prosa de Pacheco, não queremos afirmar a
existência de uma hibridação genérica no modo como o autor projeta
seus textos, no entanto, reconhecemos sua capacidade em diversificar
391
sua arte num trabalho coerente do ponto de vista temático. Além do mais,
respondendo a uma pergunta proposta na introdução deste estudo, o
autor mantém uma mesma leitura da urbe mexicana no decorrer de sua
produção e nos distintos gêneros.
Na obra de Pacheco, identificamos a presença de um tom
ensaístico em suas entrelinhas, possivelmente, explicado pelo contato do
escritor com o universo dos jornais e das revistas mexicanas, para os
quais contribuiu como crítico literário. Não podemos esquecer que a
escritura de Pacheco é a de um indivíduo mexicano, filho de um militar
assassinado à queima roupa, que não aceitou ser corrompido pelo
sistema político de sua época. Portanto, a voz do escritor luta pela
sobrevivência num país desigual e injusto. Acreditamos que isso tenha
implicado o seu modo de pensar e fazer literatura, ou seja, na forma de
narrar, de selecionar as imagens poéticas ou na escolha da linguagem
ideal de seus escritos.
No segundo capítulo deste estudo, apresentamos nossa definição
para o conceito de cidade, corroborada pelas leituras de Néstor García
Canclini e Renato Cordeiro Gomes. Traçamos um percurso pela capital
mexicana desde sua fundação pelos astecas até sua disposição como
cidade caótica. Também, expressamos nossa defesa pelo conceito de
“cidade vídeo-clip” atribuído por Néstor García Canclini para a Cidade do
México, porque consideramos que ela apresenta, na atualidade, vestígios
das cidades que a antecederam.
Os espanhóis, ao chegarem em terras americanas, trazem consigo
ideais voltados para as intenções da Coroa espanhola, fato que confirma
o olhar do “não-lugar” desenvolvido por eles ao observarem as cidades
mexicanas desde sua formação. O não estabelecimento de uma
identidade com o espaço social corrobora as ações destrutivas que
fizeram desaparecer, de modo parcial, grande parte das ruínas de
Tenochititlan. Observamos, então, que o espaço citadino sempre foi alvo
de espectadores, podendo esses sujeitos desenvolverem diferentes
olhares, com diferentes objetivos.
392
A cidade e seus constituintes são grande força motriz no
estabelecimento das relações entre os sujeitos que se reconhecem
nesses espaços. Ao mesmo tempo, leva-os a uma recordação de toda a
história dos seus antepassados, e essa estará sendo reconstruída dia a
dia, a partir do momento em que o indivíduo visualiza o ambiente ao seu
redor, e esse ambiente, de certa maneira, também o observa em suas
ações e seus posicionamentos.
O conceito de caos urbano sintetiza, de acordo com nossa
interpretação, as angústias e os problemas enfrentados pelos sujeitos da
cidade. A violência, o medo, a solidão são sinais reveladores da urbe
mergulhada no caos, que denunciados, através da voz singular de
Pacheco, representam o desejo de inúmeros anônimos da sociedade.
O retrato da Cidade do México, traçado por Pacheco como um
lugar sem salvação, representa uma ressemantização do mito bíblico de
Babel, portanto a capital mexicana também pode ser lida como babélica.
A falta de planejamento urbano, aliada ao número elevado de seus
habitantes, constrói a imagem dessa cidade estilhaçada, sem solução
aparente para ordenar o caos. A variedade de costumes culturais
presentes no país, ora influência européia, ora norte-americana, também
intensifica a releitura do mito. A ruína, entendida como destruição, é a
única maldição da Babel contemporânea. No mito bíblico, a destruição
simbólica da torre representou a dispersão dos homens. Já a Babel
mexicana, idealizada e expressada pelo pessimismo do escritor, caminha
para o apocalipse, ou seja, para a impossibilidade de se tornar feliz.
Por meio do contexto apresentado acima e do olhar pessimista de
Pacheco para a capital mexicana, desenvolvemos, no terceiro capítulo, a
análise do corpus da pesquisa, adotando uma divisão entre a poesia e a
prosa, meramente didática. Como esboçamos, no início desta conclusão,
percebemos na obra de Pacheco um projeto literário de denúncia da
realidade como uma verdade linear. Em ambos os gêneros, a imagem da
cidade não é um mero pano de fundo de sua obra, porém um
personagem complexo. Com uma única diferença, comparando seus
textos em prosa e em verso, o autor, em seu discurso narrativo, intensifica
393
cenas e exemplos denunciadores da entrada do capital financeiro e
cultural norte-americano, bem como referências históricas mexicanas
mais concretas.
O autor não tenta ordenar o caos com seu discurso, mesmo porque
ele não acredita em salvação, contudo tenta alertar ao leitor da existência
de uma vida cada vez mais fragmentada. Os problemas e as angústias
que rondam a vida dos habitantes da urbe povoam as imagens dos
sujeitos poéticos de seus textos, a vida de seus personagens aparecem
nos flashes da memória de seus narradores. Em suma, a cidade é um
desafio para a literatura, porque suas inúmeras possibilidades de
representação extrapolam o texto literário.
A poesia contemporânea de Pacheco só pode ser compreendida
se mantivermos a memória das culturas pré-colombianas. A contribuição
das culturas anteriores à chegada dos espanhóis, — principalmente, a
dos astecas — em solo mexicano, não se constitui somente pelo legado
artístico e arquitetônico, mas sim por permitir que os sujeitos da
contemporaneidade tenham dentro de si o espírito aventureiro de tais
povos. Podemos confirmar que a carga fatalista, presente no imaginário
indígena, permanece até os dias atuais nas ações do homem moderno
mexicano, obrigado a estabelecer contato com novas culturas e suas
ideologias, fato derradeiro da globalização dos tempos.
Desde os primeiros discursos dos conquistadores, com o objetivo
de retratar o continente, nunca o homem americano foi centro de
discussões e atenções. Sempre esteve à margem da sociedade européia,
responsável por contar a verdade dos fatos, já que segundo critica Walter
Benjamin, cabe aos vencedores expor os fatos aos oprimidos.
Principalmente, no México, tal colocação ajuda a entender a diminuição
do ideal coletivo nos espaços urbanos, devido ao fato de seu passado
possuir
não
só
uma
marca
sangrenta,
mas
também
outros
acontecimentos trágicos em sua história.
A poesia de Pacheco evidenciou que a vida contemporânea
necessita de um sujeito mais ativo em suas relações, e que o contato com
394
o outro se faz muito relevante na luta contra o individualismo. Pensar o
sujeito na sociedade global é tentar levá-lo a compreender novos tempos,
novas buscas e novos discursos. Com isso, o diálogo passa a ser central
na vida contemporânea, já que tudo pode ser construído e confirmado
pelo poder da palavra.
Percebemos, por meio da voz do sujeito de seus poemas, que
Pacheco se insere no grupo dos poetas de denúncia, pelo emprego
exemplar, em sua produção, de uma leitura crítica dos vários momentos
vividos pelo México, e porque se mostra preocupado com o caos urbano,
originado pela aglomeração de pessoas que vivem nesse mesmo espaço.
Pacheco permitiu que pensássemos, junto ao sujeito poético de
seus textos, soluções e possíveis caminhos para seu país, onde seus
governantes oferecem quase sempre falsas esperanças. Às vezes, essas
falsas esperanças não nos permitem reconhecer certos momentos de
felicidade na poética de Pacheco, porém baseado nessas falhas, o poeta
busca forças para cantar em prol de seu país, na construção de novos
tempos. Para Pacheco, o tempo é como um mero objeto de reflexão da
própria história de seu povo, e de meta para novas descobertas.
Pacheco afirma que cabe à poesia o papel de revelar nossos
desejos mais profundos, deixando transparecer o que não conseguimos
dizer na vida real. Desse modo, a poesia é capaz de desvendar o que em
um primeiro momento não seria visto por um simples olhar, sem o mesmo
ser crítico e perspicaz.
Apesar de a crítica especializada considerar que a poesia de
Pacheco divide-se em fases, defendemos o ponto de vista de que, em se
tratando de um poeta que sempre buscou uma escritura polifônica entre
seus textos, não podemos limitar seu canto a três momentos. Pacheco
defende e pratica a idéia da reescritura de seus próprios escritos,
dificultando com isso, uma mera divisão de estilo de sua produção.
Na produção poética de Pacheco, as transformações do corpo
físico e social da cidade assumem um importante valor simbólico, pois são
centro das atenções do olhar do poeta, sendo através desse que o
escritor poetiza as causas mais latentes da vida mexicana. A contribuição
395
de Charles Baudelaire sobre o olhar para o espaço urbano permitiu tal
leitura.
A produção poética do escritor mexicano parte do seu olhar crítico
e nostálgico, desde a retomada da história de seus antepassados até a
fragmentação imposta pela modernidade, como preferimos caracterizar
essa época. Defendemos a idéia de que a atmosfera do caos, das
individualizações e das incertezas é uma constante na vida do sujeito
moderno. Nesta época dos “valores líquidos”, segundo Bauman, resta aos
escritores e artistas assimilarem o vazio dos tempos e denunciarem as
injustiças humanas e sociais.
A imagem do caos, na poética de Pacheco, ao mesmo tempo que
revela a incerteza do homem mexicano perante sua existência, repleta de
tristezas, mágoas e recordações, permite ao homem repensar as
questões mais palpitantes que atingem o imaginário de sua cidade/país
no cenário global.
A construção de uma autêntica identidade no cenário da
globalização, mesmo que coletiva, necessita de um maior encontro dos
discursos que se lançam no corpo da cidade, porque é a partir da
linguagem que o indivíduo constrói o seu caminho na história, e troca
experiências com os demais sujeitos. Pensar a identidade na época
global é pensá-la na sua construção e discussão com os demais sujeitos
urbanos.
Em relação à prosa de Pacheco, apresentada e analisada no
terceiro capítulo, destacamos, primeiro, a variedade narrativa adotada
pelo escritor para dar forma ao múltiplo retrato da Cidade do México. Sua
narrativa pode ser classificada como contemporânea. Por meio do uso de
uma linguagem fragmentada, da intertextualidade e da aproximação com
o movimento estético do Pop Art, o autor mostrou uma crítica ao
crescimento
desmedido
da
capital
mexicana,
o
processo
de
modernização em que o elemento local se desvaloriza, a invasão dos
meios de comunicação, o consumismo e a invasão norte-americana.
Pacheco, em sua forma de narrar, remete à tradição com uma nova
proposta de escritura e inova na adoção de protagonistas crianças ou
396
adolescentes, mas que demonstram, em sua grande maioria, atitudes e
uma mentalidade de sujeitos adultos. Por meio das vozes e das atitudes
desses personagens, conhecemos os problemas da desordem social que
contagia as cidades mexicanas. A violência e o medo, na narrativa, não
são gerados pelo narcotráfico como ocorre nas periferias das grandes
cidades da América Latina, todavia pela própria batalha das relações
humanas. A desilusão e outros mal-estares transformam-se em rotinas
diárias na vida do homem moderno. Pacheco os retrata de diferentes
modos, às vezes, cria situações que se aproximam ao fantástico como
nos relatos “El viento distante” e “La fiesta brava”, trazendo à tona os
limites entre o real e o imaginário.
Em Las Batallas en el desierto, Pacheco não poupa o uso de
referências históricas em seu texto para corroborar seu projeto literário e
a tessitura do retrato sociológico da metrópole mexicana. Através da
história e da realidade visível, o escritor mostra a aparição do
neoliberalismo no cenário político e a evolução das comunicações nos
anos oitenta do México. Tal política neoliberal encontra mais facilidades
de propagação numa sociedade globalizada e homogênea, por isso, o
interesse em anunciar a transculturação proposta pelo consumismo norteamericano.
A mudança de costumes e a rápida ascensão social da família de
Carlitos, a figura da mãe de Jim como símbolo da mulher moderna e
objeto sexual e a corrupção política são críticas diretas do autor ao
avanço norte-americano sobre a cultura mexicana. A atração de Carlitos
pela mãe de Jim é um pretexto, empregado pelo autor, para denunciar o
consumismo e o corpo como objeto de desejo. Nos contos “La reina” e
“La zarpa”, o escritor também se refere (in)diretamente ao tema corpo,
mas esse com um sentido de representar poder sobre outro ou
personificar um conflito interno do sujeito na imensidão e na agitação da
urbe.
Na minificção “Shelter”, o tema do medo aparece como um dos
efeitos provocados pela violência e o mal-estar do caos urbano. A
possibilidade de um acidente nuclear fez com que o personagem se
397
distanciasse da vida real e criasse uma nova realidade, pelo menos em
seu inconsciente. O medo, neste relato, é fruto do isolamento imposto
pelo novo modo de habitar a cidade, no qual o indivíduo não sabe mais
em que e quem acreditar.
Apesar da correria da vida moderna não possibilitar mais um olhar
atento por parte do sujeito, o mesmo não ocorre com o projeto literário de
Pacheco. O autor, por meio de um olhar investigativo, reflexivo, contempla
a urbe através de uma literatura capaz de reunir os diferentes tipos
humanos que fazem parte da cidade, traçando para o leitor um grande
álbum da condição humana, uma das principais responsáveis por
intensificar o caos urbano e seus desdobramentos.
Para concluir, nenhuma imagem ou palavra é aleatória na obra de
Pacheco. O autor percorreu todos os gêneros literários, logrando a
tessitura de uma arte literária que dialoga com o próprio projeto literário
do escritor e com os demais intelectuais do contexto hispano-americano.
Sua obra mais parece um canto único de defesa pela construção de um
pensamento sobre a nova configuração da mexicanidade, já realizada por
Octavio Paz. O leitor de Pacheco parece estar diante de uma literatura
linear, mas se engana ao descobrir inúmeros intertextos e referências
históricas em sua obra, inclusive, em seus ensaios, pouco estudados pela
crítica, reveladores de um elaborado trabalho de linguagem.
Esta pesquisa contribuiu, certamente, para aumentar a fortuna
crítica existente sobre a obra do escritor mexicano, principalmente, no
Brasil, em se tratando de um autor que começa a ocupar a atenção dos
pesquisadores da área. Além disso, são poucos os estudos críticos sobre
o tema do caos e os quais denominamos de seus desdobramentos. Isso
nos instigou a propor esta pesquisa, tendo em vista que o discurso de
Pacheco é considerado como canônico. Assistimos, normalmente, o tema
do caos, do medo e da violência como um fenômeno encontrado nas
literaturas marginais, mais recentes, a partir dos novos discursos da (pós)
modernidade, que tentam dar conta do cenário político-econômico atual
de algumas cidades latino-americanas, impregnado de horror e violência
urbana. Obras essas retratadas por autores, considerados como não
398
canônicos, e que vão sendo incorporadas na tentativa de abarcar novos
sentidos a complexidade cultural da América Latina.
Tem-se na obra de José Emilio Pacheco o desejo de vivenciar
novos tempos e criar diferentes realidades, a partir das experiências
diárias mais comuns ao indivíduo. Pacheco mostra-nos que sua literatura
é o resultado de uma prática diária de vida, ou seja, de vivenciar e de
experimentar cada vez mais o momento, o instante. Não há como
programar um discurso, já que, segundo o escritor, o mesmo forma-se a
partir da experimentação de uma realidade histórica do homem. Cabe
destacar que, finalmente, numa literatura tão diversificada, não se esgota
o universo de leituras possíveis incitadas por sua obra, sendo necessária
uma eterna busca por novas linguagens e novos sentidos em suas
entrelinhas.
399
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